Sociologia

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VOL.

XLVI | NÚMERO TEMÁTICO 2023

Desigualdades sociais e competências dos adultos:


oportunidades e lições do PIAAC

Luís Rothes

João Queirós

Patrícia Ávila Jungwon Kim

Paulo Feliciano Anita M. Sands

Richard Desjardins Madeline Goodman

Laura Halderman

Irwin Kirsch
UNIVERSIDADE DO PORTO
FACULDADE DE LETRAS

REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS


DA UNIVERSIDADE DO PORTO

VOL. XLVI | NÚMERO TEMÁTICO 2023


Desigualdades sociais e competências dos adultos:
oportunidades e lições do PIAAC

PORTO 2023
Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

DIRETOR:
Helena Vilaça, Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Instituto de Sociologia da
Universidade do Porto.

CONSELHO DE REDAÇÃO:
António Firmino da Costa, ISCTE-IUL/CIES-IUL; Cristina Parente, FLUP/IS-UP; Fernando Luís Machado, ISCTE-IUL/CIES-IUL;
Isabel Dias, FLUP/IS-UP; João Teixeira Lopes, FLUP/IS-UP; Luís Vicente Baptista, FCSH-UNL/CESNOVA.

CONSELHO EDITORIAL:
Alice Duarte, FLUP/IS-UP; Álvaro Domingues, FAUP/CEAU; Ana Maria Brandão, ICS-UM; Ana Nunes de Almeida, ICS-UL; Ana
Paula Marques, ICS-UM; Anália Torres, ISCSP-UTL/CIES-IUL; Antonio Álvarez Sousa, Universidade da Coruña, Espanha; António
Firmino da Costa, ISCTE-IUL/CIES-IUL; Augusto Santos Silva, FEP/IS-UP; Benjamin Tejerina, Universidad del País Vasco,
UPV/CEIC; Espanha; Bernard Lahire, ENSL; França; Carolina Pimentel Corrêa, UFRGS; Chiara Saraceno, Università degli Studi di
Torino, Itália/Social Science Research Center Berlin, Alemanha; Claudino Ferreira, FEUC/CES-UC; Cristina Parente, FLUP/IS-UP;
Elena Zdravomyslova, European University at St Petersburg (EUSP)/Center for Independent Social Research (CISR), Rússia; Elisa
Reis, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil;
Fernando Luís Machado, ISCTE-IUL/CIES-IUL; Frank Welz, Universität Innsbruck, Áustria; Hans-Peter Blossfeld, Otto-Friedrich-
Universität Bamberg/Staatsinstitut für Familienforschung an der Universität Bamberg, Alemanha; Heitor Frugoli, Universidade de São
Paulo (USP)/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil; Hermes da Costa, CES; Hustana
Vargas, Universidade Federal Fluminense (UFF)/Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (NEPES), Brasil; Immanuel
Wallerstein, Yale University, Estados Unidos da América; Inês Pereira, ISCTE-IUL/CIES-IUL; Isabel Dias, FLUP/IS-UP; Jean
Kellerhals, Université de Genève, Suíça; João Bilhim, ISCSP-UTL; João Sedas Nunes, FCSH- UNL/CESNOVA; João Teixeira Lopes,
FLUP/IS-UP; José Resende, FCSH-UNL/CESNOVA/Observatório Permanente de Escolas (ICS-UL); José Soares Neves, ISCTE-
IUL/OAC; Lígia Ferro. IS-UP; Luís Vicente Baptista, FCSH-UNL/CESNOVA; Luísa Neto, FDUP/CENCIFOR; Luísa Pinheiro, IPV;
Margaret Archer, College of Humanities-École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça; Maria Manuel Vieira, ICS-UL; Maria
Manuela Mendes, FA-UTL/CIES-IUL; Mariano Enguita, Universidad de Salamanca/Centro de Análisis Sociales de la Universidad de
Salamanca (CASUS), Espanha; Massimo Introvigne, Center for Studies on New Religions (CESNUR), Itália; Michael Burawoy,
University of California, Berkeley, Estados Unidos da América; Michel Wieviorka, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales,
França; Patrícia Ávila, CIES-IUL; Paula Silva, FMUP; edro Abrantes, Universidade Aberta/CIES-IUL; Pertti Alasuutari, University
of Tampere/Tampere Research Group for Cultural and Political Sociology (TCuPS), Finlândia; Piotr Sztompka, Jagiellonian
University, Polónia; Ricca Edmondson, National University of Ireland, Irlanda; Rui Gomes, FCDEF-UC/CIDAF; Sara Melo, Portugal,
ISSSP; Tally Katz-Gerro, University of Haifa, Israel/ University of Turku, Finlândia; Tina Uys, University of Johannesburg/Centre for
Sociological Research, África do Sul; Vera Borges, ICS-UL; Víctor Kajibanga, Universidade Agostinho Neto, Angola/Centro de
Estudos Africanos da Universidade do Porto/Centro de Estudos Africanos do ISCTE-IUL; Vítor Ferreira, ICS-UL; Walter Rodrigues,
ISCTE-IUL/DINÂMIA’ CET-IUL.

COORDENAÇÃO E REVISÃO EDITORIAL:


Helena Vilaça, Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Instituto de Sociologia da Universidade
do Porto.
Assistência editorial: Marta Pereira de Sousa

INDEXAÇÃO:
Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto é indexada em SciELO, Latindex, EBSCO (Open Science
Directory e Fonte Académica), Sherpa/Romeo, DOAJ – Directory of Open Access Journals, Newjour, CAPES e EZB – Electronic
Journals Library.

DEPÓSITO LEGAL N.º 92384/95

ISSN: 0872-3419 DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023

Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projeto UIDB/00727/2020

OS ARTIGOS SÃO DA EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

OS ARTIGOS FORAM SUBMETIDOS A PEER REVIEW


SUMÁRIO

Editorial
Luís Rothes e João Queirós ..................................................................................................4

Artigos

O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC) e o


estudo das desigualdades sociais e educativas
Luís Rothes e João Queirós ..................................................................................................6

Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço


Patrícia Ávila .......................................................................................................................27

A evolução do Sistema de Formação Profissional em Portugal e o papel dos Fundos


Europeus
Paulo Feliciano ................................................................................................................... 51

Características das empresas e demandas dos empregadores por competências: resultados


preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC
João Queirós e Luís Rothes ............................................................................................... 68

2
Desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes contextos nacionais: está o
crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou a mitigar a desigualdade na participação?
Richard Desjardins e Jungwon Kim ................................................................................. 88

Grande demais para falhar: a Geração Millennial nas margens


Anita M. Sands e Madeline Goodman .............................................................................. 119

Entrevista

O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição das competências de literacia,


numeracia e resolução de problemas da sua população adulta
Entrevista com Laura Halderman e Irwin Kirsch por João Queirós e Luís Rothes……176

SUMÁRIOS DOS NÚMEROS ANTERIORES ……………………………………………184

ESTATUTO EDITORIAL ................................................................................................... 206

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS ...................................................... 209

3
EDITORIAL
Desigualdades sociais e competências dos adultos: oportunidades e lições do
PIAAC

No número temático de 2023 de Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade


do Porto, retoma-se a exploração do tema das desigualdades sociais e educativas, matéria presente,
desde sempre, no núcleo das preocupações pedagógicas e investigativas do Departamento de
Sociologia e do Instituto de Sociologia da FLUP.

O mote para a exploração deste tema é a iminente publicação dos resultados do 2.º Ciclo do
Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), um estudo
educacional de grande escala promovido em mais de trinta países pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Com disponibilização prevista para dezembro
de 2024, data a partir da qual poderão ser livremente acedidos e analisados, os dados do 2.º Ciclo do
PIAAC permitirão, assim se espera, renovar perguntas e caminhos de investigação neste âmbito,
com o aliciante especial de as análises poderem passar a incluir o caso português. Tal acontece depois
da interrupção da participação de Portugal no 1.º Ciclo do Programa, no seguimento da tomada de
posse do XIX Governo Constitucional, em 2011. Com a efetivação da participação de Portugal, a
partir de 2019, no segundo andamento do estudo, o país pode voltar a dispor de dados sobre literacia
(e outras competências) da sua população adulta – algo que sucederá quase três décadas depois da
publicação dos resultados do pioneiro Estudo Nacional de Literacia, coordenado por Ana
Benavente.

Ora, o que o presente número temático de Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da


Universidade do Porto pretende é precisamente evidenciar as potencialidades promissoras dos dados
do PIAAC, designadamente para o estudo das desigualdades sociais e educativas em Portugal.

Numa primeira parte desta publicação, e para além de um texto geral e introdutório, da autoria
de Luís Rothes e João Queirós, sobre as características fundamentais do PIAAC e as possibilidades
que os seus dados abrem aos investigadores das temáticas sociais e educativas, são apresentados três
artigos, todos originais, que permitem enquadrar e situar a trajetória e os caminhos futuros do estudo
das competências dos adultos no nosso país.

No artigo de Patrícia Ávila, reconhecida especialista desta área e coordenadora, até à respetiva
interrupção, das atividades do 1.º Ciclo do PIAAC em Portugal, são apresentados os antecedentes
do estudo em curso, que remontam ao já citado Estudo Nacional de Literacia, e abordadas algumas
das questões essenciais relacionadas com a literacia dos adultos portugueses.

4
Já Paulo Feliciano, no artigo intitulado “A evolução do Sistema de Formação Profissional em
Portugal e o papel dos Fundos Europeus”, trata os sucessivos ciclos de financiamento comunitário
da educação e formação de adultos em Portugal e os seus impactos na qualificação dos portugueses.

Finalmente, neste primeiro bloco de textos, é apresentado um estudo preliminar e introdutório


sobre uma componente suplementar do estudo da OCDE, o “Módulo de Empregadores” do PIAAC,
sendo prestadas indicações metodológicas e feita uma leitura genérica de alguns dos resultados da
sua aplicação, com um foco na questão das desigualdades, perspetivadas, neste caso, à escala e a
partir do foco das organizações empregadoras que procuram competências nos mercados de trabalho.

Na segunda parte deste número da Revista, são apresentadas versões traduzidas para
português de dois artigos recentes que ilustram bem as virtualidades da utilização dos dados do
PIAAC no estudo das desigualdades. O artigo de Richard Desjardins e Jungwon Kim, inicialmente
publicado no número de 2023 do International Yearbook of Adult Education, foca-se, a partir da
mobilização de dados do 1.º Ciclo do PIAAC, nas desigualdades na participação educativa dos
adultos em diferentes contextos nacionais, explorando hipóteses em torno das implicações do apoio
prestado pelos empregadores à participação em educação e formação de adultos.

É também com base nos dados do 1.º Ciclo do PIAAC que, no artigo de Anita M. Sands e
Madeline Goodman, investigadoras do ETS Center for Research on Human Capital and Education,
se questiona o impacto das características sociodemográficas na forma como as competências se
encontram distribuídas pela população millennial, centrando-se aqui a análise na dimensão e nas
características sociais dos millennials dos EUA com baixos níveis de proficiência em literacia e
numeracia.

Finalmente, num artigo que reproduz uma entrevista com Laura Halderman e Irwin Kirsch
realizada em exclusivo para este número da Revista, são discutidas com estas duas figuras de proa
do consórcio internacional que coordena o PIAAC as características principais do estudo e as
potencialidades que podem resultar da participação no seu 2.º Ciclo.

No seu conjunto, estes trabalhos constituem um contributo para pensar a relação entre
competências e desigualdades sociais, desafiando os investigadores e equipas de investigação a
explorar os ensejos de pesquisa suscitados pelo extraordinário manancial de informação associado
ao PIAAC.

Luís Rothes e João Queirós


Organizadores do Número Temático de 2023 de Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto.

5
ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a1

O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos


Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas

Luís Rothes
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação
Coordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal

João Queirós
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Subcoordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal

Resumo
O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (Programme for the
International Assessment of Adult Competencies, PIAAC) é um estudo internacional multiciclo
promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A
participação de Portugal no 2.º Ciclo deste Programa vai permitir aceder, a partir de dezembro de
2024, a informação muito detalhada sobre competências de literacia, numeracia e resolução de
problemas da população adulta residente no país, esclarecendo, entre muitas outras questões, a
relação entre as desigualdades sociais e a posse e uso daquelas competências e abrindo perspetivas
muito promissoras para uma sua promoção e desenvolvimento, de modo socialmente justo. A
disponibilização, em acesso livre, dos dados que resultam do PIAAC constitui uma significativa
oportunidade para os investigadores, que poderão, com este 2.º Ciclo do Programa, alargar e
aprofundar a utilização de uma fonte de informação que tem vindo a ser mobilizada de forma
intensiva desde que os dados do 1.º Ciclo ficaram disponíveis. Neste artigo, são apresentadas
sucintamente as principais características do PIAAC e exploradas algumas possibilidades da
mobilização dos seus dados no estudo das desigualdades sociais.
Palavras-chave: PIAAC; Competências dos adultos; Desigualdades sociais.

The Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC) and the study
of social and educational inequalities

Abstract
The Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC) is a leading
6
ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
çllllllll
international multi-cycle study promoted by the Organization for Economic Co-operation and
Development (OECD). Portugal's participation in PIAAC’s Cycle 2 will make available, from
December 2024 on, very detailed information on literacy, numeracy and problem-solving
competencies of adults residing in the country, which will allow for the clarification, among many
other issues, of the relations between social inequalities and the possession and use of those
competencies, opening very promising perspectives for their promotion and development, in a
socially fair way. The availability, in open access form, of the data resulting from PIAAC represents
a significant opportunity for researchers, who will be able to broaden and deepen the use of a source
of information that has been intensively mobilized since data from Cycle 1 was made available. This
article presents the main characteristics of PIAAC and explores some possibilities the Programme’s
data brings to the study of social inequalities.
Keywords: PIAAC; Adult competencies; Social inequalities.

Le Programme pour l'évaluation internationale des compétences des adultes (PIAAC) et l’étude
des inégalités sociales et éducatives

Résumé
Le Programme pour l'évaluation internationale des compétences des adultes (PIAAC) est une étude
internationale multicycle promu par l’Organisation de coopération et de développement
économiques (OCDE). La participation du Portugal au Cycle 2 de ce Programme permettra
d’accéder, après décembre 2024, à des informations très détaillées sur les compétences de littératie,
numératie et résolution de problèmes de la population adulte résidant dans le pays, clarifiant, entre
autres questions, la relation entre les inégalités sociales et la possession et utilisation de ces
compétences et ouvrant des perspectives très prometteuses pour leur promotion et leur
développement, de manière socialement équitable. La mise à disposition, en accès libre, des données
issues du PIAAC constitue une opportunité importante pour les chercheurs, qui pourront, avec le
deuxième Cycle du Programme, élargir et approfondir l’exploitation d’une source d’information
mobilisée intensivement depuis que les données du premier Cycle ont été mis à disposition. Cet
article présente les principales caractéristiques du PIAAC et explore quelques possibilités de
mobilisation de données do Programme dans l’étude des inégalités sociales.
Mots clés : PIAAC ; Compétences des adultes ; Inégalités sociales.

El Programa para la Evaluación Internacional de las Competencias de los Adultos (PIAAC) y el


estudio de las desigualdades sociales y educativas
Resumen
El Programa para la Evaluación Internacional de las Competencias de los Adultos (PIAAC) es un
estudio internacional longitudinal promovido por la Organización para la Cooperación y el
Desarrollo Económicos (OCDE). La participación de Portugal en el Ciclo 2 de este Programa
permitirá acceder, a partir de diciembre de 2024, a información muy detallada sobre competencias
de comprensión lectora, matemáticas y resolución de problemas de la población adulta residente en
el país, aclarando, entre muchas otras cuestiones, la relación entre las desigualdades y la posesión y
uso de esas competencias y abriendo perspectivas muy prometedoras para su promoción y desarrollo,
de forma socialmente justa. La disponibilidad, en libre acceso, de los datos resultantes del PIAAC
constituye una importante oportunidad para los investigadores, que podrán, en el marco del Ciclo 2
del Programa, ampliar y profundizar el uso de una fuente de información movilizada intensamente
desde que los datos del Ciclo 1 fueran hechos disponibles. En este artículo se presentan brevemente
las principales características del PIAAC y se exploran algunas posibilidades para movilizar sus
datos en el estudio de las desigualdades sociales.
Palabras clave: PIAAC; Competencias de los adultos; Desigualdades sociales.
7
ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

1. O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos


Adultos (PIAAC)

O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (Programme for
the International Assessment of Adult Competencies, PIAAC) é um programa de investigação
multiciclo promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
O desenho e implementação do PIAAC está a cargo de um consórcio internacional, contratado pela
OCDE, liderado pelo ETS – Educational Testing Service (EUA). O consórcio inclui ainda os
seguintes parceiros: Westat (EUA); cApStAn (Bélgica); Research Centre for Education and the
Labour Market (ROA), da Universidade de Maastricht (Países Baixos); GESIS – Leibniz Institute
for the Social Sciences (Alemanha); e IEA – International Association for the Evaluation of
Educational Achievement (Alemanha). Este consórcio desenvolve a sua atividade em ligação direta
com as instituições nacionais e as entidades de pesquisa social designadas pelos governos dos países
participantes. Trata-se de uma iniciativa investigativa internacional, longitudinal e de grande
dimensão que visa a avaliação, monitorização e análise do nível e da distribuição das competências
dos adultos, para apoiar governos e organizações de diferente perfil no desenho de medidas de
extensão do uso de competências em contextos diversos e assim favorecer o desenvolvimento dos
recursos humanos e a participação educativa, cultural e cívica.

O PIAAC considera e aprofunda os propósitos e quadros metodológicos de dois inquéritos


precursores sobre literacia de adultos: o International Adult Literacy Survey (IALS), conduzido entre
1994 e 1998; e o Adult Literacy and Lifeskills Survey (ALL), conduzido entre 2002 e 2006. O IALS
foi o primeiro esforço para se realizar uma avaliação internacional em larga escala das competências
de literacia das pessoas adultas. Com este estudo, foi possível conhecer e comparar o nível de
competências de literacia dos adultos de diferentes nacionalidades, culturas e línguas e evidenciar a
importância da literacia para o bem-estar económico e social dos indivíduos e sociedades. Vinte e
três países, incluindo Portugal, participaram no IALS (OECD & STATCAN, 1995, 2000; OECD &
HRDC, 1997; ONS, 2000; Carey et al., 2000; Benavente et al., 1996).

A aprendizagem resultante da realização do IALS e a análise dos respetivos resultados


confirmaram a relevância deste tipo de exercícios, evidenciando também a necessidade de
introdução de melhorias, designadamente em matéria de estandardização do desenho da pesquisa,
bem como ao nível dos procedimentos de implementação do inquérito e dos métodos de estimação
utilizados. O ALL procurou corresponder a estes propósitos, desenvolvendo para tal um conjunto de
standards e orientações em matéria de garantia de qualidade, assim como procedimentos adicionais
de controlo da variabilidade e de garantia da comparabilidade dos resultados. O programa teve a
participação de onze países, não tendo contado com o envolvimento de Portugal (OECD &
çççççççççç
8
ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

STATCAN, 2005, 2011).

O 1.º Ciclo do PIAAC, lançado pela OCDE em 2007, prolongou e ampliou a experiência
destes dois inquéritos anteriores, visando igualmente propósitos de extensão do leque e profundidade
da informação a obter. Para além da avaliação das competências de literacia – e também de
numeracia –, o PIAAC possibilitou o acesso a informação sobre as competências de indivíduos com
baixa proficiência em literacia e avaliou as competências de resolução de problemas em ambientes
tecnologicamente ricos.

Trinta e oito países participaram no Ciclo 1 do PIAAC, tornando-o o maior inquérito


internacional a adultos até então realizado. Neste primeiro andamento do Programa, foram inquiridos
aproximadamente 250.000 adultos com idades entre os 16 e os 65 anos, representando 815 milhões
de indivíduos deste segmento etário. A inquirição foi realizada ao longo de três rondas: 24 países na
primeira ronda, em 2011-2012; nove países na segunda ronda, em 2014-2015; e seis países na
terceira ronda, em 2017-2018, incluindo neste caso nova participação dos EUA, que haviam
participado já na primeira ronda. Portugal, enquanto Estado-membro da OCDE e participante, desde
o primeiro ciclo, em 2000, no PISA (Programme for International Student Assessment), o outro
grande estudo internacional na área da educação promovido por aquela organização, também foi
convidado a participar no 1.º Ciclo do PIAAC. O essencial do trabalho de preparação desta exigente
operação chegou a ser realizado (Ávila et al., 2011), mas o país abandonou-a por determinação do
XIX governo constitucional1. Mais recentemente, o XXI governo constitucional considerou
essencial a participação portuguesa no 2.º Ciclo do PIAAC, tendo criado as condições para que o
país passasse a ser um dos (primeiro, 33, depois, 31) países que, para já, participam no novo
andamento do Programa.

Os principais resultados obtidos no âmbito do 1.º Ciclo do PIAAC foram já disponibilizados


aos países participantes e divulgados através de diversas publicações editadas pela OCDE (OECD,
2013a, 2013b, 2013c, 2016, 2019a, 2019b). Em cada um dos domínios avaliados – literacia,
numeracia e resolução de resolução de problemas em ambientes tecnologicamente ricos –, os
resultados do 1.º Ciclo foram apresentados numa escala de zero a 500, com níveis de proficiência
definidos pelos intervalos de pontuação. Seis níveis de proficiência foram estabelecidos para a
literacia e a numeracia, variando de “Abaixo do Nível 1” até ao “Nível 5”, enquanto, para a resolução
de problemas, foram definidos quatro níveis, de “Abaixo do Nível 1” até ao “Nível 3”. Os resultados
foram apresentados na forma de pontuações médias de proficiência para cada país, bem como por
proporções da população por nível de proficiência.

1
Ver o artigo de Patrícia Ávila publicado no presente número de Sociologia: Revista da Faculdade de Letras
da Universidade do Porto.
9
ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

Entretanto, foram também disponibilizados “Ficheiros de Utilização Pública” (Public Use


Files, PUF) com os dados do estudo, que têm proporcionado oportunidades investigativas e
analíticas muito importantes; delas tem resultado uma produção significativa de textos científicos da
autoria de investigadores e equipas de investigação das mais diversas nacionalidades e contextos
disciplinares (cf. Maehler et al., 2023). Este mesmo impacto terão seguramente os dados obtidos no
quadro do 2.º Ciclo do PIAAC, que se prevê que venham a ser disponibilizados a partir do final de
2024 e que se espera que então integrem informação relativa a um conjunto de perto de mais de três
dezenas de países, desta feita incluindo Portugal.

2. O “Inquérito às Competências dos Adultos”: quadro metodológico geral

O PIAAC tem como principais objetivos i) identificar e medir as competências cognitivas que
se crê serem fundamentais para o sucesso pessoal e societal; ii) avaliar o impacto destas
competências nos resultados sociais e económicos, aos níveis individual e agregado; iii) calibrar a
performance dos sistemas de educação e formação, para que estes possam favorecer o
desenvolvimento das competências necessárias no presente e no futuro; e iv) ajudar a clarificar e
qualificar as medidas e instrumentos de política necessários à promoção e melhoria das competências
das pessoas adultas. O PIAAC apresenta ainda o propósito de aferir de que modo e com que
proficiência os participantes usam as tecnologias de informação e comunicação para aceder, gerir,
integrar e avaliar informação, construir conhecimento e comunicar com outras pessoas. O estudo
recolhe também informação que permite, para cada país participante, traçar um retrato sobre o uso
de competências-chave nos contextos laborais e fora deles e assim medir mais adequadamente a
eficácia e a eficiência dos sistemas de educação e formação 2.

No âmbito dos trabalhos preparatórios do conjunto de operações associado ao


desenvolvimento do 2.º Ciclo do PIAAC, os quadros de referência concetual e metodológica da
avaliação das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas foram revistos e
atualizados, de forma a refletir a evolução do enquadramento teórico-metodológico, assim como os
desenvolvimentos tecnológicos verificados no período posterior ao 1.º Ciclo do estudo. Estes
quadros de referência foram compilados e explicitados detalhadamente num documento publicado
pela OCDE antes ainda do arranque da fase de pilotagem do “Inquérito às Competências dos
Adultos”, permitindo este documento compreender o que o PIAAC efetivamente avalia e de que
modo devem ser interpretados os respetivos resultados (OECD, 2021).

2
Informações gerais e documentação relevante sobre o PIAAC e o “Inquérito às Competências dos Adultos”,
seus objetivos, metodologia, detalhes técnicos e resultados do Ciclo 1, podem ser obtidas em
https://www.oecd.org/skills/piaac/.
10
ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

Enquanto processo exaustivo e complexo de avaliação das competências dos adultos,


implicando recolha de dados em vários idiomas e em países com populações, estruturas sociais,
culturas, níveis educativos e experiências de vida muito diversas, a realização do “Inquérito às
Competências dos Adultos” do PIAAC pressupõe uma forte integração e harmonização dos
protocolos de atuação, devendo os países participantes seguir o conjunto vasto de diretrizes de
garantia de qualidade e os pressupostos éticos e procedimentais estabelecidos pelo consórcio de
entidades responsável pela coordenação técnico-científica e operacional do estudo (OECD, 2022).
A uniformidade e a consistência do desenho e do desenvolvimento da pesquisa que deste modo é
possível alcançar favorecem a validação cruzada dos resultados e permitem maximizar os propósitos
comparativos do PIAAC. O quadro seguinte sintetiza as especificações fundamentais do desenho da
pesquisa.

Quadro 1 – Síntese das características fundamentais do “Inquérito às Competências dos Adultos”


do PIAAC.

População-alvo Adultos com idades entre os 16 e os 65 anos, que residam no território


nacional do país participante e que não estejam em unidades de
habitação coletiva institucional (como prisões, hospitais, lares de idosos
e quartéis).
Base de amostragem A base de amostragem deve assegurar a cobertura da população-alvo.
São permitidas exclusões de até 5% da população-alvo.
Desenho da amostra Amostragem probabilística, com cada indivíduo da população-alvo
apresentando uma probabilidade conhecida de seleção.
Dimensão da amostra Amostra mínima prevista de 5.000 casos completos por língua de
reporte, na fase principal do Inquérito. Contudo, o tamanho total da
amostra em cada país participante tende a variar e a depender de
circunstâncias específicas, acordadas com o Consórcio Internacional.
Método de recolha dos Entrevista presencial assistida por computador (CAPI) e avaliação
dados autoadministrada realizada sob supervisão do/a entrevistador/a.
Modo de avaliação Avaliação realizada com recurso a computador portátil (1.º Ciclo) ou
tablet (2.º Ciclo). A possibilidade de recurso à avaliação em papel, no
caso de respondentes com experiência insuficiente no uso de recursos
informáticos, existiu no 1.º Ciclo, mas não foi mobilizada na primeira
ronda do 2.º Ciclo.
Garantia de qualidade e Revisão central dos elementos-chave do estudo, incluindo processo de
controlo de qualidade amostragem e tradução e adaptação dos instrumentos; monitorização
permanente do processo de recolha de dados; entrega, validação e
adjudicação dos dados concretizada em função de indicadores de
qualidade.
Fonte: Adaptado de OECD (2021: 16).

A exigência do quadro referência concetual e metodológico revela-se nas suas múltiplas


componentes, apresentadas no seguinte diagrama, onde se destaca, com a indicação de “Novo”,
aquelas que foram incluídos pela primeira vez no segundo ciclo do estudo.
11
ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

Figura 1 – Principais componentes do PIAAC

Questionário-base Módulo sobre o Competências Avaliação Direta Inquérito aos


Características uso de socioemocionais Literacia empregadores
demográficas competências NOVO Numeracia (Opcional) NOVO
Educação e Competências Atributos, Resolução de Necessidades de
formação cognitivas comportamentos e problemas em competências das
Background Interação e crenças ambientes empresas,
social e linguístico competências individuais, tais tecnológicos ricos estratégias para
Situação laboral sociais como consciência, (só no Ciclo 1) colmatar hiatos de
e rendimentos Competências de abertura de Resolução competências,
Resultados aprendizagem espírito, adaptativa de fatores
sociais autoeficácia e problemas NOVO empresariais que
relacionamento afetam a procura
Qualidade do
ambiente de com os outros de competências
trabalho NOVO

Fonte: Adaptado de OCDE (disponível em https://www.oecd.org/skills/piaac/piaacdesign/).

O “Inquérito às Competências dos Adultos” (Survey of Adult Skills) constitui a atividade


principal do PIAAC. A recolha de dados é realizada presencialmente, no domicílio da pessoa
selecionada para inquirição, e diretamente com esta, com auxílio, em todas as etapas de aplicação,
de um tablet equipado com um software especificamente criado para o efeito (entrevista CAPI,
computer-assisted personal interviewing). As entrevistas, conduzidas por profissionais treinados de
acordo com as diretrizes e especificações do consórcio internacional responsável pelo estudo, têm
uma duração de entre 90 e 120 minutos.

O questionário organiza-se em dois módulos principais: o primeiro de caracterização do


inquirido (Background Questionnaire, Questionário-Base), o segundo de avaliação direta das
competências (Direct Assessment, Avaliação Direta de Competências) (OECD, 2021). O
Questionário-Base contempla uma série de informações referentes aos fatores que influenciam o
desenvolvimento e a manutenção de competências, sendo interrogadas dimensões relativas a:
caracterização demográfica e socioeconómica dos respondentes; trajetória e participação educativa
e formativa; condição perante o trabalho atual e história laboral; trabalho/profissão atual (ou último
trabalho); uso de competências de literacia, numeracia e TIC no contexto laboral; uso de
competências de literacia, numeracia e TIC na vida pessoal; ambiente e condições de trabalho;
efeitos da posse e uso de competências na vida profissional e nos rendimentos; outros efeitos da
posse e uso de competências fora do mercado de trabalho; competências sociais e emocionais.

A Avaliação Direta de Competências visa aferir, através de exercícios e testes


autoadministrados, as competências das pessoas entrevistadas associadas a tarefas quotidianas em
três áreas distintas. A literacia, entendida como a capacidade de compreender e usar informações de

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

textos escritos em diferentes contextos para concretizar ações concretas e atingir objetivos, é uma
das áreas trabalhadas. Note-se que as questões não procuram avaliar o nível de escrita do indivíduo,
mas a capacidade de analisar e compreender textos apresentados em formatos tradicionais e também
em meios digitais. Uma outra área aferida é a da numeracia, encarada como a capacidade de aplicar,
interpretar e comunicar informações e ideias matemáticas. Implica saber avaliar uma situação, ou
resolver um problema, num contexto real, mobilizando informação matemática nas múltiplas formas
em que o conteúdo pode ser representado. Finalmente, é avaliada a resolução de problemas, ou seja,
a capacidade de organizar a resposta a desafios quotidianos diversos, em muitos casos usando a
tecnologia para resolver os problemas suscitados e realizar as tarefas complexas propostas. O
objetivo não é medir a “competência digital” do respondente, mas compreender se ele possui as
competências necessárias para avaliar informações criticamente, decidir quais são as ações e os
recursos necessários, bem como usá-los para solucionar problemas (OECD, 2021).

A Avaliação Direta de Competências compreende três partes. Logo à partida, há um teste


localizador (Locator): oito questões de literacia e numeracia de baixa dificuldade. Desenhado para
fazer uma estimativa inicial do nível de proficiência do participante, este teste é usado para direcioná-
lo para o caminho de resposta mais apropriado, tendo em consideração o nível revelado. Numa
segunda parte, são apresentadas componentes de leitura e numeracia (Components), que apreciam a
capacidade de ler e entender o significado de frases simples e textos curtos e de compreender noções
matemáticas básicas, envolvendo dimensões e quantidades, por exemplo. Finalmente, são propostos
testes de avaliação da literacia, da numeracia e da capacidade de resolução de problemas,
estruturados em torno de um total de cerca de 80 questões. Os participantes fazem dois dos três
conjuntos de testes disponíveis. Para cada uma das provas, é apresentado um subconjunto dos itens,
com recurso a um desenho adaptativo do percurso de resposta. O objetivo é maximizar a eficiência
e a precisão da avaliação, apresentando aos respondentes questões que não sejam nem muito fáceis,
nem muito difíceis para eles. Em cada um dos domínios, a avaliação consiste num conjunto de
unidades compostas por um ou mais “estímulos” (por exemplo, um texto escrito e uma tabela) e um
conjunto de perguntas ou tarefas. Essas unidades são combinadas em grupos, os “testlets”, com
diferentes níveis de dificuldade. As informações do Questionário-Base e os resultados do Teste
Localizador e das Componentes de Leitura e Numeracia são utilizadas para atribuir um testlet de
dificuldade apropriado ao nível de competências do participante (OECD, 2021). A figura abaixo
apresenta esquematicamente o design adaptativo do processo associado à participação dos
respondentes no “Inquérito às Competências dos Adultos” do PIAAC.

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

Figura 2 – Desenho geral do “Inquérito às Competências dos Adultos” do PIAAC

Questionário-Base

Tutorial

Teste Localizador: 8 questões


de literacia e 8 de numeracia

Falhou: Passou (nível baixo): Passou (nível alto):


Caminho 1 Caminho 2 Caminho 3

75% 25%

Componentes de literacia e Componentes de literacia e Componentes de literacia e


numeracia numeracia numeracia

Literacia Numeracia Resolução de problemas

Numeracia Literacia Resolução de problemas

Fonte: Adaptado de OECD (2021: 17).

Na fase inicial do processo, o entrevistador aplica o Questionário-Base (no caso de países com
amostragem de unidades residenciais, e não de indivíduos, como no caso português, a aplicação
deste instrumento é precedida da aplicação de um Screener, ou “Questionário-Filtro”, que identifica
o número de membros do agregado doméstico, lista as suas características sociográficas
fundamentais e determina a elegibilidade para participação no estudo, selecionando
automaticamente, ao cabo deste processo, a pessoa – ou pessoas, no máximo duas, em agregados
domésticos com quatro ou mais membros elegíveis – que irá participar no Inquérito). De seguida, o
participante, se estiver disponível para continuar a responder, recebe o tablet, com recurso ao qual
realizará a Avaliação Direta de Competências. O entrevistador demonstra então as competências
básicas necessárias para completar as tarefas da Avaliação Direta no tablet, como sejam, por
exemplo, tocar, arrastar, soltar e destacar – os testes podem ser realizados com o dedo ou com o
auxílio de uma caneta ativa (active styllus). Seguidamente, o entrevistado percorre um tutorial
disponibilizado pelo software de resposta, já de forma independente. Concluída esta fase
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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preparatória, o participante realiza o teste localizador, utilizado para avaliar, num momento inicial,
o seu nível de proficiência. O participante é posteriormente direcionado para um de três caminhos
possíveis: se tiver falhado no teste localizador, segue para o Caminho 1, realizando apenas as
Componentes de Literacia e Numeracia; se tiver passado no teste localizador, mas com baixa
proficiência, segue para o Caminho 2, recebendo os exercícios das Componentes e ainda dois dos
três conjuntos de Avaliações (Literacia e Numeracia; Literacia e Resolução de Problemas; ou
Numeracia e Resolução de Problemas, podendo a ordem dos testlets ser inversa); se tiver passado
no teste localizador com proficiência elevada, segue para o Caminho 3, realizando também dois dos
três conjuntos de Avaliações. 25% dos participantes que seguem para o Caminho 3 são
aleatoriamente direcionados para os exercícios das Componentes antes de realizarem as Avaliações
(OECD, 2021). Trata-se, como se pode concluir, de um processo longo e exigente, que permite
recolher um leque amplo e muito rico de informações.

No Ciclo 2 do PIAAC, foi ainda incluído um Módulo de Inquirição de Empregadores (PIAAC


Employer Module). O objetivo deste questionário, aplicado, no caso português, em articulação com
o “Inquérito à Formação Profissional Contínua” (estudo do EUROSTAT), passa por compreender
quais são as principais demandas dos empregadores em matéria de competências, bem como as
principais lacunas e os mecanismos utilizados pelas empresas para lidar com tais fragilidades. Nos
cinco países que aderiram à aplicação desta componente opcional e complementar do PIAAC –
grupo que inclui Portugal – os questionários foram preenchidos por representantes de uma amostra
de empresas através do recurso a uma plataforma online. As perguntas incidiram sobre tópicos
relativos a características da empresa, procura de competências pela empresa, hiatos de
competências detetados, práticas de recursos humanos e modalidades de organização do trabalho
que contribuem para o desenvolvimento das competências dos trabalhadores (Marcolin & Quintini,
2023).

Os dados do “Módulo de Empregadores” do PIAAC foram já disponibilizados 3. Quanto aos


resultados do “Inquérito às Competências dos Adultos”, vertente principal do Programa, a sua
disponibilização está prevista para o final de 2024. Nessa altura, serão publicadas as bases de dados
(globais e de cada país participante), bem como todas as fichas técnicas e documentação
metodológica. A partir da primavera de 2025, e até 2028, a OCDE promoverá e publicará
regularmente relatórios temáticos, abordando tópicos não cobertos pelo Relatório Internacional
inicial, tratando dimensões específicas das políticas públicas e visando determinadas audiências dos
media e segmentos específicos do tecido social e institucional dos países participantes.

