Cannabis Medicinal: Consideraçoes Praticas. Quais As Evidencias?

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Cannabis medicinal: consideraçõ es prá ticas. Quais as evidências?

Prof. Dr. Flá vio Henrique de Rezende Costa

Mestre e Doutor em Neurologia pela UFRJ.

Introdução

O uso medicinal da cannabis tem um histó rico nos remete a era que

precede a palavra escrita (1,2). A prescriçã o ganhou relevâ ncia no mundo

ocidental - primeiramente na Europa e posteriormente nos EUA- entre os anos

de 1840 e 1940 (2). No século passado, devido a questõ es ideoló gicas e políticas -

mas também relacionadas a falta de controle de qualidade e de conhecimentos

bá sicos da farmacologia e da química - a cannabis passou por um período de

obscurantismo, sendo relegada planta non grata (3).

A descoberta e a elucidaçã o do sistema endocanabinó ide trouxe à tona

uma ampla gama de estudos pré-clínicos- o que propiciou o nascimento dos

primeiros ensaios clínicos- que levaram ao crescimento exponencial do

conhecimento relacionado a cannabis nos ú ltimos anos (4).

O sativex (spray com THC 2.7mg + canabidiol 2.5mg/dose + terpenó ides)

foi aprovado em 29 países para o tratamento da dor e da espasticidade

associadas à esclerose mú ltipla- atendendo a todos os padrõ es de segurança,

eficá cia e consistência exigidos de qualquer produto farmacêutico (5).

Recentemente, o Epidiolex (extrato natural de CBD altamente

concentrado) recebeu aprovaçã o regulató ria do FDA (Food and Drug

Administration), para o tratamento da Síndrome de Dravet e Lenox Gastaut, à


partir dos resultados de ensaios clínicos randomizados e duplo cego, que

atingiram a fase III (6,7).

Infelizmente o acesso a informaçã o via educaçã o médica formal ao redor

do mundo permanece insuficiente no que diz respeito à cannabis e ao sistema

endocanabinó ide (8). Um estudo recente nos EUA constatou que cerca de 85%

dos médicos residentes se sentiam despreparados para prescrever , enquanto

apenas 35% se sentiam aptos a responder questõ es relacionadas a cannabis

medicinal (8). Além disso, apenas 9% das escolas médicas americanas

documentaram algum conteú do sobre cannabis medicinal nos seus currículos

(8).

Neste artigo será oferecida revisã o da literatura que pode servir como um

guia inicial de boas prá ticas clínicas (BPC) aplicadas à cannabis medicinal. Na

nossa opiniã o, medicamentos à base de cannabis devem ser idealmente

cultivados de forma orgâ nica - de acordo com seleçã o mendeliana- sem a

necessidade de modificaçã o genética, de acordo com os protocolos

internacionais de boas prá ticas agrícolas (BPA) (9). Também é fundamental que

os métodos de extraçã o e de processamento respeitem os protocolos de boas

prá ticas de fabricaçã o (BPF) (9). Todos os produtos devem disponibilizar aos

consumidores, de forma clara, informaçõ es completas sobre a concentraçã o dos

canabinó ides, os perfis terpenoides e a certificaçã o de que o produto é isento de

pesticidas, contaminaçã o microbiana ou de metais pesados (10).


Farmacologia

A planta cannabis produz mais de 150 fitocanabinó ides (canabinó ides

vegetais). O á cido tetra-hidrocanabinó lico-A (THCA-A) e á cido canabidió lico

(CBDA) - os dois mais estudados- encontram-se em maior abundâ ncia nas flores

femininas nã o fertilizadas das diversas espécies. Quando fumados, vaporizados

ou aquecidos dã o origem a canabinó ides mais neutros e conhecidos: THC

(tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol), apó s processo de descaboxilaçã o (4).

O THC é o principal componente psicoativo da cannabis, atuando como

um agonista parcial fraco dos receptores CB1 e CB2- com efeitos sobre a dor, o

apetite, a digestã o, as emoçõ es (3,5).

O THC pode causar eventos adversos sistêmicos, dependendo da dose e

tolerâ ncia prévia do indivíduo. Seu uso é aplicá vel a muitos sintomas e

condiçõ es, incluindo: a dor, a ná usea, a espasticidade / espasmos, a estimulaçã o

do apetite, a ansiedade, a depressã o, o transtorno de estresse pó s-traumá tico

(TEPT) e a insô nia (3,10).

