Alquimia de Uma Corporação

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Qual empresa global com receita anual de 130 bilhões de

José Luiz Bassetto (org.)

José Luiz Bassetto (org.)


dólares teria em seus quadros 3 líderes experientes, qua-
lificados e prontos para substituir um CEO emblemático
como John F. Welch, quando este se aposentou em 2001,
após mais de 20 anos no comando da General Electric?
Essa façanha só é compreensível se atentarmos para as
ALQUIMIA DE UMA CORPORAÇÃO Na sociedade do novo milênio, o aprendizado contínuo
é requisito fundamental de inserção, tanto para indi-
víduos quanto para organizações.
necessidades de recursos humanos desta corporação tão
diversificada, e para as estratégias de atendimento a es-
A magia de um treinamento Uma das corporações precursoras deste princípio, já
tas demandas em todo o mundo. há muitas décadas, é a GE. Daí seu sucesso em com-
patibilizar escala e diversificação com crescimento
Tudo começa com a estratégia de recrutamento dos sustentável e consistência de resultados.
melhores e mais diversificados talentos nas áreas de O que faz a grandeza da General Electric?
finanças, engenharia, marketing, industrial, informática Este livro, “Alquimia de uma Corporação – A magia de
e recursos humanos.
É a competência e a dedicação de seus colaboradores.
um treinamento”, apresenta uma envolvente coletâ-

ALQUIMIA DE UMA CORPORAÇÃO


Um plano anual de desenvolvimento de carreira orienta Sua cultura, treinamento e competitividade são fundamentais para bem nea de depoimentos que, como se fossem “cases” de
cada profissional para o seu aprimoramento contínuo, geri-la. vidas, apresentam riqueza de conceitos e de experi-
definindo expectativas, avaliando desempenho e ajudan- ências, marcando os autores no processo de aprender
do a melhorá-lo por meio de diversas técnicas e progra-
Este livro mostra como se faz esta grandeza, também no Brasil, por meio – fazer – ensinar – viver intensamente.
mas de treinamento. de relatos de 12 dos profissionais que lideraram o crescimento da GE em
nosso País. Em depoimentos reais, estes ex-executivos, que somam 163 Sem ser acadêmico, é um retrato profundo para o pro-
Crescimento global se constrói sobre uma sólida infra- fissional maduro, mas também simples e direto para
estrutura financeira. Cumprimento os 12 escritores que,
anos de devoção à GE, contam histórias dos bastidores de uma mega-
corporação e sua atuação em nosso ambiente econômico, com todas jovens que buscam equilibrar objetivos de carreira e
individualmente, descreveram de maneira tão rica e in- de vida.
teressante seu treinamento inicial em finanças e a forma as suas extravagâncias. Como foram recrutados e desenvolvidos, como
como este forjou seu futuro. ocorreram as promoções e mudanças de empresa e como, há 40 anos, A ênfase na experiência da formação econômico-
A GE Brasil é reconhecida historicamente como uma em- mantêm um contato de amizade com colegas e ex-colegas em todo o financeira, que caracterizou a vivência pessoal dos
presa que desenvolve profissionais e líderes, tanto para mundo. autores, serve para ilustrar como as ferramentas de
si quanto para a comunidade, tendo justo orgulho por gerenciamento quantitativo podem alavancar o de-
essa contribuição. Esse feito ocorreu por todo o mundo.
Relata o sucesso de seu valorizado programa de treinamento em Fi- sempenho sem aprisionar a imaginação.
nanças e Negócios (Financial Management Program/ Business Training
Eu mesmo ingressei na GE em 1962, vindo da Suíça, por Course) e os desafios enfrentados por todos aqueles que procuram pro- Ao término da leitura, a sensação é a de ter passado
meio do Manufacturing Management Program.
gredir na vida e na carreira, juntando-se a uma corporação multina- Ernesto Luiz Varela Rubens E. S. Estrella uma noite deliciosa, ouvindo velhos amigos parti-
Este programa também formou meu futuro pelos 34 anos lharem, com paixão e entusiasmo, o que de melhor
cional de grande porte. George S. Guerra Leone José Pascoal Sangali
seguintes até minha aposentadoria, em 1996. aprenderam/ensinaram dentro da GE e depois dela.
Tendo passado grande parte de minha vida profissional no
E ainda vislumbra como essa empresa tão gigante consegue ser ágil, Mituo Teramae Haelmo Coelho de Almeida Alexander Bialer
criativa e muito lucrativa.
Brasil, aproveito para registrar meu amor por este País e Antonio Robles Junior Paulo J. A. Boccuzzi Ex-Diretor de Planejamento Estratégico da
pelo seu povo e o quanto me honra a oportunidade de reco- Leitura fundamental para todo aquele que
mendar este excelente livro aos profissionais brasileiros. tem relacionamento com grandes empresas,
José Luiz Bassetto Euzébio Angelotti Neto General Electric América do Sul

Kurt J. Meier seja ele aspirante a colaborador, profissional


ISBN 85-7615-092-1
Fernando P. L. Sampaio Mateus Agostinho Demarchi
Ex-Presidente da General Electric América do Sul
já a bordo, cliente, fornecedor ou estudioso
do mundo corporativo empresarial.

Alquimia CAPA.indd 1 5/8/2004 00:03:28


ALQUIMIA DE UMA CORPORAÇÃO
A magia de um treinamento
Todos os direitos desta edição reservados ao autor.
Publicado por Editco Comercial Ltda.
Rua Padre João Manuel 100 — Conjunto Nacional
Edifício Horsa I — salas 221/222
Cerqueira César — 01311-300 — São Paulo — SP
Tel: (11) 3179-0081 — Fax: (11) 3283-2015
e-mail: [email protected]
Na internet, publicação exclusiva da Edições Inteligentes:
www.edicoes.com.br
ALQUIMIA DE UMA CORPORAÇÃO
A magia de um treinamento

Ernesto Luiz Varela


George S. Guerra Leone
Mituo Teramae
Antonio Robles Junior
José Luiz Bassetto
Fernando P. L. Sampaio
Rubens E. S. Estrella
José Pascoal Sangali
Haelmo Coelho de Almeida
Paulo J. A. Boccuzzi
Euzébio Angelotti Neto
Mateus Agostinho Demarchi

São Paulo - 2004


© 2004 de José Luiz Bassetto e outros
Supervisão Editorial:
Valéria Rocha e Ednei Procópio
Revisão:
Josias de Andrade
Capa:
Bassetto Jr. e Clayme Orlando
Composição:
Cláudia Pacini

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Alquimia de uma corporação: a magia de um


treinamento. — São Paulo: EI–Edições
Inteligentes, 2004.

Vários autores.
ISBN 85-7615-092-1

1. Empresários - Depoimentos 2. General Electric -


História I. Título.

04-4526 CDD-658.42108

Índices para catálogo sistemático:


1. Empresários em negócios : Depoimentos :
Administração de empresas 658.42108

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida
por meios eletrônicos ou gravações, assim como traduzida, sem a permissão, por escrito, do
autor. Os infratores serão punidos pela Lei nº 9.610/98.
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
PREFÁCIO

Faço parte do Clube de ex-alunos da Harvard Business


School, que é respeitada mundialmente. Seus ex-alunos man-
têm a chama acesa com reuniões periódicas e um forte net-
working. O clube de ex-alunos da Harvard tem muito a ver
com este livro.
Este livro fala sobre uma outra Harvard. Uma instituição
não tão antiga, porém, mais conhecida, mais importante e mais
poderosa: a General Electric. Os 12 autores deste livro apresen-
tam suas experiências, suas carreiras e suas vidas sob a ótica da
enorme influência da General Electric.
A exemplo de Harvard, cada um desses autores partici-
pou do BTC — Business Training Course ou do FMP — Finan-
cial Management Program. Estes programas equivalem a um
MBA da Harvard e têm trazido extraordinário reconhecimento
aos seus graduados.
Como head-hunter, sempre me impressiono pela credi-
bilidade do currículo de um profissional que cursou o BTC ou
o FMP. Aliás, sempre fico bem impressionado, geralmente com
quem teve a experiência de trabalhar para a General Electric,
uma grande formadora de executivos.
Ao ler este livro, você se impressionará pelo enorme cari-
nho e respeito que os ex-alunos têm com o BTC/FMP e com a
General Electric. Não é nada diferente do que sentem os ex-alu-
nos da Harvard.
Os autores do livro falam com profundo respeito de seus
professores, dirigentes e colegas com os quais vivenciaram expe-
riências que serviram para toda a sua vida profissional. Ao ler o
livro, você sentirá nostalgia e o desejo de reviver as experiências
da General Electric. Ninguém menciona experiências ruins, ao
contrário, mostram como as lições os beneficiaram.
O livro conta também sobre a força e o poder da General
Electric. Há referências à sua estrela recém-aposentada, o ex-
presidente Jack Welch, conhecido como “Neutron Jack”, duran-
te sua época. Vários dos autores vivenciaram o “Neutron Jack” e
passaram pela experiência de reorganização e venda de divisões
da empresa. A força da General Electric também era temida,
além de respeitada.
A leitura deste livro é prazerosa e orienta-nos como criar
uma cultura que influencia pessoas por uma vida inteira.

Thomas A. Case, Ph.D.


Fundador do Grupo Catho
SUMÁRIO

01 DOZE VIDAS E UMA EMPRESA 11


Narrativas de uma equipe de executivos
Ernesto Luiz Varela
02 RECORDAÇÕES DE UM PASSADO ATUAL 33
George S. Guerra Leone
03 A MELHOR ESCOLA 53
Mituo Teramae
04 UM ESTRANHO NO NINHO DOS TRAINEES 73
Antonio Robles Júnior
05 APRENDIZADO ETERNO 89
José Luiz Bassetto
06 INFORMÁTICA, ADMINISTRAÇÃO,
CONTROLE E OUTROS ASSUNTOS 111
Fernando de Paula Leite Sampaio
07 A CARREIRA RENASCIDA 129
Rubens E. S. Estrella
08 FOI BOM! 147
José Pascoal Sangali

9
Alquimia de uma corporação

09 NÃO CORRA ATRÁS DA VIDA, PENSE NO QUE


GOSTA, FAÇA TUDO COM AMOR 159
Haelmo Coelho de Almeida
10 VIVENDO E APRENDENDO 175
Paulo Boccuzzi
11 LEMBRANÇAS DE UM TRAINEE ITINERANTE 197
Euzébio Angelotti Neto
12 A HISTÓRIA DE UM LIVRO E SEUS AUTORES 221
Mateus Agostinho Demarchi

10
1 DOZE VIDAS
E UMA EMPRESA
Narrativas de uma equipe de executivos
Ernesto Luiz Varela

“Sorry. Some of us have to keep the home fires burning”.


“FMPeer’s”

O LIVRO
Não sei bem qual foi o critério que me fez ser o escolhido
pelo grupo para fazer a apresentação da presente “obra literária”.
Talvez isto se deva ao fato de eu ter sido, durante cerca de doze
anos, gerente de aperfeiçoamento do pessoal financeiro no Setor
de Finanças da General Electric do Brasil. De qualquer forma,
me sinto lisonjeado e, por isso, agradeço verdadeiramente. Afi-
nal, conheço todos os seus participantes e quase toda a turma que
integra a coletividade do BTC/FMP (vide explicação a seguir).
Além do mais, confesso também o meu irrestrito apreço e estima
por todos eles ou, pelo menos, por quase todos.
O grande risco de escrever uma apresentação para uma
obra literária tem e não tem (invoquemos Hamlet — eis a ques-
tão), nada a ver com o que se diz. Tem, isso sim, tudo a ver com
quem lê e que reage ao que entende ser a mensagem escrita. Tem
a ver, deixe-me ser mais claro, com os inevitáveis significados
múltiplos, que muitos pensam, ou não pensam, que existe num
texto de apresentação. Uma escrita, por princípio, deve ser clara

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Alquimia de uma corporação

como a água, pequena e gostosa como um cafezinho e ao ponto,


como uma picanha. Mas o fato é que, até uma nota funerária, por
mais reduzida que seja, pode ter duplo sentido.
Basta que o morto tenha, por exemplo, o nosso nome...
Mas, vamos em frente. O fenômeno “FMPeer’s” (deno-
minação dada ao grupo e extraída de seu e-mail, que serve para
uma comunicação mais rápida entre os seus membros), é algo
para ser estudado antropologicamente. Mas nada, absolutamente
nada, que seja de meus parcos conhecimentos (sem imodéstia),
a ele se assemelha.
Nos idos de 1957, para poder cumprir no Brasil suas me-
tas de desenvolvimento e sucesso empresarial, a multinacional
General Electric decidiu oferecer um programa extraordiná-
rio de treinamento, a exemplo do anteriormente implemen-
tado em suas operações norte-americanas, em administração
geral e finanças.
Eram criados os assim chamados BTC, iniciais de Business
Training Course (Curso de Treinamento de Negócios) e, anos de-
pois, os FMP, Financial Management Program (Programa de Ad-
ministração Financeira), mágicos agentes desse desiderato.
Até aí nada de único no universo dos melhores empreendi-
mentos comerciais, industriais ou de serviços, daqui ou de qual-
quer outro lugar. Com isso, a empresa ensejou valiosa oportuni-
dade para que jovens interessados, mas ainda inexperientes, se
revelassem verdadeiros talentos profissionais em administração
geral, com ênfase em finanças. A empresa beneficiou-se muito
com isso ao longo dos anos e soube até compreender a perda de
alguns de seus recursos humanos para a comunidade empresarial
em que operava, como parte de sua função social.
Todavia, uma estranha “magia”, um “charme” único, uma
“química” indefinida, transformou os graduados desse progra-
ma, de dois anos e meio de duração, (eram 3 anos, na época do
BTC), numa confraternidade, numa instituição, enfim. Pujante e

12
Doze Vidas e uma Empresa

venerada por todos, a Instituição “FMPeer’s” transcendeu a pró-


pria condição e história de sua inspiradora. Dessa forma, a cria-
tura ganhou foro de universalidade, tornando-se uma entidade
viva e independente de sua fonte de origem, a General Electric do
Brasil. Embora não tenha se orientado, em nada, pelos padrões
de exemplar organização dessa empresa, a turma dos FMPeer’s
— um agrupamento “anárquico” — não tem nem estatutos e
nem uma diretoria constituída.
Creio que isto não lhe faz falta, o que talvez seja uma das
razões para a sua existência e sucesso.
Mas, como se filhos pródigos da GE fossem, os seus inte-
grantes — das mais variadas épocas de graduação no Programa
— continuam todos eles enaltecendo, com a gratidão própria dos
seres de boa formação, as suas mais eloqüentes virtudes.
E isso sempre o fazem quando se reúnem em concorrido
almoço anual no mesmo lugar (restaurante São Judas Tadeu,
dos Demarchi, em São Bernardo do Campo - SP), onde, há mais
de quarenta e cinco anos, alguns estudantes e instrutores do
BTC procuravam refúgio e alívio, após as torturantes provas
sabáticas que duravam de duas e meia a três horas, pela manhã,
para “vingar-se” ao degustar apetitosos franguinhos com po-
lenta e muita cerveja.
Uma irrefutável prova desse “estado de espírito” é o pre-
sente trabalho, vindo à luz por meio do voluntário e insus-
peito testemunho de alguns de seus participantes. Ao mesmo
tempo, eles assim agindo, consentem em partilhar com quem
quer que seja, ou queira, as suas experiências de gestão empre-
sarial, influenciadas pelas lições e o aprendizado, em comum,
auferidos na General Electric do Brasil, quando de suas res-
pectivas passagens pela empresa, mesmo que por poucos ou
muitos anos a seu serviço.
Entretanto, segundo a turma “do contra” — que sempre
existe em todo e qualquer agrupamento humano — a verdade

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Alquimia de uma corporação

de se intentar escrever este livro se prende à súbita inspiração


acometida pelo nosso estimado companheiro José Luiz Bassetto
(Joluba, para os íntimos), após ler o seguinte verso do poeta
Olavo Bilac:
Oh! Bendito o que semeia
Livros. Livros à mão cheia...
E faz o povo pensar
O livro caindo n’alma
É germe que faz a palma
É chuva que faz o mar!
Mas, convenhamos, isto não diminui, em nada, o mérito
desta empreitada. (Até rimou!), não é mesmo?
O livro não tenta resgatar uma época, mas é, para todos os
seus autores, divertido e muito importante (para não dizer, grati-
ficante, dado o excessivo abuso que, em semelhantes ocasiões, se
faz do referido vocábulo).
Divertido e importante, pois faz lembrar a cada um deles
o seu próprio passado, e traz à tona suas memórias, seus sonhos,
equívocos e realizações profissionais daqueles tempos. (Isso pare-
ce ser também um salutar exercício, recomendável para todos).
Parafraseando uma conhecida canção popular brasileira
— Meus tempos de criança, de Ataulfo Alves — naquela época
“todos eles eram felizes e não sabiam”, mas... se sabiam, não ti-
nham, seguramente, tanta certeza como a têm agora.
Recebam, pois, com toda a sua generosidade (afinal, ne-
nhum deles é escritor profissional, nem ao que consta, preten-
dem sê-lo), o fruto de suas revelações, as quais deixam vazar al-
guns de seus valores, crenças e conceitos, todos eles amalgamados
pelos “duros embates da vida”. Por vezes também extravasam a
saudade do caminho já percorrido como em geral o fazem todos
os demais integrantes do grupo, nas reuniões festivas já referidas
e em todas as oportunidades de encontro. Freud explica?

14
Doze Vidas e uma Empresa

Dessa forma, para os leitores do presente trabalho, creio ser


válido que partilhem daqueles momentos e usufruam o conteú-
do dos depoimentos de cada um dos autores, como se também
fosse um de seus mais íntimos amigos.
Já se disse em algum lugar, que se o estilo é o Homem, a
obra literária que nele se vaza, retrata-o em toda a realidade.

A EMPRESA

Discorrer sobre a General Electric, essa poderosa organiza-


ção multinacional, que ostenta, entre outros galardões, o de ser
a empresa de maior valor de mercado no mundo, dentro de sua
área de atuação, extraordinariamente multifacetada, não é tare-
fa das mais difíceis. Todos a conhecem e existe imensa literatura
internacional a seu respeito, bem como edições traduzidas, dis-
poníveis no Brasil.
Mas diz a voz popular que, comandando as “forças arma-
das” de todo o sistema industrial do globo, estão os seus mais
graduados generais, que são o “General” Motors (GM) e o “Ge-
neral” Electric (GE). Essa é bem velha, mas, convenhamos, ainda
é aproveitável.
Mas, falando sério, permitam-me referir à GE por meio de
alguns ângulos específicos, os quais podem melhor se prestar aos
propósitos deste compêndio. Na obra, pessoas falam carinhosa-
mente da empresa, relatando suas experiências de gestão e as in-
fluências que tiveram em suas vidas, das quais não conseguem se
separar ou mesmo esquecer.
Inicio pelo exame, embora superficial, do período de sua
fundação, no tempo em que ainda vivia neste mundo, o cientista e
gênio criador, Thomas Alva Edison. A General Electric Company
foi formada pela reunião de várias organizações que se constitu-
íram nos Estados Unidos durante a segunda metade do século
XIX, para explorar inventos notáveis no campo da eletricidade.

15
Alquimia de uma corporação

Em 1878 era organizada a Edison Electric Company, com


a finalidade específica de apoiar financeiramente as pesquisas de
Thomas Edison, relativas à lâmpada incandescente. Foi esta a cé-
lula-mater da General Electric.
Onze anos depois, a Edison Electric Light Company fun-
dia-se a outras companhias de Edison, formando a Edison Gene-
ral Electric Company, a qual, em 1892, reuniu-se com a Thom-
son-Houston Electric Company, para então formarem a General
Electric Company. Assim começou a história da GE, uma história
que não se limita a esta companhia, mais que isso, se entrosa com
toda a história da indústria universal da eletricidade.
A história da GE teria sido outra se um de seus mais ilustres
fundadores não fosse o inventor de tantas maravilhas, com ênfa-
se na lâmpada elétrica incandescente, a qual ampliou a duração
da luminosidade dos dias e alargou as fronteiras da tecnologia, a
serviço do bem-estar do Homem.
Também não é por outro motivo que a ele, Thomas Edi-
son, se atribui a resposta proverbial dada a um discípulo seu, que,
encantado com a prodigiosa capacidade inventiva do mestre,
pergunta-lhe:
— De que fonte o senhor extrai tamanhos conhecimentos
para produzir tamanhas maravilhas? Ao que Edison retrucou:
— Realizo tudo por meio de dois por cento de inspiração e
de noventa e oito por cento de transpiração!
De 1879 a 1889, como primeiro líder da GE, Thomas Edi-
son tinha a visão de que uma empresa que iluminaria um país,
produzindo todos os componentes de usinas e lâmpadas elétricas,
não poderia ser limitada pela política, mas sim receber recom-
pensas por suas patentes e que a gerência, e não os sindicatos, de-
veria ser responsável pelas decisões empresariais. E, no seu tem-
po, as empresas de Edison tiveram sérios problemas de conflitos
envolvendo patentes e relações sindicais, o que explica, em parte,
a sua fusão com a Thomson-Houston, uma séria concorrente e
reivindicadora de direitos de uso de inventos similares.

16
Doze Vidas e uma Empresa

Como os excessivos custos com o contencioso jurídico ha-


viam afetado duramente os seus resultados operacionais, optou-
se, como estratégia, pela aplicação do adágio popular que diz:
“quando não se pode vencer o inimigo, deve-se juntar a ele”. Os
integrantes dos departamentos jurídicos de ambas as empresas
sentiram na pele o efeito objetivo dessa engenhosa decisão. Te-
riam sido os administradores daquela época os precursores das
atuais técnicas de “enxugamento” (downsizing), tão praticadas
nestes tempos de globalização? Mas outra ilação possível do epi-
sódio é a de que, talvez, ele tenha sido a origem da assertiva, mui-
to comumente empregada por leigos e juristas de que, por vezes,
mais vale um mau acordo do que uma boa demanda.
O sucesso e o resultado disso tudo possibilitaram a todos
nós ainda estarmos nos relacionando e falando de uma empresa
desse calibre, no frescor de seus mais de 100 anos de existência.
Uma reflexão: “a vida de uma empresa, solidificada por ali-
cerces de adequada organização, adaptação ao mercado e espírito
empreendedor, transcende à vida finita de seus líderes e ou admi-
nistradores, por mais competentes e brilhantes que durante o seu
tempo, possam ter sido”.
A GE atual é, certamente, única em muitos aspectos. Seu
porte, sua força financeira e técnica, a diversidade de seus negó-
cios e sua tradição de gerenciamento disciplinado.
Continuo valendo-me do expediente do túnel do tempo,
em que, por meio da insuperável velocidade do pensamento, des-
peço-me de Thomas Edison (século XIX), para chegar a um re-
nomado administrador dos dias de hoje, John F. Welch Jr. (Jack).
Como Presidente da General Electric Company, de 1980 a 2001,
ele revolucionou toda a estrutura de negócios da empresa e tam-
bém contribuiu para a modernização das concepções da própria
ciência administrativa e empresarial.
Considere agora esta lista com as seis regras de Welch,
publicada pela revista Fortune, e questione-se se a sua cul-

17
Alquimia de uma corporação

tura empresarial ou o seu entendimento pessoal satisfazem


estes padrões:
1. Controle seu destino antes que alguém o faça.*
2. Encare a realidade como ela é, não como era ou como você
gostaria que fosse.
3. Seja gentil com todas as pessoas.
4. Não apenas gerencie, lidere.
5. Mude antes de ser obrigado a mudar.
6. Se não tiver uma vantagem competitiva, não entre na com-
petição.
* com este título, Noel M. Tichy e Stratford Sherman escreveram, nos Es-
tados Unidos, um livro sobre a GECo. Edição nacional (Editora Educator),
traduzida por Claudiney Fullman, ex-vice-presidente e gerente geral da
operação de Equipamentos Pesados da GE-Brasil, em Campinas - SP. Desta
edição, servi-me de alguns dados e informações.

Talvez sejam idéias simples, mas só um tolo subestimaria


a dificuldade de colocá-las em prática. A idéia de enfrentar a rea-
lidade, para falar de apenas uma delas, parece no mínimo banal,
até se tentar viver segundo este princípio. Welch acredita que “en-
frentar a realidade é crucial na vida, e não apenas nos negócios.
É preciso ver o mundo da forma mais pura e clara possível para
poder tomar decisões racionais”.
Atualmente, para algumas pessoas, a globalização que está
transformando o mundo e pondo em conflito vários de seus tra-
dicionais parâmetros, é uma ameaça sem recompensas. A amea-
ça de o profissional perder seu emprego, reduzir sua autoridade
por transformações organizacionais, bem como a introdução de
padrões globais de desempenho, parece ser lhe profundamente
intimidadora. É um exemplo clássico do que Welch chama de
“levantar a vara” (no sentido de saltar e exigir um alto nível de
desempenho, jamais esperado antes).
Além dos problemas complexos da língua e da cultura, a
globalização exige transformações maciças na forma como as

18
Doze Vidas e uma Empresa

empresas fazem negócios e avaliam o sucesso. Assim como na


competição no mercado interno, apenas os melhores interve-
nientes podem esperar prevalecer no mercado global. Os vence-
dores devem ter o melhor status em quatro áreas:
Produtos e Serviços: oferecer o melhor projeto e a melhor
tecnologia do mundo pelos melhores preços do mundo.
Organização: integrar mundialmente as redes de compra,
produção, distribuição e marketing. Equilibrar as economias de
escala com capacidade de resposta às necessidades específicas dos
mercados locais. Institucionalizar os processos de aprendizado e
comunicação, a fim de permitir que a organização adote, rapida-
mente, novas técnicas.
Recursos Humanos: desenvolver um quadro de executivos
cosmopolitas, marcado pelo que a GE chama de “mentalidade
global” — a capacidade de compreender e respeitar os preconcei-
tos nacionais e étnicos dos outros e sentir-se à vontade em qual-
quer lugar do mundo.
Alianças: encontrar formas de cooperar com outras empre-
sas — às vezes até concorrentes — que possam ajudá-lo a ultra-
passar rapidamente as barreiras comerciais e outros obstáculos.
Para tanto, a GE idealizou um precioso “triunvirato”, en-
quadrando todos os seus negócios em cada um de seus “três cír-
culos”: o círculo que compreende os negócios centrais (cerne), o
de negócios de serviços e o de negócios de alta tecnologia.
E assim integrou toda a gama de sua díspar e caleidoscópi-
ca atividade, em várias áreas estratégicas de negócio, tais como:
turbinas para aviação, sistemas de informações, eletrodomésti-
cos, lâmpadas, plásticos de engenharia, silicones, diamantes in-
dustriais, equipamentos de distribuição, manobra e controle e
sistemas elétricos de força, além de motores elétricos e sistemas
industriais, locomotivas, serviços financeiros (GE Capital), siste-
mas médicos e a NBC (rede de televisão americana).

19
Alquimia de uma corporação

De alguma forma, cada um de nós, certamente, já teve al-


gum contato, direto ou indireto, com algum ou muitos de seus
inúmeros serviços e produtos.
No Brasil, a GE iniciou suas atividades em 1919, insta-
lando aqui uma representação comercial própria e deu início à
construção de uma fábrica de lâmpadas, no bairro suburbano
de Maria da Graça, na cidade do Rio de Janeiro-RJ. Inaugurada
em 1921, a “Fábrica Mazda” iniciou sua atividade industrial. Po-
rém, na época, todos os componentes necessários à produção de
lâmpadas eram importados. O único componente nacional era
o ar dos pulmões dos assopradores de vidro (técnica da época),
aplicado na confecção dos bulbos das lâmpadas. Todavia, como
na montagem das lâmpadas era necessário extrair todo o ar dos
bulbos (esgotamento), para possibilitar que o seu filamento in-
terno não se “queimasse” ao incandescer, nem mesmo esse item
acabava por integrar o produto final.
De lá para cá, a GE do Brasil teve inúmeras outras relevan-
tes participações no engrandecimento do parque industrial bra-
sileiro, e chegou mesmo a apresentar mais de 600 itens diferentes
de produtos nacionais, nos catálogos de comercialização de seus
vários departamentos.
Mas, novamente, permitam-me viajar pelo túnel do tem-
po, indo do ano da graça de 1919 para o ano da graça de 1957
(será que foi por isso que a GE se instalou pioneiramente lá no
bairro de Maria da Graça?). Xiii! Esta não teve graça nenhuma!
Como já me referi anteriormente, no ano de 1957, mais
precisamente em agosto, instalou-se aqui o BTC (Business Trai-
ning Course), verdadeiro programa de pós-graduação em admi-
nistração de negócios, com seus 6 cursos semestrais, cobrindo
diferentes funções básicas das áreas administrativa e financeira.
Também já tive a chance de tecer loas ao evento e não quero ser
aqui repetitivo ou ufanista (espero conseguir). Mas me empolgo

20
Doze Vidas e uma Empresa

toda vez que analiso o seu real valor e significado, no aperfeiço-


amento de jovens ou não, que revelaram talento e dedicação na
área que escolheram para exercer sua atividade profissional.
Nestes duros tempos em que vivemos, a batalha pelo pri-
meiro emprego ou mesmo segundo, terceiro etc. é um tormento
e um exercício geralmente frustrante. A falta de experiência e as
exigências crescentes para se obter qualquer emprego tornam o
início da carreira profissional, de imensa parcela de nossa juven-
tude estudantil, um rigoroso e torturante desafio.
Ora, exigir experiência de quem ainda não teve a chance
de iniciar/ampliar seu currículo, e também não querer dar valor
adequado aos conhecimentos escolares ligados à área do pleite-
ante é, para dizer o mínimo, uma “sacanagem”. Mas, experiência
não é tudo na vida, pois como já se disse — jocosamente, é claro
— experiência é aquilo que quando finalmente se tem em quan-
tidade suficiente, já se é demasiado velho para aquele trabalho.
Aliás, o preconceito contra a idade é tão ruim ou pior ainda.
Creio que tudo isso decorre do fato de que, ainda, mui-
tos empregadores, empresários ou agentes de negócio, pró-
prios ou administrando os negócios de outrem, não gostam
ou não querem aplicar recursos em treinamento e/ou espe-
cialização de pessoal. Pensam, assim, estar ganhando ou le-
vando vantagem no melhor estilo da “Lei de Gerson, uma lei
genuinamente brasileira, que pegou”, ao adquirir experiên-
cias dos outros, supostamente a custo zero. Mas, certamente,
tal “sistema” será autodestruidor ao final de um certo tempo.
Por exemplo, como atrair pessoal qualificado e onde encon-
trá-los em quantidade suficiente quando chegar o espetáculo
do crescimento econômico, quer seja do país ou do seu pró-
prio negócio? Terão que se submeter, finalmente, ao primado
do treinamento e, assim, ser também bons contribuintes da
comunidade. Então, por que esperar por isso?

21
Alquimia de uma corporação

Mas a GE — Brasil, desde 1957, nunca se deixou levar por


tal política, tornando-se reputada como uma empresa líder no
desenvolvimento de pessoal, em todas as suas várias áreas fun-
cionais. Os referidos programas BTC/FMP, além de franquearem
suas portas aos seus funcionários, também e principalmente, re-
crutavam (e ainda recrutam), nos mais diversos “campus” uni-
versitários do país, recém-graduados, para serem seus novos co-
laboradores. A seleção para a admissão de cada um de seus can-
didatos sempre foi condicionada à avaliação impessoal e objetiva
de potencialidades e interesses por uma carreira em finanças.
É assim, por todos os motivos, legítimo o orgulho de se
ostentar um certificado de graduação nesses programas, o que
enriquece a biografia de cada um de seus possuidores, tanto para
os que subscrevem o presente trabalho, como para todos os de-
mais. É certo, também, que todos os seus integrantes têm defei-
tos e limitações, próprios da condição humana. Afinal, nada ou
ninguém é perfeito nesta vida, salvo esta judiciosa e tão “surrada”
constatação. Pena que lá na portaria da GE tem uma placa com os
dizeres: “NÃO HÁ VAGAS”. Talvez seja uma referência ao seu es-
tacionamento, que por ora não comporta mais nenhum “carrão”
de seus amigos e/ou colaboradores. Mas estou certo de que logo
a GE ampliará também essa área.
Para finalizar, eu me pergunto: Será que consegui “vender”
bem a empresa? “Submeto-me, humildemente, ao seu soberano
e judicioso julgamento, meu preclaro e amável leitor”. (transcrito
do Manual do puxa-saco).

REMINISCÊNCIAS
Sei que não é comum falar de si mesmo ou de lembranças
pessoais num texto de apresentação de memórias de outras pes-
soas. Mas, aproveito o embalo e registro aqui algumas das muitas

22
Doze Vidas e uma Empresa

que pude viver (quase fui tentado a dizer vivenciar, tão usado,
mas que eu não gosto) no meu relacionamento de trinta e sete
anos, com centenas de pessoas, na GE. Estou seguro, todavia, de
que os meus estimados amigos saberão relevar esta minha ingê-
nua desobediência.
A fim de não embaralhar tipos e situações ao longo de
tanto tempo, gostaria de me fixar e remontar aos meus primei-
ros anos de “casa”, nos longínquos finais dos anos 1950. Tempo
em que não havia, entre outras tantas coisas, meios de trabalho
tão funcionais e sofisticados como agora. Os sistemas de proces-
samento de dados, calculadoras e meios de comunicação eram
uma “piada” perto do que se dispõe atualmente.
O telefone, apenas do tipo fixo, era um patrimônio raro
e até, em algumas linhas, mais valioso que certos automóveis,
aliás, na sua grande maioria importados! A indústria automo-
bilística no Brasil era incipiente e estava engatinhando ainda.
Também a reprodução gráfica só podia se servir de técnicas ou
produtos ditos “modernos”, tais como máquinas de escrever
(mecânicas e algumas elétricas), papel carbono, caneta-tintei-
ro, cópias em gelatina (alguém consegue ainda hoje se lembrar
do que era uma folha datilografada em “estêncil”?) e demais
utilidades. Ainda se utilizavam máquinas de processamento do
tipo “Hollerith”, com seus primitivos cartões perfurados! Pois
bem, esse era o instrumental disponível para todos os serviços
de contabilidade, custos, faturamento, tesouraria, planejamen-
to financeiro etc. na nossa área.
Uma “revolucionária invenção” da 3M, chamada Ther-
mo-Fax, agitou sobremaneira aqueles tempos. Mas eram cópias
quentes e em papel amarelado, especial da 3M, chamadas pelos
usuários de “cópias torradas”. Sua velocidade de reprodução era
como a dos passos de um cágado (espero ter acentuado adequa-
damente). E também por isso teve vida curta, vítima da voraci-
dade das invenções sucessivas ou novas tecnologias, cada uma,
aniquilando a anterior (nesse caso, a Xerox que o diga).

23
Alquimia de uma corporação

Não pretendo relacionar aqui todas as velharias de ontem


ou as obsolescências de hoje, conquanto não tenha transcorri-
do nem meio século na vida de nosso planeta (um fugacíssimo
átimo — instante/momento), embora um respeitável tempo na
vida de qualquer ser humano.
Comecei trabalhando na GE, em Santo André - SP, no lo-
cal hoje transformado em um hipermercado ou shopping center,
como chefe da contabilidade geral de um de seus departamentos,
no caso, o de equipamentos industriais (motores elétricos de vá-
rias potências, máquinas de solda, fios elétricos e tintas especiais,
entre outros).
Meu primeiro gerente financeiro, este sediado na cidade
do Rio de Janeiro, foi um americano, como não poderia deixar
de ser naqueles tempos. De tipo grandalhão, ou melhor seria
dizer, de boa compleição física, tal como um bom espécime an-
glo-saxão, calçava sempre invejáveis sapatos americanos (tênis
somente se usava para atividades esportivas), de legítimo couro
de boi, solado grosso, também de couro (caros, mas para longo
uso), tamanho 44. Quarenta e quatro também devia ser a sua
idade na época, mas ele tinha já a sabedoria dos seres bem vivi-
dos e bem formados moralmente (se é que é necessário ter essa
idade para isso).
Apreciava ajudar os mais jovens, como eu era na época (o
tempo é um demolidor!), dando-lhes aconselhamentos e citando
provérbios extraídos da vida ou dos livros que lia, mas sempre
em consonância com a sua curiosidade pelas pessoas, suas rea-
ções e suas maneiras de agir.
Orgulhava-se ao dizer que havia começado sua vida pro-
fissional — pelo menos para obter o mínimo sustento próprio
— como porteiro de circo! Sim, circo, mesmo! É certo que os
Estados Unidos, naquela época, pré-apogeu de sua monumental
indústria cinematográfica, tiveram grandes e famosos circos, re-
lembrados com saudade até hoje pelos seus aficionados, america-

24
Doze Vidas e uma Empresa

nos ou não. Mas o circo em que trabalhou, dizia ele, era do tipo
mambembe, operando apenas numa restrita área do território
norte-americano.
Também ele se comprazia em contar que sua promoção
para o cargo de confiança de bilheteiro, somente aconteceu gra-
ças ao reconhecimento que os donos do circo tiveram pela sua
postura de cordialidade, desvelo e satisfação pessoal, no desem-
penho de sua “importante” função de porteiro. (Boa lição para os
atuais “zeladores” de nossos condomínios, não é mesmo?).
Mas o que realmente o fazia feliz, era saber que os donos do
circo tinham confiança nele, acreditavam na sua palavra e hones-
tidade, princípios básicos da boa e permanente relação entre as
pessoas de bem. Bem! Honestidade é um predicado fundamental
em toda e qualquer relação social, exigida até pelas pessoas ou
organizações nem tanto do bem (vide o caso das organizações
mafiosas, nas quais qualquer desvio de conduta interna, nesse
sentido, é punido sumariamente, até com a morte).
Ele sempre considerou tudo isto como uma das melhores
provas de que a promoção de um funcionário ou trabalhador, em
qualquer empresa, pública ou privada — (claro que muito mais
na privada!) sempre esteve condicionada à boa performance na
posição ocupada e na contínua demonstração de lealdade, corre-
ção e interesse pela empresa. Ele acabou sendo de extrema impor-
tância para a minha formação profissional, além de influenciar,
significativamente, meus conceitos e regras de boa convivência
num ambiente de trabalho, dentro da hierarquia imposta por sua
estrutura organizacional (êta palavrinha enjoada!).
Dito tudo isto, só falta dizer o seu nome, o nome do meu
tipo inesquecível. Lembram-se daquela seção permanente da re-
vista Seleções do Reader’s Digest, “meu tipo inesquecível”? Pois
bem, o meu tipo inesquecível, não o único, mas certamente um
dos mais expressivos, com quem convivi nestes anos todos, cha-
mava-se Hugo Ferdinand Mueller. Lembram-se dele, meus ca-

25
Alquimia de uma corporação

ros colegas de então? Alguns, mais entrados em anos de vida ou


de companhia — eufemismo para não dizer muito mais velhos
— por certo dele se lembrarão.
Mas, como sempre, o tempo é o senhor da razão. Naqueles
idos ele não era nenhuma unanimidade, como, em geral, tam-
bém não o são os nossos iguais, superiores ou governantes, ge-
ralmente enquanto ainda vivos. Muito exigente e perfeccionista
no trabalho, ele privilegiava sempre a transparência e o absoluto
domínio de tudo o que as pessoas diziam ou faziam.
Ele gostava muito de falar em reuniões sociais ou de gru-
pos, como ocorria freqüentemente nas festas de graduação ou
outras do BTC/FMP, por exemplo.
Em 1959, o BTC completava dois anos no Brasil e o Hell-
muth Weber, seu primeiro dirigente, patrocinou uma reunião
comemorativa aqui em São Paulo, a exemplo do que fizera no
Rio de Janeiro, por ocasião do primeiro aniversário do progra-
ma. Usando a palavra, entre outros oradores, o Sr. Hugo Muel-
ler observou, com sua sagacidade peculiar (o local do encontro
era um salão nas dependências da Sears, Roebuck — loja de
departamentos — na Praça Oswaldo Cruz, hoje Shopping Cen-
ter Paulista), que a multinacional Sears proclamava em todos os
cantos o seu slogan dogmático: “Satisfação garantida ou o seu
dinheiro de volta”.
Lembrou que aquele slogan tinha sido o alicerce da filoso-
fia da empresa, para conduzir sua atuação no mercado. Ponderou
que a “satisfação do cliente” era o apanágio de toda e qualquer
estratégia mercadológica (marketing não era usual na época),
válida indistintamente para qualquer organização comercial, in-
dustrial ou de serviços.
Todos os cursos, treinamentos ou literatura técnica, sem-
pre enalteceram tal fundamento, levantando-o à condição pri-
meira para o sucesso de qualquer empreendimento, em qualquer
uma daquelas áreas.

26
Doze Vidas e uma Empresa

Sei perfeitamente que isso tudo não é novidade, pois o


prezado leitor também já esteve, por certo, envolvido no exame
desse postulado, dado ser ele aplicável e muito válido até hoje.
No caso da Sears, talvez por um certo pioneirismo no merca-
do norte-americano, na sua época, aquele slogan acabou sendo
uma das alavancas principais de seu expressivo sucesso e cres-
cimento operacional.
Mas o Sr. Mueller obtemperava (por favor, dicionário!)
que duas outras satisfações também eram necessárias. Uma delas,
a satisfação dos empregados, o que também é quase como uma
obviedade; a outra, a capacidade permanente de se obter recursos
e de se “satisfazer” pontualmente seus compromissos (gerencia-
mento de caixa).
Isso tudo, segundo ele, como o único jeito de cuidar, inter-
namente, da casa em que trabalhamos e, portanto, do que está
ao nosso alcance de nela fazer. Desgraçadamente, todavia, nun-
ca se fica imune ou inatingível aos caprichos de fatores externos
da empresa, incontroláveis, pela sua própria natureza, tais como
situações adversas do mercado, do país e da comunidade inter-
nacional. Como hoje se sabe, a Sears posteriormente se desman-
telou (talvez por isso é que se diga que somente os diamantes
são eternos). Possivelmente tenha sido ela vítima de um daqueles
postulados ou de todos eles.
Como já disse, meu primeiro cargo na GE foi o de chefe
de unidade de contabilidade departamental (quantos dê’s, neste
parágrafo, hein! Mas meu salário não era nada de’sses). Eu era
recém-formado em Economia e, anteriormente, como guarda-
livros (sim, esse era o título do que hoje chamamos de técnico de
contabilidade). O meu registro no CRC (Conselho Regional de
Contabilidade) tem o número 25 mil e qualquer coisa e hoje ele
já alcança mais de centenas de milhares!
Eu tinha sido anteriormente guarda-livros de uma peque-
na empresa do ramo mobiliário, em São Bernardo do Campo-SP,

27
Alquimia de uma corporação

na época, cognominada a cidade dos móveis e começando a ser


também a cidade dos automóveis. Hoje em dia, porém, ela é...
bem... deixa pra lá!
Eu imaginava na época que já sabia tudo em matéria de
contabilidade, muito mais devido aos arroubos e inconseqüên-
cias próprios da juventude, do que de alguma proficiência nela.
Assim, confesso que meu efetivo aprendizado se deu na GE, gra-
ças à participação significativa, além, é claro, do BTC, dos ensina-
mentos e postulados do Sr. Mueller.
Ele, quando sentava comigo, junto à minha mesa de traba-
lho, olhava dois grossos volumes existentes na estante colocada
atrás de mim. Eram os volumes dos GAP’s (General Accounting
Procedures — Procedimentos Gerais de Contabilidade). A eles
se referia como sendo o nosso terceiro general (lembram-se dos
outros dois, o GM e o GE?), mandatário e disciplinador de todo
e qualquer procedimento contábil da companhia. Isso porque,
dizia ele, “uma empresa séria e organizada, procura sempre de-
finir, com absoluta clareza, precisão e consistência, seus procedi-
mentos nesse campo”, (isso abrange, ativos, passivos, patrimônio
líquido, rendas e despesas).
Daí, ele se deleitava em dizer que o homem da contabi-
lidade deveria sempre imitar e mesmo desenvolver as melhores
qualidades de um padeiro, de um jornaleiro e de um escoteiro.
Padeiro: aquele que sempre produz pão quente, bem feito,
saboroso e desejado pelos usuários de sua padaria. Assim tam-
bém devem ser as peças ou relatórios contábeis para a adminis-
tração geral da empresa e seus múltiplos destinatários. Insistia
ele, que “pão duro” é um bem pouco procurado e até está asso-
ciado ao indivíduo avarento e pouco sociável. Da farinha de rosca
ou torradas, únicos subprodutos do pão velho, economicamente
aproveitáveis, nenhuma padaria sobrevive.
Jornaleiro: a informação ou notícia deve ser sempre atu-
al, interessante e oferecida no tempo certo e oportuno. Nada é

28
Doze Vidas e uma Empresa

mais antigo do que o jornal de ontem! E a boa informação contá-


bil, vital para o processo de decisão, centro nervoso da execução
gerencial mais eficaz, não pode chegar depois do tempo certo e
oportuno para a sua tomada.
Por tudo isso, a GE instituiu e consagrou o princípio ou o
primado do chamado “due date” (data de vencimento). O “due
date” na GE é o mais rigoroso e intransigente cobrador de res-
ponsabilidades, tarefas ou de obediência às normas estabelecidas.
Nenhuma informação, por melhor que seja e por mais bem buri-
lada que possa ter sido, ao extravasar ou exceder o tempo e a hora
em que deveria estar disponível, vale tanto quanto aquela que,
embora ainda sujeita a alguma complementação, atenda a data
programada. Atrasos nesse sentido, por vezes, podem significar
que “agora Inês é morta!”.
Escoteiro: Baden Powell, criador do escotismo (não con-
fundir com o nosso músico e compositor, seu homônimo),
criou o lema “Sempre Alerta”, para empolgar toda a sua corpo-
ração de jovens.
Sempre alerta nos negócios significa estar antenado no
mundo ao seu redor, atento sempre aos fatos, às mudanças, às
tendências, às oportunidades e aos perigos que gravitam o siste-
ma geral no qual atuamos.
Para encerrar esta hora da saudade ou quase sessão me-
diúnica, permitam-me relatar mais um dos inúmeros “causos”
vividos por mim com o Sr. Mueller.
Quando eu estava para me casar, apressei-me em lhe enviar
um convite. Como todo hipócrita bem intencionado, anexei um
meloso bilhete em que enfatizava a sua imprescindível presen-
ça na cerimônia. No íntimo eu acreditava que iria receber um
belo presente de casamento. Mas, pela volta do malote, recebi um
envelope subscrito por ele, dentro do qual encontrei uma única
cédula de US$1.00 (um dólar americano!), com um “prolixo” bi-
lhete que dizia, tão-somente, Parabéns!

29
Alquimia de uma corporação

Não sei se fiquei decepcionado ou chateado. Tive ímpetos


de lhe dizer que aquilo era parecido com os aumentos salariais
que ele me recomendava sempre ou que aquilo não valia nem
uma entrada para o circo em que ele fora bilheteiro, ou outros
desaforos mais. Mas ao final preferi me calar, para que o suposto
’prejuízo‘ ficasse apenas naquele raquítico dólar. (Uma sábia re-
gra de gestão, vim a aprender depois, diz que quando você não
pode maximizar ou alcançar resultados positivos, deve se esfor-
çar para minimizar os resultados negativos).
Um dia antes de minha saída de férias para o meu casa-
mento, recebi a visita dele, trazendo-me um pacote. Ao entregar-
me, ele enfatizou que era um presente para a minha futura espo-
sa, e não para mim, pois o meu presente ele já havia dado. Sabia
perfeitamente que o presente tinha um valor apenas simbólico,
mas queria que eu nunca me esquecesse como é duro ganhar a
vida e que os maiores e melhores presentes, quem nos dá, somos
nós mesmos, pelo trabalho e pela ”árdua e honrada batalha pelo
pão nosso de cada dia”.
E complementava ele: “Não seja na vida, meu jovem, um
avarento, mas também não seja um perdulário extravagante!
(Não existe virtude nos extremos — in medium virtus)”. Pensei
naquele momento que ele não tinha sido apenas um homem de
circo, mas também algum pastor de igreja ou fervoroso prega-
dor religioso.
Ao abrir o pacote na casa de minha noiva, vimos tratar-se
de um bonito jogo de mesa (toalha e guardanapos) rendado, que,
soube depois, ele havia comprado em Viena, na Áustria, durante
suas recentes férias.
Hoje, tão distante dele, espero quando encontrá-lo nova-
mente (se isso me for permitido), onde quer que ele esteja no in-
cógnito universo, mostrar-lhe o precioso dólar que ainda guardo
comigo. Sei que onde ele se encontra, aquele dinheiro e, mesmo
todo o dinheiro do mundo, bem como qualquer outro valor ma-
terial humano, lá não vale nada.

30
Doze Vidas e uma Empresa

Não vou devolver-lhe a cédula, pois para mim ela é um


talismã, mas vou, finalmente, poder agradecer o seu recebi-
mento, coisa que não soube fazer quando ela me foi, carinho-
samente, ofertada.
Bem, chega de saudade, palavra que, segundo alguns pu-
ristas do nosso idioma, somente nele existe, mas que dá algum
sentido à nossa vida. Por vezes mesmo, acabamos tendo saudade
de nós mesmos!
Segundo uma conhecida canção de Roberto Carlos, o can-
tor, (não o trânsfuga homônimo e jogador de futebol do Real
Madri), “eu tenho tanto para lhe falar, mas com palavras não sei
dizer...”, então o melhor é eu fechar a minha matraca e poupá-los
destas minhas impertinências.
Deixo-os, prazerosamente, na companhia dos relatos que
se seguem. Todos eles, inquestionavelmente, da melhor qualida-
de e interesse, frutos que são do elevado convívio de meus queri-
dos amigos, numa empresa de expressão mundial, com gente de
valor e cidadãos dignos de admiração e respeito.
Boa leitura!

31
2 RECORDAÇÕES DE
UM PASSADO ATUAL
George S. Guerra Leone

QUEM SÃO RODDOLFO E SARAH?