3
Ver, sobre esta componente da participação de Portugal no Ciclo 2 do PIAAC, o artigo de João Queirós e
Luís Rothes publicado no presente número de Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade
do Porto.
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

3. Desenvolvimento das operações do PIAAC em Portugal

Através do Despacho n.º 3651-A/2019, de 1 de abril, o XXI governo constitucional criou um


Grupo de Projeto encarregado de coordenar o trabalho associado à participação portuguesa no 2.º
Ciclo do PIAAC. Os seus coordenadores foram designados pelo Despacho n.º 4340/2019, de 26 de
abril. Através da aquisição de serviços técnico-científicos de apoio ao desenvolvimento das suas
atividades, concretizada por via de procedimentos de contratação pública dos quais resultaram
contratos estabelecidos com o Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP/P.PORTO) e a
Universidade Aberta (UAb), o Grupo de Projeto pôde contar com a colaboração de especialistas nos
domínios da amostragem, da gestão de dados e do planeamento e coordenação de serviços e sistemas
informáticos. O suporte administrativo e financeiro necessário ao desenvolvimento da atividade
deste Grupo de Projeto é assegurado pela ANQEP – Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino
Profissional, I.P., sendo esta entidade a responsável pelo estudo para efeitos de candidatura ao
respetivo financiamento, através de fundos europeus. Tratou-se de um processo de trabalho que se
previa que pudesse estar concluído no final de 2023, mas cujo cronograma inicial foi ajustado pela
OCDE, em virtude dos efeitos da pandemia da COVID-19. O adiamento da conclusão do trabalho
do Grupo de Projeto para o final de 2024 foi determinado pelo Despacho n.º 2215/2021, de 1 de
março, que estabeleceu igualmente a constituição de uma Comissão Nacional de Acompanhamento
do PIAAC em Portugal. O financiamento das despesas com o PIAAC em Portugal foi assegurado
pelo Programa Operacional de Assistência Técnica – POAT 2020 (Operação POAT-01-6177-
FEDER-000027), estando em curso as atividades necessárias à garantia da prossecução do
financiamento, no âmbito do novo quadro de financiamento comunitário.

Apesar de o país ter iniciado mais tarde do que a generalidade dos seus congéneres a sua
participação no Ciclo 2 do PIAAC, e de se terem observado atrasos consideráveis no arranque da
aplicação do “Inquérito às Competências dos Adultos”, em resultado de vicissitudes associadas à
concretização e finalização do concurso público internacional para aquisição de serviços para
realização em Portugal do trabalho de terreno, foi possível à equipa nacional concretizar todos os
passos associados à preparação, pilotagem e concretização do estudo. Como resultado do concurso
público internacional lançado para esse efeito, o trabalho de terreno foi atribuído a um consórcio
nacional liderado pela Universidade Católica Portuguesa, que desenvolveu a pesquisa sob a
coordenação geral e a supervisão do Grupo de Projeto do PIAAC. Este trabalho teve início no último
trimestre de 2022, tendo Portugal levado a cabo um Inquérito-Piloto operacional contemplando 150
entrevistas completas, realizadas no domicílio dos participantes em diferentes regiões do país (depois
já da concretização, um ano antes, de um Inquérito-Piloto mobilizando maioritariamente dados
sintéticos). O Inquérito-Piloto do “Inquérito às Competências dos Adultos” do PIAAC teve como
finalidades, quer no momento “simulado”, quer, sobretudo, no momento “operacional”, testar a

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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adequação dos instrumentos e itens da avaliação, a qualidade do processo de amostragem e a
organização e desenvolvimento das operações, tendo permitido confirmar, entre outros aspetos, a
não necessidade da mobilização de instrumentos em papel no Inquérito Principal.

Entretanto, vinham também já sendo preparadas as operações relativas a esta fase decisiva do
estudo, que arrancou no terreno em meados de janeiro de 2023, em todo o território de Portugal
Continental e nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. O trabalho de inquirição ficou
concluído em 6 de agosto de 2023. Ao cabo desta exigente operação, foi possível entregar ao
consórcio internacional e à OCDE, devidamente limpos e revistos, os dados relativos a cerca de
3.800 entrevistas completas4. Entre setembro de 2023 e o final do ano subsequente, decorrem tarefas
exaustivas, envolvendo todas as partes, de revisão, validação e análise preliminar dos dados obtidos
pelo conjunto dos países participantes no estudo, tarefas que culminarão na apresentação mundial
dos resultados prevista pela OCDE para dezembro de 2024.

Para concretização das duas fases do processo de inquirição, o consórcio internacional


estabeleceu a necessidade de se mobilizar uma base de amostragem fiável e atualizada, fosse ela um
registo de população, uma listagem de alojamentos ou uma base de endereços residenciais, que
cumprisse os padrões exigentes em matéria de amostragem de um inquérito probabilístico e que
garantisse uma cobertura mínima de 95% da população-alvo. Foi o que aconteceu também em
Portugal. O processo de amostragem foi multietápico, com definição de unidades amostrais
primárias (“PSU”, 1.ª fase), seguindo-se seleção das unidades residenciais a visitar (“DU”, 2.ª fase)
e, depois, seleção de participantes no estudo (“Persons”, 3.ª fase). Em termos excecionais, e apenas
para uma pequena parcela da amostra portuguesa, foi admitida, na fase final da inquirição no terreno,
uma abordagem random route, paralela à estabelecida inicialmente e funcionando como exercício
complementar e alternativo àquela.

Em Portugal, numa solução similar à adotada por outros países participantes em que não existe
um registo de população capaz de funcionar como base de amostragem de indivíduos, a base de
amostragem utilizada para seleção das unidades residenciais a visitar foi a Base Nacional de
Endereços (CTT – Correios de Portugal, SA). A dimensão total da amostra mobilizada no quadro do
Inquérito Principal foi de 19.191 residências, das quais 12.791 constavam da amostra inicial e 6.400

4
O número resulta de uma revisão em baixa, acordada com o consórcio internacional e a OCDE, do número
de casos completos a atingir por Portugal no quadro da concretização do “Inquérito às Competências dos
Adultos”, revisão articulada com a introdução de ajustamentos no cronograma dos trabalhos de inquirição
(igualmente negociados e acordados por todas as partes). Dos 3.800 casos completos, e cujos dados foram
entregues em meados de setembro de 2023, pouco mais de 3.150 foram obtidos através dos procedimentos de
amostragem e metodológicos originais, tendo os restantes sido concretizados no âmbito de um exercício
complementar estruturado em torno de modalidades alternativas de amostragem e inquirição (abordagem
random-route).
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

da amostra de reserva. A seleção dos participantes foi realizada, em cada unidade residencial pré-
selecionada e contactada, através da utilização de um “Questionário-Filtro” (Screener), aplicado com
recurso ao software de gestão da inquirição concebido especificamente para concretização do
PIAAC. Como acima indicado, o Questionário-Filtro enumera os indivíduos elegíveis e seleciona
automaticamente a pessoa ou pessoas convidadas a responder às duas etapas do “Inquérito às
Competências dos Adultos”.

Nos casos em que os residentes contactados não revelassem proficiência na língua ou línguas
de trabalho utilizadas e não fossem por isso capazes de avançar para a realização do Questionário-
Filtro e do Questionário-Base, a metodologia do estudo previu ainda a possibilidade de recurso a
uma “Entrevista à Porta” (Doorstep Interview). Esta entrevista consiste na aplicação de um
questionário sociográfico curto, autoadministrável, apresentado em diversas línguas estrangeiras
identificadas como relevantes no país. Em Portugal, foram realizadas cerca de 60 destas entrevistas.

O conjunto diversificado de instrumentos utilizados ao longo do processo de inquirição foi


objeto de um processo prévio de tradução, adaptação e revisão que garantiu o seu ajustamento à
realidade nacional, admitindo a inclusão de módulos específicos do país, sem prejuízo da integração
e harmonização global dos dados e da sua comparabilidade à escala internacional. O Grupo de
Projeto do PIAAC foi responsável pela tradução e adaptação linguística dos instrumentos de recolha
de dados, tendo recorrido, por via da contratação pública, aos serviços especializados de uma equipa
de tradutores do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP/P.PORTO).
Foi utilizado o procedimento recomendado para desenvolver as versões nacionais dos itens dos testes
cognitivos, ou seja, a tradução dupla por dois tradutores trabalhando de forma independente, seguida
de reconciliação realizada por um terceiro tradutor/supervisor. Todas as versões nacionais dos
materiais desenvolvidos passaram por um processo exigente de verificação e validação, que
envolveu também o consórcio internacional.

O sistema informatizado de gestão de casos concebido pelo consórcio internacional que


coordena o Programa (PIAAC’s International Case Management System) assegurou os processos de
registo, organização e centralização dos dados obtidos nas duas fases do Inquérito. Considerou-se
“completo” o caso em que a pessoa selecionada para participação no estudo respondeu a itens-chave
do Questionário-Base e avançou depois para a avaliação autoadministrada das suas competências,
percorrendo, pelo menos, os exercícios de preparação e treino e os exercícios de determinação da
familiaridade e proficiência com ferramentas digitais (podendo, eventualmente, não chegar a
concluir o conjunto dos exercícios de avaliação de competências proposto).

O estudo considerou a necessidade de verificar duas taxas de resposta. Uma primeira


correspondente ao produto das taxas de resposta do Questionário-Filtro (no caso dos países que

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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tivessem de o aplicar), do Questionário-Base e do “caso completo” (nos termos mínimos acima
indicados); uma segunda considerando as avaliações efetivamente finalizadas. Esta segunda taxa de
resposta corresponde ao produto da taxa de resposta do Questionário-Base e da taxa de resposta da
parte correspondente à Avaliação Direta de Competências. Tomando como referência os resultados
do 1.º Ciclo do PIAAC, é expectável que esta segunda taxa de resposta seja inferior à primeira em
aproximadamente dois pontos percentuais. Na primeira das taxas de resposta a determinar, apostava-
se na consecução de valores superiores a 70%, mesmo que se admitissem para publicação resultados
de inquirições com valores abaixo de 70%, mas acima de 50%, desde que os valores abaixo de 70%
não resultassem de vieses identificáveis e evidentes, como os decorrentes de subcobertura amostral.
Contudo, as circunstâncias, designadamente sanitárias, em que se desenvolveu o trabalho de
inquirição obrigaram a limitar estes propósitos, sendo claro que a generalidade dos países
participantes ficará com taxas de resposta aquém das inicialmente pretendidas. Trata-se de valores
cujos cálculo final não havia sido concluído aquando da redação destas linhas.

Os países participantes tinham a possibilidade de usar incentivos “modestos” para facilitar a


cooperação dos respondentes, podendo os mesmos ser de cariz monetário ou não-monetário. Esta
solução foi utilizada por quase todos os países, sendo também aplicada em Portugal. Os planos de
incentivos desenhados por cada país foram necessariamente verificados e aprovados pelo consórcio
internacional.

Várias medidas de monitorização e controlo de qualidade foram implementadas durante o


período de inquirição, visando garantir a mais alta qualidade dos dados do PIAAC. O sistema
informatizado de gestão de casos disponibilizou detalhes em tempo real sobre o desenvolvimento
dos processos de inquirição, havendo igualmente lugar à aplicação de outras medidas de
monitorização, como entrevistas supervisionadas, chamadas de verificação e validação das
entrevistas ou revisão dos materiais e dados obtidos. A avaliação da performance e produtividade
dos entrevistadores teve em conta fatores como a qualidade das entrevistas completadas, o número
de entrevistas completadas, o tipo e momento das tentativas de contacto realizadas para agendamento
e realização das entrevistas ou a duração média das entrevistas concretizadas. Os dados resultantes
das entrevistas foram transmitidos e centralizados diariamente, através do sistema informatizado de
gestão de casos, de forma a garantir a disponibilização de informação permanente sobre o andamento
dos processos de inquirição (incluindo através de dashboards atualizados em contínuo). Os relatórios
automáticos extraíveis do sistema de gestão de casos foram uma componente fundamental da
monitorização e ajustamento do trabalho dos entrevistadores e da avaliação do ritmo e qualidade do
processo de recolha de dados, sendo este supervisionado em permanência pelo Grupo de Projeto
português e pelo consórcio internacional.

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

4. Desigualdades sociais e níveis de competências dos adultos

Nas secções anteriores deste texto, foi possível conferir os termos fundamentais do processo
de reunião e efetivação das condições que permitirão a Portugal passar a dispor dos dados do PIAAC.
Entre muitas outras análises e leituras possíveis, a informação a disponibilizar permitirá aprofundar
de modo pioneiro o estudo das relações entre desigualdades sociais e níveis de posse e uso de
competências. Esta relação foi, de resto, bem evidenciada pelos resultados do 1.º Ciclo do Programa,
em todos os domínios de competências avaliados (OECD, 2019a; Rothes & Queirós, 2023). Há,
desde logo, variações relevantes entre os países participantes, visíveis mesmo no interior do espaço
europeu, onde os países do Sul apresentam, em geral, perfis de competências menos robustos: é neles
que encontramos as proporções mais elevadas de população com os mais baixos scores médios de
proficiência nos diferentes domínios de competência avaliados (OECD, 2019a). Estes níveis de
proficiência variam consideravelmente no seio da população de cada país: por exemplo, a diferença
que, em média, existe entre os 25% de adultos com níveis mais elevados de literacia e os 25% de
adultos com os níveis mais baixos é superior a 60 pontos (numa escala máxima de 500). Ora, a
magnitude destas diferenças nos resultados de cada país participante no PIAAC é maior
precisamente nos países com valores médios de proficiência mais baixos. Estamos, pois, perante
uma circunstância que merece a maior atenção: os países que apresentam um panorama geral mais
desfavorável são também aqueles em que as desigualdades de competência se manifestam de forma
mais evidente, ou seja, em que é maior o fosso entre os que têm maior e menor proficiência nos
diferentes domínios de competência avaliados (OECD, 2019a).

Em cada país, estes níveis de proficiência tendem também a variar de forma significativa entre
adultos com diferentes características sociodemográficas, verificando-se uma associação clara entre
os resultados obtidos nos diferentes domínios de competência e as características dos adultos
inquiridos em matéria de idade, nível educativo, níveis educativos dos pais e estatuto migratório,
sendo menos óbvia a associação entre o género e o nível de literacia dos respondentes (OECD,
2019a).

Na maioria dos países e economias participantes no 1.º Ciclo do PIAAC, a relação entre idade
e proficiência é uma curva em forma de U invertido, com um pico entre meados da terceira década
de vida e início da quarta (grupo dos 26 aos 35 anos). Esta associação entre idade e níveis de
competência revela-se bem no modo como se distribuem, por exemplo, os níveis de literacia dos
adultos dos países europeus participantes no PIAAC. Os europeus com idades entre os 26 e os 35
anos têm o mais alto score médio na componente de literacia (282,6 pontos), sendo seguidos pelos
que têm entre 16 e 25 anos (278,1 pontos) e, depois, pelos indivíduos que têm entre 36 e 45 anos
(277,1 pontos). Em contrapartida, os europeus acima dos 46 anos têm as mais baixas proficiências

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
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médias: os que se situam no grupo etário dos 46 aos 55 anos apresentam um valor médio de 266,3
pontos e os que têm entre 56 e 65 anos têm score médio de 253,6 pontos (OECD 2019a: 71-76).

No que respeita ao género, as diferenças nas competências de literacia e numeracia


evidenciadas nos dados do PIAAC são normalmente pequenas. Elas são, contudo, tipicamente mais
pronunciadas entre as pessoas adultas mais velhas. Os dois factos decorrem, essencialmente, de dois
motivos: o primeiro é que o nível de escolaridade das mulheres tem progressivamente alcançado o
dos homens; o segundo é que mulheres e homens ainda tendem a fazer percursos profissionais
diferenciados, saindo habitualmente penalizadas as possibilidades das mulheres mais velhas para
praticarem e manterem a sua proficiência em literacia e numeracia. As diferenças de género também
não são particularmente pronunciadas no domínio da resolução de problemas, apresentando os
homens apenas uma ligeira vantagem (OECD, 2019a: 76-81).

A relação entre competências e escolaridade, ela própria não dissociável da variável idade,
sobretudo nos contextos nacionais em que a sobrescolarização das gerações mais jovens é mais
evidente, é também assinalável. Em todos os países e economias, os adultos com maior escolaridade
têm melhor desempenho na avaliação do PIAAC. Nos países e economias da OCDE que
participaram no 1.º Ciclo do estudo, a diferença média entre os adultos com ensino superior e aqueles
que têm menos do que o ensino secundário é de 61 pontos em literacia e de 70 pontos em numeracia.
As diferenças na proficiência relacionadas com o nível de escolaridade são ainda maiores no domínio
da resolução de problemas em ambientes ricos em tecnologia. Na maioria dos países e economias,
uma grande parte dos adultos com baixo nível de escolaridade (aqueles sem ensino secundário) não
possuíam sequer a proficiência básica no uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC),
necessária, desde logo, para realizar a avaliação de resolução de problemas (por exemplo, não eram
capazes de operar o rato). Como resultado, 41% dos entrevistados com baixa escolaridade, nos países
da OCDE, não receberam uma pontuação neste domínio. Como seria expectável, trajetórias
académicas mais longas tendem a favorecer o desenvolvimento de níveis de proficiência mais
elevados e a providenciar o acesso a quadros profissionais e de vida mais desafiantes do ponto de
vista do uso e desenvolvimento de competências (OECD, 2019a: 66-71).

Os resultados do 1.º Ciclo do PIAAC mostraram ainda como a origem socioeconómica


condiciona os desempenhos das pessoas adultas. Usando o nível de escolaridade dos pais como proxy
do background socioeconómico dos respondentes, o que os resultados do PIAAC revelaram foi que
os adultos com pelo menos um progenitor com escolaridade de nível superior obtiveram, em média,
mais 41 pontos na escala de proficiência em literacia do que os adultos com progenitores sem o
ensino secundário completo (OECD, 2019a: 81-82).

Existe também uma clara relação entre a proficiência e a condição perante a migração,

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
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designadamente no caso dos europeus inquiridos. Esta surge bem ilustrada no facto de os adultos
testados na sua língua nativa terem uma pontuação média em literacia de 274,0 pontos, claramente
superior à pontuação média de 245,9 pontos dos adultos que aprenderam a língua em que foram
testados apenas como segunda língua (OECD, 2018: 36-37).

Os níveis de literacia são também bons reveladores da situação face ao emprego dos diferentes
inquiridos. Por exemplo, os europeus empregados a tempo inteiro obtiveram, em média, 277,7
pontos nos testes de literacia, ao passo que os empregados a tempo parcial conseguiram 270,7 pontos
e os desempregados alcançaram um score médio de literacia de apenas 255,4 pontos (OECD, 2019a).
É também bem claro o modo como a relação entre literacia e emprego se manifesta, também, no
risco de desemprego e nos salários auferidos: os europeus com maior proficiência em literacia têm
geralmente um desempenho melhor no mercado de trabalho, são mais propensos a encontrar um
emprego (um adulto com baixos níveis de literacia tem duas vezes mais probabilidade de estar
desempregado) e são mais bem pagos. Os valores/hora dos salários estão, de facto, fortemente
associados à literacia. O salário médio, por hora, dos trabalhadores com pontuação alta (“Nível 4”
ou “Nível 5” na escala de literacia) é 94% superior ao dos trabalhadores com pontuação baixa (“Nível
1” ou “Abaixo do Nível 1”).

Os resultados do 1.º Ciclo do PIAAC revelam os fortes impactos que os níveis de proficiência
nos diferentes domínios de competências têm em diferentes indicadores de participação e “bem-
estar” sociais. Os adultos que se situam nos níveis mais baixos de proficiência são os que apresentam
menores níveis de confiança, não só em relação a quem os rodeia, como também em relação às
instituições e aos governos. Por exemplo, a percentagem de indivíduos que demonstra níveis
elevados de desconfiança é duas vezes superior entre os que se situam no “Nível 1” e “Abaixo do
Nível 1” na escala de literacia à dos que obtiveram resultados que os situam no “Nível 4” e no “Nível
5” de proficiência. Estes últimos acreditam mais, também por isso, na sua capacidade para influir de
forma significativa no processo político e são mais capazes de fazer uso de informações de origem
governamental que lhes possam ser úteis. Os impactos podem ser igualmente observados noutros
indicadores de “bem-estar social”. É significativo, por exemplo, que, em todos os países analisados
no 1.º Ciclo do PIAAC, os adultos com mais altos níveis de proficiência sejam os que avaliam melhor
o seu próprio estado de saúde. São estes, também, os que mais declaram participar em atividades
associativas e de voluntariado (OECD, 2019a: 109-115). E são eles, igualmente, os adultos que mais
participam em atividades educativas e formativas e que declaram um maior envolvimento em
práticas de literacia. Os adultos com mais baixos índices de proficiência em literacia, pelo contrário,
revelam níveis de uso dessas competências invariavelmente abaixo dos da população em geral
(OECD, 2013, 2016). No grupo dos inquiridos com proficiência em literacia situada no “Nível 1”
ou “Abaixo do Nível 1”, a percentagem dos que nunca liam no trabalho alcançava 15,5%, face a

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

apenas 5,2% no conjunto dos respondentes. A ausência de práticas de leitura fora do trabalho era,
por seu turno, revelada por 4,8% dos inquiridos com proficiência em literacia situada no “Nível 1”
ou “Abaixo do Nível 1”, valor que descia para 1,3% no conjunto dos respondentes. Já os indivíduos
que declaravam ler mais no trabalho eram também aqueles que mais liam fora do contexto laboral
(Grotlüschen et al., 2016: 40-42). Há, pois, uma clara associação entre proficiência e uso das
competências. Ainda que possam ser encontradas variações entre países, o mais comum é a
existência de um “círculo virtuoso” entre (maior) proficiência, (maior) envolvimento em práticas de
literacia e (maior) possibilidade de mobilizar apropriadamente as competências na vida quotidiana
(OECD, 2016: 102-103; cf. também Grotlüschen et al., 2016; Desjardins, 2023; Reder et al., 2020).

Em suma, os dados recolhidos no 1.º Ciclo do PIAAC revelam os níveis de proficiência de


diferentes subgrupos da população, definidos de acordo com uma série de características
sociodemográficas. Eles confirmam a associação entre proficiência e nível educacional, o perfil de
proficiência em termos de idade e género ou o peso assumido pelo background socioeconómico.
Embora estas associações se verifiquem na maioria dos países e economias, uma série de
peculiaridades emergem de uma análise que pode ser aprofundada com a consulta das bases de dados
do PIAAC, revelando circunstâncias sociais e nacionais particulares e relações específicas com as
políticas – muito diversas – adotadas nos diferentes países.

5. O PIAAC como oportunidade investigativa

A disponibilização dos dados do “Inquérito às Competências dos Adultos” constitui uma


significativa oportunidade para os cientistas sociais. A possibilidade de acesso livre aos dados
produzidos no âmbito do PIAAC tem vindo a ser exponencialmente explorada desde a conclusão da
primeira ronda do 1.º Ciclo, em 2012. Se, em termos cumulativos, dispúnhamos, em 2013, de apenas
uma base de dados e de 33 publicações mobilizando informação recolhida no âmbito do primeiro
andamento do Programa, no ano de 2022, contávamos já com um total de 77 bases de dados, 15
documentos técnicos e 986 publicações disponíveis, com naturezas e propósitos muito diversos
(Maehler et al., 2023).

Com efeito, o panorama atual é caracterizado pela existência de uma ampla gama de
publicações relacionadas com o PIAAC, abrangendo todo o tipo de formatos: artigos científicos,
livros, capítulos de livros, relatórios técnicos, artigos de divulgação científica, textos de apresentação
e descrição de recursos, entre outros. Há textos que identificam, apresentam e disponibilizam
ficheiros de dados e outros recursos resultantes do “Inquérito às Competências dos Adultos” ou que
procedem à apresentação, análise e discussão de resultados a partir da utilização dos respetivos
dados. E temos também publicações que se referem ao quadro teórico-concetual subjacente à
llllllllllll
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

avaliação de competências promovida pelo PIAAC ou que abordam dimensões metodológicas e/ou
técnicas do estudo, incluindo extensões da pesquisa ou investigações de follow up realizadas em
determinadas regiões, países ou conjuntos de países. Há, aliás, que destacar a amplitude e
diversidade dos tópicos de investigação tratados, em diferentes contextos nacionais e a partir de
diferentes referenciais disciplinares, teóricos, epistemológicos e metodológicos, permitindo abordar
temáticas tão distintas como: determinantes do desenvolvimento de competências cognitivas;
envelhecimento e efeitos de coorte no desenvolvimento e retenção de competências; níveis e tipos
de participação educativa e formativa; efeitos da participação em educação-formação, por tipo e
modalidade de aprendizagem; eficácia e eficiência dos sistemas de educação-formação na promoção
de competências; posse e uso de competências e condição de saúde; posse e uso de competências e
participação social e cívica; relações entre competências, características socioemocionais e traços de
personalidade; relações entre competências e resultados económicos; impactos da digitalização e da
automação nos universos laborais e nas competências; desequilíbrios entre procura e oferta de
qualificações e competências; posse e uso de competências digitais em diferentes contextos;
diferenças na posse e uso de competências cognitivas entre grupos sociodemográficos; questões
metodológicas e éticas associadas ao desenvolvimento de testes de avaliação de competências; entre
muitas outras.

São sinais claros do impacto do 1.º Ciclo do PIAAC, os quais nos dão indicações de como
poderão ser promissores os próximos anos, e agora também no caso português, no que respeita à
investigação social e educacional que mobilizará os dados resultantes do 2.º Ciclo do Programa. É
certo que os países que participaram no 1.º Ciclo terão oportunidades reforçadas de investigação e
análise, pela possibilidade de apreciação longitudinal das transformações operadas nos domínios
trabalhados pelo Inquérito. Os países, como Portugal, que não possuam tal histórico terão de se focar
na interpretação dos dados do 2.º Ciclo. No caso português, ainda que com limitações óbvias,
poderemos ainda verificar como evoluiu a sua população adulta, em termos de proficiência em
literacia, desde que, aproximadamente há três décadas, se realizou, em Portugal, o Estudo Nacional
de Literacia (Benavente et al., 1996). A participação do nosso país no 2.º Ciclo do PIAAC, ao abrir
a possibilidade de avaliar e conhecer de forma detalhada o nível e características das competências
detidas pela população adulta, fornecerá seguramente um estímulo adicional ao esforço de
idealização e construção de estratégias de promoção da participação educativa e formativa ao longo
da vida que contribuam para definir como prioridade a redução das desigualdades educativas e
sociais.

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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26

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Luís Rothes (autor para correspondência). Professor Coordenador da Escola Superior de Educação
do Politécnico do Porto. Investigador Integrado do inED – Centro de Investigação e Inovação em
Educação (ESE-P.PORTO). Desde 2019, desempenha funções enquanto Coordenador do Grupo de
Projeto do PIAAC em Portugal. ESE-P.PORTO – Rua Dr. Roberto Frias, 602, 4200-465 Porto,
Portugal. E-mail: [email protected]

João Queirós. Professor Adjunto da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto.


Investigador Integrado do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto. Investigador
Colaborador do inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação (ESE-P.PORTO). Desde
2019, desempenha funções enquanto Subcoordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal.
E-mail: [email protected]

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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 – 50
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem202a2

Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço

Patrícia Ávila
Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Centro de Investigação e Estudos de Sociologia/Iscte-IUL

Resumo
Em Portugal, a investigação sobre literacia tem um marco inicial bem definido: o Estudo Nacional
de Literacia. Neste artigo, revisita-se essa investigação, assim como os principais desenvolvimentos
que se lhe seguiram. Começa-se por enquadrar o projeto no contexto mais alargado dos estudos
internacionais de avaliação de competências de adultos, destacando a sua singularidade e também a
partilha de quadros concetuais e modos de operacionalização. Quase trinta anos após os estudos
iniciais, a sociedade e a investigação extensiva sobre as competências dos adultos sofreram
consideráveis alterações, representando o PIAAC, o programa internacional atualmente em curso,
uma oportunidade para atualizar o conhecimento sobre a literacia da população adulta em Portugal.
Palavras-chave: Literacia dos adultos; avaliação de competências; estudos comparativos
internacionais.

Extensive studies on literacy in Portugal: an appraisal


Abstract
In Portugal, literacy research has a well-defined starting point: the National Literacy Study. This
article revisits that research, as well as the main developments that followed it. It begins by
contextualising the project in the wider context of international surveys on adult competencies,
highlighting its uniqueness and also the sharing of conceptual frameworks and modes of
operationalisation. Almost thirty years after the initial studies, both societies at large and the
extensive research on adult skills and competencies have undergone considerable changes, and
PIAAC, the international programme currently underway, represents an opportunity to update
knowledge about the literacy of adult population in Portugal.
Keywords: Adult literacy, skills assessment; international comparative studies.

Études approfondies sur la littératie au Portugal : un bilan


Résumé
Au Portugal, la recherche sur la littératie a un point de départ bien défini : l’Étude nationale sur la
littératie. Cet article revient sur cette étude, ainsi que sur les principaux développements qui l'ont
suivie. Il commence par situer le projet dans le contexte plus large des enquêtes internationales sur
ll
27
ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50

les compétences des adultes, en soulignant son caractère unique, mais aussi le partage de cadres
conceptuels et de modes d'opérationnalisation. Près de trente ans après les premières études, la
société et les études approfondies sur les aptitudes et les compétences des adultes ont connu des
changements considérables, et le PIAAC, le programme international en cours, représente une
occasion d'actualiser les connaissances sur la littératie de la population adulte au Portugal.
Mots-clés : Littératie des adultes ; évaluation des compétences ; études comparatives internationales.

Estudios extensivos sobre comprensión lectora en Portugal: un balance


Resumen
En Portugal, la investigación sobre las competencias de comprensión lectora tiene un punto de
partida bien definido: el Estudio Nacional de Comprensión Lectora. Este artículo revisa esa
investigación, así como los principales desarrollos que la siguieron. El artículo empieza situando el
proyecto en el contexto más amplio de los estudios internacionales que evalúan las competencias de
los adultos, destacando su singularidad y también el hecho de compartir marcos conceptuales y
modos de operacionalización. Casi treinta años después de los estudios iniciales, la sociedad y la
investigación extensiva sobre las competencias de los adultos han experimentado cambios
considerables, y el PIAAC, el programa internacional actualmente en curso, representa una
oportunidad para actualizar los conocimientos sobre las competencias de comprensión lectora de la
población adulta en Portugal.
Palabras clave: Comprensión lectora de los adultos; evaluación de competencias; estudios
comparativos internacionales.

1. O Estudo Nacional de Literacia: um novo conceito e um primeiro


retrato das competências de literacia dos adultos
Em Portugal, a investigação sobre literacia tem um marco inicial claramente definido: o
Estudo Nacional de Literacia (ENL), coordenado por Ana Benavente (Benavente, Rosa, Costa e
Ávila, 1996), desenvolvido entre 1994 e 1996, e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e
pelo Conselho Nacional de Educação. O estudo teve bastante repercussão pública e introduziu, pela
primeira vez no país, a palavra e o conceito de literacia, que desde essa altura passaram a integrar a
linguagem quotidiana ao ponto de terem visto, de alguma forma, diluir-se a sua inicial consistência
e pertinência analítica.

O ENL foi um trabalho pioneiro, até ao momento não replicado ou atualizado, no âmbito do
qual foram alcançados avanços muito significativos para a investigação sobre a literacia na sociedade
portuguesa, em pelo menos três níveis: na elaboração concetual e justificação científica e social da
sua pertinência; na operacionalização, concretizada num amplo trabalho de investigação que
combinou metodologias extensivas e intensivas; e na discussão das implicações sociais da literacia
na sociedade atual.

Esta investigação surge no seguimento de estudos nacionais realizados no Canadá e nos EUA
no início dos anos 1990 (Kirsch, Jungeblut, Jenkins e Kolstad, 1993; Montigny, Kelly e Jones, 1991)
e é contemporânea da primeira fase de um programa de investigação, o IALS (International Adult
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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50
çç
Literacy Survey), que visa, pela primeira vez, concretizar uma pesquisa de caráter extensivo e
comparativo, de âmbito internacional, sobre literacia. O IALS foi desenvolvido em três fases, cada
uma delas integrando um conjunto de novos países. A primeira fase teve lugar em 1994, a segunda
em 1996 e, finalmente, a terceira em 1998. Foram publicados três relatórios, no último dos quais se
sistematizam e comparam os resultados dos 20 países participantes (OECD e Statistics Canada,
2000).

Num quadro mais alargado, importa mencionar que no período em que decorrem o ENL e o
IALS (segunda metade da década de 1990) se assiste a um forte reconhecimento social e político,
nacional e internacional, da importância dos processos educativos e da aprendizagem ao longo da
vida, para a economia e para a sociedade como um todo. A aposta nas qualificações e na melhoria
das competências da população adulta é considerada decisiva, reconhecendo-se que, no decorrer da
vida, podem ser muito diversos os contextos de aprendizagem e os modos de aprender.

É nesta época que surgem documentos de referência como o Livro Branco sobre educação e
formação publicado pela Comissão Europeia (Ensinar e Aprender, Rumo à Sociedade Cognitiva;
Comissão Europeia, 1995), cujo foco central é o modo como a Europa poderia enfrentar as
oportunidades e desafios da globalização, da expansão das tecnologias da informação e comunicação
e das aplicações da ciência, considerando-se que apenas uma aposta na educação e formação poderia
aumentar a competitividade europeia num contexto de globalização da economia. Um ano depois,
1996 é declarado o Ano Europeu da Educação e da Aprendizagem ao Longo da Vida e é publicado
o relatório da UNESCO, coordenado por Jacques Delors – Educação, um Tesouro a Descobrir
(Delors, 1996). Ainda em 1996, a OCDE publica o relatório “Aprendizagem ao Longo da Vida para
Todos” e, em 1997, a UNESCO realiza a V CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação
de Adultos) que, na sua declaração final, avança uma conceção de educação e formação de adultos
que remete para o conceito de sociedade educadora, numa perspetiva simultaneamente holística
(abarcando todos os aspetos da vida social dos indivíduos) e transetorial (incluindo todas as áreas de
atividade cultural, social e económica) (Instituto de Educação da UNESCO, 1998). Já na transição
para o século XXI, no ano 2000, e novamente no quadro da União Europeia, é publicado o
amplamente citado Memorando para a Aprendizagem ao Longo da Vida (Comissão Europeia,
2000). É neste contexto que pesquisas como o ENL e o IALS ganham particular relevância. Têm
como foco os adultos e procuram conhecer as competências de literacia da população,
independentemente dos contextos em que foram desenvolvidas, por estas serem entendidas como
basilares em sociedades marcadas pelo conhecimento e pela necessidade permanente de aprender.

Situar historicamente o ENL e o IALS enquanto estudos em grande medida contemporâneos


é importante para se entender os seus pontos de convergência e também o caráter singular de cada

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oo
um deles. Começando pelos elementos de convergência, deve sublinhar-se, sobretudo, a adoção de
um conceito nuclear comum, a literacia. Como atrás já se aludiu, em Portugal a palavra literacia
estava, até aí, ausente, quer do discurso quotidiano, quer do científico, pelo que a sua clarificação
concetual era fundamental.

As páginas iniciais do livro que resultou do ENL são dedicadas a essa explicação detalhada,
a qual passava por contrapor o novo conceito (de literacia) a outros próximos, como o de
alfabetização, face aos quais era necessário estabelecer as diferenças:

“Se o conceito de alfabetização traduz o acto de ensinar e de aprender (a leitura, a escrita


e o cálculo), um novo conceito - a literacia - traduz a capacidade de usar as competências
(ensinadas e aprendidas) de leitura, de escrita e de cálculo. Tal capacidade de uso escapa,
assim, a categorizações dicotómicas, como sejam "analfabeto" e "alfabetizado". Pretende-
se, com aquele novo conceito, dar conta da posição de cada pessoa num continuum de
competências que tem a ver, também, com as exigências sociais, profissionais e pessoais
com que cada um se confronta na sua vida corrente. Define-se então literacia como: as
capacidades de processamento de informação escrita na vida quotidiana. Trata-se das
capacidades de leitura, escrita e cálculo, com base em diversos materiais escritos (textos,
documentos, gráficos), de uso corrente na vida quotidiana (social, profissional e pessoal)”
(Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996: 4).

Assim definido, o conceito de literacia afasta-se não apenas do de alfabetização, mas também
dos graus formais de escolarização: centrando-se na “(…) capacidade de uso dessas competências
(de literacia), e não tanto na sua obtenção, permite distinguir entre níveis de literacia, por um lado,
e graus de instrução formal, por outro” (Costa e Ávila, 1998: 131).

Esta elaboração concetual segue de muito perto a que vinha sendo desenvolvida no quadro de
estudos nacionais, atrás já referidos, realizados nos EUA e Canadá. Estes partiam da expressão
“literacy”, já existente e usada recorrentemente em língua inglesa, mas a proposta concetual que é
desenvolvida enfatiza o uso, na vida quotidiana, da leitura e escrita (e não os processos que
conduzem à sua aquisição, ou os diplomas que a atestam). No relatório final do IALS, em 2000,
define-se literacia como “a capacidade de interpretar e utilizar informação escrita impressa nas
atividades diárias - em casa, no trabalho e na comunidade - para atingir os objetivos pessoais e
desenvolver os conhecimentos e os potenciais próprios” (OECD e Statistics Canada, 2000: X).

