Novo Testamento I
Novo Testamento I
Novo Testamento I
NOVO TESTAMENTO I
(Evangelhos)
Esta palavra (“cânon”), desde a sua etimologia, até o atual sentido de conjunto de
livros da Bíblia, conserva o sentido de medida diretiva ordenadora. O termo grego
"Cânon" é de origem semítica, pois em hebraico "ganeh", significa regra, régua para
medir, varinha direita.
O grego clássico acentua o sentido figurado da palavra, e “cânon” designa a vara,
o nível, o esquadro, o braço da balança, a norma, o padrão, depois a meta a ser atingida,
a medida infalível. Aristóteles chama o homem bom de “cânon” ou “métron da verdade”.
Em português o termo é usado também no sentido de norma. Na linguagem profana a
idéia essencial da palavra é de “linha reta ou direita”, como se conclui de outras palavras
que têm a mesma raiz: cana, canal, canhão.
Os cristãos do II século denominavam os ensinos sagrados da seguinte maneira:
"o cânon (regra) da Igreja", "o cânon da fé", "o cânon da verdade" Estas expressões nos
fazem compreender porque os Pais da Igreja utilizaram a palavra para designar tudo
quanto serve de fundamento à religião, regra da fé e da verdade e por fim o livro que
contém as normas diretivas para uma correta vida cristã. Em meados do quarto século,
toda a coleção dos livros sagrados passou a ser designada como o “cânon”.
Foi Atanásio quem lhe deu, pela primeira vez, este nome. A princípio a palavra
designava apenas a lista dos livros sagrados, mas depois passou a designar os próprios
escritos, indicando assim que as Escrituras são a regra de ação investida com autoridade
divina.
No Novo Testamento a palavra aparece em 5 passagens: Gálatas 6:16; 2Coríntios
10:13, 15, 16 e Filipenses 3:16 (esta última, porém, não aparece em todos os manuscritos
gregos, como indica o Aparato Crítico). Em Gál. 6:16 Paulo a usou no sentido grego de
"uma regra", mas que em sentido religioso seria "norma da verdadeira vida cristã".
A Igreja Cristã crê firmemente que foi o Espírito Santo quem orientou os servos
de Deus dos primeiros séculos na seleção dos livros do Novo Testamento (ou
“neotestamentários”). Convém recordar que os primeiros cristãos que constituíam os
diversos núcleos ou igrejas da Palestina, da África, da Ásia Menor, de Roma, etc.,
acreditavam que a volta de Cristo seria para breve, por isso não se preocuparam em
registrar por escrito os empolgantes acontecimentos relacionados com a vida de Cristo e
Seus sublimes ensinos. Os apóstolos e primeiros discípulos perpetuavam, sobretudo, a
tradição oral composta quase exclusivamente de fatos da vida de Jesus. Com o correr do
tempo, foram, naturalmente, compostos escritos fragmentários, que divulgaram palavras
de Jesus (chamadas de “Logias”) e outros, melhor cuidados e ampliados, que assinalavam
fatos, milagres, acontecimentos da vida de Jesus.
Os livros do Novo Testamento foram surgindo sem desígnio, sem previsão, sendo
compiladas as palavras de Jesus, as narrações de Sua vida, os atos dos apóstolos, as cartas
apostólicas e o livro de Apocalipse. Embora haja intermináveis controvérsias
concernentes à data em que foram escritos alguns livros do Novo Testamento, os
estudiosos parecem estar mais ou menos de acordo que o primeiro livro escrito foi I
Tessalonicenses, em 51 d.C.; e em 96 ou 97 João escreveu o Apocalipse (alguns, porém,
acreditam que João escreveu seu evangelho depois de ter escrito o Apocalipse).
É questão também muito aceitável entre os eruditos, embora com alguns
questionamentos, que o Evangelho de Marcos é o mais antigo, escrito entre os anos 65 e
67 d.C. Já Mateus data aproximadamente do ano 70. Lucas mais ou menos, dessa mesma
época e o evangelho de João na última década do primeiro século.
1. Inspiração dos livros que estavam sendo considerados (cf. 1Pedro 1:21). Após a leitura
do livro, este era julgado pelo próprio conteúdo.
2. Universalidade do livro. Escrito para todas as pessoas da época. Deveria também ser
conhecido universalmente, isto é, ter sido aceito por todas as igrejas.