O CBD, por outro lado, é um modulador alostérico negativo dos

receptores CB1. O CBD atua em outros receptores, incluindo o TRPV1, 5-HT1A,

adenosina A2A e à partir de outros mecanismos, com o aumento dos níveis de

anandamida (endocabinó ide)- produzindo efeitos analgésicos, anti-

inflamató rios, ansiolíticos, antoconvulsivantes e efeitos antipsicó ticos. O CBD nã o

é intoxicante. As evidências apontam que o CBD ajuda na reduçã o dos efeitos

adversos relacionados ao THC, fato que tem implicaçõ es na prá tica clínica (11–

13).

Os canabinó ides á cidos receberam muito menos interesse em modelos

clínicos, mas possuem propriedades farmacoló gicas fascinantes. THCA foi


provou produzir efeitos antiinflamató rios através do antagonismo ao fator de

necrose tumoral alfa (TNF-α] e efeito antiemético. Recentemente demonstrou

ser um agonista do receptor nuclear de PPAR-γ, com potencial efeito

neuroprotetor e anticonvulsivante. O CBDA também é um poderoso antiemético

e ansiolítico (3).

Outros canabinó ides, como o canabigerol (CBG), canabinol (CBN) e o

canabicromeno (CBC) estã o sendo investigados devido ao potencial efeito

anticonvulsivante, antimicrobiano, antiinflamató rio e analgésico (11,14).

O CBG - que nã o possui efeito intoxicante ou psicotró pico- é um agonista

parcial dos receptores CB2R e dos receptores TRPV1- achado que o posiciona

como canabinó ide com potencial açã o antiinflamató ria e analgésica. As

evidências apontam o CBG como um dos fitocanabinó ides que reduzem os efeitos

adversos do THC, aumentando a janela terapêutica das formulaçõ es que

possuem o THC na composiçã o (11).


Considerações em relação a farmacocinética

A absorçã o, a distribuiçã o e o metabolismo sã o os elementos

determinantes para o início da açã o de cada tipo de formulaçã o que contenha

fitocanabinó ides. A absorçã o, devido a elevada lipofilicidade, é um dos aspectos

mais variá veis da cannabis. Por apresentar baixa solubilidade em á gua, é

recomendá vel que as formulaçõ es administradas por via oral sejam ingeridas na

presença de gordura, ó leos ou solventes polares- como o etanol. O efeito de

primeira passagem hepá tico é elevado. A biodisponibilidade é de cerca de 9-19%

- quando administrada em jejum- podendo aumentar entre 3 a 5 vezes quando

ingerida com a alimentaçã o (15,16). Vide tabela 1.

Via Oral Oro mucosa Tó pica (pele)

Início da açã o (min) 60-180 15-45 variá vel

Duraçã o (hr) 6-8 6-8 variá vel

Pró s Menor odor Forma farmacêutica Menor efeito

Conveniente e (nabiximó is) sistêmico. Adequado

discreto disponível, com para sintomas

Opçã o para sintomas eficá cia e segurança localizados

de doenças crô nicas. documentadas

Ó leos

hiperconcentrados

com CBD/CBG/THC

podem ser

administrados por via

sublingual
Contras Ajustes mais difíceis Nabiximó is: alto custo Apenas efeito local

das doses devido ao

início retardado do

efeito

Tabela 1. Adaptado Russo e MacCallum, 2018.

Pérolas clínicas:

- A abordagem geral para o início do tratamento com cannabis medicinal é:

“Começe com doses baixas, ajuste devagar e continue com a menor dose

possível”.

- Os feitos colaterais mediados pelo THC, como fadiga, taquicardia e

tontura sã o evitá veis quando a dose inicial é baixa e a titulaçã o é lenta.

- A titulaçã o lenta do THC previne efeitos adversos psicoativos nos

pacientes virgens de tratamento.

- As formulaçõ es com elevada concentraçã o de CBD e/ou CBG e com baixas

concentraçõ es de THC geralmente sã o as mais tolerá veis, pois produzem

menos efeitos adversos.

- A obtençã o de efeitos euforizantes nã o é necessá ria para atingir o

controle dos sintomas.

- O CBD / CBG podem equilibrar os efeitos adversos do TCH, especialmente

no uso diurno ou quando for necessá rio dirigir.

- Todas as apresentaçõ es de cannabis devem ser guardadas em um lugar

seguro, preferencialmente um armá rio fechado, fora do alcance das

crianças.
- Os médicos devem comunicar claramente os riscos e as questõ es

relacionadas a segurança, da mesma forma que o fazem com qualquer

medicamento psicoativo.

Os estudos clínicos com o canabidiol no tratamento de formas refratárias

de epilepsias.

1) Síndrome de Dravet.