Ainda considerando a aproximação concetual entre o ENL e o IALS, ambos distinguem,


enquanto dimensões da literacia, a literacia em prosa, a literacia documental e a literacia quantitativa.
Segundo Irwin Kirsch, “é possível reconhecer que a estrutura de textos em prosa é qualitativamente
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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50

diferente da estrutura associada a documentos, como gráficos e tabelas, e ainda distinguir uma
terceira dimensão para as tarefas em que o processamento de informação escrita envolve alguma
combinação com operações aritméticas” (Kirsch, 2001: 9). Assim, a literacia em prosa reporta-se ao
processamento de texto corrido em livros, jornais, informações comerciais ou institucionais,
enunciados, notas e outras mensagens; a literacia documental incide sobre o relacionamento com
formulários, impressos, tabelas e outros materiais semelhantes. E, finalmente, a literacia quantitativa
traduz a utilização de valores numéricos e a realização de operações aritméticas com base em
materiais escritos.

Definida desta forma, a literacia é então entendida enquanto uma competência-chave


(transversal e transferível) nas sociedades contemporâneas, sociedades profundamente marcadas
pela escrita e nas quais os materiais escritos estão cada vez mais presentes em múltiplos contextos e
suportes. Tem por isso um caráter multicontextual e multidimensional e é entendida como evolutiva,
numa dupla perspetiva – social e individual: não apenas as exigências da sociedade a este respeito
são dinâmicas (os usos, abrangência e suportes dos materiais escritos vão sofrendo transformações),
como as competências dos indivíduos não são estáticas, podendo alterar-se (desenvolver-se ou
regredir) no decorrer da sua vida. O conceito de literacia remete, por isso, para contínuos (e níveis)
de competências, distanciando-se de classificações dicotómicas e redutoras, como as que opõem
alfabetizados e analfabetos, ou escolarizados e não escolarizados.

Dirigir o foco analítico para as competências de literacia mobilizadas em situações relevantes


do dia-a-dia colocava um enorme desafio metodológico: que indicadores poderiam ser mobilizados
que possibilitassem conhecer, de forma extensiva e comparável, os níveis de literacia da população
adulta? Como ir para além das medidas habituais, apoiadas quase exclusivamente nos diplomas
escolares alcançados ou em autoavaliações de competências?

A resposta recaiu numa nova geração de estudos, metodologicamente muito inovadores, que
operacionaliza o conceito de literacia através de um conjunto articulado de instrumentos, entre os
quais se destaca a construção de indicadores de avaliação direta. Na impossibilidade de
acompanhar, de forma extensiva, os sujeitos no seu dia-a-dia, observando “diretamente” as suas
práticas, é construída uma bateria de testes que procuram simular, tanto quanto possível, situações
do dia-a-dia que requerem a mobilização de competências de literacia. O ponto de partida é o
levantamento de um conjunto de materiais escritos, em diferentes contextos, e com diversos
formatos, podendo ou não ter imagens associadas, cuja descodificação/interpretação requer a
mobilização de competências de literacia. É importante sublinhar que quer os materiais, quer as
questões colocadas, remetem para situações do quotidiano com as quais a generalidade da população
tem de confrontar-se no seu dia-a-dia e que implicam a mobilização de competências de literacia

31
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Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50
lllll
(interpretar corretamente os preços e descontos de produtos num folheto de supermercado, uma
notícia de jornal, as instruções de um aparelho, a bula de um medicamento, etc.). Tendo por
referência esses materiais, são formuladas questões que podem ser, nas suas versões mais simples,
de localização de informação ou, em versões de maior complexidade, implicar a integração e o
relacionamento de informação situada em diferentes partes do suporte, ou mesmo incluir operações
mais complexas de processamento da informação que obrigam à geração de enunciados que não só
relacionam vários elementos do suporte, como vão além da informação nele contida, procedendo a
inferências e sínteses (Kirsch, Jungeblut e Mosenthal, 1998).

Segundo o modelo desenvolvido, é então necessário distinguir dois tipos de variáveis na


interpretação do processamento da informação escrita: as variáveis de legibilidade ou estrutura, e
as variáveis de processo. Enquanto as primeiras remetem para o tipo de materiais - os suportes da
informação escrita - as segundas remetem para as tarefas, ou problemas concretos, cuja resolução
implica a leitura dos referidos materiais, ou seja, para as operações de processamento da informação,
cuja complexidade decorre não apenas do tipo de associação que é necessário estabelecer, como
também do tipo de informação solicitada e da plausibilidade dos distratores. É da combinação entre
o grau de complexidade dos materiais/suporte e a complexidade das questões propostas que decorre
a possibilidade de antever, e interpretar teoricamente, o nível de literacia subjacente a cada uma das
tarefas, o qual é depois verificado empiricamente a partir das respostas dos inquiridos (idem).

Foi este o quadro de referência teórico-metodológico mobilizado no ENL, que assim partilhou
com o IALS não apenas uma conceção de literacia idêntica, mas também a grelha para a construção
e análise dos instrumentos de avaliação das competências de literacia. Por outras palavras, quer o
conceito de literacia adotado, quer as dimensões a operacionalizar (literacia em prosa, documental e
quantitativa), quer ainda a grelha teórica desenvolvida por Kirsch, Jungeblut e Mosenthal para
explicar o nível de dificuldade das tarefas e as competências por elas requeridas estiveram presentes
em ambos os estudos.

As diferenças entre o ENL e o IALS surgem na concretização da operacionalização, etapa em


que os dois estudos seguem caminhos distintos. Se o ENL foi assumido como uma pesquisa de
âmbito nacional, construindo de raiz as tarefas de literacia a usar na avaliação direta, o IALS foi
desenhado como estudo comparativo internacional, construindo uma prova comum a ser aplicada
em todos os países participantes (regressaremos a este tópico mais à frente). É importante notar que
a participação de Portugal no IALS chegou a ser ponderada, logo na primeira fase ou ronda, mas
vários fatores – sobretudo de ordem financeira – acabaram por inviabilizar que o país fizesse parte
do núcleo inicial de países participantes no IALS.

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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50

No plano empírico, a componente extensiva do Estudo Nacional de Literacia possibilitou a


recolha de informação a uma amostra representativa da população, dos 15 aos 64 anos, residente em
Portugal Continental, através de um inquérito por entrevista direta. Os dados foram recolhidos pelo
INE, durante o ano de 1994, e abrangeram um total de 2.449 indivíduos. Tal como no IALS, o
inquérito era constituído por duas partes distintas: um questionário que visava a obtenção de dados
de caracterização sociográfica, de indicadores relativos às práticas (declaradas) de leitura, escrita e
cálculo, e ainda de autoavaliação das competências de literacia; e, finalmente, uma prova em papel
constituída por um conjunto diversificado de textos impressos e tarefas, dirigidos especificamente à
avaliação direta de competências de literacia, o qual era respondido de forma autónoma pelos
inquiridos.

Como se explica no enquadramento teórico-metodológico do ENL,

“tais textos, de natureza não escolar, tratavam assuntos relacionados com atividades
quotidianas, apresentando situações com que os adultos se confrontam na sua vida. Os
textos foram retirados de publicações e outros suportes impressos correntes (jornais,
anúncios, folhetos, preçários, etc.). Não se pretendendo, porém, testar rotinas
funcionalizadas, mas a capacidade de utilizar informação escrita necessária nas diferentes
dimensões da vida adulta, os conteúdos de tais textos centraram-se em situações da vida
pessoal, profissional e social bastante difundidas e de carácter o mais possível transversal
à generalidade das condições de existência nas sociedades contemporâneas” (Benavente,
Rosa, Costa e Ávila, 1996: 14).

Os resultados do estudo nacional proporcionaram um primeiro retrato da distribuição das


competências de literacia em Portugal. Atendendo ao número de tarefas para os quais foi recolhida
informação, optou-se por construir uma escala única de literacia, que incluiu tarefas de três tipos
(prosa, documentos e quantitativo) (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996: 89)1. Os resultados
mostraram, de forma muito evidente, que a maioria dos inquiridos apresentavam níveis de literacia
muito baixos (Nível 0 = 10,3%; Nível 1 = 37%; Nível 2= 32,1%; Nível 3 = 12,7% e Nível 4 = 7,9%)
(idem: 121).

Além de permitirem conhecer a distribuição das competências de literacia da população adulta


portuguesa, os resultados obtidos contribuíram para aprofundar o conhecimento sobre o modo
(profundamente desigual) como essas competências se encontravam distribuídas na população
llllllllll

1
No capítulo 3 do livro que resultou do ENL (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996), explica-se, de forma
detalhada, o modo como foram construídos os níveis de literacia e a sua interpretação, apresentando-se, ainda,
para cada um deles, ilustrações de tarefas e respetivos resultados.
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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50

adulta, evidenciando não só a forte relação com a escolaridade (o principal “preditor” da literacia),
mas também com os contextos de vida (pessoal, familiar, profissional) e com as práticas neles
desenvolvidas. Foi assim possível evidenciar a relação entre literacia e educação de adultos,
entendida no seu sentido mais abrangente: não é apenas a “escola” que surge associada às
competências de literacia (incluindo as diversas modalidades de educação e formação de adultos que
conduzem à certificação formal), também as atividades quotidianas podem ter um potencial
educativo decisivo neste domínio. Os resultados permitiram ainda compreender as implicações
sociais da literacia, com manifestações em diversos planos: no emprego e no rendimento, na
cidadania e na participação cívica, na saúde e bem-estar, na educação ao longo da vida, na literacia
familiar e sucesso escolar de crianças e jovens, entre muitos outros.

A par dos resultados substantivos alcançados, o ENL teve um outro conjunto de repercussões
que merecem ser sublinhadas. Uma delas, já mencionada, foi a introdução do termo literacia no
vocabulário académico e não académico; a outra foi o seu contributo no campo educativo, em
particular na definição das políticas de educação e formação de adultos no final da década de 1990.
O reconhecimento das aprendizagens desenvolvidas ao longo da vida, nos mais diversos contextos,
e a elaboração de referenciais de competências orientados para competências-chave ou transversais,
entre as quais as de literacia, são exemplos de instrumentos que puderam beneficiar da investigação
realizada.

2. A participação no primeiro estudo internacional de avaliação de


competências de literacia
Em 1998, somente dois anos após a publicação dos resultados do Estudo Nacional de
Literacia, Portugal integrou, a convite da Comissão Europeia, a segunda ronda de países
participantes no estudo internacional de literacia (OECD e Statistics Canada 2000). O convite, em
certa medida inesperado, foi feito no seguimento de alguma controvérsia em torno dos primeiros
resultados desse estudo (Carey, Bridgwood, Thomas e Ávila, 2000; Ávila 2008).

Haviam surgido críticas dirigidas à componente nuclear, e também mais inovadora, do IALS,
implementada, pela primeira vez, numa pesquisa comparativa internacional: a avaliação direta da
literacia, através de uma prova que simulava situações do quotidiano que implicavam o
processamento e a interpretação de informação escrita. Assegurar a comparabilidade dos resultados
dos vários países participantes, apesar das especificidades de cada um deles, através de uma prova
comum, traduzida para as várias línguas era, inequivocamente, o grande desafio do IALS2.

2
Note-se que este programa de investigação, embora usufruindo da experiência de estudos nacionais
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Ora, essa comparabilidade foi posta em causa por alguns dos países participantes na primeira
fase do IALS, em particular pela França, que contestou os resultados do país (abaixo do esperado),
e impediu a sua divulgação e publicação, alegando que as comparações entre os países estariam
fortemente enviesadas, não podendo por isso ser interpretadas como diferenças em termos de níveis
de literacia (Blum e Guérin-Pace, 2000).

Para tentar identificar eventuais fontes de erro existentes no IALS, a Comissão Europeia
promoveu então a realização de uma investigação, coordenada pelo Office for National Statistics do
Reino Unido, que avaliou vários aspetos da metodologia do IALS, como a tradução dos materiais,
os processos de amostragem e de recolha de informação, o tratamento das não-respostas, a
construção das escalas de literacia, entre outros. Pretendia-se, assim, contribuir para a compreensão
dos resultados da França, para muitos, inesperados, e, simultaneamente, propor um conjunto de
“boas práticas” a serem implementadas em futuras avaliações extensivas de competências a nível
internacional (Carey, 2000).

Portugal, através da equipa que tinha estado envolvida no ENL, é convidado a participar nessa
avaliação por ter sido o único país europeu a ter desenvolvido um estudo extensivo, de âmbito
nacional, de avaliação das competências de literacia da população adulta. Se o IALS fosse aplicado
a uma amostra representativa da população portuguesa (como veio a acontecer), haveria a
possibilidade de comparar os resultados de dois modos de operacionalização distintos, embora
baseados em princípios teóricos e metodológicos comuns (Gomes, Ávila, Sebastião e Costa, 2002).
Como atrás se referiu, no ENL, a prova para a avaliação direta da literacia foi desenvolvida com
base em materiais/suportes que não foram adaptados ou traduzidos, por se encontrarem em
circulação na sociedade portuguesa. Confrontar e triangular os resultados do ENL e do IALS
constituía, por isso, uma oportunidade singular para testar empiricamente uma questão decisiva: a
das relações entre a transversalidade sociocultural da literacia e a sua contextualidade nas sociedades
atuais (Costa e Ávila, 1998).

Foi então aplicada, em Portugal, a prova de literacia usada no estudo internacional (depois de
traduzida para português) e uma versão ligeiramente mais reduzida do questionário de caracterização
social. A amostra, de 1.200 casos, representativa da população com idade entre os 16 e os 65 anos
residente em Portugal Continental, foi desenhada pelo INE, que assegurou, igualmente, a recolha
lllll

anteriores, foi pioneiro, constituindo o primeiro estudo comparativo internacional de avaliação de


competências, antecedendo e criando as bases para outros programas com maior visibilidade e regularidade,
como o PISA (Programme for International Student Assessment), cujo desenvolvimento se inicia precisamente
logo após a primeira fase do IALS.

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dos dados. Foi assim possível comparar duas pesquisas que, embora partilhando orientações
concetuais e metodológicas comuns, haviam sido operacionalizadas com base em materiais distintos,
num caso através de uma prova construída exclusivamente com materiais recolhidos na sociedade
portuguesa (estudo nacional), e no outro através de uma prova elaborada com materiais provenientes
de diferentes países (estudo internacional).

Figura 1: Níveis de literacia em Portugal: comparação dos resultados do ENL e do IALS


(P=Prosa; D=Documental; Q=Quantitativa)

Fontes: ENL e IALS.

A principal nota a retirar da participação de Portugal no estudo internacional é, sem dúvida, o


facto de os resultados obtidos serem praticamente idênticos aos do estudo nacional, o que contribuiu
para a validação metodológica recíproca das duas pesquisas. Embora agregando os níveis 0 e 1
(considerados separadamente no ENL) e podendo distinguir as três dimensões da literacia (agregadas
numa única escala no ENL), é evidente a quase sobreposição dos resultados: o país tinha, em 1994
e em 1998, uma larga maioria da sua população adulta com níveis de literacia muitíssimo reduzidos,
situando-se 80% dos inquiridos, no máximo, nos níveis até ao nível 2 de literacia (Ávila, 2008;
Carey, Bridgwood, Thomas e Ávila, 2000) (Figura 1).

O estudo internacional permitiu ainda acrescentar, ao conhecimento aprofundado da realidade


nacional proporcionado pelo ENL, a comparação de Portugal com outros países. A Figura 2,
publicada no relatório final do IALS, mostra, para a literacia em prosa, que a posição relativa de
Portugal era muito baixa: representado muito perto da Hungria, Eslovénia, Polónia e Chile, o país
registava uma das percentagens mais elevadas da população (cerca de 80%, como atrás referido),
nos níveis de literacia mais baixos (inferiores ao nível 3) (OECD e Statistics Canada, 2000: 17).
Aprofundamentos posteriores, permitem perceber a singularidade de Portugal face aos restantes
países participantes no IALS, por combinar níveis médios de literacia muito baixos com níveis muito

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elevados de desigualdades na sua distribuição na população (Ávila, 2007, 2008).

Figura 2: Percentagem da população (16-65 anos) por nível de literacia (IALS, 1994-1998)

Nota: Países ordenados por ordem decrescente da percentagem nos níveis 3 e 4/5.
Fonte: OECD e Statistics Canada, 2000: 17.

Embora importante, o exercício de comparação internacional levado a cabo pelo IALS teve
algumas limitações, desde logo devido ao reduzido número de países participantes (20 no total) e
também ao perfil dos mesmos, evidenciando-se a ausência de países do sul da Europa (com a exceção
de Portugal).

Assim, num primeiro nível, a participação portuguesa foi importante essencialmente por
razões de ordem empírica. Para o IALS, a recolha de dados sobre Portugal significou a integração
na pesquisa de um país do sul da Europa, o que, do ponto de vista da representatividade da pesquisa
ao nível dos países abrangidos, se afigurava como sendo essencial. Para Portugal, e após o Estudo
Nacional de Literacia (ENL), a participação no IALS representava a oportunidade de atualizar, e de
prosseguir, a investigação sobre os padrões de literacia na sociedade portuguesa, desta vez com
possibilidade de comparação dos resultados com os dos outros países participantes (Ávila, 2007,
2008). Mas a importância da inclusão de Portugal no IALS pode ser perspetivada num segundo
patamar, de ordem metodológica e teórica (precisamente aquele que justificou o convite à
participação). Portugal avaliou as competências de literacia da população adulta com base em duas
provas distintas - a do IALS e a construída no âmbito do ENL - o que possibilitou a discussão,
apoiada em resultados empíricos, de vários tópicos, não só de ordem teórica, mas também
metodológica, que têm atravessado a investigação de natureza extensiva sobre a literacia nas
sociedades contemporâneas.

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3. Aprofundamentos teóricos e metodológicos após o IALS

Após o IALS, entre 2000 e 2006, a investigação internacional no domínio da literacia dos
adultos conheceu outros desenvolvimentos.

Merece destaque, em primeiro lugar, um trabalho de reflexão teórica alargada que culminou
numa proposta concetual de competências-chave. Conhecido pela sigla DeSeCo (Defining and
Selecting Key Competencies:Theoretical and Conceptual Foundations), este projeto, coordenado
pelo Instituto Federal de Estatística Suíço e realizado sob a égide da OCDE, juntou inúmeros
especialistas, não apenas académicos (em especial das ciências sociais e humanas), mas também
políticos, sindicalistas e dirigentes patronais, bem como investigadores ligados aos estudos
extensivos internacionais neste domínio. O objetivo foi promover o debate entre esses vários
especialistas, de modo a alcançar um entendimento comum sobre as “competências-chave para o
século XXI”. O conceito de competências foi definido como a “capacidade de responder a exigências
complexas num determinado contexto através da mobilização de pré-requisitos psicossociais
(incluindo aspetos cognitivos e não cognitivos)” (Rychen e Salganik, 2003: 43).

Esta formulação, apesar de muito abrangente, contém alguns aspetos que merecem ser
destacados. Um dos mais importantes é, sem dúvida, a ênfase colocada na utilização externa, ou
seja, na resposta a solicitações e exigências que os indivíduos enfrentam em diferentes contextos
(demand-oriented aproach). Neste sentido, e embora as competências sejam simultaneamente
concebidas do ponto de vista da sua estrutura interna, sublinha-se que as mesmas se manifestam, e
atualizam, nas ações e nos comportamentos (único nível a que podem ser apreendidas) e, sobretudo,
que os requisitos e as exigências dos contextos são cruciais para a definição e seleção das
competências “chave”. Um outro ponto a salientar é aquilo a que os autores chamam uma conceção
holística da competência, que se traduz na contemplação de atributos de tipo muito diferenciado:
além das capacidades cognitivas, o modelo proposto engloba também “motivações, emoções e
valores” (idem: 45). Finalmente, o modelo concetual definido incide em competências individuais
(e não coletivas, ou organizacionais), as quais devem poder ser aprendidas e ensinadas. Procuram
assim excluir-se capacidades inatas e qualidades pessoais, colocando ao mesmo tempo no centro da
abordagem o tema da aprendizagem ao longo da vida.

A proposta apresentada consistiu numa categorização das competências-chave em três


grandes eixos: a) interagir em grupos sociais heterogéneos; b) agir autonomamente; e c) usar
instrumentos de modo interativo (Rychen, 2003). Numa tradução menos literal e bastante mais
concisa e clara quanto aos aspetos fundamentais, as competências poderão ser designadas,
respetivamente, como relacionais, auto-orientadoras e operatórias (Costa, 2003: 188). As primeiras

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remetem para competências de caráter relacional, de cooperação, ou de resolução de conflitos. As


segundas para a capacidade de auto-orientação, ou de agir autonomamente, nos diferentes contextos
e esferas da vida. E, finalmente, as terceiras remetem para as competências de tipo operatório, das
quais fazem parte as ferramentas que possibilitam a utilização da linguagem, de símbolos e de textos,
o acesso ao conhecimento e à informação, e ainda o domínio das competências tecnológicas. Esta
última categoria inclui, assim, o núcleo central de competências até aí operacionalizadas em grandes
inquéritos internacionais, como IALS e o PISA, mas é mais abrangente. Além da literacia em prosa,
da literacia documental e da numeracia, identificada como dimensão autónoma, são consideradas
também competências associadas à utilização das tecnologias da informação e comunicação 3.

Logo após o DeSeCo, e muito influenciado por este, realizou-se o ALL (Adult Literacy
and Lifeskills Survey), um programa de investigação, coordenado pelo Statistics Canada e o US
National Center for Education Statistics, cuja relevância decorreu não tanto do número de países
participantes (apenas 11), mas sobretudo da forma como foi preparada a pesquisa. Através de um
projeto que envolveu um vasto conjunto de especialistas e instituições, não só norte-americanas e
canadianas, mas também europeias, procurou-se construir instrumentos válidos, interpretáveis,
comparáveis e relevantes em termos linguísticos, culturais e geográficos (Murray e Clermont, 2005).
Para o efeito, o trabalho de construção das tarefas destinadas à avaliação de competências envolveu
um total de 35 países, entre os quais Portugal4, e 20 idiomas.

Com a divulgação dos primeiros resultados do ALL (Statistics Canada e OECD, 2005), foi
também disponibilizado um relatório que sistematizou o complexo e longo trabalho de preparação
dessa operação de pesquisa (Murray, Clermont e Binkley, 2005). Esse relatório contém elementos
fundamentais para perceber a articulação com projetos de natureza teórica sobre competências-
chave, como o DeSeCo, representando, em si mesmo, uma oportunidade para o aprofundamento da
reflexão metodológica e teórica neste domínio de investigação.

3
Recentemente, no âmbito do projeto O Futuro da Educação e Competências 2030, Bússola de Aprendizagem
2030 (OECD, 2019a), Rychen revisitou a proposta concetual que resultou do projeto DeSeCo visando, de
alguma forma, a sua atualização (que designou por DeSeCo 2.09), atendendo às transformações sociais
entretanto ocorridas e àquelas que que se perspetiva que venham a ocorrer num futuro próximo (Rychen,
2016).
4
Em Portugal, este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projecto International Adult Life Skills: Re-
development of Prose and Document Item Pools, desenvolvido no âmbito do CIES-ISCTE, por uma equipa
constituída por António Firmino da Costa (coordenador), Patrícia Ávila, João Sebastião e Maria do Carmo
Gomes. Alguns desses itens integraram o ALL e foram também mantidos no PIAAC.

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4. A participação de Portugal no PIAAC

A partir de 2008 teve início um novo e muito ambicioso programa internacional de avaliação
das competências dos adultos, o PIAAC (Programme for the International Assessment of Adult
Competencies).

O 1.º ciclo decorreu entre 2008 e 2017, tendo nele participado 38 países (OECD, 2013, 2016,
2019b). Muito inspirado pelo debate promovido pelo projeto DeSeCo, pelos desenvolvimentos
implementados no ALL, e também noutros estudos de avaliação de competências, o PIAAC é
considerado um ponto de viragem na história dos estudos internacionais de avaliação de
competências, embora não deixando de assegurar a comparabilidade com os que o antecederam.

Como mostram de forma detalhada Kirsch e Lennon (2017), o PIAAC representa o culminar
de tudo o que tinha sido aprendido ao longo das várias décadas, nomeadamente em termos de
conceção de instrumentos, de procedimentos de tradução e adaptação, e de interpretação de
resultados em avaliações em larga escala. Possibilitou ainda outras inovações decorrentes da
utilização, pela primeira vez, neste tipo de estudos, de computadores na recolha de informação: o
desenvolvimento de uma prova “adaptativa”, em que as tarefas vão sendo administradas em função
das respostas dadas, a classificação automatizada de itens de resposta aberta em várias línguas, e a
inclusão de textos eletrónicos e materiais interativos.

Assim, no domínio da literacia foram alargados os materiais considerados, que deixaram de


ser apenas materiais impressos, reconhecendo-se os múltiplos modos e suportes, em grande parte
digitais, em que a interpretação de informação escrita hoje ocorre. Além disso, uma outra importante
diferença consistiu no facto de a literacia ter passado a ser medida numa única escala, e não em
várias escalas separadas. A numeracia foi concetualizada e operacionalizada como dimensão
autónoma (e já não como uma dimensão da literacia) e foram ainda introduzidas duas novas áreas
de inegável importância: a resolução de problemas em ambientes tecnológicos (simulando
problemas do quotidiano cuja resolução implica o recurso a ferramentas como a pesquisa na internet,
a utilização de uma folha de cálculo, do e-mail, entre outras) (PIAAC Expert Group in Problem
Solving in Technology Rich Environments, 2009); e os “componentes de leitura”, fundamentais para
aprofundar o conhecimento sobre o tipo de dificuldades dos indivíduos com baixos níveis de literacia
(Sabatini e Bruce, 2009). De um modo geral, ao permitir uma avaliação baseada em computador, o
PIAAC expandiu o que podia ser medido, passando a incluir tarefas de base tecnológica que refletem
a natureza mutável da informação (Kirsch e Lennon, 2017).

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Portugal integrou o núcleo inicial de países participantes no PIAAC 5. Todas as etapas


previstas para a primeira fase do projeto foram concretizadas: adaptação e tradução dos instrumentos
cognitivos (versão papel e computador); adaptação e tradução do questionário de caracterização;
desenho amostral e elaboração de manuais para os entrevistadores (pré-teste, pesquisa principal e
materiais de divulgação do projeto); recrutamento, formação de entrevistadores e pré-teste de todos
os instrumentos e procedimentos; análise dos resultados e revisão dos instrumentos. Com uma
amostra de 1.200 casos, o pré-teste visou ensaiar todos os procedimentos a implementar na pesquisa
principal (qualidade da tradução e adaptação de todos os materiais, procedimentos de classificação
das respostas às tarefas, aplicação da prova em computador, entre outros). Como o primeiro ciclo do
PIAAC introduziu, pela primeira vez, a possibilidade de a prova de avaliação de competências poder
ser realizada em computador, o pré-teste foi desenhado também com o intuito de comparar os
resultados de dois modos de administração (papel e computador) (Ávila et al., 2011).

Apesar de todo o trabalho realizado, a participação de Portugal no PIAAC foi inesperadamente


interrompida em 2011 por decisão governamental, no seguimento da tomada de posse do XIX
Governo Constitucional, a apenas um mês do início da recolha de informação para a pesquisa
principal e após cerca de três anos de intenso trabalho e avultado investimento financeiro. Nos anos
seguintes, foram feitas sucessivas tentativas de reentrada no projeto, em novas rondas (2.ª e 3.ª
rondas do 1.º ciclo do PIAAC)6, o que permitiria tirar partido, pelo menos em parte, do investimento
inicial feito, mas todas acabaram por não se concretizar.

Como resultado da interrupção da participação do país no primeiro ciclo do PIAAC, a


investigação de caráter extensivo no domínio da literacia em Portugal, em particular aquela que é
dirigida à população adulta, não teve ainda, 30 anos após o Estudo Nacional de Literacia e 28 anos
após o IALS, novos desenvolvimentos.

5
O despacho n.º 6302/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 69, de 9 de abril de 2010, nomeou
o ISCTE como Gestor do Projeto (National Project Manager) e definiu os termos da participação do INE,
instituição responsável pelo desenho amostral e implementação da recolha de informação. O projeto foi
realizado no quadro do CIES/Iscte-IUL, tendo sido constituída uma equipa alargada para a assegurar a sua
concretização: Patrícia Ávila (coordenadora), António Firmino da Costa, Pedro Ramos, Maria do Carmo
Botelho, Rosário Mauritti e Elisabete Rodrigues.
6
Ao todo, participaram no 1.º ciclo do PIAAC 38 países, distribuídos por 3 rondas. Considerando a data da
recolha de informação, a 1.ª ronda decorreu entre 2011 e 2012 e envolveu 23 países (Austrália, Áustria, Bélgica
(Flandres), Canadá, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão,
Coreia, Países Baixos, Noruega, Polónia, Federação Russa, República Eslovaca, Espanha, Suécia, Reino
Unido (Inglaterra e Irlanda do Norte) e Estados Unidos da América); a 2.ª ronda decorreu entre 2014 e 2015 e
envolveu 9 países (Chile, Grécia, Indonésia, Israel, Lituânia, Nova Zelândia, Singapura, Eslovénia, Turquia);
e, finalmente, a 3.ª ronda, em 2017, juntando 5 novos países (Equador, Hungria, Cazaquistão, México e Peru)
e nova recolha de dados nos Estados Unidos da América.
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Este cenário deverá alterar-se muito brevemente, pois encontra-se atualmente em fase
avançada a primeira ronda do 2.º ciclo do PIAAC, contando com a participação de Portugal 7. O novo
ciclo integra, no essencial, os principais traços dos programas anteriores. Mantém o recurso a uma
metodologia de avaliação direta de competências, tendo sido introduzidas algumas alterações que
refletem novos avanços na investigação extensiva sobre literacia e outras competências-chave dos
adultos, sobretudo relacionadas com a afirmação crescente dos meios digitais (Kirsch e Lennon,
2017; OECD, 2021). Destaca-se o facto de a prova deixar de poder ser administrada em papel (essa
possibilidade coexistiu, no PIAAC, com a administração em computador), passando a ser usados
tablets; o alargamento da concetualização e modo de operacionalização da numeracia, que passa a
incluir, à semelhança do que já acontecia na literacia, um módulo de “componentes de numeracia”
para aprofundamento do conhecimento sobre o processamento de informação quantitativa nos níveis
de proficiência mais baixos; e a revisão e atualização do domínio dedicado à “resolução de
problemas”, que assume uma formulação mais abrangente, considerando problemas relevantes numa
série de ambientes e contextos, já não restringida a problemas de âmbito digital (idem: 13-39).

Embora o PIAAC, o ALL e o IALS se baseiem numa ferramenta concetual e modo de


avaliação das competências de literacia equivalentes, é inequívoca a evolução desde os primeiros
estudos, na década de 1990. Não só porque a sociedade se transformou profundamente, mudando as
competências e as práticas de literacia, e outras, no dia-a-dia, mas também porque, simultaneamente,
evoluíram os recursos tecnológicos que podem ser mobilizados na avaliação dessas mesmas
competências. Em particular, o recurso a computadores ou tablets veio permitir a inclusão de
indicadores que simulam a complexidade e diversidade da vida contemporânea, nas várias esferas
(trabalho, familiar, pessoal), e também o desenvolvimento de novos modos de avaliação de
competências (Computer-Based Assessment) (Kirsch e Lennon, 2017; OECD, 2021).

Os resultados do PIAAC, quando disponibilizados, serão fundamentais para atualizar o


conhecimento sobre a literacia dos adultos e outras competências-chave na sociedade portuguesa
(Rothes e Queirós, 2023). Mais do que comparar com os resultados do ENL e IALS, o que terá de
ser feito com alguma prudência, os dados permitirão um retrato muito alargado, e comparável com
outros países, das competências dos adultos nos domínios avaliados. Permitirá ainda explorar a
relação dessas competências com múltiplos indicadores, como as práticas diárias de literacia e
llllllllll

7
Através do despacho nº 3651-A/2019, de 1 de abril, o XXI governo constitucional estabeleceu as condições
para a participação portuguesa no PIAAC e criou o Grupo de Projeto encarregado de coordenar o trabalho em
Portugal. A gestão nacional do Projeto é assegurada por Luís Rothes (coordenador) e João Queirós
(subcoordenador). O suporte administrativo e financeiro necessário ao desenvolvimento do Projeto é
assegurado pela ANQEP – Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, IP. Mais
informações sobre o projeto podem ser consultadas em https://anqep.gov.pt/np4/piaac/.
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Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50

outras, as condições socioprofissionais, as qualificações escolares e profissionais, a participação em


atividades educativas e de aprendizagem ao longo da vida, entre muitos outros.

5. A literacia e os estudos extensivos de avaliação de competências de


literacia no século XXI
Os desenvolvimentos recentes dos estudos internacionais de avaliação de competências dos
adultos têm vindo a refletir e a incorporar uma atualização da análise da literacia que reflete as
mudanças que foram ocorrendo na sociedade. Em 30 anos, após o ENL e o IALS, a sociedade sofreu
profundas alterações, muitas delas com repercussões nas práticas e competências de literacia.

Desde que foi inventada, há mais de cinco mil anos, na Mesopotâmia, a escrita tem marcado
profundamente as sociedades. A sua evolução e de outras tecnologias que lhe servem de suporte
(como a imprensa e, mais recentemente, as tecnologias digitais), associadas ao crescimento, que
ainda hoje prossegue, do número daqueles que são capazes de a utilizar (com o aumento das taxas
de escolarização da população) estão na base das principais marcas das sociedades contemporâneas.
Nas sociedades atuais, da informação, do conhecimento e digitais, a presença de materiais escritos,
de diferentes tipos, em diferentes formatos e para diferentes fins é de tal forma expressiva e
transversal que muitas vezes não damos por eles, embora a sua importância seja cada vez maior. A
crescente utilização de dispositivos tecnológicos (computadores, tablets ou smartphones) exacerbou
ainda mais a importância da literacia pois neles a informação escrita é ubíqua: dificilmente alguém
sem competências de literacia conseguirá tirar partido daqueles recursos tecnológicos e aceder a
informação sobre empregos, serviços ou mesmo participar na vida social (OECD, 2021: 40).

A literacia tem sido investigada a partir de múltiplas perspetivas e áreas disciplinares. Dela
têm-se ocupado, por exemplo, as ciências cognitivas, a psicologia educacional, a linguística, a
história, a antropologia, a sociologia, entre outras. Uma tradição importante, no âmbito das ciências
sociais, têm sido os estudos de literacia (literacy studies) (entre outros, Barton, Hamilton e Ivanic,
2000; Street, 1984). Estes têm estudado a literacia enquanto prática social e cultural “situada”, quer
dizer, enraizada nos contextos sociais, e têm revelado as múltiplas utilizações de materiais escritos
e os diferentes significados que lhe são atribuídos em comunidades e grupos sociais. Adotando o
conceito de “literacias” (plural de “literacia”) esta linha de investigação evidencia a pluralidade e
diversidade social e cultural da literacia, o modo como as práticas de leitura e de escrita estão
socialmente inscritas no dia-a-dia das populações, e também como se transformam, acompanhando
outras dinâmicas sociais. Este caráter plural da literacia tem sido sublinhado também por organismos
internacionais, como a (UNESCO, 2004), que reforça a necessidade de essa pluralidade ser tida em
conta no desenho de atividades e programas que visam a sua promoção.

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Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50

Alguns autores e linhas de investigação têm, por sua vez, sublinhado as implicações cognitivas
da leitura e da escrita para os indivíduos e para a sociedade como um todo. É o caso de Jack Goody
(Goody, 1987, 1988, 2000) que nos seus trabalhos mostrou que a escrita não é apenas um meio de
comunicação, ou de acesso à informação, pois modifica a comunicação do indivíduo consigo
próprio, ou seja, tem efeitos cognitivos. Também David Olson (1994, 2016) tem sublinhado a relação
entre literacia, pensamento sistemático, reflexividade e racionalidade. Na sociologia, Bernard Lahire
(1993, 2003) entende que a leitura e a escrita constituem recursos para a ação, permitindo o que
designa por “preparação reflexiva da ação” e “retorno reflexivo sobre a ação”.
Estas implicações ou “possibilidades” da literacia não podem deixar de ser tidas em conta
quando esta é considerada uma competência-chave. A literacia pode ser problematizada e
investigada enquanto recurso desigualmente distribuído e associado a múltiplas desigualdades
sociais. À medida que a informação e o conhecimento se encontram cada vez mais na base da
estruturação e organização da sociedade, a capacidade de produzir e interpretar informação escrita,
nos seus diversos suportes e por referência às mais variadas situações, assume um caráter decisivo.
Por outras palavras, as sociedades atuais caracterizam-se não apenas pela abrangência e
transversalidade da presença da escrita, mas também pelo facto de, nessas sociedades, o domínio da
escrita passar a constituir uma competência-chave (Ávila, 2008). A literacia converte-se, assim, num
recurso de base, sem o qual podem ficar comprometidos, ou seriamente limitados, os acessos ao
emprego, aos serviços de saúde, às oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, entre muitos
outros. A ausência de competência de literacia é cada vez mais considerada um fator de desigualdade
social e de exclusão social (EU High Level Group of Experts on Literacy, 2012).