3. Coerência na doutrina. Graças a este critério alguns livros foram deixados de fora (o
evangelho de Tomé, por exemplo).
4. Apostolicidade do escrito. Deveria ter sido escrito por algum dos apóstolos, ou por um
assessor ou discípulo direto de um apóstolo.
Outros livros circulavam na época, porém não foram considerados dignos de fazerem
parte do Cânon do Novo Testamento, principalmente por não atenderem aos requisitos
expostos acima (cf. Eusébio, História Eclesiástica, pág. 99-100).
Língua
Os manuscritos do NT foram escritos em grego em língua coiné (comum).
Manuscritos
Mais de 6000 porções ou cópias do NT temos hoje. Nenhuma outra obra secular
pode ostentar tais números na literatura mundial. Exemplos:
Textos Impressos
A primeira impressão do texto bíblico do NT foi feita por Erasmo de Rotterdam,
no século XVI. Ele era um humanista do Renascimento. A impressão recebeu o nome de
Textus Receptus (produção do Novo Testamento a partir de vários manuscritos). Destes
escritos se produziu a King James Version, uma das mais famosas Bíblias em língua
inglesa. Martinho Lutero se baseou nesta Bíblia para fazer a tradução do grego para o
alemão. A nossa versão Almeida Corrigida também é baseada nela.
O “Pai Nosso” em sua forma completa (“pois Teu é o Reino...”) também é deste
texto.
Textos de Nestlé
É um dos textos mais fidedignos que possuímos. Já está quase na 30ª edição. Tem
o mais rico aparato crítico (são as notas de rodapé, com variantes de manuscritos). Traz
o melhor dos manuscritos.
Tipos de Versões
1. A Pérola de grande preço (Mat. 13:45-46): O valor sem preço do amor redentor. O
Salvador em procura dos homens.
2. A Ovelha Perdida ou A Parábola do Pastor Dedicado (Luc. 15:3-7): O amor de Deus
por aqueles que sabem que estão perdidos, mas não sabem como retornar a Ele. O grande
desejo de Deus é que ninguém pereça.
3. A Moeda Perdida ou A Parábola da Dona de Casa Diligente (Luc. 15:8-10): O amor de
Deus por aqueles que não sabem que estão perdidos. Diligência em busca do perdido.
4. O Filho Pródigo ou A Parábola do Pai Amorável (Luc. 15:11-32): O amor de Deus por
aqueles que têm vagueado errantes, longe do Seu amor. A dureza do coração humano em
contraste com o amor de Deus.
5. A Figueira Estéril (Luc. 13:6-9): O relacionamento entre a misericórdia e a justiça
divinas. A maneira de Deus tratar com a nação judaica.
B. O Plano da Salvação:
C. A Recepção da Verdade:
D. A Transformação do Caráter:
19. A Semente que Germina e Cresce (Mar. 4:26-29): Fé e obras; o esforço humano deve
cooperar com o poder infinito no crescimento cristão.
20. O Fermento (Mat. 13:33): O intenso e quantitativo crescimento do Reino do céu.
Poder de cima implantado no coração transforma a vida.
21. O Homem Sem a Veste Nupcial (Mat. 22:2-14): A importância da justiça de Cristo.
E. Oração:
22. O Amigo Chamado à Meia Noite (Luc. 11:5-13). Perseverança na oração. Pedir para
dar a outros.
23. O Juiz Injusto (Luc. 18:1-8): Perseverança, grande interesse e confiança na oração .
30. O Bom Samaritano (Luc. 10:30-37): A verdadeira religião consiste em serviço ativo
em favor de outros; disto depende o destino eterno. Contato com a humanidade sofredora
livra a alma do egoísmo.
31. O Servo que não Perdoava (Mat. 18:23-35): Misericórdia e perdão para outros. Nosso
perdão por Deus depende de perdoarmos os outros.
32. O Mordomo Fiel (Luc. 12:42-48): Supervisão conscienciosa dos negócios da casa de
Deus - a
Igreja.
33. Tesouros Velhos e Novos (Mat. 13:52): Familiaridade com verdades antigas e estar
alerta para novas verdades. Adaptar as verdades as necessidades dos ouvintes.
34. As Dez Virgens (Mat. 25:1-13): Preparação pessoal para o retorno do nosso Senhor.
Sua vinda parece demorada. Nossa necessidade do Espírito Santo para estar pronto.