Vale a pena contar as conversas animadas e frutíferas (des-
culpem o termo relativamente pretensioso) que durante muitos
anos mantive, primeiramente apenas com o Roddolfo (é assim
mesmo, com o “d” dobrado) e depois, também com o casal, uma
vez que o amigo se casou com a simpática e inteligente Sarah, que
pertencia ao povo de Israel.
O Roddolfo foi meu colega no curso de graduação. Era, e
deve ser ainda, um homem de grande talento. Lia muito, tinha
um espantoso raciocínio lógico e, portanto, como é normal, pos-
suía um bom senso acurado e admirável. Um fato, que não tem
nada a ver com o tema deste capítulo, mas que faço questão de
contá-lo pela sua singularidade, pelo menos naquele tempo, em
que éramos dois jovens, ainda ignorantes de muitas coisas.
O Roddolfo, filho de portugueses, era católico por causa
de sua família, como eu também era e sou, embora um pouco
distante das obrigações religiosas de um fiel seguidor da crença,
muito mais naqueles tempos. Não me lembro de ter compare-

33
Alquimia de uma corporação

cido ao templo israelita para presenciar o seu casamento, reali-


zado dentro das normas judaicas. O Roddolfo teve que se apre-
sentar com a cabeça coberta. Eu lhe emprestei o meu chapéu,
que era usado para as ocasiões em que ia a São Paulo visitar os
meus tios do lado da família de meu pai. Durante muito tempo,
contei para parentes e amigos que aquele chapéu tinha “casado”
numa sinagoga.
Depois que mudei para o Nordeste, perdi o contato com
eles aos poucos. Quinze anos depois, por obra e graça do surpre-
endente destino, nós nos encontramos e voltamos a ter aqueles
“papos”, agora muito mais produtivos do que antes, devido, é cla-
ro, à nossa experiência. Ainda continuava casado com a mesma
mulher. A Sarah formou-se em Psicologia e se especializou em
Psicologia Organizacional, que foi, durante algum tempo, assun-
to “badalado” entre os que estudavam os aspectos humanos da
Administração.
No tempo em que éramos colegas de turma na Faculdade
Nacional de Ciências Econômicas, eu ingressei no Business Trai-
ning Course — BTC (hoje tem um nome mais pomposo, embo-
ra mais “enxuto”: Financial Management Program — FMP). A
partir daquele momento, as conversas que tive com o Roddolfo
passaram a ter como principal objeto tudo o que eu estava estu-
dando e conhecendo na GE. Portanto, devo reconhecer e con-
fessar que as idéias e comentários aqui expostos são resultados
das “conversas frutíferas” que mantive com o meu amigo e sua
esposa, Sarah.
Algumas considerações muito breves sobre o mundo dos
trainees, ou melhor “estagiários” do programa de treinamento
BTC/FMP.
Quando contei para o Roddolfo o que era o Programa e
como os jovens eram recrutados e selecionados, inclusive como
eu mesmo fui recrutado e selecionado, ele ficou ligeiramente sur-
preso e, lá no seu interior, aprovou completamente todos os pro-

34
Recordações de um Passado Atual

cedimentos. Quando ele soube que a empresa já vinha tendo essa


política de pessoal, proporcionando grandes oportunidades para
o desenvolvimento individual dos empregados de todos os níveis
e em todas as diversas atividades empresariais, mantendo cursos
internos para todos os que se interessavam em melhorar as suas
competências, desde a sua origem no final do século XIX e no
início do século XX, treinando os seus gerentes, seus contadores,
seus engenheiros, seus agentes comerciais, seus administradores,
seus técnicos e seus operários, não se conteve e exclamou, para
que todos ouvissem o seu júbilo: “Mas a GE é um Grupo Esco-
lar!“. E ele estava certo porque o próprio monograma GE, conhe-
cido mundialmente e que felizmente continua o mesmo, já anun-
ciava essa exclusividade em termos de administração de pessoa.
A Sarah, que se especializou em Psicologia Organizacio-
nal e que, por conseguinte, seus interesses escorregavam, muitas
vezes, para a área de recursos humanos, manteve conosco várias
discussões a respeito do fato de que, a empresa, naquele tempo,
departamentalizava (peço desculpas pelo comprido palavrão) as
atividades de recrutamento, seleção, treinamento, acompanha-
mento e promoção. Essas atividades naturais da área de adminis-
tração de pessoal eram delegadas a outros departamentos e seto-
res. Por exemplo, os contadores, gerentes e especialistas da área
contábil e financeira eram recrutados, selecionados e treinados
exclusivamente por pessoas do Setor Financeiro (que era a Dire-
toria ou Vice-Presidência Financeira no organograma de outras
empresas); os engenheiros e técnicos das áreas de engenharia e
produção eram, do mesmo modo, recrutados, selecionados, trei-
nados e promovidos por pessoas das próprias operações, e assim,
também, o pessoal mais categorizado da área comercial.
A nosso ver, essa diretriz provinha da filosofia de descen-
tralização das responsabilidades administrativas e operacionais
da empresa, que fundamentava o seu funcionamento. Embora a
Sarah discordasse levemente dessa política de pessoal, eu mesmo,

35
Alquimia de uma corporação

por estar dentro do processo e não ser um observador externo,


privilegiado como ela, acreditava, piamente, que o procedimento
adotado pela empresa, nesse aspecto, era o mais vantajoso.
Eu conhecia outras empresas, até muito grandes, bem or-
ganizadas e lucrativas, que dispunham de uma Administração de
Pessoal (este era o nome comum com o qual todos os estudiosos
intitulavam as atividades que até há pouco tempo denominavam
de administração de recursos humanos e agora denominam de
gestão de desenvolvimento de pessoas ou de seres humanos).
Olhando, agora, de longe, provavelmente poderemos julgar me-
lhor aquela política. Em todo o caso, a bem da verdade, pelo que
relatei para a Sarah e seu marido, a orientação da empresa deu
excelentes frutos em termos de formação de pessoal de alto nível
em todas as áreas e, conseqüentemente, de uma administração
eficiente e eficaz, que se tornou modelo mundial.
Eu me lembro de ter passado para o casal e para outros
colegas e amigos, inclusive para os milhares de alunos que tive,
o preceito ou regra, como queiram, talvez, até mesmo, o man-
damento, uma espécie de lembrete permanente, que foi manti-
do por algum tempo em algumas das dependências de setores
ligados às atividades contábeis e financeiras da empresa. A esse
respeito, eu confesso, com todo o respeito pelos colegas e even-
tuais leitores, que nunca tive nenhum sintoma, nem de longe, de
esquizofrenia. Essa mesma confissão eu a fiz várias vezes para os
meus dois interlocutores: Roddolfo e Sarah. Sou, às vezes, um
sonhador, embora este comportamento até mesmo muito agra-
dável, seja típico do ser humano. Portanto, este mandamento
pode ser o resultado de sonhos. Pode ser que nem tenha realmen-
te existido, apesar de me lembrar dele, assim como me lembro
perfeitamente da palavra “think” (ou “Pense”), gravada, a ferro
e fogo, em minha mente nas tantas vezes que estive am algumas
das dependências da antiga IBM.
O mandamento é muito sugestivo, e eu fiz questão de
colocá-lo, com todas as letras, no meu terceiro livro de Custos:

36
Recordações de um Passado Atual

“Evite sempre a seguinte situação: o incompetente informando o


irrelevante para o indiferente”. Ele é tanto sugestivo como perfei-
tamente inteligível. É uma “tirada” digna de Machado de Assis,
que, para mim e para muitos, é o escritor máximo em criar fra-
ses tanto, concisas como explicativas. Em seu admirável romance
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, ali está, no início de um
dos capítulos: “ela me amou por três meses e onze contos de réis”.
Ou então na parte mais forte de tudo quanto escreveu, ao apre-
sentar o “Dom Casmurro”, quando este se referiu a um compa-
nheiro de suas viagens diárias de trem, registrou: “eu o conhecia
de vista e de chapéu”.
O preceito pregado em algumas paredes dos escritórios da
empresa queria afirmar firmemente que os especialistas de in-
formações gerenciais, que seríamos todos nós, trainees do BTC/
FMP, deveríamos estar sempre conscientes de que as nossas res-
ponsabilidades, como contadores, auditores, analistas, especialis-
tas e gerentes, começavam com a nossa inconteste competência,
que certamente estava sendo assegurada pelo treinamento, com
a preparação de informações relevantes e, principalmente termi-
nando com um usuário/cliente totalmente interessado em nossos
relatórios e em nossas consultorias.

OS CONTADORES DE CUSTOS
E O CHÃO-DE-FÁBRICA
Desde que passamos a ser integrantes do corpo de em-
pregados da GE, aprendemos muitas coisas que nos serviram
bastante ao longo de nossa vida profissional. Eu relatei para o
Roddolfo e para a Sarah o fato de que os contadores de custos
das diversas seções operacionais das muitas fábricas lá existen-
tes, trabalhavam fisicamente, bem perto das atividades das quais
estariam coletando, acumulando e organizando os dados mone-

37
Alquimia de uma corporação

tários e não-monetários, analisando-as e interpretando-as para,


finalmente, entregarmos os relatórios de custos para os nossos
diversos usuários, desde o próprio engenheiro da operação fabril
particular até os gerentes superiores que comandavam toda a fá-
brica e todo o departamento. Hoje, os compêndios e os manuais
não se esquecem de alertar os administradores que a melhor po-
sição do contador de custos é o “chão-de-fábrica”, isto é, onde as
operações acontecem e que, inclusive e principalmente, os conta-
dores devem estar muito bem familiarizados com elas.
Entretanto, nós continuávamos sob a supervisão dos ge-
rentes da área financeira, embora tivéssemos uma adequada har-
monia de trabalho com os gerentes das operações. O Roddol-
fo, embora atento, nada dizia, mas a Sarah pedia muitas outras
informações e lhe agradava muito saber que a GE observava, já
naquele tempo, as melhores políticas de pessoal, de arquitetu-
ra organizacional e de métodos de trabalho que estão nos livros
atuais. Ao mesmo tempo em que éramos, ate certo ponto, res-
ponsáveis pelas operações fabris, em termos econômicos, porque
estávamos treinados para isso e estávamos sempre perto dos en-
carregados, dos mestres, dos operários e dos gerentes, ganháva-
mos uma experiência sem igual.
Lembro-me de ter relatado para o casal de amigos que fa-
zia parte de infatigáveis “tertúlias”, alguns casos singulares como
“o caso do estoque intermediário”, que nos deu grandes dores
de cabeça, assim como o “emprego do custeio por absorção em
produções que fabricavam em excesso para a manutenção de es-
toques” e “o caso das devoluções de materiais em processo para o
estoque de materiais”.
Em algumas operações, aplicávamos o ”Custeio por Or-
dem”, em outras o “Custeio por Processo” e em algumas, um
custeio híbrido. Em algumas operações usávamos os custos-pa-
drão, como na fábrica de eletrodos, onde pontificavam o Gerente
Kevorkian, um sustentáculo do bom sistema de custos que era

38
Recordações de um Passado Atual

usado, e o “pequenino-grande homem”, Cláudio Franco, que era


o meu assistente e que “carregava o piano”, no sentido de pre-
parar, manualmente, todos aqueles controles, mapas e relatórios
necessários. É claro que há 50 anos os computadores só existiam,
praticamente, na ficção científica.

RECRUTANDO E SELECIONANDO
OS ESTAGIÁRIOS (TRAINEES)
O Setor Financeiro (melhor dizendo: a vice-presidência Fi-
nanceira), em relação ao recrutamento e seleção de trainees (esta-
giários é a melhor denominação, porque, no dicionário, a palavra
trainee significa um animal ou uma pessoa que está sendo trei-
nada, principalmente um recruta que está sendo preparado para
exercer o serviço militar), adotava dois caminhos.
Um deles era buscar jovens promissores, principalmente
os recém-formados. O outro caminho era buscar pessoas que já
trabalhavam na própria empresa e que tinham muita vontade
de subir na escala hierárquica, aproveitando o treinamento em
finanças e contabilidade que a empresa proporcionava. Uma das
características que mais me chamou a atenção e que foi objeto de
muitas conversas com o Roddolfo e a Sarah, era o fato de que a
Seção de Aperfeiçoamento de Pessoal, a qual tinha a responsabi-
lidade maior de conduzir o Programa Business Training Course
(BTC), selecionava externamente, qualquer jovem, independen-
temente de sua graduação e que selecionava, internamente, qual-
quer pessoa que se saísse bem nas provas de seleção.
Assim, a GE ganhou um excelente gerente financeiro
que vinha de um curso de Filosofia e que foi, mais tarde, “pu-
xado” da GE, para ser o Diretor Financeiro de uma das maio-
res e mais famosas empresas multinacionais. Não estamos nos
“gabando” de que o Aloísio galgou esse posto porque fez o

39
Alquimia de uma corporação

treinamento financeiro na GE. O que nos orgulhamos é o fato de


que o Aloísio foi bem selecionado e bem acompanhado durante
todo o seu treinamento.
A GE também ganhou um excelente gerente de custos
quando selecionou, para fazer o curso de treinamento, entre os
operários, o Manuel Machado.
O Manuel Machado foi trabalhar na unidade de custos da
seção de fabricação de medidores, onde eu era o chefe. Ele conhe-
cia mais do que ninguém os problemas das operações fabris, e esses
conhecimentos nos ajudaram muito na preparação de relatórios
gerenciais de custos mais reais e objetivos. Eu me orgulho de ter
contribuído, um pouquinho, para o desenvolvimento profissional
do Manuel Machado. O Manuel, alguns anos depois, foi trabalhar
em outras empresas e terminou por ocupar a Diretoria Financeira
de uma grande gráfica, no Rio de Janeiro, que produzia, entre di-
versos produtos, revistas em quadrinhos muito famosas.
A Sarah, como especialista em administração de recursos
humanos, ficava muito interessada nesses muitos casos. Certa
feita me fez uma pergunta muito pertinente. “Por que os recur-
sos humanos, formados por esse treinamento sofisticado, saíam
da GE?” Pergunta de difícil resposta, na época. Após muitos anos,
os fatos, antes obscuros, começaram a ficar mais claros. Hoje, po-
demos dizer que eram várias as causas, mas a principal era que
as outras empresas conheciam o valor do curso BTC/FMP e do
valor dos jovens que terminavam o treinamento. Eles eram re-
conhecidos pelo mercado de talentos. A GE era impotente para
mantê-los. A GE era realmente um Grupo Escolar, nesse aspecto.
Outros casos iguais foram objeto de longas e constantes conver-
sas com o Roddolfo e principalmente com a sua esposa, Sarah.
Por falar em “chão-de-fábrica”, do bom senso generali-
zado na administração dos recursos humanos e da vanguarda
na aplicação de técnicas contábeis, eu relatei aos meus amigos
o que aconteceu comigo. Foi uma forma benéfica para colocar
fogo nas discussões.

40
Recordações de um Passado Atual

A SEÇÃO DE ORÇAMENTOS E AVALIAÇÕES


Ao ingressar na empresa, selecionado para o treina-
mento, comecei a trabalhar na Seção de Orçamentos e Me-
dições. Em inglês, o título era Budgets and Measurements. Eu
não tinha muita experiência em Contabilidade. Em 1953, na
Fundação Getúlio Vargas, onde trabalhava, fiz um curso de
Contabilidade, que teve como instrutor, o Prof. Iberê Gilson,
um dos mais festejados contadores do Brasil. Ali, “gamei”
pela Contabilidade. Estou utilizando, de forma curiosa, o
verbo “gamar”, de uso muito comum entre os jovens, porque
me lembrei de minha filha Daniele, de três anos, que assim
se expressava.
O meu amigo Roddolfo conhecia ambos os termos:
Orçamentos e Medições. Mas, a sua esposa, Sarah não estava
sabendo o que queria dizer “medições”. E, muita gente boa
ainda não entende o que está por trás do termo. Na época, a
GE já trabalhava com medições. Até aqui nada demais! Mui-
tos administradores já as usavam. Entretanto, a GE, como
outras grandes empresas americanas, já empregava as me-
dições não-monetárias, o que hoje, alguns cientistas de ad-
ministração, de finanças e de contabilidade “trombeteiam
como novas idéias” as famosas medições físicas. Sarah já fi-
cava atrapalhada quando lia e ouvia a expressão “medidas
financeiras”. Ela dizia que a palavra “financeiras” abrangia
uma enormidade de coisas. Realmente, é difícil explicar o
que são “fatos e operações financeiras” e, até mesmo, as fa-
mosas “demonstrações financeiras”. Para ela, ficava muito
mais claro, usarmos a expressão “medidas monetárias”, que
trazia uma idéia mais objetiva e direta.
O meu primeiro chefe foi o americano Thomas Dion. Uma
grande figura humana. No meu primeiro dia, conversou longa-
mente comigo, pois já falava português com adequada fluência.

41
Alquimia de uma corporação

Entregou-me dois volumes enormes para eu estudar e até levar


para casa. Os dois volumes formavam os maravilhosos e eficazes
GAP’s: “General Accounting Procedures”. Era tudo em inglês.
Entretanto, era tão didático que, mesmo eu que sabia pouco
de Contabilidade e pouca coisa de inglês, consegui estudá-lo,
principalmente na parte que dizia respeito ao que eu iria fa-
zer em “Budgets and Measurements”. Ao mesmo tempo em que
estudava o GAP, o Sr. Dion me dava alguns serviços para ir
executando, pouco a pouco.
Em resumo, o que se fazia naquela unidade, chefiada
pelo americano Dion, era simplesmente fazer a consolidação
dos orçamentos e dos relatórios, monetários e não-monetá-
rios, vindos mensalmente, de cada uma das grandes unida-
des fabris e das filiais comerciais da empresa e preparar os
relatórios finais que seriam, sobretudo, enviados para a matriz
nos Estados Unidos. Foi um excelente aprendizado, não só de
Contabilidade como também da língua inglesa, melhor dizen-
do, da linguagem norte-americana de administração. Posso
dizer, sem medo de errar, que a partida para a minha vida
profissional, foi constituída pelo curso de Contabilidade mi-
nistrado pelo Prof. Iberê Gilson e pela minha passagem pela
Seção de Orçamentos e Medições.
Apenas para servir de “quebra-gelo” da narração, não
posso deixar de informar que o Sr. Dion se transformou num
perfeito carioca: casou-se com uma moça do subúrbio do Rio,
começou a comprar as suas roupas na Ducal e se tornou sócio
do Flamengo. Eu espero que ele, se estiver lendo este capítu-
lo, não fique aborrecido. É uma forma, embora curiosa, que
tenho de transmitir a grande admiração que tenho por ele e
pelo que ele me ajudou. Devo dizer que sou carioca, fui ca-
sado, quando jovem, com uma carioca, fui cliente da Ducal e
sempre fui torcedor fanático do Flamengo.

42
Recordações de um Passado Atual

BALANCED SCORECARD, ACTIVITY —


BASED COSTING E CADEIA DE VALOR
Mais tarde, voltei a trabalhar na Seção de Orçamentos e
Medições. O meu chefe foi Mr. Rudolph Floss, um senhor de
uns sessenta anos, trabalhador sem descanso. O expediente di-
ário tinha início às 8 horas. Entretanto, Mr. Floss chegava às 7
horas e começava a trabalhar intensamente. Quando eu chega-
va, não conseguia nem tirar completamente o paletó. Lá estava
ele, dentro de seu “aquário”, chamando-me com movimentos
apressados de seu dedo indicador “fura-bolo”, da mão direita.
Apresentava-me várias dúvidas que surgiram no seu trabalho
que começara uma hora antes do início do expediente normal.
Pedia para eu esclarecer as dúvidas. Eu ficava ouvindo ainda
com um braço enfiado no paletó. Eu aceitava tudo porque o
respeitava muito pela sua dedicação à empresa, pela sua idade,
pela sua educação e pela sua capacidade.
Hoje, estamos vendo o sucesso que vem fazendo o relató-
rio gerencial intitulado “Balanced Scorecard”, criado por David
Norton e Robert S. Kaplan, este último famoso professor de Har-
vard. Kaplan, junto com Robin Cooper, outro mestre universitá-
rio, desenvolveu, também, um moderno sistema de custos a que
denominou de “Activity - Based Costing”.
Os livros atuais e muitos dos artigos recentes vêm tratan-
do de outras manifestações que têm a intenção, sempre meri-
tória, de melhorar o trabalho dos contadores e administradores
e, principalmente, para alertá-los. Vamos nos referir aqui, ao
relatório, ao sistema de custos e a uma das manifestações mais
recentes, fazendo uma alusão aos procedimentos que a GE já
estava empregando, quando por lá trabalhamos na Seção de
Orçamentos e Medições.
Nas duas primeiras aulas do módulo do Curso BTC, exa-
tamente o segmento conhecido como “Curso” 202 e intitulado

43
Alquimia de uma corporação

“Orçamentos e Medições”, era apresentado o Projeto de Medi-


ções. Em linhas gerais, o Projeto foi idealizado em fins de 1951,
nos Estados Unidos e foi implantado em 1953. A necessidade de
um projeto amplo e profundo foi detectada quando a GE adotou
o modelo administrativo e político de descentralização de suas
operações mundiais. O Presidente da GE mundial era, na oca-
sião, o Sr. Ralph Cordiner, que escreveu um livro relatando essa
fase excepcional da empresa, mas que, infelizmente, não teve a
felicidade de surgir num cenário, cujos estudiosos e leitores esti-
vessem procurando e interessados em leituras desse tipo, o que
não aconteceu com um futuro Presidente da GE, o Sr. Jack Welch,
que lançou um livro de sucesso imediato e que se tornou um
fenômeno literário.
O Projeto de Medições foi orientado por cinco princípios
básicos, entre eles os seguintes: as medições tinham como ob-
jetivo a avaliação do desempenho das unidades organizacionais
e não de indivíduos, visavam suplementar o julgamento e não
suplantá-lo e deviam ser preparadas para avaliação de resultados
correntes como de planos futuros. Como se pode notar e como
veremos adiante, o Projeto tinha objetivos operacionais e estraté-
gicos. O Projeto era dividido em três subprojetos: medidas ope-
racionais, medidas funcionais e medidas gerenciais.
Na prática, o Projeto recebeu o nome de Áreas de Re-
sultados Básicos. Para que uma “área” tivesse o status de área
de resultados básicos, era necessário passar pelo seguinte teste:
“o fracasso contínuo nessa área seria prejudicial ao progresso
contínuo da empresa”.
As áreas de resultados básicos eram as seguintes: Renta-
bilidade, Posição no Mercado, Produtividade, Primazia do Pro-
duto, Aperfeiçoamento de Pessoal, Atitudes dos Empregados,
Responsabilidade Pública e Equilíbrio entre as Metas a Curto e
Longo Prazos.
É importante notar, por exemplo, que a sétima área entre
as relacionadas anteriormente, denomina-se hoje Responsabili-

44
Recordações de um Passado Atual

dade Social, não só pela preocupação da empresa com o seu am-


biente interno, como pela sua preocupação com a influência das
medidas gerenciais sobre o ambiente externo (sobre as pessoas e
sobre o meio ambiente). Cada uma dessas áreas possuía medi-
ções tanto monetárias como não monetárias.
A área que tinha maior ligação com os temas que está-
vamos aprendendo como “estagiários” na empresa era a pri-
meira: “Rentabilidade”.
Essa área era constituída pelas seguintes medições:
Indicadores convencionais: Valor total dos lucros, Porcen-
tagem do lucro sobre as vendas e o retorno sobre o investimento;
Indicadores não-convencionais: Porcentagem do lucro
sobre o valor de contribuição, porcentagem do lucro sobre o va-
lor adicionado, porcentagem do lucro sobre o total das despesas
com pessoal, porcentagem do lucro sobre as despesas de funcio-
nários profissionais e o lucro residual (este tão divulgado hoje
como se fosse uma descoberta sensacional do século XXI).
É digno de nota, pelo menos para mim, que já estávamos,
sem alarde, usando, gerencialmente, a “famosa” demonstração do
valor adicionado.
O Projeto de Medições está registrado nas apostilas do
BTC, que fazem parte de um conjunto de 17 volumes encaderna-
dos que guardo comigo, há quase 50 anos, com enorme carinho e
que são consultados por mim constantemente. Os dois capítulos
contêm 56 páginas!
Fica por conta de nossos eventuais leitores a sensação
de que o Projeto de Medições empregado pela empresa, há 50
anos, pelo menos pode ser considerado um precursor do atual
Balanced Scorecard.
O sistema de custos baseado nas atividades, já vinha sendo
discutido, analisado e considerado há muitos anos na empresa,
antes mesmo de 1957. Muitos são os estudiosos que afirmam ter

45
Alquimia de uma corporação

notícias de que tal idéia já era ventilada na década de vinte do


século passado.
Uma das evidências, em relação à administração da empre-
sa era a preocupação que a gerência tinha em controlar e analisar
os custos comerciais, mais conhecidos, na época, como custos de
distribuição, com todas as suas atividades e bases de apropriação,
tais como dos “direcionadores de custos”.
Eu mesmo, em meus cinco primeiros livros (o primeiro
deles foi editado há mais de trinta anos) apresentei todos esses
procedimentos para gerenciar as despesas e os custos de distri-
buição, relacionados às atividades da área comercial.
O sistema idealizado era excessivamente minucioso, por-
tanto difícil de ser executado. A relação custo e benefício era mui-
to desfavorável.
O que fizeram, não só os executivos da GE como os
executivos de outras grandes empresas assim como os estu-
diosos de administração da época, no nosso entendimento?
Colocaram o Sistema dentro de um recipiente de metal e o
“criogenaram” a uma temperatura máxima de congelamento,
na esperança de que algum dia no futuro aparecesse um novo
“medicamento” que pudesse ressuscitar aquele “doente” e co-
locá-lo em funcionamento.
Não desejamos, nem em relação ao “Balanced Scorecard”
(infelizmente não temos ainda um nome em nossa língua para
denominar tal metodologia — alguns tentam chamá-lo de “qua-
dro balanceado de indicadores“, outros, de “gráfico de indicado-
res balanceados” e assim por diante) e nem em relação ao ABC,
desmerecer o trabalho excepcional feito por seus autores. Em mi-
nhas aulas, eu sempre afirmo que Robert S. Kaplan, David Nor-
ton, Robin Cooper e H. Thomas Johnson fizeram uma revolução
benéfica que deu uma outra dimensão aos serviços prestados pe-
los contadores, destacando (e quem sabe, até mesmo, impondo)
a necessidade de uma orientação mais moderna como é hoje a

46
Recordações de um Passado Atual

Contabilidade Gerencial. Eu considero esses quatro “cientistas”


como aqueles que aplicaram uma injeção providencial no cor-
po dos sistemas “criogenados” e os fizeram reviver. Essa injeção
continha a aplicação da tecnologia de informática, um tanto das
mudanças nos cenários econômicos e sociais, o emprego dos ins-
trumentos de estatística e de matemática e de tantas outras “fór-
mulas e ingredientes”.
O mesmo acontece com a figura da “cadeia de valor”. Para
muitos estudiosos contemporâneos, inclusive para aqueles no-
meados anteriormente, a cadeia de valor é representada pela série
seqüencial de atividades internas e, sobretudo externas, de uma
empresa. A orientação básica é destacar que existem sempre o
fornecedor e o cliente. Aliás, esse dueto sempre existiu, mesmo na
idade das duas pedras: a lascada e a polida. Dentro da empresa,
numa cadeia produtiva, por exemplo, o terceiro processo é clien-
te do segundo e fornecedor do quarto. Em outras dimensões: a
Contabilidade de Custos é cliente (os fornecedores de dados)
dos vários processos operacionais e administrativos e também
fornecedora de informações para as diversas gerências dos seus
próprios clientes. O que os atuais estudiosos alertam é que a em-
presa deve manter uma cadeia de valor com seus fornecedores
e clientes externos a ponto de fazerem com eles um acordo de
consultoria para aconselhar a execução correta dos sistemas de
controle e de determinação dos custos e despesas, uma vez que se
um dos fornecedores ou um dos clientes entrar em turbulência
relativamente grave, o desempenho econômico e social da em-
presa ficará prejudicado.
Até aqui, todos estamos de acordo. Entretanto, essa pre-
ocupação não é nova. Eu me lembro que a GE, em 1957 e nos
anos seguintes, já fazia acordos com seus principais fornecedores,
principalmente de materiais de produção, e com os seus princi-
pais clientes, notadamente as empresas atacadistas e grandes va-
rejistas. Esses acordos se constituíam em trabalhos de consultoria

47
Alquimia de uma corporação

dentro das empresas clientes e fornecedoras, de auditores e con-


tadores e outros especialistas dos quadros da GE. Esses trabalhos
de consultoria eram necessários para que a GE tivesse a confiança
de que os seus fornecedores e clientes mantinham administrações
saudáveis de forma duradoura. Assim, a GE procurava, com es-
ses trabalhos, reduzir os custos operacionais dos seus fornecedo-
res e obter melhores termos financeiros nos contratos. Pelo lado
dos clientes, os trabalhos eram dirigidos para o setor comercial,
principalmente. A melhora nas operações comerciais dos clien-
tes significava, provavelmente, maiores vendas dos produtos GE,
portanto maiores receitas. Estas são reminiscências “atuais” que
devem ser ressaltadas.

A SEÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO
DE PESSOAL — UM MODO ESPECIAL
DE RECRUTAR E SELECIONAR
Trabalhei durante um ano na Seção de Orçamentos e Me-
dições. Fui transferido para a Seção de Aperfeiçoamento de Pes-
soal, cujo Gerente era o Sr. Hellmuth Weber. A minha função, por
incrível que possa parecer, era fazer as traduções dos textos das
aulas do curso BTC, que vinham dos Estados Unidos.
Fiquei por lá, algum tempo. A nossa turma, que foi a pri-
meira turma do BTC fora dos Estados Unidos, tinha aulas no
Edifício Andorinha, no centro da cidade do Rio de Janeiro. A
maior parte da turma, porém, vinha da Fábrica Mazda, em Maria
da Graça, um subúrbio da cidade.
Eu fui muito bem no primeiro semestre, quando estuda-
mos Princípios de Contabilidade, com base nos livros de H. S.
Noble e de Finney Miller. Fui tão bem a ponto de o Sr. Weber me
indicar para ministrar a primeira aula de uma turma do Curso
1, que era uma espécie de cursinho vestibular para os funcio-

48
Recordações de um Passado Atual

nários que queriam ingressar no BTC. Essa aula seria dada em


São Paulo, no escritório central, situados no Centro da cidade, na
Rua Antônio de Godoy, se a memória ainda estiver funcionando.
Preparei-me com muito cuidado para essa primeira aula de Con-
tabilidade de minha carreira no magistério.
Alguém daquela turma deve estar lembrado dessa aula
inicial. Pergunto a esse ex-colega: “Fui bem na aula?“ Parece
que sim, pois em seguida comecei a dar aulas para as turmas
formadas depois que terminei o primeiro semestre, exatamente
em março de 1958.
O módulo seguinte foi muito difícil para todos. Os módu-
los eram numerados: começava pelo 101, em seguida o 102 e de-
pois o 201 e 202, até fecharem com o 301 e o 302. O 102 foi muito
difícil. As aulas eram, muitas vezes, ministradas por professores
americanos, com apostilas em inglês.
Não era muito fácil o entendimento. Os mestres davam as
aulas em português. Entretanto, todos vocês que nos lêem, de-
vem imaginar como era o “português” empregado pelos instru-
tores. Lembro-me que um deles, por acaso o Sr. Hugo Mueller, se
não me engano (façam um grande desconto: isso aconteceu há 50
anos!). Ele me perguntou:
— Leone, quais as contas do Razão que são enceradas no
fim do mês? Fiquei alguns segundos pensando o que responder
porque não atinava no momento quais seriam essas contas sobre
as quais passávamos alguma cera. Alguém, atrás de mim, falou
mais alto:
— “Ele quer dizer encerradas”. As aulas eram dadas num
ambiente bastante informal. Portanto todos riram e a aula conti-
nuou normalmente com mais alguns casos iguais a esse.
O módulo 201 — Contabilidade de Custos, foi uma grande
catástrofe para mim. Quase não alcancei a média para continuar
na GE. Fiquei arrasado. Eu, que sempre fui um bom estudante,
ficar na “lanterna” de uma turma, era realmente um desastre para

49
Alquimia de uma corporação

mim. Não era por falta de estudos. Eu estudava praticamente du-


rante todo o tempo que estava em minha casa. Sarah e Roddolfo,
que, por várias vezes estiveram em minha casa para conversar e
jogar canastra nos fins de semana, me alertaram para a minha
“fúria de estudiosidade”. Sarah nos contou o caso de um casal,
cujo marido, de tanto se preocupar com os estudos, se esqueceu
de suas obrigações costumeiras do matrimônio. A situação ficou
tensa, o avião do matrimônio que vinha voando em céu de bri-
gadeiro, entrou numa área de turbulência e quase há um acidente
fatal. Fiquei muito impressionado com o relato e isso me fez bem
e melhor ainda para o meu casamento, que poderia ter sofrido
abalo semelhante.
Senti na própria carne o sofrimento que é estudar Custos
sem nunca ter pisado numa fábrica. Foi isso o que aconteceu. Eu
estudava muito mais que os meus colegas que trabalhavam na
fábrica e eles se saíam bem nas provas, nos testes e nos trabalhos
de casa. Escrevi uma carta para o Sr. Hellmuth Weber para me
transferir imediatamente para um setor de custos, onde quer que
fosse, na Fábrica de Maria da Graça. Fui trabalhar como especia-
lista de custos na seção de fabricação de medidores e equipamen-
tos leves do Departamento de Equipamentos e em seguida, após
um ano, para a seção de fabricação de eletrodos.
Por causa da minha furiosa vontade de estudar, de desejar
aprender tudo sobre Custos e de ter me transferido para o ”chão-
da-fábrica”, é que hoje sou professor de custos e consultor, com
uma série de livros publicados sobre esse tema especial. É mais
um caso que vem confirmar a vantagem (até mesmo uma impe-
riosa necessidade) do contador de custos estar perto das opera-
ções e conhecê-las muito bem, quaisquer que sejam: de produção
de bens e serviços, comerciais ou de administração.
“É claro que, como tudo neste mundo, existem sempre os
prós e os contras, mesmo quando uma escolha ou uma decisão pa-
rece ser absolutamente a melhor” —, me corrigiu a amiga Sarah.

50
Recordações de um Passado Atual

A Sarah e o Rodolfo ficaram surpresos pelo modo como a


empresa recrutava os possíveis estagiários do BTC/FMP. Eu me
refiro à primeira turma, montada em setembro de 1957, da qual
eu fazia parte. O nosso grupo talvez contasse com doze partici-
pantes. Acabamos o treinamento com 7 apenas. Esses sete esta-
giários faziam parte da equipe que viajava pelo Brasil, à procura,
nas várias faculdades e escolas de ensino superior, de jovens ta-
lentosos, que mostrassem interesse, para se submeterem às pro-
vas de seleção.
Eu mesmo me orgulho de ter participado no trabalho que
resultou no ingresso de alguns dos mais destacados futuros ge-
rentes da empresa. Dois deles se sobressaíram notavelmente: um
deles chegou a ser o Gerente Geral de um dos departamentos
que, na verdade, era uma fábrica inteira. Em termos normais se-
ria o presidente de uma empresa industrial. O outro chegou a ser
Vice-Presidente de Recursos Humanos da GE.
Sarah e Roddolfo me alertaram para o fato de que esses
dois jovens, tanto quanto os outros, tinham certas características
inatas e aprendidas que os faziam indivíduos especiais que te-
riam tido sucesso de qualquer maneira, onde estivessem. Mas, tal
conversa foi “para boi dormir”. Na verdade me senti sempre mui-
to orgulhoso por ter feito boas descobertas, assim como outros
colegas do grupo de “recrutadores” fizeram, também.
Outras recordações ficam para depois. Muito mais casos e
histórias eu teria para contar sobre o treinamento e sobre a em-
presa. Eu faria isso com muita satisfação. Mas, temos que res-
peitar os limites impostos pelo grupo de amigos, ex-colegas, em
relação ao tamanho de cada relato.

51
3 A MELHOR ESCOLA
Mituo Teramae

“Sou grato a Deus por ter-me colocado no lugar certo, na hora certa”

GE: FONTE DE TALENTOS


E AMIZADES DURADOURAS
Dos cinqüenta e seis anos e meio que estou trabalhando,
cinco anos e dois meses passei na GE. Apesar do pouco tempo, foi
mais do que suficiente para transformar um simples Contador,
que fazia contabilidade manuscrita, num Executivo moderno e
versátil, preparado para enfrentar os mais variados desafios que
vinham pela frente.
Antes de começar na GE, eu já havia trabalhado sete anos
em escritórios de contabilidade e três anos no Banco Noroeste,
tendo acumulado bons conhecimentos em legislação comercial,
tributária e trabalhista.
Foi um amigo, Maurício Choinhet, que foi também cole-
ga do Varela (autor da apresentação deste livro) na Faculdade
de Economia, quem me informou que a GE estava à procura
de um Auditor Interno.
Fui lá me candidatar, em julho de 1958. Na prova práti-
ca de admissão, o nosso amigo contemporâneo da GE, Benedito

53
Alquimia de uma corporação

Batista, apresentou um problema do 2º curso do BTC — Análise


Financeira, que tinha um balanço e um demonstrativo de resul-
tados para serem completados, com alguns valores em branco, e
algumas informações em separado. Felizmente consegui comple-
tar os dois demonstrativos.
A GE foi a melhor escola que freqüentei em toda a minha
vida e influenciou de forma decisiva em minha vida profissional.
Entrei imediatamente no BTC, no curso de Contabilidade Geral
e, logo após concluir o 2º curso da série, fui convidado para ser
instrutor desse mesmo curso, Análise Financeira. Para mim foi
uma enorme surpresa, um grande desafio e motivo de muito or-
gulho, pois estava com apenas 22 anos de idade. Nesse mesmo
semestre, o Batista foi meu instrutor do 3º curso da série, Conta-
bilidade de Custos, logo depois que ele o tinha concluído.
Portanto, estudei os quatro cursos restantes da série ao
mesmo tempo em que era instrutor, tendo me formado no 1º
semestre de 1961, com a média geral de 96. Nada mal.
Ao longo de quatro anos em que fui instrutor do BTC, de
cinco cursos da série de seis, até 1963, tenho orgulho de con-
tar com ex-alunos que tiveram carreiras brilhantes. Sem des-
merecer os demais, gostaria de citar o Nahid Chicani, que foi
Vice-Presidente da GE; Hermann Wever, que foi Presidente da
Siemens do Brasil e Paulo Maruta, que foi Diretor da Bausch &
Lomb, no Japão.
Nos cinco anos que trabalhei na GE, ocupei os cargos de
Auditor Interno, Supervisor de Contabilidade Geral, Supervisor
de Contabilidade de Custos, Especialista em Orçamentos e Ava-
liações e Especialista em Organização, Métodos e Assuntos Fis-
cais. Paralelamente ao BTC, também fui instrutor de um curso
sobre legislação tributária, destinado ao pessoal que trabalhava
com emissão de notas fiscais e escrituração fiscal.
Como o Departamento de Equipamentos tinha uma estru-
tura bem menor do que a de Aparelhos Domésticos, onde cada

54
A Melhor Escola

um fazia uma parte mais limitada do trabalho, no nosso tínha-


mos que ser polivalentes, o que me obrigava a exercer várias fun-
ções simultaneamente. E isto foi ótimo.
Só depois de ter passado por essas experiências é que per-
cebi qual era o objetivo da GE: colocar desafios atrás de desafios,
à medida que você fosse vencendo cada um deles.
Há décadas atrás, Laurence J. Peter, escreveu um livro
intitulado: “Todo mundo é incompetente, inclusive você”. Nesse
livro o autor escreveu que, geralmente, as empresas vão promo-
vendo seus executivos até atingir seu ponto de incompetência.
Daí, ou é rebaixado ou é demitido. Só que na GE o funcionário
era devidamente preparado para que não atingisse seu ponto
de incompetência. Sua promoção era sempre precedida de uma
avaliação rigorosa, quanto a suas habilidades, conhecimentos e
potencialidades.
Não vou descrever as minúcias e problemas de cada cargo
exercido, pois muitos dos co-autores deste livro já o estão fazen-
do, em detalhes. Muito do que eles escreveram se encaixam per-
feitamente ao meu caso.
Como fato pitoresco que ocorreu enquanto trabalhei na
GE, gostaria de citar o que aconteceu quando estava recrutando
um auditor interno e apresentei, para um candidato, o mesmo
problema que tinha sido apresentado para mim, quando de mi-
nha seleção.
Depois de mais de uma hora, esse candidato devolveu os
papéis, muito nervoso, e disse:
— Não consegui resolver este problema porque vocês não
informam se os valores apresentados estão em cruzeiros ou em
dólares.
Para esse cargo acabamos contratando Joel, que também se
inscreveu no BTC, mas logo saiu para ir trabalhar na Jacuzzi, le-
vando, como esposa, a Nely Simões, que era secretária do gerente
de Recursos Humanos.

55
Alquimia de uma corporação

O relacionamento pessoal, dentro da GE, era excelente e


assim continua até hoje, pois sempre contei com eles para resol-
ver alguns problemas. Apenas para citar um exemplo, dois anos
depois que já havia deixado a GE, contei com a ajuda do Nelson
dos Santos e José Aroca Dias, para resolver um dos casos mais
sérios que tive de enfrentar em toda minha carreira profissional,
relatado na seção “Outras Experiências”.

INÍCIO DE CARREIRA
O trabalho infantil é prejudicial ao desenvolvimento da
criança e do adolescente? No Brasil, hoje, o menor de 16 anos está
impedido de trabalhar, não tem condições para estudar e muitos
vão para as ruas, para mendigar, roubar, traficar etc.
Nasci em 1937 numa família humilde, em Guararapes, dis-
tante 650 quilômetros da Capital de São Paulo. Comecei a tra-
balhar aos onze anos de idade, num escritório de contabilidade,
fazendo escrituração fiscal, e estudando a noite, num curso co-
mercial básico (antigo ginasial). Comecei a trabalhar por opção
própria, pois meu pai disse que quem não queria estudar deveria
trabalhar. Eu optei por fazer as duas coisas.
Quando completei esse curso, passei a trabalhar no Banco
Noroeste. Entrava às 7 horas da manhã e saía às 18 horas. Come-
çava o dia como faxineiro, depois trabalhava como auxiliar de
cobrança e fazia o curso técnico de contabilidade, das 19 às 23
horas. Em 1953, cheguei a substituir o subcontador durante suas
férias, experiência que voltei a repetir um ano depois, já em São
Bernardo do Campo.
No ano de 1954, antes de completar 17 anos de ida-
de, o Banco Noroeste ofereceu a oportunidade de me trans-
ferir para São Bernardo do Campo. Aceitei imediatamente,
pois estava no último ano do curso de contabilidade e teria

56
A Melhor Escola

a oportunidade de ingressar em qualquer faculdade, o que


não existia em Guararapes e nem em cidades próximas. Para
quem nunca havia se deslocado a mais de 100 quilômetros
de Guararapes, a viagem de 18 horas de trem até São Paulo
foi uma grande novidade.
Depois de poucos meses na Escola de Contabilidade em
São Bernardo do Campo, um professor me convidou para ajudá-
lo a fazer a contabilidade de alguns de seus clientes. Outro pro-
fessor, que era diretor da Câmara Municipal, me convidou para
fazer a contabilidade da Câmara. Tudo sem deixar de trabalhar
no Banco Noroeste.
Nesse mesmo ano fiquei sabendo que, em Santo André, ti-
nha sido aberta uma Faculdade Municipal de Ciências Econômi-
cas e que tinha um cursinho, com aulas aos sábados e domingos.
Logo me inscrevi no cursinho, e quem era o professor? O nosso
querido Varela. Ele já era um grande professor há 50 anos!
Freqüentar o cursinho foi uma verdadeira maratona. A
Avenida Pereira Barreto, que liga São Bernardo a Santo André
não era asfaltada e, quando chovia, ficava intransitável. Muitas
vezes os ônibus alteravam a rota para a Avenida Atlântica, onde
os passageiros desciam no início da ladeira, o ônibus subia vazio
e os passageiros subiam a pé, para pegar o ônibus lá em cima.
Algumas vezes pegava o ônibus de São Bernardo para São Paulo,
onde pegava outro para chegar a Santo André.
Em 1955, quando ingressei na faculdade, mudei-me para
Santo André. Saí do Banco Noroeste e passei a trabalhar, outra
vez, num escritório de contabilidade.
Na faculdade, senti que a experiência acumulada em mui-
tos anos de trabalho fazia alguma diferença a meu favor. E quan-
do me candidatei ao cargo de auditor interno da GE, essa expe-
riência foi decisiva para a minha admissão. Voltando à questão
inicial deste capítulo, o trabalho infantil é realmente prejudicial
ao desenvolvimento da criança e do adolescente?

57
Alquimia de uma corporação

Posso dizer, por experiência própria, que não é. Muito pelo


contrário, ajuda a ter senso de responsabilidade e a dar valor às
coisas que consegue.
Em resumo: se o adolescente tem condições para estudar
de dia, ótimo. Caso contrário é absurdo impedir que ele trabalhe,
enquanto a família passa necessidades. Estou falando de trabalho
sério, registrado. Não de exploração de menores.
Meus filhos estudaram de dia até concluírem o curso su-
perior, porque eu tinha condições para isso. Mas, o curso de pós-
graduação freqüentaram à noite, enquanto trabalhavam de dia.

OUTRAS EXPERIÊNCIAS
Em 1961, ainda trabalhando na GE, passei a dar aulas de
contabilidade numa escola de Santo André. Mas, no final desse
ano, o diretor da escola reuniu os professores e disse:
— Eu peço a vocês que não sejam rigorosos nos exames,
pois esta é uma escola particular, que vive em função de seus alu-
nos. Portanto, teríamos a perda de muitos alunos e receita, caso
tenhamos elevado número de reprovações.
Não gostei dessa atitude e me demiti.
Em 1962, passei a dar aulas de Auditoria no IDORT — Ins-
tituto de Organização Racional do Trabalho. Esta experiência
também foi muito gratificante, pois tinha alunos que eram exe-
cutivos de grandes empresas, com muito mais idade do que eu, e
faziam perguntas e mais perguntas, que procuravam me embara-
çar, mas, felizmente, nunca conseguiram.
Em 1963, saí da GE para ser Gerente Administrativo e Fi-
nanceiro da Cia. Telefônica da Borda do Campo, que, a partir
deste ponto, passarei a citar apenas como CTBC, e que estava em
grande expansão.

58
A Melhor Escola

Quando comecei a trabalhar lá, o Diretor Presidente, Sr.


Oliver Tognato, determinou que deveríamos nos reunir todas as
manhãs, das 8:00 às 8:30 horas.
Ao final da primeira semana, apresentei uma proposta para
rescindir o contrato de uma empresa de consultoria em organi-
zação. A reação dele foi muito áspera e contundente. Ele disse:
— Você é muito novo aqui, e muito jovem para apresentar
uma proposta dessas. Vá estudar melhor e volte depois. A reu-
nião está encerrada!
Eu fiquei assustado e confuso. A primeira idéia foi de pe-
dir demissão, mas refletindo melhor, resolvi provar que ele es-
tava errado.
A partir do dia seguinte, passei a apresentar propostas
para alteração de normas e procedimentos, com redução de
custos. Apresentei também uma proposta para criar o Centro
de Processamento de Dados, pois as contas telefônicas eram
processadas em São Paulo. Todas a propostas foram aprovadas
e, ao final de dois meses, o contrato com a empresa de consul-
toria estava rescindido.
Em 1965, a Fundação Santo André criou um curso de
Ciências Contábeis. Para quem já havia concluído o curso de
Ciências Econômicas, bastava cursar mais um ano para receber
esse diploma.
Quando fui à faculdade para me inscrever, o Diretor, Prof.
Aristides Silva, não aceitou dizendo:
— Eu não aceito a sua matrícula, quero você do lado de cá
para ser professor. Ao que eu argumentei:
— Quero o diploma de Contador, pois eu sou só Técnico
em Contabilidade. Ele insistiu:
— Você não precisa mais desse diploma. A faculdade preci-
sa de professor de contabilidade de custos e auditoria.
Acabei aceitando o convite e nunca consegui o diploma de
Contador. E nunca precisei dele.

59
Alquimia de uma corporação

Mas no dia de minha primeira aula deu um frio na espi-


nha! Quando entrei na sala, vi os colegas da primeira turma, da
minha própria turma e outros de anos posteriores!
Deixei de lecionar na Fundação Santo André em 1968, três
anos após minha admissão, porque era, e ainda sou, idealista e
julgava que um professor universitário deveria estar sempre atu-
ando na área em que leciona. Assim, indiquei o Jurandir Vagos-
tello, que foi meu colega de turma no BTC e era o Gerente de
Custos da GE.
Em 1965, na CTBC, quando tínhamos iniciado as operações
com as máquinas de processamento de dados da IBM, aconteceu
um problema sério com o supervisor e o operador desse serviço,
quando os dois fizeram chantagem para conseguir aumento de
salários. O Diretor Comercial, Vicente Martins Jr., disse:
— Aceite a demissão dos dois e “se vire!”, as contas telefô-
nicas têm que sair na data prevista.
Demitidos os dois, falei com a IBM, que enviou um
analista imediatamente. Falei também com Nelson dos San-
tos, que era Gerente Financeiro da GE, que enviou o chefe
do CPD, o José Aroca Dias. Os dois juntos, constataram que
os demissionários haviam desfeito todas as programações,
que eram feitas em placas com fios. Mas conseguiram re-
fazer tudo e tivemos as contas telefônicas emitidas dentro
do cronograma normal (Este é um belo exemplo do compa-
nheirismo romântico dos tempos de GE). Para sorte nossa,
conseguimos contratar um novo supervisor, muito melhor e
mais experiente, que tinha sido demitido da Goodyear, para
não atingir a estabilidade, pois na época ainda não existia a
lei do Fundo de Garantia.
A partir daí, entramos num período de aperfeiçoamentos
e mais expansão, passando a CTBC a ser considerada a empresa-
modelo em telefonia no Brasil, que, na época, contava com cerca
de 1.000 empresas privadas operando esse serviço.