Aliás, o reconhecimento da literacia enquanto competência-chave continua bem patente em


múltiplos documentos produzidos por organismos nacionais e internacionais que procuram intervir
nesta área. Todos eles, de forma mais ou menos destacada, incluem a literacia enquanto competência
fundamental, de base, que é necessário assegurar a todos os cidadãos. É o caso do RALE
(Recommendation on Adult Learning and Education), da UNESCO (2016), que, na sua versão mais
recente, continua a salientar a importância da literacia:

“Literacy is a key component of adult learning and education. It involves a continuum of


learning and proficiency levels which allows citizens to engage in lifelong learning and
participate fully in community, workplace and wider society. It includes the ability to read
and write, to identify, understand, interpret, create, communicate and compute, using
printed and written materials, as well as the ability to solve problems in an increasingly
technological and information rich environment. Literacy is an essential means of building
people’s knowledge, skills and competencies to cope with the evolving challenges and
complexities of life, culture, economy and society” (UNESCO, 2016: 7).
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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50

Também a Comissão Europeia continua a destacar a literacia como fazendo parte de um


núcleo fundamental de competências-chave (European Commission, Directorate-General for
Education e Culture, 2019).

Embora a centralidade da literacia nas sociedades atuais continue a ser inegável, tem-se
assistido, nos últimos anos, a um esbatimento da sua visibilidade analítica face a outras competências
igualmente consideradas chave, ou fundamentais 8. Paradoxalmente, o menor destaque dado em
várias reflexões e documentos de referência à literacia ocorre ao mesmo tempo que o termo passou
a ser apropriado enquanto sinónimo de conhecimentos e competências necessários em múltiplas
áreas: literacia financeira, literacia digital, literacia mediática, literacia ambiental, literacia em saúde
e muitas outras “literacias” passam a ser designações comuns. Embora na origem desta generalização
esteja a ideia de que no mundo atual a aquisição de outras competências é crescentemente mediada
pela palavra escrita, o tipo de atividades e preocupações para que aquelas definições hoje remetem
pouco têm a ver com a leitura e com a escrita, como de forma certeira referem os autores da secção
dedicada à explicação da concetualização de literacia seguida no 2.º ciclo do PIAAC (Rouet et al.,
2021: 40).

Porém, como já se referiu, e ao contrário do que se poderia supor, no mundo digital a literacia
não só não perde relevância, como surge reforçada. Constitui uma competência de base sem a qual
o acesso e uso das tecnologias digitais é impossibilitado. Segundo Barton e Lee (2013), vivemos
num mundo social mediado por textos (textually mediated social world), uma vez que os textos (de
vários tipos) são centrais no mundo online. Continuam, por isso, a ser fundamentais as competências
de literacia, que permitem a leitura e a interpretação de diferentes materiais escritos e também a sua
produção.

Alguns autores têm analisado o que muda na literacia quando o “contexto” de utilização são
os meios digitais, alegando que estamos perante a emergência de “novas literacias”, ou
“multiliteracias”, uma vez que a literacia no mundo digital comporta desafios acrescidos, face aos
colocados pelo impresso (entre outros, Barton e Lee, 2013; Baynham e Prinsloo, 2009; Forzani e
Leu, 2017; Leu, Kinzer, Coiro e Cammack, 2004). Porém, se for recordado o caráter dinâmico da
literacia, fica claro que não desaparecem as características anteriores, surgem sim novas exigências
e práticas, dado que os textos são cada vez mais combinados com recursos digitais (que incluem
muitas vezes hiperligações, múltiplos elementos gráficos, som, etc.). Se a literacia sempre foi
multimodal (porque na leitura dos textos impressos, além da palavra escrita, também os efeitos

8
Veja-se, por exemplo, que o IALS assumia no próprio nome tratar-se de um estudo sobre literacia, mas o
PIAAC é apresentado e desenhado como um programa de investigação sobre competências, incluindo as de
literacia, mas não se restringindo a elas.
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gráficos e visuais condicionam a leitura e os modos de ler), agora, com o digital, esse caráter
multimodal está ainda mais presente e a interpretação da informação torna-se mais complexa. Além
disso, temos hoje acesso a informação muito mais variada (social e culturalmente), sendo necessário
compreender a sua origem, como e por quem foi produzida, e também com que intenção. Finalmente,
a capacidade de pesquisar informação, de interpretar os resultados das pesquisas e de fazer
inferências corretas a partir da informação localizada são outras dimensões que têm também de
passar a ser consideradas na análise da literacia (Rouet e Britt, 2017; Rouet et al., 2021).
São precisamente estas transformações que estão refletidas no modo como atualmente a
literacia está a ser investigada em estudos comparativos internacionais. Como é explicitado no
documento que detalha as orientações teórico-metodológicas seguidas no 2.º ciclo do PIAAC, a
leitura digital constitui atualmente uma dimensão central para a participação ativa na sociedade,
requerendo três tipos de competências, a saber: a) a capacidade de navegar em, e entre, documentos
em rede; b) a capacidade de compreender e integrar fontes de informação múltiplas e por vezes
contraditórias; e c) a capacidade de avaliar criticamente a informação apresentada (Rouet et al.,
2021: 41-42).

O ponto mais importante a frisar nesta reflexão final, devidamente sublinhado logo no
primeiro estudo realizado em Portugal, é o caráter dinâmico da literacia (Ávila, 2008; Benavente,
Rosa, Costa e Ávila, 1996; Costa, 2003). Como bem referem Barton, Hamilton e Ivanic (2000), as
práticas de literacia são tão fluidas, dinâmicas e em transformação como são as vidas e as sociedades
das quais fazem parte. Não só o que se entende por literacia tem sempre de ser situado histórica e
socialmente (e, nesse sentido, é um conceito em permanente revisão e atualização), como, do ponto
de vista dos sujeitos, a literacia é também complexa e processual, transformando-se ao longo da
vida.

Por tudo isto, cerca de três décadas após o ENL e o IALS, é urgente conhecer a situação de
Portugal relativamente aos níveis de literacia da população adulta, retomando e prolongando uma
linha de investigação que permita compreender, de forma atualizada, a complexidade da literacia
enquanto prática, sempre em renovação, estreitamente ligada às transformações sociais. É ainda
decisivo conhecer o modo desigual como se distribui e os seus múltiplos efeitos (no trabalho, na
vida social e pessoal), assim como os processos e dinâmicas sociais que permitem, ou limitam, o seu
desenvolvimento.

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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50

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Patrícia Ávila. Professora Associada com Agregação; Departamento de Métodos e Pesquisa


Social; Investigadora integrada do CIES-Iscte, Instituto Universitário de Lisboa. Lisboa, Portugal,
E-mail: [email protected]

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FELICIANO, Paulo (2023). “A evolução do Sistema de Formação Profissional em Portugal e o papel dos
Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
51 - 67
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a3

A evolução do Sistema de Formação Profissional em Portugal e o papel


dos Fundos Europeus

Paulo Feliciano
Iscte-Instituto Universitário de Lisboa.
Investigador Associado do Centro de Investigação e
Estudos em Sociologia.

Resumo
O artigo analisa a evolução do sistema de formação profissional desde o momento em que este
começou a beneficiar de fundos europeus para apoiar o seu funcionamento. A abordagem
desenvolvida procura explorar a interação entre o financiamento canalizado pelos fundos europeus
e o impulso político nacional na evolução do sistema de formação profissional. A reflexão feita
permitiu estabelecer quatro grandes fases no desenvolvimento do sistema, identificar quais os
principais atributos que as distinguiram e situar os principais fatores de mudança verificados ao
longo do tempo.
Palavras-chave: Formação profissional; fundos europeus; Portugal.

The evolution of the Vocational Training System in Portugal and the role of the European
Funds
Abstract
The article analyses the evolution of the vocational training system from the moment it began to
benefit from European funds to support its operation. The approach developed seeks to explore the
interaction between the funding channeled by European funds and the national political impetus in
the evolution of the vocational training system. The analysis made it possible to establish four major
phases in the development of the system, while identifying the main attributes that distinguished
them and locating the main factors of change that could be observed over time.
Key words: Vocational training; European funds; Portugal.

L'évolution du système de formation professionnelle au Portugal et le rôle des fonds européens

Résumé
L'article analyse l'évolution du système de formation professionnelle depuis le moment où il a
commencé à bénéficier de fonds européens pour soutenir son fonctionnement. L'approche
développée cherche à explorer l'interaction entre le financement canalisé par les fonds européens et
la dynamique politique nationale dans l'évolution du système de formation professionnelle. La
réflexion menée a permis d'établir quatre grandes phases dans le développement du système,
d'identifier les principaux attributs qui les distinguent et de repérer les principaux facteurs de

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FELICIANO, Paulo (2023). “A evolução do Sistema de Formação Profissional em Portugal e o papel dos
Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
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changement vérifiés au fil du temps.


Mots clés : Formation professionnelle ; Fonds européens ; Portugal.
M
La evolución del Sistema de Formación Profesional en Portugal y el papel de los Fondos
Europeos
Resumen
El artículo analiza la evolución del sistema de formación profesional desde el momento en que
comenzó a beneficiarse de fondos europeos para apoyar su funcionamiento. El enfoque desarrollado
busca explorar la interacción entre la financiación canalizada por los fondos europeos y el impulso
político nacional en la evolución del sistema de formación profesional. La reflexión realizada
permitió establecer cuatro grandes fases en el desarrollo del sistema, identificar los principales
atributos que las distinguieron y localizar los principales factores de cambio verificados a lo largo
del tiempo.
Palabras-clave: Formación profesional; fondos europeos; Portugal.

1. Introdução

Desde a adesão à Comunidade Europeia, os fundos europeus1 apoiaram de forma cíclica


diferentes domínios de política pública. Esses fundos assumiram a forma de quadros plurianuais de
financiamento a partir de 1989 com diferentes prioridades e organização de recursos (Pires, 2017),
mas já antes, com as ajudas de pré-adesão, apoiaram as políticas de desenvolvimento e a estruturação
de vários campos da política pública.

Um dos domínios de política cujo desenvolvimento está fortemente ancorado nos fundos
europeus é o da formação profissional (recuperando o sentido anglo-saxónico do conceito de
Vocational Training) e, incluído nesse âmbito, o da educação de adultos. Sendo um percurso com
mais de trinta anos, é natural que nele encontremos diferentes prioridades, objetivos, instrumentos
e, mais amplamente, fases ou etapas de desenvolvimento. Essas fases traduzem impulsos e visões
políticas que, fazendo escolhas próprias, constroem um percurso evolutivo que, porque mais
incremental nuns momentos e mais descontínuo noutros, importa compreender.

Este artigo propõe-se fazer uma identificação e breve caracterização das principais fases de
desenvolvimento do sistema de formação profissional e da sua interação com o percurso de
financiamento europeu à política de educação e formação profissional. É um percurso longo que faz
evoluir a capacidade de resposta do Sistema de mil formandos para as dezenas de milhares de
formandos. É um percurso com forte interdependência entre o referencial estratégico das políticas
de formação profissional e aquele que orientou a programação dos fundos europeus, ou seja, entre o
financiamento e o impulso político que a nível nacional lhe dá forma. Um e outro confundem-se, o

1
Assim designados no artigo por simplificação, sendo que a designação mais comumente utilizada é a de
Fundos Estruturais ou Fundos Europeus Estruturais de Investimento (FEEI).

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FELICIANO, Paulo (2023). “A evolução do Sistema de Formação Profissional em Portugal e o papel dos
Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
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que enriquece o interesse da sua análise.

M
2. Enquadramento da análise e do seu âmbito
O conceito de formação não tem um entendimento que possa ser facilmente consensualizado.
Na versão anglo-saxónica, o conceito corresponde à designação vocational training. A sua tradução
equipara o termo vocação ao termo profissional, sugerindo a utilidade de situar em termos gerais o
que entendemos por este objeto neste artigo. Na literatura em língua inglesa, é comum referir-se o
conceito de vocational education and training. A vocação está presente novamente como expressão
da natureza profissionalizante da formação, não explicitando, em grande medida, fronteiras
marcadas entre os dois conceitos. Comumente, na literatura, o termo educação e formação
profissional (vocational education and training) surge associado a programas de formação inicial
em que está presente uma dimensão escolar no programa de aprendizagem. Recorrendo a Thompson
(1973), podemos considerar que a associação entre educação e formação traduz a combinação de
aprendizagens inscritas no domínio da formação de base – académicas – e de aprendizagens inscritas
no domínio da formação técnica. Esta é uma abordagem muito presente não só na formação inicial
de jovens, por exemplo, mas também na educação de adultos (Veloso, 2008).

Tendo em conta a ótica acima exposta, o conceito de formação profissional (vocational


training) assume uma abrangência maior (Billett, 2011), incluindo programas de formação de
âmbito, duração e fins muito diferenciados. Consideram-se, pois, programas que tanto podem
corresponder a percursos de formação inicial como de aprendizagem ao longo da vida. Nesta
perspetiva, a estratégia de aprendizagem pode visar quer processos de apoio à transição para o
mercado de trabalho, quer estratégias vocacionadas para a atualização e requalificação de
competências.

Na ótica deste artigo, recorremos ao conceito de formação profissional por ser mais
abrangente e permitir referenciar a significativa amplitude de programas incluídos ao longo do tempo
da programação apoiada por fundos europeus.

Na categoria de fundos europeus, acolhe-se uma ampla diversidade de fundos, com finalidades
distintas, regras específicas e estruturas de gestão próprias. São cinco os Fundos Europeus
Estruturais de Investimento (FEEI) que asseguram a mobilização dos apoios europeus ao
desenvolvimento2..Estes apoios são programados em Quadros Financeiros Plurianuais (QFP), que se
têm renovado ciclicamente desde 1989, estando a iniciar-se agora o sexto QFP. Com exceção do
llllll

2
Incluem-se nos FEEI o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu
(FSE), o Fundo de Coesão (FC), o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e o Fundo
Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP).
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primeiro, que teve uma duração de cinco anos, os restantes QFP programam a aplicação dos fundos
europeus por um período de sete anos e exigem um dispositivo administrativo e de gestão complexo.
M

A análise que procuramos fazer neste artigo remete, também, para a estratégia de análise das
políticas públicas. Neste plano, são várias as teorias políticas que procuram auxiliar na análise do
processo político e na compreensão das suas dinâmicas de evolução. A teoria institucional é uma
delas e situa a sua análise no papel das instituições de governação na evolução do processo político.
A abordagem do processo político por via das instituições tende a aprofundar o conhecimento sobre
as condições de estabilidade da ação política, ou seja, a situar como se promove a sua estabilidade e
quais os elementos que a determinam. Ora, olhar para as circunstâncias de estabilidade das políticas
permite, articuladamente, situar as condições da mudança, sejam elas condições externas que
envolvem a atuação das instituições, ou a sua inter-relação com fatores externos, onde se inclui o
plano das ideias (Hill, 2009).

Os sistemas com forte expressão na intervenção pública, como é o caso do sistema de


formação profissional, são significativamente influenciados pela dinâmica institucional, sendo
relevante para a sua caracterização e compreensão apreender o processo de evolução no longo prazo
e identificar os fatores que promovem a mudança que de forma incremental vai ocorrendo.

As denominadas novas abordagens institucionalistas procuram incluir nas suas dimensões de


análise o papel dos valores, normas, convenções e cultura na dinâmica de evolução dos sistemas
políticos. De acordo com essas teorizações, estas são dimensões persistentes e relevantes do jogo
social e permitiram uma significativa diversificação das abordagens teóricas que integram a
evolução do institucionalismo (Hall & Taylor, 1996). O institucionalismo histórico é uma dessas
abordagens e constitui um referencial útil para enquadrar a reflexão proposta neste artigo.

O institucionalismo histórico releva o papel do percurso cumprido e dos padrões de atuação


anteriores na configuração da evolução e cenários futuros das políticas. Ou seja, o institucionalismo
histórico destaca o papel do tempo e da sequência dos acontecimentos passados para a determinação
dos acontecimentos futuros, sinalizando que o modo como se organizou e se atuou anteriormente
influencia significativamente o modo de organização e atuação no futuro. A utilização deste
pressuposto analítico faz com que esta teoria seja mobilizada, predominantemente, para a análise e
interpretação no longo prazo. A observação da evolução das instituições ao longo do tempo torna,
por sua vez, mais visível e fiável a verificação dos fatores que promovem constrangimentos à
mudança e permite aclarar aqueles que emergem como elementos de ignição de momentos de
transformação.

A ideia traduzida nesta abordagem teórica remete para o conceito de dependência sistémica,

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Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
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que enfatiza o papel das estruturas e normas vigentes no modo como se forma a evolução das
políticas (Thelen, 2004). Nesta perspetiva (path dependence), os sistemas influenciam
M
significativamente o processo de mudança e sugerem que o mesmo se alimenta de transformações
incrementais. Esta perspetiva contribui para a compreensão da transformação longa dos sistemas e
subsistemas políticos e dos programas e regras que os organizam. A análise da evolução do sistema
de formação profissional desde o momento em que começaram a existir fundos europeus em
Portugal inscreve-se nesta ótica de longo prazo.

A corrente do institucionalismo histórico convoca o conceito de rendimentos crescentes


enquanto processo através do qual a manutenção de determinadas circunstâncias gera ganhos
maiores ao longo do tempo. Estes alimentam um retorno positivo sobre o funcionamento de uma
determinada realidade e promovem a sua manutenção (Pierson, 2000). Apesar disso, uma
determinada associação de acontecimentos críticos (Pierson, 2000) constitui o fator que permite
induzir mudança, criando os incentivos certos ao tecido institucional que suporta o curso das
políticas. Para o estudo destas dinâmicas importa rastrear o processo de evolução das instituições
(Hall, citado por Immergut, 2006) e assegurar uma perspetiva histórica nessa análise.

3. A evolução dos Sistema de Formação Profissional e os ciclos de


financiamento
A nossa análise considera o período de pré-adesão e termina com o último ciclo de
programação já cumprido, ou seja, o PT 2020 (último período de programação dos fundos europeus
cumprido e cuja execução se encontrava, à data de redação deste texto, na fase final). As fases que
identificámos não coincidem nos seus exatos termos com os períodos temporais de calendarização
dos fundos. Com efeito, a interação entre as políticas e os ciclos de financiamento não é linear, sendo
que a evolução do perfil das políticas tende a influir na formatação dos ciclos de programação do
financiamento e estes a constituírem-se como condição de eficácia daquelas. Assim, as fases
identificadas procuram, antes, delimitar o conteúdo dos ciclos de transformação e referenciá-los à
dinâmica dos ciclos de programação (medidas de política e opções de financiamento) dos fundos
europeus neste domínio. Nesta perspetiva, identificámos quatro grandes fases de desenvolvimento
das políticas de formação profissional que, na análise realizada, se articulam com a programação dos
fundos europeus.

A primeira fase é a da Institucionalização. Desenvolvida entre as décadas de 1980 e 1990,


abrangendo o período de pré-adesão e o primeiro Quadro Comunitário de Apoio (QCA I), esta fase
caracteriza-se por avanços relevantes na construção deste campo de políticas, seja no plano
infraestrutural, seja da criação de novos instrumentos de atuação no domínio da formação
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profissional. Estas duas dinâmicas combinadas permitiram cumprir um processo de


institucionalização deste campo de políticas, criando o sistema de formação profissional, e,
M
articuladamente, expandindo a sua capacidade de resposta.

A segunda fase é a da Regulação e desenvolve-se entre a década de 1990 e o início da primeira


década do século XXI, coexistindo, sobretudo, com o segundo e o terceiro Quadros Comunitários
de Apoio (QCA II e QCA III). Esta fase cumpre uma função organizadora do sistema, regulando os
seus campos de intervenção, os seus objetivos e públicos, os seus instrumentos e, mais amplamente,
o seu funcionamento.

A terceira fase é a da Renovação do campo das políticas de educação e de formação e


corresponde, em grande medida, ao período de execução do ciclo de programação que mediou entre
2007 e 2013 (QREN). Esta etapa de evolução do sistema de formação profissional caracteriza-se por
uma relevante evolução (mudança) na sua proposta estratégica e princípios organizativos. Os
atributos que guiaram a reorganização deste campo de políticas mantêm-se vigentes, determinando
o perfil da última fase identificada no artigo.

A quarta fase é da (Des)continuidade, refletindo o facto de nela se acolherem movimentos


contraditórios, nomeadamente no que diz respeito à educação e formação de adultos. Esta fase
coincide com a programação do último ciclo de fundos europeus concluído (PT 2020) e corresponde,
em grande medida, àquela onde menor visibilidade é assumida por dinâmicas reformistas e de
transformação do campo de políticas de formação profissional.

Por fim, olhamos de relance o ciclo que agora se inicia. Será extemporâneo conferir-lhe já
atributos definidos. Porém, considerando as circunstâncias singulares do financiamento das políticas
públicas por via da combinação do ciclo de programação em vigor com o Programa de Recuperação
e Resiliência, e atendendo ao perfil de programação de cada um destes instrumentos, é expectável
que esta possa ser a fase da complementaridade. Complementaridade de instrumentos de
financiamento, mas, também, de políticas e medidas. O tempo permitirá aferir se assim será ou não.

Procuramos de seguida caracterizar de forma breve cada uma destas fases e sinalizar o modo
como se promoveu a interação com o financiamento comunitário.

3.1. A relevância para a institucionalização do campo das políticas de educação e


formação: as ajudas de pré-adesão e o QCA I

As Ajudas de Pré-Adesão foram negociadas em 1980 e elegeram como objeto a melhoria das
estruturas industriais, a modernização dos sectores agrícola e das pescas e o desenvolvimento de
infraestruturas. A disponibilização dessas ajudas coincidiu com um impulso reformista das políticas
de educação e formação apoiadas no parecer da UNESCO sobre os sistemas de educação e formação
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(Cardim, 2019). Este impulso foi vertido num Plano de Médio Prazo (1977/80) para a expansão do
sistema educativo e o reforço da formação profissional.
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No âmbito das Ajudas de Pré-Adesão, foi acordada a construção de 10 novos centros de


formação profissional, reforçando significativamente uma rede que à data contava com 13 centros
em funcionamento, criados na década de 1960 (Cardim, 2005). Assim, o primeiro impulso recebido
dos fundos europeus para a institucionalização da formação profissional situa-se precisamente na
consolidação da capacidade instalada na rede de resposta do então recentemente criado Instituto do
Emprego e Formação Profissional (1979). Este reforço da rede permitiu um crescimento exponencial
do número de formandos abrangidos, que passou de cerca de 1.000, em 1981, para quase 19.000, em
1988.

O impulso reformista desenhado à data contemplava outros domínios de aposta além do


infraestrutural, compreendendo a formação inicial e contínua. A resposta ao desemprego constituiu-
se como uma prioridade do Fundo Social Europeu (FSE) no QCA I, determinando uma aposta
relevante na formação inicial de jovens e no “aperfeiçoamento” de ativos. Destacam-se a criação do
Sistema de Aprendizagem, a criação do Ensino Profissional e a consolidação de um sistema de
formação contínua, implicando a revisão de métodos – designadamente do sistema de Formação
Profissional Acelerada, que marcava o sistema desde a década de 1960. Sem dúvida, estes foram
desenvolvimentos que perduraram e que deste então constituem atributos essenciais do sistema de
educação e formação.

Fortemente ancorada no financiamento do PRODEP I (Programa de Desenvolvimento


Educativo para Portugal), a expansão do ensino profissional tem lugar no início da década de 1990
(Alves & Azevedo, 1998). Desde então, os Cursos Profissionais têm percorrido um percurso de
progressiva afirmação no contexto do ensino secundário, representando um subsistema essencial da
estratégia de diversificação da oferta de educação e formação e de combate ao abandono escolar
precoce. A sua vinculação ao reforço da capacidade de financiamento possibilitada pelo FSE tem
raízes no primeiro QCA que perduram até hoje. Primeiro, como espaço de inovação da política de
educação; agora, como subsistema alternativo para a frequência do ensino secundário.

A criação do Sistema de Aprendizagem cumpre um percurso semelhante. Neste caso, por via
dos Programas Operacionais geridos pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP),
designadamente através do PO3. Foi também o FSE que permitiu a estruturação do modelo de
formação em alternância perspetivado na dinâmica reformista da década de 1980, que foi marcada
por sucessivas revisões legais e impulsos programáticos, visando garantir condições de afirmação
do Sistema de Aprendizagem. O QCA I reuniu condições de financiamento favoráveis à afirmação
desta dinâmica política.

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A análise da estrutura de programas operacionais sob gestão do IEFP permite referenciar,


ainda, o significativo impulso dado aos programas de formação de ativos, traduzindo a preocupação
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em dar resposta ao déficit de qualificações da população portuguesa. A ótica da formação
profissional de ativos aí contemplada (ativos não qualificados, ativos qualificados, quadros, adultos
desempregados de longa duração) começou a construir um campo de resposta na educação de adultos
marcada por uma forte vinculação à formação profissional (Cardim, 2005).

De referir, ainda, que é deste período a consolidação da rede de Centros de Gestão Participada,
geridos em parceria com os parceiros sociais, tendo por base o regime jurídico criado em 1983.
Protagonizando uma abordagem de aproximação aos setores de atividade e à formação empresarial,
esta rede constitui ainda hoje uma referência na procura de ligar o sistema de formação profissional
ao tecido empresarial.

Os desenvolvimentos referidos são emblemáticos do contributo dado pelo FSE para a


institucionalização do sistema de educação e formação, subsistindo ainda enquanto instrumentos
relevantes da política de educação e formação e prioridades do financiamento do FSE. Nesta matriz
fundadora do Sistema, a ação do IEFP constitui-se como centro de racionalidade e elemento de
governação essencial. Esse papel mantém-se ainda atual.

3.2. A fase da regulação e organização do(s) campos de política: o QCA II e o QCA III

Esta fase contempla o processo de consolidação do sistema de formação profissional


executado durante a década de 1990 e vigente até meados da década seguinte. A década de 1990
abrange o QCA I (1989-1993) e o QCA II (1994-1999), mas é sobretudo no desenvolvimento dos
QCA II e QCA III (2000-2006) que encontramos uma maior tradução do referencial estratégico
correspondente a esta etapa de desenvolvimento do sistema de formação profissional. Neste período,
foram significativos os desenvolvimentos na perspetiva da consolidação do campo de políticas de
formação profissional, destacando-se a criação do regime jurídico da formação profissional. Por esta
via, é conferida significativa relevância à dimensão normativa e de regulação do campo, aspetos
essenciais para melhor organizar e estruturar o seu funcionamento. O exercício de regulamentação
então cumprido conduziu à aprovação de quadros de regulação autónomos no contexto dos dois
subsistemas de políticas mais relevantes neste âmbito – trabalho e educação –, conferindo uma
legibilidade específica aos diferentes instrumentos de política.

O Acordo de Política de Formação Profissional (CPCS, 1991), subscrito por todos os parceiros
sociais com assento no Conselho Permanente de Concertação Social, destacava seis áreas de aposta:
melhoria da articulação entre formação e vida ativa; inserção, no mercado de emprego, dos grupos
mais desfavorecidos; intensificação da formação contínua; concertação social na definição,
desenvolvimento e execução das políticas de emprego e formação; fomento da investigação e
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sistematização das estatísticas de formação e emprego; e cooperação no âmbito das Comunidades
Europeias. Articuladamente, o Acordo consagrou a adoção de um regime jurídico para a formação
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profissional (Decreto-Lei 401/91), regulamentando-a nos seus principais atributos através da
distinção entre formação profissional inserida no mercado de emprego e formação profissional
inserida no sistema educativo (Rodrigues & Matos, 2019).

Deste modo, o referencial jurídico e programático que antecede o início do QCA II consagra
uma distinção entre a formação inserida no mercado de trabalho e a que se desenvolve no âmbito do
sistema de educação. Esta opção dualiza as prioridades e objetivos de cada um dos subsistemas e da
formação profissional que acolhe. No caso do sistema educativo, uma ótica qualificante para a
inserção na vida ativa; a outra, do sistema de emprego, é dirigida a ativos empregados e
desempregados e vocacionada não só para a qualificação para o posto de trabalho, mas também para
dar resposta ao impacto sobre o emprego dos processos de ajustamento económico. Vinculada a
organismos do então denominado Ministério do Emprego e Segurança Social e, no seu âmbito, ao
IEFP, a formação inserida no mercado de emprego conferiu relevância à generalização da formação
contínua, à resposta a grupos sociais desfavorecidos e à resposta aos processos de reestruturação
empresarial.

Acompanhando esta visão organizativa do sistema de formação profissional, o QCA II


contemplou uma abordagem segmentada do Fundo Social Europeu e dispersou por vários programas
as medidas de apoio à Formação Profissional. No subprograma PRODEP – incluído no Programa
Bases do Conhecimento e Inovação –, centrou-se o financiamento da formação inserida no sistema
educativo, destacando-se o ensino profissional e artístico e a formação contínua de professores.
Incluía-se também neste subsistema a resposta à população adulta através do ensino recorrente e da
educação extraescolar. No Programa Pessoa, além do sistema de aprendizagem, contemplava-se uma
gama diversificada de medidas de formação para o emprego (tendo como público-alvo ativos
empregados e desempregados) e formação para grupos específicos. A resposta do FSE incluía ainda
subprogramas de base setorial nos domínios da agricultura, pescas, indústria, turismo e saúde e um
subprograma vocacionado para a integração social de grupos desfavorecidos.

O QCA II contribuiu, deste modo, para dar um relevante impulso à expansão da formação
contínua – nas suas dimensões de aperfeiçoamento e reconversão profissional – e à estruturação de
subsistemas setoriais de formação profissional. São casos emblemáticos que mantiveram lastro de
intervenção com relevante autonomia ao longo do tempo os da formação para o turismo, através de
institutos setoriais próprios, da agricultura, através de organizações patronais, e da economia, através
de instrumentos específicos associados ao investimento industrial e à rede de escolas tecnológicas.

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A regulação do campo da formação profissional e a organização e expansão da resposta da


formação profissional dirigida à atualização de competências e reconversão profissional de ativos
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empregados e desempregados foi durante este período amplamente suportada no financiamento do
FSE, representando 42% do financiamento total da formação profissional no QCA II (CEDEFOP,
1999). A formação profissional inicial absorveu, por sua vez, 58%. Importa considerar, contudo, que
esta começou o seu processo de estruturação e expansão no QCA I. Ao mesmo tempo, reforçou-se
neste período, também, a resposta da formação profissional a públicos desfavorecidos.

O QCA III garantiu uma significativa continuidade desta abordagem. Elegendo como
prioridade “Elevar o nível de qualificação dos portugueses, promover o emprego e a coesão”, a
estratégia, no domínio mais específico da formação profissional, apoiou-se na terceira geração do
Programa Operacional da Educação (PRODEP III), do Programa Operacional Emprego, Formação
e Desenvolvimento Social (POEFDS), do Programa Operacional da Sociedade da Informação
(POSI) e do Programa Operacional da Saúde (Saúde XXI). As linhas de intervenção do PRODEP
III mantêm-se significativamente próximas das adotadas no QCA II. Na área do Emprego, Formação
e Desenvolvimento Social, a prioridade dada à promoção da empregabilidade da população ativa
convoca estratégias de ação no domínio da adaptabilidade e da qualificação de desempregados,
sobretudo de longa duração, vinculando a aprendizagem ao longo da vida à promoção do emprego
e da coesão social.

Talvez a principal linha de inovação do QCA III no domínio da estratégia de qualificação da


população portuguesa seja a adoção do Programa Operacional Sociedade da Informação, que procura
corresponder aos desafios e prioridades da "estratégia do emprego na Sociedade de Informação",
formulada pela Comissão Europeia, e do "Livro Verde para a Sociedade da Informação".
Constituindo uma primeira geração de políticas públicas de resposta aos desafios da sociedade da
informação, e, em sentido mais amplo, da digitalização, neste programa operacional acolheram-se
intervenções para o desenvolvimento de competências em tecnologias de informação e
comunicação, tanto numa ótica de qualificação avançada, como de combate à exclusão.

No domínio da formação profissional, este percurso confrontou-se com a dificuldade de criar


centros de racionalidade próprios fora da intervenção do Instituto do Emprego e da Formação
Profissional. A disseminação da intervenção no domínio da formação contínua por diversos
instrumentos de financiamento e atores ficou aquém do desejado na consolidação de estratégias
setoriais de qualificação dos recursos humanos e do tecido institucional de suporte. Essas limitações
abriram espaço para uma dinâmica de renovação do campo da formação profissional que dá forma
à etapa subsequente do percurso que aqui tentamos traçar.

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3.3. A renovação do campo através da adoção de uma nova racionalidade estratégica:


do QCA III ao QREN
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À semelhança do que aconteceu com o início da fase anterior, a dinâmica de reforma que
caracteriza esta etapa está ancorada no diálogo social, mais diretamente através do Acordo para a
Reforma da Formação Profissional, de 2007, mas também pelo acordo que o antecedeu, em 2001
(ainda na vigência do QCA III), de âmbito mais amplo – o Acordo Sobre Política de Emprego,
Mercado de Trabalho, Educação e Formação. Enquanto este último foi assinado por todos os
parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social; o de 2007 não contou
com a aprovação da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses.

O traço distintivo desta fase é a criação do Sistema Nacional de Qualificações


(SNQ).Articuladamente com a criação e funcionamento do SNQ, destaca-se nesta fase a proposta
programática incluída no Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), correspondendo ao
ciclo de fundos europeus que mediou entre 2007 e 2013. Embora assim seja, é adequado considerar
que algumas das dinâmicas de mudança consagradas na Agenda de Reforma da Formação
Profissional – e no Acordo que a adota – começam a desenhar-se no início da década de 2000 e têm
expressão no Acordo Sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho, Educação e Formação de
2001 (CPCS, 2001). A evolução na organização do campo da educação de adultos, incluindo o
surgimento do reconhecimento, validação e certificação de competências, e a adoção de medidas
que reforçam a prioridade à aprendizagem ao longo da vida são disso os exemplos mais
significativos.

A criação do SNQ (Decreto-Lei 396/2007) concretiza o impulso de reforma da formação


profissional no plano normativo e afirma a prioridade atribuída à formação profissional – em sentido
amplo, como acima se explicitou – na resposta ao desafio de elevar o nível de qualificações da
população portuguesa. O princípio da dupla certificação constitui-se como elemento nuclear da
estratégia de reforma (Feliciano, 2019). A sua aplicação assegurou que toda a formação inicial
qualificante atribuía, simultaneamente, certificação escolar e qualificação profissional. Este
princípio foi considerado na formação inicial de jovens, sobretudo através do ensino profissional e
dos cursos de aprendizagem, mas também na educação e formação de adultos, através da
diversificação dos Cursos de Educação e Formação de Adultos (Cursos EFA). O princípio da dupla
certificação estendeu a sua aplicação à formação contínua e ao reconhecimento de aprendizagens
informais. Através da referenciação do conjunto de percursos de aprendizagem – inicial, contínua e
de reconhecimento, validação e certificação de competências – aos referenciais de qualificação do
Catálogo Nacional de Qualificações e da sua organização modular, todos os percursos de
aprendizagem passaram a permitir obter uma dupla certificação.

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A esta dinâmica associou-se um reforço da prioridade atribuída à educação e formação de


adultos e à expansão da oferta que lhe estava dirigida. Em particular, releva a articulação de três
M
instrumentos da política de formação profissional: i) os cursos de Educação e Formação de Adultos,
ii) as formações modulares e iii) o reconhecimento, validação e certificação de competências. A
expansão da utilização destes instrumentos apoiou-se no impulso ao seu desenvolvimento e
consolidação metodológica iniciados na viragem do século que o Acordo de Concertação Social de
2001 (CPCS, 2001) viria a reforçar.

Do ponto de vista institucional, surgem, também, alterações relevantes. A coordenação do


Sistema Nacional de Qualificações é assumida pela então criada Agência Nacional para a
Qualificação (ANQ). Este desenvolvimento atribui ao sistema de formação profissional uma fonte
adicional de racionalidade na sua coordenação. A ANQ integra nas suas competências a coordenação
do Quadro Nacional de Qualificações, do Catálogo Nacional de Qualificações, da coordenação da
Rede de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências e da rede de oferta
de educação e formação profissional. Deste modo, à intervenção central assumida pelo IEFP na
coordenação do sistema de formação profissional até então associa-se a da ANQ, através do seu
papel nuclear na coordenação e apoio à regulação do Sistema Nacional de Qualificações.

A par da criação da ANQ enquanto entidade de coordenação do Sistema Nacional de


Qualificações, a reforma promovida suscitou uma relevante integração entre os subsistemas de
educação e formação profissional, invertendo a lógica subjacente à opção assumida na
regulamentação aprovada na década de 1990, que promovia a distinção entre a formação inserida no
sistema de educação e a formação para o emprego. Em linha com este redirecionamento, a
disponibilização da oferta de formação na rede de operadores do SNQ passou a estar mais integrada.
São disso exemplo a oferta de cursos EFA, de formações modulares e de respostas de RVCC em
operadores dos sistemas de educação e emprego. Apenas o Ensino Profissional e o Sistema de
Aprendizagem mantiveram alguma especialização sistémica: o Ensino Profissional na rede de
escolas públicas e profissionais e o Sistema de Aprendizagem no âmbito da rede de centros de
formação e de outros operadores de formação profissional.

Estes desenvolvimentos no plano institucional e das medidas de política foi plenamente


articulado com o novo ciclo de financiamento de fundos europeus, em particular com a programação
do Fundo Social Europeu. Três traços relevantes caracterizam este período: i) o reforço do
financiamento do FSE no conjunto da programação, representando 35% no QREN, correspondendo
à proporção mais elevada no conjunto dos fundos europeus ao longo dos vários ciclos de
programação – no QCA I, o FSE representou 23% do financiamento; no QCA II, 18%; no QCA III,

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19%; e, já depois do QREN, no PT2020, 30%3; ii) a concentração do financiamento num único PO
Temático no Continente (o Programa Operacional do Potencial Humano); e iii) a focalização dos
M
apoios nos instrumentos de política que deram forma à Agenda de Reforma da Formação
Profissional.