35. O Servo Vigilante (Luc. 12:35-40): Preparação para a vinda repentina do nosso
Senhor. Vivendo de acordo com a luz que temos. Individual prestação de contas pela
verdade recebida.
36. Servos Vigilantes e o Proprietário Vigilante (Mat. 13:34-37): Vigiando pela volta do
Mestre.
37. Trabalhando na Vinha (Mat. 20:1-16): Deus mede o serviço pela disposição e
fidelidade pela qual ele é prestado. Recompensas são baseadas na graça generalizada do
nosso Senhor, e no Espírito que motiva nosso serviço para Ele.
38. Servos Ineficientes (Luc. 17: 7-10): Fidelidade ao dever. Deus reclama todo nosso
serviço.
39. Ovelhas e Cabritos (Mat. 25:31-46): O significado da religião prática. O teste supremo
da realidade de nossa religião consiste naquilo que nos impele a fazer por outros.
40. Parábola da Rede (Mat. 3:47-50): Separação final entre “bons” e “maus”. Nem todos
os ímpios eventualmente se tornam justos.
EVANGELHO DE MATEUS
1. Título
Os manuscritos gregos mais antigos do NT existentes hoje dão a este livro o título
de "Segundo Mateus". O título que leva no Textus Receptus (tradução para o latim), “O
Santo Evangelho Segundo Mateus”, só se encontra nos manuscritos mais recentes. Nas
Escrituras, o termo "evangelho" (gr. euaggélion) significa "boas novas". Quer dizer, as
boas novas de salvação expostas na vida e os ensinos de Jesus. Não se aplica ao registro
escrito em si; entretanto, depois do período neotestamentário, usou-se esta palavra
também para referir-se aos livros que narram a vida de Jesus.
2. Autor
Os antigos escritores afirmam unânime e conseqüentemente que o autor do
primeiro dos quatro Evangelhos foi Mateus, o discípulo. A evidência interna indica que
o livro foi escrito por um judeu convertido ao cristianismo. Tal foi o caso de Mateus (9:9;
cf. Mar. 2:14). Por ter sido publicano (judeu a serviço de Roma – um tipo de “funcionário
público”) antes de ser chamado ao discipulado, Mateus deve ter estado acostumado a
conservar registros, qualidade de grande valor para o que escreve uma narração histórica.
A modesta referência que faz de si mesmo na festa (Mat. 9:10; cf. Luc. 5:29) pode
comparar-se com a forma em que João (21:24) e possivelmente Marcos (14:51-52)
referem-se a si mesmos, e portanto pode ser um testemunho indireto de que Mateus o
escreveu.
Por volta do ano 140 d.C., Papías de Hierápolis, tal como o cita Eusébio (História
Eclesiástica), afirmou que Mateus escreveu certamente os oráculos divinos em língua
hebréia, e cada qual os interpretou como pôde. Meio século mais tarde, Irineu escreveu,
segundo também o cita Eusébio que "Mateus... deu a luz entre os hebreus um Evangelho
escrito na língua destes, enquanto Pedro e Paulo pregavam a Cristo em Roma e jogavam
os alicerces da Igreja". Apoiando-se nestas declarações e afirmações similares de
escritores posteriores, alguns (católicos, por exemplo) chegaram à conclusão de que o
Evangelho de Mateus foi escrito originalmente em aramaico (o "hebreu" de Papías e
Irineu) sendo posteriormente traduzido ao grego. Entretanto, esta teoria não mereceu
aceitação geral. A evidência existente hoje está longe de ser decisiva. Já que se sabe que
numerosas "obras" circularam entre os judeus só em forma oral, acredita-se que a
referência de Papías com respeito a que Mateus escreveu os "oráculos" de Jesus, se refere
melhor a uma composição oral e não escrita, e que o "evangelho" de Irineu possivelmente
foi também um relato oral. Não há evidência de que Papías e Irineu se referissem ao que
hoje conhecemos como o Evangelho Segundo Mateus.
As razões pelas quais inferimos que o Evangelho de Mateus, como o temos hoje,
foi escrito originalmente em grego, são as seguintes:
4. Tema
O tema de cada um dos quatro Evangelhos é a encarnação, a vida exemplar, o
ministério público, a morte vigária (substituta), a ressurreição e a ascensão de nosso
Senhor e Salvador Jesus Cristo. Não foi por um acidente que os quatro Evangelhos
chegaram a formar parte do sagrado cânon do NT, pois cada um deles faz uma
contribuição própria à narração evangélica. A missão do Filho de Deus nesta Terra era de
tal magnitude que tivesse sido difícil, se não impossível, até para os que estavam mais
intimamente relacionados com Jesus, captar o significado de cada detalhe dessa
maravilhosa vida.