60
A Melhor Escola

Nesse período, recebíamos, constantemente, a visita de


membros de outras empresas para ver os métodos e controles
aplicados pela CTBC. Um desses visitantes é hoje o Senador Es-
piridião Amim, que na época era executivo da TELESC, Teleco-
municações de Santa Catarina S.A.
Em 1969 o Ministério das Comunicações resolveu cons-
tituir um Grupo de Trabalho, para estabelecer um sistema de
contabilidade padronizado para as empresas de telefonia, para
o qual eu tive a honra de ter sido nomeado, como membro do
Sindicato das Empresas Telefônicas do Estado de São Paulo. Os
outros cinco membros eram do Departamento Nacional de Tele-
comunicações — DENTEL (dois membros), um era assessor da
Secretaria Geral do Ministério (que era um ex-contador da Cia.
Telefônica Brasileira), um da TELEPAR e outro da Telefônica de
Governador Valadares.
Depois de alguns meses o trabalho foi concluído, oficiali-
zado e continua em vigor até hoje.
Em 1970, a CTBC entrou com um projeto no BNDES, para
obtenção de financiamento para seu plano de expansão. Ao con-
trário do que faziam outras empresas, o projeto foi executado
inteiramente na própria empresa, e obtivemos a aprovação para
um empréstimo de valor equivalente a cerca de US$ 8 milhões.
Pelas condições contratuais, a CTBC ficou obrigada a en-
viar, mensalmente, uma série de relatórios de acompanhamento
físico/financeiro da obra. Quando entregamos nosso primeiro
relatório, dentro do prazo, um executivo do BNDES disse que fo-
mos a primeira empresa no Brasil a cumprir o prazo para entrega
do primeiro relatório.
Em 1970, para resolver o problema de atrasos e faltas ao
trabalho, a CTBC instituiu um “prêmio de assiduidade”, em que
os empregados que não tivessem nenhum atraso ou falta durante
o mês (não importava o motivo, se legal ou não), recebiam um
adicional de 5% em seu salário.

61
Alquimia de uma corporação

Com esse prêmio, os problemas de atrasos e faltas foram


praticamente zerados. Com a metade desse prêmio foi constitu-
ído um Clube de Investimento dos Empregados da CTBC, que
investia nas ações da própria empresa.
Em 1973, quando a TELESP comprou o controle acionário
da CTBC, o Clube de Investimento era um importante acionista,
que vendeu suas ações e proporcionou lucro da ordem de 350%
a todos os seus sócios.
Depois que a TELESP assumiu o controle da CTBC, conti-
nuei como Diretor Financeiro por mais dois anos.
Ao sair da CTBC, deixei uma equipe bem afinada, com ex-
celente ambiente de trabalho, composta por amigos leais como
Ademir, Civalli, Dino “in memoriam”, Floret, Leopoldo, Malet,
Odo e outros que a memória me trai neste momento. A eles sou
grato pelo apoio e amizade que perduram até hoje.
Logo depois de deixar a CTBC, passei a trabalhar numa
trading, que comercializava produtos agrícolas em geral, onde fi-
quei de 1975 a 1986.
Depois de ter trabalhado numa grande escola, que foi a GE,
e numa grande empresa de serviços, trabalhar com importações,
exportações e câmbio foi uma experiência muito importante.
Em setembro de 1990, por não suportar ficar a ociosidade,
voltei a trabalhar como executivo de empresa, desta vez para fazer
algo novo. Entrei para o Grupo Catho, para atuar como Vice-Pre-
sidente da Divisão Acquisition Consultants. Alguns fatos devem
ser relatados:
Em dezembro de 1990, escrevi um artigo intitulado “Ven-
der a empresa não é a solução”, publicado no jornal O Estado de
São Paulo, de 15/12/90.
Em novembro de 1991, realizei a venda de uma indústria
de chocolates, ainda durante a crise do governo Collor.
Em abril de 1992, o Grupo Catho promoveu um seminário
sobre Fusões, Aquisições & Vendas de Empresas, em São Paulo

62
A Melhor Escola

nos dias 6 e 7, e no Rio de Janeiro nos dias 9 e 10. O principal


conferencista era Stanley Foster Reed, especialista americano, e
quatro brasileiros como co-conferencistas, contando comigo.
Na apresentação de São Paulo, um dos co-conferencistas
“amarelou” e foi substituído pelo Thomas Case na apresentação
do Rio de Janeiro.
Em junho de 1992, fui procurado por uma repórter da
revista “O Dirigente Industrial”, que resultou na reportagem “O
BALCÃO DOS AFLITOS”, publicada na edição daquele mês. A
repórter era Malu Marcoccia, que é hoje a editora responsável
pela revista Livre Mercado.
O fato interessante é que, antes da publicação, aquele
co-conferencista que “amarelou” ameaçou a Malu, dizendo
que ele impediria a publicação da reportagem caso ela não
o entrevistasse. Ela publicou assim mesmo e nada aconteceu.
Ele estava blefando.
Em 1993, surgiu a oportunidade para voltar ao ramo de
telefonia, desta vez como representante de uma empresa ameri-
cana, que estava oferecendo os serviços de callback para ligações
internacionais, do Brasil para o exterior, e de ligações do exterior
para o Brasil, a custos muito menores do que os cobrados pelas
operadoras locais.
Este serviço evoluiu muito e, hoje, temos outros serviços
mais sofisticados e igualmente econômicos.

O SUCESSO NÃO É CONQUISTADO SOZINHO


Existe um velho ditado que diz: “atrás de todo homem de
sucesso existe uma grande mulher”. Esta afirmação é verdadei-
ra no meu caso. Quando estava na GE, trabalhava no horário
normal de todos, muitas vezes avançava até tarde da noite, em
trabalhos como fechamento mensal de balancetes, e ainda tinha
que estudar o BTC.

63
Alquimia de uma corporação

A partir de 1959, passei também a ser instrutor desse curso.


A minha salvação foi a minha mulher, que me ajudava a corrigir
os testes e exames do BTC. Como a coordenação do curso entre-
gava ao instrutor o resultado detalhado e correto das provas, ela
apenas conferia os resultados que estavam exatamente iguais ao
“gabarito”. Todas as provas cujos resultados eram diferentes da-
queles oficiais eram examinadas por mim.
Em 1961, quando já estava me formando no BTC, passei a
lecionar à noite, sempre no mesmo esquema de deixar a minha
mulher conferir as provas. Assim, até hoje, ela se lembra de mui-
tos nomes de meus ex-alunos, que eu mesmo havia esquecido.
Há algum tempo ela me perguntou se aquele aluno, que certa
vez desmaiou enquanto trabalhava na GE, tem comparecido aos
nossos almoços anuais. Após pensar muito, me lembrei do José
Lino Gesser, que foi meu aluno no BTC. Ele foi para a presidência
da Singer e nunca mais nos encontramos.
Em 1970, quando ganhei da CTBC uma passagem para o
Japão, levei minha mulher e os dois filhos. Na época ela não falava
nada de inglês e sentiu muito essa deficiência, quando passamos
alguns dias na escala que fizemos nos Estados Unidos. Ao voltar,
imediatamente, ela resolveu estudar inglês.
Em 1974, quando tive que viajar para o Canadá, para as-
sinar um contrato de financiamento de US$ 10 milhões para a
CTBC, aproveitei para tirar 10 dias de férias e passamos também
nos Estados Unidos e no México.
Enquanto eu estava trabalhando, ela não teve nenhuma
dificuldade em passear com os filhos. Mas, ao retornar, ela resol-
veu estudar francês, porque em Montreal são falados o inglês e
o francês. Ela me convidou para estudarmos juntos, mas recusei
porque no tempo do ginásio não gostava de estudar francês. Ela
foi estudar sozinha.
Em 1976, quando eu estava trabalhando na trading, os dire-
tores resolveram que eu deveria ir para Paris, Genebra e Houston
para “auditar” os escritórios dessas cidades. Resultado: tive que

64
A Melhor Escola

contratar um professor de francês às pressas para poder conver-


sar melhor durante essa viagem. Posteriormente passei a estudar
na Alliance Française para completar meus estudos.
Em 1978, resolvi passar as férias na Europa, com toda a
família. Passamos por Inglaterra, Holanda, Alemanha, Suíça e
França. Falando inglês e francês foi tudo tranqüilo. Mas, na volta,
ela propôs estudar alemão. Novamente eu recusei e ela foi estu-
dar sozinha.
Algum tempo depois, a trading resolveu se associar a uma
firma alemã, quando passei a receber demonstrativos financeiros
em alemão. Resultado: novamente eu tive de correr atrás da mi-
nha mulher e estudar alemão.
Esta volúpia por estudo de língua estrangeira foi funda-
mental para levar meus filhos a estudar inglês e francês, que alia-
do a diversas viagens internacionais, fizeram com que eles tives-
sem sucesso nos estudos e nos seus empregos.

FRASES E FATOS QUE MARCARAM


Cumpra os compromissos assumidos.
Meus pais e as famílias de origem japonesa, sempre ensi-
naram seus filhos a cumprir com os compromissos assumidos.
Assim, a comunidade japonesa costuma realizar festivais com
crianças, em que se promovem diversas competições. Aí, as crian-
ças são instruídas a participarem, por exemplo, de corridas e irem
até o fim, mesmo que cheguem em último lugar.
Esta recomendação é levada, posteriormente, aos estudos
e ao trabalho.
Procure competir com o seu chefe, não com o seu funcionário.
Este conselho foi recebido de Hugo Mueller, que era Ge-
rente Geral Financeiro do Departamento de Equipamentos In-

65
Alquimia de uma corporação

dustriais da GE. Ele dizia sempre para empurrar seu chefe para
cargos superiores, para que você pudesse subir também.
Não se apanha moscas com vinagre.
Esta frase era dita por Vicente Martins Jr., Diretor Comer-
cial da CTBC, e se completa com a anterior.
Se você é “azedo”, mal-humorado, antipático, você não
consegue nada de seus interlocutores. Se, ao contrário, você é
simpático, companheiro, solidário e leal, consegue o apoio e a
cooperação de seus funcionários, superiores, clientes e fornece-
dores, criando um excelente ambiente de trabalho.
Seja persistente, não se entregue à toa.
Ver relato sobre a minha primeira semana na CTBC
Não importa quão importante e estratégica é a função do chan-
tagista. Demita-o e “se vire”.
É difícil? Sem dúvida, mas pense no que ocorre quando
um executivo importante morre num desastre. Depois que você
toma esta decisão e tem sucesso com o resultado, sua moral e
prestígio crescem junto à Diretoria e aos funcionários. E nunca
mais alguém pensará em chantageá-lo.
Não existem reuniões sociais. Existem oportunidades
de negócios.
Esta frase é de Thomas Case, Presidente e Fundador do
Grupo Catho. Ele diz que em qualquer reunião, mesmo que
seja num velório, as pessoas se conhecem e trocam cartões de
visita, que servem para marcar visitas e tratar de negócios pos-
teriormente.
Utilize bem os seus contatos para conseguir seus objetivos.
Os contatos e amizades que você vai conquistando ao lon-
go de sua carreira são um meio muito importante para conseguir
novas oportunidades de negócios. É o famoso “QI”, quem indica.

66
A Melhor Escola

As pessoas nunca se cansam de ganhar dinheiro.


Esta frase é de um empresário espanhol que acompanhei
em visita a uma empresa que estava à venda. A certa altura da
reunião, o empresário espanhol perguntou:
— Por que o Sr. quer vender a sua empresa?
Quando o vendedor respondeu que já estava velho, cansa-
do e queria descansar, o espanhol disse:
— As pessoas nunca se cansam de ganhar dinheiro. Deve
haver outro motivo.
Procure se comportar dignamente, em qualquer lugar.
Esta é uma observação pessoal, porque sempre encontro
pessoas conhecidas, em qualquer parte do mundo.
Certa vez eu estava sentado no saguão de um hotel em
Ponta Grossa, onde fui fazer uma palestra, aguardando os orga-
nizadores, quando um homem entrou no hotel, olhou para mim
e foi para seus aposentos. Depois de algum tempo ele voltou e
perguntou:
— Você não é o Mituo?
Eu não o reconheci e nem me lembrava dele, mas ele
disse que trabalhava na fábrica de fios esmaltados da GE, em
Santo André.
Outra vez, estava numa loja em Nova York, quando um
homem chegou e perguntou:
— O Sr. não é o pai do Yuji? Eu não o reconheci, mas quan-
do ele se apresentou, me lembrei de um menino que estudou no
mesmo curso primário onde estudava meu filho.
Quando eu estava voltando de São Francisco para São Pau-
lo, o avião fez uma escala em Dallas. Pensei que nessa viagem não
havia encontrado nenhum conhecido, mas, de repente, entra o
Thomas Case perguntando:
— Oi Mituo, o que você está fazendo aqui?
Quando estava em Tokyo, me encontrei com o Paulo Ma-
ruta, que foi meu aluno no BTC e na Fundação Santo André.

67
Alquimia de uma corporação

Imaginem vocês se, por acaso, eu estivesse em companhia


estranha!
Um “office-boy” que se tornou um grande empresário.
Em 1991, quando acompanhei um colega do Grupo Ca-
tho em visita a uma metalúrgica em Mauá, ao entrar na sala do
Gerente Administrativo, vi uma placa na sala ao lado “Valdir
Rigout — Presidente”.
Na hora me lembrei desse nome, mas não me lembrava de
onde. Depois de algum tempo, comentei com o interlocutor: “Eu
conheço o Sr. Valdir Rigout, mas não me lembro de onde”. Ele me
respondeu com outra pergunta:
— Onde o Sr. trabalhou antes da Catho?
Eu respondi que havia trabalhado na GE, na CTBC e numa
trading.
Ele respondeu que o Sr. Valdir havia trabalhado na GE e
na CTBC.
Eu fiquei mais intrigado ainda e perguntei:
— Qual a idade dele?
Quando ele me disse a idade, vi que era cinco anos mais
jovem do que eu. E se eu trabalhei na GE dos 21 aos 26 anos de
idade, ele deveria ter de 16 a 21 anos, na época. Depois de algum
tempo o Valdir entrou na sala e me deu um forte abraço.
Lembrei-me, então, de um “office-boy” que trabalhava na
GE, depois entrou na CTBC como auxiliar de contabilidade e
saiu. Só nesse encontro fiquei sabendo que ele havia trabalhado
na GM e na Ford, fez estágio nos Estados Unidos, nessas duas
empresas, e quando voltou comprou uma pequena metalúrgica,
localizada no Bairro Jardim, em Santo André.
Atualmente ele é dono da Metalúrgica Jardim, em Mauá, da
VM Metalúrgica e da Sortex, em Ribeirão Pires, além de ter ven-
dido, em 2003, uma metalúrgica de autopeças em Camaçari - BA.
Este é um dos meus ex-funcionários que teve carreira bri-
lhante, e que tem toda minha admiração e respeito.

68
A Melhor Escola

Alunos brilhantes do BTC que não tinham curso superior.


Gostaria de destacar aqui dois graduados do BTC, que não
tinham curso superior, mas que concluíram esse curso de forma
brilhante: Ivanoé Lobão, que fez notável carreira na GE, no Brasil
e no Exterior, e Benedito Batista, que está prestes a comemorar o
Jubileu de Ouro trabalhando para a GE. Nota 120 para eles, como
dizia o Ivanoé. Sei que existem outros, como José Luiz Bassetto,
o coordenador da edição deste livro, o Antonio Robles Júnior,
um dos nossos co-autores, além do nosso amigo Roger Barki,
os quais não eram do meu relacionamento diário, ou da mesma
época em que trabalhei na GE.
Um estagiário que se tornou um grande amigo.
Tive um estagiário do BTC trabalhando comigo que, na
primeira avaliação de desempenho, fui muito crítico e severo
com ele, como sempre fui comigo mesmo. Ele ficou furioso e
quase brigou comigo, mas depois de algum tempo reconheceu
seus defeitos e se tornou um grande amigo. Inclusive quando
dava aulas no IDORT, ele foi meu assistente. Seu nome é José
Geraldo Angerami, que, infelizmente, tem declinado nossos con-
vites para participar dos almoços anuais. Mas vou continuar in-
sistindo para trazê-lo.
Você não entende de comércio de arroz. Você só entende de
arroz no prato.
Em 1986, quando era Diretor Financeiro de uma trading,
esta entrou com pedidos para importação de 350.000 toneladas
de arroz. Eu votei contra, argumentando que, nos anos anterio-
res, a empresa sempre vendera cerca de 150.000 toneladas com
lucro, e o excedente era sempre vendido com prejuízo.
Eu fui voto vencido e ainda tive que ouvir o Presidente falar:
— Mituo, este é um ano diferente. Nós somos a maior
importadora de arroz do Brasil e vamos ganhar muito dinhei-
ro. Você não entende de comércio de arroz. Você só entende de
arroz no prato.

69
Alquimia de uma corporação

Eu pedi demissão e assisti a tudo de camarote: eles con-


seguiram vender 150.000 toneladas rapidamente e 200.000 to-
neladas ficaram encalhadas. Os juros que eram de 2% ao mês,
rapidamente subiram para 20%, em novembro de 1986. A em-
presa pediu concordata e quebrou. E eu saí ileso de uma grande
complicação jurídica.
Um grande amigo meu, João Paulo Basile “in memoriam”
costumava dizer: “é melhor ouvir estas besteiras do que ser surdo“.
A lição: Uma empresa não pode tomar decisões na base da
emoção ou vaidade; geralmente acaba custando muito caro. O
Executivo precisa saber se livrar de riscos inconseqüentes.
Um raro caso de insubordinação aplaudida.
O meu amigo José Eli de Miranda, mais conhecido como
Zito, era médio-volante da seleção brasileira de futebol.
No jogo final da Copa de 1962, no segundo tempo, quando
o ataque brasileiro começou a avançar pelo lado esquerdo, Zito
foi acompanhando e avançando pelo centro. Quando ele estava
próximo da grande área, o técnico Aymoré Moreira gritava:
— Zito, volta!
O Zito fez um gesto obsceno com as mãos, o famoso
“vá para...”, e continuou avançando. Quando Zagalo cruzou a
bola, Zito estava junto ao segundo poste e marcou o terceiro
gol, de cabeça.
Terminado o jogo, Zito pediu desculpas ao técnico, que
respondeu:
— Pode mandar quantas vezes você quiser que eu vou.
A lição: Nem sempre as instruções que vêm de superiores
são as mais corretas. Mas é necessário discutir com o chefe e mos-
trar onde está o erro.
Nem sempre fui um bom aluno.
Até o 2o ano do curso de contabilidade (1953) sempre pas-
sei de ano com médias baixas, entre 5 e 6,5. Nesse ano estava
ameaçado de repetir o ano por causa das aulas de Biologia, que eu

70
A Melhor Escola

não gostava. Minha média mensal era baixa, no exame de junho


tinha tirado nota 1 e estava “na marca do pênalti”. Como a média
final era computada com a média das provas mensais pesando 2,
o exame de junho pesando 2 e os exames de novembro e a prova
final (oral) pesando 3 cada, eu resolvi acordar de madrugada e
estudar muito para não ser reprovado.
Resultado: tirei nota 10 nos 2 exames finais e me safei des-
sa. A partir do ano seguinte resolvi estudar um pouco nos fins
de semana e sempre consegui ser um dos primeiros em todos os
cursos que freqüentei.
Agradecimentos
Não poderia terminar este trabalho sem agradecer às pesso-
as que influenciaram muito na minha vida pessoal e profissional.
Aos meus pais, Chikamori e Fumie “in memoriam”, por ter
proporcionado a educação para uma vida digna e honrada.
À minha sogra, Nobu Kanematsu, “in memoriam” , podem
acreditar que foi minha sogra mesmo, por haver dado seu apoio e
conforto no início da minha vida profissional em Santo André.
À minha mulher, Altina, pelo apoio e ajuda que me deu em
todas minhas empreitadas, principalmente quando era instrutor
do BTC e professor das diversas escolas por onde passei, sem ne-
gligenciar suas obrigações de esposa, mãe e dona-de-casa.
Aos co-autores deste livro, por me concederem a honra de
escrever estas memórias e histórias, ao lado de tão ricas, brilhan-
tes e emocionantes histórias da vida deles.
A todos os amigos e parentes que, de alguma forma, me
ajudaram a conquistar o sucesso que consegui.
Aos meus filhos, Celso e Helio, nora Sachiyo e netos Célio
e Irina, pela felicidade que têm proporcionado a este “quase peça
de museu”.
A Deus por iluminar os caminhos que trilhei e que conti-
nuo trilhando.

71
4 UM ESTRANHO NO
NINHO DOS TRAINEES
Antonio Robles Júnior

Comecei a trabalhar na General Electric do Brasil em 19


de novembro de 1961, no Departamento de Aparelhos Domés-
ticos — DAD, na fábrica de Santo André. Santo André é uma
das cidades do famoso ABCD — Santo André, São Bernardo
do Campo, São Caetano do Sul e Diadema. Cidades do Esta-
do de São Paulo, essencialmente dedicadas, naquele período,
às atividades industriais. O sucesso dessas cidades deve-se à
formação de um verdadeiro cluster industrial, reunindo várias
empresas, concorrentes, fornecedoras e clientes, constituindo
uma cadeia de valores.
A GE instalou suas fábricas de aparelhos domésticos gran-
des e pequenos, de equipamentos elétricos leves e de tintas e
vernizes no Parque Industrial de Santo André — PISA. Como a
organização da GE era descentralizada, a fábrica de aparelhos do-
mésticos fazia parte do Departamento de Aparelhos Domésticos
— DAD, com fábricas em São Paulo e em Santo André. A fábrica
de equipamentos elétricos leves e de tintas e vernizes fazia par-
te do Departamento de Equipamentos Elétricos Leves — DEEL,
cujo Head Office localizava-se na cidade do Rio de Janeiro.

73
Alquimia de uma corporação

Ingressei na GE como funcionário, talvez uma das poucas


exceções entre os demais relatores, que entraram como traine-
es. O trainee, geralmente já possuía um título universitário, ou
estava cursando seu último ano de faculdade. Era recrutado na
faculdade para receber um treinamento, cuja finalidade era ocu-
par um cargo de gerência, que começava estagiando em vários
setores e divisões das áreas financeiras da empresa. Ao mesmo
tempo os trainees precisavam cursar o Business Training Course
— BTC, que posteriormente teve sua denominação alterada para
Financial Management Program — FMP.
Na ocasião eu acabara de completar dezoito anos e ter-
minara meu curso de Técnico em Contabilidade na Escola de
Comércio Álvares Penteado, da Fundação Escola de Comércio
Álvares Penteado — FECAP, tradicional instituição de ensino em
contabilidade, que, em 2002, completou cem anos de criação e
é considerada a primeira escola de Contabilidade do Brasil. O
curso técnico em Contabilidade da FECAP era reconhecido pelas
empresas como de excelente qualidade, tanto é que fui admitido
na GE, no cargo de Subcontador do DAD.
Apesar da pouca idade, já possuía uma experiência empre-
sarial de quatro anos, pois comecei a trabalhar aos quatorze anos,
como office-boy da Companhia Comercial Brasileira, do Grupo
Simonsen. Depois entrei no Banco Brasileiro de Descontos S.A.,
atual Bradesco, na função de contínuo, que era a denominação
que os bancos davam aos office-boys. O horário bancário era de
seis horas corridas, ou seja, em um único período. Com isso dis-
punha de mais tempo para dedicar aos estudos. Todavia, no últi-
mo ano do Curso de Contabilidade, alterei meu horário no banco
para o período matutino, entrando às sete horas e saindo às treze
horas. Almoçava em meia hora e ia trabalhar em um escritório
de contabilidade localizado na Rua Boa Vista, no centro de São
Paulo. Assim, trabalhava no Bradesco da Rua XV de Novembro,
que na ocasião era a agência principal do banco, no centro de São

74
Um Estranho no Ninho dos Trainees

Paulo. Lá ficavam os diretores do banco, um dos quais era o Se-


nhor Laudo Natel, então presidente do São Paulo Futebol Clube e
que foi, posteriormente, governador do Estado de São Paulo.
Dessa forma, minha vida profissional e estudantil estava
localizada no centro velho da cidade de São Paulo: de manhã no
Bradesco, na Rua XV de Novembro; à tarde no escritório de con-
tabilidade, localizado na Rua Boa Vista e à noite na Escola Álvares
Penteado, no Largo São Francisco. Como eu morava no Alto do
Ipiranga, tinha que tomar o ônibus nº 22 às seis horas da manhã,
para ir para o centro, e, à noite pegá-lo novamente as vinte e três
horas, para voltar para casa.
Ao término do Curso Técnico, pedi demissão do banco e
fiquei trabalhando em regime de tempo integral no escritório de
contabilidade, que pertencia a dois sócios. No início trabalhei
como responsável pela escrita fiscal de algumas empresas, para
as quais o escritório prestava serviços. Posteriormente assumi a
contabilidade de algumas empresas, quando tomei conhecimen-
to e comecei a operar máquinas de contabilidade, fazendo lança-
mentos e fechando balanços.
Essa foi minha segunda experiência com máquinas de
processamento de dados. A primeira havia sido no banco, pois
como era contínuo na seção de Contas Correntes, ocupava o
tempo ocioso vendo os operadores trabalhando nas máquinas
Burroughs, efetuando os débitos e os créditos nas contas dos
clientes do banco.
Meu interesse pelas máquinas foi percebido pelo chefe da
seção, Sr. Horácio, que me deu a chance de substituir um ope-
rador que estava de férias. Quando este operador voltou, o Sr.
Horácio colocou-me para operar as contas das letras j, k, l e m.
Lembro-me que era um dos carrinhos de contas correntes que
mais tinha clientes. Nunca vi tanta empresa e tanta pessoa física
com nome iniciando pelas letras j, k, l e m.
Isso me proporcionou muita prática com máquinas me-
cânicas de processamento, pois tinha que lançar, manualmente,

75
Alquimia de uma corporação

todos os cheques, avisos de cobrança e depósitos dos clientes.


Quando o Bradesco colocou máquinas eletrônicas (foi o pionei-
ro no Brasil), eu fui um dos operadores selecionados para traba-
lhar com esses novos equipamentos, que tinham a capacidade de
ler as informações gravadas em suas tarjas magnéticas.
Assim, os operadores não mais precisavam digitar os sal-
dos iniciais das contas, que eram lidos pelo novo equipamento.
Os operadores só posicionavam as contas nas colunas de débitos
ou de créditos, dependendo do documento que seria lançado nas
contas. As Sensitronics, como eram chamadas, tinham o tama-
nho de uma máquina de lavar roupas de grande porte. O fato foi
largamente noticiado pela imprensa e nós, operadores, tivemos
fotos publicadas nos jornais de grande circulação, O Estado de
São Paulo e Folha de São Paulo.
Mas, voltando ao ingresso na GE, na Seção de Contabilida-
de do DAD pelo então chefe da seção, Sr. Alcindo João, a sensa-
ção de ir trabalhar em uma multinacional como Subcontador foi,
deveras sensacional. Meus familiares, principalmente minha mãe
e minha tia, ficaram muito felizes. Eu ia ganhar muito mais do
que ganhava no escritório de contabilidade, aliás, o motivo de ter
saído do escritório foi à insatisfação com o aumento de salário
proposto pelos dois sócios proprietários.
Outro fator que pesou foi o fato de a GE disponibilizar
condução para Santo André, para seus funcionários e não haver
necessidade de trabalhar aos sábados. O ônibus passava na Av.
Nazaré, a cinco minutos de minha casa, às sete e quinze da ma-
nhã. O expediente na GE ia até as dezessete horas e trinta e seis
minutos, para compensar o sábado. O ônibus retornava para São
Paulo, saindo da fábrica às dezessete horas e quarenta e cinco mi-
nutos. Realmente, havia muita vantagem em trabalhar na GE.
O setor de Contabilidade reportava-se ao Gerente Geral da
Contabilidade, Sr. Nelson dos Santos, ex-trainee, diplomado pelo
BTC, professor da Faculdade de Economia e Administração da

76
Um Estranho no Ninho dos Trainees

Universidade de São Paulo — FEA. Ao lado do setor de Contabi-


lidade, ficava o Setor de Contas a Receber e o Setor de Controle
Patrimonial. No mesmo salão, havia as salas dos “americanos”,
um era responsável pelo Setor de Orçamentos e o outro era o
responsável por toda a área financeira do DAD.
Meu primeiro trabalho na Contabilidade do DAD da GE
foi o de analisar as contas de despesas. Para isso, precisei conhe-
cer o funcionamento do sistema contábil da empresa. O sistema
era operado por computadores IBM. Esses computadores eram
alimentados por cartões perfurados, chamados de cartões “hole-
rites”. Até hoje não sei o porquê dessa denominação. O sistema
emitia livros de lançamentos diários — LD’s, de contas a pagar
(Vouchers), e o livro Razão.
A GE tinha sua Contabilidade por centro de custos, deno-
minados componentes. Então, para analisar as contas de despe-
sas, havia a necessidade de pesquisar o Razão, para ver a origem
dos valores contabilizados dentro de cada componente. A origem
poderia ser um LD, ou um Voucher. A folha de pagamento gerava
um LD. Assim, quando a despesa era referente a pagamentos ao
pessoal, podia-se levantar os detalhes nos LD’s.
Como o Sr. Alcindo não gostava da análise das despesas
ou não tinha tempo de ver meu trabalho, colocou-me para des-
pachar diretamente com o gerente, Sr. Nelson dos Santos. Assim,
aos dezenove anos tive a oportunidade de trabalhar diretamente
com um dos mais conceituados gerentes da área financeira da GE,
percebendo seus métodos de trabalho, seguindo suas orientações
e, principalmente, começando a verificar que a GE dava extrema
importância e prestigiava as pessoas que estavam cursando, ou
que tivessem cursado o BTC.
A partir desse momento decidi que também faria o BTC,
apesar de ter somente um curso de segundo grau, hoje chamado
de curso médio. Consegui ser selecionado entre os funcionários
para fazer os cursos iniciais do BTC, ou seja, os cursos um e dois,

77
Alquimia de uma corporação

que serviam para nivelar os conhecimentos básicos para ingres-


sar no BTC propriamente dito.
Meu primeiro instrutor no curso um foi o Sr. Francisco
Pongidor Neto, que logo na primeira prova deu-me uma nota
baixa, pois fiz a Demonstração de Lucros e Perdas, atual De-
monstração de Resultados do Exercício — DRE, seguindo o que
havia apreendido no Curso Técnico de Contabilidade, apresen-
tando a demonstração em duas partes: do lado esquerdo as Re-
ceitas e do lado direito as Despesas, sendo que a diferença seria
o lucro ou o prejuízo, balanceando a Demonstração de Lucros
e Perdas. Porém, o Sr. Pongidor queria a demonstração de re-
sultados dentro do padrão norte-americano, ou seja, a DRE na
vertical em uma única coluna.
Depois dessa nota baixa, comecei a observar os detalhes
contábeis da padronização norte-americana. O desenvolvimento
do curso paralelamente ao trabalho prático realmente dava uma
sinergia para o aprendizado. Assim, minhas notas passaram a ser
ótimas e eu fui admitido no programa BTC. O Sr. Nelson trans-
feriu-me da Contabilidade para o Contas a Pagar, para chefiar a
seção de Análise de Contas a Pagar. Com vinte anos, foi a primei-
ra vez que tive subordinados, sendo um deles, Mário Custódio,
excelente funcionário e ótimo jogador de futebol. Mário chegou
a ser Diretor Financeiro de uma grande empresa multinacional.
Infelizmente, teve morte prematura. A chefia do Setor de Contas
a Pagar era exercida por uma mulher, Dona Walkíria Leal de Car-
valho, que foi minha primeira chefe mulher. O Subchefe da área
era o Sr. Antônio Edmundo Lopes Carolo, português de nasci-
mento e grande conhecedor da área de Contas a Pagar.
O Sr. Nelson dos Santos estava muito preocupado com o
Contas a Pagar, porque, anteriormente, o gerente que ocupava
o lugar dele adotava uma política baseada no princípio de que
Contas a Pagar não precisava ser controlada pela companhia.
Quem deveria controlar o que a GE tinha a pagar eram os cre-

78
Um Estranho no Ninho dos Trainees

dores ou seja os fornecedores da GE. O controle deveria estar


voltado só para o Contas a Receber. Evidentemente, essa políti-
ca não deu certo.
O Gerente perdeu seu emprego e foi substituído por Nel-
son dos Santos, que colocou Dona Walkíria para pôr o Contas a
Pagar em ordem. Dona Walkíria já havia desempenhado vários
cargos de chefia na GE, e todos com sucesso. O último antes do
Contas a Receber foi o da Contabilidade, de onde saiu, indicando
Alcindo João para substituí-la e exigindo que o Sr. Carolo fosse
ajudá-la a pôr o Contas a Pagar em dia.
Nesse “tours de force” concentrado eu fui parar na Análise
do Contas a Pagar, onde poderia utilizar meus conhecimentos
do sistema contábil da GE, adquiridos na Análise das Despesas e
complementados pelos cursos iniciais de nivelamento do BTC.
Nesse serviço eu precisava manusear os vouchers, cuja tra-
dução literal para o português é “recibos”. Para cada cheque emi-
tido pelo Contas a Pagar, havia um contracheque que capeava o
processo de pagamento da conta 311.000 (código do Plano de
Contas da GE para a conta de Contas a Pagar). Nesse processo
eram anexados e grampeados todos os documentos que geravam
os pagamentos. Os vouchers eram processados por cartões perfu-
rados debitando a conta 311.000.
Em nossos primeiros trabalhos, constatamos que um dos
arquivistas dos vouchers, para não dobrar os documentos, sim-
plesmente cortava com tesoura as partes das notas fiscais, dupli-
catas e pedidos que excediam o tamanho da cartolina dos vou-
chers. Esse rapaz fazia parte da equipe do Gerente que antecedera
o Sr. Nelson dos Santos. Ele foi remanejado para outro setor e
posteriormente, despedido.
A análise do Contas a Pagar consistia em verificar se para
cada cartão perfurado de crédito na conta 311.000 havia um car-
tão perfurado de débito. Nosso serviço era casar os dois cartões,
retirando-os das gavetas de cartões, deixando somente os cartões

79
Alquimia de uma corporação

correspondentes aos créditos em aberto, que ainda não tinham


sido pagos. O total desses cartões tinha que bater com o saldo
do razão. O trabalho de procurar os cartões e separá-los era
denominado de “periquitagem”. Estou falando dos primórdios
da informática.
Outro trabalho da análise do Contas a Pagar era relaciona-
do à averiguação dos pagamentos dos serviços de beneficiamen-
to. Uma das grandes empresas beneficiadoras que trabalhavam
para a GE era a TROL, cujo principal controlador era o Sr. Dílson
Funaro, que chegou a ser ministro da Fazenda.
A GE comprava poliestireno e essa matéria-prima era en-
tregue diretamente a TROL para que ela moldasse as peças de
plástico utilizadas nos produtos GE. A TROL moldava peças de
vários tamanhos, desde as portas dos refrigeradores GE até as ga-
vetinhas de gelo que guarneciam os refrigeradores.
No processo de moldagem havia perdas por evaporação
ou provocadas pelo aquecimento, além das perdas de peças
defeituosas.
A TROL precisava reportar essas perdas. A Engenharia
de Produtos informava as perdas por evaporação, consideradas
aceitáveis e a área de Custos informava os valores a pagar pelo
beneficiamento da TROL, considerando as perdas normais e des-
contando dos pagamentos as perdas anormais.
A análise desses pagamentos, pelos valores envolvidos e
pela complexidade do processo, constituía uma das grandes res-
ponsabilidades de nossa seção. Esse trabalho era acompanhado e
checado pelo Carolo, Dona Walquíria e pelo próprio Sr. Nelson
dos Santos.
Paralelamente, toda semana tínhamos aula no módulo 101
do BTC. Neste curso tínhamos que ler a apostila com antecedên-
cia e resolver todos os exercícios propostos. As aulas aconteciam
às dezesseis horas e tinham a duração de duas horas, nas quais o
instrutor tirava as dúvidas surgidas nas leituras e durante as reso-

80
Um Estranho no Ninho dos Trainees

luções dos exercícios. No curso havia quatro provas, sem marca-


ção anterior; um exame final, realizado aos sábados, simultanea-
mente no Rio de Janeiro e em São Paulo, iniciando e terminando
no mesmo horário.
Os aumentos salariais por mérito levavam em considera-
ção o desempenho no BTC.
No módulo seguinte, que era sobre Custos, o instrutor era o
próprio chefe do Setor de Custos, Sr. Jurandyr Vagostello, e como
fui muito bem nas duas primeiras provas, o Sr. Jurandyr acabou
convidando-me para trabalhar com ele no Setor de Custos, justa-
mente na área de Análise de Custos. O Setor de Custos tinha três
enfoques: o Registro de Custos, a Análise de Custos de Produção
e a Análise dos Custos de Distribuição. Esse segmento era de res-
ponsabilidade de Nahid Chicani, que veio a ser Vice-Presidente
da GE. Nahid ingressou na GE como trainee, sendo contratado
por outro trainee famoso, George Sebastião Guerra Leone, um
dos grandes autores brasileiros sobre Custos, com livros editados
pela Editora Atlas e FGV e nosso companheiro neste livro.
A Análise dos Custos de Produção era responsável pelo
detalhamento dos custos de produção de todos os aparelhos do-
mésticos produzidos pela GE, exceto os fabricados na fábrica de
aparelhos eletrônicos, localizada no Parque Industrial da Mooca,
bairro da cidade de São Paulo.
A GE adotava a sistemática de custos-padrão ou standard,
como lá eram chamados. Para a elaboração das fichas técnicas
dos custos-padrão de cada produto, havia necessidade de um
intenso contato com a Engenharia de Produtos e com a Enge-
nharia da Fábrica. Os analistas de custos necessitavam conhecer
e entender os desenhos e os roteiros de fabricação das peças
e dos conjuntos formadores de cada produto. Nessa ocasião,
necessitei fazer cursos de leitura e interpretação de desenhos
industriais para poder transformar as informações técnicas em
dados para cálculo do custo-padrão dos produtos. O Setor de

81
Alquimia de uma corporação

Custos relacionava-se também com a área de Compras, com a


Ferramentaria, com a Pintura, enfim com todos os setores de
fabricação de uma metalúrgica.
O responsável pela Análise de Custos era o Sr. Raimundo
Gomes Lima, que namorava a Therezinha, secretária do chefe do
Setor de Custos, Sr. Simão Hanaka. Posteriormente Raimundo
foi sócio da Boucinhas & Campos Auditoria e estava bem casa-
do com Therezinha, mas, infelizmente, faleceu no início de 2004.
Trabalhando com Raimundo, percebi que também precisava fa-
zer um curso superior, embora estivesse, profissionalmente, ten-
do um desempenho razoável no BTC.
No Setor de Custos havia muito trabalho. Lembro-me de
uma ocasião em que, num único mês, fiz 180 horas extras. Foi
meu recorde em termos de horas extras. Era um mês de Inventá-
rio Geral, atividade coordenada pelo Setor de Custos e pela Au-
ditoria Interna.
Além do setor de custos-padrão, trabalhei na emissão dos
relatórios (chamados reports na GE) de apuração da lucrativi-
dade por linha de produtos. Nesses relatórios, adotava-se o cri-
tério de custeio pleno. Todos os custos e despesas eram detalha-
dos por linha de produtos. Podia-se dizer que, naquela época, já
se aplicava o custeio baseado em atividades — ABC — Activity
Based Costing, só que não com essa denominação, ou seja, um
pioneirismo da GE.
A apropriação dos custos e despesas por linhas de produ-
tos era bem detalhada. Nos gastos com propaganda, por exemplo,
os gastos com as faturas das agências de publicidade eram apro-
priados de acordo com os centímetros quadrados ocupados no
jornal, por linhas de produtos, e, dentro de cada linha, individua-
lizavam-se os diferentes modelos. A linha de refrigeradores tinha
modelos de oito pés, dez pés, doze pés e assim por diante.
Esse relatório era traduzido para o inglês e distribuído aos
gerentes de produção, engenharia, comercial e também enviados

82
Um Estranho no Ninho dos Trainees

para os Estados Unidos. O fechamento do relatório era acompa-


nhado pelo Gerente de custos, Sr. Jurandyr Vagostello, tendo em
vista a repercussão das informações constantes no report.
Antes mesmo de terminar o BTC, surgiu uma oportuni-
dade de promoção. Fui indicado para assumir a chefia do setor
de custos do Departamento de Equipamentos Elétricos Leves —
DEEL, na unidade de Santo André. Esse setor cuidava dos custos
dos motores elétricos, da esmaltação dos fios de cobre utilizados
nos rotores e estatores dos motores e dos custos da Fábrica de
Tintas e Vernizes do PISA. Creio que estava predestinado a tra-
balhar com custos.
O Gerente Financeiro do DEEL — Santo André era o Sr.
Francisco Pongidor Neto, meu primeiro instrutor do BTC.
A essa altura eu estava com vinte e três anos e prestes a
terminar o BTC. Havia muito trabalho no DEEL, o fechamento
mensal era feito no Rio de Janiro, visto que o DEEL — Santo
André estava subordinado ao DEEL — Rio de Janeiro. Lá era a
fábrica de medidores de energia da GE. Essa fábrica estava insta-
lada na mesma planta da fábrica de lâmpadas. Lembro-me que os
fechamentos anuais, em pleno verão, eram feitos à noite, quando
a temperatura no Rio era mais amena. Mas apesar desta provi-
dência, os papéis de trabalho chegavam a grudar na pele dos bra-
ços, devido à intensa transpiração.
Com o término do BTC, houve uma festa em Campinas,
onde a GE tinha a fábrica de Motores Pesados e Locomotivas.
Nesta festa recebemos nossos diplomas do BTC, na presença de
todas as autoridades da área de Finanças da GE.
Eu já havia ingressado na faculdade. Decidi fazer o cur-
so de Administração de Empresas, na Escola Superior de Admi-
nistração de Negócios da Pontifícia Universidade Católica. Era
o ano de 1967 e o país estava em plena Ditatura Militar. Meu
irmão, Léo Tadeu Robles, estudava Economia na Faculdade de
Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Em

83
Alquimia de uma corporação

1968, ele ficou cerca de quatro meses sem aulas. Foi o ano dos
grandes confrontos universitários. A FEA — USP foi transferida
para a Cidade Universitária.
No ano de 1968, conheci Laura Pereira, com quem es-
tou casado. Tivemos três filhos: dois homens e uma mulher.
Laura era estudante de Odontologia e na ocasião tinha aulas
na Rua Três Rios, no Bom Retiro. Posteriormente, a Faculdade
de Odontologia da USP, também foi transferida para a Cidade
Universitária.
Em 1969, por meio de indicação de um ex-funcionário da
GE, Dr. José Carlos Moreira, que ocupara o cargo de Gerente de
Orçamentos da GE, e que foi também um trainee, na turma de
Nelson dos Santos — recebi um convite para trabalhar no en-
tão Banco Itaú América S.A. Como estava fazendo preparativos
para meu casamento e necessitando ganhar mais, aceitei o con-
vite e pedi demissão da GE. A oferta foi irrecusável. O salário da
GE, praticamente foi multiplicado por três. Assim, voltei para o
mercado financeiro, como Gerente da Divisão de Planejamento
Econômico do banco.
Esse progresso na carreira devo inteiramente à formação que
a GE me proporcionou.
Depois, o Dr. José Carlos Moreira, como professor de Fi-
nanças na FEA/USP, indicou-me para seu colega de equipe de
professores, o Dr. Roberto Braga, que assumira recentemente a
gerência do Departamento Econômico e Financeiro do Banco
Itaú América S. A.
A Divisão de Planejamento Econômico era responsável
pela apuração de custos, pela elaboração dos fluxos de caixa
do Banco de Investimento e da Financeira do então Grupo
Itaú — América S.A.
Em 1970, casei-me com Laura Pereira. No casamento esta-
vam presentes colegas da GE e do banco. Um dos padrinhos foi o
Sr. Antonio Edmundo Carolo.

84
Um Estranho no Ninho dos Trainees

Neste mesmo ano graduei-me em Administração de Em-


presas. No ano seguinte, Roberto Braga levou-me para ministrar
aulas no Curso Especial de Administração da Universidade Ma-
ckenzie. Esse curso era destinado para pessoas já graduadas em
outras habilitações e que necessitavam ter conhecimentos de Ad-
ministração. Mais uma vez o BTC da GE auxiliou-me nessa tarefa.
O curso tinha um caráter de pós-graduação. O desafio foi grande,
pois eu não tinha nenhuma experiência didática. Agradeço ao
Braga a confiança depositada.
Da equipe do Mackenzie, além do Roberto Braga, que era o
chefe, fazia parte um jovem extremamente talentoso e estudioso
de Finanças, Walter Miyabara. Apreendi muito, convivendo com
esses expoentes em Finanças, Braga e Miyabara.
Em 1974, ano em que nasceu nosso primeiro filho, Fábio
Renato Pereira Robles, recebi um convite para lecionar no Depar-
tamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia
e Administração da Universidade de São Paulo. A experiência do
Mackenzie também foi importante.
Assim, passei a fazer parte do corpo docente da FEA/USP,
onde vários ex-GE também davam aula: Nelson dos Santos, Ru-
bens Famá, Armando Catelli e José Carlos Moreira. Todos eles,
antigos trainees, o que demonstra que a formação GE foi impor-
tante para várias pessoas.
Do Departamento de Contabilidade da FEA/USP faziam
parte os grandes nomes da Contabilidade Brasileira: Sérgio de
Iudícibus, Eliseu Martins, meu amigo José Carlos Marion, Anto-
nio Perez Rodrigues Neto, que chefiava o departamento e que me
admitiu na FEA/USP, Masayuki Nakagawa, Stephen Charles Ka-
nitz, Antonio Amaral, Armando Catelli, Alecseo Kravec e outros.
Na FEA/USP fiz mestrado e depois doutorado em Con-
troladoria e Contabilidade. Em minha banca de Doutorado, fui
sabatinado por cinco doutores, um dos quais George Sebastião
Guerra Leone, ex-trainee da GE, foi a pessoa que selecionou

85
Alquimia de uma corporação

Nahid Chicani como trainee, e que veio a tornar-se vice-Presi-


dente da GE. Evidentemente, tudo isso em paralelo ao trabalho
desenvolvido no Banco Itaú S.A., sucessor do Banco Itaú Améri-
ca. No Itaú, cheguei ao cargo de Diretor da Itaú Corretora de Va-
lores Mobiliários e Câmbio, exercendo uma função semelhante à
de um Diretor de Controladoria e Finanças.
Como resultado do doutorado, publiquei um livro, editado
pela Atlas, com o título: “Custos da Qualidade — Uma Estraté-
gia para a Competição Global”, em 1994. Em 2003, após algumas
adaptações e inclusões, o livro foi reeditado, com o título: “Custos
da Qualidade — Aspectos Econômicos da Gestão da Qualidade e
da Gestão Ambiental”.
Esse modesto desenvolvimento profissional, usando a lin-
guagem contábil, eu credito inteiramente a Deus, que sempre me
colocou no lugar certo, na hora certa e cercou-me de pessoas que,
por meio de suas palavras e exemplos, fizeram-me perceber os
passos que eu deveria tomar. Esses lugares e pessoas foram a casa
de meus pais, as escolas, os colegas de trabalho, a casa de minha
esposa e o exemplo de seu pai, já falecido, minha casa... enfim, to-
das as oportunidades propiciadas por Deus em nossa existência.
Por último, quero registrar que minha carreira em Custos
foi contemplada pela oportunidade de ser um dos fundadores
da ABC — Associação Brasileira de Custos, que já promoveu
dez congressos sobre custos no Brasil e participa intensamente
do Instituto Internacional de Custos. Além disso, tive a satis-
fação de presidir a ABC durante quatro anos. Realmente, a GE
moldou a vida de todos que participaram de seus programas de
treinamento em finanças.
Atualmente, exerço a docência na Universidade Presbi-
teriana Mackenzie como Professor Titular da Disciplina de Fi-
nanças, lecionando no curso de graduação e com passagem pelo
pós-graduação, tanto em nível de especialização/MBA (lato sen-
su), como de Mestrado/Doutorado (stricto sensu). Recentemente,

86
Um Estranho no Ninho dos Trainees

pedi minha demissão do cargo de professor do Mestrado do Cur-


so de Mestrado em Controladoria e Contabilidade Estratégica da
Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, instituição em
que estudei na década de 1950. Ainda continuo na Universidade
de São Paulo, no Departamento de Contabilidade e Atuária da
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade.
Existe uma tendência para transferir minhas atividades
para o Nordeste brasileiro. Já iniciei esse processo. Estou tam-
bém trabalhando na Fundação Visconde de Cairu, no curso de
Mestrado em Contabilidade. A Fundação Visconde de Cairu é a
primeira escola de Contabilidade de Salvador — BA e completa-
rá cem anos em 2005.
Uma das providências para essa transferência é o encerra-
mento das atividades de consultoria, desenvolvidas pela Robles &
Santos Consultores S/C Ltda., firma que mantenho em sociedade
com meu “guru” da GE, Sr. Nelson dos Santos.
Essas reminiscências demonstram que os sete anos de GE,
compreendendo trabalhos, estudos e, principalmente, a constru-
ção de uma rede de relacionamentos que nortearam o rumo de
toda uma vida pessoal e profissional, é a maior riqueza que uma
pessoa consegue formar ao longo de sua existência.

87
5 APRENDIZADO ETERNO
José Luiz Bassetto

UM PEQUENO PREFÁCIO
Tanto tempo depois e ainda estamos juntos! Nos vemos
uma vez por ano e ainda costumamos relembrar o passado. E
neste caso, não é sofrer duas vezes.
Nosso grupo existe porque a General Electric existe e
porque ela nos proporcionou, por meio de seus programas de
treinamento, um desenvolvimento profissional acima da mé-
dia, como poucas companhias o fizeram. Foram muitos os cur-
sos. Em especial destaca-se o FMP — (Financial Management
Program), o antigo BTC — (Business Training Course). Sem
medo de errar, poderíamos traduzi-lo como: Programa de Trei-
namento Contábil/Financeiro, orientado ao negócio. Foi por
meio dele que eu e todos os que tiveram a oportunidade (quase
500), aprenderam e melhoraram seus conceitos de negócio ao
longo de 3 anos de esforço concentrado para se formar e poder
galgar novas posições na companhia.
Candidatei-me a ser um dos 12 que escrevem este livro,
para registrar uma fase importante de minha vida, mas mais do
que isto, permitir a todos os que venham a ler este texto, que

89
Alquimia de uma corporação

conheçam as razões pelas quais tive um grande prazer em traba-


lhar na General Electric e ser parte da elite que freqüentou e se
formou no FMP.
Além disso, sem querer fazer destas páginas minha biogra-
fia, quero transmitir para os leitores o quanto foi importante para
administradores, executivos e funcionários terem tido a oportu-
nidade de trabalhar em uma companhia, que por meio de progra-
mas de treinamento sérios e objetivos, proporcionou, para aqueles
que por ela passaram, utilizar suas mentes até as últimas conseqü-
ências, para obter sempre resultados de qualidade a toda prova.
A GE de hoje, uma das empresas mais valorizadas do mun-
do, é a mesma de antigamente, onde tivemos a oportunidade de
passar anos agradáveis de nossas vidas. Portanto este capítulo é
um tributo à GE e ao FMP.