O Programa Operacional Potencial Humano concentrou a agenda temática no domínio da


formação profissional, elegendo como bandeira de referência para a sua ação a generalização do
ensino secundário como patamar mínimo de qualificação para a população portuguesa. Esta era, de
resto, uma bandeira importada da “Iniciativa Novas Oportunidades”, que se constitui como
referencial programático central da intervenção no domínio da formação profissional. Como referido
no Estudo de Avaliação Ex-ante do POPH (Carneiro et al., 2007), a Iniciativa Novas Oportunidades
(INO) constitui-se como elemento estruturante da programação da Agenda Temática Potencial
Humano, estando esta amplamente ancorada nos instrumentos de política do SNQ.

A concentração da agenda nas prioridades de política do SNQ e da INO respondeu a um


objetivo de seletividade do financiamento em prioridades claras e na sua transversalidade ao
território. Nesta perspetiva, no âmbito do QREN, a intervenção do FSE não introduziu significativas
mudanças no que diz respeito à territorialização dos instrumentos de política.

3.4. A continuidade de políticas: a Agenda 2020

A proposta estratégica introduzida pela reforma da formação profissional e o suporte que o


FSE garantiu à sua concretização tiveram uma linha de significativa continuidade no quadro
plurianual de financiamento subsequente. Embora, numa perspetiva global, o ciclo seja de
continuidade, a sua implementação foi menos linear. Correspondendo à leitura crítica que à data se
fez dos instrumentos de política da educação de adultos incluídos na INO, a programação inicial da
Agenda 2020 promoveu uma redução significativa do financiamento neste domínio. Em resultado
disso, verificou-se uma relevante atrofia deste campo de políticas, reduzindo o número de atores
institucionais e de indivíduos abrangidos. Na vertente institucional, verificou-se um significativo
esvaziamento da rede de Centros para a Qualificação e Ensino Profissional (CQEP), à data
responsáveis pelos processos de RVCC e de encaminhamento para formação. Na vertente da oferta,
verificou-se uma redução da capacidade de abranger adultos em processos de RVCC e do volume
de cursos de Educação e Formação de Adultos. Esta opção da programação inicial do PT2020
fragilizou os elos de continuidade dos instrumentos de política do SNQ vocacionados para os
adultos. Ao longo da execução da Agenda Temática Capital Humano este ponto de partida da
programação alterou-se substancialmente, tendo a dotação do Eixo “Aprendizagem, qualificação ao

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Agência para o Desenvolvimento e Coesão / Augusto Mateus & Associados.
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longo da vida e reforço da empregabilidade” – onde se inclui a formação para a educação e formação
de adultos – crescido 69%, de 500 milhões de euros para 845 milhões de euros4. Esta dinâmica de
M
execução reforçou a relevância desta prioridade no contexto do QREN e deu maior expressão à linha
de continuidade da programação. No que respeita aos outros instrumentos da política de formação
profissional, a Agenda Temática do POCH retoma em grande medida as prioridades anteriormente
assumidas.

Esta continuidade da programação no ciclo de financiamento alinha-se com a continuidade


das políticas ao nível da formação profissional, evidenciando a interdependência entre os dois
domínios de atuação. Assim, as linhas gerais de organização do sistema de formação profissional –
enquadradas no SNQ – mantêm a sua hegemonia, tanto no que respeita ao quadro institucional e
estratégico, como do financiamento dos fundos europeus, que continua a assumir relevante
centralidade para assegurar o seu funcionamento.

Do lado do financiamento, ganha expressão, ainda que com moderado impacto, um elemento
novo na ótica da regulação: a abordagem por resultados. Esta procura indexar o financiamento e a
avaliação dos instrumentos de política à sua capacidade de produzir resultados, ou seja, à sua
capacidade de cumprir os objetivos que a orientam. Em grande medida, a análise de resultados esteve
muito indexada à verificação das taxas de empregabilidade associadas às medidas de formação. A
empregabilidade, sendo um indicador relevante, não deixa de propiciar uma visão parcial do
contributo atribuível à política de formação profissional.

3.5. O ciclo que agora se inicia

Estando ainda no início o atual ciclo de programação dos fundos comunitários, será
extemporâneo concluir sobre aqueles que serão os seus principais atributos. Contudo, alguns
elementos de reflexão podem ser sublinhados. O primeiro, para referir que, do ponto de vista do
referencial estratégico e institucional, o campo das políticas de formação conserva os seus principais
traços característicos. Deste ponto de vista, não se formaram no campo das políticas elementos de
diferenciação que gerem dinâmicas de descontinuidade. Articuladamente, e sem surpresa face ao
que até agora se expôs, o financiamento dessas políticas pelos fundos europeus canalizados pelo
quadro de financiamento plurianual (PT 2030) para a formação profissional mantém um perfil muito
semelhante ao do PT 2020 (Feliciano et al., 2022). Esta constatação indica que o Acordo Sobre
Formação Profissional e Qualificação assinado em 2021 (CPCS, 2021) entre o Governo e os
Parceiros Sociais na Comissão Permanente de Concertação Social não abrangeu matérias suscetíveis

4
Ver: Texto do Programa.pdf (portugal2020.pt); Microsoft Word - Programme_2014PT05SFOP001_3_0_pt
(1).docx (portugal2020.pt)
64
FELICIANO, Paulo (2023). “A evolução do Sistema de Formação Profissional em Portugal e o papel dos
Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
51 - 67

de conduzir a uma reorganização do campo de políticas, tendo um foco maior na ótica da


operacionalização. Nesse sentido, terá representado mais um impulso à concretização de prioridades
M
e lógicas de abordagem já priorizadas do que um impulso no sentido da alteração do rumo
estratégico.

Complementarmente, a formação profissional com vocação de resposta mais direta ao tecido


empresarial e às suas necessidades de ajustamento à evolução da economia e às dinâmicas de
investimento mantém um financiamento específico no âmbito da agenda temática para a
competitividade e do Programa Inovação e Transição Digital (COMPETE 2030).

O atual ciclo de políticas encerra, contudo, um fator novo, que importa considerar na
perspetiva do que poderá representar para a evolução do campo da formação profissional. Esse fator
é a convivência do ciclo de financiamento plurianual 2021-2027 com o Programa de Recuperação e
Resiliência (2021-2026), que também canaliza apoios para a formação profissional. Se a análise da
programação do PT2030 no domínio do FSE permite concluir por uma lógica de continuidade ao
nível das prioridades e instrumentos de política, a análise das prioridades e componentes de
intervenção do PRR permite situar domínios de complementaridade face ao PT2030.

Constituem exemplo da referida complementaridade o financiamento do investimento para


capacitação das estruturas de ensino e formação profissional (equipamentos e requalificação de
espaços), a diversificação da oferta formativa ao nível do ensino superior – procurando o reforço em
áreas críticas em matéria de procura de qualificações – e o reforço dos incentivos para uma
intervenção de base comunitária e local no contexto da educação de adultos. Nesta ótica, o PRR terá
condições para intervir numa linha de complementaridade face ao financiamento plurianual e para
trazer elementos de inovação para o sistema. A concretização desta abordagem poderá situar o plano
da complementaridade como atributo deste novo ciclo de políticas ao nível da formação profissional.

Conclusão
A análise sugerida evidencia a estreita interdependência entre a evolução do sistema de
formação profissional e o financiamento europeu. Em grande medida, os impulsos políticos
ajudaram a definir o âmbito dos vários períodos de programação dos fundos europeus e estes
mostraram-se essenciais ao processo de estruturação e valorização do sistema de formação
profissional. Quando o impulso político foi menos expressivo, os ciclos de programação dos fundos
europeus aplicados à formação profissional tenderam a ser mais conservadores na sua proposta.
Nesta ótica, será possível concluir que o papel dos fundos foi determinante como fator de
viabilização do impulso político e da progressiva consolidação do sistema. A estratégia de
programação do financiamento tem sido subsidiária da estratégia resultante do impulso político e as
dinâmicas de inovação são comumente acolhidas e impulsionadas pela estratégia de financiamento.
65
FELICIANO, Paulo (2023). “A evolução do Sistema de Formação Profissional em Portugal e o papel dos
Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
51 - 67

A lógica incremental de evolução do sistema tem permitido sedimentar os principais


instrumentos de política criados. São disso exemplo o ensino profissional e os instrumentos de
M
promoção da aprendizagem ao longo da vida. O facto de o seu funcionamento ainda estar fortemente
ancorado nos fundos europeus evidencia a relevância destes para a consolidação do campo da
formação profissional, por um lado, e a dificuldade da sua autonomização a partir de mecanismos
de financiamento próprios, por outro. As quatro décadas analisadas refletem uma evolução muito
significativa do Sistema de Formação Profissional e permitem identificar os principais centros de
racionalidade da sua transformação e regulação.

A concertação social e os acordos nela gerados têm sido um elemento presente neste processo
gradual de evolução do sistema e de legitimação do impulso político, sendo que os seus principais
marcos de transformação foram explicitados e sufragados nos textos dos acordos celebrados.

A evolução do sistema tem cumprido um percurso em que, simultaneamente, se diversificaram


objetivos, instrumentos e públicos e se promoveu uma progressiva integração estratégica do perfil
de respostas (subordinado ao princípio da dupla certificação) e de subsistemas (educação e
formação).

Os centros de racionalidade institucionais mantêm uma configuração relativamente


concentrada – IEFP e ANQEP –, favorecendo os mecanismos de coordenação global do sistema,
mas penalizando uma maior especialização estratégica, sobretudo na ótica dos territórios, mas,
também, dos setores de atividade.

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Paulo Feliciano. Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Iscte-Instituto Universitário de


Lisboa, Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]. Telefone: 963934437. Endereço de
correspondência: Avenida Forças Armadas 16 - s 2. Lisboa 1600-082 LISBOA.

67
QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a4

Características das empresas e demandas dos empregadores por


competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do
“Módulo de Empregadores” do PIAAC

João Queirós
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Subcoordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal

Luís Rothes
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação
Coordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal

Resumo
No âmbito do segundo ciclo do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos
Adultos (PIAAC), um pequeno grupo de países europeus, que Portugal integrou, decidiu juntar à
recolha de dados realizada através do “Inquérito às Competências dos Adultos”, principal
componente do Programa, um processo adicional de inquirição, direcionado para empregadores e
orientado para a produção de informação sobre as respetivas demandas por competências, em
contextos de atuação empresarial, como os atuais, frequentemente pautados por desequilíbrios entre
oferta e procura de qualificações e de competências.
O presente artigo apresenta de forma sucinta o propósito, metodologia e principais detalhes técnicos
da aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC no nosso país e discute preliminarmente
alguns dos resultados obtidos, procurando desse modo lançar pistas de aprofundamento da
investigação a realizar com recurso aos dados entretanto disponibilizados.
Palavras-chave: Desequilíbrios de competências; Módulo de Empregadores do PIAAC; Portugal.

Firms’ characteristics and employers' demands for skills: preliminary results from
Portugal’s PIAAC “Employer Module”

68
QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

Abstract
Currently in its second cycle, the Programme for the International Assessment of Adult
Competencies (PIAAC) includes, besides its main component, the “Survey of Adult Skills”, an
“Employer Module on Skill Gaps” containing several questions designed to measure the imbalances
between the supply and the demand for the skills needed in workplaces. A small group of European
countries, which Portugal integrated, added this additional inquiry to the data collection process that
was developed within the “Survey of Adult Skills”. The aim was to enlarge the available information
on employers’ perspectives on skill gaps and how they relate to companies’ business strategies, and
hiring, training and human resource practices.
This article presents the goals, methodology and main technical features of the implementation of
PIAAC’s “Employer Module” in Portugal, and discusses in preliminary terms some of its results,
thus seeking to instigate further research carried out using the data that was recently made available.
Keywords: Skill gaps; PIAAC Employer Module; Portugal.

Caractéristiques des entreprises et demandes de compétences des employeurs : résultats


préliminaires de l'application du « Module d’Employeurs » du PIAAC au Portugal

Résumé
Dans le cadre du deuxième cycle du Programme pour l'évaluation internationale des compétences
des adultes (PIAAC), un petit groupe de pays européens, dont le Portugal, a ajouté à la recherche
réalisée à travers l’« Enquête internationale sur les compétences des adultes », l’élément principal
de l’étude, un processus d'enquête supplémentaire, destiné aux employeurs et orienté vers la
production de donnés additionnels sur les demandes de compétences des entreprises, dans des
contextes économiques, comme l’actuel, souvent caractérisés par des déséquilibres entre l’offre et
la demande de qualifications et de compétences.
Cet article présente succinctement le but, la méthodologie et les principaux détails techniques de
l’application du « Module d’Employeurs » du PIAAC au Portugal et discute de façon préliminaire
quelques résultats de cette enquête, cherchant ainsi à susciter l’approfondissement de l’utilisation
des données récemment mis à disposition du publique.
Mots-clés : Déséquilibres de compétences ; Module d’Employeurs du PIAAC ; Portugal.

Características de las empresas y demandas de competencias de los empleadores: resultados


preliminares de la aplicación del “Módulo de Empleadores” del PIAAC en Portugal

Resumen
En el marco del segundo ciclo del Programa para la Evaluación Internacional de las Competencias
de los Adultos (PIAAC), un pequeño grupo de países europeos, entre ellos Portugal, decidió añadir
a la recogida de datos realizada a través de la “Encuesta de Competencias de los Adultos”, la
componente principal del Programa, una otra encuesta, dirigida a los empleadores y orientada a la
producción de información sobre las respectivas demandas de competencias, en contextos
empresariales, como el actual, a menudo caracterizados por desequilibrios entre la oferta y la
demanda de cualificaciones y competencias.
Este artículo presenta de manera sucinta el propósito, la metodología y los principales detalles
técnicos de la aplicación del “Módulo de Empleadores” de PIAAC en Portugal y discute
preliminarmente algunos de los resultados obtenidos, buscando así lanzar pistas para futuras
investigaciones a llevar a cabo utilizando los datos recientemente hechos disponibles.
Palabras clave: Desequilibrios de competencias; Módulo de Empleadores del PIAAC: Portugal.

69
QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

1. Introdução
O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (Programme for
the International Assessment of Adult Competencies, PIAAC) é um estudo educacional multiciclo
de grande escala promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OCDE). Trata-se do maior e mais complexo estudo internacional no domínio da educação e
avaliação de competências dos adultos e tem como propósito fundamental a provisão de informação
estatística detalhada e a assistência aos governos dos países participantes na avaliação,
monitorização e análise do nível e da distribuição daquelas competências, visando a adequação e o
desenvolvimento de políticas, programas e iniciativas com implicações neste âmbito. Depois de um
1.º Ciclo, realizado entre 2008 e 2013, com prolongamento em duas rondas adicionais de recolha de
informação (2014-2015 e 2017), envolvendo perto de quatro dezenas de países, decorre, desde 2018,
o 2.º Ciclo do PIAAC (2018-2024), com participação de 31 países 1.

A componente principal do PIAAC é o “Inquérito às Competências dos Adultos” (Survey of


Adult Skills), que avalia as competências dos participantes nos domínios da literacia, numeracia e
resolução de problemas e cuja fase principal de aplicação decorreu, em Portugal, entre janeiro e
agosto de 2023. Para além deste estudo, e igualmente no âmbito das atividades do Grupo de Projeto
responsável pela coordenação do PIAAC no nosso país, foi ainda possível programar, desenvolver
e concluir o conjunto de atividades associado à concretização de um segundo estudo, de menor
dimensão e complementar ao “Inquérito às Competências dos Adultos”, assente na aplicação do
“Módulo de Empregadores” do PIAAC (PIAAC Employer Survey Module on Skill Gaps, ou
simplesmente PIAAC Employer Module). Este inquérito por questionário, coordenado diretamente
pela OCDE, foi aplicado a uma amostra de responsáveis de organizações empregadoras nos cinco
países europeus participantes na primeira ronda da iniciativa – Eslováquia, Hungria, Itália, Países
Baixos e Portugal. No nosso país, a concretização do “Módulo de Empregadores” resultou de uma
parceria estabelecida entre o Grupo de Projeto do PIAAC, que atua com suporte administrativo e
financeiro da ANQEP, I.P., e o Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social (GEP-MTSSS), tendo o desenvolvimento das operações decorrido
em articulação com a aplicação do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” (Continuing
Vocational Training Survey, CVTS), estudo do Eurostat cuja responsabilidade pela
operacionalização e execução o Instituto Nacional de Estatística (INE) delega no GEP-MTSSS2.

1
Dos 33 países que iniciaram a participação no 2.º Ciclo do PIAAC, dois não avançaram para a fase principal
do “Inquérito às Competências dos Adultos”. Para uma apresentação detalhada do PIAAC e do respetivo
desenvolvimento em Portugal, ver o artigo de Luís Rothes e João Queirós incluído neste número especial de
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Informação adicional pode ser
encontrada em OCDE (2021) e em https://www.oecd.org/skills/piaac/.
2
O financiamento das despesas com a aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC foi
assegurado pelo Programa Operacional de Assistência Técnica – POAT 2020, no quadro da Operação POAT-
70
QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

O “Módulo de Empregadores” do PIAAC contém itens de pesquisa sobre competências


requeridas pelas empresas, incluindo: um conjunto de perguntas básicas sobre posse, desequilíbrios
e carências de competências dos trabalhadores; itens sobre formação necessária e desejável; questões
sobre práticas de recursos humanos e modos de organização do trabalho favorecedoras da aquisição
e promoção de competências; e um conjunto de itens sobre as características principais das empresas
inquiridas. Estes itens são selecionados e ajustados tendo em consideração os tópicos e questões
incluídas no estudo que hospeda o Módulo, neste caso, o “Inquérito à Formação Profissional
Contínua” de 2020. Os resultados da aplicação do Módulo visam possibilitar uma melhor avaliação,
a partir das experiências e perspetivas dos empregadores, dos requisitos de competências das
respetivas organizações e forças de trabalho, bem como uma compreensão mais aprofundada dos
mecanismos e estratégias que aqueles mobilizam para responder a desequilíbrios existentes e a
carências de competências destas últimas.

O desenvolvimento e a aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC decorreram, em


Portugal, entre 2020 e 2023. Depois de uma fase preparatória, concretizada, durante 2020 e 2021,
em estreita relação com a OCDE e os demais países participantes, procedeu-se à administração do
questionário, em 2022, seguindo-se uma fase de tratamento, limpeza e validação dos dados, que
redundou na disponibilização pública e na entrega à OCDE, no primeiro trimestre de 2023, dos
microdados do inquérito. Desde essa altura, decorrem tarefas de reporte técnico e de análise dos
resultados do estudo. Ainda que os dados relativos a Portugal possam ser desde já acedidos e
utilizados por investigadores e equipas de investigação nacionais e internacionais, bastando para tal
a respetiva credenciação junto do INE e do GEP-MTSSS, a análise comparada dos dados está ainda
em curso, sendo pretensão da OCDE publicar um relatório internacional de análise dos dados no
final de 2024, em articulação com a publicação dos dados do “Inquérito às Competências dos
Adultos” do PIAAC.

Neste artigo, são apresentados, a título introdutório e de forma sucinta, os principais objetivos
e características definidoras do “Módulo de Empregadores” do PIAAC, os aspetos metodológicos
mais relevantes associados à respetiva operacionalização e as particularidades da sua aplicação em
Portugal, reservando-se ainda uma pequena secção conclusiva do texto para a exploração de alguns
resultados gerais do estudo e a identificação de oportunidades de investigação abertas pela
llllllllllllllll

01-6177-FEDER-000027, que apoiou até meados de 2023 o conjunto das atividades do Grupo de Projeto do
PIAAC no nosso país. Informações adicionais sobre a aplicação do CVTS em Portugal podem ser obtidas em
http://www.gep.mtsss.gov.pt/inqueritos#inqu%c3%a9rito+%c3%a0+forma%c3%a7%c3%a3o+profissional+
cont%c3%adnua e em https://smi.ine.pt/DocumentacaoMetodologica/Detalhes/?id=1685&lang=PT. Dados da
edição de 2020 deste Inquérito podem ser obtidos na publicação do GEP-MTSSS disponível em
http://www.gep.mtsss.gov.pt/documents/10182/37636/cvts2020pub.pdf/645b5282-281d-4885-9300-
5ca4f4207838.
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

disponibilização deste inédito conjunto de dados sobre as demandas por competências evidenciadas
pelas organizações empregadoras sediadas no nosso país.

2. O “Módulo de Empregadores” do PIAAC: objetivos e quadro


metodológico geral
O “Módulo de Empregadores” do PIAAC centra-se no estudo dos “desequilíbrios”,
“desajustamentos” ou “hiatos de competências” existentes nas organizações empregadoras, tal como
percebidos e reportados pelos responsáveis destas instituições. Os “hiatos de competências” (skill
gaps) – o mais das vezes correspondentes a “carências” ou “lacunas de competências” (skill
shortages) – expressam os desequilíbrios entre a oferta e a procura de competências necessárias nos
locais de trabalho. Numa perspetiva de longo prazo, “e dado o ritmo lento de ajustamento em matéria
de capital humano, desequilíbrios de competências persistentes traduzem uma alocação suboptimal
de recursos, que pode reduzir o crescimento económico no seu conjunto” (Marcolin & Quintini,
2023, p. 7; ver também OCDE, 2017; 2019b)3.

Os hiatos de competências podem ou não estar associados a fenómenos de escassez ou excesso


de mão-de-obra (labour shortages/surpluses). Sendo certo que a oferta insuficiente ou excessiva de
trabalhadores disponíveis para trabalhar nas condições de mercado num dado momento conduz
geralmente a desequilíbrios em matéria de competências, não é infrequente que as empresas
observem tais desequilíbrios mesmo em situações em que aqueles fenómenos não se verificam. Os
hiatos de competências podem ser observados quando as competências dos trabalhadores (ou das
pessoas que procuram trabalho) excedem ou estão aquém das competências requeridas pelos
trabalhos disponíveis, nas condições de mercado existentes num dado momento, não sendo rara a
sua associação com desequilíbrios registados a montante em matéria de qualificações ou áreas de
formação escolhidas e frequentadas.

Os desajustamentos de competências são uma preocupação das empresas, que tentam


contrariá-los através de mudanças nas práticas de recrutamento, de alterações nas formas de
organização do trabalho, remuneração e alocação interna de recursos humanos e da provisão de
formação inicial ou contínua. Uma compreensão adequada destas práticas empresariais impõe que

3
O conteúdo desta secção do presente artigo segue de perto e sintetiza o enquadramento teórico-metodológico
relativo ao “Módulo de Empregadores” do PIAAC avançado por Marcolin e Quintini (2023). Nesta publicação
da OCDE, podem também ser encontradas, anexas, as questões originais incluídas no guião do questionário
utilizado neste estudo e uma tabela com as correspondências entre as questões incluídas no Questionário-Base
do “Inquérito às Competências dos Adultos” do 2.º Ciclo do PIAAC e as questões homólogas incluídas no
“Módulo de Empregadores”. Sobre a estrutura e conteúdos dos instrumentos aplicados no âmbito do “Inquérito
às Competências dos Adultos” do 2.º Ciclo do PIAAC, ver o artigo de Luís Rothes e João Queirós incluído
neste número especial de Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Diversos
resultados relevantes do 1.º Ciclo do PIAAC podem ser encontrados em OCDE (2013a; 2013b; 2016; 2019a).
72
QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

se conheçam os requisitos de competências identificados pelas organizações empregadoras e as


lógicas e estratégias subjacentes à mobilização dos mecanismos que os empregadores consideram
mais eficazes para responder aos desequilíbrios observados. Ora, ainda que a inquirição dos
trabalhadores acerca destes assuntos providencie informação relevante, estes conhecem de forma
habitualmente limitada os desafios que as respetivas entidades empregadoras enfrentam em matéria
de hiatos de competências e nem sempre estão cientes do conjunto de estratégias e práticas de gestão
desenvolvidas a este propósito nas suas empresas; por conseguinte, a melhor forma de obter esta
informação é tipicamente através da inquirição direta dos empregadores (ver, sobre isto, a síntese do
quadro teórico-concetual subjacente ao “Módulo de Empregadores” do PIAAC avançada por
Marcolin & Quintini, 2023, pp. 10-15).

O “Módulo de Empregadores” do PIAAC (PIAAC Employer Survey Module on Skill Gaps)


visa complementar o “Inquérito às Competências dos Adultos”, componente principal do Programa,
através da recolha de informação sobre competências disponíveis ao nível da empresa, competências
que os empregadores antecipam que serão necessárias no futuro e práticas de gestão de recursos
humanos e de promoção da formação mobilizadas neste âmbito. O propósito é recolher informação
estatística harmonizada e passível de comparação, em diversos países da OCDE, através da
preparação e aplicação de um questionário comum. Na primeira ronda de aplicação do “Módulo”,
ocorrida em 2021 e 2022, participaram cinco estados-membros, todos europeus (Eslováquia,
Hungria, Itália, Países Baixos e Portugal), tendo o “Inquérito à Formação Profissional Contínua”, do
Eurostat, sido o estudo selecionado para “hospedar” esta iniciativa inédita da OCDE.

O pequeno questionário do “Módulo de Empregadores” do PIAAC contém um conjunto de


questões essenciais (cinco) sobre desajustamentos em matéria de competências identificados na
empresa e sobre fatores explicativos da respetiva presença. Do “núcleo” do questionário fazem ainda
parte questões (também cinco) sobre as características fundamentais da empresa (setor de atividade,
dimensão, localização), indispensáveis à contextualização dos resultados e à ligação dos mesmos
com outras bases de dados e resultados de outros estudos. Um conjunto de questões opcionais do
“Módulo” incide sobre tópicos relevantes em matéria de política empresarial ou mesmo de política
pública. São questões sobre as consequências que cada empresa observa em resultado da presença
de hiatos de competências, sobre a capacidade de inovação das empresas inquiridas e sobre as suas
práticas de organização do trabalho e de gestão de recursos humanos, incluindo a menção a
estratégias de recrutamento e a identificação de dificuldades sentidas neste plano. Um segundo
conjunto de questões opcionais explora as estratégias que, em concreto, as empresas põem em prática
para confrontar os hiatos de competências identificados. A informação recolhida através destas
questões refere-se a práticas de formação, formas de organização do trabalho e outras práticas de
gestão, incluindo características da força de trabalho conseguida através de novos recrutamentos.

73
QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

A seleção das questões a contemplar em cada aplicação do “Módulo de Empregadores” do


PIAAC – e, portanto, a dimensão do questionário e a duração do seu preenchimento – dependerá,
entretanto, das características e questões que estiverem incluídas no estudo escolhido para o
“hospedar”. Várias das questões propostas na versão completa do “Módulo” puderam ser
dispensadas nesta primeira ronda de aplicação exatamente porque se sobrepunham a questões já
incluídas no “Inquérito à Formação Profissional Contínua” de 2020, que o acolheu (ver, para mais
informações sobre o conteúdo do “Módulo”, Marcolin & Quintini, 2023, pp. 10-15 e Anexo A).

A informação obtida através do “Módulo de Empregadores” do PIAAC, que reflete


representações e práticas declaradas dos empregadores sobre os temas tratados, encontra
correspondência em diversas questões do Questionário-Base do “Inquérito às Competências dos
Adultos”. Também na componente principal do PIAAC há lugar ao questionamento – neste caso, a
membros da população ativa empregada e desempregada, que respondem às perguntas do
questionário no seu domicílio e a título individual – sobre nível de competências (auto)percebido,
competências mobilizadas no local de trabalho, lacunas de competências e de formação
identificadas, mudanças observadas no local de trabalho (em diferentes domínios) ou provisão de
formação na sequência das mudanças verificadas (em Marcolin & Quintini, 2023, Anexo B, é
possível encontrar uma tabela de correspondências entre as questões apresentadas no “Módulo de
Empregadores” e as questões homólogas presentes no Questionário-Base do “Inquérito às
Competências dos Adultos” do PIAAC).

A conjugação dos dois pontos de vista – de trabalhadores (empregados ou não no momento


da inquirição), por um lado, e de responsáveis de organizações empregadoras, por outro – reduz o
viés associado à obtenção de um ponto de vista único, amplia as oportunidades de especificação
empírica dos conceitos investigados e oferece informação potencialmente relevante para o
desenvolvimento de medidas de política, quer no que respeita à conceção ou afinação de políticas
públicas, quer no que se refere à adoção ou reformulação de políticas e iniciativas de cariz
empresarial ou setorial. Por exemplo, o estudo das diferenças entre os dois pontos de vista em sede
de concertação social pode suscitar a revisão e aperfeiçoamento de políticas e dispositivos de
antecipação de necessidades de qualificações e competências ou a revisão das políticas de formação
contínua num dado setor de atividade económica.

A recolha de dados com recurso a duas fontes distintas, mas concetualmente articuladas,
oferece também oportunidades de complexificação e aprofundamento da análise estatística em torno
destes tópicos. Sendo de grande dificuldade técnica – em face da presença de processos de
amostragem muito diferenciados e das particularidades metodológicas da concretização desta
primeira ronda de aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC – a criação de uma ligação
estatística ao nível dos indivíduos entre os dados recolhidos através deste inquérito e os dados

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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
lllllllllll
recolhidos através do Questionário-Base do “Inquérito às Competências dos Adultos” (isto é, o
conjunto de operações que permitiriam o estabelecimento de uma ligação estatística – ex-post
matching – entre os dados providenciados pelos indivíduos que responderam ao “Inquérito às
Competências dos Adultos” e os dados obtidos através do “Módulo” junto dos respetivos
empregadores), é ainda assim possível conceber uma ligação dos dados a um nível intermédio, isto
é, considerando os dados dos dois inquéritos de forma agregada, por exemplo, olhando as
experiências e perceções – tanto de empregados, como de empregadores – num mesmo setor de
atividade económica. Os dados obtidos através do estabelecimento de uma ligação estatística deste
tipo podem ainda ser complementados com dados provenientes de outros inquéritos a entidades
empregadoras ou com dados de fontes administrativas, desde que disponíveis num nível de
desagregação idêntico (para uma discussão destas possibilidades, ver Marcolin & Quintini, 2023,
pp. 18-21).

O “Módulo de Empregadores” do PIAAC pode ser aplicado isoladamente ou como elemento


complementar de um inquérito a empregadores já existente, solução que permite uma considerável
economia de custos. A associação da primeira ronda de aplicação do “Módulo” à concretização do
“Inquérito à Formação Profissional Contínua” de 2020, que resultou de um acordo estabelecido entre
a OCDE e o Eurostat, provou ser viável e adequada para os países interessados em participar nesta
vertente complementar do PIAAC. Trata-se, contudo, de uma opção disponível apenas para países
europeus. Países não-europeus que possam vir a querer aplicar o “Módulo” terão de fazê-lo em
articulação com outros inquéritos existentes ou assumindo a sua aplicação como operação estatística
independente.

Pese embora a economia de custos inerente à aplicação do “Módulo” no quadro de um


inquérito pré-existente, este facto supõe condicionalismos relevantes, como os que decorrem da
determinação heterónoma da unidade de observação a contemplar, do período de referência da
inquirição ou da cobertura amostral considerada (tipos, dimensões e ramos de atividade das empresas
inquiridas). Na primeira ronda de aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC, o respetivo
enquadramento no âmbito do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” determinou que os
dados recolhidos tivessem de reportar-se a 2020 e restringiu a amostra a empresas do setor privado,
impondo ainda a exclusão das situações de autoemprego e das empresas com menos de dez
trabalhadores (sobre este tópico, ver Marcolin & Quintini, 2023, pp. 23-25)4.

4
A circunscrição da cobertura amostral a empresas com menos de dez trabalhadores representa uma limitação
importante, em especial nos países do sul da Europa e, muito em particular, no caso de Portugal, onde o tecido
empresarial contempla uma larga maioria de microempresas (quase 1,4 milhões de empresas, 96,1% do total,
em 2022). O peso no emprego deste segmento do tecido empresarial português era, todavia, consideravelmente
menor: no mesmo ano, as empresas não-financeiras com menos de dez trabalhadores empregavam perto de 2
milhões de indivíduos, 44,3% do total de pessoas ao serviço nas empresas não-financeiras (dados
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

3. A aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC em Portugal:


especificidades metodológicas e caracterização genérica da amostra
Portugal participou, juntamente com Eslováquia, Hungria, Itália e Países Baixos, na primeira
ronda de aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC. A recolha de dados decorreu em 2021
e 2022 (2022, no caso português), de forma autoadministrada, com recurso a plataformas online de
inquirição e recolha de respostas (computer assisted web interviewing, CAWI), acessíveis através
de mecanismos de acreditação individual segura das entidades respondentes. Em todos os países
participantes nesta primeira ronda de aplicação, o “Módulo” foi assumido como operação
complementar à edição de 2020 do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” (CVTS 6), tendo
cada país participante procedido à tradução e adaptação do respetivo questionário – contendo
questões “nucleares” e questões “opcionais” (ou “desejáveis”) – de acordo com os conteúdos
incluídos no questionário do CVTS 6 e, eventualmente, considerando interesses de pesquisa
específicos do país.

A utilização do “Inquérito à Formação Profissional Contínua” como “hospedeiro” do


“Módulo de Empregadores” do PIAAC determinou vários parâmetros da amostra de respondentes,
incluindo a unidade de observação (unidades legalmente estabelecidas), o ano de referência (2020),
os ramos de atividade cobertos (categorias B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, R e S da NACE,
Rev. 2 – ver abaixo), a natureza das entidades a inquirir (empresas do setor privado) e a sua dimensão
(empresas com dez ou mais pessoas ao serviço)5.

No caso português, a aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC decorreu no


segundo semestre de 2022 (formação no mês de julho, recolha de dados em setembro e outubro,
processamento e limpeza dos dados em novembro, envio para o INE em dezembro), tendo a
validação final e a entrega dos microdados à OCDE ocorrido no primeiro trimestre de 2023. Os
dados transmitidos à OCDE incluíram, para além da base de dados com os itens decorrentes das
respostas ao questionário, os elementos relativos à análise e ponderação da amostra e os metadados
do estudo.

A base amostral foi a mesma que havia sido usada na aplicação do “Inquérito à Formação
Profissional Contínua” (extração da amostra em setembro de 2021, formação em outubro do mesmo
ano, aplicação do questionário entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, processamento e limpeza

disponibilizadas pela PORDATA, extraídos do “Sistema de Contas Integradas das Empresas” publicado pelo
INE, e consultáveis em
https://www.pordata.pt/portugal/pequenas+e+medias+empresas+total+e+por+dimensao-2927-246760 e
https://www.pordata.pt/portugal/pessoal+ao+servico+nas+empresas+nao+financeiras+total+e+por+escalao+
de+pessoal+ao+servico-3005-252074, respetivamente).
5
Sobre a metodologia do CVTS 6 e a sua aplicação em Portugal, ver GEP-MTSSS (2021).
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

dos dados entre janeiro e junho, envio dos dados para o Eurostat em junho de 2022), tendo sido
solicitado às empresas respondentes que tomassem como período de referência para as respostas o
ano de 2020.

Responderam ao “Módulo de Empregadores” do PIAAC 3.419 empresas (de uma amostra


bruta de 6.583 empresas elegíveis, correspondentes a um universo estimado de 41.553 empresas). A
taxa de resposta foi de 51,9%. A Tabela 1A apresenta a dimensão da amostra e as taxas de resposta
obtidas, consideradas por dimensão da empresa (três grupos) e por ramo de atividade económica
(vinte grupos da NACE, Rev. 2). As Tabelas 1B e 1C simplificam a leitura destes dados.

Estima-se que o universo de mais de 41.500 empresas representado pela amostra mobilizada
no quadro da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC abranja perto de 2,3
milhões de trabalhadores. Deste universo de empresas, estima-se que cerca de três quartos (31.400)
tenham providenciado aos seus trabalhadores algum tipo de formação profissional contínua. O
número de trabalhadores empregados nas empresas que providenciaram algum tipo de formação
profissional contínua corresponderá a perto de 2,06 milhões (89,6% do universo de trabalhadores
representado), estimando-se em cerca de 980 mil (42,6%) o número daqueles que, no ano de
referência do estudo, participaram em cursos de formação profissional contínua 6.

6
Os dados apresentados constam dos ficheiros de metadados providenciados pelo GEP-MTSSS ao Grupo de
Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE. Os anexos do Manual do CVTS 6, nos quais é possível encontrar,
entre outras informações, as listas de identificação dos ramos de atividade económica utilizados na organização
e disponibilização pública dos dados, estão disponíveis em https://circabc.europa.eu/ui/group/d14c857a-601d-
438a-b878-4b4cebd0e10f/library/b2d54858-dedb-4a5a-a12d-e08ea0198b2a/details. De forma sucinta, os
códigos NACE 1 a 10 correspondem a empresas do setor da indústria (exceto construção), o código 11
corresponde a empresas da construção, os códigos 12 a 16 correspondem a empresas do comércio, transportes,
hotelaria e restauração, os códigos 17 a 19 correspondem a empresas dos ramos da informação e comunicação,
setor financeiro, seguros e atividades conexas e o código 20 corresponde a empresas de serviços diversos,
incluindo atividades do ramo imobiliário, atividades técnicas e científicas, artísticas, culturais e recreativas e
outras atividades de serviços.
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

Tabela 1A – Dimensão da amostra de empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do


PIAAC em Portugal e taxas de resposta obtidas, por dimensão da empresa (três grandes grupos) e
ramo de atividade económica (os vinte grupos da NACE, Rev. 2 considerados).