Afim de que se preservasse para as gerações futuras um quadro completo da vida
e do ministério de Jesus, a Inspiração dirigiu e capacitou a quatro homens para que se
conservasse o registro do relato evangélico, escrito possivelmente do ponto de vista que
a cada um dos 4 interessava pessoalmente. Ao escrever, cada um dos quatro evangelistas
tinha um propósito claro. Cada um omitiu certos feitos mencionados pelos outros e
acrescentou detalhes próprios. É como se quatro pintores tivessem pintado um retrato de
Jesus, cada um desde um ângulo diferente. Em todos os casos, o tema é o mesmo, mas o
aspecto é diferente. Em seu conjunto, os quatro retratos proporcionam um conceito mais
completo e perfeito de Jesus do que poderia fazer um quadro sozinho. O retrato assim
formado pelos quatro evangelistas nos permite contemplar a vida de Cristo em sua
verdadeira perspectiva. Tudo o que precisamos conhecer sobre o Salvador foi revelado.
Uma característica distintiva do Evangelho de Mateus é seu registro íntegro dos sermões
e dos outros discursos do Salvador. Ele apresenta a Cristo como o grande Professor. Seu
Evangelho contém seis grandes discursos, registrados amplamente. Nos outros
Evangelhos aparecem em forma breve ou não estão registrados.
Uma segunda característica importante corresponde àqueles aspectos do
Evangelho que revelam claramente o tipo de público ao qual se dirigia Mateus. Esse
público parece ter estado composto principalmente de judeus cristãos e de judeus
incrédulos. Seu propósito evidente era converter a estes últimos à fé em Jesus como o
Messias da profecia, e confirmar a fé dos primeiros. Mais que todos os outros escritores
evangélicos juntos, Mateus apresenta a Jesus como Aquele a quem antecipavam os
símbolos do AT e em quem acharam seu cumprimento. Ele apresenta a Jesus como o que
veio não para abolir "a lei", a não ser para cumpri-la (cap. 5:17); como filho de Abraão e
filho de Davi, o pai da nação e seu mais ilustre rei, respectivamente.
O falso conceito que os judeus tinham da pessoa do Messias e da natureza de seu
Reino, levou-os a rechaçar a Jesus. O Messias de seus sonhos era um grande rei que
conduziria a nação à independência e à supremacia mundial. Mas não concebiam a seu
Messias como Rei de justiça, como Aquele que os levaria a vencer o pecado em suas
próprias vidas e a obter a verdadeira liberdade espiritual. Os judeus não podiam
reconciliar as passagens do AT que descreviam a um Messias sofredor (cf. Isa. 53) com
os outros que prediziam seu glorioso reinado (cf. Sal. 24). Como resultado, não tomavam
em conta os primeiros e faziam uma aplicação errônea dos últimos). Para os judeus, estas
passagens contraditórias constituíam uma paradoxo insolúvel. Procuravam
exclusivamente o Reino glorioso do Messias, e não encontravam lugar em seus planos
para o Reino da graça do Messias, o requisito prévio necessário para alcançar o Reino de
glória (ver com. cap. 4:17; 5:2-3). Mateus parece ter tido o propósito de resolver este
dilema e mostrar que o Messias vencedor também era um Messias sofredor. Ele resolve
este problema mostrando que Jesus era na verdade Rei de Israel e a "Semente" prometida
a Davi, mas que a vez no momento era de um Messias sofredor (cf. Mat. 2:1).
EVANGELHO DE MARCOS
1. Título
Os manuscritos mais antigos que existem simplesmente levam o título "Marcos".
Mais tarde, à medida que o término "Evangelho" começou a aplicar-se à história da vida
e o ministério do Jesus, incorporou-se ao título deste livro. O título "O Evangelho
Segundo São Marcos" só aparece em manuscritos posteriores.