A SOLIDEZ DO TREINAMENTO
Eu era um jovem inexperiente quando entrei na GE. E a
regra informal do jogo era: ou você se forma no FMP ou estará
fora. Aprendi isto em menos de um mês. Só que não era tão sim-
ples assim. Para entrar, era necessário antes, ser aprovado no teste
psicotécnico de admissão. Que vergonha! Fui reprovado. Minha
sorte foi outra regra. A existência do Curso Geral. Um “cursinho”
preparatório para o FMP. Mas mesmo ”este cursinho” não foi fá-
cil. Foram 180 dias para completá-lo e ter livre acesso ao FMP,
sem necessidade de repetir o fatídico teste.
E lá fui eu. Entrei no jogo! Era um jogo com regras deter-
minadas e duras. Ganhá-lo só dependia de mim. Do meu esforço
exaustivo e continuado durante 3 anos. A técnica era: ninguém
está disponível para ensiná-lo, você é responsável pelo seu pró-
prio desenvolvimento! Foram muitas as noites e muitos os fins de
semana dedicados ao poderoso “Sr. FMP”. Interpretar as famosas

90
Aprendizado Eterno

“pegadinhas” (acho que os programas de televisão copiaram) era


um exercício estimulante e desafiador.
Em 3 anos, aprendi como se administra processos de uma
empresa de primeira linha, do ponto de vista do Controle e das
Finanças: Contabilidade, Custos, Orçamento, Análise Financeira,
Auditoria, além de Sistemas de Informações. E não era só isso! A
todo momento eu era desafiado a colocar em prática o que havia
aprendido. Os instrutores, também formandos do FMP, estavam
lá para esclarecer dúvidas, dar pequenas “dicas” e para apoiar.
Não estavam lá para serem babás. Eram, pelo menos, 10 (quando
não 20) horas semanais de dedicação plena, além, é claro, de dar
conta de todas as atribuições profissionais.
A recompensa: um aprendizado induzido e intuitivo que,
conseqüentemente, me promoveria a posições mais importantes,
quase automaticamente.
Mas não ficou só nisso, era necessário também participar
de outros programas de treinamento complementares ao FMP. E,
na verdade, não havia escolha: participar ou participar de outros
cursos. Uma vez adquirido o conhecimento de como uma com-
panhia funciona, do ponto de vista do Controle e Finanças, em
todas as funções do negócio, participar do PRBM, do AMS200,
Work Simplification, somente para citar o que minha memória
me permite lembrar, era uma conseqüência natural.
PRBM: Profitable Business Management — Entendimen-
to e avaliação de todos os departamentos da empresa do ponto de
vista de quem os dirigia. Tive a oportunidade de me encontrar 32
vezes com a maioria dos “white heads” da empresa, sempre ana-
lisando e avaliando os inúmeros “estudos de caso” disponíveis. E
como prêmio, o participante também se tornava um instrutor.
AMS200: Técnicas de Apresentação Eficaz — Aprendendo
como organizar e defender uma idéia, um projeto, uma opor-
tunidade. Quinze semanas de transformação do profissional
tímido, que não conseguia fazer uma apresentação simples, de

91
Alquimia de uma corporação

poucas palavras, em um profissional comunicativo, capaz de fa-


zer a apresentação perfeita. Eu próprio, testemunha da história,
abandonei a postura de garoto tímido para tornar-me um pro-
fissional comunicativo, sem qualquer receio de falar em público,
em todos os níveis.
Work Simplification: Eu diria que este curso é muito simi-
lar às técnicas utilizadas no programa de Qualidade Total, deno-
minado Six Sigma, muito empregado pela GE em anos recentes.
Além de receber os ensinamentos de análise e simplificação de
processos, o participante era também desafiado (novamente) a
apresentar sugestões para eles. Lembro-me muito bem: meu pro-
jeto se classificou em segundo lugar e recebi um polpudo vale-
compra de uma loja de departamentos.
A GE não é a única empresa que dispõe de programas sé-
rios de treinamento de seus profissionais. Mas a GE tinha, e ainda
tem, diferenciais que a tornam única.
• No programa de desenvolvimento do profissional é citado
textualmente que cursos ele terá que freqüentar para seu pro-
gresso na empresa.
• A maioria dos cursos utiliza o método de auto-estudo. É o seu
esforço profissional que lhe promove, sempre.
• A contribuição de tempo dedicado ao treinamento é meio a
meio: tempo do aluno e tempo da empresa, definindo que
ambos, o profissional e a empresa são responsáveis pelo seu
desenvolvimento.
• O profissional é desafiado e tem a oportunidade de ser o pró-
ximo instrutor do treinamento que está recebendo. Eu mes-
mo fui instrutor de quase todos os cursos pelos quais passei.
• O treinamento é sempre orientado para o desenvolvimento
nas funções atuais e futuras do profissional.
• O profissional é medido o tempo todo em relação à aquisição
de conhecimento.

92
Aprendizado Eterno

O COMEÇO DE TUDO
Entrei na GE ainda jovem, aos 21 anos. Era o ano de
1966. Já tinha um pouco de experiência administrativa, ad-
quirida durante 6 anos de trabalho em um banco. Felizmen-
te, a área para a qual entrei era do Departamento de Custos
da unidade de Equipamentos Pesados, localizada em Campi-
nas. Lá, fabricávamos geradores de energia, transformadores,
motores elétricos de grande porte e locomotivas. Estas eram
tantas, que as fabricávamos em série. Era bonito ver 10 ou 12
locomotivas perfiladas na baia fabril, cada uma delas em um
estágio de fabricação.
O grande desafio era acompanhar e medir o progresso e
desempenho dos produtos, ao longo de todo seu ciclo de fabrica-
ção, contado em meses. Na década de 60, os computadores ain-
da eram novidade para a maioria das companhias, mesmo as de
grande porte. Mas não para a GE.
Nossos sistemas da época, que utilizavam equipamentos
de processamento de dados limitados, já eram todos integrados,
à semelhança dos Sistemas de Gestão atualmente no mercado.
Além de conseguirmos gerar os resultados mensais em prazos di-
minutos, também conseguíamos acompanhar os custos de todos
os componentes e recursos aplicados nos produtos. Nosso siste-
ma de Planejamento e Acumulação de Custos ainda poderia ser
utilizado hoje em qualquer empresa de equipamentos de grande
porte, fabricados por encomenda.
Conseguíamos também comparar o custo planejado com
o realizado em todos os níveis da estrutura do produto, Mate-
rial, Mão-de-Obra e Despesas de Fabricação. A contabilização
do resultado era, praticamente, automática. Mas nem tudo eram
somente flores. A grande lição era: o resultado tem que ser apre-
sentado sempre na mesma data, por meio da realização de todos
os eventos do cronograma de fechamento mensal, conforme o

93
Alquimia de uma corporação

planejado. Qualquer deslize ou atraso tinha que ser compensa-


do com esforço adicional para que tudo estivesse em ordem, no
tempo requerido. E, com tal disciplina, os administradores ti-
nham sempre a maioria das informações para tomada de decisão
e mudança de rumo quando necessário.

O PRIMEIRO PRÊMIO
Era o ano de 1972 quando me formei, 6 anos depois,
compreendendo o Curso Geral em um ano e meio, um ano li-
vre para o casamento e 3 anos do FMP. Eu estava pronto. Por
ter freqüentado o Curso Geral e o próprio FMP, acabei me pri-
vilegiando, pois tive a oportunidade de aprender parte dos con-
ceitos duas vezes.
Coincidência ou não, minha primeira promoção de peso
acabou acontecendo logo após ter-me formado no FMP. Seria
isto uma regra? E era, senão escrita, verdadeira na prática. Claro
que não foi só o FMP o causador da promoção. Também contri-
buíram o estilo da GE, a supervisão e “pressão” de meus chefes e
meu deslumbramento por estar em uma empresa como a GE.
Falando em estilo GE, nós profissionais, nunca preci-
samos de manuais de Organização e Métodos. Tínhamos as
Diretrizes. Por serem diretrizes, não eram compêndios de
centenas de páginas. Somente algumas poucas definiam quem
podia e quem não podia fazer o quê. Ainda nos primórdios
dos anos 60, em vez de manuais de O&M, tínhamos Sistemas.
A GE, mesmo no Brasil, que ainda não tinha a tecnologia de
primeiro mundo, não poupou esforços para investir em solu-
ções automatizadas de gestão.
Devido ao investimento em automação, veio o pri-
meiro prêmio, a grande mudança. Eu jamais imaginei que o
destino, por intermédio da GE, pudesse mudar tanto minha

94
Aprendizado Eterno

vida. Em razão de todo o conhecimento adquirido nos siste-


mas que serviam a área de Custos, e depois de passar algum
tempo em sua liderança, tornei-me um Analista de Sistemas.
Um pouco na contramão da história, pois na época, e acho
que até hoje, é raro um usuário tornar-se um especialista em
Tecnologia da Informação.
E a GE era diferenciada em Tecnologia da Informação. Eu
era ainda um garoto de 26 anos e já me tornava o responsável
pelo gerenciamento todos os processos automatizados específicos
ao Departamento de Equipamentos Pesados em Campinas. Além
do próprio Sistema de Planejamento e Acumulação de Custos,
era também responsável pelos Sistemas de Estoques e Compras.
Como Analista de Sistemas, meus horizontes se alar-
garam e tive todas as oportunidades de demonstrar conheci-
mento e competência e de colocar em prática tudo que havia
aprendido no FMP.
Além de todo o esforço continuado no trabalho e no pró-
prio FMP, agora era a hora de enfrentar novos desafios. E ser
Analista de Sistemas da GE era como ganhar um grande prêmio.
Já, na época, no início da década de 1970, os profissionais de in-
formática tinham como plataforma de trabalho o conhecimen-
to, o seu próprio e o conhecimento acumulado de uma empresa
centenária, porém moderna.
Era a hora e a vez dos Mainframes, tendo como coadju-
vantes os equipamentos convencionais. Para quem não os viu ou
não se lembra, os computadores eram “movidos” a transistores e
fios elétricos. Na verdade, terminais com contatos duplos, enfia-
dos em placas de suporte que substituíam os programas. Nesta
época tivemos dois Mainframes: o IBM 1401, alugado, precursor
dos famosos IBM/360 e depois os GE 415 e 435, fabricados pela
própria GE, em parceria com a Honeywell. Foram tempos de ro-
mantismo. A única forma de os computadores se comunicarem
conosco era por meio de cartões perfurados, lidos aos milhares a
uma velocidade estonteante.

95
Alquimia de uma corporação

A GRANDE MUDANÇA
Quem diria! Aquele garoto nascido em Itatiba e que se mu-
dou para Campinas ainda criança, tinha que mudar de novo! Aos
28 anos, 1974, tornei-me um dos gerentes mais jovens da GE,
que era realmente a empresa das oportunidades. Santo André era
o destino. Santo André, o “A” do ABC, que ainda fervilhava de
indústrias. Um novo mundo se abria.
Era lá onde estava instalado o então famoso CPD — Cen-
tro de Processamento de Dados, o lado hardware da Tecnologia
da Informação. E eu era seu novo gerente. Quanta coisa por fa-
zer, quantos sistemas para processar, quantos fechamentos para
realizar. E aí estava um novo diferencial da GE. Enquanto ainda
hoje, muitas companhias ainda penam para ter seu resultado
mensal lá pelo meio do mês seguinte, na GE ele estava disponí-
vel no quinto dia útil.
Parecia uma epopéia. Começávamos a processar o fecha-
mento mensal no domingo às 18 horas, pontualmente. Terminá-
vamos na quinta-feira por volta das 12 horas. Tudo em seqüência
e afinado, como em uma orquestra. Todos envolvidos, nós, de
informática e nossos clientes, usuários de nosso grande ativo de
sistemas automatizados.
Sim, nós já tínhamos o embrião do que se chama de In-
ternet hoje. O resultado de toda a empresa no Brasil era sub-
metido à matriz através de uma rede chamada QuickComm que
nos ligava à matriz.
Nossos computadores funcionavam 24 horas por dia. E
não era para menos. Todos os chamados departamentos, na ver-
dade unidades de negócio por inteiro, espalhados pelo Brasil, se
serviam de nossos poderosos sistemas. Tudo integrado via malo-
tes, cartões perfurados, correio e táxis. Já conhecíamos o que se
chama hoje de logística. Administrávamos o caos com perfeição,
recuperando atrasos, adiantando operações, acionando profissio-

96
Aprendizado Eterno

nais por BIP, contratando serviços de táxi, tudo para que nossos
resultados operacionais estivessem prontos na hora planejada.
Nosso CPD era uma verdadeira organização. Digitadores,
preparadores de dados, programadores de produção, operadores
de computador, controladores de qualidade, supervisores. Ocu-
pávamos quase 800 metros quadrados divididos entre computa-
dores e profissionais.
Lembro-me com saudades da nossa epopéia. Nosso tra-
balho era gerenciar recursos escassos. Fazer muito com pouco.
E isso nos tornava profissionais especiais. Prontos para criar so-
luções a partir do nada. E criamos! Criamos uma operação de
serviços que funcionava, atendendo a todos os usuários a tempo
e com qualidade.
Com a ajuda dos profissionais que eu gerenciava, fizemos
um bom trabalho! Em 6 meses, nosso CPD estava muito melhor
do que encontramos. E eu estava, de novo, pronto para novos de-
safios! Um pouco surpreso, é verdade, mas promovido novamen-
te. Tornei-me o Gerente de Desenvolvimento de Sistemas Indus-
triais, responsável por prover informações automatizadas para
todos os departamentos da empresa que não eram de finanças.
Valeu! Valeu todo o esforço dedicado nos primeiros 8 anos
de empresa. Valeu todo o conhecimento adquirido na área de
custos e os conceitos aprendidos no FMP, os quais ampliaram
meu universo, permitindo-me conhecer quase todos os proces-
sos operacionais de uma empresa industrial.
Estávamos em 1979. Era novamente a hora de mudar e
melhorar. Novas tecnologias de informática estavam surgindo.
Apareceram os primeiros sistemas de armazenamento de dados
em discos. Que maravilha! Estávamos substituindo nossas fitas
de rolo por potentes discos, com capacidade nunca antes so-
nhada. Eram 370 megabytes armazenados em um equipamen-
to do tamanho de uma lavadora de roupas. Entramos também
na era do “on-line”. Agora já podíamos nos comunicar com os

97
Alquimia de uma corporação

computadores via terminais e redes telefônicas. Era um grande


salto de produtividade tanto para usuários como para os pro-
fissionais de informática.
Nosso primeiro grande projeto foi implantar um novo sis-
tema de recebimento de materiais e contas a pagar, totalmente
conectado. Mais um exemplo do pioneirismo da GE. As notas
fiscais de entrada não mais se perdiam nos labirintos da empresa.
Eram todas digitadas na portaria, antes que o caminhão entrasse.
Claro que provocamos quase uma guerra com os caminhoneiros
que tinham que se submeter aos nossos meninos, especialistas
em compras, contas a pagar e livros fiscais, confinados em nossa
cabine de “fiberglass” ao lado da portaria. Mas funcionou. Cen-
tenas de notas fiscais, e três meses depois já sabíamos, a qualquer
momento, o que tínhamos recebido e o que tínhamos para pagar.
Tudo realtime, ao contrário de muitas empresas que ainda hoje
não têm esta facilidade.
E o conhecimento era realmente cheio de modernida-
des. Nossos sistemas de planejamento de materiais (guardo
até hoje, com certo romantismo, as especificações e o progra-
ma COBOL de nosso MRP — Material Requirement Plan-
ning), estoques, custos e compras já eram dotados das fun-
cionalidades que hoje, passados quase 30 anos, ainda faltam
em alguns sistemas de gestão atuais: cálculo de cotações de
preços a valor presente; reflexo instantâneo de irregularida-
des de recebimento no contas a pagar; integração automática
dos módulos operacionais com a contabilidade, livros fiscais
e fluxo de caixa; análise ABC de fornecedores e materiais;
comparação do planejado com o realizado em todos os ní-
veis dos projetos; contabilidade multimoeda. Enfim, para a
época, tínhamos sistemas desenvolvidos internamente — (o
downsizing ainda não tinha chegado), respeitados pelo mer-
cado, incluindo os grandes fabricantes de computadores, que
nos usavam como referência de mercado.

98
Aprendizado Eterno

Fomos todos pioneiros. Nossos sistemas eram realmente de


primeira qualidade e totalmente integrados, tendo como guarda-
chuva a área de Controle & Finanças. Tudo acontecia para que o
resultado fosse medido de forma rápida, clara e objetiva.
Mas isto não era suficiente. Precisávamos oferecer, por
meio da Tecnologia da Informação, mais produtividade para toda
a GE. O mundo dos negócios estava mudando. Velocidade já era
um requisito importante para vencer no mundo dos negócios.
Foram meses de trabalho dedicados a descobrir e enten-
der que tecnologia, de hardware e software, poderia ser adqui-
rida e implantada para dotar a GE de aplicações mais robustas,
modernas e principalmente, produtivas. Era a época de ouro da
IBM. Uma empresa avançada e também pioneira como a GE. A
parceria foi estabelecida. Adquirimos um verdadeiro arsenal. Fo-
ram US$ 1.500.000,00 em parafernália de hardware, software e
consultoria, baseados na plataforma IBM 4341/4381. Era preciso
mudar! E o tempo era curto. Em 18 meses mudamos a “cara”
da GE em termos de ferramentas de Tecnologia da Informação.
Pioneirismo de novo.
Era o ano de 1979. Implantamos o COPICS: Communi-
cation Oriented Production and Inventory Control Systems. Que
nome pomposo! Mas além do nome, o COPICS era dotado de
novos conceitos de administração industrial. Era a febre do MRP
— Material Requirement Planning, da conexão on-line, da in-
formação real-time, da integração de processos. Fomos nós, a
MWM e a Singer, os pioneiros. Foi quando comecei a aprender
a dominar a arte do churrasco, ensinada por alguns gaúchos que
compareceram em um dos primeiros encontros de usuários CO-
PICS, em um hotel em Campinas.
Para completar o salto de produtividade, também implan-
tamos novos sistemas de Controle e Finanças, capitaneados pelo
FACS — Finance & Accounting Control Systems, implantado pelos
meus pares da época, o melhor ou pelo menos um dos melhores

99
Alquimia de uma corporação

sistemas contábeis que já vi operando. Suas funcionalidades iam


além de possibilitar registrar e acumular lançamentos contábeis.
Era dotado de multimoeda, conversão FASB, multiempresa total,
contas parametrizáveis, cálculo automático de Variação Cambial,
conceito fiscal e gerencial, controle absoluto sobre lançamentos
de sistemas operacionais e muito mais. Por que tão bom? Por-
que a GE era orientada ao controle e a finanças. Tudo tinha que
ser justificado. Tudo tinha que ser defendido. Tudo tinha que ser
aprovado do ponto de vista do retorno de investimento. E isto
nos tornou, eu e centenas de outros profissionais, em profissio-
nais por inteiro, comprometidos com o sucesso da GE e de tantas
outras empresas pelas quais passamos.

O INSTRUTOR EM AÇÃO
Nisso também a GE era diferente. Só dependia de mim.
Minha aplicação em cursos como estudante poderia ser premia-
da, dependendo de meu esforço e competência. Tornei-me ins-
trutor de muitos dos cursos que freqüentei.
O FMP, razão principal do lançamento deste livro, é um
caso especial. Nunca é demais afirmar que quem teve a oportu-
nidade de participar como aluno, se destacou tanto na GE, como
em empresas pelo Brasil afora. Um de seus módulos, o último,
ensinava Sistemas de Informação, cobrindo todos os aspectos
desta ciência. Como profissional da área, tornei-me, natural-
mente, seu instrutor. Era desafiante ver usuários entenderem o
“lado oculto” do computador. Tive gratas surpresas, pois muitos
profissionais que ensinei enquanto instrutor, tornaram-se profis-
sionais da área de Informática.
Também fui instrutor no PRBM, aquele em que os “se-
niors” da empresa passavam toda sua experiência para os mais
novos. Diferente do FMP, este não tinha testes. Era, sim, muito

100
Aprendizado Eterno

mais orientado às técnicas, recheado de estudos de caso, onde se


podia comprovar a utilidade do controle e da automação.
O AMS–200, técnicas de Apresentação Eficaz deixou
saudades. Foi outro curso do qual tornei-me instrutor. Quinze
semanas de plena dedicação. A cada semana, uma nova técni-
ca na arte de falar em público e convencer sua audiência. Fo-
ram mais de quatro anos transformando profissionais total-
mente envergonhados em dominadores de púlpitos e mestres
em organizar apresentações. Jamais vou me esquecer de suas
técnicas básicas:
Ah, ham!; (Mensagem inicial de impacto);
Por que falar nisso? (razões que o movem a defender
sua tese);
Por exemplo (a comprovação dos fatos);
E daí (o convite à ação).
O curso era tão bom, que o ministrei até para profissionais
da Embraer. Até hoje guardo com carinho o roteiro do instrutor.
Quem sabe se num dia destes monto um curso para transformar
outras pessoas em oradores de primeira linha?
Enfim, as oportunidades de aprendizado tinham duas fa-
cetas, como aluno e como instrutor. Se não aprendia como aluno,
aprendia como instrutor. E eu aproveitei ao máximo!

O TOPO DA PIRÂMIDE
Foi um longo caminho! Oito anos como Gerente de De-
senvolvimento de Sistemas. A competição era intensa. Assim
como eu, meus companheiros também estavam lutando por
um lugar ao sol. O topo, em 1981, foi a Gerência de Seção, o que
pode ser comparado a um diretor de área de uma empresa do
mercado. Depois de ter sido supervisionado por grandes pro-
fissionais, brasileiros e americanos, tornei-me o número um da

101
Alquimia de uma corporação

Tecnologia da Informação da GE! Que glória para aquele menino


tímido do passado.
Nossa área de tecnologia tinha um orçamento de três mi-
lhões e meio de dólares, maior que a receita total de grande parte
de empresas brasileiras. Servíamos a mais de 10 negócios diferen-
tes, dispersos geograficamente por todo o Brasil. Todos conecta-
dos on-line, via Embratel.
A característica mais marcante, sempre presente em cada
minuto de convivência na GE foi a da produtividade. Em quatro
anos de administração da área de Sistemas de Informação, fui
desafiado, ano após ano, a reduzir custos, sem com isso diminuir
o nível de serviço e a qualidade. Chamam isso, hoje, de Service
Level Agreement. O controle de Head Count era absolutamente
imperativo. Fazer mais com menos, sempre. Isso desenvolveu em
todos nós, profissionais formados no FMP ou não, agora cari-
nhosamente chamados de FMPeer’s, um senso de responsabili-
dade com o patrimônio da companhia, GE ou não, muito além
da média de mercado.
Mesmo assim, por meio da boa defesa de propósitos, cons-
truímos, talvez, o melhor CPD, o ninho dos computadores do
Brasil. Nossas instalações eram dotadas de controle eletrônico
de acesso por nível, entrada e saída alternativas, vidros à prova
de bala, plano de contingência, procedimentos de localização de
profissionais, sistemas de BIP, arquivos deslizantes, sistemas de
combate a incêndio e muito mais.
Uma das razões para tanta parafernália, além da proteção
natural para não parar as operações da empresa, era também o
movimento de greves no ABC. Chegamos ao ponto de operar os
computadores de fora da empresa, através de estações controla-
doras em locais tão insólitos como a sala de minha própria casa.
Era a hora de tirar vantagem de todo o acervo implantado.
Desculpem os leitores pela insistência, mais pioneirismo da GE.
Planejamento e controle orçamentário era regra institucional.

102
Aprendizado Eterno

Precisávamos de ferramentas flexíveis para planejar e controlar


nossas despesas. Além disso precisávamos também extrair infor-
mações de nosso acervo e explorá-las de forma amigável e deses-
truturada. Para tal, implantamos um dos primeiros sistemas de
apoio à decisão do mercado. Um sistema inglês, cujo nome acho
que era FCS, que acabara de chegar, um Lotus 123 para mainfra-
me. Com ele tínhamos informações flexíveis de controle orça-
mentário em todos os níveis estruturais da empresa.
Meu Deus! E agora? Chegaram os microcomputadores.
Monstrinhos desafiadores da hegemonia dos mainframes. E lá
fomos nós novamente à frente de nosso tempo. Não tivemos pre-
conceito. Em vez disso, abraçamos a causa. Nosso primeiro micro
era muito estranho: CPU com TV como monitor. Era a época
do Visicalc, precursor do Lotus 123/Excel; DBase 2, precursor do
DBase 3 e Access; Wordstar, precursor do Word e Harvard Gra-
phics, precursor do Power-Point. A Microsoft era uma criança.
Em menos de 2 anos já contávamos com mais de 100 micro-
computadores espalhados pela GE e um Centro de Informação,
o antigo nome do Help Desk, servindo a toda a comunidade de
usuários da empresa.
Tudo isso, suportado por uma política de recursos huma-
nos baseada em premiação por mérito e promoção focada no de-
sempenho. Nossa política sempre foi a de desenvolver estagiários,
tornando-os profissionais prontos tanto para nós mesmos como
para o mercado. Fomos grandes fornecedores de profissionais ca-
pacitados para inúmeras empresas, o que não causava prejuízos,
pois sempre tínhamos outro para substituir a perda. Na verdade
era uma política saudável, que não inflacionava a massa de salá-
rios da empresa. Hoje, quase 20 anos depois, ainda encontramos
nossos antigos companheiros de informática, uma vez por ano,
como acontece com os FMPeer’s. Este grupo, que carinhosamen-
te chamamos de Dino’s, de dinossauros, pois somos todos da era
jurássica, tem muita história para contar e todos são, ainda hoje,
profissionais por inteiro, conectados com a tecnologia.

103
Alquimia de uma corporação

Foram 4 anos como principal executivo de informática


da GE, com desenvolvimento sustentado pela tecnologia e pelo
treinamento no Brasil e nos Estados Unidos. Dentre estes cursos,
destacam-se: Metodologia de Desenvolvimento de Sistemas, En-
genharia da Informação, Ferramentas de Produtividade, Desen-
volvimento Gerencial etc.
A centralização da área de informática cumpriu seu papel.
Dotou a GE de Sistemas de Informação de extrema utilidade e
alto desempenho. Mas os negócios cresceram, novas capacitações
foram desenvolvidas e era a hora de descentralizar, sem perder
o foco na produtividade, modernidade e controle de custos. E
isto foi feito. Era a GE sempre liderando a tendência do mercado.
Os negócios remotos começaram a ter sua própria operação de
computadores, com exceção da área de finanças, que continuou
centralizada, sempre em linha com as diretrizes de tecnologias
avançadas, determinadas pelo Information System Board, nos
Estados Unidos, responsável pelo teste e recomendação de tec-
nologias avançadas.
A GE é, atualmente, uma das melhores companhias do
mundo. Sem medo de errar, afirmo que se tornou o que é devi-
do ao seu contínuo desenvolvimento tecnológico, administrativo
e profissional, perseguido ao longo do tempo. Felizmente tive a
oportunidade de participar de 1/5 de sua vida centenária. Não foi
somente o esforço pessoal que me tornou um profissional expe-
riente. Foi também a bandeira da GE por qualidade, desempenho,
controle, pioneirismo e, principalmente, o ambiente desafiante,
sempre presente em todas as ações de negócio.

A DESPEDIDA
Mas nem tudo são flores. Devido às estratégias corpora-
tivas mundiais, situação econômica de nosso país e também a
filosofia de ser a número um ou no máximo a número dois em

104
Aprendizado Eterno

todos os segmentos de negócio em que atua, a GE emagreceu no


Brasil. As oportunidades de crescimento já não eram tão férteis.
Chegou a hora de enfrentar novos desafios. Era o ano de 1986.
Com o aprendizado na GE, tornei-me um profissional, não
somente de informática, mas principalmente com domínio e co-
nhecimento, além da tecnologia em si, da maioria dos processos
empresariais.
Foram 3 grandes companhias nos 9 anos seguintes: Sharp,
Ernst & Young e Eucatex. Em todas elas não tive qualquer difi-
culdade de adaptação. O conhecimento acumulado na bagagem
me permitiu transitar por todos os processos, por todos os níveis
organizacionais e por todas as esferas políticas. E é claro, todas
elas se beneficiaram indiretamente da GE, pois levei comigo a
vontade de fazer bem feito, o embasamento tecnológico e meto-
dológico, o desejo maior pela disciplina, a obsessão por qualida-
de, a gula por produtividade e a fobia pela perfeição.
Levei comigo grandes lições:
• Você já foi o estagiário ao seu lado. Respeite-o e eduque-o;
• Não espere que outros façam o que é sua obrigação;
• Não se satisfaça com a primeira versão, as próximas serão
melhores;
• Errar é humano, mas aprenda com seus erros;
• Meça seu trabalho. Se você não fizer, alguém o fará;
• Aceite desafios além de sua capacidade, você pode;
• A crítica pela crítica impede o aprendizado de novas téc-
nicas;
• A hierarquia existe para ser respeitada, a liberalidade leva ao
caos;
• O treinamento não termina ao final curso, mas começa no dia
seguinte;

105
Alquimia de uma corporação

• Não julgue o seu funcionário pelo que ele ainda não sabe;
• Encontre um profissional exemplo e imite-o até ser me-
lhor que ele;
• Diversifique suas experiências para aprofundar o conhe-
cimento;
• Se fizer com qualidade, não haverá necessidade de alguém
controlar;
• Só burocratas trabalham das 8 às 17. A solução pode estar
no chuveiro;
• A disciplina é sempre sua aliada. Vale tanto para métodos
quanto para horários;
• Análises parciais ou precipitadas não permitem avaliar o
todo;
• Seja ambicioso, sempre pronto para assumir funções mais
complexas;
• Se a empresa em que você trabalha progredir, você será
levado junto;
• Não resista às mudanças. Elas são inevitáveis. Mude ou
será mudado;
• Tenha visão e audição periféricas. Enquanto trabalha, veja
e ouça;
• Não deixe que o sucesso lhe suba à cabeça, continue tra-
balhando;
• Em uma nuvem ameaçadora sempre está escondida uma
oportunidade;
• Planeje seu dia, sua semana, seu mês e seu ano. Seu futuro
será melhor;
• Não se preocupe com pequenas coisas, tudo são pequenas
coisas;
• Não se preocupe. Um problema dura no máximo três meses.
• Um profissional comum será sempre um profissional co-
mum;
• Não seja enganado. Confiar é bom, conferir é melhor.

106
Aprendizado Eterno

A CONSOLIDAÇÃO
Nem sempre você é dono de seu nariz. Depois de algum
tempo fora da GE, deixei o trabalho burocrático de escritório
para tornar-me um homem do mundo, pois o destino condu-
ziu-me para uma nova carreira, a de Consultor de Tecnologia da
Informação e Gestão de Negócios. Depois de três anos na nova
carreira, a GE se fez presente novamente. Fui chamado de volta,
agora como consultor, para ajudá-la a reformular o patrimônio
de informação de dois de seus negócios. Minha missão foi a de
selecionar e ajudar a implantar novos sistemas automatizados de
gestão, os chamados ERP’s.
A GE vivia um momento especial em direção à Quali-
dade de Processos, empregando a filosofia Six Sigma. E veio
nova oportunidade de aprendizado, pois como consultor, fui
“convocado” a atender aos dois cursos básicos desta técnica
de qualidade.
Embasado no conhecimento adquirido, em grande parte
na própria GE e seguindo os preceitos de Mike Hammer, o pai da
Reengenharia Empresarial, ambos consolidados pela filosofia Six
Sigma, desenvolvi o que hoje chamo de meu “ganha-pão” e com
o que me divirto ajudando inúmeras empresas a melhorarem
seus sistemas de gestão.
Pelo fato de que as empresas operam por meio de proces-
sos e não de departamentos, juntei tudo: GE, Mike Hammer e Six
Sigma e desenvolvi uma metodologia de Seleção e Implantação
de Sistemas de Gestão, orientada a processos de alto desempenho
com inúmeros casos de sucesso.
E depois de longos 18 anos afastado da GE, não tenho
dúvidas em afirmar: ela ainda faz parte de minha vida. O que
lá aprendi, as experiências pelas quais passei, as pessoas com as
quais convivi, jamais serão esquecidas.

107
Alquimia de uma corporação

A NOSSA GE BRASIL
Jack Welch, um dos maiores líderes empresariais deste sé-
culo, também colocou seu amor pela GE no livro “Jack, o defini-
tivo”, leitura obrigatória para executivos e, principalmente, para
quem trabalhou ou trabalha na GE.
No capítulo “Afinal, que Negócio é esse de CEO?“, quase no
final do livro, entre tantas outras coisas ele diz: “Bom mesmo é
diversão”. Repensando as manhãs, tardes e noites que passei na
GE, posso afirmar com convicção que me diverti muito.
Mal comparando, assim como Jack, eu também tinha pai-
xão pelo que fazia e pela empresa, tive e ainda tenho amizades
incríveis, vivi minhas crises, sofri muitas pressões, me empol-
guei por tudo, mudei de rumo e de vida e, principalmente, tive
a oportunidade de comemorar muito, tanto no sentido literal da
palavra, por meio dos inúmeros jantares comemorativos, como
também pelo orgulho do trabalho bem feito e do projeto implan-
tado com sucesso.
E no momento em que termino estas páginas, cons-
tato com prazer, que o novo Presidente da GE Mundial, Jeff
Inmelt, não se afastou do que chamo Empresa Formadora de
Bons Profissionais, pois continua investindo na formação de
novos líderes conforme citação na seção “Gestão Esperta”, da
revista Exame de 14 de abril de 2004. Mais uma notícia: a
GE América Latina acaba de implantar um sistema automa-
tizado, dedicado a facilitar a avaliação de desempenho (Ses-
sion C), conforme publicado na revista Informationweek, de
02/06/2004. Essa GE não pára quando se trata de desenvolver
e avaliar seus profissionais!
E quando cito Welch e Inmelt, não poderia me esquecer
de Thomas Alva Edison, o precursor, que consolidou a GE como
a conhecemos, conforme descrito ao final do que é denomina-
da THE EDISON ERA, no livro “A CENTURY OF PROGRESS

108
Aprendizado Eterno

— The General Electric Story”, publicação editada pela GE para a


comemoração de seus 100 anos — um bom livro para conhecer a
formação de uma grande companhia. Minha homenagem: “Não
fracassei mil vezes, descobri mil maneiras que não funcionavam”.
E é lá que está estampada também a foto de Jack Welch,
na página 107, ainda vice-chairman e uma frase que define a
GE do segundo século: “Fazer dos anos 80 a década de abertura
para um segundo século de realização jamais sonhada... em de-
senvolvimento de negócios, crescimento internacional, progresso
tecnológico e melhoria de produtividade... para pessoas”. Parece
que estão conseguindo...
E assim como a GE americana, a nossa querida GE-Brasil
também tinha: avaliações permanentes de desempenho que real-
mente eram utilizadas para reconhecimento dos melhores; pro-
gramas de redução de custos pioneiros que premiavam as melho-
res idéias; avaliação de cargos e salários que realmente funciona-
vam em linha com as regras do mercado; orçamento empresarial
planejado, seguido e medido; pioneirismo em implantação de
soluções administrativas e tecnológicas; cultura tradicional so-
lidificada; políticas e diretrizes publicadas e respeitadas e, prin-
cipalmente, programas de treinamento abertos a todos os níveis
da organização.
É claro que concordamos que muitas empresas de hoje e do
passado são excelentes, mas para nós, que escrevemos este livro,
a GE e o FMP são inesquecíveis por tudo o que nos propiciaram,
tanto na definição do que seria nossa vida como pelo tremendo
desenvolvimento profissional alcançado por todos nós.
Como última ousadia, recomendo a qualquer empresário
que, entre seus candidatos potenciais para uma determinada vaga,
escolha o candidato da GE. E aos que começam hoje a enfrentar
os desafios de uma nova carreira, se tiverem a oportunidade, que
comecem pela GE.

109
Alquimia de uma corporação

AOS QUE NÃO CITEI


Nenhuma das pessoas com as quais convivi na GE foi cita-
da neste texto. Mas todas que lerem este capítulo se identificarão
com as várias passagens, sem que eu tenha que citá-las. Claro que
ainda me lembro delas. Mas foram tantas que ajudaram a reali-
zar-me como profissional, que não quis correr o risco de esque-
cer de alguma que, sem dúvida, mereceria a citação. Mas minha
esposa, Vilma, tenho que citar. Ela amava tanto a GE, que jamais
me perdoou por ter deixado a empresa.

110
INFORMÁTICA,

6 ADMINISTRAÇÃO, CONTROLE
E OUTROS ASSUNTOS
Fernando de Paula Leite Sampaio

COMO FUI PARAR NA GE


Este é um relato pessoal para mostrar o quanto a minha
experiência profissional adquirida na General Electric do Brasil
alterou e guiou a minha vida.
Sou formado em Ciências Contábeis e Atuariais pela Fun-
dação Armando Álvares Penteado e um dos primeiros Progra-
madores de Computador formados no Brasil (1963).
Sou do tempo que computador era chamado de “Cérebro
Eletrônico”. Quando chegou aqui, provocou uma mudança ra-
dical na forma de processar informações. Mudar de um sistema
eletromecânico (convencional) para um sistema eletrônico signi-
ficava um desafio tremendo. As mudanças na velocidade de pro-
cessamento eram alucinantes. Para se ter uma idéia, no sistema
convencional conseguia-se ler as informações contidas em um
cartão magnético a uma velocidade de 80 cartões por minuto. No
sistema eletrônico essa velocidade era de 600 cartões por minuto
e cada cartão continha no máximo 80 caracteres. As impressoras
convencionais imprimiam 45 linhas por minuto, enquanto que as

111
Alquimia de uma corporação

novas conseguiam imprimir 600 linhas por minuto. Atualmente,


impressoras laser de alta velocidade não mais imprimem linhas,
mas sim páginas.
Hoje, quando se fala nessas velocidades, parece que esta-
mos falando de coisas da Era Paleozóica, pois o tamanho dos
equipamentos diminuiu centenas de vezes, enquanto a velo-
cidade aumentou milhares de vezes. Nós éramos românticos
mesmo. Românticos a ponto de esperar horas pela compilação
de um programa (transformação da linguagem convencional
em linguagem do computador) e descobrir que tínhamos erra-
do apenas uma linha do programa. Hoje, isto é feito em déci-
mos de segundo.
Era o ano de 1967 e eu exercia a função de Supervisor de
Operações da IBM do Brasil, tendo sob minha responsabilidade
a operação de três computadores IBM 1401, localizados em dois
edifícios próximos, no centro de São Paulo. Foi quando tomei co-
nhecimento que a GE tinha um curso muito bom de treinamento
interno na área contábil — o BTC, que embora tenha mudado
de nome para FMP, continuo a chamá-lo carinhosamente pelo
nome antigo, BTC. Interessei-me sobremaneira pelo tal curso e
queria trabalhar na GE para poder freqüentá-lo. E a oportunida-
de surgiu quando respondi a um anúncio para uma vaga de Pro-
gramador de Computador. Após as entrevistas de praxe, fui con-
tratado em meados de 1967 para trabalhar em Santo André - SP
e com o firme propósito secreto de ser um aluno do então BTC.
Era época de mudanças na GE, que possuía um Centro de
Processamento de Dados baseado em equipamentos convencio-
nais que estava sendo substituído pelo novo conceito de proces-
samento eletrônico de dados, uma modernidade que poucas em-
presas tinham. A mudança aconteceu em três etapas:
Inicialmente, a GE desenvolveu os sistemas e os processava
em um Bureau externo. Esses sistemas foram desenvolvidos para
substituir paulatinamente os sistemas convencionais existentes.

112
Informática, Administração, Controle e outros Assuntos

Na segunda etapa, a empresa montou a equipe de Processamento


Eletrônico de Dados, com Analistas de Sistemas, Programadores
e Operadores. E na terceira, por volta de 1969, adquiriu seu pró-
prio computador.

O BTC
É um curso intensivo de seis semestres, “self learning”, mui-
to puxado, com nota mínima de aprovação de 75 em 100. Iniciei
o BTC no 2º semestre de 1967. Um curso de extrema dificuldade,
que exigia estar preparado para a próxima aula por meio da fei-
tura de uma montanha de exercícios de grande complexidade.
Casei-me com a Amélia, uma pessoa maravilhosa com
quem estou até hoje, em outubro de 1967, no meio do primeiro
curso. Lembro-me perfeitamente que em uma noite em que eu
estava coberto pelas apostilas e exercícios, minha esposa pergun-
tou-me: — “Você casou comigo ou com esse tal de BTC?”
Realmente era necessário estudar muito, em incontáveis
horas de extrema dedicação.
O curso, basicamente, era orientado a Finanças e Con-
trole, com a finalidade de formar profissionais ecléticos, com
conhecimentos de Contabilidade, Orçamentos, Custos, Audi-
toria e Sistemas de Informações. No intervalo dos semestres
eram ministrados cursos funcionais com o objetivo de mostrar
as várias características de cada departamento. Os instrutores
desses cursos especializados eram os gerentes das áreas espe-
cíficas, como Engenharia de Produtos, Controle de Qualidade,
Matemática Financeira etc.
Como conseqüência, ao terminarmos o BTC, não só ha-
víamos aprendido as matérias ministradas nos cursos como
também tínhamos uma ótima noção de como funcionava uma
empresa, como os departamentos se relacionavam entre si,

113
Alquimia de uma corporação

quais os problemas que cada um sentia por falta ou informação


errônea etc. E o grande objetivo do curso era formar uma equi-
pe homogênea de profissionais, que tivessem um nível básico de
conhecimento igual.

A ESTRATÉGIA BASEADA NO BTC


Por filosofia a General Electric sempre procurou preen-
cher o seu quadro gerencial aproveitando o pessoal interno, em
vez de recrutar no mercado. Quase todos os gerentes das inú-
meras áreas da empresa eram formados no BTC. Conseqüente-
mente, se você quisesse fazer carreira e subir na escala hierárqui-
ca da empresa, era necessário ser formado no BTC. Sua direção
mantinha uma carteira com o histórico de todos os formandos
e quando surgia uma vaga para gerência, a primeira providência
era consultá-la e verificar quais formandos tinham a caracterís-
tica e personalidade exigidas para ocupar o cargo. Mas além do
nível gerencial, os jovens também tinham sua vez. Os estudantes
recém-saídos das faculdades, chamados trainees, tinham a opor-
tunidade de estagiar durante seis meses em cada área administra-
tiva-financeira da empresa enquanto faziam o curso. Seus salá-
rios eram baseados no aproveitamento do curso mais a avaliação
do gerente da área em que estavam estagiando, ou seja, os trainees
eram moldados para a responsabilidade, pelo aprendizado e pelo
desafio de alcançar um lugar ao sol pelo seu próprio esforço.
Nem é preciso dizer que esses trainees estudavam mui-
to, trabalhavam com afinco, nunca esmorecendo, perseverando
sempre. Dessa maneira, na grande maioria das vezes, concluíam
o curso como excelentes profissionais e aptos a iniciar uma car-
reira de sucesso. Como conseqüência, o corpo gerencial da GE
era “espetacular”. Quase todos universitários, com excelente co-
nhecimento básico empresarial e um nível de comunicação aci-

114
Informática, Administração, Controle e outros Assuntos

ma da média, além de, em virtude do BTC, conhecerem muito


bem a filosofia da GE.
Cada um dos que concluíram o curso tinha sua peculia-
ridade. Alguns, com mais aptidão para matemática, outros se
destacavam pela velocidade de raciocínio, outros pelo poder de
síntese de idéias e outros, ainda, pela clareza com que expunham
seus conceitos e pontos de vista. E o importante nesta história
toda foi o relacionamento entre nós todos, alinhados por um ob-
jetivo comum: o de aprender para vencer na carreira profissional
e a troca de idéias constante em todo o ciclo do curso. E este rela-
cionamento continua até hoje por meio de nosso almoço anual.

O TRADICIONAL ALMOÇO
E o relacionamento quase eterno, continua até hoje. Come-
çou nos almoços sagrados ao final de cada curso de seis meses,
quando todos, exaustos pela prova final que consumia quase 3
horas do sábado, se reuniam para um lauto almoço no Restau-
rante São Judas, em São Bernardo do Campo, na famosa rota do
Frango com Polenta, para comemorar o término de mais uma
etapa do BTC.
Esse almoço de confraternização era realmente sensacio-
nal. Reunia alunos e instrutores de todos os cursos terminados
naquele semestre, num ambiente totalmente descontraído, para
comer um frango com polenta e tomar um “chopinho” (alguns),
além do alho frito, que sempre foi minha paixão.
E este almoço, transformado em missão anual, era tão im-
portante que o costume continua até hoje, o que devemos a al-
guns de nossos abnegados colegas que não medem esforços para
que essa tradição continue.
Desliguei-me da GE em 1976, após nove anos de trabalho
e até hoje, 28 anos depois, reunimo-nos anualmente para um al-

115
Alquimia de uma corporação

moço no mesmo restaurante. Lá, matamos as saudades de nossos


ex-colegas, hoje cada um em uma atividade diferente, ocupando
as mais diversas posições, mas, NOSSOS AMIGOS.

EU E A GE
Inicialmente, em minha carreira profissional, aproveitei os
ensinamentos dentro da própria General Electric na área de Sis-
temas de Informações.
Após a conclusão do BTC, fui promovido para a Gerên-
cia de Programação e alguns anos depois para a Gerência de
Análise de Sistemas Industriais, sendo responsável pelos siste-
mas da área industrial das fábricas de Santo André, Campinas
e Rio de Janeiro e Departamento de Serviços na Vila Leopol-
dina, em São Paulo. Mais tarde fui para a Gerência de Análi-
se de Sistemas de Controle e Finanças, posição que ocupava
quando me desliguei da empresa. Como Gerente de Análise de
Sistemas, fui instrutor do BTC, evidentemente, no módulo de
Sistemas de Informações.
Conhecendo a filosofia da empresa e como os diversos
departamentos se relacionavam entre si, ficava muito mais fácil
para nós, perceber suas necessidades para desenvolver sistemas
que pudessem facilitar a vida dos departamentos, estabelecendo
controles e fornecendo funcionalidades e relatórios para que pu-
dessem cumprir sua missão a contento.
Outro ensinamento importante foi o de que, para se ini-
ciar qualquer projeto, deve-se pensar também em custos — um
diferencial da GE — em que tudo tinha que ser claramente justi-
ficado, isto é, para que algum projeto fosse desenvolvido, era ne-
cessário não só que satisfizesse às necessidades dos clientes (de-
partamentos) e da empresa como um todo, mas que ao mesmo
tempo, representasse uma economia de custos.

116
Informática, Administração, Controle e outros Assuntos

Outro aprendizado: normalmente uma área sempre com-


pete com outra. As áreas Industrial e Comercial sempre divergem
entre si. A segunda querendo que o produto que vendeu hoje seja
entregue ontem, e a primeira sempre divergindo da pressa da
área comercial, argumentando: Por que não planejou antes?
Os problemas entre as áreas Comercial e Administrati-
va/Financeira quase sempre surgem com relação ao preço, que
sempre está muito alto para a Área Comercial e baixo para a Fi-
nanceira. Além do que, na visão da Área Comercial, os prazos de
pagamento exigidos pela Área Financeira são muito curtos. Os
argumentos são conflitantes: maior flexibilidade de preço e pra-
zo desejado pela Área Comercial contrariamente aos desejos das
áreas de Controle e Industrial.
Entre a Área Industrial e a Administrativa/Financeira a
divergência ocorre porque a Área Industrial acha que os admi-
nistrativos estão querendo controlar muito o que acontece nos
departamentos. Entendem que esses controles são muito rígidos
e burocráticos, fazendo com que o pessoal fique preenchendo re-
latórios em vez de produzir.
Esse atrito entre as áreas é normal e importante. É bom que
eles existam, para que os representantes dessas áreas conversem
e tentem resolver ou minimizá-los. Se não houver atritos entre
as áreas, devemos ficar atentos porque alguma coisa pode estar
errada. Pode estar havendo acomodação de um ou de outro lado,
ou mesmo de ambos. Quando esses atritos não existem, deve-
mos analisar as situações e criar condições para que tais atritos
aconteçam de uma maneira sadia e desse modo façam com que
os dirigentes resolvam as diferenças em benefício da empresa. É
do atrito que vem a superação, forçando os dirigentes a “pensar”
em como contornar os obstáculos e examinar alternativas para
separar o que é realmente importante, resultando em procedi-
mentos modificados e como conseqüência, tornando os sistemas
melhores e diminuindo atritos em benefício da empresa.

117
Alquimia de uma corporação

O PROCESSO DE AVALIAÇÃO
Além do próprio BTC, a GE utilizava uma série de ferra-
mentas e cursos que muito nos aprimorava. Uma dessas ferra-
mentas era a Avaliação de Desempenho para o planejamento de
carreira. Anualmente éramos convocados pelos nossos gerentes
para um processo de avaliação sobre o que éramos e o que pre-
tendíamos ser no futuro, que lugar queríamos ocupar. E, normal-
mente, nossa ambição era tomar o lugar de nosso chefe. Como
contrapartida, vinha a pergunta:
— Você acha que está pronto para ocupar o meu lugar?
Normalmente nossa resposta era: AINDA NÃO!
A pergunta seguinte:
— Do seu ponto de vista, quais são seus pontos fortes que
fazem com que você ache que pode ocupar o meu lugar?
E nessa hora éramos obrigados a refletir sobre o que real-
mente achávamos de nós mesmos.
Mas a próxima pergunta era ainda mais difícil de ser res-
pondida:
— No seu entender, quais são os seus pontos fracos?
E olhem que nosso gerente realmente nos conhecia, e se
por acaso esquecêssemos de algum ponto importante, ele calma-
mente nos lembrava.
E aí vinha um dos principais pontos:
— O que você acha que tem que fazer para corrigir esses
pontos fracos e torná-los seus pontos fortes?
Então estabeleciam-se metas para o próximo ano, para os
próximos dois anos, para os próximos cinco anos. E tudo isso
ficava registrado em um questionário com uma única via que
ficava em poder do gerente. Afinal, por que precisávamos de uma
via, se o que ali estava escrito era o que nós queríamos nos tornar
e nós sabíamos perfeitamente o que queríamos?