Fonte: Elaboração própria (a partir dos metadados do estudo fornecidos pelo


GEP-MTSSS ao Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE).

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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

Tabela 1B – Amostra de empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC em


Portugal, por dimensão da empresa (três grandes grupos).

Fonte: Elaboração própria (a partir dos metadados do estudo fornecidos pelo


GEP-MTSSS ao Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE).

Tabela 1C – Amostra de empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC em


Portugal, por setor de atividade económica (cinco agrupamentos de ramos de atividade da NACE,
Rev. 2).

Fonte: Elaboração própria (a partir dos metadados do estudo fornecidos pelo


GEP-MTSSS ao Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE).
Nota: O setor I corresponde aos códigos NACE 1-10, o setor II corresponde ao
código NACE 11, o setor III corresponde aos códigos NACE 12-16, o setor IV
corresponde aos códigos NACE 17-19 e o setor V corresponde ao código NACE
20.

4. O “Módulo de Empregadores” do PIAAC e o estudo das demandas por


competências nas empresas: resultados preliminares e pistas de
investigação
A disponibilização dos dados do “Módulo de Empregadores” do PIAAC abre portas ao
desenvolvimento de investigação relevante – de contornos inéditos em Portugal – sobre perfis
empresariais, procura de competências e práticas de recrutamento e formação de trabalhadores, tal
como representadas e declaradas pelos responsáveis das entidades empregadoras. Não obstante o
seu caráter parcelar e provisório, as análises avançadas nesta secção do presente artigo, que se
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

baseiam na mobilização de indicadores estatísticos apreciados de forma preliminar e descritiva, dão


conta de alguns dos caminhos que tal investigação poderá percorrer, apoiada em informação recente
e confiável obtida diretamente junto de uma amostra alargada de empresas de diferentes ramos de
atividade sediadas no país7.

Procurando detalhar aspetos relativos ao perfil da amostra de empresas inquiridas, no que nele
se refere à provisão de formação profissional, os dados disponibilizados na Tabela 2 dão conta de
diferenças importantes na proporção de empresas que promoveram alguma forma de formação
profissional contínua (FPC), quando tal tópico é apreciado à luz da dimensão da entidade inquirida
(medida em número de trabalhadores). Assim, se a percentagem de empresas que declarou
providenciar alguma forma de FPC ultrapassa, no total de empresas inquiridas, 75%, estima-se que
esse valor baixe para 72,2% quando consideradas apenas as empresas com entre 10 e 49
trabalhadores, sendo nas empresas com entre 50 e 249 trabalhadores e, sobretudo, nas empresas com
250 ou mais trabalhadores que mais incidente se revela a provisão de alguma forma de FPC
(respetivamente, 91,7% e 98,7% do total de empresas nestas categorias).

Este padrão encontra correspondência quer nos valores relativos à provisão de cursos de FPC,
que são promovidos por menos de metade das entidades empregadoras com entre 10 e 49
trabalhadores, valor que contrasta com os 82,3% e os 93,9% observados nos casos das empresas das
categorias de dimensão intermédia e superior, quer no volume de trabalhadores envolvidos nestes
cursos, que ascende a 56,5% do total de trabalhadores nas empresas de maior dimensão, ficando-se
pelos 25,5% nas empresas mais pequenas consideradas no estudo (45,1% do total de trabalhadores
nas empresas com entre 50 e 249 empregados). O padrão é também observável nos dados relativos
à provisão estimada de formação profissional inicial (FPI), ainda que, neste caso, com menores
distâncias entre as diferentes categorias de dimensionamento das empresas: ela é oferecida em 17,8%
das empresas com entre 10 e 49 trabalhadores, 21,2% das empresas com entre 50 e 249 trabalhadores
e 20,3% das empresas com 250 ou mais trabalhadores (a média global cifra-se, neste indicador, nos
18,3%).

Ao olhar-se a amostra do ponto de vista já não da dimensão das empresas, medida em número
de trabalhadores, mas do setor de atividade em que as empresas inquiridas atuam, é possível verificar
diferenças igualmente importantes. Os setores que incluem quer as atividades tecnológicas,
financeiras e de seguros, quer as atividades técnico-científicas, artísticas, culturais e recreativas e as
atividades de apoio aos serviços são aqueles que apresentam as proporções mais elevadas de
çççççççç

7
Vários dos elementos discutidos na presente secção deste texto foram apresentados em primeira mão pelos
autores numa sessão de trabalho promovida em julho de 2023, na Escola Superior de Educação do Politécnico
do Porto, pelo inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação, no âmbito do Fórum inED ’23.
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

provisão de algum tipo de FPC pelas empresas (91,1% e 86,8% das empresas fazem-no), no que
contrastam com o setor da construção, cujo valor estimado de provisão de alguma forma de FPC
pelas empresas respetivas está situado abaixo da média geral (é aqui de 68,1%). Não obstante as
prováveis assimetrias internas – trata-se de agrupamentos de ramos de atividade económica muito
amplos e heterogéneos –, os setores da indústria (exceto construção) e do comércio, transportes,
hotelaria e restauração apresentam, para todos os indicadores considerados na Tabela 2, valores
relativamente alinhados com as médias gerais registadas.

Tabela 2 – Provisão de FPC e FPI nas empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do


PIAAC em Portugal (proporções estimadas), em 2020.

Fonte: Elaboração própria (a partir dos metadados do estudo fornecidos pelo


GEP-MTSSS ao Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE).
Nota: FPC – Formação Profissional Contínua (CVT, na sigla em língua inglesa);
FPI – Formação Profissional Inicial (IVT, na sigla em língua inglesa).

Quando questionados sobre o perfil de competências dos trabalhadores e sobre eventuais


desequilíbrios em matéria de competências observados nas respetivas organizações, os responsáveis
das empresas participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC declararam maioritariamente
não existirem nas suas equipas quaisquer trabalhadores sem as competências consideradas
“adequadas”. Com efeito, para 57,3% dos empregadores inquiridos, não se registavam hiatos de
competências: “nenhum” dos trabalhadores ao serviço nas organizações deste grupo de respondentes
desempenhava funções sem as competências consideradas adequadas no momento da inquirição.
Mais de um terço, porém, identificava-os (37,4%), havendo um pequeno número de inquiridos
(5,3%) que não sabia se existiam ou não hiatos de competências nas respetivas organizações. Dos
çç
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

inquiridos que identificaram desequilíbrios em matéria de competências nas suas empresas, 23%
declararam serem “poucos” os trabalhadores com competências desadequadas, 10,5% declararam
serem “alguns” os trabalhadores com estas características e apenas 3,9% consideraram estarem nesta
condição “a maioria” ou “todos” os trabalhadores por si empregados (Gráfico 1). Ficará para
momento ulterior de análise destes dados a apreciação deste tópico – certamente iluminadora de
importantes nuances empíricas e analíticas – realizada em função da dimensão das empresas, dos
respetivos ramos de atividade e de outras variáveis relevantes.

Gráfico 1 – Proporção de trabalhadores empregados nas empresas sem as competências


adequadas, de acordo com os empregadores participantes no “Módulo” do PIAAC, em 2020.

Fonte: Elaboração própria (a partir dos dados do “Módulo de Empregadores”,


PIAAC/Portugal).

Quanto a domínios considerados lacunares em matéria de competências (situações de


underskilling), os empregadores inquiridos que reportaram a existência de desequilíbrios deste tipo
nas suas organizações tenderam a referir lacunas de competências de âmbito técnico ou prático
(competências específicas), registando-se também proporções relevantes de empregadores que
apontaram lacunas de competências ao nível das chamadas competências transversais (ou soft
skills), incluindo competências de trabalho em equipa ou competências de resolução de problemas.
A Tabela 3 apresenta os cinco principais domínios identificados pelos empregadores quando
questionados sobre os tipos de competências que maiores necessidades de melhoria impunham à
data da inquirição.
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

Tabela 3 – Domínios revelando necessidades de melhoria de competências (cinco domínios


percentualmente mais indicados pelos empregadores participantes no “Módulo” do PIAAC), em
2020.

Fonte: Elaboração própria (a partir dos dados do “Módulo de Empregadores”,


PIAAC/Portugal).

Visando ou não a resposta a desequilíbrios de competências identificados pelos empregadores,


o desenvolvimento de respostas formativas é, como aliás acima evidenciado, apanágio de uma clara
maioria das empresas inquiridas. Considerando todas as formas de que pode revestir-se a resposta
formativa das empresas – quer ao nível da FPC, quer ao nível da FPI –, verificou-se que menos de
20% das empresas não desenvolveram quaisquer atividades de formação no ano de 2020. De acordo
com as respostas dos participantes no “Módulo de Empregadores” do PIAAC, uma proporção
bastante equilibrada de empresas (rondando 14% do total) promoveu uma, duas, três, quatro ou cinco
atividades de formação em 2020, com uma minoria de organizações (menos de 10%) a declarar a
realização de mais de cinco atividades deste tipo (Gráfico 2).

De entre as modalidades de formação disponíveis que foram identificadas como mais


relevantes pelos responsáveis das empresas inquiridas, destaca-se a opção pela “formação on-the-
job” (promovida por 65% das entidades auscultadas que promoveram formação), seguindo-se a
promoção de “cursos de formação externos” (por 56,7% das empresas) e a promoção de “cursos de
formação internos” (por 49,3% das empresas). A participação em seminários, encontros, palestras e
atividades afins e o desenvolvimento de atividades de autoformação orientada (em regime presencial
ou em regime de e-learning) foram também práticas relevantes num número considerável de
empresas, no ano de 2020 (Tabela 4).

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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

Gráfico 2 – Proporção de empresas com atividades de formação (de todo o tipo), por número de
atividades de formação promovidas, de acordo com os empregadores participantes no “Módulo”
do PIAAC, em 2020.

Fonte: Elaboração própria (a partir dos dados do “Módulo de Empregadores”,


PIAAC/Portugal).

Tabela 4 – Modalidades de formação promovidas pelas empresas inquiridas (percentagem de


empregadores participantes no “Módulo” do PIAAC que declarou ter promovido a modalidade),
em 2020.

Fonte: Elaboração própria (a partir dos dados do “Módulo de Empregadores”,


PIAAC/Portugal).

No plano do recrutamento e retenção de pessoal, quase metade dos empregadores que


participaram no “Módulo” do PIAAC (45,5%) declarou ter tido dificuldade na manutenção/retenção
de trabalhadores no ano de referência do estudo. Não se sabendo se esta proporção de respostas foi
afetada ou não pelas vicissitudes decorrentes da manifestação, precisamente no ano em causa, 2020,
da pandemia da COVID-19, ela dá conta de um significativo desafio com que presentemente
parecem confrontar-se muitas empresas sediadas em Portugal. Mais uma vez, a apreciação destes
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
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dados à luz de variáveis como a dimensão da empresa ou o respetivo ramo de atividade económica
trará ao conhecimento deste assunto elementos analíticos seguramente novos e muito relevantes.

No que respeita às dificuldades de recrutamento registadas, as empresas inquiridas que


dinamizaram iniciativas de angariação de novos trabalhadores evidenciaram sobretudo dificuldades
relacionadas com a “ausência” ou “escassez” de candidatos (em especial, no caso de preenchimento
de lugares correspondentes a tarefas exigindo qualificação profissional formal – 40,4% das empresas
– e no caso de preenchimento de lugares sem exigências em matéria de qualificação profissional
formal ou diploma de ensino superior – 37,1% das empresas respondentes).

A proporção de empregadores que declarou ter tido dificuldade em recrutar trabalhadores em


virtude da inadequação das competências apresentadas pelos candidatos foi reduzida: 9,8% no
subgrupo de recrutamentos para tarefas exigindo qualificação profissional formal; 4,9% no subgrupo
de recrutamentos para tarefas exigindo diploma de nível superior; 4,5% no subgrupo de
recrutamentos para tarefas que não exigiam qualificação profissional formal nem diploma de ensino
superior. Entre um quarto e um terço das empresas inquiridas não registou dificuldades de
recrutamento nestes diferentes subgrupos de qualificações/competências requeridas, e em 20 a 30%
dos casos não se registaram quaisquer recrutamentos. Vale a pena notar que a proporção de empresas
que não recrutou ou que, tendo recrutado, não registou dificuldades de recrutamento foi sempre mais
baixa no subgrupo dos postos correspondentes a tarefas exigindo qualificação profissional formal –
significando, portanto, uma procura relativa ligeiramente maior, no período de referência, por
trabalhadores e por qualificações/competências deste tipo (Tabela 5).

Tabela 5 – Dificuldades de recrutamento das empresas, por tipo de requisitos de


qualificações/competências dos postos de trabalho, de acordo com os empregadores participantes
no “Módulo” do PIAAC), em 2020.

Fonte: Elaboração própria (a partir dos dados do “Módulo de Empregadores”,


PIAAC/Portugal).

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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
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Como a aproximação sucinta, preliminar e descritiva a alguns resultados da aplicação do


“Módulo de Empregadores” do PIAAC proposta nas páginas precedentes indicia, a disponibilização
dos microdados deste estudo augura possibilidades de especificação empírica e analítica – e,
portanto, de construção de conhecimento científico suportado em dados fiáveis e robustos – de
tópicos com significativa atualidade e relevância, como os que dizem respeito, entre outros: à
presença de desequilíbrios e desfasamentos de competências nas empresas (que poderá ser apreciada
consoante a região, a dimensão da empresa, o ramo de atividade económica, etc.); às formas de que
se reveste a procura de competências pelos empregadores (tipos de qualificações e competências
demandados, dificuldades de angariação de competências, estratégias e práticas de recrutamento e
de retenção de força de trabalho); à provisão de formação pelas organizações (intensidade da
formação providenciada, modalidades de formação privilegiadas, novas apostas em matéria
formativa); ao impacto da mudança técnica e tecnológica nas empresas e na procura de competências
(mudanças na organização do trabalho, tendências de evolução dos perfis de competências
requeridos); ou às estratégias e práticas empresariais em matéria de gestão de recursos humanos8.

São tópicos com óbvia relevância económica, podendo os dados e as consequentes análises
suscitar apostas e ajustamentos em matéria de política empresarial e/ou setorial, mas são também
tópicos com inegáveis implicações societais, particularmente se os resultados dos estudos baseados
nos dados do “Módulo” puderem ser mobilizados no quadro de processos de conceção e
desenvolvimento de medidas de política pública – em âmbitos que podem ir da revisão e melhoria
dos sistemas de antecipação de necessidades de qualificação ao redesenho de programas e iniciativas
formativas em diversos setores e a diversas escalas, passando pela afinação dos propósitos,
conteúdos e públicos potenciais da oferta formativa financiada e a financiar, promovida e a
promover.

Referências bibliográficas
GEP-MTSSS (2021), Inquérito à Formação Profissional Contínua – Documento Metodológico
(Versão 3.1), Lisboa, GEP-MTSSS.

8
Para além da investigação centrada em Portugal que a disponibilização dos dados referentes a esta amostra
de mais de 3.400 empresas possibilita, os investigadores e equipas de investigação interessadas em trabalhar
os resultados do “Módulo de Empregadores” do PIAAC disporão ainda da oportunidade de analisar os dados
a uma escala europeia e comparada, através da confrontação do caso português com os restantes quatro casos
para os quais a primeira ronda de aplicação do “Módulo” obteve dados (Eslováquia, Hungria, Itália e Países
Baixos). Neste caso, os investigadores e equipas de investigação terão de aguardar pela disponibilização, por
parte da OCDE, dos ficheiros de utilização pública, que deverá acontecer apenas no final de 2024, mas o acesso
e a utilização dos dados referentes a Portugal podem já ser concretizados, bastando para tal uma solicitação
formal, através de registo e credenciação, junto do INE e do GEP/MTSSS.
86
QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87

MARCOLIN, L., & QUINTINI, G.(2023), “Measuring skill gaps in firms: the PIAAC Employer
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OECD (2021), The Assessment Frameworks for Cycle 2 of the Programme for the International
Assessment of Adult Competencies. Paris, OECD Publishing

João Queirós (autor para correspondência). Professor Adjunto da Escola Superior de Educação do
Politécnico do Porto. Investigador Integrado do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
Investigador Colaborador do inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação (ESE-
P.PORTO). Desde 2019, desempenha funções enquanto Subcoordenador do Grupo de Projeto do
PIAAC em Portugal. Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Via Panorâmica, s/n, 4150-
564 Porto, Portugal. E-mail: [email protected].

Luís Rothes. Professor Coordenador da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto.


Investigador Integrado do inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação (ESE-P.PORTO).
Desde 2019, desempenha funções enquanto Coordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em
Portugal. E-mail: [email protected].

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a5

Desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes


contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar
ou a mitigar a desigualdade na participação?1

Richard Desjardins
Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA)

Jungwon Kim
Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA)

Resumo
Os dados referentes aos últimos 20-30 anos indiciam que a participação em educação de adultos
(incluindo a participação motivada por razões de ordem profissional) tem observado, desde a década de
1990, uma tendência de crescimento significativo na maior parte dos países da OCDE, e em muitos
países da UE. Esta tendência de crescimento pode ser atribuída, em parte, ao crescente interesse dos
empregadores (dos setores privado, público e não governamental) em investir em educação dos adultos,
em razão dos benefícios substanciais que esta aporta. À medida que cresce o investimento dos
empregadores, a questão sobre quem recebe os apoios que por estes são providenciados para participar
em educação de adultos torna-se relevante, quer do ponto de vista da investigação, quer do ponto de
vista político, em especial porque a desigualdade na participação pode intensificar vários outros tipos
de desigualdades. O propósito deste artigo é investigar se a tendência crescente para a participação em
educação de adultos suportada pelos empregadores está a exacerbar ou a mitigar o efeito Mateus em
diferentes países. O artigo providencia estimativas das mudanças nas probabilidades de participação em
88 88
1
Artigo traduzido do inglês por Bruno Peixe Dias e revisto por João Queirós. A tradução e publicação deste artigo
é feita com a permissão dos autores, ao abrigo de uma licença Creative Commons CC BY 4.0 Deed – Attribution
4.0 International (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/). O artigo original foi publicado no
Internationales Jahrbuch der Erwachsenenbildung/International Yearbook of Adult Education de 2023, dedicado
ao tema da participação educativa das pessoas adultas e organizado por Michael Schemmann [Desjardins, R., &
Kim, J. (2023). Inequality in adult education participation across national contexts: is growing employer support
exacerbating or mitigating inequality in participation?. In M. Schemmann (Hg.). Internationales Jahrbuch der
Erwachsenenbildung/International Yearbook of Adult Education (pp. 75-98). Wbv Publikation]. A tradução do
artigo beneficiou do apoio financeiro do inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação. Sociologia:
Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto agradece aos autores e aos organizadores da obra em
que este texto foi originalmente publicado a autorização de publicação da versão em lingua portuguesa deste
trabalho.
88
DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

educação de adultos suportada pelos empregadores, de acordo com diversas características individuais,
sociodemográficas e laborais dos adultos participantes, entre o período de 1994-1998 e 2013. Os
resultados da análise, que se baseia em dados do Programa Internacional para a Avaliação das
Competências dos Adultos (PIAAC), estudo da OCDE de 2013, e em dados do Inquérito Internacional
à Literacia dos Adultos (IALS), de 1994-1988, sugerem que o crescimento da educação de adultos
suportada pelos empregadores pode estar a desempenhar um papel na mitigação da desigualdade na
participação. A redução ao longo do tempo das diferenças na probabilidade de participação de
categorias sociais contrastantes associadas a várias características individuais, sociodemográficas e
laborais (por exemplo, mulheres comparadas com homens, pessoas com os mais baixos níveis de
escolaridade comparadas com pessoas com os mais elevados níveis de escolaridade) é interpretada
como uma redução das desigualdades na probabilidade de participação associada a essas categorias.
Investigação adicional recorrendo a bases de dados novas e atualizadas é, entretanto, necessária para
explorar se a tendência para o crescimento do apoio dos empregadores à educação de adultos está a
exacerbar ou, por outro lado, a mitigar a desigualdade na participação de adultos em atividades
educativas em diferentes países.
Palavras-chave: Participação em educação de adultos; desigualdade da educação de adultos; princípio
de Mateus; crescimento da educação de adultos; educação de adultos suportada pelos empregadores;
PIAAC; IALS.2

Inequality in adult education participation across national contexts: is growing employer support
exacerbating or mitigating inequality in participation?

Abstract
Over the span of 20–30 years, evidence suggests that participation in adult education (inclusive of
undertaking for job-related purposes) is on a significant upward trend since the 1990s in most OECD
and many EU countries. The upward trend may be attributed partly to the increasing interest by
employers (private, public, and non-governmental sectors) to invest in adult education due to its
substantial benefits. As employer investment grows, who gets employer support to participate in adult
education thus becomes an important research and policy question, particularly since inequality in
participation may exacerbate social inequalities of various kinds. The purpose of this article is to explore
whether the trend of increased participation in employer-supported adult education is exacerbating or
mitigating the Matthew effect across different countries. It provides estimates of the change in
probabilities of participation in employer supported adult education by various individual, socio-
demographic, and job-related characteristics associated with adults between the period of 1994–1998
and 2013. Results of the data analysis based on the 2013 OECD Programme for the International
Assessment of Adult Competencies (PIAAC) and the 1994–1998 International Adult Literacy Survey
(IALS) suggest that the growth of employer-supported adult education may be playing a role in
mitigating inequality in participation. Reduced differences over time in the probabilities of participation
between contrast categories associated with various individual, socio-demographic, and job-related
characteristics (e. g. women compared to men, lowest educated compared to highest educated, etc.) are
interpreted as reduced inequalities in the probability of participation associated with those contrast
categories. Further research on additional and updated datasets is warranted to explore the trend of
whether growing employer support for adult education is exacerbating or mitigating inequality in adult
education participation in different countries.
Keywords: Adult education participation; inequality of adult education; Matthew principle; growth of

2
Excecionalmente, foi permitida a mobilização de um resumo mais extenso e de um maior número de palavras-
chave do que os limites estabelecidos pela revista, de modo a garantir uma aproximação o mais fiel possível ao
artigo original.
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

adult education; employer-supported adult education; PIAAC; IALS.

Inégalités dans la participation à l’éducation des adultes selon les contextes nationaux : le soutien
croissant des employeurs exacerbe-t-il ou atténue-t-il les inégalités en matière de participation ?

Résumé
Les données relatives aux 20 à 30 dernières années indiquent que la participation à l’éducation des
adultes (y compris la participation motivée par des raisons professionnelles) a observé, depuis les années
1990, une tendance significative à la hausse dans la plupart des pays de l’OCDE et dans de nombreux
pays de l’UE. Cette tendance à la hausse peut être attribuée, en partie, à l'intérêt croissant des
employeurs (des secteurs privé, public et non gouvernemental) à investir dans l'éducation des adultes,
en raison des avantages substantiels qu'elle apporte. À mesure que les investissements des employeurs
augmentent, la question de savoir qui reçoit le soutien qu’ils apportent pour participer à l’éducation des
adultes devient pertinente, d’un point de vue aussi scientifique que politique, notamment parce que les
inégalités de participation peuvent intensifier des types divers d’inégalités. Le but de cet article est de
déterminer si la tendance croissante à la participation à des formations d’adultes financées par
l’employeur exacerbe ou atténue l’effet Mathieu dans des différents pays. L'article fournit des
estimations des changements dans les probabilités de participation des adultes à l'éducation soutenue
par l'employeur, en fonction de diverses caractéristiques individuelles, sociodémographiques et
professionnelles des adultes participants, entre la période 1994-1998 et 2013. Les résultats de l'analyse,
qui s'appuient sur les données du Programme international pour l'évaluation des compétences des
adultes (PIAAC), une étude de l'OCDE de 2013, et les données de l'Enquête internationale sur la
littératie des adultes (IALS), 1994-1988, suggèrent que la croissance de l'éducation des adultes soutenue
par les employeurs peut jouer un rôle important dans l’atténuation des inégalités en matière de
participation. La réduction, au fil du temps, des différences dans la probabilité de participation de
catégories sociales contrastées associées à des diverses caractéristiques individuelles,
sociodémographiques et professionnelles (par exemple, les femmes par rapport aux hommes, les
personnes ayant les niveaux d'éducation les plus bas par rapport aux personnes ayant les niveaux
d'éducation les plus élevés) est interprétée comme une réduction des inégalités dans la probabilité de
participation associées à ces catégories. Des recherches plus approfondies utilisant des bases de données
nouvelles et actualisées sont toutefois nécessaires pour déterminer si la tendance à la croissance du
soutien des employeurs à l’éducation des adultes exacerbe ou, à l’inverse, atténue les inégalités en
matière de participation des adultes à l’éducation, dans des différents pays.
Mots clés : Participation à l'éducation des adultes ; Inégalité dans l'éducation des adultes ; principe de
Matthieu ; croissance de l'éducation des adultes ; Éducation des adultes soutenue par l'employeur ;
PIAAC ; IALS.

Desigualdad en la participación en educación de adultos en distintos contextos nacionales: ¿el


creciente apoyo de los empleadores está exacerbando o mitigando la desigualdad en la
participación?

Resumen
En un lapso de 20 a 30 años, los datos sugieren que la participación en educación de adultos (incluidas
las emprendidas con fines relacionados con el empleo) está en una tendencia ascendente significativa
desde la década de 1990 en la mayoría de los países de la OCDE y en muchos países de la UE. La
tendencia ascendente puede atribuirse en parte al creciente interés de los empleadores (sectores privado,
público y no gubernamental) por invertir en educación de adultos debido a sus importantes beneficios.

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

A medida que crece la inversión de los empleadores, quién obtiene el apoyo de los empleadores para
participar en educación de adultos se convierte en una importante cuestión de investigación y también
en una importante cuestión política, particularmente porque la desigualdad en la participación puede
exacerbar desigualdades sociales de diversos tipos. El propósito de este artículo es explorar si la
tendencia a una mayor participación en la educación de adultos apoyada por los empleadores está
exacerbando o mitigando el efecto Mateo en diferentes países. El artículo proporciona estimaciones del
cambio en las probabilidades de participación en educación de adultos apoyada por el empleador según
diversas características individuales, sociodemográficas y relacionadas con el trabajo asociadas con los
adultos entre el período 1994-1998 y 2013. Los resultados del análisis de datos, basado en el Programa
para la Evaluación Internacional de las Competencias de los Adultos (PIAAC) de la OCDE, de 2013, y
la Encuesta Internacional sobre Alfabetización de Adultos (IALS), de 1994-1998, sugieren que el
crecimiento de la educación de adultos apoyada por los empleadores puede estar desempeñando un
papel en la mitigación de la desigualdad en la participación. Las diferencias reducidas a lo largo del
tiempo en las probabilidades de participación entre categorías de contraste asociadas con diversas
características individuales, sociodemográficas y relacionadas con el trabajo (por ejemplo, mujeres en
comparación con hombres, menor nivel educativo en comparación con mayor nivel educativo, etc.) se
interpretan como una reducción de las desigualdades en la probabilidad de participación asociada con
esas categorías de contraste. Se justifica realizar más investigaciones sobre conjuntos de datos
adicionales y actualizados para explorar la tendencia de si el creciente apoyo de los empleadores a la
educación de adultos está exacerbando o mitigando la desigualdad en la participación en educación de
adultos en diferentes países.
Palabras clave: Participación en educación de adultos; Desigualdad en la educación de adultos; Efecto
Mateo; Crecimiento de la educación de adultos; Educación de adultos apoyada por el empleador;
PIAAC; IALS.

1. Introdução
Já nos anos 1990, Heckman et al. (1998) estimavam que a formação realizada nas empresas,
juntamente com outras modalidades de formação profissional, fosse responsável por mais de metade da
aquisição de capital humano ao longo da vida. Algumas análises realizadas desde então sugerem que
houve um crescimento na educação de adultos ao longo das últimas décadas (por exemplo, Desjardins,
2017; 2020); outras análises, realizadas em países específicos e centradas em períodos específicos,
sugerem, por seu turno, algum declínio (por exemplo, Mason, 2010). Choques económicos e sociais
como a pandemia da COVID-19 podem, naturalmente, ter efeitos substanciais nos curto e médio prazos.
O mesmo pode acontecer com mudanças nos governos que acarretem alterações significativas das
prioridades políticas e orçamentais. No período dos últimos 20-30 anos, contudo, os dados parecem
indiciar uma tendência geral de crescimento da educação de adultos, observável desde os anos 1990 nos
países da OCDE e da UE para os quais existem dados disponíveis.

Vale a pena definir, à partida, aquilo que, considerando os propósitos deste artigo, deve entender-
se por educação de adultos, nomeadamente no que respeita à sua relação com o mundo do trabalho e
com a formação profissional. As abordagens à definição e delineação da educação de adultos podem
variar consideravelmente de país para país. Nalguns círculos, a educação de adultos é tratada como algo
distinto ou diferente da formação profissional, mas esta distinção pode ser problemática.
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Antes de mais, não é fácil distinguir claramente as motivações e os objetivos que estão por detrás
da decisão de entrar num processo de aprendizagem, seja de que tipo for, nem quais podem ser as
respetivas implicações. Isto é, o impacto que a aprendizagem num setor ou com um objetivo específico
tem noutros setores e noutros objetivos (por exemplo, educação de adultos para a democracia e a
sociedade civil versus motivos profissionais) representa algo complexo. Por exemplo, a aprendizagem
direcionada para a aquisição de competências básicas ou para a participação em atividades na sociedade
civil que envolvem relações sociais e experiências em contexto pode estar relacionada com o
desenvolvimento de competências relevantes para o mundo do trabalho.

Para além disso, os adultos participam em diversas formas de aprendizagem por razões
profissionais, e os empregadores apoiam diversas formas de aprendizagem, incluindo qualificações
formais no sistema regular de ensino, e nalguns casos esse apoio estende-se à aprendizagem realizada
por motivos não relacionados com o emprego (Desjardins, 2020, Fig. 2.7). Por isso, é essencial assinalar
que a aprendizagem organizada de adultos que está relacionada com o emprego e/ou é suportada pelo
empregador não pode ser reduzida ao conceito de formação profissional. Com efeito, ela pode envolver
educação de adultos formal e não formal, incluindo programas de aquisição de competências básicas,
educação compensatória ou de segunda oportunidade, ensino superior para estudantes mais velhos, bem
como formas de educação popular de adultos. Neste sentido, o conceito de educação de adultos utilizado
neste artigo refere-se à formação profissional, realizada ou não em contexto laboral, mas também às
outras formas de educação de adultos.

A tendência para o crescimento da participação em educação de adultos (definida de modo lato)


desde a década de 1990 pode ser atribuída em parte ao interesse crescente dos empregadores (nos setores
privado, público e não governamental) em investir em educação de adultos, devido aos benefícios
substanciais que esta aporta. Lerman (2015), por exemplo, documentou os seus impactos positivos, tais
como o aumento da produtividade na indústria e a inovação, o aumento dos salários e os benefícios
fiscais que resultam do investimento continuado em aprendizagem. À medida que cresce o investimento
dos empregadores, a questão sobre quem beneficia do apoio dos empregadores para participar em
educação de adultos torna-se uma questão relevante quer do ponto de vista político, quer do ponto de
vista da investigação. Uma das hipóteses levantadas é a de que o crescimento da participação em
educação de adultos financiada pelos empregadores pode resultar num exacerbamento das
desigualdades na participação. Esta ideia decorre da assunção de que o comportamento dos
empregadores é, em geral, o da procura dos benefícios sobre os custos (Becker, 1964), o que se
traduziria numa participação seletiva na formação apoiada pelos empregadores. Por exemplo, os adultos
com níveis de escolaridade mais elevados tendem a ser percebidos pelos empregadores como sendo
mais competentes, tendendo, portanto, a ser selecionados para a participação em ações de
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
lllllllllllllllllllll
desenvolvimento de competências avançadas, com vista a aumentar a produtividade (Ci et al., 2015).
Dado que a educação de adultos tem sido associada a vários benefícios económicos e não-económicos
(ver, por exemplo, Ruhose et al., 2019), o crescimento da desigualdade em matéria de participação em
educação de adultos contribuiria para intensificar vários tipos de desigualdades sociais.

Este artigo providencia estimativas das mudanças nas probabilidades de participação em


educação de adultos suportada pelos empregadores, de acordo com diversas características individuais,
sociodemográficas e laborais dos adultos participantes, desde a década de 1990, de modo a aferir o
impacto, ao longo do tempo, das mudanças na desigualdade da participação educativa dos adultos. O
objetivo é analisar as hipóteses que podem ser avançadas quanto ao impacto do crescente apoio dos
empregadores à educação de adultos, isto é, se este apoio está a exacerbar ou, pelo contrário, a mitigar
a desigualdade na participação em educação de adultos. Como referido, é esperado que o crescimento
da participação em educação de adultos suportada pelos empregadores exacerbe a desigualdade na
participação. As desigualdades de participação são verificadas com base nas diferenças de
probabilidade de participação de categorias sociais contrastantes constituídas a partir de diversas
características individuais, sociodemográficas e laborais relevantes (por exemplo, mulheres comparadas
com homens, pessoas com baixos níveis de escolaridade comparadas com pessoas com níveis mais
elevados de escolaridade, etc.). Por exemplo, reduções das diferenças entre categorias contrastantes na
probabilidade de participação são interpretadas como desigualdades reduzidas na probabilidade de
participação associada a essas categorias contrastantes.

O artigo está organizado do seguinte modo. Primeiro, apresentamos um breve resumo da


investigação recente que se debruça sobre os padrões de desigualdade na participação em educação de
adultos. Este exercício inclui menção ao papel das desvantagens sociais e a alguns fatores macro,
institucionais, organizacionais e outros fatores estruturais que possam afetar os padrões de participação.
Em segundo lugar, debruçamo-nos sobre os dados e métodos utilizados para produzir as estimativas.
Estas decorrem de uma análise que mobiliza os resultados do Programa Internacional para a Avaliação
das Competências dos Adultos (PIAAC), estudo da OCDE de 2013, e do Inquérito Internacional à
Literacia dos Adultos (IALS), de 1994-1998. Doze países foram incluídos na análise, nomeadamente:
Bélgica, República Checa, Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Polónia,
Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Um pequeno número de outros países participou em ambos os
estudos, mas, devido a restrições no acesso aos dados e/ou a questões de comparabilidade, os respetivos
dados foram excluídos da análise (são os casos, por exemplo, da Austrália, Canadá e Alemanha). Em
terceiro lugar, o artigo discute os resultados, conferindo ênfase ao tópico das desigualdades na
participação em educação de adultos, perspetivado de acordo com vários fatores individuais,
sociodemográficos e laborais e com as mudanças observáveis ao longo do período abrangido. Por
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
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último, são tiradas algumas conclusões em relação às limitações do estudo realizado e às suas
implicações para a investigação futura.

2. Padrões de desigualdade na participação em educação de adultos


2.1. O papel da desvantagem social e do apoio dos empregadores

Existem padrões de desigualdade na participação em educação de adultos em vários países, que


são sobejamente conhecidos (ver, por exemplo, Desjardins et al., 2006). Boeren (2009, 2016, 2017)
reflete sobre estes padrões recorrendo à noção de “princípio de Mateus”, que visa dar conta da
observação comum de que são os adultos que já têm níveis altos de escolaridade e de competências, e
que têm empregos altamente qualificados, que tendem a participar mais em educação de adultos, e a ter
mais hipóteses de receber apoio da parte dos respetivos empregadores. Mais recentemente, na sua
análise sobre educação de adultos e desigualdade socioeconómica, Kosyakova e Bills (2021)
confirmaram que “…o efeito Mateus é ubíquo no mundo da educação dos adultos” (p. 10). Lee e
Desjardins (2019) chamam a atenção para a relação com a desigualdade de competências, tendo sido
descoberto que o nível de competências de um trabalhador está associado à sua probabilidade de
participação. Por exemplo, os adultos com baixos níveis de competências de literacia demonstram uma
probabilidade aproximada de participação de 0,3, que contrasta com uma probabilidade de
aproximadamente 0,74 para os adultos com os níveis mais altos de competências de literacia (OCDE,
2014). Indivíduos que precisam de melhorar as suas competências e conhecimentos profissionais têm,
pois, menos probabilidades de aproveitar oportunidades de educação de adultos, o que leva a um
aprofundamento das desigualdades, em desfavor dos trabalhadores pouco qualificados, no mercado de
trabalho (Boeren, 2009).

Como já foi referido, uma das razões para a preponderância do efeito Mateus, particularmente no
que se refere ao papel da educação de adultos suportada pelos empregadores, é o pressuposto relativo
ao comportamento geral dos empregadores no sentido da maximização dos benefícios sobre os custos
(Becker, 1964). Com base nesta assunção, a atribuição de apoios à formação por parte dos empregadores
será provavelmente seletiva e menos favorável para os adultos que apresentem uma série de
características individuais, sociodemográficas e profissionais desfavorecidas. Vignoles et al. (2004),
por exemplo, encontraram dados que sugerem que os empregadores dirigem o seu apoio precisamente
para os trabalhadores que têm mais probabilidade de beneficiar com a educação de adultos.

2.2. Fatores estruturais que afetam a desigualdade de participação

Ao nível macro, institucional e organizacional, a investigação realizada aponta para que fatores

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

estruturais possam ser importantes para mitigar ou, pelo contrário, para exacerbar as desigualdades de
participação. Para um apanhado recente sobre o papel desempenhado pelos sistemas educativos, o
Estado social e os sistemas de emprego, ver Kosyakova e Bills (2021).