A eficá cia do extrato concentrado de CBD no tratamento de convulsõ es

refratá rias associadas a Síndrome de Dravet foi acessada em um estudo

randomizado, duplo-cego e controlado por placebo em 120 pacientes com idade

entre 2 e 18 anos, em um estudo multicêntrico (6).

O trabalho comparou a dose alvo de CBD 20 mg/kg/ dia versus placebo.

A dose inicial foi de 5mg/kg/dia, ajustada em 2 semanas até a dose alvo.

Os pacientes elegíveis tinham obrigatoriamente o diagnó stico da

síndrome de Dravet, encontravam-se em uso de uma ou mais droga

anticonvulsivante e deveriam ter apresentado pelo menos quatro crises

convulsivas- a despeito de terapia está vel no período dos ú ltimos 28 dias.

Todas as demais intervençõ es, incluindo a dieta cetogênica e a

estimulaçã o vagal, também deveriam estar está veis nas quatro semanas

anteriores a inclusã o no estudo.

Os pacientes passaram por um período de 2 semanas de titulaçã o da

dose e por um período de 12 semanas de manutençã o.

O desfecho primá rio foi o percentual de mudança da freqü ência das

crises convulsivas - desde a linha de base até 14 semanas- comparado ao

placebo.
O desfechos secundá rios avaliaram: 1) pontuaçã o na escala de

impressã o global do cuidador (Caregiver global impression change); 2) qualidade

do sono- em uma escala de classificaçã o numérica de 0 a 10 ; 3) Qualidade de

vida (Quality of life in childhood epilepsy) – escala de 0 a 100- com pontuaçã o

maior indicando melhor qualidade de vida; 4) Nú mero de hospitalizaçõ es devido

a complicaçõ es relacionadas a epilepsia; 5) Nú mero de pacientes com novos

tipos de crises convulsivas, apó s o início do tratamento com CBD; 6) Necessidade

de terapia anticonvulsivante de resgate.

O desfecho primá rio foi alcançado do primeiro mês da fase de

manutençã o.

Houve mudança de 12,4 crises convulsivas/mês na linha de base

(variaçã o de 3,9 a 1.717) a 5,9 crises convulsivas/mês (intervalo de 0,0 a 2.159)

no grupo CBD.

No grupo placebo houve mudança de 14,9 crises convulsivas/mês (faixa

de 3,7 a 718) na linha de base a 14,1 crises convulsivas/mês (variaçã o de 0,9 a

709).

Essas mudanças representam uma mediana de -38,9% (intervalo

interquartil, -69,5 - -4,8) para CBD versus a mediana de -13,3% para placebo

desde o início do tratamento.

No grupo CBD, 43% dos pacientes alcançaram o desfecho secundá rio,

ou seja, reduçã o mais de 50% da freqü ência das crises- comparado a 27% do

grupo placebo. No geral, 5% dos pacientes do grupo CBD tornaram-se livres de

crises versus a 0% no grupo placebo.

Na escala de impressã o global do cuidador, 62% dos cuidadores

relataram melhora sintomá tica no grupo CBD, contra apenas 34% no grupo
placebo. A medicaçã o de resgate foi utilizada por 59% dos pacientes alocados no

grupo CBD versus 69% do grupo placebo.

Nã o houve diferença significativa entre os grupos na interrupçã o do

sono, fato que sugere ausência de efeito deletério do CBD no sono.

Nã o foi relatada a emergência de novos tipos e/ou fenomenologias de

crises convulsivas durante o estudo.

2) Síndrome de Lennox-Gastaut.

O estudo GWPCARE4 foi realizado para avaliar a eficá cia e a segurança

do canabidiol, comparado ao placebo, como terapia complementar no

tratamento de convulsõ es associadas a síndrome de Lennox-Gastaut (7).

O trabalho foi realizado em 24 centros nos EUA, na Holanda e na

Polô nia. Incluiu 171 pacientes com Lennox-Gastaut com idade entre 2 e 55 anos.

O GWPCARE4 comparou a dose alvo de CBD 20 mg/kg/dia (n = 86)

versus placebo (n = 85). Os pacientes alocados apresentavam crises nã o

controladas e estavam em uso pelo menos dois anticonvulsivantes. Pacientes sob

dieta cetogênica e estimulaçã o vagal, desde que em terapia está vel, também

foram incluídos.

Os pacientes elegíveis deveriam ter apresentado pelo menos duas

convulsõ es por semana- nas quatro semanas que precederam o início do estudo.

O estudo apresentou duraçã o total de 14 semanas, sendo as duas

primeiras semanas reservadas para o ajuste da dose. O desfecho primá rio foi o

percentual de mudança na frequência mensal de crises convulsivas.