118
Informática, Administração, Controle e outros Assuntos

Ao final de um ano, outra reunião e vinha o gerente, com o


questionário do ano anterior na mão, no qual constavam nossas
expectativas e promessas.
— Olá, Fernando! Tudo bem? Vamos lá! O que você pre-
tende ser no futuro?
Nossa resposta, normalmente, era a mesma. Estar no seu
lugar!
— Você acha que está pronto para ocupar o meu lugar?
Fazendo um exame límpido de consciência, a resposta ain-
da desta vez era: AINDA NÃO!
E o Gerente:
— No ano passado você disse que tais e tais coisas eram
seus pontos fortes. Continuam sendo fortes?
— No ano passado você programou que iria fazer o se-
guinte. Fazer tal curso. Fez?
— Você também tinha anotado que neste ano que passou
você iria tentar corrigir o seu defeito X. Você conseguiu?
Nessa hora, percebíamos o quanto fomos fracos e o quanto
desviamos de nossos objetivos, pois fizemos algumas das coisas
as quais havíamos nos proposto, mas esquecemos completamen-
te de outras.
Fizemos tantas outras coisas que nada tinham a ver com os
objetivos a que tínhamos nos proposto.
Após algumas dessas reuniões anuais, muito provavelmen-
te já havíamos conseguido superar nossas dificuldades e aprendi-
do a focar os objetivos.
Todos eram incluídos neste programa, o famoso AMR —
Annual Manpower Review, empregados normais, supervisores,
chefes, gerentes de nível I, gerentes de nível II etc., e cada qual
perseguia seus objetivos que, anualmente eram analisados pelo
gerente de nível superior.
E aí, os mais “espertos”, aqueles que percebiam mais ra-
pidamente a importância desse programa para o seu treina-

119
Alquimia de uma corporação

mento de vida no sentido de atingir os objetivos propostos,


saíam na frente.
Muitos conseguiam atingir o primeiro degrau, outros o se-
gundo, outros, o terceiro, mas com certeza, todos eram profissio-
nais prontos para qualquer empresa industrial do mercado.
E o sistema funciona! Seja na GE ou em qualquer outra
empresa. Qual o seu principal objetivo? Está fazendo o que deve
ser feito? Quais seus pontos fortes? Quais seus pontos fracos? O
que está fazendo para eliminar seus pontos fracos e se tornar mais
forte? Estamos nos desviando do verdadeiro objetivo?
Essa foi uma das maneiras que a GE adotou para nos ensi-
nar a centrarmos nossas decisões nos reais objetivos.

A FOBIA POR REDUÇÃO DE CUSTOS


A GE sempre foi preocupada com redução de custos — um
objetivo final que nunca foi esquecido. Como o objetivo é o lucro
e sempre que possível maior que o do ano anterior, só temos duas
coisas a fazer: Aumentar as receitas ou diminuir os custos.
Os dois pontos são importantes, mas reduzir custos é mais
fácil porque depende somente de nós, da nossa empresa e sobre a
qual podemos influir diretamente e com resultados mais imedia-
tos, pois está sob nosso controle.
Uma outra ferramenta utilizada pela GE e que resultou em
bons resultados era o “Working Simplification”. Fui coordenador
desse curso no Parque Industrial de Santo André.
Era um programa destinado a empregados abaixo do
nível de gerência, que exerciam as funções de chefe ou super-
visor. Essas pessoas eram indicadas pelos gerentes dos diver-
sos departamentos.
Consistia, basicamente, de uma palestra ministrada por
um especialista, com duração de um dia, na qual se mostrava a
importância em se reduzir custos, tempos, desperdícios etc., te-

120
Informática, Administração, Controle e outros Assuntos

mas muito em voga hoje em empresas de todos os portes. Tam-


bém eram mostrados vários estudos de casos que resultaram em
redução de custos.
Após o curso, para obter o certificado, os freqüentadores
tinham que apresentar num prazo de 60 dias uma proposta que
resultasse numa melhoria nos custos.
Os trabalhos eram analisados por uma comissão, que ava-
liava sua viabilidade econômica e técnica. Se era possível ser im-
plantado, e se, de alguma maneira não iria contribuir para di-
minuir a qualidade dos produtos. Os trabalhos aprovados eram,
então, apresentados e discutidos com os dirigentes das áreas en-
volvidas, os quais tinham a obrigação de implantá-los em “prazo
determinado”. Com isso, conseguia-se atingir o objetivo de redu-
zir custos.
Depois de implantado, o autor do projeto recebia um bô-
nus correspondente a 10% da redução anual conseguida.
Dois eventos simples que geraram significativas redu-
ções de custo.

A MUDANÇA DA PORTA
A fábrica de motores situada em Santo André ocupava um
prédio enorme. A fábrica propriamente dita, localizava-se no
centro desse prédio e, encostadas nas paredes laterais, ficavam
as salas das áreas de apoio, como almoxarifados, ferramentaria,
controle de qualidade, projetos etc.
Nesse prédio existiam duas grandes portas para entra-
da e saída de materiais e produtos. O depósito de chapas de
aço, utilizadas na fabricação dos motores ficava num prédio
anexo à fábrica.
Para suprir a fábrica o operador de empilhadeiras saía
com a empilhadeira da fábrica, dirigia-se ao almoxarifado de

121
Alquimia de uma corporação

chapas, carregava e voltava para a fábrica para descarregá-las


no local em que eram necessárias. E isso ele fazia várias vezes ao
dia, com sol ou chuva.
Além disso, sempre havia o risco de as chapas caírem da
empilhadeira e machucar alguém.
Pois bem, a idéia apresentada foi:
Por que não se desloca uma das salas de suporte e se abre
uma porta na parede que dá para o almoxarifado?
Uma idéia simples, mas que até aquele momento ninguém
havia pensado.
Com isso, reduziu-se muito tempo de transporte, elimi-
nando grande parte do percurso das empilhadeiras e ao mesmo
tempo reduzindo riscos.

PARAFUSOS A MENOS
O aspirador de pó fabricado pela GE era redondo e, para
facilitar o seu manuseio de modo que ele deslizasse suavemente,
era apoiado em três rodízios. Esses rodízios eram afixados em
um suporte retangular que por sua vez eram afixados na parte
inferior do corpo do aparelho por quatro parafusos, situados nos
cantos do suporte.
A idéia apresentada foi a de utilizar apenas dois parafu-
sos para fixar os rodízios no aparelho — na diagonal do suporte.
Com isso reduzir-se-ia à metade a quantidade de parafusos utili-
zados para fixação dos rodízios.
Idéia simples, que não comprometia a qualidade do pro-
duto, mas que apresentou uma enorme redução de custos, pois
eram fabricados milhares de aspiradores por ano e, em vez de
serem utilizados doze parafusos para fixação por aparelho, utili-
zava-se somente seis.

122
Informática, Administração, Controle e outros Assuntos

O CONHECIMENTO ADQUIRIDO NA GE
BENEFICIANDO OUTRAS EMPRESAS
Após desligar-me da GE, em 1976, trabalhei em algumas
empresas industriais e de prestação de serviços, sempre ocupan-
do cargos de direção, como Gerência de Processamento de Da-
dos, Diretoria de Controle e Finanças e Diretoria Administrati-
va/Financeira. Pode-se estranhar alguns dos cargos citados, pois
minha carreira na GE foi baseada em Tecnologia da Informação,
mas aí está outro diferencial da GE: saí pronto para ocupar qual-
quer posição Administrativa em qualquer outra companhia.
O que pude perceber é que independentemente do tama-
nho das empresas, os problemas existentes são quase sempre os
mesmos. Eles diferem somente em tamanho e complexidade,
mas no fundo, são os mesmos.
Então cabe a nós, como administradores, detectar os pro-
blemas, equacioná-los, priorizá-los e resolvê-los.
Uma empresa é como uma máquina. Para que uma má-
quina funcione a contento é necessário que todas as peças este-
jam perfeitas, que as engrenagens estejam totalmente encaixadas,
limpas, devidamente lubrificadas e que haja energia para poder
fazê-la funcionar.
Assim como na máquina, numa empresa existem diversos
departamentos, ou seja, as peças ou conjuntos das máquinas.
Numa empresa nenhum departamento trabalha sozinho, para
si mesmo. Na realidade eles existem para que exerçam alguma
função e o resultado desse trabalho seja passado para outro de-
partamento o qual continuará o que foi começado, obtendo no-
vos resultados, que serão repassados para outro departamento e
assim por diante. Em uma análise comparativa temos:
Lubrificação: Para que a máquina não pare é necessário
que cada um faça a sua parte para que o todo funcione e o obje-
tivo seja atingido.

123
Alquimia de uma corporação

Peças limpas: O ambiente também tem que ser agradá-


vel para se trabalhar. Cortesia, alegria, cordialidade, verdade,
sinceridade, objetivos claros, premiação pelos bons resulta-
dos, demonstração de insatisfação por resultados medíocres
ou maus resultados.
Energia: Na empresa, a energia somos nós, o elã que apli-
camos para que o objetivo seja atingido, o entusiasmo que con-
seguimos passar para a nossa equipe de colaboradores para que
eles também se esforcem e dêem o melhor de si para que o resul-
tado que apresentem seja o melhor possível.
Após ter encontrado uma solução para determinado
problema, uma das tarefas às quais dedico uma grande parte
de meu tempo antes de sua implantação é verificar o que é
possível fazer para simplificar ao máximo o processo.
• Nessa análise procuro me concentrar nos seguintes pontos:
• Simplificar ao máximo o processo, nunca esquecendo
quais são os objetivos da empresa;
• Nunca eliminar dados necessários, por mais difícil que
seja em consegui-los;
• Eliminar excesso de detalhes, pois normalmente excessos
não contribuem em nada, apenas tornam o processo mais
confuso.
Na grande maioria das vezes a melhor solução para um
problema é simples. Quanto mais simples, quanto mais cla-
ra, melhor é a solução. As pessoas entendem mais facilmente
e a implantação se torna mais fácil.
Ainda hoje, como no passado, o desenvolvimento de um
sistema encontra certa restrição dos integrantes da área onde
ele será implantado. Uns acham que tem tudo controlado e
que o sistema, em vez de ajudar, irá atrapalhar. Outros têm
receio de perder o lugar que ocupam, outros que vão ter mais

124
Informática, Administração, Controle e outros Assuntos

trabalho do que têm hoje para ter o mesmo resultado etc. É a


resistência às mudanças.
Para evitar que essas restrições se tornem um obstáculo in-
transponível, é necessário que planejemos para que o sistema seja
implantado com envolvimento de todos, paulatinamente, fazen-
do com que os usuários participem ativamente na elaboração da
solução, trocando idéias, dando sugestões etc. Com isso, fazendo
parte da solução, eles se sentem donos do sistema e como conse-
qüência a implantação se torna mais fácil.
E quando falo em sistema, não estou falando somente de
sistemas computadorizados, mas de maneira genérica, poden-
do ser sistemas manuais, computadorizados, novos métodos ou
processos, em qualquer área de atividade. O importante é que a
informação flua.
Não esquecer que o desenvolvimento de um sistema tam-
bém custa caro. Do Analista de Sistemas, o tempo para análise,
compreensão do problema e esquematização de uma solução.
Dos Programadores, o tempo para elaboração e testes dos pro-
gramas. E esses profissionais são caros.
Atualmente sou titular de uma Empresa de Consultoria
especializada em Gestão Empresarial, atuando basicamente
em Organização, Controles, Custos, Determinação de Preços
de Venda, etc.
Tenho como objetivo passar para as empresas para as
quais trabalho, a minha experiência, buscando soluções e pro-
pondo alterações de procedimentos para solucionar problemas
e melhorar controles.
O mundo vai mudando, as técnicas se aprimorando, pre-
cisamos nos manter atualizados, utilizar os conhecimentos pré-
vios e ir nos amoldando às novas situações.
Sempre trabalhei com “Informações”. Informação é a
alma da empresa. Sua velocidade e acuidade são essenciais para
que a empresa atinja seus objetivos.

125
Alquimia de uma corporação

O APRENDIZADO QUE PERDUROU


Precisamos nos concentrar no que é importante. Focar os
objetivos e expurgar as informações supérfluas, sermos rápidos
nas tomadas de decisões para que a empresa onde trabalhamos
possa ser ágil e possa ter uma fatia cada vez o maior do mercado,
porque se isso não acontecer nossos concorrentes, com certeza,
irão ocupar esse espaço. Não podemos perder oportunidades de
conquistar mercados e muito mais importante é não perdermos
mercado, pois é muito mais difícil recuperar um terreno perdido
do que conquistar novos espaços.
Outra coisa importante que aprendi, foi que os proce-
dimentos adotados têm que ser constantemente auditados,
para verificar os desvios e providenciar as correções, o que
na verdade é o que os modernos sistemas de qualidade apre-
goam. É natural do ser humano tentar fazer as coisas pelo
caminho mais fácil. Com isso, se introduz, algumas peque-
nas alterações nas normas e/ou procedimentos para facili-
tar o seu trabalho. O que acontece é que com o decorrer do
tempo são introduzidas tantas modificações nas regras, que
ao fazermos a checagem de um procedimento, este já não
funciona como projetado.
Não esquecer que ao editarmos uma norma de procedi-
mento, temos em mente um sistema em que são envolvidas vá-
rios profissionais e departamentos e que cada uma deles é uma
parte do processo. O sistema é concebido para que as pessoas,
cada uma fazendo a sua parte da maneira correta, façam com
que as informações fluam e o sistema funcione. Muitas vezes a
introdução dessas modificações nas regras facilita a tarefa de
quem está executando, mas não exatamente como havia sido
previsto, e isso normalmente gera problemas para os departa-
mentos subseqüentes e conseqüentemente o sistema começa a
apresentar problemas.

126
Informática, Administração, Controle e outros Assuntos

As normas de procedimentos devem ser escritas, para que


no caso de ausência do executor de determinada tarefa não estar
disponível por qualquer motivo, outra pessoa possa executá-la.
Não sou um super-herói, mas ao mesmo tempo julgo-me
uma pessoa iluminada por ter durante boa parte de minha vida,
pertencido a uma equipe sensacional de profissionais. Essa equi-
pe era a da General Electric do Brasil.
Lá, aprendi a batalhar muito para conseguir o que queria.
Aprendi a planejar o que deveria fazer para atingir meus objeti-
vos. Aprendi a ver o quanto se erra ou se desvia de seus objeti-
vos quando se deixa levar pelas dificuldades e / ou banalidades
do dia-a-dia.
Aprendi a ver como o ser humano é fraco e se acomoda
com as situações. Quantas outras coisas fazemos que não agre-
gam valor, que apenas nos fazem desviar do real objetivo e que
não nos levam a nada a não ser ter o prazer de ver o ego massage-
ado temporariamente. Assim, até hoje, sigo alguns preceitos bási-
cos baseados no meu aprendizado conseguido no BTC e na GE:

• É preciso ter a mente aberta para ouvir e aceitar sugestões;


• Numa Organização é muito mais difícil administrar pesso-
as do que problemas operacionais;
• Devemos premiar os bons resultados obtidos e criticar os re-
sultados medíocres;
• Devemos sempre preparar um subordinado para ocupar o
nosso lugar. Assim, se surgir para nós uma oportunidade de
promoção, estaremos livres para aceitar novos desafios e cres-
cer na carreira profissional.
Todo esse aprendizado eu devo à GE. Nela, aprendi e prati-
quei. Nas demais empresas pelas quais passei ou assessorei, tive a
oportunidade de empregá-lo ajudando inúmeros profissionais a
colocar qualidade em tudo o que fazem.

127
7 A CARREIRA RENASCIDA
Rubens E. S. Estrella

A MEGAEMPRESA
Após terminar Engenharia Mecânica1, na Universidade de
Illinois — EUA, eu havia conseguido uma Bolsa de Assistente de
Pesquisas e fui aprovado no ATGSB2 para cursar o MBA na mes-
ma universidade, e que completaria em 1971.
Como estudante brasileiro nos EUA, resolvido a voltar
para o Brasil, buscava empresas que pudessem me contra-
tar para aqui trabalhar. Era a época do “Milagre Brasileiro”
(1968 - 1977), e tudo que se produzia aqui tinha venda certa
e lucro garantido. Com crescimento médio de quase 10% ao
ano, tudo ficava muito fácil. Os formandos de faculdades ti-
nham emprego certo antes mesmo de sair da escola, e os que
já tinham uma carreira, galgavam posições com rapidez ou

1
University of Illinois, campus de Champaign-Urbana, uma das “Big Ten” dos EUA,
com mais de 40.000 estudantes.
2
Associate Test for Graduate Studies in Business, prova nacional nos EUA, para or-
denar as competências, a cada ano. Cada universidade estabelecia quantos pontos
seus futuros alunos teriam de atingir para serem aceitos.

129
Alquimia de uma corporação

eram aliciados por outras empresas, necessitadas de talento


e força, para colher os frutos de uma economia em expansão
acelerada.
O recrutamento, por grandes empresas, no “campus”
de Illinois era somente para cidadãos americanos. Embora
eu já fosse mais americano do que torta de maçã, meu obje-
tivo era o Brasil, e não seria tão simples me tornar cidadão
americano. (Além do risco que sofrem, hoje, os imigrantes
que lá estão, de irem para o Iraque; no meu tempo, corriam
o risco de irem para o Vietnã, combater, ou melhor, morrer
à toa). A pesquisa de empresas foi vasta. Mas o principal era
filtrar as dezenas de listas de empregadores e separar as em-
presas que possuíssem operações no Brasil. A GE foi uma das
escolhidas para a qual escrevi uma carta sucinta de 1 página,
com um currículo também de 1 página. Era uma das maiores
do mundo, um conglomerado de vários negócios diferentes,
mas gerenciado de forma bastante centralizada e disciplina-
da. Uma megaempresa! E no Brasil já era uma das maiores,
instalada desde 1919, com o negócio de lâmpadas incandes-
centes, invenção de Thomas Alva Edison, um dos principais
criadores da GE, no século anterior.
Em poucas semanas obtive uma carta-resposta personali-
zada. A GE estava procurando acompanhar seu grande cresci-
mento mundial, maior ainda no Brasil, e precisava de cérebros
jovens bem formados.
Foi só um vôo rápido à Nova York, para algumas horas
de entrevista na matriz, na Lexington Avenue, e a volta feliz por
vislumbrar minha carreira em meu país, com a carta-resposta,
oferecendo um ano de treinamento em departamentos nos EUA,
para depois assumir uma gerência no Brasil.
Eu poderia escolher Rio de Janeiro — Departamento de
Medidores — ou Campinas — Departamento de Equipamento
Pesado — Locomotivas e Grandes Turbinas.

130
A Carreira Renascida

Eu tinha sim, outras ofertas, pois o Brasil estava em alta.


Enquanto meus colegas americanos, formandos do MBA, ti-
nham dificuldades para arrumar emprego adequado ao diploma,
eu tinha as seguintes ofertas:
• GE — para trabalhar um ano nos EUA e depois me transferir
para o Brasil;
• Vick — Moura Brasil, para ser Assistente de Gerente de Pro-
duto no Rio de Janeiro;
• Caterpillar — para iniciar no Departamento de Peças, em São
Paulo;
• Eli Lilly — para trabalhar em Indianápolis (EUA), com a re-
gião América Latina (o maior salário).
Meu professor de Marketing Internacional em Illinois me
recomendou a GE. — “É uma das maiores do mundo, fatura qua-
se US$ 10 bilhões por ano e tem operações em quase todos os
países”. — recomendou. — “Além disso, tem toda aquela tecno-
logia”. — terminou, entusiasmado.
Esse conselho completou minha decisão, que já pendia
emocionalmente para a GE.
Por achar que estaria ainda solteiro, preferi o Rio de Ja-
neiro, aonde cheguei em 1972, em plena Ditadura e “Milagre
Econômico”. Só que casado. Fui “agarrado” por uma namorada
americana, de origem latina.
Minha carreira foi sempre ascendente em gerências comer-
ciais ou de vendas de produtos industriais, como medidores, relês
e motores para siderurgia. Tive carreira sólida e sustentada, até
iniciar o BTC/FMP, em 1978.
Atualizei um estudo de mercado de componentes para
instalação elétrica (a partir do qual a GE estabeleceu o Departa-
mento de Disjuntores, em Belo Horizonte-MG), fiz vendas de ex-
portação de medidores para a América do Sul, organizei a Seção
de Vendas de Desenvolvimento de Mercado e Componentes, fui
Gerente de Vendas à Siderurgia e, finalmente me tornei Geren-

131
Alquimia de uma corporação

te de Marketing do Departamento de Medidores (equivalente a


Diretor Comercial em empresas grandes) que, no ano de minha
estréia faturou US$ 20 milhões, redondinhos, com participação
de mercado de 50% e o maior lucro de sua história.
Criei no Brasil, a partir do “Effective Presentation” da GE
americana, o curso Técnicas de Apresentação Eficaz (ou AMS
200, que foi iniciado por mim, em 1973, quando formei a pri-
meira turma e os multiplicadores. Traduzi também o Manual
do Instrutor.3
Eu era feliz. Havia convites de toda parte com o objetivo de
me atrair para outras empresas. Os head-hunters me ligavam para
oferecer posições em outras empresas, pois meu prestígio interno
era importante. Morar no Rio era agradável: praia de Ipanema
quase todo dia, mesmo às nove da noite. O ar condicionado aju-
dava a trabalhar com conforto. O casamento ia bem.

CRESCENDO NA GE

Mas a ambição de subir mais ainda me desafiava a novas


conquistas. Meu sonho era ser Gerente Geral e depois ir ainda
mais alto. Havia alguns personagens da GE que haviam galga-

3
Outros cursos que a General Electric tinha in-house, alguns dos quais oferecidos
também no Brasil, além dos vários locais nos EUA, inclusive em sua “faculdade”,
seu Centro de Treinamento em Crotonville, onde muitos dos instrutores eram pro-
fessores da Harvard University.
MPC — Management Practices Course
PRBM — Profitable Business Management
SFM — Sales Force Management
WINS — Workshop in Negotiation Skills
AMMS — Advanced Marketing Management Seminar
GMC — General Manager’s Course
IPS — Industrial Power Systems
SAGE — Sales at General Electric
PODE — Programa de Desenvolvimento de Engenheiros
POPS — Principles of Professional Sales

132
A Carreira Renascida

do as posições de Gerente Geral (equivalentes à Presidência


em empresas grandes fora da GE), que eu admirava, invejava
e buscava estudar o “caminhos das pedras” que eles trilharam
para chegar lá.
Era preciso muito preparo. A GE promovia seus funcioná-
rios com base em um sistema de pontos muito bem estruturado,
para que somente as pessoas mais competentes e treinadas ascen-
dessem às lideranças dos negócios da empresa.
Um curso superior em Exatas era quase imprescindível:
Engenharia, Finanças, Economia, Física, Matemática e outros.
A saúde era avaliada por meio de um check-up anual, den-
tro da própria GE. Todos os colaboradores de Supervisão para
cima se submetiam ao exame. (Era quase um exército).
Domínio de inglês, coloquial, técnico, falado e escrito.
Bom vendedor. Os futuros líderes da empresa deveriam ser
exímios e convincentes apresentadores de números e idéias. O
Curso Técnicas de Apresentação Eficaz, anteriormente mencio-
nado, era de muita ajuda para treinar estas habilidades.
Alguns anos de experiência dentro das regras da GE tam-
bém eram fundamentais para entender sua cultura e conhecer
as pessoas. A exposição a vários departamentos e mercados de
produtos diferentes era importante para alguém vir a ser um lí-
der competente.
A capacidade de trabalhar com outras pessoas e ser fle-
xível para seguir ordens, colaborar, mandar ou liderar, con-
forme a situação apresentada, era também muito importante
numa empresa que unia tantas competências diferentes, em
todo o mundo. No livro The Organization Man4, a General
Electric era mencionada em lugar de destaque, pelos seus
programas de treinamento de Engenharia e Administração, e

4
The Organization Man, de William S. Whyte, dos anos 50, um dos gurus da época
em descrição, história e análise de grandes organizações.

133
Alquimia de uma corporação

também pela valorização da capacidade de seus profissionais


em realmente colaborar.
Eu já possuía todas as características acima e também tra-
zia uma esteira de sucessos e realizações dentro da empresa.
O que faltava?
A GE era também famosa por um de seus cursos, o BTC/
FMP que, embora dirigido inicialmente aos financeiros da em-
presa, passou a ser um passaporte para as gerências gerais.
Dois dos mais brilhantes executivos da GE, que eram, na
época, um Gerente Geral e um Vice-Presidente, possuíam como
credenciais, além das características acima, as maiores notas no
BTC/FMP. Isso, por si só já era incentivo suficiente para mergu-
lhar de cabeça no curso.
A necessidade de bem controlar e manobrar uma empresa
tão grande, com valores de faturamento, custos e lucros tão gi-
gantes, mais a complexidade de seus vários negócios, tornavam
imperativo conhecer profundamente a área financeira, contá-
bil, fiscal e controladoria. Daí a necessidade do curso BTC/FMP.
Era imperativo participar desse curso, não só para ter prefe-
rência nas promoções, como também para ter a competência
necessária para cargos de maior responsabilidade.
E eu me sentia, realmente, muito inseguro na parte finan-
ceira. Sempre havia trabalhado com vendas, deixando os contro-
les para outros. Nem queria me interessar. Mas surge o momento
em que é necessário pegar o touro à unha, e senti que era hora.

OBSTÁCULOS
Conversei com meu chefe na época, que disse:
— E você precisa desse curso? Você já sabe tanto quanto
eles podem ensinar. Vai mais é perder tempo e energia” — e riu.

134
A Carreira Renascida

— Você tem um mestrado de uma universidade america-


na, não precisa estudar mais finanças — completou.
— E vai cansar-se e consumir tempo que deveria ser dedi-
cado a seus deveres no Departamento.
— Mas aqui, trata-se de usar muito do que estudei à luz da
prática, com homens que vivem as finanças e controles em seu
dia-a-dia, — respondi decidido.
— Vou aprender com quem faz. Além do mais, fico conhe-
cendo colegas da área financeira, suas motivações e cultura.
— E como vai conciliar as suas viagens?
— Para fazer seu trabalho (eu era Gerente de Vendas à Si-
derurgia, na época), você precisa viajar constantemente. Vai pa-
rar de viajar e deixar nossas metas irem para o espaço, ou vai
falhar no curso?
Realmente, ele tinha razão. Como conciliar minha boa
vida de carioca, meu cargo de responsabilidade e intenso rit-
mo de viagens, minha vida familiar e o BTC/FMP? Fiquei
meio amedrontado e não retruquei. Joguei a toalha tempora-
riamente. Senti-me ameaçado, pois meu chefe e superior não
recomendava eu que fizesse o curso, me deixando numa in-
segurança ímpar. Minha carreira, eu tinha certeza, teria uma
forte alavancagem com o BTC/ FMP, mas dependia também
da boa vontade do chefe. Era um pouco egoísta da parte dele
me barrar, mas também tinha lá suas responsabilidades. E ain-
da iria achar que sou desleal.
O que fazer?

O GURU
A GE tinha um setor de Recursos Humanos que adminis-
trava nossas carreiras, e que era muito importante para o futuro
da empresa. Dentro do RH havia a Administração do BTC/FMP,

135
Alquimia de uma corporação

e foi lá que fui falar com o Varela. Ernesto Luiz Varela era um
mito dentro da GE. Sua experiência e capacidade, mais sua de-
dicação à formação de quadros financeiros eram lendárias. E sua
eloqüência foi o que me ajudou a prosseguir em meu propósito
de cursar o BTC/FMP. O diálogo na Rua Antonio de Godoy, 88,
centro de São Paulo, no antigo endereço da matriz da General
Electric do Brasil S.A. foi mais ou menos assim:
— Varela, o que devo fazer? Cursar o FMP é necessário,
sabendo que eu tenho um MBA da University of Illinois? —
perguntei.
— Você vai aprender como se administra a área financeira
com muita pressão de tempo e precisão. — respondeu Varela,
sorrindo entusiasmado.
— Como na vida real... você sabe fazer? Então faça! E faça
agora e faça muito rápido! — completou.
— Como se estivesse numa guerra! — Exclamou.
— Vamos ver se seus estudos anteriores foram tão bons e
se você consegue administrar seu trabalho e os testes do BTC/
FMP — Desafiou.
— O BTC/FMP é um grande desafio, mesmo para os que
têm mestrado em Finanças. (Meu MBA era em Marketing Inter-
nacional). Muitos iniciam, achando que é moleza e depois têm
que estudar e praticar muito para acompanhar.
— Além do que, qualquer estudo financeiro, no Brasil, é
muitas vezes mais complicado, devido à nossa complexidade tri-
butária, que afeta a área contábil. — alertou.
— Você não viu nada disso em seu MBA americano. —
sorriu, mofando.
— Eles são tão bons, que nem inflação têm, nem correção
monetária. Onde você vai aprender isso? Só aqui! — apontou
dramático para o chão da sala.
— Mas e meu chefe? E se ele complicar minha vida? —
acrescentei.

136
A Carreira Renascida

— Ele terá de se conformar que você é um talento em de-


senvolvimento para o futuro da empresa e não pode impedir. Até
seu desempenho no trabalho vai melhorar, para o bem do seu
Departamento também.
— Quanto às viagens, temos aulas em quase todos os lo-
cais. Sempre haverá um bem perto. Só o tempo de estudo que fica
por sua conta. Estude no banheiro, na rua, na cama, onde puder.
Mas vai ter de estudar!
— E veja onde estão o Hermann5 e o Heinz6, que foram
dos mais brilhantes alunos: um na vice-presidência e outro na
Diretoria da Vale. Não é o que você quer? Crescer? — terminou,
triunfante.
Agradeci e pedi que ele me matriculasse na mesma hora.
Meu chefe só foi perceber após um mês, quando fiz um demons-
trativo mais elaborado de meus resultados de vendas, que ele
gostou e perguntou onde tinha aprendido. E sorri:
— Adivinha! No BTC/FMP, é claro! — Sorri mais ainda, e
ele também sorriu. Ficou meu aliado e até me lembrava, quando
eu tinha que viajar, que era o dia do curso.

ENCARANDO O DESAFIO
Minha vida ficou bastante corrida. Os testes eram difíceis.
Quase em ritmo de guerra, como havia alertado o Varela. Cada
teste, submetido no início de cada aula, era dimensionado para
que os alunos tivessem apenas o tempo necessário para terminá-

5
Hermann H. Wever — Vice-Presidente de Aparelhos Domésticos na GE, aspirante
a presidente do Conselho, que foi “seqüestrado” pela Siemens para ser seu Presi-
dente de 1981 até 2002.
6
Heinz Werner von Uslar — Gerente Geral do Departamento de Medidores e Equi-
pamento de Manobra, também atraído para fora da GE, numa Diretoria da Cia.
Vale do Rio Doce.

137
Alquimia de uma corporação

lo. Para ter sucesso, era preciso pensar muito rápido nas maneiras
de montar e estruturar o problema; decidir a melhor forma e
disparar a resolvê-lo, sem hesitar, sem olhar para trás. Aprendi a
dividir os pontos de cada problema pelos minutos-padrão para
terminá-lo e iniciar sempre pelo mais “lucrativo”, o que desse
mais pontos por minuto.
Na sala de embarque da ponte aérea, no Santos Du-
mont (RJ) já se podia ouvir o zumbido dos motores dos ve-
lhos Electras II da Varig. Eu voava para São Paulo, para ne-
gociar uma divisão favorável para nós, de um lote de 100.000
medidores da Eletropaulo.
A divisão se fazia pelo concorrente de preço menor que,
neste caso, éramos nós, GE. Como vencedor em preços, eles nos
adjudicariam 60% do pedido, ficando os outros 40% a serem di-
vididos pelos outros 4 concorrentes. Mas não era só. Havia dois
modelos de medidores, um que dava maior margem de contri-
buição para nós e era preciso negociar, com cálculos precisos e
imaginação, para obter a parte mais lucrativa.
Já tínhamos feito os cálculos na fábrica e eu estava bem
preparado. Pediria o total dos medidores de maior margem e o
saldo dos outros. Dessa forma, embora recebêssemos menos uni-
dades, a combinação era “ótima”, ou seja, o maior volume pos-
sível, em unidades, mas com o maior lucro possível. Esse tipo
de cálculo era essencial e fazia parte do BTC/FMP, para calcular
custos, margens e ponto de equilíbrio.
Quando fecharam a porta do avião e os motores ronca-
ram para decolar, abaixei minha mesinha, que nos Electras eram
maiores, e comecei a treinar os problemas do BTC/FMP. Ou eu
estudava no avião mesmo, ou não teria tempo. Havia um teste
nessa segunda-feira, e eu teria de sair do centro de São Paulo para
Santo André, onde teriam o mesmo teste que no Rio. Que corre-
ria! E ia ainda recapitulando no táxi, a caminho.

138
A Carreira Renascida

Que eu me lembre, fiz testes em pelo menos quatro lo-


cais: Rio, minha base, São Paulo, Santo André e Belo Horizon-
te. Somente uma empresa do porte da GE poderia oferecer tais
possibilidades. Ufa! Aprendi tão bem a estudar nas viagens,
que mais tarde fazia até minha declaração de Imposto de Ren-
da nos Electras. Que fazem falta... Tinham mais espaço para
as pernas, para o corpo e as mesas eram bem maiores que as
dos jatos de hoje.
Finalmente, no final de 1980, consegui terminar o curso.
Persegui a meta de ultrapassar as maiores notas, mas não
consegui. Principalmente devido às pressões de trabalho e os re-
cordes de vendas e lucro no Departamento de Medidores men-
cionados anteriormente. Fui bem e aprendi até com meus erros.
E teria realizado um sonho de promoção a Gerente Geral e acima
na própria GE, se o destino não tivesse me levado a altas posições
em outras empresas.

NOVAS CONQUISTAS/ EXPERIÊNCIAS


Da GE, em maio de 1981, fui direto para a Gerência Geral
da Base Rio da VASP. Depois fui Diretor de Vendas Hélio, da Bra-
sox/BOC, comprada pela S.A. White Martins, Diretor Comer-
cial da Ameise Empilhadeiras, da Plajet Comércio e Indústria de
Plásticos e da Amazon Biocosméticos.
Finalmente, fui criador, organizador e Diretor Geral da
Linde Material Handling do Brasil Ltda., partindo do zero e es-
tabelecendo a marca Linde Empilhadeiras como uma das líderes
do mercado brasileiro, apesar de 100% importadas e concorrer
com grandes fábricas no Brasil.
Em todas essas posições pude avaliar o quanto o BTC/FMP
me ajudou.

139
Alquimia de uma corporação

Na VASP (que nessa época pertencia ao governo do Estado


de São Paulo), eu auditava os documentos, que me chegavam de
forma muito diferente do que na GE.
Vejamos as diferenças entre estas duas empresas, levando
em conta que eu trabalhava na venda de bens industriais:
Diferenças General Electric VASP
Controle acionário Privado Estatal (Estado de SP)
País – sede EUA Brasil
Serviços
Objetivo Produtos (Medidores)
(Transporte aéreo)
Empresas/ Pessoas
Clientes Empresas
físicas
Faturamento anual US$ 10 Bilhões US$ 0,5 Bilhão
Organização Monolítica Federativa
Estáveis, muito Mutantes e não
Linhas de comando
formalizadas muito claras

Embora as diferenças fossem acentuadas, as que realmente


geravam problemas eram as duas últimas, pois o fato de ser esta-
tal não justificava a teia de linhas de comando.
Na VASP, cada documento era diferente do outro, e as
linhas de comando não eram claras. Como a maioria das es-
tatais, a cúpula política tinha os poderosos e os menos po-
derosos. Eu recebia ordens e solicitações de várias origens
diferentes, ora era de um dos meus chefes, ora de um subor-
dinado de um poderoso, ora de um político. Uma verdadeira
plantação de “irregularidades” para serem depois condena-
das e usadas para reduzir o poder do então grupo dominan-
te, a quem eu devia minha lealdade.
Mas com os conhecimentos que o BTC/FMP me ensinou,
passei incólume por essas dificuldades.
Eu auditava tudo, pois cada documento era um risco de
inadequação e irregularidades. A auditoria incluía as “ordens ofi-
ciais”, pois algumas delas não eram, em absoluto, seguidas pelos

140
A Carreira Renascida

meus colegas Gerentes Gerais de outras bases, e eu necessitava


saber se deveria obedecer ou não.
Aprendi também a fazer cada conta por caminhos di-
ferentes, tirando a prova dos nove, como se fazia no 2o grau.
É a melhor maneira de escapar das ”armadilhas”, que são al-
gumas planilhas, muito confusas e com excesso de detalhes.
Aprendi por meio do BTC/FMP a chegar ao mesmo resultado
por outros caminhos, para validar e confirmar que entendi
as relações de causa e efeito das variáveis. (A única digressão
era que no BTC/FMP, no módulo de Auditoria, se fazia cami-
nhos mais detalhados para chegar precisamente ao mesmo
número, enquanto na vida prática eu o fazia com resultados
aproximados).
Embora a aviação fosse um mercado interessante, abomi-
nei trabalhar numa estatal tão confusa como a VASP, em que as
metas, linhas de comando, resultados e seus relatórios eram tão
variáveis quanto as pessoas que mandavam.
Bastava uma pequena mudança política e cabeças rolavam
e os mandantes trocavam de lugar. Também havia excesso de
“oba-obas”, com muito tempo perdido nas fogueiras de vaidades
dos executivos e seus padrinhos políticos.
E foi o que aconteceu também comigo, atirado às feras,
depois que o meu chefe e protetor caiu em desgraça. Tiraram
a escada e me deixaram segurando a brocha molhada. Fiquei
durante algumas semanas vivendo um clima de “terrorismo”,
mais comum em empresas desorganizadas. A cada dia en-
trava um dos colaboradores, meu subordinado ou não, e me
perguntava:
— E aí, Estrella, você está firme, não é? — E sorria, dissi-
mulado, como que sabendo de algo que eu não sabia.
— Tem falado com o Máximo? (Diretor Comercial, meu
chefe maior).

141
Alquimia de uma corporação

Outro vinha mais tarde:


— Estrella, ouvi dizer que o “seu” Veloso vai voltar para cá
e assumir a base. Avisaram você? — Mofava.
Fui demitido na pior hora possível, final de 1982. (Embora
meus resultados na base tivessem sido brilhantes, “eles” queriam
colocar outra pessoa, precisavam do cargo devido à eleição).
Aí encarei três meses de desemprego, que foram mui-
to frustrantes, pois em 1983 havia uma recessão brava. Tão
brava, que a Brasox, onde fui trabalhar logo após, teve seu
fim determinado pela matriz, a britânica BOC, a maior em-
presa de gases industriais do mundo. Ou vende ou fecha! Os
ingleses estavam cansados de ter fluxo de caixa negativo para
concorrer num mercado difícil, dominado pela White Mar-
tins. E estimavam que o Brasil somente poderia crescer após
grandes ajustes, o que somente ocorreria, segundo suas pre-
visões, mais de dez anos depois.
Mas foi interessante gerenciar o fechamento de uma em-
presa, pois há que controlar as coisas de forma a perder o menos
possível. O treinamento do BTC/FMP foi aqui, também, de mui-
ta utilidade, pois me ajudou a encarar as reduções de custo neces-
sárias com muita frieza e pragmatismo. E meu treinamento em
negociações foi ainda mais útil, para negociar a venda de ativos e
estoques para as empresas que estavam comprando as operações
de hélio, com preços bons. Ou seja, a BOC fechou com o menor
prejuízo possível.
Com a compra das operações de hélio pela S.A. White
Martins, fui convidado por ela, para a posição de staff, em
suas vendas de hélio, quando demonstrei que a empresa per-
dia muito dinheiro, ao vender hélio importado. (os EUA são
um quase monopólio desse gás estratégico, usado para resfriar
foguetes) com preços médios em Cruzeiros, ao invés da taxa
cambial do dia do faturamento, à vista. Com isso alteramos
a sistemática de faturamento, inclusive mostrando aos con-

142
A Carreira Renascida

correntes que não valia a pena perder em cada venda de um


commodity de consumo.
Daí, porém, consegui um salto espetacular para a Dire-
toria Comercial da Ameise, um fabricante de empilhadeiras
elétricas, onde fui um dos líderes do turnaround de prejuízo
para o lucro, em 1985. Daí fui para a Plajet, onde gerenciava
as vendas de mídia magnética e lançamento de uma linha de
cosméticos sofisticados.
O Plano Collor, porém, acabou com estes progressos. Fui
“reengenheirado” com outros três diretores, para que a em-
presa pudesse sobreviver. De 1991 a 1995 fiquei fora do mer-
cado, trabalhando como consultor de empresas, tradutor de
patentes e representante de vendas. Mesmo nessas atividades
de free-lancer, utilizei os ensinamentos de controle do BTC/
FMP. Tinha de controlar muito bem minhas receitas de cada
fonte e reduzir meus próprios custos, para que o saldo fosse
positivo e cobrisse meu custo de vida, com filhas na escola,
pensão alimentícia e outros gastos. O planejamento adequa-
do de fluxo de caixa, que aprendi no BTC/FMP, foi crítico
nessa fase.

A MAIOR OPORTUNIDADE
Finalmente, no início de 1996 veio a grande oportunidade.
Estabelecer a marca Linde de empilhadeiras no Brasil, primeiro
dirigindo a representação7, depois atuando na compra e venda
da mesma. O Grupo Multinacional Linde, dono da marca de em-
pilhadeiras, um dos maiores conglomerados da Alemanha, com

7
Movimater S.A. — Braço de serviços da SKAM Ind. e Com. Ltda., um dos únicos
dois fabricantes nacionais de empilhadeiras, que vêm galhardamente sobrevivendo
a todos os ciclos de altos e baixos no Brasil, há mais de 25 anos.

143
Alquimia de uma corporação

lucros e caixa muito altos, passou à expansão internacional. E o


Brasil do início do Plano Real não ficou atrás.
Em 1997, a Linde comprou uma empresa de refrigeração,
que era sua licenciada, a Seral. Em 1998 comprou a Linde Em-
pilhadeiras, onde eu estava. Em 1999 comprou a AGA — Gases
Industriais mundial, o que a colocou entre as maiores do setor,
também no Brasil. Finalmente comprou, em 2001, a Still do Bra-
sil, fábrica de empilhadeiras elétricas.
Fui, assim, transformado de Diretor de Representação em
Diretor Geral da Linde Material Handling do Brasil Ltda. E aqui
foi que recebi as maiores retribuições por ter trabalhado em do-
bro para completar o BTC/FMP.
Para começar, tinha de entender muito bem de Contabili-
dade para bem gerenciar a empresa. Todos os índices deveriam
estar adequados para poder participar de concorrências públicas,
e isso exigia bons resultados ou ajuda da matriz, para capitaliza-
ção, por exemplo.
A empresa auditora do Grupo Linde em todo o mundo é
a KPMG, uma das três maiores e respeitadas. Para nós, os crité-
rios eram extremamente difíceis, pois pelo tamanho da opera-
ção no Brasil, seguir os mesmos critérios de uma megaempresa
como a Linde AG era complicado. O BTC/FMP me deu o “ca-
coete” de auditor. Tudo que passava por mim, eu olhava com
críticas e verificações. Treinava com o “jogo dos 7 erros”. Isso
me possibilitou ajudar os executivos financeiros de fora, que se
atrapalhavam bastante com o famoso “emaranhado”, que são
nossas leis tributárias. Inclusive, depois de apanhar um pouco,
contratamos um especialista, apesar do tamanho da empresa, o
que nos deu muito retorno, em evitar multas, negociar parcela-
mentos e argumentar com fiscais.
Mas as discussões com a KPMG foram interessantes. O
fato de eles saberem que eu havia cursado o BTC/FMP já impu-

144
A Carreira Renascida

nha respeito. E eu procurei sempre estar à frente dos auditores,


auditando o trabalho deles. Afinal, eu conhecia a empresa bem
mais a fundo. E a confiança que tinha pelas minhas origens GE
me ajudava a negociar e conseguir a amenização de alguns pon-
tos que eles queriam condenar.
Outra lição usada do BTC/FMP foi quando progra-
mamos instalar um software integrado de controle. A matriz
nos colocou, goela abaixo, um software estrangeiro em ver-
são Beta, que apenas havia iniciado no Brasil. Nos éramos
o primeiro (e único) cliente. Os consultores vinham de vá-
rias partes da América Latina (Chile, Costa Rica, Argentina,
Equador, México, entre outros). Além das reuniões serem em
diversos “dialetos” do espanhol, havia ainda um forte sota-
que do interior de São Paulo, o que tornava as decisões con-
flitantes e improdutivas.
Após dois anos perdidos, período em que nosso pes-
soal interno aprendeu mais sobre o programa do que os
próprios consultores (um dos nossos foi, depois, contratado
pela empresa de informática), tivemos de jogar tudo no lixo
e começar de novo com a Datasul, uma empresa brasileira
com experiência e 4.000 clientes, o que, finalmente, nos fez
funcionar adequadamente.
A chave foi envolver, como aconselhado no BTC/FMP, a
“Alta Administração” e mostrar o quanto tudo estava errado para
que pudéssemos trocar de fornecedor.

CONCLUSÃO
Fico surpreso com a minha intimidade com a área finan-
ceira, justo eu que a abominava. Queria pensar só em vendas,
volumes físicos, faturamento, contatos com clientes e participa-

145
Alquimia de uma corporação

ção de mercado. A medição de lucro, estoques, controles, tudo


era para os bean-counters, contadores de feijão da administração.
Agora, me emociono com Recebíveis e Contas a Pagar. Me ali-
mento de margem de contribuição e me divirto com os auditores
e fiscais para ver quem é mais esperto.
Tenho visto ex-presidentes de multinacionais que mal sa-
bem fazer a inclusão do ICMS nos preços. (Talvez por isso sejam
ex.). As recentes modificações do PIS/COFINS deixaram muita
gente boa bastante confusa, sem saber como calcular os impactos
sobre os preços.
Mas para um profissional formado pelo BTC/FMP, isso é
arroz com feijão. Sabemos como fazer. Sabemos quanto tempo
leva e qual o nível e quantidade de manpower é necessária. E es-
ses conhecimentos nos levam a liderar acertos e sintonia fina em
qualquer empresa em que formos trabalhar.
A General Electric é algo que não existe. É uma S.A. im-
pessoal, com 4 milhões de acionistas. Mas a cultura organiza-
cional de ética, tecnologia, progresso e boa administração que
ela criou se perpetua por meio daqueles que nela trabalham ou
trabalharam.
Orgulho-me muito de ser um desses privilegiados e poder
dizer, metaforicamente:
“Muito Obrigado, General Electric!”

146
8 FOI BOM!
José Pascoal Sangali

Foi muito bom ter ouvido de um colega de faculdade que


trabalhava na GE, que haveria um recrutamento para o progra-
ma de trainees, conhecido como FMP.
Para mim era a oportunidade desejada de ingressar em
uma grande empresa e continuar minha formação profissional.
O que eu não imaginava, era que o BTC/FMP fosse esse excepcio-
nal programa de desenvolvimento e formação de executivos, par-
te integrante da cultura GE de administração, além de ser base
fundamental para outros cursos posteriores que complementa-
riam minha formação profissional.
Foi bom o tempo de espera para o recrutamento. Era ano
de 1974. A ansiedade, os sonhos, a curiosidade de conhecer mais,
e enfim, eis que numa noite aparece na faculdade o Gerente do
Programa, Sr. Varela, acompanhado de alguns trainees da GE,
nos explicando como era o programa, as possibilidades de cres-
cimento profissional e nos convidando a participar do processo
seletivo. Ali, naquele momento, já começava a nascer o sentimen-
to de seletividade de participar deste maravilhoso grupo do BTC/
FMP. Sim, porque uma das características marcantes de quem se

147
Alquimia de uma corporação

graduou no BTC/FMP é a certeza de fazer parte de um grupo se-


leto. Tenho comigo que este sentimento de seletividade é uma das
forças que mantêm este grupo unido até hoje, mesmo passado
tanto tempo, e por motivos diversos, estamos profissionalmente
separados, muitos com novos empregos, outros já aposentados, e
alguns na própria GE.
Depois de graduado no curso, na função de Editor do BTC/
FMP, muitas foram às noitadas de recrutamento por esse Brasil
afora. Era um ritual repetitivo de tempos em tempos, que cobria
as principais faculdades de economia e administração. Eram apli-
cados testes de habilidade numérica (este derrubava mais de 50%
dos candidatos), raciocínio abstrato e raciocínio verbal, com os
melhores sendo chamados para entrevista, e destes, selecionados
os felizardos para iniciarem o programa. Nesse tempo pude en-
tender o quanto é importante poder dar uma oportunidade de
desenvolvimento a talentos.
Muitos que eu via ansiosos, com sonhos e que estavam
“escondidos” nas faculdades, conseguiram entrar no progra-
ma, e graças ao desenvolvimento de seu talento, puderam
contribuir de forma decisiva para o sucesso da GE, ou tam-
bém, levar o conhecimento adquirido e o talento burilado
para novos desafios no mercado. Com certeza, a atuação des-
tes profissionais, ao longo dos anos, em cargos de direção
em muitas empresas brasileiras, contribuiu para a formação
de uma linha de gestão diferenciada e pró-ativa. Foi bom
ter começado a trabalhar na GE em Santo André, após todo
processo seletivo. Foram bons dois anos e meio de curso e
rodízio funcional, começando pela contabilidade, passando
por custos e orçamentos.
Quantos fins de semana “rachando” com os amigos da tur-
ma, para os exames, em que a média mínima para aprovação era
75! E de novo, a sensação da seletividade: somente de 15 a 20% dos
que iniciavam o programa, conseguiam concluí-lo com sucesso.