Vale a pena assinalar que também foi sugerido que as características sistemáticas que refletem a
intervenção governamental nos domínios da educação, aprendizagem ao longo da vida e políticas ativas
de emprego desempenham um papel importante na redução das desigualdades de participação (ver, por
exemplo, Groenez et al., 2008; Desjardins e Ioannidou, 2020). Por exemplo, a análise de Roosma e Saar
(2016) confirma a importância de incluir na análise fatores estruturais e institucionais, para além das
características dos indivíduos, para explicar as barreiras à participação em educação de adultos. De
forma semelhante, Cabus et al. (2020) avançaram com a proposta de um modelo para explicar a
variabilidade da participação em educação de adultos entre países, com ênfase nos adultos empregados,
incluindo subgrupos vulneráveis, como os trabalhadores pouco qualificados, os jovens e os imigrantes.
Tomando em consideração as características dos empregadores, bem como as características sistémicas,
eles sugerem que os empregados participam com maior frequência em educação de adultos quando esta
é apoiada pelos empregadores. Também foi concluído que os arranjos institucionais a nível
organizacional e setorial afetam a probabilidade e a magnitude do investimento feito pelos
empregadores em formação contínua para trabalhadores pouco qualificados, na Alemanha (ver
Wotschack, 2020). Wotschack sugere que o papel da representação dos empregados, as práticas
formalizadas de RH e a cobertura em matéria de negociação coletiva podem beneficiar os trabalhadores
menos qualificados, e ter, portanto, um impacto nas possibilidades de participação em educação de
adultos.

Em termos de visão de conjunto, esta investigação sugere que o alcance e a distribuição da


educação de adultos (incluindo a desigualdade) em cada país ou contexto são provavelmente
impulsionadas por características institucionais específicas, e por políticas específicas, que estão
relacionadas com a oferta, adesão e distribuição da aprendizagem organizada e direcionada para os
adultos. Desjardins e Ioannidou (2020) discutem alguns dos fatores institucionais que promovem a
aprendizagem de adultos, nomeadamente, as estruturas educativas formais abertas, flexíveis e
permeáveis, combinadas com o apoio público à educação, especialmente às modalidades de segunda
oportunidade ligadas aos sistemas de qualificação formais. Discutem também o papel das políticas
ativas de emprego e a sua potencial eficácia quando ligadas a estruturas educativas abertas e flexíveis,
bem como a importância da definição do público-alvo, como acontece com o programa Basic
Competence in Working Life [Competência Básica na Vida Laboral], introduzido na Noruega em 2006,
e que envolve o apoio estatal para a provisão de educação básica no local de trabalho a trabalhadores
desfavorecidos (VOX, 2023).
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

3. Dados e método
3.1. Dados sobre tendências

A investigação sobre se a desigualdade na participação tem vindo a mudar ao longo do tempo, e


sobre as possíveis explicações para essa mudança, é escassa. Por outro lado, existem várias bases de
dados que podem possibilitar análises comparativas à escala internacional, tais como as que estão
associadas ao Inquérito à Educação e Formação de Adultos (IEFA), da UE, ao Inquérito ao Emprego,
também da UE, ou ao Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos
(PIAAC), da OCDE. Cada um destes estudos difere quanto à série cronológica ou ao número de painéis
transversais disponíveis. Para além disso, existem dados a nível nacional, de caráter longitudinal, que
permitem fazer este tipo de investigação (ver Zanazzi, 2018), embora não se prestem facilmente a uma
análise comparativa dos fatores estruturais que podem ter impacto na desigualdade na participação. A
Tabela 1 (discutida adiante) ajuda a mostrar as mudanças ao longo do tempo nas taxas de participação
em educação de adultos suportada pelos empregadores desde a década de 1990.

3.2. Dados utilizados na análise


Os dados apresentados na Tabela 1 e analisados neste artigo provêm das bases de dados do 1.º
Ciclo do PIAAC, de 2013, bem como do IALS, de 1994-1998. Análises idênticas podem ser
consideradas usando os três painéis transversais do Inquérito à Educação e Formação de Adultos da UE
(2007, 2011, 2016), e um quarto agendado para 2022, mas esses são exercícios que terão que ficar para
investigações posteriores. Embora o Inquérito ao Emprego da UE providencie séries cronológicas para
vários países desde os anos 1990, não nos permite uma panorâmica sobre o apoio dos empregadores.
Uma vantagem de usar o estudo do PIAAC é que podem ser incluídos muitos países que não estão na
UE, embora, na presente análise, apenas os Estados Unidos da América se enquadrem nesta categoria.
As próximas bases de dados do PIAAC, de 2024, vão, entretanto, permitir uma atualização com mais
países, muitos dos quais irão ter então três momentos de observação, remontando o primeiro aos anos
1990.

O IALS foi um esforço de cooperação de grande escala envolvendo governos, agências nacionais
de estatística, instituições de investigação e agências multilaterais, desenvolvido no período entre 1994
e 1998 (para mais pormenores, ver OCDE e Statistics Canada, 2000). Quanto ao PIAAC, este é um
estudo posterior que faz o acompanhamento da mesma população e que tem os mesmos objetivos, tendo
utilizado, em grande medida, instrumentos de pesquisa e medição quase idênticos, e de natureza
comparável (para mais pormenores, ver OCDE, 2013a, 2013b). Trata-se de estudos transversais
baseados numa combinação única de metodologias de inquérito a agregados familiares (como no caso
96
DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

do Inquérito ao Emprego) e métodos de avaliação direta das competências. Ambos os estudos foram
concebidos principalmente como avaliações comparativas internacionais da proficiência em literacia,
que foram administradas a amostras nacionais representativas de adultos com idades compreendidas
entre os 16 e os 65 anos (amostras de grandes dimensões que variam entre 2.000 e 5.000 casos por país).
O IALS foi efetivamente o primeiro estudo comparativo internacional de larga escala sobre educação
de adultos alguma vez realizado, proporcionando uma referência-base para a medição da extensão e
distribuição da educação de adultos na década de 1990, num vasto leque de países da OCDE.

Da mesma forma, o PIAAC recolheu informações detalhadas sobre uma série de atividades de
educação e formação realizadas por adultos nos 12 meses anteriores à entrevista, incluindo programas
de educação formal e outras atividades de educação não formal, como workshops, seminários, formação
no local de trabalho, bem como cursos relacionados com lazer e participação cívica. Por conseguinte,
com ambos os conjuntos de dados, é possível avaliar empiricamente a extensão do crescimento da
educação de adultos desde a década de 1990, cruzando-a com diversas características individuais,
sociodemográficas e profissionais. Apenas os adultos com idades compreendidas entre os 26 e os 65
anos foram incluídos na análise, para evitar distorções associadas à presença de estudantes a tempo
inteiro e às variações observadas ao longo do tempo nos sistemas de transição juvenil.

3.3. Método

É utilizado um modelo logístico multivariado binário para estimar a desigualdade na participação


associada a várias características individuais, sociodemográficas e profissionais, a partir dos dados do
PIAAC (os resultados são apresentados na Tabela 2). Ver a nota relativa à Tabela 2 para pormenores
acerca das dimensões da amostra e das medidas de ajustamento.

O modelo multivariado proposto baseia-se na investigação de Boudard e Rubenson (2003), que


analisa as determinantes da educação de adultos a partir dos dados do IALS, dados que incluem a maior
parte das varáveis explicativas usadas nesta análise. Os fatores individuais e sociodemográficos
considerados no modelo que, por hipótese, afetam as probabilidades de participação são: género
(homem, mulher*)3, idade (21-40, 41-55, 56-65*), estatuto migratório e linguístico (nacional-língua
nativa, estrangeiro-língua nativa, nacional-língua estrangeira, estrangeiro-língua estrangeira*), nível de
escolaridade mais elevado (menos do que o ensino secundário*, ensino secundário, mais do que o ensino

3*
Refere-se à categoria de referência.
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

secundário)4, proficiência em literacia (Nível 2 ou inferior*, Nível 3 ou superior) 5 e nível de


escolaridade mais elevado obtido pelos pais (pelo menos um dos pais com mais do que o ensino
secundário, pelo menos um dos pais com o ensino secundário, ambos os pais com menos do que o
ensino secundário*)6. Os fatores profissionais considerados no modelo que, por hipótese, afetam as
probabilidades de participação são os seguintes: situação laboral (empregado, desempregado*), tipo de
profissão (qualificada, semiqualificada de colarinho branco, semiqualificada de colarinho azul,
elementar*), dimensão da empresa (micro 1-10*, pequena 11-50, média 51-250, grande 250+),
frequência e variedade de leitura no trabalho (pouca ou nenhuma leitura*, leitura frequente e variada),
rendimentos (quintil mais baixo, percentil 20-60, segundo quintil mais alto, quintil mais alto, sem
rendimentos*) e setor (privado*, público, ONG). Os valores em falta para cada variável independente
são incluídos nos modelos de estimativa da regressão logística como categorias separadas, para evitar
o pressuposto de ausência aleatória, ou no caso dos valores que estão, por definição, ausentes, como é
o caso dos que não tinham rendimentos ou não liam no trabalho por não estarem empregados. Todos os
fatores são incluídos no mesmo modelo de regressão logística binária. A variável dependente é a
participação ou não em educação de adultos suportada pelo empregador.

Os rácios de probabilidades, juntamente com as probabilidades não ajustadas (ou observadas),


são utilizados para estimar as probabilidades ajustadas, que são consideradas de mais simples
interpretação, e para comparação entre variáveis, e permitem estimar os tamanhos do efeito (EF). Este
último pode ser estimado como a diferença entre as probabilidades ajustadas entre duas categorias
contrastantes associadas a uma variável (por exemplo, a diferença nas probabilidades ajustadas entre
homens e mulheres é um tamanho do efeito). Normalmente, as categorias contrastantes incluem a
categoria privilegiada mais pertinente que se aplica à maioria dos países versus a categoria mais
desfavorecida (esta é normalmente a categoria de referência, por definição). Resumir os resultados em
termos de tamanhos do efeito facilita a distinção da importância relativa das diferentes variáveis
explicativas e produz assim uma comparação fácil de interpretar entre as variáveis explicativas mais
importantes dos países. Embora o resumo e a interpretação dos resultados se baseiem na abordagem
acima referida, os tamanhos do efeito não são apresentados devido a limitações de espaço. As
probabilidades não ajustadas são definidas como as resultantes de distribuições bivariadas sem controlo
estatístico de outras variáveis. A fórmula utilizada para estimar as probabilidades associadas aos rácios

4
A Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED 1997) é utilizada para identificar a respetiva
categoria da seguinte forma: <ISCED3, ISCED 3 e >ISCED 3).
5
Ver OCDE (2013a, 2013b) para uma definição dos níveis de proficiência em literacia.
6
A Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED 1997) é utilizada para identificar a respetiva
categoria da seguinte forma: <ISCED3 (ambos), ISCED 3 (pelo menos um) e >ISCED 3 (pelo menos um).
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

de probabilidades é a seguinte: [[(p/(1-p)*rácio de probabilidades]/[1+(p/(1-p)*rácio de


probabilidades)]], em que p é a probabilidade não ajustada (ver Liberman, 2005).

Para determinar o impacto do crescimento do apoio dos empregadores na desigualdade na


participação em educação de adultos ao longo do tempo, julga-se suficiente considerar apenas as
mudanças ao longo do tempo nas probabilidades não ajustadas associadas a cada fator. A variável setor
só é disponibilizada nos dados do PIAAC; assim sendo, mudanças nas probabilidades não podem ser
analisadas para esta variável. A Tabela 3 resume as mudanças observadas no período entre 2013 e 1994-
1998. Todos os dados apresentados são baseados nos cálculos dos autores a partir dos dados
disponibilizados.

4. Resultados e discussão

4.1. Crescimento da educação de adultos em geral e da educação de adultos


suportada pelos empregadores

Como foi já mencionado, é observável uma tendência para a subida nas taxas de participação
em educação de adultos, tal como estas puderam ser medidas nos estudos do PIAAC de 2013 e do IALS
de 1994-1998, em quase todos os países que participaram em ambos os estudos. A Tabela 1 mostra as
taxas de crescimento da educação de adultos, em geral, e da educação de adultos suportada pelos
empregadores, para as populações com idades compreendidas entre os 26 e os 65 anos. Com poucas
exceções, estima-se que o crescimento na educação de adultos suportada pelos empregadores tenha
ultrapassado o crescimento na educação de adultos em geral, em quase todos os países.

Tal como foi mencionado no início deste texto, há análises que, centradas em países e períodos
específicos, sugerem um certo declínio destas taxas (por exemplo, Mason, 2010; Green & Hanseke,
2019). Efeitos de base, o período de referência, a definição de participação (isto é, incidência ou
volume) e choques económicos ou mudanças significativas nas políticas podem resultar em perspetivas
empiricamente sustentadas sobre estas tendências que se revelam substancialmente diferentes umas das
outras.

Dado que a tendência apresentada na Tabela 1 é desenhada com base em apenas dois pontos
de recolha de informação, e dado que existem fontes de enviesamento potenciais, tais como formulações
ligeiramente diferentes das perguntas relevantes, foram efetuadas análises adicionais, utilizando o
Inquérito ao Emprego da UE, de modo a verificar a tendência para os países incluídos nesta análise
específica (sempre que possível) e ao longo do mesmo período, aproximadamente (ver Desjardins 2020,
Tabela 2.1). Esta última análise baseia-se em dados recolhidos anualmente, em múltiplos momentos e
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

a partir da mesma pergunta. Embora existam diferenças entre os dois conjuntos de estimativas, como
as que resultam do facto de as taxas de participação medidas pelo Inquérito ao Emprego da UE
assumirem um período de referência de 4 semanas, contra as 52 semanas consideradas no IALS e no
PIAAC, e do facto de os anos de referência não serem idênticos, a tendência ao longo do tempo coincide
em quase todos os casos nas duas fontes, o que reforça a interpretação da tendência observável entre o
IALS e o PIAAC.

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos
empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Tabela 1: Crescimento da educação de adultos, em geral, e da educação de adultos suportada pelos empregadores, desde a década de 1990.

Fonte: Cálculos próprios com base nos dados do PIAAC 2013 e do IALS 1994-1998.

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

4.2 Desigualdade na participação de acordo com fatores individuais,


sociodemográficos e profissionais
O crescimento geral da educação de adultos parece ser impulsionado pelo apoio dos
empregadores, pelo que é importante determinar se este crescimento se concentra apenas em certos
tipos de empregos ou em trabalhadores com determinadas características. Por outras palavras, saber
quem recebe o apoio dos empregadores e quem não o recebe torna-se uma questão importante. Isto
deve-se ao facto de, possivelmente, nem todos os setores da economia investirem igualmente na
educação de adultos e de, possivelmente, nem todos os trabalhadores terem a mesma possibilidade de
receber apoio dos seus empregadores, o que potencia o risco de exacerbamento da desigualdade social
e de marginalização de vastos segmentos da população. A Tabela 2 apresenta as probabilidades
ajustadas de participar em educação de adultos suportada pelo empregador, de acordo com o leque de
fatores individuais, sociodemográficos e profissionais (juntamente com cada característica associada a
cada fator) incluído na análise.

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos
empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Tabela 2: Probabilidades ajustadas de participação em educação de adultos suportada pelo empregador, por características individuais, sociodemográficas e
profissionais, PIAAC 2013.

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos
empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos
empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Fonte: Cálculos próprios a partir do PIAAC 2013.


Nota: Todas as variáveis da Tabela 2a e 2b foram incluídas no mesmo modelo. Os R-quadrados de Cox & Snell são os seguintes: BE (.301); CZ (.275); DK (.345); FI (.344);
IE (.31); IT (.184); NL (.334); NO (.278); PL (.265); SE (.291); UK (.347); US (.306). As dimensões das amostras são as seguintes: BE (4388); CZ (4486); DK (6166); FI
(4480); IE (5129); IT (4034); NL (4202); NO (4058); PL (4246); SE (3554); UK (7523); US (4074)

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Os fatores que mais afetam a probabilidade de participar em educação de adultos suportada


pelo empregador variam de país para país, mas podem ser feitas algumas observações gerais, como as
que se seguem.

Em primeiro lugar, os fatores profissionais são tipicamente mais importantes do que os fatores
individuais e sociodemográficos na previsão da probabilidade de receber apoio. Dos 10 fatores mais
importantes na predição do apoio dos empregadores, apenas um ou dois tendem a estar associados a
fatores individuais (ou sociodemográficos) nos diversos países, sendo que, nalguns casos, não está
presente no grupo dos fatores preditores mais importantes um único fator deste tipo. Mais
concretamente, são os trabalhadores que estão em empregos com salários mais elevados, em empresas
maiores, que são mais qualificados, cujo emprego exige mais leitura ou que trabalham no setor público
ou não governamental aqueles que estão associados às probabilidades mais altas de receber apoio do
empregador. Pelo contrário, os trabalhadores com menos probabilidade de receber apoio são os que se
encontram nos empregos mais mal remunerados, em empregos de colarinho azul ou de tipo elementar
e cujo desempenho exige pouca ou nenhuma leitura.

Em segundo lugar, o fator individual e sociodemográfico que tende a assumir maior


importância é o nível de escolaridade. Trabalhadores com nível de escolaridade mais alto,
independentemente de outros fatores, tendem a apresentar uma probabilidade relativamente mais alta
de receber apoio do empregador. Mas a ordem de relevância dos fatores sociodemográficos mais
importantes varia de país para país.

É importante referir que o nível de escolaridade atingido pelos pais é também um preditor
individual e sociodemográfico relevante (enquanto proxy do estatuto socioeconómico), mas a sua
relevância não está presente em todos os países. Efetivamente, ter pelo menos a mãe ou o pai com mais
do que o ensino secundário constitui um preditor mais importante do recebimento de apoio da parte do
empregador do que o nível de educação do próprio nos seguintes países: Itália, Polónia, República
Checa, Irlanda, Estados Unidos da América e Finlândia. Mas na Dinamarca, Suécia e nos Países Baixos
verifica-se o contrário: ter ambos os pais nos níveis de educação mais baixos é um melhor preditor, o
que indicia que a educação de adultos desempenha nesses países um papel importante na mitigação da
transmissão intergeracional das desvantagens sociais.

Um alto nível de proficiência em literacia constitui também uma variável explicativa


importante em quase todos os países, exceto na Dinamarca, na Suécia e nos Países Baixos – os mesmos
países onde o estatuto socioeconómico parece ter um papel menos importante. Na Suécia e nos Países
Baixos, efetivamente, ter um nível de proficiência mais baixo é, depois de ajustado para o nível de
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

escolaridade, um preditor mais importante do recebimento de apoio por parte do empregador, o que
sugere que os trabalhadores com baixo nível de proficiência são de facto escolhidos para receber apoio,
quer tenham níveis de escolaridade elevados ou reduzidos.

A idade tem alguma importância, mas o padrão varia conforme o país. Os trabalhadores em
início de carreira (idade compreendida entre os 26 e os 40 anos) têm uma probabilidade mais alta de
receber apoio dos empregadores, sobretudo nos países nórdicos, nos Países Baixos e na Bélgica. Isto
também se verifica na República Checa e na Polónia. Mas o padrão inverte-se nos EUA, no Reino
Unido e em Itália, onde são os trabalhadores que estão na fase intermédia da carreira (com idades
compreendidas entre os 41 e os 55 anos) que têm uma probabilidade mais alta de receber apoio dos
empregadores.

4.3. O impacto do crescimento do apoio dos empregadores na desigualdade


na participação
Os resultados acima discutidos basearam-se numa análise multivariada dos dados do PIAAC de
2013. O objetivo era distinguir a importância relativa dos diferentes fatores considerados em termos da
sua relação com o recebimento de apoio por parte dos empregadores para a participação em educação
de adultos. Os fatores mais importantes foram evidenciados pela amplitude da desigualdade associada
às categorias contrastantes de cada fator incluídas na análise (por exemplo, mais escolarizados versus
menos escolarizados, homens versus mulheres). A presente secção centra-se nas mudanças nas
probabilidades de participação em educação de adultos suportada pelos empregadores desde os anos
1990, por características contrastantes selecionadas para cada fator individual, sociodemográfico e
profissional. O propósito da análise é determinar se o crescimento na educação de adultos suportada
pelos empregadores desde os anos 1990 exacerbou ou, pelo contrário, mitigou a desigualdade no
recebimento de apoio para participar em educação de adultos entre as categorias contrastantes de cada
fator. A Tabela 3 sintetiza os resultados obtidos.

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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Tabela 3: Probabilidades não ajustadas de participação em educação de adultos suportada pelos empregadores, por características contrastantes selecionadas
para cada fator individual, sociodemográfico e profissional, e crescimento anualizado entre o PIAAC de 2013 e o IALS de 1994-1998.

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos
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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Fonte: Cálculos próprios a partir dos dados do PIAAC 2013 e do IALS 1994-1998.
Notas: As células sombreadas refletem uma redução estatisticamente significativa (p<.05) da desigualdade na participação entre os dois grupos contrastantes.

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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Com poucas exceções, é possível constatar a partir destes resultados que a educação de
adultos suportada pelos empregadores cresceu de forma substancial para quase todos os conjuntos
selecionados de características contrastantes para cada fator individual, socioeconómico e profissional
considerado na análise. Em muitos casos, as probabilidades de participar associadas a características
específicas mais do que duplicaram ou chegaram mesmo a triplicar, especialmente em países que
tiveram um crescimento geral maior, incluindo a Bélgica, a Irlanda e a Polónia. Na maioria dos casos,
o crescimento da educação de adultos apoiada pelos empregadores resultou num estreitamento das
diferenças nas probabilidades de participação (isto é, redução da desigualdade de participação) entre
os trabalhadores que estão nos empregos privilegiados versus aqueles que estão nos empregos
desfavorecidos em termos de rendimentos, qualificações e outras características, bem como no caso
dos indivíduos tradicionalmente privilegiados versus tradicionalmente desfavorecidos em
características sociodemográficas como o género, o nível de escolaridade, a pertença a uma minoria
ou o estatuto socioeconómico (indiciado pelo nível de escolaridade dos pais). Na maior parte dos
restantes casos, houve muito poucos casos a relevar crescimento da desigualdade entre as duas
categorias contrastantes.

O predomínio dos fatores profissionais na explicação da probabilidade de receber apoio foi


examinado acima na análise multivariada que se centrou nas probabilidades ajustadas. Para reforçar,
dir-se-á que o tipo de trabalho em que se está empregado continua a ser muito importante para
determinar as hipóteses de participação em educação de adultos, especialmente em modalidades de
educação de adultos suportadas pelos empregadores. Reiterando: os trabalhadores que estão nos
empregos mais bem pagos, nas empresas maiores, que são mais qualificados e que têm empregos que
exigem mais leitura continuam a estar associados às probabilidades mais elevadas de receber apoio.
Contudo, em quase todos os casos, o crescimento da educação de adultos suportada pelos
empregadores desde os anos 1990 contribuiu para estreitar o hiato entre empregos privilegiados versus
empregos mais desfavorecidos em termos de investimento continuado em educação de adultos. Isto é,
o crescimento do apoio dos empregadores direcionou-se, na sua maioria, não apenas para os
trabalhadores com empregos privilegiados, mas também, em muitos casos, pelo menos tanto ou até
mais, para os trabalhadores com empregos desfavorecidos, de modo a efetivamente estreitar aquele
hiato.

Algumas explicações alternativas podem aqui ser aduzidas. Pode ser um indício de
qualificação e melhoria de competências em todo o espectro profissional em muitos países e, portanto,
de um consequente maior apoio dos empregadores à educação de adultos. A identificação deste
fenómeno com um processo de ajustamento típico do funcionamento do mercado não pode, contudo,
ser imediatamente estabelecida. Isto porque as políticas e programas governamentais podem ter
incentivado os empregadores a investirem mais nos trabalhadores desfavorecidos. Um exemplo disto

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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

é o programa “Competência Básica na Vida Ativa” [Basic Competence in Working Life Programme],
introduzido na Noruega em 2006, que envolveu o reforço da oferta de educação básica no local de
trabalho a trabalhadores desfavorecidos (VOX, 2013).

Vale a pena assinalar que o setor privado nos EUA e no Reino Unido contribui para a
provisão de educação de adultos suportada pelos empregadores quase tanto como nos países nórdicos
e nos Países Baixos (ver Tabela 2). É de notar ainda que, embora a Suécia apresentasse a taxa mais
elevada de educação de adultos suportada pelos empregadores para trabalhadores em empregos
desfavorecidos na década de 1990, ela foi ultrapassada pelos seus vizinhos nórdicos, sendo que os
EUA e o Reino Unido a alcançaram ou ultrapassaram, muitas vezes, no que respeita a várias
características desfavorecidas. Tal como foi referido, estes desenvolvimentos podem, em parte, ser
devidos a políticas e programas governamentais, desenvolvidos, em diferentes países, em colaboração
com o setor privado; este é, todavia, um tópico que está fora do âmbito da análise aqui apresentada.

Para além da influência que podem ter junto do setor privado, os governos podem, através
das suas políticas e programas, afetar a realidade do setor público de forma mais simples e direta. É
importante ter isto em linha de conta, uma vez que os resultados apresentados indicam que os
empregadores do setor público tendem a desempenhar um papel muito mais importante no apoio à
educação de adultos do que os empregadores do setor privado.

Importa assinalar que, devido a limitações dos dados, a análise não considerou quaisquer
diferenças qualitativas entre o tipo de educação de adultos recebida por trabalhadores em empregos
privilegiados versus empregos desfavorecidos, nem quanto ao alcance ou natureza do suporte
providenciado pelos empregadores.

5. Conclusões

Os resultados da análise sugerem que o suporte dos empregadores à educação de adultos está
a desempenhar um papel importante na mitigação das desigualdades na participação em educação de
adultos. Estes resultados são o contrário do esperado. A expectativa era de que, à medida que o papel
dos empregadores se tornasse mais importante na extensão do apoio à educação de adultos, a
desigualdade na participação em educação de adultos se intensificasse. Isto porque se esperaria que os
empregadores canalizassem mais apoio para os formandos mais eficientes e mais aptos a receber
formação, que tendem a possuir características privilegiadas, tais como níveis mais altos de
escolaridade e competências, isto de acordo com a teoria de Becker (1964) de que a decisão relativa
ao investimento em capital humano é uma função do rácio custo/benefício. Contudo, a análise aqui
apresentada, que se baseou em dados comparados à escala internacional, respeitantes a países com
configurações institucionais e situações de partida bastante diferentes, sugere que a tendência de
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crescimento da educação de adultos suportada pelos empregadores contraria esta expectativa. Na
verdade, os resultados apresentados neste artigo não confirmam o pressuposto geral acerca do
comportamento dos empregadores sugerido pela teoria de Becker. Isto pode indicar que o rácio
custo/benefício associado ao investimento dos empregadores em educação de adultos é cada vez mais
favorável, mesmo no caso dos adultos mais desfavorecidos e daqueles que ocupam os empregos menos
qualificados, o que se afigura consistente com uma tendência mais geral de melhoria do espectro de
competências num leque variado de economias avançadas. Pode ser, alternativamente, um indício da
necessidade de considerar fatores macro e outros fatores estruturais quando consideramos o
comportamento dos empregadores a partir de uma perspetiva de mercado, incluindo nesta consideração
o papel da intervenção governamental nas áreas da educação, aprendizagem ao longo da vida e
políticas ativas de emprego, tal como sugerido na literatura científica acima discutida.

Além disso, os resultados deste estudo colocam também em questão a ideia de que o apoio
dos empregadores à educação de adultos poderia intensificar as desigualdades de participação de uma
forma mais acentuada nos países mais tipicamente associados com o neoliberalismo, como os EUA e
o Reino Unido, quando comparados com países que estão tipicamente associados a políticas sociais
progressistas, como os países nórdicos. Na verdade, os resultados obtidos revelam que o setor privado
estava tão envolvido no apoio à educação de adultos nos países nórdicos como nos EUA e no Reino
Unido. Curiosamente, EUA e Reino Unido revelaram-se muito mais bem-sucedidos do que os países
nórdicos e os Países Baixos na extensão do apoio aos trabalhadores mais velhos, aspeto que merece
investigação comparativa adicional. Nos anos mais recentes, muita investigação educacional baseada
em estudos comparativos à escala internacional sugeriu que certos tipos de Estado-providência ou de
regimes de produção poderiam exacerbar ou mitigar desigualdades de vários tipos, incluindo em
matéria de participação em educação de adultos (ver Desjardins & Ioannidou, 2020, para uma
panorâmica e uma discussão destas investigações). Contudo, os resultados deste artigo sugerem que a
extensão e a distribuição da educação de adultos num determinado país ou contexto é provavelmente
impulsionada por características institucionais específicas, e por políticas específicas, que estão mais
diretamente ligadas à oferta, adesão e distribuição da educação de adultos, mais do que a tipos de
Estados-providência ou regimes de produção em si.

Investigação mais aprofundada, desenvolvida a partir de bases de dados adicionais e


atualizadas, será necessária para prosseguir a exploração da hipótese sobre se a tendência para o
crescimento do apoio dos empregadores à educação de adultos está a exacerbar ou, pelo contrário, a
mitigar a desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes países. Os dados do
próximo ciclo do PIAAC, de 2024, irão permitir uma atualização que contará com mais países e que
permitirá passar a dispor de três observações, a primeira das quais remontando aos anos 1990. Estas
hipóteses também poderão ser testadas recorrendo aos dados dos quatro painéis transversais do

114
DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

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Inquérito à Educação e Formação de Adultos da UE (2007, 2011, 2016, 2022), visando um estudo
comparativo das variações nos fatores estruturais (políticas, programas) que permita revelar padrões
discerníveis capazes de trazer novas perspetivas e matizes à análise.

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117
DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118

Richard Desjardins (autor para correspondência). Universidade da Califórnia, Los Angeles


(UCLA). Moore Hall, 3119 405 Hilgard Avenue, Los Angeles, California, USA. E-mail:
[email protected].

Jungwon Kim. School of Education and Information Studies, Universidade da Califórnia, Los
Angeles (UCLA). 500 Landfair Avenue, Los Angeles, California, USA. Email:
[email protected]

118
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a6

Grande demais para falhar: a Geração Millennial nas margens1

Anita M. Sands
ETS – Educational Testing Service.
Madeline Goodman
ETS – Educational Testing Service.

Resumo
Em Grande demais para falhar: A Geração Millennial nas margens, as autoras abordam a questão
de como as competências se encontram distribuídas no seio da Geração Millennial, concentrando-se
na dimensão e características demográficas dos millennials dos Estados Unidos da América que
apresentam baixas competências de literacia e numeracia, bem como no impacto nas relações sociais
e resultados económicos dessas baixas competências. Fazem-no, em parte, examinando a questão dos
“jovens desconectados”, um termo normalmente aplicado às pessoas com idades compreendidas
entre os 16 e os 24 anos que não estão empregadas nem envolvidas em educação ou formação formal.
Desde a Grande Recessão de 2008, a investigação neste âmbito tem-se preocupado cada vez mais
com estes “jovens desconectados”, que, de acordo com algumas estimativas, representam
aproximadamente 6 milhões de jovens adultos nos EUA. O foco destas pesquisas tem incidido sobre
o seu nível educacional e a participação no mercado de trabalho. Embora útil, esta abordagem é
limitada, em dois sentidos. Em primeiro lugar, centra-se apenas nos adultos mais jovens, numa época
em que a transição para a idade adulta é mais prolongada. Em segundo lugar, baseia-se na premissa
de que o emprego e/ou mais educação são impulsionadores garantidos de entrada na classe média e
de melhoria dos resultados de vida. As autoras questionam se esta suposição é apropriada às
circunstâncias atuais e sugerem que olhar para os jovens adultos apenas em termos de ligações ao
mercado de trabalho ou à educação formal pode subestimar a dimensão dos desafios que enfrentamos
e distorcer a nossa compreensão das políticas necessárias para alterar o rumo atual.
Palavras-chave: Geração Millennial; Competências; PIAAC.

Too Big to Fail: Millennials on the Margins


Abstract

1
Copyright © 2017 e 2023, ETS – www.ets.org. Artigo traduzido do inglês por Bruno Peixe Dias e revisto por
João Queirós. O artigo “Grande demais para falhar: A Geração Millennial nas margens [Too Big to Fail:
Millennials on the Margins] é publicado com permissão da ETS, detentora dos direitos sobre o original. A
tradução do artigo beneficiou do apoio financeiro do inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação.
Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto agradece à ETS e às autoras a
autorização de publicação da versão em língua portuguesa deste trabalho.

119
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

In Too Big to Fail: Millennials on the Margins, the authors return to the question of how skills are
distributed across the millennial population, focusing on the size and demographic characteristics of
U.S. millennials with low literacy and numeracy skills, and the resulting impact on social and
economic outcomes. They do this in part by examining the issue of “disconnected youth”, a term
typically applied to those ages 16-24 who are not employed or engaged in formal education or
training. Since the Great Recession of 2008, researchers have become increasingly concerned with
these disconnected youth who, according to some estimates, represent approximately 6 million young
adults in the United States. The focus of this research has been on their educational attainment and
labor market participation. While helpful, this approach is limited in two ways. First, it focuses on
only our youngest adults at a time when the transition to adulthood is more prolonged. Second, it is
based on the premise that employment and/or more education are assured catalysts for entry into the
middle class and improving life outcomes. The authors question whether this assumption is
appropriate to current circumstances; they suggest that looking at young adults only in terms of ties
to the labor market or formal education may underestimate the scope of the challenges that we face
and may skew our understanding of the policies needed to alter our course.
Keywords: Millennials; Skills; PIAAC.

Trop grand pour échouer: les Millennials en marge


Résumé
Dans Trop grand pour échouer : les Millennials en marge, les auteurs abordent la question de la
répartition des compétences au sein de la génération Millennial, en se concentrant sur la taille et les
caractéristiques démographiques des millennials aux États-Unis d'Amérique qui ont un faible niveau
de compétences de littératie et de numératie, ainsi qu’aux impacts de ces faibles compétences sur les
relations sociales et les résultats économiques. Elles le font, en partie, en examinant la question des
« jeunes déconnectés », un terme généralement appliqué aux personnes âgées de 16 à 24 ans qui ne
sont pas employées ou ne participent pas en éducation ou en formation formelle. Depuis la Grande
Récession de 2008, les recherches dans ce domaine s’intéressent de plus en plus à ces « jeunes
déconnectés », qui, selon certaines estimations, représentent environ 6 millions de jeunes adultes aux
États-Unis. Ces recherches se sont concentrées sur leur niveau d'éducation et leur participation au
marché du travail. Bien qu’utile, cette approche est limitée de deux manières. Premièrement, elle se
concentre uniquement sur les jeunes adultes, à une époque où la transition vers l’âge adulte est plus
longue. Deuxièmement, elle repose sur le principe selon lequel l’emploi et/ou plus éducation sont
des facteurs garantis d’entrée dans la classe moyenne et d’amélioration des résultats de vie. Les
auteurs se demandent si cette hypothèse est appropriée dans les circonstances actuelles et suggèrent
que considérer les jeunes adultes uniquement en termes de liens avec le marché du travail ou
l'éducation formelle pourrait sous-estimer l'ampleur des défis auxquels nous sommes confrontés et
fausser notre compréhension des politiques nécessaires pour changer la direction actuelle.
Mots clés : Millennials ; Compétences ; PIAAC.

Demasiado grande para fallar: la Generación Millennial en los márgenes


Resumen
En Demasiado grande para fallar: La Generación Millennial en los márgenes, las autoras abordan
la cuestión de cómo se distribuyen las competencias de la populación Millennial, centrándose en el
tamaño y las características demográficas de los millennials en los Estados Unidos de América que
tienen bajas competencias de comprensión lectora y matemática, así como en el impacto en las
relaciones sociales y los resultados económicos de estas bajas competencias. Lo hacen, en parte,
examinando la cuestión de los “jóvenes desconectados”, un término que normalmente se aplica a
personas de entre 16 y 24 años que no están empleadas ni participan en educación o capacitación
formal. Desde la Gran Recesión de 2008, la investigación en este campo se ha centrado cada vez más
en estos “jóvenes desconectados”, que, según algunas estimaciones, representan aproximadamente 6
millones de adultos jóvenes en Estados Unidos. El foco de estas investigaciones ha estado en su nivel
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SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

educativo y participación en el mercado laboral. Aunque útil, este enfoque tiene dos limitaciones. En
primer lugar, se centra únicamente en los adultos más jóvenes, en un momento en que la transición a
la edad adulta es más larga. En segundo lugar, se basa en la premisa de que el empleo y/o más
educación superior son factores garantizados para el ingreso a la clase media y mejores resultados en
la vida. Las autoras cuestionan si esta suposición es apropiada en las circunstancias actuales y
sugieren que mirar a los adultos jóvenes sólo en términos de conexiones con el mercado laboral o la
educación formal puede subestimar la escala de los desafíos que enfrentamos y distorsionar nuestra
comprensión de las políticas necesarias para cambiar la dirección actual.
Palabras-clave: Generación Millennial; Competencias; PIAAC.

É o povo como um todo que tem de se encarregar da educação de todo o povo, e estar disposto a
suportar essa despesa.