2. Autor
O testemunho constante e unânime da tradição cristã assinala a João Marcos como
o autor deste Evangelho. O nome Marcos deriva do latim Marcus, sendo portanto seu
sobrenome (Atos 12:12, 25). Seu primeiro nome era João (Atos 13:5, 13), e o nome de
sua mãe era Maria (Atos 12:12). Era "primo de Barnabé" (Colos. 4:10), que antes tinha
vivido no Chipre (Atos 4:36). No lar de Marcos, em Jerusalém, parece que estava o
"aposento alto", onde por um tempo, ao menos, viveram alguns dos apóstolos depois da
ressurreição e ascensão de Jesus (João 20:19; Atos 1:13), e onde se reuniam os membros
da primeira igreja em Jerusalém (Atos 12:12). João Marcos acompanhou a Paulo e a
Barnabé na primeira viagem missionária destes apóstolos (Atos 13:5, 13); em uma
viagem posterior Marcos acompanhou a Barnabé à ilha de Chipre (Atos 15: 36-39).
Parece que Marcos trabalhou mais tarde sob a direção de Pedro e de Paulo (1Ped. 5:13;
Colos. 4: 10; 2Tim. 4:11).
O fato de que este Evangelho leve o nome de uma pessoa tão pouco destacada
como Marcos, é uma evidência indireta de sua autenticidade e de que ele é o verdadeiro
autor. Se este Evangelho fora uma falsificação, sem dúvida lhe teria sido dado o nome de
uma pessoa melhor conhecida, que houvesse estado associada pessoalmente com Jesus,
como o apóstolo Pedro, por exemplo. Não há uma razão válida para duvidar nem da
autenticidade do livro nem de que Marcos é seu autor. Papías, bispo de Hierápolis, foi o
primeiro escritor que sabe-se tenha afirmado que Marcos era o autor deste Evangelho.
Eusébio (historiador cristão dos primeiros séculos) escreveu o seguinte sobre uma citação
de Papías:
"Dizia aquele presbítero [muito provavelmente o apóstolo João], refere Papías,
que Marcos, intérprete de Pedro, escrevia totalmente com diligência quantas coisas
encomendava à memória; mas que entretanto não expor ordenadamente os ditos e feitos
do Senhor. Pois ele nunca tinha ouvido nem seguido ao Senhor, mas sim tinha vivido
depois com Pedro, como hei dito, o qual pregava o Evangelho para utilidade dos
ouvintes, não para tecer uma história dos discursos do Senhor. Por esse motivo em nada
faltou Marcos, que escreveu algumas palavras tal como as tirava da memória. Porque
uma só coisa desejava, ou seja, não omitir nada do que tinha ouvido, nem adicionar a
isso alguma falsidade".
Esta declaração concorda com a seguinte referência do Pedro: "meu filho Marcos" (1Ped.
5: 13).
3. Tema
Marcos é o mais curto dos quatro Evangelhos; entretanto, em muitos aspectos é o
mais ágil e vigoroso de todos. Embora só tem dois terços da extensão de Mateus, registra
a maior parte dos incidentes que menciona este. Seu estilo é forte, incisivo, vívido,
pitoresco, e freqüentemente dá detalhes significativos que não são mencionados pelos
outros evangelistas.
Marcos dá ênfase a Jesus como um Homem de ação, enquanto que Mateus O
apresenta como um Professor. Portanto, Marcos registra quase todos os milagres que
mencionam os outros Evangelhos sinóticos. Uma palavra muito característica de Marcos
é euthéos (ou euthús): “logo” (cap. 1:10, 18, 20-21, 29); "em seguida", "imediatamente",
(cap. 1:30, 41-42); "ao momento" (cap. 4:16). Utiliza-a mais freqüentemente que todos
os outros evangelistas juntos.
Marcos relata a vida de Cristo principalmente em ordem cronológica, e não por
tópicos como o faz Mateus. Sua ênfase nos milagres assinala claramente seu propósito:
destacar o supremo poder de Deus, como pode ver-se nas “maravilhas” e “milagres” feitos
por Jesus. Este é o objetivo primário de Marcos, assim como o de Mateus é assinalar que
Jesus cumpriu todas as predições dos profetas do AT. Mateus prova que Jesus é o Messias
apoiando-se em que é Aquele de quem os profetas deram testemunho. Marcos prova que
Jesus é o Messias pelo testemunho que dá de Seu poder divino, o qual, presumivelmente,
seria mais convincente para os leitores a quem se dirigia: cristãos de origem gentílica,
possivelmente romanos.
EVANGELHO DE LUCAS
1. Título
Os manuscritos mais antigos deste Evangelho dizem apenas "Segundo Lucas";
mas em manuscritos posteriores se lê: "O Evangelho segundo São Lucas" ou "O santo
Evangelho Segundo Lucas".