148
Foi Bom!

E foi no trabalho e no estudo que pude começar a entender


a GE e sua maneira de ser gerida.
O projeto estratégico da empresa estabelecia que a medição
deveria avaliar “áreas de resultado-chave”, assim definidas como
sendo áreas em que “uma deficiência contínua (mesmo com su-
cesso em outras áreas), pudesse impedir que a empresa fosse bem
sucedida na sua missão”. Esta foi a maior lição de gestão que eu
levei para a vida. Gerir é manter o negócio vivo, saudável, com
sucesso. A definição das áreas e suas medições dependem de cada
negócio, de cada tempo e da sua inclusão no ambiente em que a
empresa opera. Mas sempre, necessariamente, incluirá as famo-
sas áreas de Lucratividade, Produtividade, Liderança de Produto,
Desenvolvimento de Pessoal, Posição de Mercado etc...
Como o Projeto de Medições e Planejamento era a “bí-
blia” da empresa, foi natural que, com o tempo, a gestão da em-
presa se tornasse Finance Oriented. O Planejamento, Medição,
Acompanhamento e Informação do desempenho das áreas de
resultado-chave eram executados pela área financeira, e a gestão
dos negócios era submetida ao cumprimento das metas a serem
atingidas para o bom resultado nas áreas de resultado-chave, o
que propiciava um envolvimento muito maior dos homens de
finanças do que simplesmente reportar números. Fazia parte
da rotina diária, a participação do homem de finanças nas dis-
cussões de preço, mercado e engenharia, para avaliar e medir
os impactos das decisões nos “números” (medição de área de
resultado-chave) da empresa.
E isto acabou sendo fundamental no treinamento e desen-
volvimento desta elite financeira. Esta presença forte de finanças
na gestão fica mais evidente, quando se verifica que, por décadas,
o presidente da empresa era oriundo da área financeira.
Foi muito bom ter começado na contabilidade e entender
todo o processo de registro e relatórios das operações da empre-
sa. Ali, onde tudo começava, já se absorvia a “maneira de ser”, a

149
Alquimia de uma corporação

cultura GE, que nos acompanharia sempre. Já de cara, você rece-


bia o impacto de um dos pontos mais marcantes da cultura GE:
a obsessão pelo cumprimento dos prazos. Não importava como:
nos prazos previstos, os eventos tinham que ocorrer (fechamen-
tos, análises, relatórios etc.), Melhor ainda, passar por custos,
aprender acumulação e análise, poder ver na prática, tudo aquilo
que foi estudado no BTC/FMP sobre custeamento padrão e real,
absorção, variações, análise de impactos nos resultados, análise
dos inventários e produtividade. E, finalmente, em orçamentos
e medições, participar de um projeto completo de estimativas
(budget e long range forecast) e acompanhamento, podendo en-
tender todo o entrelaçamento de índices e medições das áreas de
resultado-chave.
São inesquecíveis e muito contribuíram na minha vida
profissional, conceitos como:
• “todo projeto de medição deve conter índices comuns para to-
dos componentes organizacionais, mas não padrões comuns
de desempenho”;
• “produtividade é um conceito puramente físico, que indica a
capacidade de fazer mais com o mesmo input (ou produzir o
mesmo com menos input)”.
• “o importante não é o índice, e sim sua tendência”.
• “medições de lucro que, além de sua relação com vendas, de-
vem reconhecer a obrigação de um negócio de produzir retor-
no do capital nele investido”
• “toda medição deve procurar estabelecer um equilíbrio entre
as metas de curto e longo prazo.”
• “as medições são ferramentas preciosas para ajudar na toma-
da de decisões, mas nunca podem substituir o julgamento”
Durante o programa de trainees, essa mobilidade (rodízio
funcional) que nos expunha às diversas tarefas da área financeira,
era uma tentativa clara de exposição do treinando a maior quan-

150
Foi Bom!

tidade possível de situações que, no futuro, certamente iríamos


nos defrontar, e isto também acentuava a sensação de seletividade.
E os fechamentos mensais? Quantos fins de semana e quan-
tas horas extras para terminar os relatórios nas datas necessárias!
Mas ficou uma lição importante: a velocidade da informação é
fundamental, e os relatórios e análises devem ser feitos a tempo
de se poder entender o problema, definir os planos de ação para
correção do rumo.
E as auditorias americanas? A cada dois anos, baixava nos
departamentos um “monte de gringos”, e lá iam planilhas, expli-
cações para tudo que era lado. E o que era pior: poucos trainees
falavam inglês. No começo do programa não dava para estudar
o BTC/FMP e ainda fazer curso de inglês. E a gente aprendia “na
marra”. Expressões e definições usadas costumeiramente no dia-
a-dia, tais como assets, liabilities, reports, exchange variation, net
income, sales, return on investment, receivables etc..., não havia
problema, mas na hora de conversar com os auditores...
Lembro de uma situação com um trainee, que na sua pri-
meira auditoria americana, estava ajudando os auditores ameri-
canos, e quando chegou a hora do almoço, precisava convidá-los
para almoçar. Alguém tinha dito que “vamos” era let’s go, mas e
almoçar? Pensa, rebusca na memória e nada. Finalmente a luz:
em alguma situação tinha ouvido uma palavra que deveria ser al-
moçar, e lascou para os auditores: Let’s go to almost! Os auditores
olharam entre si, nada entenderam e sorriram. O trainee foi salvo
por seu supervisor, que percebeu o embaraço e avisou que era a
hora do lunch.
Bons também eram os aumentos salariais à época do trei-
namento. Para incentivar a aplicação nos estudos e dedicação no
trabalho, os aumentos eram baseados no desempenho profis-
sional e nas médias obtidas nos cursos. Assim, dependia muito
de cada trainee, o seu novo salário. Estudava-se feito um maluco
para passar com a melhor nota possível, pois isto significava “di-
nheiro no bolso”. E com que ansiedade se aguardava, ao final de

151
Alquimia de uma corporação

cada semestre, pela chamada do chefe, para discutir a “avaliação


de desempenho profissional”!
Sistema fantástico de remuneração por reconhecimento
de desempenho e mérito. Lição aprendida desde o começo do
treinamento. Em minha carreira profissional, lembrei-me muitas
vezes deste paradigma.
E para que o treinamento fosse ainda mais atraente, a se-
qüência da vida profissional era atrelada ao sucesso nos cursos
e no bom desempenho profissional. Ao final do treinamento, a
empresa garantia um cargo em nível de supervisão. Alguns mais
talentosos e competentes já chegavam ao nível gerencial, e a par-
tir daí, avaliações de desempenho, com planejamento de novas
necessidades de desenvolvimento, conduziam o processo de cres-
cimento profissional na empresa.
E assim, depois de dois anos e meio, curso concluído, che-
gou a festa de formatura.
As festas de formatura do BTC/FMP eram um aconteci-
mento, um fato marcante na vida social da empresa. Aguardadas
pelos formandos, pois significava sua entrada no grupo seleto de
formados e o passaporte para o progresso na sua carreira dentro
da empresa. Aguardadas pelos demais estudantes e pelos já gra-
duados, pois ali se reuniria toda a alta administração da empresa,
era uma oportunidade excepcional de congraçamento e relacio-
namento fora das pressões normais do trabalho do dia-a-dia,
além do famoso “ver e ser visto”. Muitas oportunidades na nossa
vida profissional surgem dos relacionamentos sociais.
Foi bom que o primeiro cargo na GE, após a graduação,
tenha sido de Editor do BTC/FMP. Minha tarefa foi implementar
o novo FMP. Tradução e adaptação para a legislação brasileira,
além da administração da rotina normal do setor. Este trabalho
me colocava em contato direto com todas as operações no Brasil.
Por ser considerada área de resultado-chave, o desenvol-
vimento de pessoal não era simplesmente “treinamento”. Tinha
tanta importância no plano estratégico da empresa, quanto li-

152
Foi Bom!

derança de produto, lucratividade, produtividade etc., pois a em-


presa entendia que, no final, são as pessoas que fazem com que
os resultados aconteçam. O sucesso de uma empresa nada mais é
do que o somatório dos sucessos de seus colaboradores. Quanto
melhor preparados mais bem sucedidos podem ser, e mais suces-
so terá a empresa.
O projeto de desenvolvimento de pessoal na GE, era execu-
tado por meio de um modelo de treinamento, que visava encora-
jar os funcionários a fazerem uso de suas capacidades, melhoran-
do suas habilidades e competência.
E como era bom investir na formação! Você tinha certeza
que, uma vez bem preparado, em algum momento a oportunida-
de de promoção apareceria.
Na área financeira da GE, a política fundamental era sem-
pre buscar nos quadros internos as pessoas para ocuparem as va-
gas que surgiam. O ponto de vista da empresa era claro: não bus-
car no mercado pessoas prontas para cargos gerenciais, mas sim
talentos que pudessem ser treinados na filosofia GE de negócios,
e que, com uma compreensão do projeto estratégico da empresa,
fossem gradativamente sendo preparados para assumir desafios
de novas funções, principalmente mudando de um tipo de fun-
ção para outro, ou de um negócio para outro. Este procedimento
era de vital importância, pois além de propiciar oportunidades
de desenvolvimento de carreira, preservava a cultura da empresa
de influências externas, propiciando um ambiente com um único
linguajar e entendimento, evitando dispersões.
Foi muito bom aguardar as listas de candidatos, quando
surgia uma oportunidade de promoção. Ansiosamente nos en-
volvíamos em todo aquele ritual de “fofocas”, notícias, conver-
sas e, finalmente, as confirmações e as entrevistas, e todo aquele
efeito dominó que a abertura de uma vaga proporcionava. (A
saída de um gerente abria vaga para a transferência de um outro
gerente, que por sua vez seria preenchida com a promoção de
um supervisor etc.).

153
Alquimia de uma corporação

Após a graduação, a primeira lista que participei foi para


Editor do BTC/FMP. Fiquei alguns anos nesta função, e foi um
período extremamente fértil na minha formação, pois no conta-
to constante com toda a elite administrativa da GE, muito pude
aprender, profissionalmente e também na minha vida pessoal.
Trago comigo até hoje, marcas deste tempo. E a promoção se-
guinte foi para o setor de Planejamento Financeiro. Nesta fase,
pude entender perfeitamente a empresa como um todo. A con-
solidação dos planejamentos e das análises dos resultados pro-
piciava uma visão total da empresa. Análises de operações: esti-
mativas, produtividade, competidores, market share, número de
empregados e propostas de investimentos.
Agora, o desenvolvimento da carreira ia de vento em popa.
Ao final de cada ano eram feitas análise e avaliação de desempe-
nho e projeção de carreira das pessoas que ocupavam cargo de
supervisão ou acima. Novas necessidades de treinamento eram
detectadas e ações recomendadas, sempre no rumo da formação
adequada para assumir os novos desafios que viriam. Tornei-
me instrutor do BTC/FMP e fiz outros cursos, tais como ECM
— Effective Cash Management; PRBM — Profitable Business
Management; MPC — Management Practices Course; Effective
Presentation; Treasury Game; New Manager Development Cour-
se e Decision Making Processes. Cito estes cursos, alguns com
duração de até 36 semanas, para que se tenha idéia da importân-
cia do treinamento para a GE. A empresa realmente não poupava
recursos para preparar seus profissionais.
Mas eu sentia que faltava algo. Até aquele momento, me
sentia no processo todo, como alguém que ia atrás do que já ha-
via acontecido. Análises, reports, enfim, tudo era baseado em fa-
tos já ocorridos: Vendas, Custos, Investimentos. Eu sentia uma
necessidade de “participar” dos acontecimentos. Foi então que
surgiu a grande oportunidade: uma vaga na tesouraria. Ali eu
teria oportunidade de negociar, ou seja, de fazer as coisas aconte-
cerem. Estava completado o círculo.

154
Foi Bom!

A tesouraria da GE era centralizada no escritório em São


Paulo. Comecei como Gerente de Planejamento e Análises de Te-
souraria e, posteriormente, assumi também Operações de Caixa.
Dois anos depois, era promovido a Tesoureiro.
Numa época em que o país suportava taxas altíssimas de
inflação, mudanças de legislação a todo o momento e uma in-
segurança generalizada, gerenciar a tesouraria era, no mínimo,
uma loucura! Criatividade, audácia, sangue frio, atenção cons-
tante, pressão, tudo fazia parte do dia-a-dia. E, além de tudo, a
empresa ainda vivia o fantasma da possibilidade das maxidesva-
lorizações cambiais. Como multinacional, a empresa necessitava
manter o valor de seus ativos e patrimônio em dólar. Havia uma
diretriz mundial de proteção do “exposto” da empresa, e cabia à
Tesouraria encontrar no mercado financeiro local, instrumentos
adequados de proteção.
Também cabia à Tesouraria a tarefa de procurar as me-
lhores oportunidades de financiamento das operações interna-
cionais, negociar os benefícios fiscais e fazer as famosas “enge-
nharias financeiras — fiscais“. E como me ajudaram os conceitos
aprendidos no BTC/FMP e outros treinamentos na GE!
E aqui, mais uma marca inconfundível da cultura GE: sua
política de Ética nos negócios, princípios que depois nos acom-
panharam para o resto da vida. Numa área extremamente sensí-
vel, o conceito de ética era levado à exaustão, e todos sabiam que
qualquer deslize, por mais bem intencionado que fosse, acarreta-
ria a demissão e interrupção da carreira. Nesta fase de minha vida
profissional na GE, muito se arraigou o conceito “Profit Orien-
ted“: gerir olhando para os resultados. Realizações de impacto
significativo no resultado da empresa motivaram com que eu
fosse agraciado em 3 anos com um premio especial, denomina-
do “Managerial Award”. E quanto mais era reconhecido, mais eu
queria fazer para sê-lo.
Nesta época, vivemos também a febre das vendas e aqui-
sições. Por decisão estratégica da matriz, alguns negócios foram

155
Alquimia de uma corporação

vendidos mundialmente (Eletrodomésticos, por exemplo) e ou-


tros adquiridos: RCA.
A fusão das tesourarias da GE e RCA foi uma experiência
fascinante. Começava aí, a ver “alguma coisa” fora do mundo da
GE. E trazer para a vida GE uma operação de tesouraria, de uma
outra corporação enorme, foi realmente fantástico.
E essa época, começo da era “Welch”, foi riquíssima em
aprendizado. A difusão da nova cultura na empresa, o rompi-
mento de velhos tabus, a clareza do caminho a seguir, a nova ma-
neira de ver os “negócios”, tudo acontecia muito rapidamente.
E o que era fantástico: os ensinamentos do “velho” BTC/
FMP continuavam atuais, aliás, como continuam até hoje.
É claro que durante todo este processo de treinamento,
promoções e desenvolvimento de carreira não havia lugar para
todos, ou nem todos tinham paciência de aguardar por oportu-
nidades. Diversos profissionais saíam para o mercado, ocupando
posições de destaque nas administrações de grandes empresas,
criando uma auréola de reputação para esta escola BTC/FMP de
administradores, o que de uma certa forma contribuiu para des-
pertar o “apetite” de novos e talentosos candidatos, criando um
círculo vicioso virtuoso.
E, depois de 14 maravilhosos anos, eu, como tantos outros,
saí para o mercado de trabalho. Graças ao BTC/FMP e à GE, me
sentia preparado para enfrentar novos desafios de uma carrei-
ra profissional. Inicialmente, na área financeira de uma empresa
brasileira de médio porte, com 3 fábricas. Era um ambiente to-
talmente adverso, tudo por fazer, oportunidade única para dar
vazão a tudo o que foi aprendido e observado. Era só arregaçar
as mangas e trabalhar. Muito contribuiu, também, o cenário eco-
nômico nacional. Era a época das altas taxas de inflação e dos
famosos planos econômicos. Mais do que nunca as empresas
trabalhavam com o conceito “Finance Oriented”, pois qualquer
vacilo, levava de roldão todo esforço de desenvolvimento, marke-
ting etc. Depois vieram novos desafios, culminando com a res-

156
Foi Bom!

ponsabilidade total pelos negócios da empresa. E foi muito bom


poder aplicar todas as lições aprendidas em todos os programas
de treinamento e nas diversas oportunidades de desenvolvimen-
to profissional na GE. Também foi muito bom o fato de tudo ter
começado com o BTC/FMP.
Depois, mesmo fora da GE, eu continuava a manter con-
tato com quase todos os graduados do BTC/FMP. Tive a felicida-
de de conhecê-los, pois fazia parte de meu trabalho como editor
do programa, organizar eventos com a participação deles, e em
particular, contribuir na organização da grande festa para come-
moração do centenário da GE, através da realização de um gran-
de jantar, para o qual foram convidados todos os graduados do
BTC/FMP no Brasil.
Continuei, juntamente com o Varela, o Paulo Boccuzzi e o
Mateus Demarchi, a organizar nosso famoso almoço no tradicio-
nal restaurante São Judas Tadeu. Naquela época era uma dificul-
dade localizar todas as pessoas. Era tudo “na mão”, ou melhor, no
telefone. Mais tarde, foi muito bem-vindo ao time organizador
o José Luiz Bassetto. Esbanjando conhecimento de tecnologia de
informação, organizou o grupo, criou um cadastro de informa-
ções, colocou todos na era da internet. Bendita hora que o “Zé
Luiz” resolveu vir ao time. Hoje, para todos é uma moleza (para
ele, não tenho certeza que seja!). A correspondência entre todos
é muito fácil.
Foi muito bom também continuar conversando este tem-
po todo com graduados do BTC/FMP, trocando idéias sobre ne-
gócios, ambiente econômico, tendências, previsões, inflação, glo-
balização, política, futebol etc. Lembrar com saudade dos velhos
tempos, falar mal dos chefes chatos, rir das passagens cômicas.
E os almoços no La Buca e no Baby Beef?
E os fins de semana com churrasco e pizza de mortadela no
sítio do Boccuzzi e Mateus?
Ah! Tudo isso continua. Então, continuará a ser BOM!

157
NÃO CORRA ATRÁS DA VIDA,

9 PENSE NO QUE GOSTA,


FAÇA TUDO COM AMOR
Haelmo Coelho de Almeida

Nas palestras e reuniões que realizo, enfatizo sempre que


o ser humano não deve “correr atrás” das coisas e fatos na vida.
Não devemos dirigir toda a nossa energia “naquilo que quere-
mos”. Normalmente isso não dá certo. Vamos entender melhor:
pense em sua vida. Como as coisas e fatos foram acontecendo?
Pense nos namoros. Era a pessoa que você imaginava? E o pri-
meiro emprego, como aconteceu? Você programou trabalhar na-
quele lugar? E as promoções, mudanças de emprego, abertura de
empresas, casamentos, filhos... Aconteceu como você imaginou?
Não, provavelmente não. Então vem a pergunta: O que fazer?
Não devo programar nada?
Minha resposta é não. Você não deve correr atrás das coisas
da vida. Elas é que têm que correr atrás de você. Você é “supe-
rior” às coisas e fatos. Você vai atrair para a sua vida exatamente
aquilo para o qual está preparado. Se você não estiver preparado,
de nada adiantará. Não adianta você querer ser médico, se você
não se dedica adequadamente, se não tiver a visão e empatia para
a profissão, se não tiver o sentimento altruísta que todo grande
médico deve ter.

159
Alquimia de uma corporação

Você vai atrair para a sua vida coisas e fatos para os quais
está preparado, e ponto final. Várias oportunidades podem
atravessar seu caminho, mas se você não estiver preparado, não
será capaz de enxergá-las. Cito meu exemplo: casei aos 22 anos
com uma pessoa que não procurei, tive três filhos (maravilho-
sos) sem programar. Mudei de emprego três vezes por convi-
te. Montei a minha empresa em 1988, por acaso. Fiquei viúvo
em 1996 sem entender direito por quê... Anos depois me casei
novamente e nasceu Sophia, uma linda menina. Bem, acabei
falando de minha vida para servir de exemplo de que os fatos
acontecem conforme você os atrai. Sua vida será guiada pela
qualidade dos seus pensamentos, e os seus pensamentos serão
guiados por suas crenças e valores.
A grande sabedoria é identificar que os fatos positivos não
são meras coincidências ou sorte. Quando você conhece a ver-
dade e a pratica no dia-a-dia, você descobre que é dono de seu
destino. Reformar o estilo de vida significa viver corretamente,
pensar corretamente e ter a satisfação em viver nos caminhos que
surgem e que você atrai. Conhecer essa verdade é muito impor-
tante, porque todo caminho errado que leva à infelicidade, nasce
da ignorância. Vamos sempre lembrar dos iluminados que dizem:
“A verdade vos libertará”. O que significa conhecer a verdade? É
uma questão puramente mental.
A nossa mente deve conhecer a sabedoria (também de na-
tureza mental) que dirige os destinos do Universo. É importante
enfatizar aqui que os cientistas e filósofos confirmam a existência
de leis e ordem no Universo. A ordem é um produto da sabedo-
ria. Entre as pessoas de pouca sabedoria, como os selvagens, não
existe ordem no dia-a-dia. O Universo todo é dirigido, então, por
uma mesma sabedoria. Isso significa que nossos pensamentos e
nossos desejos também são dirigidos pela sabedoria do Universo.
É como o ar que respiramos: não há distinção entre o “meu ar” e
o “seu ar”. O ar que está no meu pulmão é o mesmo que está no
seu. Ele é universal e comum a todos, tal como a sabedoria.

160
Não Corra atrás da Vida, Pense no que Gosta, Faça tudo com Amor

Estamos livres nesta vida para fazer e buscar o que quere-


mos, você tem a sua liberdade. Sobre isso, Dr. Aléxis Carrel, prê-
mio Nobel em Medicina, diz o seguinte: “A liberdade assemelha-
se à dinamite: é efetiva, mas muito perigosa. É preciso aprender
a arte de lidar com ela. A verdadeira liberdade só existe quando
obedece a um controle dotado de sabedoria”.

TENHA SEDE DE APRENDER


O corpo humano pode se movimentar livre e saudavel-
mente porque todo o seu mecanismo está sob o perfeito coman-
do de um “controle dotado de sabedoria”. No momento em que
este comando for rompido, ele tornar-se-á doente. Ocorre o mes-
mo em todos os âmbitos, seja no trânsito das vias públicas, nas
questões de ordem social e no caminho escolhido por você. Deus
criou o homem como Seu filho, com personalidade independen-
te e livre, confiando-lhe plenamente a liberdade de ação, sem a
Sua interferência.
Assim, ao homem também foi concedida a “liberdade” de
cometer erros. Errar significa desviar-se da “posição correta” em
que deveria estar. Pelo fato de haver liberdade, há a possibilida-
de de cometermos erros. Por esta razão, não devemos abusar ou
fazer mau uso da liberdade, para não provocarmos o descarrila-
mento do trem da nossa vida. Todos estamos nesse trem. Alguns
descem nas estações, perambulam e voltam novamente ao trem,
outros ficam pelo meio do caminho e alguns já estão chegando
ao final do caminho para a luz.
Toda essa explanação para dizer que, ao entrar na GE em
1975, ou melhor, ao ser atraído para a GE, com meus 23 anos
de idade, não tinha nada desses conhecimentos. Seria fantástico,
sensacional se tivesse e soubesse como usá-los, muitas dúvidas
e problemas poderiam ter sido evitados. Mas eu tinha uma for-

161
Alquimia de uma corporação

ça que me impulsionava sempre para a frente. Eu tinha sede de


aprender. Passei em vários setores administrativos, contabilidade,
ativo fixo, custos, planejamento. Terminei o curso FMP. Tudo isso
enchia de orgulho meu coração. Mas eu queria mais.
Durante toda a minha vida profissional, tanto na GE como
em outras empresas, a “sede” de aprender e servir era superior a
qualquer outro fato, seja salarial, cargo etc. Não sei como, mas
eu sempre soube que se desse “tudo de mim”, o Universo ficaria
sabendo. É como um jardim florido, todos notam. E era assim
que eu pensava e penso até hoje na minha vida. Como diz Paulo
Coelho, “se você segue as leis, todo o Universo conspira a seu
favor”. Dê tudo de si, faça o melhor, não se importe se ninguém
está dando tapinhas nas suas costas... o Universo está vendo, dis-
so tenho certeza, e é isso que importa. Trabalhe para o Universo,
ele irá cuidar de você. Desenvolva, coloque para fora e em prática
as suas qualidades internas que são: PAZ, AMOR, FELICIDADE,
COMPAIXÃO, HARMONIA, EQUILÍBRIO, VERDADE E PU-
REZA. Faça isso com consciência. Acorde para a vida. Não exis-
te vento favorável para quem não sabe aonde vai. Trabalhe com
amor naquilo que você gosta, dê tudo de si que os frutos virão.
Não importa em que lugar você esteja. Uma flor nasce perfuma-
da no meio de excrementos.

MÁ SORTE?
O Dr. Karl Menninger, um expoente da medicina psicos-
somática dos Estados Unidos, no livro “O homem Contra Si Pró-
prio”, cita que as doenças crônicas são um suicídio lento. E expli-
ca, citando exemplos reais, que as doenças são curadas quando
se corrige esse instinto de autodestruição. Em relação às pessoas
que lamentam a má sorte, Menninger afirma que a má sorte não
é algo que vem de fora. Segundo ele, a própria pessoa prepara

162
Não Corra atrás da Vida, Pense no que Gosta, Faça tudo com Amor

as coisas, inconscientemente, de um modo que os outros a co-


loquem em má situação, e dessa forma saboreia uma espécie de
prazer masoquista em suportar os sofrimentos da situação ad-
versa em que se colocou.
O interessante é que os psicopatologistas começaram a
afirmar que as guerras, os conflitos, os desastres, as calamidades,
as doenças, a pobreza e todas as formas de infelicidade são resul-
tados da tendência masoquista de autodestruição do homem e
que, enquanto não for eliminado esse desejo de autodestruição, a
humanidade não poderá evitar sua caminhada para o mundo da
morte, embora buscando o caminho que conduza à vida.

ESFORÇO E TRABALHO
As qualidades internas de Paz, Amor, Felicidade, Com-
paixão, Harmonia, Equilíbrio, Verdade e Pureza são manifesta-
das por intermédio de esforços. A nossa capacidade potencial,
quando manifestada junto com a natureza divina interior, gera
sucesso acompanhado de felicidade, e esse é o maior objetivo do
homem, ter sucesso, mas ser feliz.
Aléxis Carrel aponta em seu livro “Sabedoria da vida”, que
a lei básica do desenvolvimento dos seres vivos é o esforço. Não
só da parte física como os músculos ou os órgãos, mas também
das demais facetas de nossa existência, como a sabedoria ou a
vontade, não se fortalecerão se não trabalharmos. Só por meio
do esforço e trabalho a natureza divina interior do homem e sua
capacidade interior poderão ser manifestadas em grau cada vez
maior. Temos essa oportunidade quando existem dificuldades
ou obstáculos, por isso não devemos amaldiçoá-los, se surgirem
em nossa vida. Caso o fizéssemos, estaríamos usando a mente de
maneira invertida, e assim diminuindo a manifestação de nos-
sa natureza divina e de nossa capacidade. Devemos agir como o

163
Alquimia de uma corporação

esquiador, que aprecia a neve, ou como o alpinista, que aprecia


a montanha. Ao conquistar e vencer o obstáculo, a dificuldade
deixará de existir, e nossa capacidade se multiplicará.
Jack Welch, CEO da GE por 16 anos, a partir de 1981, disse:
“A mudança de cultura começa com uma atitude. É obrigação
do líder, é obrigação do gerente, é obrigação do empregado .... a
qualidade é obrigação de todos”.

BIOGRAFIA
Eu sou Haelmo Coelho de Almeida, nascido em 29/12/1952,
em Belém-PA (Brasil). Moro no Estado de São Paulo desde 1969,
dos quais, dez anos na cidade de Campinas-SP, e o restante na
cidade de Limeira-SP, que dista 50 quilômetros de Campinas.
Sou Bacharel em Ciências Econômicas com MBA pela FGV em
Marketing. Atualmente sou Diretor da RM Sistemas, empresa
especializada em implantação de Sistemas de ERP — Enterprice
Resource Planning (Sistema de Gestão Empresarial).
Bem, agora que vocês me conhecem um pouco e o que pen-
so, posso afirmar peremptoriamente que não sei em que degrau
nessa “escola da vida” eu estou, nem até aonde vou chegar. Acho
que isso ninguém sabe, porque a nossa missão aqui neste planeta
é um eterno mistério. Mas posso afirmar, com certeza, por onde
comecei: O nome é GE — General Electric do Brasil, em Campi-
nas-SP, onde trabalhei de 1975 a 1980, iniciando aos 23 anos de
idade. Na época a GE produzia equipamentos pesados como lo-
comotivas, hidrogeradores etc., com mais de 2.000 funcionários.
Dentro da GE havia um curso interno, com duração de 5
semestres, cujo nome era FMP — Financial Management Pro-
gram. Trabalhei na GE durante cinco anos. No lado profissional
a GE foi meu pai, mãe... tudo para mim. Foi a semente plantada
que frutifica até hoje. A GE corresponde às atitudes, postura e

164
Não Corra atrás da Vida, Pense no que Gosta, Faça tudo com Amor

profissionalismo que carrego comigo. Um curso fantástico, ines-


quecível, incomparável, fez de mim o profissional que sou hoje.
Nunca mais fiz nada parecido. Um curso capaz de alterar a ma-
neira de você conduzir sua vida profissional.

O GRANDE MISTÉRIO
Pois bem, fiquei pensando durante vários dias, para escre-
ver este texto, tentando achar o grande “mistério” dessa dobradi-
nha GE/FMP. O porquê dessa forte influência para centenas de
pessoas que passaram pela GE. Você, que está lendo, pode pensar:
o que me interessa nesse texto se não posso voltar no tempo e
trabalhar na GE e fazer o FMP? Respondo para você: o grande
mistério não foi somente a GE, nem o curso FMP e nem os dois
juntos, e sim as atitudes (palavra usada por Jack Welch) que tí-
nhamos em relação à GE e ao FMP.
Havia uma energia em torno das pessoas, da empresa e
do curso. Essa energia era tão forte que, passados 28 anos (para
a minha história de GE), fazemos reuniões anuais chegando a
mais de 100 pessoas. São as atitudes que você tem em relação à
vida que fazem você ser x ou y. As sementes podem ser todas de
boa qualidade, mas vão precisar de um bom solo e de condições
satisfatórias para se tornar uma árvore. O sucesso depende da
dedicação e do amor com que fazemos as coisas.
São essas atitudes que quero transmitir para você e que
servirão para qualquer curso que você faça, em qualquer em-
presa que você esteja. Não importa quantos anos você tenha
agora: 15, 20, 30 ou 80, as atitudes valem para toda a vida, para
todas as idades e para todas as pessoas. Num mesmo curso
temos, no final, pessoas preparadas que souberam aprender
e outras nem tanto. A colheita é conforme o plantio. Se o seu
atual local de trabalho não tem uma energia tão positiva, co-
mece com você, mude você.

165
Alquimia de uma corporação

O slogan de uma ONG chamada Brahma Kumaris (www.


bkumaris.com.br) diz: Se eu mudo o mundo muda. Pense nisso.
Repetindo as palavras de Jack Welch: “A mudança de cultura co-
meça com uma atitude” (fonte: Revista Vencer set./2002).

GE — RIGOROSA OU IMPLACÁVEL?
Atualmente, a pressão que sofremos no dia-a-dia é muito
grande, gerando um estresse muitas vezes incontrolável. Todos
nós queremos trabalhar em uma empresa de sucesso, organizada,
que nos dê segurança etc. Uma empresa assim, tem que ser rígida
em torno de seu objetivo, exigindo disciplina de todos, que aca-
bamos chamando de estresse. NA GE não era diferente. A pressão
era extrema em torno dos trabalhos a serem executados, e uma
pressão ainda maior no curso FMP; aulas semanais, provas sem
data definida, tempo das provas extremamente limitado. Você ti-
nha que estudar, estudar, estudar e estudar.
Bem, pense agora onde você está, na sua empresa, seja você
funcionário, gerente, diretor ou proprietário. A pressão está mui-
to grande? Está mesmo? ou será que você não possui os atributos
necessários? As empresas de sucesso, organizadas, parecem luga-
res rígidos para se trabalhar, e realmente são. Se você não possui
os atributos necessários, dificilmente vai durar muito tempo. No
entanto, elas não são culturas implacáveis; são apenas rigorosas.
E a distinção entre ser implacável e rigorosa é crucial.
Ser implacável significa retalhar e cortar, especialmente
nos períodos difíceis, ou demitir pessoas irresponsavelmente,
sem qualquer ponderação ou consideração. Ser rigoroso significa
aplicar, de forma coerente, padrões precisos em todos os momen-
tos e em todos os níveis, sobretudo na alta gerência. Ser rigoroso,
e não implacável, significa que as melhores pessoas não precisam
se preocupar, com relação às posições que ocupam, e podem se
concentrar inteiramente no trabalho.

166
Não Corra atrás da Vida, Pense no que Gosta, Faça tudo com Amor

No Livro Empresas feitas para vencer — Jim Collins diz:


Aqueles que constroem empresas excelentes sabem que o maior
gargalo no crescimento de qualquer grande organização não é o
mercado, nem a tecnologia, a concorrência ou os produtos. É um
único fator, acima de todos os demais: a habilidade de conseguir
e manter pessoas certas em número suficiente.
Walt Disney disse: “Você pode sonhar, criar, projetar e
construir o mais maravilhoso lugar do mundo, mas precisa de
’gente‘ para tornar o sonho uma realidade.” Nessa frase eu troca-
ria ’gente‘ por “pessoas certas em número suficiente”. Com certe-
za era assim que Walt Disney pensava, analisando o seu sucesso
empresarial.
Finalizando esse tópico sobre rigidez, eu diria que a auto-
análise é o caminho de todos, porque na verdade a empresa,
como pessoa jurídica, não existe. Uma empresa é formada por
pessoas, por gente. Sem gente não há empresa. Diálogo é a pa-
lavra-chave, sem diálogo nada se resolve. Reuniões produtivas,
bons livros e treinamentos eficientes são o caminho para qual-
quer empresa seguir sua trajetória. Foi assim na GE e é assim
em todas as empresas de sucesso. Quando a contratação é bem
feita, aliada ao treinamento, a empresa não precisa ser implacá-
vel e sim rigorosa, gerando bons frutos para todos os funcioná-
rios e para o planeta.

SEMPRE À PROCURA DE PESSOAS


FANTÁSTICAS
A seleção de funcionários na GE era muito rigorosa e aqui
vale um parêntese. Você tem que se preparar para o sucesso, por-
que não existe milagre. Você tem que estar determinado a que-
rer ser o melhor e de acreditar na vitória. Você não pode “parar”
nas barreiras que aparecem, porque as barreiras não existem, são

167
Alquimia de uma corporação

criadas pela sua mente devido ao seu despreparo. Problemas só


existem para pessoas despreparadas. Portanto, acredite que para
você se preparar para a vida e para o mundo empresarial, você
terá muito “aprendizado” e não problemas ou barreiras. Tire a
trava do olho.
Os problemas que um médico iniciante tem nas primei-
ras cirurgias não existem para os médicos experientes, e, para se
tornar experiente temos muitos degraus para subir. Ache inspi-
ração, veja os vitoriosos e sinta vontade de estar lá. Era assim na
GE. Nós admirávamos as pessoas formadas no FMP, elas eram
especiais. E dentro do no nosso “EU” dizíamos: “Eu vou chegar
lá, eu quero ser um formando do FMP, quero participar da festa
de formatura, eu quero ter o meu diploma do FMP na minha sala
de trabalho até o fim da vida”.
Para exemplificar a importância dessa regra, cito a empresa
“A Circuit City”, (Livro empresas feitas para vencer) que colocou
uma tremenda ênfase em conseguir as pessoas certas em todos os
níveis da empresa, desde os motoristas do serviço de entrega até
os vice-presidentes. De acordo com Dan Rexinger, “Formamos
os melhores motoristas de entrega em domicílio do setor”. Disse-
mos a eles: “Vocês são o último elo de contato que o cliente tem
com a Circuit City. Nós vamos lhes fornecer uniformes. Todos
nós exigimos que vocês estejam barbeados, dentes tratados e que
não tenham odor corporal. Vocês vão ser profissionais”.
A mudança na forma de lidarmos com os clientes, ao fazer-
mos uma entrega, foi absolutamente incrível. Um dia depois do
Natal, as pessoas perceberam algo diferente nas lojas da Circuit
City. Outras lojas tinham letreiros dirigidos aos clientes: “Sempre
os melhores preços” ou “Fantásticas ofertas depois das festas” ou
“A melhor seleção pós-Natal”, e por aí vai. Mas a Circuit City exi-
bia apenas um letreiro que dizia:
“Sempre à procura de pessoas fantásticas”. Esse cartaz
evidencia, mostra e enfatiza uma empresa de sucesso. As pessoas

168
Não Corra atrás da Vida, Pense no que Gosta, Faça tudo com Amor

sempre serão o engate principal entre os produtos e os clientes.


Ter as pessoas certas era lei na GE, e pessoas certas para a visão
da GE eram pessoas com postura, posicionamento, potencial de
crescimento, pessoas com sede de vitória. Hoje utilizo esta frase
slogan em minha empresa.

MERGULHE NELA
O texto de Paulo Coelho, em “Brida”, diz:
Brida estava na praia com o pai, e ele pediu para ver se a
temperatura da água estava boa. Ela estava com 5 anos, e ficou con-
tente de poder ajudar; foi até à beira da água e molhou os seus pés.
“Coloquei os pés, está fria”, disse para ele. O pai pegou-a no colo, ca-
minhou com ela até a beira do mar, e, sem qualquer aviso, atirou-a
dentro da água. Ela levou um susto, mas depois ficou contente com
a brincadeira. “Como está a água?”, perguntou o pai. “Está gostosa”,
respondeu. “Então, daqui pra frente, quando você quiser saber algu-
ma coisa, mergulhe nela.”
Faça uma auto-análise e veja se você também não é do
tipo que se economiza e não anda o quilômetro extra que leva
ao sucesso. Se você não desse um mergulho no FMP, você não
chegava ao fim. Você tinha que colocar a mente, coração e cor-
po nos estudos. Cada módulo exigia de você muita dedicação.
Portanto, se o que você está fazendo hoje é importante, mergu-
lhe, vá a fundo, não coloque somente o pé para ver se dá certo.
Só dará certo se “mergulhar”.
Lembro de um diálogo com minha esposa, que num dia de
muito cansaço, disse a ela:
— Hoje não vou estudar — eu disse.
— Como não? Isso é importante para você. Tome um ba-
nho e vá estudar — disse ela.
“E eu fui. Tem horas que precisamos de um empurrão
na vida”.

169
Alquimia de uma corporação

LISTA DE COISAS PARA DEIXAR DE FAZER


Um outro detalhe é que todo mundo tem uma lista de coi-
sas para fazer. Certo? Comece a elaborar uma lista de coisas para
deixar de fazer. A maioria de nós leva uma vida ocupada e in-
disciplinada. Temos lista de “coisas para fazer” cada vez maior, e
tentamos arrumar tempo para fazer, fazer, fazer... e fazer sempre
mais. Isso raramente dá certo. As pessoas que ajudaram as em-
presas a terem sucesso, usaram tanto a lista de “coisas para fazer”,
quanto a lista de “coisas para deixar de fazer”.
Eles demonstraram uma admirável disciplina para pôr de
lado todo tipo de bobagem sem nenhuma importância, que não
agregava nada ao negócio da empresa. Ouvi uma vez que, para
fazermos um trabalho de maneira correta, e o mesmo trabalho
de maneira errada, despendemos (gastamos) a mesma energia.
Não lembro quando ouvi essa frase, mas eu nunca mais esqueci.
Nesse tópico, lembro do último semestre do FMP, era o módulo
de auditoria, em que aprendíamos a fazer uma análise detalhada
dos procedimentos utilizados por uma empresa. Era nesse mo-
mento que eliminávamos várias tarefas que não serviam para
nada, muitas vezes adotadas há anos, e que no momento atual
não faziam mais sentido. Pare um dia, analise seus procedimen-
tos e faça uma lista de coisas para deixar de fazer.

MEDO/RAIVA/CULPA

Várias características negativas atrapalham o profissional.


A primeira é o medo, que faz com que você fique inoperante e
indeciso. A melhor definição que vi de medo é esta: “são dores
passadas projetadas no futuro”. Se uma coisa não causa nenhum
medo, é porque aquilo não o feriu no passado. Temos que apren-
der a separar os dois tipos de medo: o virtual e o real. Medo real

170
Não Corra atrás da Vida, Pense no que Gosta, Faça tudo com Amor

é o que você sente diante de um ladrão armado. Mas preste bem


atenção:a maioria de nossos medos é virtual; nós é que os colo-
camos na cabeça, inventamos algum pavor que nos paralisa. A
segunda característica negativa é a raiva. Ela também paralisa a
pessoa. Ela faz com que não se pense adequadamente. Se estou
com raiva, o outro percebe, me derrota rapidamente. A tercei-
ra é a culpa. Por meio de raízes religiosas, infelizmente, vivemos
numa sociedade que cultiva a culpa. A culpa faz com que você
pare muitos projetos. Agora diga: como é possível uma pessoa
trabalhar numa GE, que é uma empresa rígida (não implacável),
fazer um curso denominado FMP, também rígido, carregando
medo, raiva ou culpa. Eu respondo para você: não consegue.
Quem era assim não conseguiu, não terminou o FMP e é
muito provável que hoje esteja carregando um peso maior. Se-
gundo o head-hunter Robert Wong, responsável pela colocação
de grandes executivos em cargos de comando de grandes em-
presas, em entrevista para a revista HSM Management disse: “O
tripé, nas leis da física, é a figura de maior equilíbrio”.
As três características mais importantes para o sucesso pes-
soal são: autoconfiança, foco e persistência. O que falta, às vezes,
em muitos pseudotalentos é ter foco, além de seguir em frente,
não desistir. Resumindo: retire o medo, a raiva e a culpa e colo-
que no lugar a autoconfiança, o foco e a persistência.
É impossível trabalhar em uma empresa rígida como a GE,
fazer um curso altamente exigente com medo. Retire o medo da
sua vida e “mergulhe” nos seus projetos de vida, seja pessoal ou
profissional.

FOCO
Um dos pontos, extremamente importante no curso FMP,
era o tempo. O curso exigia tempo. Muito tempo de estudo, além

171
Alquimia de uma corporação

de muita organização. Para isso você precisava ter foco. Tínha-


mos que estudar muito, trocar informações e idéias com todos.
Nesse ponto vou fazer um parêntese para mandar um abraço es-
pecial a todos os formandos que me conhecem, e para os que
não me conhecem. Afinal, somente quem fez esse curso sabe das
dificuldades e exigências dele. Gostaria de aproveitar e mandar
um abraço especial para duas pessoas que, juntos, estudávamos
noites adentro: João Ângelo Frari e Pérsio Roque Brejion. Sauda-
des. Ivaldo Mengue, meu chefe na época, também foi uma pessoa
especial.; Um dia disse uma palavra mágica sem, talvez, imaginar
o impacto dela na minha vida:
— Haelmo, já te disseram que você tem liderança. Uma
liderança nata — disse Ivaldo.
Nessa época tinha meus 24 anos de idade.
— Não! Nunca disseram. O que isso quer dizer? — per-
guntei.
E ai Ivaldo explicou: “Todos do setor procuram você, em-
bora esteja aqui há pouco tempo”. Porém, confesso a vocês que
aos 24 anos, não entendi quase nada do que ele disse.
Mas voltando a falar de tempo, vamos analisar nesse tópi-
co, alguns tipos de comportamento. Há um estudo que mostra
que somente dez por cento das pessoas têm um comportamento
“determinado”. As demais são do tipo proteladores, descompro-
metidos e dispersivos. É importante notarmos que os do tipo
“determinado” não se esforçam mais do que seus colegas. O dia
tem 24 horas para todas as pessoas.
Já disse anteriormente que a energia gasta para fazer a
coisa certa ou errada é a mesma. O tipo determinado tem mais
clareza quanto às suas intenções. Eles escolhem suas metas com
muito mais cuidado. “Quando ninguém se responsabiliza, eu me
responsabilizo” é a postura de um “determinado”. São mais cons-
cientes do valor do tempo, eles o administram cuidadosamente.
Alguns se recusam a responder e-mails, telefonemas ou visitantes

172
Não Corra atrás da Vida, Pense no que Gosta, Faça tudo com Amor

em certo período do dia. Outros incluem tempo para pensar em


sua rotina diária. Talvez a maior diferença entre um “determi-
nado” e os demais seja a maneira como encaram o trabalho. Os
outros sentem que forças externas os restringem: clientes, forne-
cedores, chefe, colegas, descrição de cargo, salário. Eles levam to-
dos esses fatores em conta quando precisam decidir entre o que é
viável e o que não é, trabalham de fora para dentro. Profissionais
“determinados” fazem o contrário: decidem primeiro o que pre-
cisam atingir (qual a meta) e depois trabalham para administrar
o ambiente externo.
Gostaria de terminar com uma metáfora que diz o seguin-
te: “Se quiser construir um navio, não mande os trabalhadores à
floresta derrubar a árvore, serrar a madeira e pregar as pranchas.
Em vez disso, desperte neles o desejo pelo mar”. Essa metáfora se
encaixa perfeitamente na filosofia GE/FMP, pois, até hoje o dese-
jo de pertencer a um grupo de sucesso foi tão marcante, que não
deixamos de nos encontrar anualmente. Obrigado e sucesso!

173
10 VIVENDO E APRENDENDO
Paulo Boccuzzi

“No tempo da vida que passa, há sinais da eternidade que ficam...”.

Para muitos, talvez, a idéia de fazer parte de um grupo que


decide escrever um livro sobre seu ex-empregador pode parecer
falta do que fazer. Alguns perguntariam: Quanto você ganhará
com isso? O que essa obra poderá adicionar-me de valor, ou...
enfim, por que ler este livro?
Certamente, essa não é a visão dos meus amigos que in-
tegram esse trabalho. Nosso interesse é o de registrar em algu-
mas páginas a linha do tempo de alguns executivos da GE, sem
a mínima pretensão de obter benefícios, sejam profissionais ou
tampouco monetários.
Trata-se de um pequeno relato existencial e, acima de tudo,
de um profundo agradecimento a essa grande corporação funda-
da pelo gênio inventor Thomas Alva Edison.
Final de 1974. A GE iniciava o processo de seleção de trai-
nees para a área financeira. Foram ao IMES - Instituto Municipal
de Ensino Superior, em São Caetano do Sul, onde eu cursava ad-
ministração de empresas. Meus olhos brilhavam face à esperança
de ingressar numa grande corporação. Parecia quase impossível
ser o escolhido... Enquanto isto, minha mãe fazia sua novena, mi-

175
Alquimia de uma corporação

nha noiva, hoje minha esposa, antevia a possibilidade de nosso


casamento.
Após uma seqüência de testes e entrevistas com o Sr. Va-
rela, pessoa de absoluta integridade, cujo exemplo de dinamis-
mo e conduta são virtudes a serem destacadas, ingressei na GE
como trainee do FMP em meados de 1975, na Vila Leopoldina,
em São Paulo.
A planta da Vila Leopoldina, denominada Industrial Servi-
ce Operations, era composta de duas divisões: Oficina de Serviços
Industriais, local onde se realizavam os reparos de equipamentos
de grande porte, tais como, transformadores, geradores, moto-
res, além das locomotivas fabricadas em Campinas e a Divisão de
Engenharia de Campo, cujos serviços eram realizados nas insta-
lações dos clientes.
A primeira fase havia sido concretizada! Agora teria
que aguardar o início do curso, ou melhor, dos cursos. To-
dos na empresa referiam-se a eles como arrasadores. Diziam
que no máximo 20% dos alunos conseguiam concluí-los. Eu,
que jamais havia sido um estudante muito dedicado, tremia
ao ouvir essas palavras “ameaçadoras”! Por outro lado, o or-
gulho de estar participando daquele momento era extrema-
mente desafiador.
Os dias de testes eram surpresa. Embora eu aparentasse cer-
ta calma, de fato, minhas unhas não eram suficientes para conter
tamanha ansiedade para não dizer receio, ou melhor terror.
Paralelamente ao curso, desenvolvia-se nosso dia-a-dia
por meio de treinamento prático. O Gerente Financeiro era o
Emígdio Katrip, pessoa excepcional que, num primeiro mo-
mento, passei a admirar pela sua inteligência e capacidade
técnica. Com o tempo, conhecendo-o melhor, também pelos
seus atributos morais. Até hoje, o Emígdio, além de amigo, é
meu conselheiro.