O desfecho secundá rio foi o percentual de pacientes que atingiu reduçã o

de 50% das crises. No grupo tratamento o nú mero de crises mensais diminuiu de

71.4 para 31.4 – queda de 43,9%. No grupo placebo as crises diminuíram de 74.7
para 56.3 – queda de 21.8%. 44% dos 86 pacientes do grupo CBD versus 24% de

85 pacientes do grupo placebo (P = 0,0135) obtiveram 50% de reduçã o do

nú mero de crises, atingindo o desfecho secundá rio.

Estratégias empíricas de ajuste da dosagem.

Estudos estabeleceram de forma clara as doses do extrato concentrado

CBD (sem THC) no tratamento de determinadas formas epilepsias de difícil

controle (6,7).

Por outro lado, em condiçõ es crô nicas como dor, insô nia e na

espasticidade, a abordagem permanece empírica e individualizada (16). Nesses

cená rios a estratégia de tratamento geralmente inclui apresentaçõ es com baixo

teor de THC (com 0,2% ou 0,3%)- associado a altas concentraçõ es de CBD ou

CBD +CBG. A recomendaçã o é iniciar com doses baixas e ajustar lentamente, com

foco na melhora do sintoma alvo (16).

Idealmente, os pacientes que utilizarã o as preparaçõ es com THC devem

iniciar o uso noturno para diminuir os efeitos adversos e promover o

desenvolvimento de tolerâ ncia em relaçã o aos efeitos psicoativos, no entanto,

isso nã o é obrigató rio (16).

Abaixo, uma proposta de ajuste da dose nas apresentaçõ es que

contenham THC- adaptada de Russo e MacCallum (16). É importante salientar

que este cá lculo somente pode ser realizado quando percentual de THC está

disponível na formulaçã o. Adaptamos esta proposta para apresentaçõ es de ó leo

de CBD 100mg/ml com percentuais de TCH 0,2% ou 0,3%. Portanto, na

apresentaçã o do ó leo com THC a 0,2%, cada 1 ml possui 2mg de THC. Nas

apresentaçõ es do ó leo com THC a 0,3%, cada ml possui 3mg de THC.


1) Esquema de início de tratamento nas formulaçõ es com THC para uso oral ou

oro mucosa. Proposta terapêutica para uso noturno (uso em adultos):

• Dias 1-2: Iniciar 1,00 mg a 2,0 mg da dose equivalente de THC na hora de

dormir.

• Dias 3-4: Se tolerada a dose anterior, aumente em 1,0-2,0 mg de THC na hora de

dormir.

• Dias 5–6: Continue aumentando em 1,0–2,0 mg de THC na hora de dormir a

cada 2 dias até que o efeito desejado seja obtido. Em caso de efeitos colaterais,

reduza a dose anterior e melhor tolerada.

* Exemplo para os dias 1-2: Ó leo de espectro completo com CBD 100mg/ml +

THC 0,2%. Caso deseje iniciar com a dose equivalente de 1mg de THC ao deitar:

administrar 0,5ml do ó leo, por via oral ou oromucosa, ao deitar.

2) Esquema de início de tratamento nas formulaçõ es com THC. Proposta

terapêutica para uso diurno:

Dias 1-2: 1,00 mg a 2,0 mg de equivalente THC uma vez ao dia.

• Dias 3-4: Se tolerada a dose anterior, aumente em 1,0-2,0 mg duas vezes ao dia.

• Aumente conforme tolerado e necessá rio até a dose total diá ria de 15mg THC,

duas a três vezes por dia.

Doses superiores a 20-30 mg / dia podem aumentar efeitos adversos ou induzir

tolerâ ncia, sem aumentar a eficá cia.

* Exemplo para os dias 1-2: Ó leo de espectro completo com CBD 100mg/ml +

THC 0,3%. Caso deseje iniciar com a dose equivalente de 1,5mg de THC:

administrar 0,5 ml do ó leo, por via oral ou oro mucosa uma vez ao dia.
Contraindicações

A cannabis geralmente é contra-indicada na gravidez e na lactaçã o. O

tema permanece controverso quanto ao risco de seqü elas fetais e/ou neonatais

(17). Preparaçõ es com THC nã o devem ser prescritas a pacientes com demência,

especialmente naqueles que apresentem quadros psicó ticos ou agitaçã o. Por

outro lado, há evidências de que o CBD – sem THC- possui efeito antipsicó tico

na doença de Parkinson, na demência por corpú sculos de Lewy e na

esquizofrenia (12,18,19).