2. Autor
O consenso antigo e unânime da tradição cristã assinala a Lucas como o autor do
Evangelho que leva seu nome. As tradições mais antigas (Eusébio, Tertuliano, Irineu)
assinalam, pois, unanimemente a Lucas como o autor do Evangelho que leva seu nome.
O Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos podem considerar-se como os
volumes 1 e 2 de uma obra que bem poderia titular-se “Origem e Desenvolvimento do
Cristianismo”. A introdução de Atos (cap. 1:1) assinala nitidamente a um só autor para
ambos os livros, e o estilo literário é evidentemente o mesmo. Além disso, ambos os livros
são dedicados a uma mesma pessoa: a Teófilo (Luc. 1:3; Atos 1:1). As seções de Atos
onde o escritor utiliza o plural "nós" indicam claramente que este era um constante
companheiro de Paulo, especialmente durante os anos finais do ministério do apóstolo.
É, pois, bastante claro que Lucas foi o autor do livro dos Atos e do Evangelho que leva
seu nome.
O contexto de Colos. 4: 11-14 parece sugerir que Lucas não era judeu, mas sim
um “gentio”, porque não é incluído na lista dos “da circuncisão” a não ser na de outros
conhecidos como gentis. O Evangelho de Lucas se considera geralmente como uma das
melhores obras literárias do Novo Testamento, e em muitos aspectos é o mais próximo
ao estilo dos grandes escritores gregos. Isto se evidencia em forma especial no prólogo
(Luc. 1:1-4).
Uma evidência a mais de que Lucas foi o escritor do Evangelho que leva seu
nome, pode ver-se nos termos médicos que aparecem freqüentemente em seu livro (Luc.
4:38; 5:12; 8:43, etc.), os quais poderiam indicar que seu autor era médico (Colos. 4:14).
3. Tema
Mateus apresenta a Jesus como o grande Professor e expoente da verdade divina.
Marcos O apresenta como o Homem de ação, pondo ênfase em Seus milagres como uma
manifestação do poder divino que testemunha que Ele é o Messias. Lucas põe a Jesus em
contato íntimo com as necessidades do povo, destacando o aspecto humano de Sua
natureza e apresentando-o como o Amigo da humanidade; e João apresenta a Jesus como
o divino Filho de Deus.
Como Mateus escreveu em primeiro lugar para o povo de ascendência judia, ele
apresenta a genealogia de Jesus a partir de Abraão, o fundador de sua nação; mas Lucas,
que escreve para pessoas de todas as raças, apresenta a genealogia de Jesus partindo de
Adão, pai da raça humana. Lucas, mais que nenhum outro evangelista, refere-se aos
incidentes que destacam o interesse e o ministério de Jesus pelos gentios. Menciona
também mais que os outros evangelistas aos centuriões romanos, e o faz sempre em forma
favorável. A visão do mundo que tem Lucas se faz evidente em seus escritos sobre as
apelações de Paulo aos gentis (Atos 14:15-17; 17:22-31).
EVANGELHO DE JOÃO
1. Título
Quase sem exceção, desde os primeiros séculos se conheceu o quarto Evangelho
com o nome de Evangelho segundo João. O nome João significa: “o Senhor é benigno”.
2. Autor
Este Evangelho é anônimo no sentido de que, por razões conhecidas só pelo autor,
este evita deliberadamente toda menção de sua pessoa pelo nome. Não identifica-se como
um dos dois discípulos que primeiro seguiram a Jesus (cap. 1:37), e com óbvia modéstia
se refere a si mesmo com as expressões: “aquele discípulo” (cap. 21:23), “o discípulo a
quem Jesus amava” (v. 20), “o discípulo que dá testemunho destas coisas, e escreveu estas
coisas” (v. 24). Desde muito tempo, a tradição cristã assinalou a João com “o amado”,
não só como a fonte de informação, mas também como o escritor do Evangelho que leva
seu nome.
João se distinguiu por sobre os outros doze como “o discípulo a quem Jesus
amava” (cap. 21:20). A chama da lealdade pessoal e da ardente dedicação a seu Professor
parecia arder mais pura e mais brilhante em seu coração que no de seus companheiros.
Entre João e Jesus se desenvolveu uma amizade mais próxima que a que cultivaram os
outros. Assim como Cristo, por ser o único que conhecia perfeitamente ao Pai, era o único
que podia revelá-Lo perfeitamente, assim também João estava em magníficas condições
para apresentar, em seu Evangelho, sublimas verdades a respeito de Cristo.