176
Vivendo e Aprendendo

Às vezes me pergunto: Será que hoje o relacionamento


mudou? Certamente. A evolução tecnológica propiciou essa mu-
dança. Naquela época, a ausência de processos mecanizados ou
automatizados possibilitava uma maior interação entre as pesso-
as. Talvez a produtividade não fosse tão grande, mas sem dúvida,
nossos dias eram muito mais aprazíveis.
1975 — A empresa vivia a grande expectativa de ganhar
a obra da Hidrelétrica de Itaipu. Infelizmente, não obtivemos
o sucesso esperado. Perdemos a maior parte dessa grande obra
para nossos concorrentes, restando-nos uma fatia muito aquém
daquela que era originalmente planejada. O Presidente da GE
— Brasil, Sr. Thomas Romanach, escrevia uma carta para todos
sobre essa imensa frustração.
A minha primeira missão não apresentava maior com-
plexidade. Eu e os meus amigos, Ricardo, Paulo Edson, Jaime e
Haroldo, acumulávamos os custos industriais por meio dos job
orders, reconciliando o Sistema com o Livro Razão. A cada fe-
chamento mensal, cumpríamos os compromissos de entregar as
informações nas datas preestabelecidas pela Controladoria Cen-
tral. Quanta saudade! Sempre tínhamos um tempinho para rela-
xar e contar umas piadinhas.
Anos depois, esse trabalho manual foi sendo automatizado,
surgindo a necessidade do ingresso de um gerente de sistemas.
Assim chegava à Vila Leopoldina, diretamente de Santo André,
o Massarelli, que atualmente, além de grande amigo, é também
meu sócio. Ainda hoje, divertimo-nos muito ao relembrar das
situações inusitadas daquela época.
O incrível Massa, engenheiro e graduado no FMP, bri-
lhava por sua inteligência e irreverência. Suas soluções eram
as mais criativas e, várias vezes, as mais malucas e divertidas.
Lembro-me que o Katrip enviou o Massa aos Estados Uni-
dos para que ele conhecesse os sistemas do “Industrial Service
Operation”, tendo obtido o seguinte feedback: “Ou o cara é

177
Alquimia de uma corporação

gênio, ou vocês perderam tempo, pois ele não fez qualquer


anotação ou pergunta”. Nós sabíamos a resposta correta: ele
era gênio de fato.
Tudo sob medida, os sistemas excediam em qualidade
às necessidades do usuário e até o surpreendiam. Diferente de
hoje, depois do advento do “Information Technology Manager”
(nome sofisticado) em que as grandes corporações recebem o
melhor enlatado com “90% de aderência” e com a mínima efi-
ciência, sem falar nos custos abusivos de “customização”, manu-
tenção e upgrade.
Paralelamente, transcorriam os cursos e os rodízios: Con-
tabilidade de Custos, Orçamentos & Medições, Contabilidade
e Contas a Pagar, Reconciliações Contábeis, Análises e Inter-
pretações de Resultados; vários chefes Walter Machado, Miros-
lav Baranowski, Dorival Milanello e Jailson Lopes. E quando o
cerco apertava, ou minha capacidade não era suficiente para o
delivery, eu recorria ao Mazão. Êta nego bom! Mazão — pessoa
amiga e profissional de altíssima qualidade, também graduado
no FMP, hoje é sócio com o Carlos Hargreaves em uma consul-
toria de sucesso.
Finalmente 1977! Grandes fatos: Casei-me e concluí o
FMP. Aproximam-se as comemorações relativas ao centenário da
GE. Chega o grand finale, o dia da formatura! Aquele momento
era demasiadamente especial... Quanta adrenalina!
O fantástico jantar de formatura no ano do centenário
da empresa. Eu trajava meu terno bordô do casamento, entre
vários colegas sentados à mesa, todos com suas respectivas
esposas ou namoradas, aguardávamos ansiosamente a entre-
ga dos diplomas.
Nas nossas mentes, cruzavam à velocidade da luz, as recor-
dações dos momentos de estudo. Relembrávamos dos retiros que
fazíamos no sítio do meu sogro em Guararema para “rachar” à
época dos exames.

178
Vivendo e Aprendendo

O mestre Varela abria a cerimônia e dizia: “Gostaria de


convidar os formandos Paulo Boccuzzi e Sérgio Dotta, para vi-
rem ao microfone...”. Quase morri!!! Não fazia parte do script!
Ainda bem que não havia bebido muito, pois a cor bordô
do meu traje de casamento misturava-se com o forte rubor de
minha face. Felizmente, o intestino agüentou!
Falar na frente de todos: Presidente, Vice-Presidentes, Di-
retores, “General Managers”, “Finance Managers” e sei lá mais
quantos convidados.
Levantei-me e fui... Essa foi a primeira vez que me expus
a esse tipo de situação. Sei lá o que falei, lembro-me apenas ter
mencionado que o FMP era como uma tocha perene, cujo fogo
jamais poderia ser apagado, finalizando com um brinde àquele
extraordinário momento. Talvez eu tenha falado por 5 ou 10 mi-
nutos, mas para mim foi uma eternidade.
As palavras e fotos, tanto as minhas quanto as de meu cole-
ga, foram publicadas no jornal da empresa. Nos dias seguintes, a
gozação dos meus companheiros da Vila Leopoldina rolou solta!
Aprendi naquele dia, ou melhor, naquela noite, que nosso
crescimento tanto pessoal quanto profissional, está na razão di-
reta às situações em que nos expomos.
Ou seja, ou você tem coragem para se expor, ou não terá con-
fiança para crescer. O seu potencial está dentro de si... Mostre-o!
Acredite nele! “Stand up and win”!
Passados os festejos, voltava-se ao mundo real do trabalho.
Por sinal, nossa vida na Vila era maravilhosa. Diria que trabalhá-
vamos entre amigos. Começávamos nosso dia com um cafezi-
nho, falando sobre futebol, contando e ouvindo algumas piadas.
Era impossível haver ambiente melhor.
Passados alguns meses da minha formatura surgia a pri-
meira oportunidade como especialista, tornando-me o responsá-
vel pela análise financeira de um pequeno business denominado
“Power Line Carrier”, ou simplesmente PLC.

179
Alquimia de uma corporação

O responsável internacional pela área comercial era o Do-


nald Brah, um senhor norte-americano, na casa dos 60 anos, de
uma bondade incrível. Apesar do meu parco inglês, a paciência
do Sr. Brah em estabelecer uma comunicação adequada comigo
era algo que me enchia de entusiasmo. Iniciava-se a segunda par-
te do meu sonho profissional.
Nos primeiros tempos, quando tomava conhecimento da
visita do pessoal do PLC, ficava extremamente preocupado e ten-
so. Temia não entendê-los e, conseqüentemente, falhar na minha
primeira missão pós-formatura.
Com o tempo, sempre com o apoio do Katrip, essas difi-
culdades foram sendo superadas e o oposto acontecia. Ao saber
que o Sr. Brah e comitiva viriam ao Brasil, esse fato me alegrava
imensamente. Várias vezes fomos almoçar e parecíamos ami-
gos de longa data. Eram pessoas maravilhosas que me davam a
oportunidade de aprender e mostrar meu serviço, reconhecen-
do o esforço que dedicava à função.
Além da área financeira — custos e orçamentos —, eu fazia
o interface com a fábrica e com os clientes, acompanhando o cro-
nograma de entrega e inspeção dos produtos montados em nossa
oficina. O aprendizado foi fantástico!
Logo a seguir, outro pequeno negócio — “Specialty Mate-
rials” (Diamantes Industriais) — foi agregado à minha função.
Só a GE, dentro de seu espírito inovador, além de uma
gama enorme de produtos, também fabricava àquela época,
diamantes sintéticos. E lá estava eu aprendendo mais uma
operação.
Dizem que as pessoas ficam muito tempo na GE devi-
do à diversificação de suas operações. Eu concordo, acho que
se trabalhássemos lá por 100 anos, jamais sentiríamos um
dia enfadonho. Logicamente, espera-se atitudes pró-ativas e
assertivas de todo o time para que a química do sucesso mú-
tuo ocorra.

180
Vivendo e Aprendendo

Chegávamos ao início da década de 80. E assim surgia o


advento da era Jack Welch. “Better than the best!”. Assim o Sr.
Welch iniciava sua gestão como Chief Executive Officer (CEO),
incitando a todos a ultrapassar seus limites por meio da teoria
dos três S — “Speed, Simplicity, Self-Confidence”.
Nós, no Brasil, nunca tivemos peso expressivo nos resulta-
dos operacionais da GE. Representávamos, de fato, o arredonda-
mento dos números dessa corporação gigante. De qualquer for-
ma, como parte desse imenso corpo, cumpríamos o novo papel,
seguindo as regras que se estabeleciam.
O início do período Welch foi representado por muitos
cortes e a descontinuidade de vários negócios. A área financeira
foi reduzida em aproximadamente 25%, eliminando-se diversas
funções, tornando-se como palavra chave: work-out.
O maior foco passa a ser: concentrar-se na essência de cada
negócio, dando-se mais autonomia aos mesmos e conseqüentemen-
te, mais responsabilidade aos “general managers”, tendo a área fi-
nanceira uma função mais coadjuvante.
Em minha opinião, isso estava correto, era imperativo que
Finanças fosse mais “business oriented” e menos “accounting”.
Desburocratizou-se a empresa, tornando-a mais leve. Di-
vidiu-se melhor as responsabilidades e se estabeleceu a Política
de Integridade.
Entendo que o grande fomentador dessa Política de Inte-
gridade foi o governo do Presidente Jimmy Carter, inspirando
e exigindo que esse seria o caminho a ser seguido por empresas
norte-americanas, independentemente do país onde as mesmas
estivessem estabelecidas.
Outra regra imposta foi: Seja o número 1 ou o número 2
em seu segmento. Talvez como número 3 você possa existir, porém
dependerá da rentabilidade e representatividade da sua unidade
de negócio. E assim a nova filosofia se firmava. Paralelamente
a esses acontecimentos, vivíamos na nossa Vila Leopoldina,

181
Alquimia de uma corporação

adaptando-nos aos novos tempos da empresa e ao momento


sensível da economia brasileira. O Brasil recebia o impacto
da crise do petróleo, a instabilidade econômica, a recessão e
crise na balança de pagamentos, fatores esses que refletiam
em todos os segmentos da Economia. As maxidesvalorizações
da moeda ocorriam com freqüência. A enorme pressão pelos
números somente era compensada pela criatividade e pelo es-
pírito de união do time.
Destacaria o Newton Del Nero, gerente industrial, como
um dos grandes líderes desse cenário em que vivíamos. Apesar
do desânimo que algumas vezes nos acometia diante de todas
essas dificuldades, o Newton, que além de engenheiro, é também
graduado no FMP, muito nos animava e incentivava com sua in-
teligência, humildade e amizade.
Naquele momento, 1981, eu já gerenciava o departa-
mento de custos. Entendia que não era mais nosso objetivo
ficar atrás de uma mesa apenas analisando resultados, mas
sim ir a campo, fazendo acontecer. Era o fim da ortodoxia da
área financeira.
Dentro desse novo cenário, viajei ao Paraguai e ao Chile
para resolver problemas com clientes, utilizando-me do meu ri-
dículo “portunhol”.
Esse período foi de grande valia profissional. Poderia até
afirmar que devido a esse treinamento, sonhei em um dia ter
minha própria empresa. Anos mais tarde, esse sonho veio a se
concretizar!
Confirmei as palavras do Sr. Welch: “Nunca vire as cos-
tas ao seu cliente”. Nunca devemos ter uma posição passiva
ou de pré-julgamento, aguardando apenas por informações
de terceiros, mas sim, verificar pessoalmente, in loco, o que
está ocorrendo, provendo a solução adequada. Acrescentaria
mais um ingrediente indispensável: o entusiasmo, pois sem
ele nada acontece.

182
Vivendo e Aprendendo

Pouco tempo depois, transferi-me para Orçamentos e


Medições e a partir de então, aprendi que os números têm uma
sonorização. Parece incrível dizer isso, mas de fato, os números
nada podem significar se você não estiver apto a sentir o som que
eles apresentam.
Ao elaborar o orçamento (budget), devemos “viajar”
dentro do seu significado. Não basta solicitar dados, tabulá-
los e reportá-los. Muito mais do que isso, devemos criticá-
los, analisá-los e harmonizá-los sob a ótica da consistência,
obtendo-se assim a “sonorização” dos mesmos.... o resultado
tem que fazer sentido!
Alguns vão achar que enlouqueci, mas o que me refiro é
que você também é responsável pelo que irá acontecer, caso se
sinta efetivamente fazendo parte de um time e, portanto, deverá
ser o catalisador de todas as áreas, sendo o denominador comum
do negócio.
Aproximava-se do fim a minha passagem pela Vila Leopol-
dina, de 1975 a 1984. Já era tempo mais do que suficiente para
direcionar minha carreira em outra rota.
Em 1983, a GE havia vendido, em nível mundial, a divisão
de “Small Appliances” — Eletrodomésticos Portáteis. A Black &
Decker adquiria esse segmento, admitindo vários profissionais
da GE por força do contrato de aquisição, ocorrendo assim, um
enorme êxodo de profissionais para a “nova” empresa que se for-
mava no país.
Em conseqüência desse evento, surgia a chance de ocu-
par uma cadeira como gerente na Tesouraria do “Corporate”.
Assim, após a oportunidade que recebi do Sr. Benedito Batista
— Diretor Tesoureiro Corporativo, chegava eu na Rua Antonio
de Godoy, local onde operava por mais de 40 anos o Escritório
Central da GE.
Até então, trabalhava de calças jeans. Depois disso, fui a
uma das Lojas Garbo para comprar meus ternos, camisas, sapa-

183
Alquimia de uma corporação

tos e gravatas para a nova função. Ingressava na Tesouraria Cor-


porativa, já com dívidas no crediário da loja de roupas.
Mudava-se radicalmente o meu mundo!
Começava a fazer parte do meu dia-a-dia a visita de ban-
queiros, corretores de câmbio e valores. Passei a ter uma agenda
plena de reuniões internas e externas, seminários e almoços nos
restaurantes mais sofisticados de São Paulo.
Para mim, que sempre almocei no restaurante da fábrica
e quando muito no Restaurante Brazão, da Vila Leopoldina, sa-
boreando a maravilhosa bisteca que lá se fazia, era um mundo
totalmente novo e desafiador.
Às vezes, sentia a mesma sensação de insegurança do meu
primeiro dia de trabalho, mas tudo aquilo fazia parte da evolução
da minha carreira. Tinha que me expor para continuar crescen-
do, apesar do imenso frio na barriga!
Falávamos e discutíamos sobre a política de hedge, da
avaliação do “exposure”, da estratégia para aplicação e toma-
da de recursos e da remessa de dividendos à Matriz, conec-
tando nossas decisões ao Planejamento Financeiro e à Con-
troladoria Central, além de submeter nossas análises às áreas
Jurídica e Fiscal.
Minha mente estava voltada para o todo e não mais apenas
para a parte. A interface com cada unidade de negócio era cons-
tante, auxiliando o Planejamento Financeiro na elaboração do
“Economic Assumptions”.
E lá ia eu, nessa atmosfera diferente, com meu terninho
da Garbo e, por muitas vezes, sentindo saudades da inesquecível
Vila Leopoldina.
A cada mudança promovida pelo governo — impostos,
restrições às importações, política de dividendos etc., lá se iam
horas e dias de avaliações para nos adequar às constantes mu-
danças de cenários.

184
Vivendo e Aprendendo

1984–85 — O Brasil aprofundava-se na crise inflacio-


nária e os investimentos estrangeiros escasseavam pelo re-
ceio de “default”. A GE, como as demais multinacionais, não
via grandes possibilidades de negócios nesse território de
incertezas. De fato, o Brasil e os demais países da América
do Sul deixaram de fazer parte do mapa de investimentos,
sabia-se lá até quando.
Nossa estratégia local ficava limitada aos negócios de
Lâmpadas, Medidores, Disjuntores, Sistemas Médicos, Loco-
motivas, Serviços Industriais, Engenharia de Campo e outras
diminutas operações.
Parecia que por muito tempo permaneceríamos em po-
sição “stand by”, até que alguma luz reacendesse, ou ainda, que
houvesse credibilidade para que o retorno dos investimentos pu-
desse um dia voltar a ocorrer.
Finalizava o ano de 1985. Nossos colegas da Black & De-
cker, na sua grande maioria ex-GE, inclusive o Presidente, Sr. Ge-
raldo Campos, convidaram-me para assumir a função de Tesou-
reiro naquela empresa.
Certamente, essa foi uma das decisões mais difíceis que
tomei. Senti muita tristeza em deixar a GE, porém, acredi-
tando que seria importante essa mudança de ares, lá fui eu
para a B&D. Àquela altura da vida com 3 dos meus 4 filhos
já nascidos, tive que optar pela perspectiva imediata de cres-
cimento profissional.
De fato, só mudei de andar, permanecendo no mesmo pré-
dio da Rua Antonio de Godoy. O endereço era o mesmo. Trans-
feri-me apenas do décimo para o terceiro andar. Foi, sem dúvida,
uma grande experiência. A área financeira era encabeçada pelo
Walter Serer, tendo a mim como Tesoureiro e o Mateus Demarchi
como Controller.
Estar perto de pessoas especiais sempre cria grande
conforto e segurança e, graças ao Mateus, minha estada na

185
Alquimia de uma corporação

B&D foi extremamente agradável. Tínhamos e temos exa-


tamente a mesma linguagem profissional e total afinidade
de idéias. Permaneci na B&D por uma temporada de pouco
mais de 3 anos. Parecia incrível, mas após esse curto período,
estava eu retornando à GE.
O Pascoal Sangali — Tesoureiro da GE, também co-autor
desse livro, havia decidido optar por nova empresa, recomendan-
do-me como seu substituto.
A lembrança que ele teve pelo meu nome muitíssimo me
alegrou. Contar com amigos verdadeiros, a exemplo do Pascoal, é
indubitavelmente o maior ativo que se pode ter.
Gostaria de destacar sobre o sentido da palavra amiza-
de, reforçando esse conceito como de inigualável valia para
os profissionais de qualquer época. Não se trata de amizades
políticas ou interesseiras, mas sim, no sentido mais puro de
valorização do ser humano que conosco percorre o caminho
da vida. Seja a amizade oriunda da família, infância, adoles-
cência ou da fase adulta. Sempre se deve levar em conta o
valor pessoal e profissional, sem quaisquer privilégios e com
princípios absolutos de integridade.
Muitas das pessoas haviam mudado nesses 3 anos em que
estive fora da GE, porém, sentia-me em casa como se nunca tives-
se me ausentado. Sempre tive muita sorte nas equipes que ajudei
a formar ou que herdei.
Estávamos nós: eu, o Ivo Filipov e o Luiz Cláudio, e logo
em seguida juntou-se ao time o Ageo Takeda. Sem falsa modéstia,
acho que todos formávamos o “dream team.” Sentíamo-nos feli-
zes em trabalhar juntos, além de desfrutarmos de momentos de
muita descontração e criatividade.
Meu novo chefe era o Donald McBride, que apesar de nor-
te-americano, possuía espírito de italiano. Falava alto, gesticula-
va, gritava, vibrava... No começo eu estranhei, mas com o tempo,
vi que ele possuía uma fabulosa energia e um grande coração.

186
Vivendo e Aprendendo

Apesar do trabalho árduo, divertíamo-nos muito com as


reuniões mensais que fazíamos com os gerentes financeiros de
cada negócio, principalmente com as palavras em espanhol uti-
lizadas pelo McBride, as quais apresentavam sentidos dúbios e
muitas vezes, totalmente diferentes da língua portuguesa. Per-
guntávamo-nos: O que ele queria dizer com: “bodega”, “cargar
em ustedes”.
Sucediam-se os planos econômicos do governo. Lembro-
me que estávamos no Rio de Janeiro quando houve a posse do
Presidente Fernando Collor de Mello.
Nós, em reunião com executivos canadenses e norte-
americanos, enquanto na televisão a equipe econômica do go-
verno tomava posse e anunciava o plano de congelamento de
ativos. De repente, todos tínhamos na nova moeda apenas o
equivalente a US$ 50 disponíveis para atender às nossas neces-
sidades de caixa.
Esse era o nosso país... o que faríamos no dia seguinte?
Milhões de dúvidas! Duas moedas para administrar nosso caixa,
uma denominada moeda podre!
Como pagar os salários, fornecedores, empréstimos etc.?
Jamais, um curso MBA teria tido tanta imaginação para
elaboração de um estudo simulado de caso. Definitivamente,
nada foi mais surrealista do que o Plano Collor.
Mais uma vez, os investimentos no Brasil ficariam “on
hold”, e mais, também com relação aos demais paises da Amé-
rica do Sul.
O nosso programa de treinamento para financeiros
— FMP, aquele que havia sido nossa porta de entrada na em-
presa, iria permanecer totalmente desativado por tempo in-
determinado. Ficar aguardando dias mais estáveis para uma
empresa que conhecia o Brasil desde 1919 não era novidade.
Aliás, dada tanta incerteza, poder esperar por dias melhores
era um grande privilégio, algumas empresas preferiram ou

187
Alquimia de uma corporação

não puderam ter esse tempo e simplesmente deram “good


bye“ ao país.
Nossa sorte é que no início dos anos 90, ocupava a presi-
dência da GE South America uma pessoa fantástica, Kurt J. Meier,
suíço, casado com Dona Maria, brasileira, ambos seres humanos
boníssimos.
Do alto de sua grande estatura e com o do seu sotaque su-
íço-alemão, o Sr. Kurt enrubescia ao falar da estratégia que deve-
ríamos perseguir. Ela tinha um nome: BEFIEX. Dizia ele: “Preci-
samos cumprir nosso programa de exportação acordado com o
governo brasileiro, temos um compromisso que poderá configu-
rar-se como benefício ou enorme penalidade!”.
De fato, a GE havia assinado no início da década de 1980
um compromisso de exportação em troca de benefícios fiscais;
esse contrato denominava-se BEFIEX.
Toda a incerteza com relação à política econômica ocor-
rida nos anos 1980 e início dos anos 1990, seria mais do que
suficiente para justificar a inatingibilidade dessa meta. Podería-
mos ir à Brasília e explicar o porquê da não conformidade. Esse,
porém, não era o pensamento do Sr. Kurt. “Vamos cumprir o
programa“, dizia ele. E assim, todos foram a campo e em função
dessa forte determinação... Buscamos parceiros, exportamos e o
melhor... sobrevivemos.
Figuras excepcionais como o Alex Bialer — Diretor de Pla-
nejamento Estratégico e Joaquim Manhães — Diretor Jurídico,
foram fundamentais para que os nossos objetivos se materiali-
zassem. E assim, gerando “cash flow” chegávamos ao Plano Real.
Ufa! Mais uma vez resistimos!
Recordando-me dos excepcionais executivos da GE, per-
gunto-me hoje: O que é liderança?
Diria que esse complexo conceito se define como a ação
efetiva e eficaz em busca de uma realização, não apenas de um

188
Vivendo e Aprendendo

simples objetivo, mas, acima de tudo, precisa-se ter determina-


ção. Unir pessoas e crer, lidando com as diferenças sem desculpas
de perdedor... ”make it happen”.
Final de 1993. Com o advento do Plano Real, novamente
se dedicava tempo para observar e analisar a região... Lentamente
voltávamos para o mapa.
Fui nomeado Diretor Financeiro e, juntamente com o Di-
retor da Controladoria, o Emígdio Katrip, meu chefe no início
de carreira, dávamos subsídios para o esperado retorno dos in-
vestimentos.
Não queríamos parecer patriotas insanos ou sonhadores,
vendendo nossa região de forma irreal e irracional. Porém, não
escondíamos nosso entusiasmo em verificar a nova possibilidade
de negócios que se aproximava.
Viajávamos para a Argentina, Chile, Venezuela e Peru, além
das costumeiras reuniões em Miami e Nova York.
1994 — Nessa perspectiva de regresso dos negócios, conse-
guíamos aprovar nosso Fundo de Pensão. Dessa forma, atrairía-
mos e reteríamos talentos, além de valorizar antigos colaborado-
res... Realizava-se, assim, um grande sonho!
Parecia incrível! Nossos planos eram analisados e discuti-
dos pela alta direção da empresa. Era o ano de 1995. Estávamos
todos no GE Building (antigo RCA) — Rockefeller Center em
Nova York. O Chief Financial Officer, Dennis Dammerman e
seus assessores participavam das nossas apresentações.
Fevereiro de 1996. O Dennis e o Paolo Fresco, Vice-
Presidente Internacional, decidiram promover um encontro
no Rio de Janeiro em pleno Carnaval carioca... Só no Brasil!
Circulávamos pelo hotel entre os foliões que retornavam do
sambódromo.
Várias apresentações de todos os executivos da América do
Sul foram minuciosamente discutidas. Enquanto o Dennis con-
feria a consistência das oportunidades e das projeções, o Paolo

189
Alquimia de uma corporação

olhava fixamente em nossos olhos para se convencer de que acre-


ditávamos nas palavras que proferíamos.
Voltava-se a dar atenção à América do Sul, sem maiores
euforias, mas selecionando-se áreas de potencial atuação.
E assim se sucediam as nossas viagens. Além do encontro
com os “National Executives” de cada região, fazíamos contato
com outros negócios da GE Company, os quais eram convidados
para receber informações relativas aos panoramas político e eco-
nômico de cada país da América do Sul.
Em certa ocasião, participávamos de uma reunião no Chi-
le. Entre os convidados estava o representante de uma empresa
recentemente adquirida pela GE na Itália, a Nuova Pignone.
O gerente dessa empresa era o Giampiero Tosi, italiano,
florentino. Pouco tempo depois, “questo signore” desembarcava
em terra brasileira, trazendo na sua bagagem o escritório da Pig-
none. Rapidamente tornamo-nos “amici” e posteriormente com-
padres, tendo sido seu padrinho de casamento.
A Nuova Pignone também contava, no Brasil, com o
extraordinário suporte do Cláudio Vasconcellos, superinten-
dente de Power Systems, que, ao longo dos seus 40 anos de
carreira, circulava pelos maiores clientes com inteligência e
descontração. Ter convivido com o Cláudio significa ter o
privilégio de conhecer um ser humano iluminado. Sua ale-
gria contagiante e bondade irrestrita representam para mim
uma fenomenal lição de vida.
A essa altura o inesquecível Kurt já estava em Miami,
gozando de sua aposentadoria. Chegava ao Brasil o John Mc-
Carter como seu substituto. Algumas das sementes começa-
vam a germinar, materializando-se por meio do ingresso de
novos negócios.
O ano de 1996 e os anos sucessivos foram marcados por
várias aquisições: GE Dako, GE Celma, GE Supply, GE Hidro,
Banco GE Capital etc.

190
Vivendo e Aprendendo

Novos ventos sopravam!


Novamente se fazia necessário formar gerentes financeiros.
Reativávamos o FMP!
O formato desse programa era totalmente novo: multi-
mídia, interativo, com foco no desenvolvimento estratégico de
oportunidades. Recebíamos forte apoio de todos os negócios,
dessa forma, reiniciávamos o recrutamento de trainees.
Nossa alegria era imensa em poder vivenciar aquele mo-
mento. Os trainees selecionados vinham do Brasil, Argentina,
Chile, Venezuela, Peru e México.
Não haviam fronteiras. A mente deveria ser global. Os ro-
dízios aconteciam em vários países da América do Sul, México e
Estados Unidos. As aulas eram sempre ministradas em inglês, e lá
estavam nossos financeiros atuando como instrutores e motiva-
dores dessa nova geração de “aprendizes”.
No esteio desse crescimento, em 1997 veio para região ou-
tra incrível iniciativa da matriz: a Elfun — Entidade Filantrópi-
ca. A Elfun, focada no trabalho voluntário dos funcionários da
empresa, surgia criando um grande impacto positivo na alma
das pessoas. Era o despertar da solidariedade! Os funcionários
e colaboradores da GE passaram a identificar projetos filantró-
picos, principalmente aqueles orientados para o atendimento às
crianças carentes.
Infelizmente, em nosso país e especificamente na cidade
de São Paulo, não era difícil encontrar inúmeras crianças aban-
donadas e instituições de assistência totalmente desprovidas de
recursos humanos e financeiros.
Aprendi que quando pessoas e empresas sérias decidem
atuar naquilo que denominamos terceiro setor, os resultados são
extremamente eficazes. Não é necessário nenhum marketing, o
que se precisa é alocar irrestritamente o seu coração, a sua mente
e o seu trabalho.

191
Alquimia de uma corporação

“Mãos na massa!”. Tive o grande prazer em ajudar na ad-


ministração dessa entidade de 1997 até 2001, tendo aprendido
que qualquer pequena ação em prol da humanidade, sempre
resulta em admirável retorno e satisfação para todos, principal-
mente para aqueles que se doam.
Com o ressurgimento dos negócios, a região passou a ter
maior importância, mas ainda assim, quando comparados à
grandeza da GE Company, não tínhamos significativa relevância.
No entanto, àquela altura, nosso porte justificava uma maior pre-
sença de executivos internacionais em busca de oportunidades
de investimentos. A própria auditoria que nos últimos tempos
raramente nos visitava, passou a nos incluir na sua agenda.
A área corporativa tentava prover os serviços necessários,
facilitando-se assim, com mínimo custo, o processo de estabele-
cimento de pequenas unidades de negócios.
Outra figura introduzida foi a Gerência de Risco. Risco
— o que isso representa? Concluí que a maioria das pessoas se
apavora com essa simples palavra, principalmente porque acre-
dita que ele deva ser 100% eliminado. Existe também a visão do
receio em não antever o risco. Pura insensatez!
O que se espera da gerência financeira é a ação de ma-
peá-los e gerenciá-los, por meio de ferramentas eficazes: hed-
ge, seguros e, o mais importante, ações inteligentes. Quase
sempre esses riscos estão associados a oportunidades, desde
que estejamos aptos a nos abstrair de uma visão ortodoxa e
medrosa, avaliando o impacto dos mesmos e desenvolvendo
soluções sob medida. Existem poucas soluções standard para
mitigar os riscos. Cada caso deve ser individualizado, é aí
que reside a vantagem ou desvantagem em relação ao nosso
concorrente.
Aprendi que o pior inimigo que podemos ter é o medo
de falhar. Isso impede que sejamos criativos, tornando, por vezes
pessoas bem preparadas em burocratas do terror.

192
Vivendo e Aprendendo

Paralelamente, ferramentas de qualidade foram introdu-


zidas como o Six Sigma, cuja metodologia criou grande diferen-
cial nos processos fabris. Utilizando-se de nomenclatura relativa
às artes marciais, surgiam os “Green Belts, Black Belts e Master
Black Belts”. Sem dúvida, o Six Sigma forçou a quebra de pa-
radigmas, obtendo resultados expressivos nos processos indus-
triais. Quanto às áreas administrativa e financeira, diria que esses
efeitos não foram tão mensuráveis.
Trabalhei na GE até fevereiro de 2002, tendo vivido
por 12 anos contínuos na área financeira corporativa. Como
última passagem entre janeiro de 2001 e fevereiro de 2002,
estive na direção financeira e administrativa da GE Dako.
Foi muito agradável vivenciar novamente uma unidade de
negócio fabril, estando perto dos processos de manufatura
de eletrodomésticos, além de integrar o front das receitas
operacionais, ou seja, os clientes, “know your customer”, co-
nhecendo as suas necessidades e tentando atender às suas
expectativas.
Durante esse período na GE Dako, conheci seres humanos
de alto quilate, como o Cordebello, Carlos, Roberto, Fabiano, Vi-
viane, Vidalita, Granig, entre outros.
Mas, gostaria de destacar, apesar do pouco convívio, uma
pessoa especial, tanto pela sua história quanto pelo seu exemplo.
Trata-se do Gerente Industrial da GE Dako, o Zézinho.
Esse migrante nordestino começou sua carreira na an-
tiga Dako, como faxineiro no período noturno. Rapidamente
ele limpava as instalações sob sua responsabilidade e dedica-
va seu tempo remanescente à observação dos processos fabris
e ao aprendizado da montagem de fogões com os operários
daquele turno. Sempre humilde e dedicado, aprendia com
seus colegas operários.
Um dia a direção da Dako tomou conhecimento da-
quele fato inusitado, argüindo-o sobre aquele procedimen-

193
Alquimia de uma corporação

to estranho. Por que tanto interesse? O Zézinho pensou que


seria demitido, porém, relatou que apenas queria aprender.
A oportunidade foi dada, e ele abraçou-a com todo o fervor.
Por meio de seu esforço hercúleo, anos mais tarde formou-
se em curso superior, passando posteriormente a gerenciar
a fábrica e mais, coordenando também atividades filantró-
picas, nunca se esquecendo de sua origem de menino pobre.
Meu reconhecimento a esse grande homem e minha gratidão
pelo ensinamento que me proporcionou.
Nem sempre nossa formação acadêmica é a nossa melhor
ferramenta. A vontade e o entusiasmo em aprender e produzir
são os fatores mais determinantes.
Quando ouço: “Dei meu sangue por essa empresa”, causa-
me estranheza. Quando se trabalha com amor e devoção, não
existe estresse nem sangue, mas sim satisfação.
Após muita reflexão, próximo de completar 49 anos,
resolvi me desligar da GE. Tomar essa difícil decisão me fez
ponderar a importância e o rumo que estaria disposto a dar
à nova fase de minha vida. Queria permanecer mais próximo
de minha família e administrar os pequenos negócios per-
tencentes a ela.
Finalizo e resumo toda a minha vivência e gratidão à GE
por intermédio do e-mail abaixo, o qual enviei a todos os meus
colegas por ocasião de meu desligamento.

27/02/2002
Amigos:
Após muitos anos de convivência, chegou a hora de dar
novo rumo para a minha vida. Esse sonho somente se tornou
possível, porque tive a felicidade de ter trabalhado em uma em-
presa como a nossa, a qual nos estimula a “stretch our horizons”,
ativando nossa autoconfiança e criatividade.

194
Vivendo e Aprendendo

Enfim, estou muito feliz por ter iniciado essa jornada em


1975 por meio do FMP, ter percorrido caminhos pelos Negócios,
Corporate e hoje na GE Dako.
Aqui cheguei recém-formado, solteiro e cheio de esperan-
ças, e daqui saio casado, com quatro filhos e certo de que aquela
esperança original materializou-se em feliz realidade. Esses mo-
mentos foram fantásticos e serão inesquecíveis!
A vocês, que fizeram parte dessa história... Muito obrigado!
Muita Paz, Saúde e Felicidades!

195
11 LEMBRANÇAS DE UM
TRAINEE ITINERANTE
Euzébio Angelotti Neto

Estou muito feliz em poder contar minha experiência pro-


fissional sob o prisma da GE. Seria muito bom se minhas ex-
periências aqui relatadas contribuíssem de alguma forma para o
enriquecimento da vida profissional dos leitores.

O INÍCIO — SÃO BERNARDO DO CAMPO


Venho de família humilde e tive que enfrentar o batente
muito cedo. Os empregos que tive antes de me formar foram os
que estavam disponíveis. Não foram escolhidos por questões
profissionais e sim, por razões financeiras. Quando, enfim, me
formei em Economia, decidi trabalhar na área financeira. No
final do ano de 1976, lendo o panfleto que a GE distribuiu na
faculdade à procura de trainees, vi ali a oportunidade que esta-
va procurando.
Consegui passar no teste, mas só fui admitido 9 meses
depois, isto porque as vagas para trainees eram abertas à me-
dida que houvesse movimentação interna de pessoal. Nesse

197
Alquimia de uma corporação

ano que entrei, só foram admitidos 4 trainees numa GE de


15.000 empregados. Lembro-me de ter ligado inúmeras ve-
zes para o Varela e de ter ido até lá para saber do andamento
das admissões. Acredito que minha insistência foi decisiva
para eu ser aceito.

AS IMPRESSÕES DE UM TRAINEE — SÃO PAULO


Quando, finalmente comecei a trabalhar, fiquei decepcio-
nado com a aparência dos escritórios. A GE era uma empresa que
não se preocupava em trocar seus móveis de escritório. Tudo era
velho, bem cuidado é verdade, mas velho, muito velho. O prédio
no centro de São Paulo, onde ficava a administração central, tam-
bém era muito antigo. Mas isso foi uma das primeiras lições que
aprendi. Os móveis antigos funcionavam tão bem quanto os no-
vinhos em folha. Por que então gastar dinheiro com coisas novas
se isto não agregaria valor aos clientes?
A primeira posição ocupada pelos trainees era para que
eles conhecessem a empresa, o jogo de poder, quem era quem e
o fluxo de informações. É importante salientar que numa em-
presa deste tamanho não se sente a presença do dono, mesmo
porque ele não existe. O poder é exercido por uma hierarquia
formal quando se tratava de cadeia de comando e por grupos de
pressão (as famosas panelinhas) quando se tratava de indicações.
Ser reconhecido por um grupo destes era importante para a car-
reira na empresa.
Outra observação importante era a informalidade de
tratamento. O Presidente da GE para a América Latina era
tratado como você, por todos, inclusive por nós, trainees. Ha-
via também um sistema informal de valorização das pessoas
e que era cultivado na empresa. Sempre que alguém era apre-

198
Lembranças de um Trainee Itinerante

sentado a uma pessoa, falava-se o que ela tinha feito de bom


para a empresa. Raramente se falava em cargos ou em títulos,
sempre eram enfatizados os feitos. Outra coisa que percebi
foi o forte direcionamento para a carreira. Os ocupantes dos
cargos mais altos — controller, tesoureiro — tinham mais de
25 anos de empresa. E eles estavam nos cargos por compe-
tência, não por longevidade. E esta competência havia sido
testada por todos estes anos de trabalho. Para se ter uma
idéia de como a competência era levada a sério, dizia-se nos
corredores que a GE tinha dois tipos de presidente: o que
dava lucro e o ex-presidente.

TRABALHANDO EM CRÉDITO E COBRANÇA


EM 1977 — SÃO PAULO
Minha primeira experiência foi em crédito e cobrança. A
área de cobrança da GE era dividida por região geográfica. Tí-
nhamos escritórios de cobrança em todo o Brasil. Nestes escri-
tórios, muitas vezes, funcionavam também as áreas de vendas.
Em São Paulo, as cobranças eram separadas também por regiões.
Cada analista de cobrança tinha clientes específicos para cobrar.
Isto era bom porque melhorava a comunicação entre a GE e seus
clientes. Os clientes especiais, o que chamamos hoje de corpora-
tivos, eram cobrados pelo trainee. Na sala contígua à cobrança fi-
cava o pessoal do crédito. Esta proximidade ajudava a integração
de informações entre estas áreas.
Foi nesse mesmo período que o Pão de Açúcar com-
prou a Eletroradiobrás. Estas empresas eram clientes da GE,
e a junção das áreas de contas a pagar das duas foi tumul-
tuada. Isto acarretou atrasos de pagamentos e o crédito foi
suspenso. Certo dia, já desistindo de tentar resolver as coisas

199
Alquimia de uma corporação

por telefone, juntei todos estes documentos e fui até a sede


do Pão de Açúcar. Lá chegando, encontrei uma montanha de
caixas com notas fiscais, aguardando a digitação para poste-
rior pagamento. Ajudei o pessoal de contas a pagar a encon-
trar nossas notas e fiquei lá até ter certeza de que elas esta-
vam sendo digitadas. Fomos pagos logo em seguida. O que
aprendi neste episódio foi que, às vezes, é necessário ajudar
o cliente a se desvencilhar dos seus problemas, mesmo não
sendo estes de nossa responsabilidade, e que a presença físi-
ca é indispensável.
Era praxe o Controller fazer uma reunião com os trai-
nees uma vez por ano. Éramos 16 em diversos estágios do
curso. O objetivo era dar orientação geral aos treinandos,
dicas, falar da empresa etc. Feito isso, ele pediu para que se
alguém tivesse uma idéia de melhoria para a empresa, que
falasse. O idiota aqui cheirando leite, levantou e encarou o
Controller e disse:
— Olha, tenho notado que existem filas para tirar xerox.
Elas ocorrem porque não temos auxiliares para tirar cópias. As
próprias pessoas que necessitam das cópias as tiram. Se admitís-
semos alguém para fazer isso, provavelmente economizaríamos o
tempo destas pessoas que, seguramente custa mais caro do que o
tempo dos auxiliares.
A sala ficou calada. O Controller, que eu não conhecia, deu
um sorrisinho de canto de boca e disse:
— Chapinha, uma das coisas mais importantes de uma
empresa é o controle de número de cabeças. Não temos pessoas
para tirar cópias e nem as teremos. A idéia é criar dificulda-
de para se tirar estas cópias, pois assim elas só serão tiradas se
de fato forem necessárias. Se nós criarmos facilidades, além do
custo do salário da pessoa admitida, teremos aumentado nos-
sos custos com xerox.

200
Lembranças de um Trainee Itinerante

Por incrível que possa parecer, não me deu bronca — deve


ter tido pena de um trainee novo. Esta lição carrego comigo até
hoje. Certas facilidades aumentam os custos.
Uma coisa que me impressionou quando trabalhei na área
de crédito, foi que se mantinha o arquivo de informações sobre
clientes para sempre. Como trainee, os clientes como Mesbla, Pão
de Açúcar e Mappin pertenciam à minha carteira. Descobri do-
cumentos de 1929 na pasta da Mestre Blagé (Mesbla). Isto é, a GE
mantinha o mesmo sistema de crédito havia 50 anos, e funciona-
va! O que terá acontecido com este arquivo?

TEMPORADA DE 1978 — CUSTOS —


SANTO ANDRÉ
Seguindo o sistema de rodízio, fui transferido para a área
de custos. No início foi um baque. Trabalhava anteriormente no
escritório central junto com a alta administração e fui manda-
do para a fábrica, em Santo André. Chão de fábrica diga-se de
passagem. A seção de custos ficava num mezanino no meio da
fábrica, o que tornava possível participar de tudo o que acontecia
na produção. Assim deve ser custos, sempre.
Lá, fui ser o analista do sistema de redução de custos
da fábrica de aparelhos domésticos. O sistema era parecido
com os sistemas de sugestões que muitas empresas já haviam
implantado, a diferença é que lá era levado a sério. As suges-
tões recebidas eram registradas num formulário especial e
analisadas primeiramente pelo aspecto técnico, depois pelo
financeiro e, finalmente pelo mercadológico. Todos tinham
prazos para cumprir sua análise. Se a sugestão fosse apro-
vada e implantada, era dado ao dono da idéia 10% do que a
empresa economizasse em um ano.

201
Alquimia de uma corporação

No final do ano era oferecido um jantar num restau-


rante grã-fino, com o presidente da empresa e os principais
executivos, onde eram homenageadas as melhores idéias do
ano. O resultado prático deste sistema ia além da economia
pura e simples de valores. Ele permitia identificar pessoas que
de fato geravam resultado para empresa e, de quebra, ainda
dava oportunidade aos chefes a se projetarem quando em suas
áreas fossem geradas muitas idéias pelos seus subordinados. E
tudo isto tinha o aval de finanças por meio da área de custos,
para legalizar o sistema.
Depois desta função, fui cuidar do inventário de ma-
téria-prima e produtos em processo. Logo percebi que na
fábrica não havia o cargo de cronometrista. Fui perguntar
o porquê para a engenharia de produtos. O engenheiro que
me atendeu foi categórico: disse que, uma vez planejado o
tempo-padrão para cada produto, era só pegar esse tempo-
padrão e multiplicar pela produção no final do mês; o total
encontrado era comparado com as horas pagas para o pes-
soal da produção. Então, aquilo que se havia previsto, com-
parado com o tempo real, era utilizado para se controlar a
produtividade! As diferenças encontradas tinham que ser
explicadas. Pode parecer simplório, mas foi aí que aprendi o
que é um sistema integrado.
Todo o sistema de custos da fábrica de eletrodomésticos
era fundamentado no sistema de custos por processo, e nós o
chamávamos de custo por explosão. Nosso trabalho era con-
trolar as exceções, já que o que era normal o sistema controlava
automaticamente. Não havia requisição de material! Uma vez
por ano fazíamos o inventário físico em todo o departamento
e, acredite se quiser: o inventário era feito em 2 dias —. Não
utilizávamos o sistema de inventário rotativo, pois pensávamos
e ainda penso, ser um conceito sujeito a muitos erros.

202
Lembranças de um Trainee Itinerante

FAZENDO ORÇAMENTOS EM
1979 — SANTO ANDRÉ

Meu estágio seguinte foi na área de orçamentos e me-


dições no Departamento de Motores. Nessa época este de-
partamento estava sofrendo uma concorrência muito grande
da WEG. A GE foi a primeira fábrica de motores do Brasil.
Contava-se uma história de que uma pessoa visitou a WEG
em seu início, e relatou à GE que não era para se preocupar
com aquela empresa, pois o piso da fábrica ainda era de chão
batido. Dez anos depois deste relato, a GE estava na maior
dificuldade justamente devido à penetração da WEG no mer-
cado. Com isso aprendi que não basta ser o primeiro, tem que
permanecer em primeiro e estar atento a todos os movimen-
tos do mercado. Por menor que seja o concorrente, ele deve
ser levado a sério.
O Departamento de Motores estava na maior “pindu-
ra” devido às vendas baixas. Logo não tínhamos dinheiro
para comprar quase nada; não havia espaço para aumentos
salariais, promoções, nada enfim. Colado ao escritório des-
te departamento, a GE iniciou o Departamento de Plásticos.
Este departamento tinha de tudo: carro para gerentes, mesas
novas, material de escritório de primeira, e nós, ao lado, no
maior aperto. Parte deste aperto adveio de um cancelamen-
to de um pedido gigantesco. Pedido este, acreditem, interno.
Aconteceu que o Departamento de Eletrodomésticos, maior
cliente do Departamento de Motores Fracionários, preferiu
comprar motores no mercado, que estavam mais baratos.
Isto fez com que o Departamento de Motores fracionados
fechasse, sobrecarregando o resultado do Departamento de
Motores Integrais, cujos custos fixos eram comuns. Este foi
o maior exemplo que tive do verdadeiro funcionamento do

203
Alquimia de uma corporação

sistema de unidades de negócio (área de negócio para a GE


era departamento).
Bem, finalmente acabei o curso depois de duas crises de
úlcera. A pressão por termos que tirar notas acima de 75 — senão
seríamos demitidos —, de estarmos sempre sendo postos à prova
e estarmos em evidência (tivemos até nossas fotos expostas num
quadro na presidência) acaba com qualquer um. Mas o que de
fato ficou?
Ficou a estrutura de como uma empresa deve funcionar
em termos financeiros — integrada. Ficou a base financeira em
cujo conceito, creio, foi edificado todo o sucesso da GE. Ficou
a amplitude do termo finanças — não só tesouraria, mas todos
os subsistemas onde transitam valores. Ficou a certeza de que
não existe diferença entre informações gerenciais e fiscais, só os
clientes destas informações é que são diferentes. Ficou, acima
de tudo, a certeza de que estes conceitos podem ser aplicados
em qualquer negócio.

FINALMENTE GRADUADO 1980 — SÃO PAULO

Meu primeiro cargo, depois de graduado, foi especia-


lista em Imposto de Renda. A partir daí comecei a entender
o que era ser profissional de verdade. Após uma semana de
“passagem” de serviço pelo meu antecessor, o cargo era meu,
e eu tinha que responder por ele. Ninguém passava por cima
de mim. Minha opinião era respeitada como se tivesse anos
de experiência. Agora era bom me certificar do que estava
fazendo. Erros não eram facilmente tolerados. Amadureci
rapidamente.
O trabalho consistia na elaboração do Imposto de
Renda da empresa em si e na solução de todos os problemas

204
Lembranças de um Trainee Itinerante

advindos desta área. Nesse tempo a carta era o meio de co-


municação. Eram emitidas cerca de 1.500 cartas por ano em
resposta a questões dos departamentos e das autoridades tri-
butárias. Eu estava sempre em busca das melhores opções de
engenharia tributária, objetivando economia de impostos,
mas sempre orientado pela ética e retidão, que eram a tônica
da forma de atuar da GE.
Certa vez que tive a oportunidade de participar de um
projeto interessante na tesouraria. Fizemos um acordo com um
grande banco com agências por todo o País para que todos os
nossos recebíveis, que eram pagos Brasil afora, fossem creditados
na mesmo dia em São Paulo. Em troca, este banco ficou com toda
nossa carteira de contas a receber.
Por outro lado, no contas a pagar, contratamos um ban-
co quase sem agências, de forma que todos os cheques utiliza-
dos, demoravam para serem descontados, pois havia a neces-
sidade de se usar bancos correspondentes para sua compensa-
ção. Imaginem o tamanho do float gerado, tendo um recebível
rápido e um pagável lento numa inflação que girava em torno
de 100% ao ano.

MERGULHANDO NA CONTABILIDADE
1982 — SANTO ANDRÉ
Depois disso, fui ser supervisor de análises contábeis. Uma
das funções deste cargo era controlar o sistema de fechamento
contábil da empresa. Éramos muito rígidos quanto aos prazos,
que eram contados em minutos.
Em certa ocasião, numa fatídica quarta-feira, quando o pes-
soal de orçamentos deveria entregar a estimativa até as 15:20, veio
o gerente de orçamentos do departamento de motores, em pessoa,
me pedir para aguardar mais 20 minutos para fechar. Isto poderia

205
Alquimia de uma corporação

atrasar o fechamento inteiro da empresa. O argumento dele era


de que o atraso não seria assim tão importante para a empresa.
Enquanto ele falava, o Controller, sempre ele, ouvia. E retrucou.
— Chapinha, vou avisar ao departamento pessoal que seu
salário pode ser atrasado pois, para a empresa, o atraso do seu
salário não tem a menor importância.
Eis aí outra lição — prazos. Eles foram feitos para serem
cumpridos. Imaginem que no quinto dia útil do mês tínhamos o
fechamento pronto de todos os departamentos da GE do Brasil,
incluindo a estimativa para o restante do ano. Isso nos idos de
1980. Nunca mais em minha vida profissional encontrei tama-
nha competência e seriedade em um sistema de informações.
Certa vez, num destes fechamentos pesados, estava a con-
troladoria em peso, trabalhando até tarde. Lá pelas 23:30 surgiu
uma salvadora garrafa térmica de café. Que alívio! Fomos todos
com o copinho na mão para sermos servidos pelo Contador. O
Controller, ao ouvir o alvoroço, saiu de sua sala e veio ver do que
se tratava. O Contador, educadamente lhe ofereceu café.
— Vou fazer um sacrifício e vou acompanhar a turma!
— disse o Controller, que não gostava de café.
Formamos um círculo e o Contador foi servindo a todos.
Quando chegou a vez do Controller, o Contador pôs só um pou-
quinho de café no seu copinho. O Controller perguntou:
— Só isso?
— É para que seu sacrifício seja pequeno — respondeu o
Contador.
Eu tinha que contar isto!

O FIM DE UM SONHO — 1984 — SANTO ANDRÉ


Jack Welch agora era o Presidente da GE mundial e co-
meçou a mexer nas coisas. Numa bela segunda-feira, ficamos

206
Lembranças de um Trainee Itinerante

sabendo que a Black & Decker havia adquirido mundialmen-


te o departamento de aparelhos domésticos da GE. Tínha-
mos 90 dias para fazer a divisão daquilo que foi vendido e
juntarmos com a unidade que a Black & Decker tinha no
Brasil. Depois da junção, houve uma debandada de profis-
sionais que não mais viam futuro profissional na empresa
resultante. A GE encolheu de 15 mil empregados em 77, para
os atuais 2,5 mil.