A cannabis deve ser utilizada com cautela em doenças cardíacas

instá veis - como angina- devido ao potencial do THC em gerar taquicardia e

hipotensã o. Nã o há evidencias de alargamento do intervalo QTc (20). O uso em

crianças e adolescentes continua sendo objeto de debate. Na populaçã o

pediá trica, as evidências apontam benefícios no tratamento das ná useas

induzidas por quimioterapia e nas formas refratá rias de epilepsias. Nas crianças

as evidências sã o insuficientes no tratamento da espasticidade, da dor

neuropá tica e da síndrome de Tourette (21).


Efeitos adversos

A cannabis tem perfil de segurança superior a diversas medicaçõ es

comumente prescritas. Devido a ausência de receptores CB1 nos centros

respirató rios do tronco cerebral, nã o há relatos de overdose (22). Os eventos

adversos mediados pelo THC sã o dose dependente. Além disso, a estratégia de

combinar o CBD ao THC provou-se eficaz na reduçã o dos efeitos adversos (11).

A maioria dos pacientes desenvolve tolerâ ncia aos efeitos psicoativos do

THC no transcurso de dias e os efeitos terapêuticos podem permanecer por

períodos prolongados. Uma recente revisã o de pesquisadores canadenses nã o

observou o aumento de efeitos adversos graves no transcurso do tempo ou

danos à cogniçã o. Também nã o foram observadas alteraçõ es bioquímicas ou das

funçõ es pulmonar e hepá tica (23). Os efeitos adversos mais comuns, nas

apresentaçõ es que contém THC, encontram-se na tabela 2.

Efeito Adverso muito comum comum raro

Sonolência e fadiga ✓

Tonteira ✓

Xerostomia ✓

Ansiedade ✓

Ná useas ✓

Efeitos cognitivos ✓

Euforia ✓

Visã o turva ✓

Cefaleia ✓

Hipotensã o ✓

Psicose ✓

Paranó ia ✓
Ataxia ✓

Taquicardia ✓

Hiperêmese da ✓

cannabis

Diarréia ✓

Efeitos adversos associados a uso medicinal da cannabis. Exclusivamente nas

apresentaçõ es que contém THC. Adaptado de Russo e MacCallum, 2018.

Interações medicamentosas

A maioria das interaçõ es se dá com o uso simultâ neo de substâ ncias

depressoras do sistema nervoso central. Clinicamente as interaçõ es

medicamentosas sã o raras e na prá tica nã o há medicamento que nã o possa ser

utilizado com derivados da cannabis (10).

O THC é oxidado pelo CYP 2C9, 2C19 e 3A4. Portanto, os níveis séricos

podem aumentar com os inibidores (cetoconazol e omeprazol) ou diminuir com

os indutores enzimá ticos (rifampicina) (24,25).

Os estudos de interaçã o medicamentosa sã o relativamente escassos e

nã o demonstraram toxicidade ou perda de efeito com uso concomitante de

outros medicamentos, mas, teoricamente, isso é possível (25). Uma exceçã o é a

dose elevada de CBD associada ao clobazam. Neste cená rio, comumente observa-

se sedaçã o, devido ao aumento do metabó lito, o N-desmetil clobazam (6).

Monitorização

Tipicamente os pacientes sã o monitorados a cada 1 - 6 meses. A

periodicidade depende de vá rios fatores, como a familiaridade com o esquema

prescrito, as comorbidades, o nível de funcionalidade nas atividades de vida

diá ria e da capacidade de adesã o ao tratamento proposto.


Os aspectos clínicos essenciais doença de base nã o devem sair do foco do

médico que acompanha pacientes em terapia com cannabis. É importante manter

uma estratégia de monitorizaçã o objetiva da eficá cia, preferencialmente através

de questioná rios validados ou de medidas objetivas de qualidade de vida- que

possam capturar a mudança dos sintomas (26).

Padrão de atendimento proposto aos pacientes em uso de cannabis

medicinal.

O padrã o de atendimento e acompanhamento dos pacientes em uso de

cannabis medicinal nã o deve diferir ao de qualquer especialidade médica. Isso

inclui: coleta detalhada da histó ria clínica, exame físico adequado e revisã o de

toda documentaçã o médica dos pacientes.

Reservar um bom tempo para discussã o de pró s e contras da terapia

também é sempre aconselhá vel. Outros aspectos fundamentais sã o: traçar um

plano terapêutico - com um instrumento escrito de coleta de dados. A atençã o a

esses aspectos permitirá a comunicaçã o adequada com os demais profissionais

envolvidos nos cuidados e melhores resultados.


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