Quando João e seu irmão chegaram pela primeira vez a Cristo, receberam o
apelido de "filhos do trovão". Eram orgulhosos, seguros de si mesmos, ambiciosos de
honras, iracundos; ofendiam-se facilmente; freqüentemente albergavam o desejo de
vingar-se e o levavam a cabo quando tinham a oportunidade. Eram graves defeitos, e é
indubitável que João não foi escolhido como discípulo por ter um caráter agradável ou
nobre. Mas, por debaixo desta aparência desalentadora Jesus discerniu um coração
ardente, sincero e amante. Foi ao começo um aluno lento, mas em quem o Professor viu
um apóstolo dinâmico. Quando João tomou sobre si o jugo de Cristo, transformaram-se
seu caráter e toda sua vida. Ao contemplar a Jesus, Aquele que é “imitável” em todo
sentido, João sentiu o supremo desejo de assemelhar-se a seu Professor. Era mais jovem
que os outros discípulos e, com a confiança e a admiração que a juventude sente por um
herói, abriu o coração a Jesus. Sempre estava ao lado de seu Professor e, como resultado
de entregar-se mais completamente à influência dessa vida perfeita, chegou a refleti-la
mais plenamente que seus companheiros. Seu espírito era mais receptivo, mais submisso.
Quando a pura luz do Sol da justiça lhe revelou um após o outro seus defeitos, humilhou-
se e aceitou a recriminação implícita na vida perfeita de Cristo e explícito em suas
palavras de conselho e reprovação. À medida que entregava sua vida à influência do
Salvador, o amor e a graça divinos o foram transformando.
3. Tema
Quando o Evangelho de João foi escrito (em fins do século I), três grandes perigos
ameaçavam a vida e a pureza da Igreja Cristã. O mais sério era a decadência da piedade;
outro era a heresia, sobretudo o gnosticismo, que negava a realidade da encarnação e
fomentava a libertinagem; o terceiro era a perseguição.
Tinham transcorrido 30 anos desde que se escreveram os Evangelhos sinóticos
(Mateus, Marcos e Lucas), e o idoso João, único sobrevivente dos doze, sentiu o desejo
de apresentar de novo a vida de Cristo, a fim de rebater as forças malignas que ameaçavam
destruir a igreja. Se necessitava um quadro vívido do Salvador a fim de fortalecer a fé na
realidade das grandes verdades do Evangelho, tais como a encarnação de Jesus, Sua
verdadeira divindade e verdadeira humanidade, Sua vida perfeita, Sua morte expiatória,
Sua gloriosa ressurreição e Seu prometido retorno. Somente quando a vida e a missão do
Salvador se conservam como uma realidade vivente na mente e no coração, pode ser
efetivo na vida o poder transformador de Sua graça. Por isso João declara que seu relato
foi escrito “para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em Seu nome” (cap. 20:31).
Admite francamente que poderia ter escrito muito mais (v. 30), mas que só relatou
aqueles fatos que considera mais convenientes para testemunhar das grandes verdades
fundamentais do Evangelho. Moveu-o a certeza de que o que o tinha convencido,
convenceria também a outros (cf. 1João 1:1-3).
O pensamento gnóstico cristão girava em volta do conceito de que, em essência,
o bem e o mal devem identificar-se com o espírito e a matéria, respectivamente. Se
ensinava que aqueles em cujas almas reside uma faísca da luz celestial são prisioneiros
neste mundo de matéria. Afirmava-se que a salvação consiste em obter o conhecimento
necessário para escapar do Reino da matéria ao Reino do espírito. O gnosticismo negava
a verdadeira encarnação de Cristo e sustentava que a forma humana que os homens
acreditavam ver era uma “aparência”. O Cristo divino - segundo o gnosticismo - tinha
entrado no Jesus humano em Seu batismo, e se tinha retirado antes de Sua morte na cruz.