O CONTADOR QUE VIROU


SUCO — 1984 — MATÃO

Mudei de empresa. Fui ser então, o Gerente de Controla-


doria da maior processadora de suco de laranja do Brasil. O mo-
tivo de minha contratação se deveu ao fato de a empresa querer
implantar um sistema de orçamento departamental.
Eu era muito jovem e não avaliei corretamente o tama-
nho da encrenca. Não era uma empresa e sim três pessoas jurí-
dicas mais oito coligadas, fora os escritórios de colheitas. Além
dos quatro mil empregados, havia ainda quinze mil apanhado-
res de laranja, que eram pagos semanalmente e contratados por
safra, chamados bóias-frias. - Depois da safra eram demitidos.
Adicione-se a isso três mil e quinhentos produtores rurais que
vendiam sua safra com até dois anos de antecedência, setecen-
tos caminhões para transportar laranja e duzentos e cinqüen-
ta carros para os compradores de frutas. A fábrica tinha cinco
quilômetros de extensão, e a capacidade de processamento era
de mil caminhões/dia. Tínhamos que controlar tudo isto tudo
em duas moedas, dólar e cruzado, e para completar, nenhum
sistema era integrado.

207
Alquimia de uma corporação

IMPLANTANDO UM SISTEMA
DE INFORMAÇÕES GERENCIAIS
— 1984 — MATÃO
Para entender todo este complexo e poder implantar o sis-
tema de orçamento departamental, tivemos que entrevistar to-
dos os gestores. Não contava com as resistências que encontrei. A
técnica eu dominava, mas a política... Teve gerente que demorou
60 dias para confirmar uma simples entrevista. A empresa tinha
urgência, e assim optamos por adquirir um pacote (grande erro!)
e adaptar as nossas necessidades. O programa exigiu um aumen-
to em nosso hardware. A importação desse tipo de equipamento
era controlada, o que dificultava sua aquisição.
Um fator externo, que também não avaliei, foi o familiar.
Mudei com minha família para a cidade e não tive tempo de aju-
dar meu pessoal na adaptação. Desde escola, médico etc. Traba-
lhava 18 horas por dia e a coisa não ia. Neste ínterim, o Control-
ler da empresa foi dispensado e a área foi subordinada ao gerente
financeiro, que não tinha compromisso com o projeto. Ficamos
como filhos enjeitados.
Quando, finalmente, o sistema ficou pronto, pensei que
os problemas tivessem acabado. Ledo engano. A primeira ro-
dada demorou 60 dias para conseguirmos ter uma prévia.
O computador não suportava o volume de dados gerados e
abortava os relatórios. Tivemos que trocar o turno do pes-
soal da Contabilidade. A empresa funcionava normalmente
durante o dia. À noite tirávamos todos os sistemas do ar e
rodávamos somente a Contabilidade. Havia noites em que
o sistema processava 10 horas e abortava às seis da manhã.
Quando, finalmente, conseguimos a primeira rodada, o sis-
tema apontou 57 mil erros.
Passamos quatro dias corrigindo. Teve gente que traba-
lhou 48 horas sem ir para casa. Quando, finalmente, consegui-

208
Lembranças de um Trainee Itinerante

mos corrigir tudo, a segunda rodada do sistema apontou 60


mil erros, três mil a mais que na rodada anterior. Bem, esta-
bilizamos o sistema, mas o desgaste havia sido muito grande.
Não havia apoio das chefias. Seguramos este sistema por um
ano e meio.

A REIMPLANTAÇÃO — 1986 — ARARAQUARA


Quando, finalmente, a questão estrutural da empresa
foi resolvida e voltamos a ter clareza na cadeia de comando,
partimos para uma nova implantação: computadores mais
potentes, mais área de discos e principalmente, apoio da alta
administração. O sistema foi um sucesso. Toda a estrutura de
informações, — conta área de negócio, centro de custos, li-
nha de produtos, sistema de análise, sistema de conversão, etc.
— foram inspirados na GE.
Para treinar o pessoal para trabalhar com o sistema,
implantamos um curso de finanças, baseado no FMP. A essa
altura já tínhamos quatro colaboradores da GE trabalhan-
do na Contabilidade e em Orçamentos. Fomos muito felizes
na concepção da contabilização em dólares. Conseguíamos
apontar a variação cambial ao nível do lançamento contá-
bil. Os relatórios de despesa foram padronizados e respon-
sáveis na orientação por uma redução de custo que se se-
guiu nos próximos oito anos de 50% dos custos fixos. Nesse
mesmo período os funcionários da Contabilidade caíram
de 26 para apenas 8 pessoas. Isto ocorreu porque a Conta-
bilidade deixou de ser um departamento para se tornar um
sistema de informações.
Todas as áreas que passavam informações para a Contabili-
dade foram reestruturadas, assumindo papéis também de conta-
dores. Do volume de lançamentos que o sistema contábil recebia,

209
Alquimia de uma corporação

apenas 1% era gerado pela própria Contabilidade. Com a equipe


afinada fomos ganhando espaço na empresa, e as áreas que de
alguma forma tinham a ver com dados financeiros, foram sendo
incorporadas à Controladoria.

A REENGENHARIA — 1993 — ARARAQUARA


Tudo ia bem até que veio a reengenharia, lembram-se? Fi-
zemos muitas mudanças, criamos o layout panorâmico, enxuga-
mos ainda mais as equipes. Implantamos o que denominamos
cheque gerente, pois notamos que uma parte do trabalho do
comprador era para atender solicitações de gestores como por
exemplo, a compra de um cinzeiro verde. Já pensaram no esforço
de comprar um cinzeiro verde, que pertence a um conjunto na
sala da presidência e que por descuido da faxineira quebrou?
Primeiro vem a dúvida de como preencher a requisição de
compras. Como definir um cinzeiro verde, se não tenho código?
Normalmente o requisitante descreve “conforme amostra” e ane-
xa o cinzeiro à requisição. Se a requisição for eletrônica, manda o
cinzeiro via guardinha para o comprador. Depois vem a parte do
comprador. Como explicar para o fornecedor? Acaba chamando
alguns e fornece a amostra. Se tiver sorte e encontrar o dito cujo,
vem a dúvida: devo cadastrar isso como item de compras para
evitar este trabalhão da próxima vez que quebrar? E por aí vai...
Para simplificar o processo, aplicamos o conceito de ma-
terial planejado e não planejado. Demos poder para os gestores
de primeiro nível para que efetuassem suas próprias compras de
materiais não planejados, se desejassem.
Abrimos uma conta bancária para todos os gestores (17).
O limite de cada cheque era de 500 dólares. Podia-se comprar
de tudo, mas de tudo mesmo! Uma vez por mês, cada gestor
enviava as notas fiscais para a Contabilidade junto com o fe-

210
Lembranças de um Trainee Itinerante

chamento deste caixa pequeno. A Contabilidade registrava os


gastos numa conta específica dividida por gestor. No início,
como não havia necessidade de aprovação de um nível supe-
rior, os gestores repuseram seus cinzeiros verdes. Mas como a
auditoria checava esta conta todos os meses, o gestor se sentia
muito exposto. O resultado disso foi que o volume de gastos foi
mais baixo que o sistema anterior e não tivemos problemas com
abuso, além do que pudemos redirecionar compradores, agora
ociosos, para outras tarefas.
Agora uma história intrigante. A empresa concedia auto-
móveis como benefício. Tínhamos 23 gestores que tinham carros
designados. Havia três categorias de veículos para os três níveis
de gestores: Gerentes de Divisão, Diretores e Presidente. O be-
nefício incluía a troca do carro a cada três anos ou com 120 mil
quilômetros rodados, o que ocorresse primeiro, manutenção,
combustível, seguro e licenciamento.
Os carros eram lavados e abastecidos uma vez por semana,
e os dos Diretores e Presidente todos os dias! Havia dois funcio-
nários para esta tarefa. Existia uma certa hierarquia no dia da
lavagem, pois era impossível lavar todos os carros no mesmo dia.
Assim, os gerentes, cuja promoção era mais recente, tinham seus
carros limpos no início da semana, já os mais antigos, no final da
semana (olhem só!). Todas as manutenções eram rigorosamente
cumpridas. Havia uma pessoa na área administrativa que cuida-
va disto mais a burocracia de licenciamentos e seguros.
Bem, decidiu-se tirar os carros dos gerentes, substituindo o
sistema por um empréstimo num valor suficiente para se adqui-
rir carros do mesmo nível a que tinham direito. Por outro lado,
ela reembolsaria as despesas de viagem sempre que o gerente esti-
vesse a serviço da empresa. Na prática, o que foi realmente tirado
foram as mordomias, pois em termos financeiros, o novo sistema
era igual. Tudo equacionado, elaboramos os contratos e marca-
mos o início do novo sistema para uma segunda-feira.

211
Alquimia de uma corporação

No dia marcado, quase ninguém veio trabalhar com os


carrões a que estavam acostumados. Vieram com carros po-
pulares, mais econômicos, e a diferença em dinheiro que lhes
havia sido dada para comprar o carrão, foi aplicada em coisas
mais interessantes.
Vejam só que se a empresa tivesse decidido, quando da
concessão dos benefícios, optar pelo benefício financeiro em vez
do material, teria aumentado a satisfação dos seus gerentes, pois
cada qual poderia aplicar os recursos como quisesse e teria evi-
tado um aumento em sua estrutura burocrática, estrutura esta
desnecessária aos negócios da empresa.
Cabe aqui uma reflexão sobre o sistema de remuneração
das empresas. Como nosso custo de encargos sobre os salários
é elevado, muitas empresas optam em dar benefícios materiais
para seus empregados em vez de um salário melhor. Seria bom
observar se a estrutura de controle que muitos destes benefícios
necessitam, não custariam mais do que a economia que a empre-
sa pretendia fazer nos encargos. Observem o tamanho de alguns
dos setores de benefício da empresa. São realmente necessários?
Não estamos sendo muito paternalistas? Estamos de fato econo-
mizando dinheiro?

DO SUCO AO TÊNIS — 1994 — JUNDIAÍ


Seguindo minha carreira, como se diz, meu próximo
desafio foi trabalhar como Controller numa empresa fabri-
cante de calçados e de tênis de alta performance. Encontrei
um sistema de gestão financeira que estava cerca de dois anos
atrasado tecnologicamente em relação ao da empresa em que
havia saído. Assim pude, rapidamente, implantar as coisas que
deram certo na outra empresa, ganhando um tempo precioso.
Junto com esta tal de reengenharia, falava-se em downsize ou

212
Lembranças de um Trainee Itinerante

rigthsize, quem não se lembra! Pois é. Tiramos o computador


de grande porte e colocamos os micros em rede e desenvol-
vemos e implantamos todos os subsistemas de gestão e, para
ajudar, o Plano Real veio de quebra. Já que desgraça pouca
é bobagem, reformamos os escritórios e adotamos o layout
panorâmico e partimos para acertar o arquivo inativo. Foram
disponibilizados para a venda 157 arquivos de aço, que esva-
ziamos. Saíram toneladas de papel velho da empresa. Estáva-
mos com a corda toda.

UMA HISTÓRIA TRISTE — 1994 — JUNDIAÍ


Tudo parecia bem, mas estávamos esquecendo do lado
humano da coisa. Esta empresa havia sido comprada havia
cinco anos. Muitas reformas haviam sido feitas, muita gente
antiga foi dispensada. O ambiente estava estranho, mas não
prestamos muita atenção. O Plano Real fez disparar as vendas,
mas logo o dólar baixou para cerca de 80 centavos de real, as
importações de tênis pelos concorrentes passaram a ser uma
ameaça ao nosso negócio.
Numa sexta-feira, dia de pagamento, a fábrica parou.
Ocorreu um erro na impressão dos holerites. O saldo de sa-
lários a receber de parte dos empregados da fábrica foi im-
presso como zero. O erro foi só de impressão, o depósito no
banco estava correto. Isto foi o estopim para se iniciar uma
greve de 26 dias, justo no mês de pico de vendas. Como o
Plano Real estava na sua fase inicial, não havia interesse dos
partidos de oposição que este plano deste certo. Nove sindi-
catos da região se mobilizaram para manter o movimento
grevista. Não conseguimos acordo, pois não havia interesse
nisto por parte dos sindicatos. Demoramos um pouco para
perceber isto.

213
Alquimia de uma corporação

Começaram os piquetes feitos por profissionais. Pedimos


reforço policial. Não adiantou muito.Tivemos que negociar com
os fornecedores para que eles adiassem a entrega de materiais.
Transferimos o pessoal de tesouraria para um hotel da cidade a
fim de manter as finanças funcionando. Foi chegando o dia 15,
dia de vale, e nós decidimos não pagar para quem não estivesse
trabalhando. A resposta dos líderes da greve foi fazer uma “sardi-
nhada” na porta da fábrica. Uma bagunça.
A esta altura já tinha gerente que, estando dormindo na
fábrica, o seu horário de entrada passou a ser 3 da manhã e
de saída, indeterminado. Alguns telefones das residências dos
gerentes foram descobertos e suas famílias começaram a ser
ameaçadas. Para ir embora, guarda-costas nos acompanha-
vam. Já nem ligávamos para as palavras de baixo calão que
falavam para nós o dia todo.
Finalmente, elaboramos um plano. Contratamos 60 segu-
ranças, que no jargão dos grevistas eram chamados de bate-pau,
de forma a neutralizar o piquete, nem que fosse na “porrada”.
Convocamos todos os trabalhadores para voltarem para a fábrica
num dia combinado. Combinamos um caminho diferente com
os motoristas dos ônibus. A fábrica tinha a entrada principal
onde era o palco de todos os distúrbios, mas tinha também uma
entrada pelos fundos, que era vigiada pelos grevistas, mas que
não tinha sido usada até então.
Tudo planejado, por volta das 4 horas da manhã posicio-
namos os seguranças no portão principal. Assim que os pique-
teiros foram chegando, os bate-paus não impediam que eles se
posicionassem para fazer seu “trabalho” de piquete. O tumulto
foi gerado. A polícia começou com o deixa disto. Neste instante
chegaram três ônibus, que tentaram entrar pelo portão princi-
pal. Sentindo-se em minoria, os grevistas pediram reforço. Seus
companheiros, que estavam no portão de traz vieram para aju-
dar. A maioria dos ônibus que traziam os empregados estava na
redondeza, aguardando nosso sinal. Assim que percebemos que o

214
Lembranças de um Trainee Itinerante

portão estava desguarnecido, avisamos os motoristas dos ônibus


e conseguimos colocar cerca de 600 empregados na fábrica. Foi
tudo tão rápido e silencioso, que ninguém notou.
Já pela manhã, os ânimos estavam arrefecidos e os seguran-
ças, dentro da fábrica. Como não poderia deixar de ser, eles des-
cobriram que foram ludibriados e ficaram enfurecidos. Apedre-
jaram a fábrica. Acertaram carros, gente, prédios, tudo. Enquanto
procurávamos nos abrigar e socorrer os feridos, espalhou-se a
notícia de que nossos seguranças é que haviam agredido grevistas
e até bateram numa mulher grávida (conseguiram até exame de
corpo de delito!). Eles soltaram a notícia antes. Não conseguimos
desmentir. Nos demos conta de como éramos amadores.
Bem, a greve acabou por puro cansaço. Os acionistas re-
solveram que este lugar não era seguro para manter um negócio.
Um ano depois a produção foi transferida para o Ceará. Com o
esvaziamento da fábrica, os trabalhadores foram demitidos. Ha-
via um vereador petista que se destacou neste movimento. Hoje
é o candidato mais cotado para ser o prefeito da cidade nas pró-
ximas eleições.

O APRENDIZADO — 1994 — JUNDIAÍ


Mas enfim, onde foi que erramos? Por que os emprega-
dos ouvem os sindicalistas, que raramente falam com eles, e não
ouvem seus superiores com quem estão juntos todos os dias? Os
sindicalistas não lhes garantem empregos, não lhes pagam salá-
rios, por que os ouvem então?
Fomos atrás da resposta. Descobrimos que foi falta de
comunicação. Devido à nossa hierarquia, não havia oportu-
nidade de comunicação entre os níveis inferiores e superio-
res. Instituímos, então, um sistema de comunicação batizado
de “cafezinho com a presidência”. Funcionou muito bem. Logo
na primeira semana listamos cerca de 300 reivindicações dos

215
Alquimia de uma corporação

empregados. Pasmem, cerca de 95% delas não tinham custo!


Era coisa do tipo mudar um bebedouro de lugar, pois os em-
pregados andavam muito para beber água. Parece pouco, mas
fiquei cinco anos andando sem necessidade para tomar água e
veja se você agüenta.
A verdade é que a solução veio um pouco tarde. Refletindo
depois sobre o ocorrido, fiz uma analogia com o sistema de redu-
ção de custos da GE. Não era aquele um precursor de um sistema
de comunicação eficaz entre os níveis hierárquicos?

A LOGÍSTICA REVERSA — 1994 — JUNDIAÍ


Esta empresa mantinha um curioso sistema de contro-
le de saída de materiais inservíveis. Sempre nos preocupamos
com a entrada de produtos, burocratizamos o sistema de re-
quisição de compras, de conferência de recebimento com um
número muito grande de autorizações e assinaturas. Mas para
itens que tivessem ficado obsoletos, tivessem quebrados ou
danificados, não demos a devida atenção. O procedimento era
simples: tudo o que não estivesse em uso ou que fosse descar-
tado, mandava-se para o redondo — nome do almoxarifado
de saída, devido ao formato do prédio, incluindo o lixo.
Neste “almoxarifado” os materiais eram classificados e,
se fosse o caso, vendidos. Tinha também a função de pool de
móveis. Aqueles móveis, divisórias etc. que estavam em desu-
so, mandava-se para o redondo. O pessoal de lá consertava o
que tinha conserto e disponibilizava novamente para o uso. Em
suma, controlava-se a saída de materiais que é tão importan-
te quanto à entrada. Isto me lembra o sistema de controle de
scraps da GE. Tudo o que era para ser descartado, tinha que ser
justificado e ter aprovação superior. Só não tínhamos um nome
específico para isto.

216
Lembranças de um Trainee Itinerante

O FIM DA ITINERÂNCIA — 1996 — JUNDIAÍ


Bem, como não fui para o Ceará, dei seguimento à minha
carreira numa empresa fabricante de empilhadeiras elétricas
para armazenagem. O desafio agora era outro. Havia seis concor-
rentes, todos eles estrangeiros, importando máquinas de renome
internacional. Apenas um estava instalado no Brasil. As empresas
internacionais instaladas no Brasil preferiam comprar equipa-
mentos conhecidos em seus países de origem, logo, os nossos,
tupiniquins, muitas vezes nem eram levados em consideração.
Embora com todos estes problemas, ainda detínhamos 25% do
mercado brasileiro.

A FEBRE DA INTERNET — 1997— JUNDIAÍ


Nesta época a logística, que começou a ser notícia, veio
na esteira da explosão das vendas pela internet junto com
os B2B e B2C. Todo este movimento provocou também um
aumento da procura de produtos para logística. As empilha-
deiras estavam no meio. Começaram a surgir os operadores
logísticos, muitos de origem estrangeira e com a preferência
por equipamentos estrangeiros. Sentimos que nossas chan-
ces de manter nossa participação no mercado estavam dimi-
nuindo. Se perdêssemos esta onda dos operadores logísticos,
poderíamos sair do jogo. A estratégia foi lutar para conseguir
um grande cliente que desse credibilidade ao nosso produto
diante das outras multinacionais.
Na época uma grande rede de hipermercados necessita-
va mudar radicalmente sua logística. Para isto procurou ope-
radores logísticos experientes para viabilizar esta operação.
Um grande operador americano se associou, então, a uma em-
presa brasileira, para entrar no mercado brasileiro. Esta nova

217
Alquimia de uma corporação

empresa viu, como nós, na necessidade desse hipermercado,


uma grande oportunidade.
Mas havia problemas. O capital exigido para este negócio
estava acima dos limites de investimento desta joint venture num
único negócio. Ela também não tinha experiência no Brasil para
assumir uma operação desta envergadura. O cliente exigia um
prazo muito curto para implantar a nova sistemática. Percebe-
mos que não era apenas uma operação normal de vendas e tínha-
mos que ser mais criativos.
Oferecemos uma parte do equipamento para venda, como
fazíamos tradicionalmente, e outra parte como aluguel. Para le-
vantar recursos para financiar a operação, recorremos a bancos.
Oferecemos os contratos de aluguel como garantia do emprésti-
mo mais as máquinas que estavam alugadas. Para fechar a ope-
ração, oferecemos também ao cliente manutenção dos equipa-
mentos com operários nossos em seu próprio armazém. Seria
quase que uma terceirização, mas com uma vantagem: como os
equipamentos tinham duas origens, compra e aluguel, tínhamos
interesse que as máquinas alugadas fossem bem cuidadas. Isto só
seria possível se o pessoal de manutenção fosse nosso.
Ganhamos o pedido pelo pacote oferecido. A encomenda
significou quatro meses de produção da fábrica. Ganhamos pro-
jeção no mercado. Nossas vendas dobraram em um ano. A em-
presa mudou de patamar e passou a ser mais respeitada até pelos
nossos concorrentes.
A fórmula adotada de adicionar serviço tornou-se refe-
rência neste mercado; e a engenharia financeira do contrato de
aluguel, também.
O segredo deste negócio foi oferecer uma solução comple-
ta, não apenas uma venda de um equipamento. Não é isso que a
GE faz ao oferecer um sistema completo de geração e utilização
de energia, partindo dos geradores, passando pela transmissão e
acabando nos motores?

218
Lembranças de um Trainee Itinerante

É HORA DE PARAR — 2004 — JUNDIAÍ


Bem, acho que está na hora de parar. Dizem que a gente
escreve e corrige o que escreveu até o último minuto do prazo
que lhe deram para entregar seu manuscrito, — ou seria “word
escrito”? — e o meu prazo acabou.
Com o alcance da visão de meus 50 anos, percebo hoje um
turbilhão de jovens falando diversos idiomas, com diplomas e
mais MBA’s, na busca de oportunidades em alguma empresa que
lhes dê a chance de se desenvolver e ser alguém. Como agrade-
ceria você, meu jovem, a empresa que lhe desse a mão, que lhe
tirasse dessa multidão e mostrasse um caminho a seguir?
Foi dada esta oportunidade de agradecer o que fizeram por
mim por meio destes depoimentos. Obrigado, GE! Obrigado,
gente da GE pela acolhida, pelo respeito e pelos ensinamentos.

219
12 A HISTÓRIA DE UM LIVRO
E SEUS AUTORES
Mateus Agostinho Demarchi

O INÍCIO
Em vez da Academia Brasileira de Letras, uma academia de
condicionamento físico. Em vez do chá da tarde, pão de queijo
pela manhã. Em vez de cada um escrever o seu livro, todos escre-
vendo um mesmo livro.
Inicialmente um time (eram onze os escritores), começan-
do um duro jogo. Depois, doze apóstolos, todos com a mesma
missão: divulgar os ensinamentos de uma grande mestra. Assim
como na Bíblia, alguns episódios podem ter sido citados várias
vezes, cada um à sua maneira, mas com certeza, descrevendo sua
experiência, sua vivência, fazendo um testemunho e, principal-
mente, fazendo seu tributo a uma grande empresa que norteou a
sua vida profissional. Esta é a história de um grupo de 12 execu-
tivos que resolveram escrever um livro.

A EMPRESA
A General Electric foi, é, e continuará sendo, em nível
mundial, uma grande, para não dizer descomunal, empresa. E

221
Alquimia de uma corporação

aqui no Brasil, com o início das operações em 1919, teve seu


apogeu, ao menos em termos de número de funcionários e
de conhecimento público, na década de 1970.
De sua linha de produção saíam desde uma série de
produtos de consumo, tais como ferro de passar, geladeira,
ar-condicionado, rádio, TV (ainda no tempo dos aparelhos
em branco-e-preto, mas no limiar da TV colorida), até pro-
dutos industriais de grande porte, como locomotivas, turbi-
nas hidroelétricas e motores elétricos.
Difícil, senão impossível, descrever cada um, mas esti-
ma-se em mais de 600 os itens que constavam dos catálogos
de comercialização de seus vários departamentos.
A empresa tinha fábricas em vários Estados brasileiros,
reunidas no que era chamado de “parque industrial”.
• O primeiro foi instalado no Rio de Janeiro (RJ), inicial-
mente conhecido como fábrica “Mazda”, depois denomi-
nado PITAE — Parque Industrial Thomas Alva Edison,
com produção de lâmpadas, medidores de demanda e
equipamentos de acionamento e manobra de sistemas
elétricos;
• O segundo, em Santo André (SP). Projetado inicialmente para
fabricação de locomotivas e transformadores de grande por-
te, tinha uma construção robusta: concreto armado, inclusi-
ve o teto, pé direito altíssimo, ponte rolante de 50 toneladas!
Contava ainda com ramal ferroviário interno. Mudaram-se os
planos e vieram outros produtos: eletrodomésticos, eletrôni-
cos, motores, máquinas de solda, tintas e vernizes, fios Formex
(para bobinas de motores);
• Vila Leopoldina (SP): uma imensa oficina de manutenção,
que incluía eletrodomésticos, equipamentos industriais e
locomotivas;

222
A História de um Livro e seus Autores

• Campinas (SP): anos mais tarde, a implementação do proje-


to, que era inicialmente para Santo André, ou seja, a fábrica
de equipamentos pesados, de grande porte;
• Belo Horizonte (MG): fábrica de disjuntores e oficina de
manutenção industrial;
• Paulista (PE): uma filial da fábrica do Rio.
Além dos parques industriais citados, a empresa conta-
va ainda com unidades em várias capitais, quer com oficinas
de manutenção, quer com unidades administrativas.
Do ponto de vista de gestão de negócios, a empresa
era dividida em “Departamentos”, de acordo com a linha de
produtos que fabricava. Ponto importante: na administração
destes departamentos, o Gerente Geral ou o Gerente Finan-
ceiro era sempre um “FSE” (Foreign Service Employee) —
funcionário americano. Alguns desses FSE’s trabalhavam na
matriz, outros tinham em sua bagagem a vivência de terem
trabalhado em diversos países, com diferentes culturas, em
situações econômicas próprias de cada local. Era o “olheiro”
do acionista americano que, fatalmente, tinha que aprender
aqui no Brasil, como conviver e administrar uma empresa
dentro de um ambiente inflacionário com índices galopan-
tes. E, neste aspecto, ocorria a transferência do know-how
tupiniquim para os “gringos”.
Entretanto, com o aprofundamento da recessão no País,
aliada ao re-direcionamento da matriz para atuar em áreas
com tecnologia de ponta, nos seus chamados “core business”,
aos poucos os negócios foram sendo vendidos, ou ainda, as-
sociando-se com outras empresas.
Em Santo André, o que outrora fora um imponente
parque industrial, foi desativado e vendido e, atualmente,
é um imponente shopping center. O que se mantém, como
marco de uma história, é sua “caixa d’água” elevada.

223
Alquimia de uma corporação

O TREINAMENTO
Vários dos autores descreveram os cursos que fizeram du-
rante sua permanência na empresa. Foi também muito citada a
importância do treinamento. Podemos dizer que, quanto a trei-
namento, tínhamos, na GE, três modalidades, ou seja, três ma-
neiras de se fazer.
A primeira: a GE mantinha nos Estados Unidos, na cida-
de de Crotonville, um magnífico centro de treinamento. Uma
série imensa de cursos de administração e técnicos, abertos aos
funcionários do mundo todo. Instrutores — alguns também
professores de Harvard — em tempo integral, durante todo o
ano, praticamente uma universidade própria. Lógico que, face
ao grande número de funcionários, era uma verdadeira loteria a
possibilidade de ser indicado para um curso no referido centro
de treinamento.
A segunda: cursos fechados, normalmente de uma sema-
na, realizados em hotéis do interior do Estado de São Paulo, sem-
pre com instrutores americanos. Aqui um ponto interessante. O
que no mundo atual se considera importante no currículo, ou
seja, o domínio da língua inglesa, era, trinta anos atrás, condição
sine quae non para ocupar um cargo de gerência e poder desfru-
tar dos referidos cursos. Isto porque os cursos eram totalmente
ministrados em inglês. Eram cursos mais voltados para prática
gerencial do dia-a-dia.
Nunca vou me esquecer, por exemplo, num destes
cursos, o ensinamento quanto às técnicas de entrevista, até
com gravação em vídeo, a qual servia para análise posterior,
pelos instrutores e pelo grupo, dos pontos fracos e fortes,
quer do entrevistador, quer do entrevistado. Uma aula prá-
tica que não havia em nenhuma matéria nos compêndios
das universidades.

224
A História de um Livro e seus Autores

Destes cursos, destacamos como os mais importantes:


• MPC — Management Practice Course
• MW — Motivation Workshop
• Work Simplification
• New Manager Development Course
• Decision Making Process
A terceira: cursos internos, ministrados nos próprios locais
de trabalho, normalmente com uma aula semanal, mas que exi-
giam uma grande preparação prévia. Alguns pontos importantes
destes cursos: eram desenvolvidos no centro de treinamento de
Crotonville (EUA), somente alguns eram traduzidos, e os instru-
tores locais eram gerentes altamente qualificados e com grande
vivência na matéria. Alguns deles já foram descritos em mais de-
talhes nos capítulos anteriores. Mas, recapitulando, destacamos
os mais importantes:
• PRBM — Profitable Business Management — baseado em
estudo de casos da Harvard University.
• AMS 200 — Apresentação Eficaz. Técnicas para discursos, es-
critos ou de improviso, de correspondência.
• ECM — Effective Cash Management — Gerenciamento de
caixa (cashflow).
• COIN — Effectively Coping with Inflation — como geren-
ciar e neutralizar os efeitos da inflação.
• PODE — Programa de Desenvolvimento para Engenheiros.
• POPS — Principles of Professional Sales.
• FMP — Financial Management Program (no início denomi-
nado BTC — Business Training Course).
Este último, sem dúvida alguma, o mais importante, o mais
conhecido, foi a razão da formação deste grupo e o que deu ori-
gem a este livro. Embora, creio eu, pela sua importância já tenha

225
Alquimia de uma corporação

sido mencionado em todos os capítulos anteriores, gostarí-


amos de comentar sobre um grupo mais específico dentro
do FMP, ou seja, sobre os trainees. Estes eram recrutados
nas principais faculdades do Brasil, após testes de habilida-
de numérica, de raciocínio verbal e abstrato, e uma extensa
entrevista pessoal. Além de uma gerência e de um grupo de
pessoas envolvidas diretamente neste processo, com dedica-
ção em tempo integral, este grupo tinha algumas caracterís-
ticas importantes.
A primeira era, como em grandes organizações, o ro-
dízio funcional, que na GE era praticado na íntegra. Durante
o período do curso, de dois anos e meio — lembrando que
no início eram três anos — o trainee estagiava em várias das
áreas financeiras: contabilidade, custos, orçamentos, fiscal,
tesouraria etc... Isto proporcionava ao recém-formado na
universidade, a possibilidade de aprendizado prático daquilo
que conhecia somente na teoria.
A segunda, e mais importante, era a metodologia de re-
muneração. O salário inicial era relativamente alto. Lembro-me
que, ao ingressar na área de contabilidade, sem nunca ter visto
lançamentos a débito e a crédito, o meu salário era maior que
o do supervisor! Era a aposta da empresa nos jovens talentos
que, no futuro, viriam a ser seus supervisores, gerentes, direto-
res. Mas, voltando à metodologia: o aumento de salário era em
função da nota obtida no curso e do desempenho funcional,
avaliado pelo gerente da área em que o trainee estava estagian-
do. Isto obrigava o trainee a se dedicar, com igual esforço, tanto
no estudo quanto no trabalho.
O terceiro, e não menos importante a se destacar no
FMP, era quanto à nota de corte: a mínima aceitável era 75
(considerando-se uma escala de 0 a 100) e só era admitida
uma reprovação, exceto para os trainees. Para estes, a repro-

226
A História de um Livro e seus Autores

vação em qualquer um dos cursos semestrais significaria a


perda do emprego!

O MERCADO DE TRABALHO
Com intenso treinamento, tanto em quantidade como
em qualidade, a GE formava muitos funcionários. Pratica-
mente não havia necessidade de ir ao mercado quando do
preenchimento de vagas em aberto. Podíamos dizer que a
oferta interna era maior que a procura.
Por outro lado, com o mercado em expansão, outras
empresas, que não tinham treinamento com a mesma quali-
dade e reputação que os cursos ministrados na GE, procura-
vam pessoas já formadas para suprir suas necessidades. Para
os head-hunters, ao procurarem candidatos para empresas
contratantes, era fato comum incluírem, como um dos re-
quisitos necessários, a formação pelo FMP.
Outro fato interessante que ocorria: um ex-GE, for-
mado pelo FMP, quando em outra empresa, acabava con-
vidando seus ex-colegas para ocuparem vagas em aberto na
sua nova empresa. Tínhamos, e temos até hoje, em diversas
empresas, grupos de colegas com o mesmo background: for-
mados pelo FMP.

O RESTAURANTE
Os exames finais dos cursos, que aconteciam semestral-
mente, eram, como comentado no início pelo Varela, torturan-
tes provas sabáticas. E, após longo período de preparação, após
a tensão da prova final, principalmente porque, para muitos, as

227
Alquimia de uma corporação

regras do curso não admitiam reprovação, era natural, como


relaxamento e congraçamento entre alunos e instrutores, um
almoço. Difícil dizer quando começou esta prática, mas com
certeza, tem lá seus quarenta e cinco anos.
Os exames finais, para os estudantes da região de São
Paulo, eram realizados no Parque Industrial de Santo André.
E, lá pela década de 1960, ainda não havia shoppings, chope-
rias ou restaurantes tradicionais. O que havia, e era muito
conhecida em toda a Grande São Paulo, era a “Rota do Fran-
go com Polenta”, ou seja, vários restaurantes, localizados nas
“colônias”, em São Bernardo do Campo. Estes restaurantes
foram abertos pelos imigrantes italianos, que lá chegaram
no final do século dezenove. E, dentre estes, o “São Judas”
era o favorito.
Por uso e costume, semestre após semestre, ano após
ano, o dia do exame final acabava não em pizza, mas em
frango com polenta frita, regado a muita cerveja! Entretan-
to, por um certo período de tempo, quer pela diminuição
dos negócios, quer pela paralisação temporária dos cursos,
esta confraternização ficou bastante reduzida, freqüentada
por um número cada vez menor de pessoas, incluindo aí for-
mandos, formados e instrutores.
Inédito e importante evento ocorre em 1978. Como
parte das comemorações de seu Centenário, a GE promoveu
um jantar para todos os formandos e formados pelo FMP, e
mesmo aqueles que haviam deixado a empresa também fo-
ram convidados. Nota-se aqui, mais uma vez, a importância
deste curso dentro da organização GE!
Foi um magnífico evento, com presença maciça dos ex-
alunos do FMP.
Diante do brilhantismo desta idéia inovadora, surgiu
então uma proposta: por que não se promover, anualmente,
um encontro com todo este pessoal?

228
A História de um Livro e seus Autores

É de se destacar aqui a dedicação de algumas pessoas, prin-


cipalmente Pascoal, Varela e Paulo Boccuzzi, que, garimpando
arquivos dos formados, de seus telefones, ligando para cada um,
procurando informações de como contatar os outros, consegui-
ram reunir um pequeno grupo e organizar o primeiro almoço
anual dos formados pelo FMP. A minha participação era, princi-
palmente, nos contatos com o restaurante, definição de cardápio
e cobrança dos participantes.
Nos anos seguintes, já com a experiência anterior, mas ain-
da sendo o telefone o único meio de comunicação, estes encon-
tros foram se repetindo. Era um trabalho árduo, ligações indivi-
duais, outros repassando a informação, mas a cada ano conse-
guíamos reunir mais pessoas. Aquilo que no passado era motivo
de relaxamento, acabou ficando como congraçamento entre os
ex-colegas. Era a grande oportunidade de rever os velhos amigos,
contar experiências, buscar oportunidades e reatar amizades.
E, num destes almoços anuais, começou-se a fazer um
cadastro dos participantes. A esta altura, quando já contá-
vamos com a maciça utilização do e-mail, ficou muito mais
fácil. Agora, já capitaneado pelo Bassetto, o convite (ou lem-
brança do evento) era feito via Internet, já que todos estavam
devidamente cadastrados. Para os que não se manifestavam,
voltava-se a velha tática do telefone. Como parte do proces-
so, e-mails freqüentes para todos os cadastrados: estatísticas
comparativas, quem falta confirmar, quem diz que não pode
comparecer etc... Enfim, uma maneira de ficar repetindo e
insistindo: não se esqueçam do almoço!
E, nos últimos anos, nosso almoço anual tem sido um
sucesso. O comparecimento chega perto de cem pessoas. Se
considerarmos que, no Brasil todo, os formados não chegam
a 500 pessoas, dos quais a metade em São Paulo, temos uma
presença de quase 50% dos formados nos últimos 50 anos!

229
Alquimia de uma corporação

Cremos ser um evento incomum, uma verdadeira proeza.


Com relativa facilidade e, deixando bem claro, sem nenhuma in-
terveniência da empresa, reúnem-se cerca de 100 pessoas que tra-
balharam numa mesma empresa e fizeram o mesmo curso.
Agora, já institucionalizado, o evento se repete sempre no
segundo sábado de setembro, no mesmo restaurante, com o mes-
mo cardápio (frango com polenta), com os mesmos amigos e,
ainda, com muita cerveja. É a oportunidade de rever, ao menos
uma vez por ano, aqueles que durante muitos anos conviveram
no mesmo ambiente de trabalho. E, para os adeptos, também
mantendo a tradição, o evento se prolonga até a noite com roda-
das de pôquer!
E o que é o mais inusitado: como já mencionado pelo
Varela, este agrupamento “anárquico” não tem nenhuma regra,
nenhum estatuto, nenhuma diretoria, absolutamente nada, a
não ser o cadastro de seus participantes. E como costumamos
dizer, por isso funciona! Somente uma condição é imposta: só
participam pessoas quem tenham se formado no FMP. Man-
tém-se e, com certeza, ainda se manterá por muito tempo, pela
vontade de alguns de seus integrantes, que fazem questão de
manter acesa esta tradição, bem como pela efetiva participação
dos demais membros.

O LIVRO
Num destes almoços, com grande número de pessoas pre-
sentes, a grande maioria ocupando, ou já tendo ocupado, cargos
elevados nos mais variados tipos de empresas, imenso volume
de conhecimento, experiência, know-how, surgiu a idéia: por que
não juntar um grupo e escrever um livro? Afinal, assunto, conhe-
cimento empresarial, prática, não faltaria.

230
A História de um Livro e seus Autores

No primeiro ano ficou só na proposta. No ano seguinte,


a idéia foi reapresentada. Alguns voluntários se apresentaram.
Demorou um pouco, mas alguns meses depois, exatamente em
28 de fevereiro de 2004, é enviado e-mail com a convocação
para a primeira reunião, que ocorreu em 2 de março, na Acade-
mia Albatroz, do nosso amigo Paulo Boccuzzi.
Como mencionado no início, não era a Academia Bra-
sileira de Letras, nem tinha chá da tarde. Era uma reunião
em uma academia de condicionamento físico e, como cor-
tesia do anfitrião, café com pão de queijo! Os participantes:
inicialmente, onze interessados e mais um que ficou como
observador e crítico. Ao final, este que escreve este capítu-
lo foi convidado a participar, com o objetivo de contar um
pouco a história do livro, seus autores, enfim, os bastidores
de toda esta obra.
Para a grande maioria, seria a primeira vez! Como fa-
zer? Tivemos, desde o início, a orientação de um agente de
editora, para dirimir todas as dúvidas pertinentes: forma-
tos, custos, distribuição, número de páginas, revisões etc...
Foi, inclusive, sugerida a participação em uma palestra sobre
como escrever um livro, na qual alguns compareceram.
Mais uma reunião e, a partir daí, cada um começa a
escrever o seu capítulo.
Uma primeira questão, resolvida com relativa facilida-
de: qual deveria ser a ordem para publicação dos capítulos?
Decidiu-se pela data de entrada na empresa, ou seja, pela an-
tiguidade. Duas exceções: o Varela, fazendo uma introdução
e eu, um retrospecto do que aconteceu. E quanto à revisão?
Como fazer? Foi então definido que cada um dos escritores
teria um padrinho, ou seja, outro colega revisaria e discutiria
o texto com ele.
Surge o primeiro grande impasse: qual seria o título do
livro? Uma reunião, esta no já famoso restaurante São Judas,

231
Alquimia de uma corporação

incluía como um dos temas da agenda a questão do título.


Com a consagrada técnica do “brainstorming”, vários títulos
foram sugeridos e, democraticamente, por meio do voto, fo-
ram escolhidos três, para posterior definição. Depois, outros
títulos mais foram sugeridos, mas o grupo não se sentia con-
fortável. A questão do título ficava sempre pendente.
Outros encontros foram se sucedendo, outros almoços
entre os participantes e novas questões sendo discutidas.
Surge então outro grande impasse: quem deveria es-
crever o prefácio? A idéia inicial era que o Varela, por ser
um dos primeiros formados, por ter gerenciado o FMP por
muitos e muitos anos, pela sua conhecida retórica, por ter
arquivos antigos, quer na memória quer em papéis, fotos,
enfim, seria o mais indicado para fazer uma introdução ge-
ral, histórica e, então, viriam os demais capítulos.
Mas, ensinava a doutrina e a prática que o prefacia-
dor deveria ser uma pessoa de peso, conhecida no mercado.
Vários nomes sugeridos, um nome escolhido, convite feito,
aceito, e algumas semanas depois, a decepção. Nada tinha
sido feito. E o nosso tempo se esgotando, pois o objetivo era,
e continuava sendo, lançar o livro no nosso almoço anual,
em 11 de setembro. Mas, como diz o velho ditado, há ma-
les que vêm para bem. Voltamos aos nomes sugeridos, novo
convite feito, aceito e confirmado: Thomas Case, fundador
do Grupo Catho, figura muito conhecida no mercado. Fez
um texto curto, bastante conciso, mas altamente gratificante
para o grupo.
Ficaria ainda mais uma pendência: e as famigeradas
“orelhas” do livro? Decidiu-se que, nada mais justo, alguém
da própria GE, de onde todos eram oriundos, fizesse tal par-
te. Tivemos, neste caso, a colaboração do Kurt J. Meier — ex-
Chairman da GE Latin America — e do Alex Bialer, ex-Dire-
tor de Planejamento Estratégico.

232
A História de um Livro e seus Autores

Mais algumas reuniões se sucediam e novas questões


eram levantadas e ou revisadas. Por exemplo, poderiam ser
citados nomes de pessoas? Acabou ficando a critério de cada
um. E quanto à citação do nome GE ou General Electric? Ha-
via um consenso de que seria impossível escrever este livro
sem que se mencionasse o nome da empresa. Deveríamos ter
uma autorização da mesma? Um levantamento superficial e
preliminar constatou que o nome da empresa era citado qua-
se trezentas vezes! Se isto seria um tributo à empresa ou não,
se seria correto ou não, achávamos que, independente das
pessoas que a gerenciaram, era uma grande empresa, com
um imenso foco no treinamento de pessoas, que acabou por
influenciar a vida profissional de todos que por lá passaram,
principalmente para os formados pelo FMP. Nada mais justo
do que citá-la, independente do número de vezes.
E, além de várias reuniões, pela agilidade, facilidade e
premência de tempo, os contatos eram feitos por meio de
uma intensa troca de e-mails. Com certeza, foram mais de
quinhentos! Muitos, com material para revisão, definições
do que fazer, informações, custos etc. Outros, com brinca-
deiras, gozações e, por que não dizer, até com piadas, para
relaxamento! Era, mais uma vez, um modo de manter o gru-
po unido, comunicando-se com freqüência. Não faltaram
aqui os problemas advindos da informática, talvez não pre-
cisamente de hardware ou software, mas especificamente de
peopleware, com perda de arquivos, exclusão involuntária do
Varela no envio de e-mails, o que o deixaria enfurecido! Mas,
além do objetivo inicial, ou seja, do lançamento de um livro,
podemos afirmar que a sua preparação foi uma verdadeira
terapia para os seus participantes.
Mas, e quanto ao título? Este assunto continuava pen-
dente desde o início, incomodando os integrantes. Uma nova
reunião é marcada e, pressionados ainda mais pelo tempo,

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Alquimia de uma corporação

tínhamos como missão do dia: definir o título. Levantam-


se novamente todos os nomes anteriores, novas associações de
palavras, e nada. Até que, de repente, surge uma palavra mágica:
alquimia. Uma química. Alquimia de uma corporação. A quími-
ca de uma empresa mudando os seus funcionários. E o subtítulo?
Aí já parecia gênios pensando e produzindo! Surge nova palavra
mágica, ela própria, magia. A magia de um treinamento. Era o
que traduzia, em poucas palavras, e no título, o conteúdo de todo
o livro, os que todos procuraram descrever em várias laudas:
Alquimia de uma Corporação — a magia de um treinamento.

OS AUTORES
Novamente, ensina a doutrina e a prática que, em todo e
qualquer livro é imprescindível uma pequena biografia de seu
autor. Mas, e neste caso, em que são doze os autores? Para o leitor
que, pacientemente, leu até aqui, nada mais justo do que saber
algo sobre quem escreveu cada capítulo. Não uma biografia com-
pleta, enaltecendo suas virtudes, muito menos apontando seus
defeitos, mas poucas palavras que identifiquem cada autor. Pela
ordem dos capítulos:

Ernesto Luiz Varela — Iniciou na GE em 1958, ficando na


empresa por longos 37 anos. Recentemente aposentado, mas en-
quanto estava na ativa, foi o maior incentivador do FMP, tendo
sido instrutor e o responsável por esse programa de treinamento por
vários anos. Respeitado no FMP, é um mito, uma figura legendária,
reconhecida pela sua exímia retórica e eloqüência.
George S. Guerra Leone — Iniciou na GE em 1957, ficando,
porém, poucos anos. É o escritor mais experiente do grupo, com sete
livros já editados. Hoje, é professor e mestre da FGV do Rio. É o
representante carioca do grupo.

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A História de um Livro e seus Autores

Mituo Teramae — Iniciou na GE em 1958, ficando por 5


anos. Trabalhou na região do ABC Paulista até 1975 e, em seguida,
em São Paulo, estando hoje no segmento de comunicação.
Antonio Robles Junior — Seis anos na GE, iniciando em
1963. Especialista em custos e membro do Corpo Docente da USP,
juntamente com outros ex-graduados do FMP. Também tem livros
publicados.
José Luiz Bassetto — Vinte anos na GE, iniciados em 1966,
a maior parte deles na área de Sistemas de Informações. Hoje, tra-
balha como Consultor Empresarial. É o coordenador das atividades
do grupo FMP e o maior batalhador para a elaboração do livro.
Fernando P. L. Sampaio — Sempre atuou na área de Siste-
mas de Informações. Na GE, iniciou em 1967, ficando por 9 anos.
Fez carreira em grandes empresas industriais e de serviços. Hoje,
atua como Consultor Empresarial.
Rubens E. S. Estrella — Recrutado nos Estados Unidos, ini-
ciou sua carreira na GE do Brasil em 1971, ficando por 10 anos.
Sempre atuou na área Comercial. Continua na ativa.
José Pascoal Sangali — Recrutado como trainee, em 1974,
ficou na empresa por 15 anos, galgando até a posição de Tesoureiro
da companhia. Foi também editor do FMP. Até pouco tempo atrás
foi Diretor Superintendente de uma empresa do ramo de plásticos,
tornando-se depois Consultor.
Haelmo Coelho de Almeida — Da turma dos mais novos,
chegou em 1975, ficando na GE de Campinas por 6 anos. É o repre-
sentante do “interior” paulista no grupo. Atualmente é diretor da
RM Sistemas, em Limeira.
Paulo J. A. Boccuzzi — Iniciou como trainee. Faz parte do
time que ficou mais tempo na empresa: de 1975 a 2002, exceto por
uma pequena passagem na Black & Decker. Sua última função na
GE foi a de Diretor Financeiro Corporativo, depois Diretor Finan-
ceiro da GE Dako. Hoje, atua em negócios próprios.

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Alquimia de uma corporação

Euzébio Angelotti Neto — Também trainee. Sete anos na


GE, de 1977 a 1984. Depois, trabalhou em várias empresas do in-
terior paulista, sempre aplicando os conceitos aprendidos. Hoje, é
consultor empresarial de uma jovem companhia aérea.
Mateus Agostinho Demarchi — Iniciou como trainee em
1972, ficando na GE por 12 anos. Mais 6 anos na Black & Decker,
na divisão de eletrodomésticos, comprada da GE. Atuou ainda em
mais duas multinacionais, por mais 12 anos, sempre como Diretor
Financeiro.

EPÍLOGO
Esta obra não foi escrita com o intuito de autopromoção
de seus autores, nem por pura vaidade, mas sim com o intuito de
passar aos mais jovens, pessoal cursando uma universidade, pes-
soal recém-formado ou em início de carreira, aos mais maduros,
empresários, profissionais, executivos, a experiência adquirida ao
longo de vários anos, a experiência de toda uma vida profissional
de vários executivos, que hoje integram um grupo que, infeliz-
mente, pelos seus critérios de formação, haverá de se extinguir
num futuro não muito distante.
Ao escrever este livro, os autores procuram perpetuar esta
vivência e comprovar que é possível, independente das divergên-
cias ideológicas, independente do status social, independente das
posições alcançadas, independente da distância física que os se-
param, manter um grupo de pessoas unidas, unidas em função
de uma mesma empresa, unidas em função de uma mesma for-
mação, unidas em função da amizade cultivada na convivência
profissional.
Temos a plena certeza de que a maioria das pessoas que
passaram pela GE tem orgulho de lá ter trabalhado, uma verda-

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A História de um Livro e seus Autores

deira escola prática, de ter cursado o FMP, das amizades que lá


desenvolveu. Prova incontestável disso é a presença maciça nos
almoços promovidos anualmente.
Falar em agradecimentos? A lista seria tão grande, que ne-
cessitaria de um outro livro, como apêndice!
Assim, apesar das dificuldades encontradas na sua execu-
ção, algumas ilustradas neste capítulo, procurou-se perpetuar
nesta obra, a vivência, a experiência, o grupo, a amizade, enfim,
não só descrever, mas comprovar que uma boa convivência pro-
fissional resulta numa amizade perene, mesmo fora e indepen-
dente da empresa onde tudo começou.

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Contatos com os autores:
e-mail: [email protected]

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