Indubitavelmente, João procurava rebater, ao menos em parte, estes falsos
conceitos sobre o pecado e da salvação mediante seu relato da vida de Jesus. Trinta anos
antes, Paulo tinha escrito à igreja de Colossos sobre semelhantes perigos ocultos no que
era então a nova e intrigante seita do gnosticismo (Colos. 2:8; Atos 20:29-30). Agora João
se enfrentava com uma filosofia vigorosa e cada vez mais popular, que ameaçava a
própria vida da igreja. Com bom critério, emanado da inspiração, João se abstém de atacar
diretamente o gnosticismo, e se limita à declaração positiva da verdade. É digno de notar
que - evidentemente em forma intencional – ele evita o uso de certos substantivos gregos
tais como gnosis, pístis, e sofía (“conhecimento”, “fé”, e “sabedoria”, respectivamente),
palavras-chaves do vocabulário gnóstico.
Ele começa o Evangelho afirmando com linguagem inconfundível a verdadeira
deidade de Cristo e a realidade de Sua encarnação. Aparentemente, a seleção que fez dos
eventos relatados se deveu ao desejo de apresentar aqueles aspectos da vida e do
ministério de Cristo que revelam em forma muito clara estas verdades fundamentais.
Excetuando uns poucos casos notáveis (as bodas de Caná, a cura do filho do “oficial”, a
alimentação dos 5.000, o sermão sobre o pão de vida), João trata exclusivamente, e
freqüentemente extensamente, aqueles eventos ocorridos na Judéia que implicavam aos
dirigentes da nação judia. Neste sentido, seu Evangelho é um complemento dos sinóticos,
que se ocupam amplamente do ministério na Galiléia e passam por alto em relativo
silêncio a maioria dos fatos ocorridos na Judéia.
Existem outras diferenças entre o João e os sinóticos. Há extensas seções de seu
Evangelho dedicadas a largas polêmicas no templo de Jerusalém. Além disso, dedicam-
se vários capítulos às instruções compartilhadas com os discípulos na véspera da
crucificação. Por outra parte, João não diz nada quanto a acontecimentos de grande
magnitude como o batismo de Jesus, a transfiguração ou a experiência do Getsêmani.
Tampouco relata nenhum caso de cura de um endemoninhado. Os milagres que ele
registra são apresentados especificamente como provas do poder divino, e contribuem ao
propósito já anunciado de demonstrar que Jesus é o Filho de Deus.
João também não relata nenhuma das parábolas dos sinóticos. Sua meta não é
tanto escrever biografia ou história, mas escrever teologia, embora também emprega
muito material histórico e biográfico. Enquanto os escritores sinóticos apresentam o
messianismo de Jesus em forma indutiva, João o afirma ousadamente no primeiro
capítulo, e logo apresenta a prova.
Outras importantes diferenças estão na diferente cronologia da vida de Cristo. Se
não existisse outro registro a não ser o dos sinóticos, provavelmente chegaríamos à
conclusão de que o ministério de Cristo se estendeu durante um período não muito maior
que o de um ano; enquanto que o relato de João exige reconhecer ao menos 2 anos e meio,
e dá a entender um período de 3 anos e meio. Também há uma diferença entre João e os
sinóticos quanto a sua correlação da última páscoa com a crucificação.
A palavra-chave deste Evangelho é “Verbo”, no grego lógos (cap. 1:1), usada em
seu sentido literal somente no capítulo de introdução. Lógos, como palavra específica,
parece haver-se originado com os estóicos, que a empregavam para designar a sabedoria
divina como a força integrante do universo. O filósofo judeu Filão usa a palavra lógos
1.300 vezes em sua exposição do AT. Afirmou-se muitas vezes que João usa esta palavra
neste sentido filosófico; mas o Lógos de João é estritamente cristão.
Apresenta a Jesus como a expressão encarnada da sabedoria divina que fez
possível a salvação, a encarnação da vontade divina e do caráter divino, do poder divino
ativo na transformação da vida dos homens. João se refere vez após vez ao feito de que
Jesus veio à Terra como a expressão vivente da mente, da vontade e do caráter do Pai.
Isto se vê nas 26 vezes onde cita a Jesus quando fala do Pai como de “que me enviou” ou
alguma frase equivalente, como também em seu uso de verbos sinônimos para referir-se
ao fato que a missão de Cristo provinha do Pai. Apresenta ao Salvador da humanidade
como o Criador de todas as coisas, a Fonte de luz e vida.
João também faz ressaltar a importância de acreditar a verdade a respeito do Jesus.
Para isto usa a palavra "acreditar" ou seu equivalente mais de 100 vezes. Embora é certo
que o Evangelho segundo João é novo e definidamente cristão em seus conceitos, estima-
se que 427 de seus 879 versículos refletem o AT, seja por citação direta ou por alusão.