– John Adams, 1785

Acreditamos que este país não será um bom lugar para qualquer um de nós viver
permanentemente se não fizermos dele um lugar razoavelmente bom para todos vivermos nele —
[Todos] nós pagaremos no futuro se não formos justos com todos no presente.

– Theodore Roosevelt, 1912

1. Introdução
Definida em termos gerais, a educação é um processo de “partilha ou aquisição de
conhecimento geral, desenvolvendo as capacidades de raciocínio e juízo e, em termos gerais, de
preparação intelectual de si próprio e dos outros para uma vida madura”. 2 Educar todo um povo,
dentro e fora de ambientes institucionais formais, acaba por beneficiar esse povo como um todo,
como sugere John Adams. Se isto se verificasse hoje na América, não haveria necessidade de discutir
o tópico. Mas não é isto que se verifica. Dezenas de milhões de jovens adultos – pertencentes à
geração dita millennial – não estão devidamente equipados, em termos do seu nível de capital
humano, para serem bem-sucedidos no mundo de hoje. Este facto tem implicações não apenas para
estas pessoas, com idades compreendidas entre os 16 e os 34 anos, mas para a sociedade como um
todo.

2
Ver Dictionary.com, s.v. "education", http://www.dictionary.com/browse/education?s=t, e Study Lectures
Notes, http://www.studylecturenotes.com/foundation-of-education/etymological-meaning-of-education; ver
também Annual Report of the Board of Education, Vol. 38, 1873-1874,
https://books.google.com/books?id=E5AXAAAAYAAJ&pg=PA202&lpg=PA202&
dq=education+etymology+mature+life&source=bl&ots=OKAJKBySgv&sig=75Q0ceJPNq-
SSwN1lDPf9JNbWEw&hl=en&sa=X&
ved=0ahUKEwiYmviEoLbTAhXD6iYKHfvXAvYQ6AEIQjAF#v=onepage&q=education%20etymology%2
0mature%20life&f=false.
121
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Muitos millennials estão a entrar para o mercado de trabalho, a prosseguir a sua educação, a
ter filhos e a estabelecer as suas próprias unidades familiares – muitas vezes pela primeira vez. Mas,
quando observamos mais de perto aqueles que estão no caminho para a idade adulta, uma imagem
mais complexa emerge. Tal como documentado em investigação disponível sobre o tema, um número
preocupante dos mais jovens deste grupo estão “desconectados” [disconnected], um termo
habitualmente usado para descrever aquelas pessoas que têm entre 16 e 24 anos de idade e que não
estão empregadas nem a estudar formalmente.3 Hoje, nos Estados Unidos da América, de acordo com
algumas estimativas, cerca de 6 milhões de pessoas naquele escalão etário integram esta categoria
dos “desconectados”. 4 Neste artigo, defendemos que a “desconexão”, definida apenas por relação
com o facto de se estar empregado ou inscrito numa instituição educativa, subestima os obstáculos
futuros. Se alargarmos a definição de desconexão de modo a incluir os níveis de competência (ou
capital humano) da nossa geração millennial, o problema torna-se demasiado grande para ser
ignorado. Cerca de metade dos millennials na América, ou seja, perto de 36 milhões de pessoas, de
um total estimado de 77 milhões de indivíduos nesta categoria, estão a transitar para a vida adulta
com baixas competências de literacia. 5 Mais de metade – 46 milhões – estão a fazê-lo com baixas
competências de numeracia.

O problema do baixo nível de competências – especialmente na geração dos que serão os pais,
trabalhadores e cidadãos nas próximas décadas – irá afetar-nos a todos. O capital humano – e as
diferentes oportunidades para o adquirir e aumentar – constitui uma componente decisiva da condição
generalizada de desigualdade que observamos hoje nos Estados Unidos da América 6. Isto deve-se,

3
A “juventude desconectada” é por vezes referida como “geração NEET” (Not in Employment, Education or
Training, fora da educação, do emprego ou da formação).
4
Kristen Lewis e Sarah Burd-Sharps, Halve the Gap by 2030: Youth Disconnection in America's Cities,
Measure of America (2013), http://ssrc-static.s3.amazonaws.com/moa/MOA-Halve-the-Gap-ALL-
10.25.13.pdf .
5
Para os propósitos deste texto, a noção de “baixas competências” diz respeito aos indivíduos cujo desempenho
se encontra nos níveis de proficiência mais baixos do Programa Internacional para a Avaliação das
Competências dos Adultos (PIAAC), definidos aqui como sendo os que se situam no Nível 2 ou no Nível 1 ou
inferior. Para mais pormenores, ver a secção deste texto intitulada “Compreender o PIAAC”. Ao fazer
comparações, apresentamos estes dois subgrupos de adultos com baixas competências e comparamo-los com
os que têm uma pontuação igual ou superior ao Nível 3 de proficiência.
6
Ver, por exemplo, o Memorando da Decisão de setembro de 2016: Meritíssimo Thomas G. Moukawsher:
Connecticut Coalition for Justice in Education Funding Inc., et al. V. Docket, Superior Court, Judicial District
of Hartford, https://assets.documentcloud.org/documents/3100630/School-Funding-Decision.pdf ; Jacqueline
Rabe Thomas, "What Does a High School Diploma Prove?", CT Mirror, 13 de dezembro de 2016,
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http://www.rsfjournal.org/doi/full/10.7758/RSF.2016.2.2.06; Organisation for Economic Co-operation and
122
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

em parte, ao facto de a qualidade da educação, bem como as oportunidades de aprendizagem ao longo


da vida, estar cada vez mais estreitamente ligada à acumulação de capital social (por exemplo, o local
onde se vive, as redes de relações sociais de cada um, o nível de envolvimento social) – e isto bem
mais do que John Adams ou Theodore Roosevelt poderiam prever. 7 Quando Roosevelt lembrou aos
americanos, no princípio do século passado – quando a desigualdade se encontrava a um nível
comparável8 – , que o progresso do país dependia da capacidade de assegurar o bem-estar de todos,
podia perfeitamente estar a dirigir-se aos americanos de hoje. Devíamos ter em conta que, tal como
ele avisou, “[nenh]um de nós pode verdadeiramente prosperar de forma permanente enquanto houver
multidões dos nossos compatriotas que vivem rebaixados e aviltados”. 9

2. Contextualização
Como é que chegámos aqui? É uma questão complicada. Decisões políticas tomadas a todos
os níveis de governo, para não falar da globalização e dos avanços tecnológicos observados nas três
ou quatro últimas décadas, promoveram uma distribuição de competências cada vez mais desigual.
Isto aconteceu precisamente numa altura em que se revelavam necessários níveis cada vez mais altos
de competências para aceder à classe média e nela permanecer, bem como para participar plenamente
numa sociedade cada vez mais complexa. Tal como foi por muitos documentado, a economia
americana do pós-Segunda Guerra Mundial, construída a partir de uma base alargada de indústria e
consumo interno, e incentivada por políticas federais de alargamento das oportunidades de educação
e habitação para muitos, permitiu a expansão da classe média. O nível de educação dos americanos
ultrapassou o da maior parte dos países e o investimento público em educação pós-secundária tornou
a entrada na universidade possível, e mais acessível, para um número crescente de pessoas. 10 Ao
longo deste período, o mercado de trabalho ofereceu, de maneira geral, oportunidades de emprego
para uma grande parte da população americana, a níveis geralmente suficientes para manter uma
classe média forte, significando isto a capacidade para adquirir uma casa, investir em oportunidades

Development (OECD), In It Together: Why Less Inequality Benefits All (Paris: OECD Publishing, 2015),
http://dx.doi.org/10.1787/9789264235120-en.
7
Irwin Kirsch, Henry Braun, Mary Louise Lennon, e Anita M. Sands, Choosing our Future: A Story of
Opportunity in America (Princeton, NJ: Educational Testing Service, 2016); Irwin Kirsch, Henry Braun,
Kentaro Yamamoto, e Andrew Sum, America's Perfect Storm: Three Forces Changing Our Nation's Future
(Princeton, NJ: Educational Testing Service, 2007).
8
Thomas Piketty e Emmanuel Saez, "Income Inequality in the United States: 1913-1998, Quarterly Journal of
Economics 118, no. 1 (2003), ou, para um resumo menos técnico, ver a última atualização feita por Saez:
Striking it Richer: The Evolution of Top Incomes in the United States (2015),
https://eml.berkeley.edu/~saez/saez-UStopincomes-2015.pdf .
9
Discurso de Theodore Roosevelt, Chicago, IL, 17 de junho de 1912.
10
Claudia Goldin e Lawrence F. Katz, The Race between Education and Technology (Cambridge, MA: Harvard
University Press, 2008); Suzanne Mettler, Soldiers to Citizens: The GI Bill and the Making of the Greatest
Generation (Oxford: Oxford University Press on Demand, 2005).
123
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

educativas para os filhos e assegurar alguma segurança na terceira idade. A provisão destes benefícios
a alguns à custa de outros é um elemento importante desta história, e tem havido muita investigação
rigorosa que contribuiu para o nosso entendimento acerca do modo como esta prosperidade foi
distribuída de forma desigual através de linhas de divisão racial e de género, aprofundando outras
formas de desigualdade.11 Apesar disto, podemos caracterizar o pós-Segunda Guerra Mundial como
um período em que as competências adquiridas no ensino secundário e pós-secundário nos EUA
conseguiram ir ao encontro das oportunidades de emprego, com salários e benefícios que
possibilitavam a um número crescente de famílias americanas a entrada na classe média.

Os contornos desta paisagem económica e social começaram a mudar por volta de 1970.
Quando a “economia de colarinho azul” do período do pós-guerra começou a dar lugar à economia
baseada no conhecimento que temos hoje, o capital humano passou a ser cada vez mais importante.
A emergência desta nova realidade económica foi acompanhada por avanços tecnológicos, pela
globalização e por uma série de políticas empresariais e governamentais que enfraqueceram as
organizações de trabalhadores e levaram a uma diminuição do investimento público nas famílias e
comunidades.12 O efeito acumulado destas mudanças aumentou a desigualdade de oportunidades,
resultando numa concentração de riqueza nos níveis de rendimento mais elevados e num aumento
significativo da pressão exercida sobre as classes baixa e média americanas. 13 Ao mesmo tempo,
outras nações industrializadas – tanto na Europa, como na Ásia – assistiram à melhoria da sua
situação económica e também ao desenvolvimento do capital humano entre as suas populações mais
jovens.

Pense-se, por exemplo, na realidade da República da Coreia ou no caso da Finlândia. Nas


quatro últimas décadas, ambos os países concentraram atenção política e recursos económicos na
oferta de opções escolares, a nível secundário e pós-secundário, acessíveis e de qualidade, dirigidas
à sua população mais jovem. Num certo sentido, estavam a tentar alcançar países como os Estados
Unidos da América, que ocupavam as posições de topo, no período pós-Segunda Guerra Mundial,

11
Ver, por exemplo, Richard Rothstein, The Color of Law: A Forgotten History of How Our Government
Segregated America (Nova Iorque: Liverright, 2017), E ainda Matthew Desmond, Evicted: Poverty and Profit
in the American City (Nova Iorque: Broadway Books, 2017).
12
Para uma discussão em torno do papel das políticas, ver, por exemplo, Jacob S. Hacker e Paul Pierson,
"Winner-Take-All Politics: Public Policy, Political Organization, and the Precipitous Rise of Top Incomes in
the United States, Democracy and Markets, Understanding the Effects of America's Economic Stratification,"
A Tobin Project Conference, 30 de abril - 2 de maio, 2010,
https://assets.aspeninstitute.org/content/uploads/files/content/docs/psi/BACKGROUND%20Reading%20Hac
ker%20and%20Pierson%20-%20Winner-Take-All%20Politics,%202010.pdf; e Jacob S. Hacker e Paul
Pierson, "Making America Great Again," Foreign Affairs, maio/junho de 2016,
https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2016-03-21/making-america-great-again.
13
Kirsch et al., Choosing our Future; David H. Autor, "Skills, Education, and the Rise of Earnings Inequality
among the ‘Other 99 Percent’", Science 344, no. 6186 (2014).
124
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

em matéria de cumprimento da escolaridade secundária obrigatória. 14 Dados respeitantes às


competências, resultantes do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos
Adultos (PIAAC), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), de
2012/2014,15 que comparam as classificações de millennials (idades compreendidas entre os 16 e os
34 anos) com as de adultos mais velhos (35-65), mostram precisamente isto. Os millennials na
Finlândia obtiveram uma classificação em literacia 25 pontos acima (numa escala de 500 pontos)
daquela obtida pelos adultos acima dos 35 anos; e, na República da Coreia, os millennials obtiveram
uma classificação 29 pontos acima. Nos Estados Unidos, por seu turno, a diferença entre os dois
grupos etários era de apenas 9 pontos. Mas os dados do PIAAC revelam bem mais do que isto. A
análise destes dados demonstra que, embora os adultos mais velhos dos Estados Unidos tenham um
melhor desempenho do que os seus homólogos internacionais em muitos dos países da OCDE que
participaram no estudo, o desempenho dos millennials dos EUA ficava atrás do de muitos dos seus
equivalentes internacionais.16 Por outras palavras, muitas nações industrializadas não só alcançaram
o nível de sucesso educacional dos Estados Unidos, como viram o nível de competências dos seus
jovens adultos ultrapassar o dos millennials dos EUA.17

As vastas mudanças acima apresentadas tiveram um impacto profundo no papel desempenhado


pelo capital humano na consecução do nível de rendimentos que permite sustentar uma vida de classe
média. Os economistas do trabalho estudaram as dimensões da nova economia que surgiram ao longo
das quatro últimas décadas e demonstraram que o crescente “regresso às competências” (ganhos
financeiros expectáveis em resultado da obtenção de níveis mais altos de educação e
formação/competências), associado a uma queda aguda e precipitada no nível salarial potencial das
pessoas com educação secundária, contribuiu para o crescimento da desigualdade, por um lado, e
aumentou a importância do papel desempenhado pelo capital humano, por outro. Como sugere de
forma inteligente o economista David Autor, este fenómeno constitui uma faca de dois gumes. O

14
Goldin e Katz, Education and Technology.
15
A primeira ronda do PIAAC (2012) foi administrada à população com idades entre os 16 e os 65 anos de 23
países. Foram eles: Austrália, Áustria, Bélgica (Flandres), Canadá, República Checa, Dinamarca, Estónia,
Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Coreia, Países Baixos, Noruega, Polónia, Federação Russa,
República Eslovaca, Espanha, Suécia, Reino Unido (Inglaterra e Irlanda do Norte) e Estados Unidos. Em 2014,
foi realizada uma ronda suplementar de recolha de dados nos Estados Unidos (o Suplemento Nacional dos
EUA). Também em 2014, a avaliação do PIAAC e as perguntas do questionário-base, com modificações
ligeiras, foram utilizadas para estudar a população de adultos encarcerados nos Estados Unidos. Os dados
utilizados neste documento baseiam-se principalmente nas amostras combinadas dos dados obtidos pelo
PIAAC nos EUA em 2012 e 2014, bem como em dados selecionados da população encarcerada dos EUA
(2014).
16
OCDE, Time for the U.S. to Reskill?: What the Survey of Adult Skills Says (Paris: OECD Publishing, 2013),
http://dx.doi.org/10.1787 /9789264204904-en.
17
Madeline Goodman, Anita M. Sands, e Richard A. Coley, America's Skills Challenge: Millennials and the
Future (Princeton, NJ: Educational Testing Service, 2015).
125
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

investimento em competências – especialmente nos níveis mais altos de competências – tem um


retorno no mercado. Mas, assinala Autor, “esta tendência esconde uma verdade desanimadora: a
subida dos rendimentos relativos das pessoas com formação no ensino superior não se deve apenas
à subida dos rendimentos reais dos trabalhadores com licenciatura, mas também à queda dos
rendimentos reais dos trabalhadores não licenciados”. 18 Por outras palavras, a falta de oportunidades
para adquirir e desenvolver o capital humano tem hoje um custo mais elevado do que tinha antes.

No que diz respeito à “desconexão”, noção a que é feita referência acima, queremos passar
neste texto de uma ênfase na preocupação com o emprego e a educação para uma outra que inclui o
capital humano, ou nível de competências. Utilizamos, para tal, de seguida, os dados do PIAAC
relativos aos níveis de competência para nos dar um contexto internacional resumido quanto ao
desempenho dos millennials dos EUA. Daqui, passamos a uma análise em profundidade da
magnitude e dimensão geográfica do problema das baixas competências neste segmento da
população. Por fim, analisamos a relação entre competências e indicadores de coesão social/capital
social. Neste processo, defendemos que as baixas competências estão correlacionadas com uma
sensação mais geral de desconexão e a ausência de participação na vida política e social.

3. Alargando o Conceito de Desconexão

Os investigadores têm dedicado bastante atenção ao crescimento do número de jovens


“desconectados” na Europa e nos Estados Unidos da América, principalmente desde a grande
recessão de 2008. O Measure of America referiu-se recentemente ao problema da desconexão da
juventude face ao mercado de trabalho e à esfera educativa como uma “epidemia”, e estimou que
hoje, nos Estados Unidos, 5,8 milhões de jovens adultos não trabalhem nem frequentem a escola. 19
Em 2015, o Serviço de Investigação do Congresso dos EUA [Congressional Research Service]
publicou um relatório que estimava o número em cerca de 6% da população total entre os 16 e os 24
anos.20 Nesse mesmo ano, a OCDE publicou um relatório que analisava as taxas de desconexão dos
jovens nos respetivos países membros. O relatório em causa concluía que a dimensão desta população
era de tal monta que tornava a “melhoria do emprego e da integração social entre a juventude uma
preocupação política de primeira ordem”. 21

18
David Autor, The Polarization of Job Opportunities in the U.S. Labor Market: Implications for Employment
and Earnings, Center for American Progress and The Hamilton Project, abril de 2010, 6,
https://economics.mit.edu/files/5554. Itálico no original.
19
Lewis e Burd-Sharps, Halve the Gap.
20
Congressional Research Service, Disconnected Youth: A Look at 16 to 24 Year Olds Who Are not Working
or in School, por Adrienne L. Fernandes-Alcantara (2015), https://fas.org/sgp/crs/misc/R40535.pdf.
21
Stéphane Carcillo, Rodrigo Fernández, Sebastian Königs e Andreea Minea, NEET Youth in the Aftermath of
the Crisis: Challenges and Policies (Paris: OECD Publishing, 2015).
126
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

O pressuposto que subjaz à investigação que presentemente se debruça sobre a desconexão


juvenil é claro: aqueles que estão a trabalhar ou a frequentar a educação formal têm as competências
e o conhecimento necessários à autossuficiência, e aqueles que não estão em nenhuma dessas
situações arriscam-se a ficar para trás. 22 Os resultados coletivos deste conjunto de investigações são
importantes e alarmantes, mas não vão, provavelmente, ao fundo da questão.

A nossa abordagem ao conceito de “desconexão” é, neste texto, propositadamente mais


alargada, centrando-se no papel das competências cognitivas, para além das ligações formais ao
mercado de trabalho ou à educação. Embora estes últimos sejam sem dúvida aspetos importantes –
emprego e níveis mais altos de escolaridade estão claramente correlacionados com salários mais
elevados e melhores resultados na vida23 –, se atentarmos apenas a estas ligações, não estaremos
provavelmente a ver o quadro completo. A investigação mostra que ter um baixo nível de
competências limita a capacidade individual para tirar partido das oportunidades que se apresentam
na nossa sociedade de conhecimento24. Desse modo, se definirmos desconexão a partir do nível de
competências cognitivas de cada pessoa, ficamos com uma imagem mais rigorosa dos desafios que
muitos jovens adultos enfrentam à medida que transitam para a próxima fase das suas vidas.
Recorrendo aos dados do PIAAC, demonstramos que a ligação à educação e ao emprego são
efetivamente necessárias, mas não suficientes. A nossa pesquisa indica que aproximadamente 31
milhões de millennials ligados à educação formal (seja no ensino secundário, seja nalguma
modalidade de ensino pós-secundário) ou ligados a um emprego apresentam, apesar disso, níveis
baixos de competências de literacia, com 39 milhões a mostrarem fracas competências de numeracia.
Para além de uma reconceptualização do modo como entendemos e medimos a desconexão, a nossa
pesquisa alarga a população estudada, acrescentando as pessoas com idades compreendidas entre os
25 e os 34 anos, uma vez que a geração millennial passa por uma transição para a idade adulta mais
prolongada do que aquela por que passaram as gerações anteriores de jovens adultos, e continua a ser
um importante objeto de investigação, de políticas e de atenção mediática. 25

Abordar a desconexão em termos de níveis de competências também nos ajuda a considerar


de forma mais completa os custos económicos e sociais de ter um baixo nível de competências. Estes

22
Congressional Research Service, Disconnected Youth. Ver também Annie E. Casey Foundation, Youth and
Work: Restoring Teen and Young Adult Connections to Opportunity (Baltimore, Annie E. Casey Foundation,
2012), http://www.aecf.org/m/resourcedoc/AECF-YouthAndWork-2012-Full.pdf.
23
OECD Skills Outlook 2013: First Results from the Survey of Adult Skills (Paris: OECD Publishing, 2013).
24
OECD, Time for the U.S.; U.S. Department of Education, Office of Career, Technical, and Adult Education,
Making Skills Everyone's Business: A Call to Transform Adult Learning in the United States (Washington, DC:
Author, 2015).
25
Reid Cramer, "Millennials Rising: Coming of Age in the Wake of the Great Recession", New America (2014):
11-19; Pew Research Center's reporting on millennials, http://www.pewresearch.org/topics/millennials/.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

custos têm um impacto duradouro, tanto para os indivíduos – facto que é amplamente reconhecido –
, como para a sociedade em geral. Para o indivíduo, o papel desempenhado pelo capital humano no
seu bem-estar é geralmente considerado óbvio: um nível alto de competências está correlacionado
com melhores empregos, salários mais altos e resultados de vida mais favoráveis. 26 As competências,
contudo, desenvolvem-se, formal e informalmente, através de uma miríade de conexões ao longo da
vida – dependem do “capital social” de cada pessoa. A Academia Nacional de Ciências [National
Academy of Sciences] define capital social, em traços largos, como o nível, para cada pessoa, de
“participação política; envolvimento em organizações comunitárias; ligação com amigos, família e
vizinhos; e atitudes dirigidas à vizinhança, ao governo e aos grupos que não os seus próprios grupos”.
Estas conexões são significativas porque estão associadas a “resultados positivos em muitos domínios
da vida, incluindo saúde, altruísmo, educação, emprego, bem-estar infantil e conformidade com a
lei”.27 Investigação recente aponta para que os indivíduos com níveis mais altos de capital social estão
numa melhor posição para adquirir inicialmente, e depois manter, níveis mais altos de capital humano
(competências) ao longo da vida.28

Indivíduos que apresentam níveis elevados de capital humano e social também transmitem
vantagens aos seus filhos de modo mais ou menos tangível. A investigação sobre os níveis mais
precoces da participação educativa e a psicologia infantil demonstram, por exemplo, que tais
vantagens começam a ser transmitidas mesmo antes do nascimento, através dos cuidados pré-natais.29
É mais provável que os pais com mais tempo e recursos leiam para os seus filhos, criando a
oportunidade de enriquecimento do vocabulário destes, que se reflete em classificações académicas
mais elevadas. Para além disso, a posse de mais recursos permite-lhes oferecer aos seus filhos um
maior acesso a atividades extraescolares e outras oportunidades extracurriculares. 30 Resumindo, as

26
U.S. Department of Education, Making Skills Everyone's Business; relativamente a salários e competências,
ver Neeta Fogg, Paul Harrington e Ishwar Khatiwada, The Impact of Human Capital Investments on the
Earnings of American Workers, Center for Labor Markets and Policy, Drexel University (Princeton, NJ:
Educational Testing Service, forthcoming); e Autor, "Skills, Education".
27
National Research Council, Civic Engagement and Social Cohesion: Measuring Dimensions of Social
Capital to Inform Policy. Kenneth Prewitt, Christopher D. Mackie, e Hermann Habermann (Eds.), Panel on
Measuring Social and Civic Engagement and Social Cohesion in Surveys, Committee on National Statistics,
Division of Behavioral and Social Sciences and Education (Washington, DC: National Academies Press, 2014),
https://www.nap.edu/read/18831/chapter/1#viii.
28
Henry Braun, "The Dynamics of Opportunity in America: A Working Framework," in The Dynamics of
Opportunity in America: Evidence and Perspectives, ed. Irwin Kirsch e Henry Braun (Nova Iorque: Springer,
2016), 137-164; Kirsch et al., Choosing Our Future; Richard Wilkinson e Kate Pickett, The Spirit Level: Why
Equality is Better for Everyone (Londres, Penguin, 2010); OECD, Time for the U.S.; U.S. Department of
Education, Making Skills Everyone's Business.
29
Janet Currie, "Inequality at Birth: Some Causes and Consequences", American Economic Review 101, no. 3:
1-22 (2011), https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/aer.101.3.1.
30
Emma Garcia, Inequalities at the Starting Gate: Cognitive and Noncognitive Skills Gaps between 2010-2011
Kindergarten Classes, Economic Policy Institute, 17 de junho de 2015,
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

vantagens tendem a acumular-se e a multiplicar-se com o tempo. Pelo contrário, aqueles que vivem
em situações em que não é promovido o desenvolvimento do capital humano e social são
confrontados com a perspetiva da mobilidade social descendente. As pessoas que vivem em
ambientes difíceis ou em comunidades onde o nível de crime, desemprego e pobreza são altos e os
cuidados de saúde são deficientes tendem a ter uma desvantagem à partida, tal como os seus
descendentes. É bastante visível que as dinâmicas associadas àquilo que podemos designar como
“acumulação de vantagens e de desvantagens”, e a desigualdade que daí resulta, estão a polarizar os
EUA – de tal modo que, cada vez mais, não nos vemos uns aos outros.31 Como defende Robert
Putnam, autor de Our Kids: The American Dream in Crisis [Os Nossos Filhos: A Crise do Sonho
Americano], a desigualdade – e a segregação social que ela cria e perpetua – criou um ambiente de
polarização onde “simplesmente não sabemos como é que a outra metade vive”. De acordo com
Putnam, este fosso crescente “limita o nosso sentimento de reciprocidade. Limita o nosso sentido do
que devemos uns aos outros. Somos cada vez menos uma comunidade”. 32

4. A Geração Millennial
Muitas vezes referidos como millennials, mas também conhecidos como Geração Y ou echo
boomers, este grupo de indivíduos, que aqui identificamos com aqueles que têm idade compreendida
entre os 16 e os 34 anos, é geralmente identificado com o das pessoas nascidas entre 1980 e 2000.
São, normalmente, os filhos e filhas da geração dos baby boomers do pós-guerra (1946-1964) e dos
membros mais velhos da Geração X (1965-1980); outros são jovens imigrantes. No total, os
millennials são cerca de 77 milhões, ou cerca de um quarto da população dos EUA, e é difícil
descartar a sua importância. São a geração mais numerosa de americanos vivos, representando uma

http://www.epi.org/files/pdf/85032c.pdf ; Timothy M. Smeeding, "Gates, Gaps, and Intergenerational


Mobility: The Importance of an Even Start," in The Dynamics of Opportunity in America: Evidence and
Perspectives, ed. Irwin Kirsch e Henry Braun (Nova Iorque: Springer, 2016), 255-295; Neera Kaushal,
Katherine Magnuson e Jane Waldfogel, "How is Family Income Related to Investments in Children's
Learning?", in Whither Opportunity? Rising Inequality, Schools, and Children's Life Chance, ed. Greg J.
Duncan e Richard Murnane (Nova Iorque: Russell Sage Foundation, 2011).
31
Elizabeth McNichol, Douglas Hall, David Cooper, d Vincent Palacios, Pulling Apart: A State-by-State
Analysis of Income Trends, Center on Budget and Policy Priorities and Economic Policy Institute, 15 de
novembro de 2012, http://www.epi.org/files/2012/Pulling- Apart-11-15-12sfp.pdf; Kirsch et al., Choosing Our
Future; para estudos sobre mobilidade social, ver Raj Chetty, Nathaniel Hendren, Patrick Kline, e Emmanuel
Saez, Where is the Land of Opportunity? The Geography of Intergenerational Mobility in the United States,
NBER Working Paper No. 19843 (Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2014); Raj
Chetty, David Grusky, Maximilian Hell, Nathaniel Hendren, Robert Manduca, e Jimmy Narang, The Fading
American Dream: Trends in Absolute Income Mobility Since 1940, Science (2017),
doi:10.1126/science.aal4617.
32
Josh Hoxie, "Income Segregation and Familiarity", Inequality.org, http://inequality.org/great-divide/income-
segregation-familiarity/.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

percentagem significativa da população ativa atual e futura. 33 Não é provavelmente um exagero dizer
que, para onde forem os millennials, também vai a América.

O nosso relatório anterior, America's Skills Challenge: Millennials and the Future [O Desafio
das Competências na América: Os Millennials e o Futuro] (2015), apresentava uma abordagem
declaradamente internacional e analisava as competências dos millennials americanos em
comparação com as de outros 21 países da OCDE que participaram no PIAAC. 34 O PIAAC foi
concebido para analisar e comparar as competências-chave, cognitivas e profissionais, dos adultos
(16-65 anos de idade) consideradas necessárias para participar com sucesso na sociedade do século
XXI e numa economia globalizada. Na última vez em que foi administrado até à data de elaboração
deste texto (2.ª Ronda do 1.º Ciclo, 2012-2016), o inquérito do PIAAC mediu as competências dos
adultos em 33 países e em três domínios: literacia, numeracia e resolução de problemas em ambientes
tecnologicamente desafiantes. 35 Para além dos dados cognitivos recolhidos, a OCDE recolheu uma
panóplia de informação sociográfica de base que pode ser relacionada com o nível de competências. 36

O relatório O Desafio das Competências na América mostrava que, apesar de terem o nível de
escolaridade mais alto da história dos Estados Unidos da América, os millennials residentes no país
tinham geralmente resultados mais fracos nos três domínios avaliados do que os seus homólogos dos
outros países da OCDE. Estes resultados revelaram-se particularmente evidentes no caso da
numeracia. Quando olhámos para os diversos subgrupos populacionais de millennials – de acordo
com a sua naturalidade, nível de escolaridade, nível de desempenho e antecedentes socioeconómicos
– os millennials dos EUA tinham, de um modo geral, resultados abaixo dos alcançados pelos seus
homólogos em muitos dos países que participaram no PIAAC. O presente texto baseia-se mais uma
vez em dados do PIAAC e oferece uma análise centrada na magnitude e nas dimensões da população
de jovens adultos dos EUA, em termos do nível de competências de literacia e numeracia, e das
características associadas a estes níveis. 37

33
O estudo sobre millennials do Pew Research Center pode ser consultado em
http://www.pewresearch.org/topics/millennials/.
34
Ver a nota 12.
35
Para além dos 24 países da primeira Ronda do 1.º Ciclo do PIAAC, foram acrescentados mais 9 países à
segunda Ronda do estudo, em 2014: Chile, Grécia, Indonésia, Israel, Lituânia, Nova Zelândia, Singapura,
Eslovénia e Turquia. Para mais informações sobre os países participantes, consultar
https://nces.ed.gov/surveys/piaac/countries.asp.
36
Para mais informação sobre o questionário-base do PIAAC, ver
https://nces.ed.gov/surveys/piaac/questionnaires.asp
37
Em 2014, foi realizada uma ronda suplementar de recolha de dados nos Estados Unidos. Os dados aqui
utilizados baseiam-se principalmente nas amostras combinadas dos dados do PIAAC nos EUA recolhidos em
2012 e 2014.
130
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5. Compreender o PIAAC

Como já foi dito, o objetivo do PIAAC é medir as competências-chave, cognitivas e


profissionais, necessárias à participação na sociedade e ao desenvolvimento das economias.
Exercícios concretos nos domínios da literacia e da numeracia testaram, por exemplo, a capacidade
dos inquiridos para distinguir a informação relevante da irrelevante; preencher corretamente
formulários de seguros em ambiente online; integrar, sintetizar e interpretar argumentos transmitidos
por diferentes tipos de meios; compreender requisitos de um determinado emprego; ou calcular os
custos e benefícios de planos de reforma. 38 Por outras palavras, o PIACC, enquanto estudo de
avaliação das competências dos adultos e jovens adultos – e ao contrário de outras avaliações
internacionais e nacionais de populações que frequentam o sistema de ensino (Progress in
International Reading Literacy Study, PIRLS; Program for International Student Assessment, PISA;
Trends in International Mathematics and Science Study, TIMSS; National Assessment of Educational
Progress, NAEP) – foi concebido para medir as competências funcionais exigidas para uma vida
adulta, madura e independente. Estas competências, definidas de forma ampla, cruzam-se muitas
vezes com aquelas que são fundamentais e úteis para a obtenção de um emprego remunerado, mas
também é preciso reconhecer que elas são fundamentais para que os indivíduos naveguem através
dos complexos sistemas que estão presentes nas nossas vidas quotidianas. 39 Ademais, numa altura
em que se dá cada vez mais atenção à nossa capacidade para avaliar criticamente a quantidade de
informação sem precedentes que recebemos no dia-a-dia, estas competências nunca foram tão
relevantes para a prática de uma cidadania informada e empenhada.40

Discutiremos, nas próximas secções deste artigo, o desempenho médio dos millennials e a
percentagem desta população que obteve um determinado nível de proficiência nas avaliações de
literacia e numeracia do PIAAC.41 Os níveis de proficiência do PIAAC vão desde “abaixo de 1”, o
mais baixo, até ao “5”, o mais alto. Este relatório concentrar-se-á sobretudo nos millennials com
desempenhos mais baixos (os de nível 1 ou inferior e aqueles que obtiveram nível 2), deixando de
parte os que têm nível 3 ou superior. De acordo com a OCDE, o nível 3 representa um padrão de
proficiência “mínima”, tanto no domínio da literacia, como no domínio da numeracia. 42 A Tabela 1

38
Este texto aborda os domínios da literacia e da numeracia.
39
OECD Skills Outlook 2013.
40
Sam Wineburg e Sarah McGrew, "Why Students Can't Google Their Way to Truth", Education Week,
Commentary, 1 de novembro de 2016, http://www.edweek.org/ew/articles/2016/11/02/why-students-cant-
google-their-way-to.html.
41
Os dados sobre a questão da resolução de problemas em ambientes tecnológicos não foram incluídos neste
texto, porque os parâmetros de referência para este domínio variam em relação aos da literacia e da numeracia.
Ver Anexo B para uma descrição pormenorizada dos níveis de proficiência em literacia e numeracia.
42
OECD, Time for the U.S.
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oferece informação adicional acerca dos níveis de proficiência do PIAAC em cada domínio. Para
uma descrição completa de todos os níveis de proficiência e para uma amostra das questões propostas
no estudo, ver o Anexo B.

Os resultados aqui apresentados foram obtidos utilizando o IDB Analyzer da International


Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), software que permite criar uma
sintaxe para utilização nos programas SPSS ou SAS que tem em linha de conta, no cálculo dos
resultados, as características da amostra e o modo como a avaliação foi concebida. 43 Diferenças
observáveis (sejam entre países ou entre determinados grupos de adultos dos EUA) são assinaladas
no texto apenas quando são consideradas estatisticamente significativas (p < .05). Não foram feitos
ajustes estatísticos para explicar as várias comparações.44

Tabela 1
COMPETÊNCIAS DE LITERACIA
Nível 1 ou Conseguem provavelmente ler um texto curto acerca de um tópico que lhes é
inferior familiar, de modo a localizar uma única unidade de informação, utilizando
vocabulário básico.
Têm dificuldade em processar ou integrar duas ou mais unidades de informação
contidas num texto.
Têm dificuldade em orientar-se em textos digitais de modo a aceder e a identificar
informação nas várias partes de um documento.

Nível 2 Conseguem provavelmente identificar paráfrases ou fazer inferências com nível de


dificuldade reduzido.
Têm dificuldade na compreensão de textos longos (múltiplas páginas), em orientar-se
em documentos disponíveis online mais completos e na avaliação de uma ou mais
unidades de informação.
Têm dificuldade em ajuizar, comparar ou contrastar a informação disponibilizada.

Nível 3 ou Conseguem provavelmente orientar-se e compreender textos de várias páginas ou em


superior formatos digitais complexos.
Conseguem provavelmente identificar, interpretar ou avaliar uma ou mais unidades
de informação que podem exigir níveis de inferência variados.
Conseguem provavelmente desempenhar tarefas que exigem que o inquirido produza
sentido a partir de textos longos, ou que desempenhe operações em várias etapas.
Conseguem provavelmente ler e selecionar a informação que é (ir)relevante, para
responder corretamente às questões colocadas.

COMPETÊNCIAS DE NUMERACIA
Nível 1 ou Conseguem provavelmente fazer operações simples: contar, ordenar, fazer
inferior operações aritméticas básicas com números inteiros ou com dinheiro.
Conseguem provavelmente reconhecer representações espaciais comuns em

43
Ver o IEA Data Repository, http://www.iea.nl/our-data.
44
Os resultados, itens da amostra, acesso a ferramentas em linha e outras informações relativas à administração
do PIAAC nos EUA estão disponíveis em https://nces.ed.gov/surveys/piaac/.
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contextos concretos e familiares, onde o contexto matemático é explícito, ou com
pouco texto ou sem distrações a acompanhá-lo.
Têm provavelmente dificuldade em desempenhar tarefas que exijam duas ou mais
etapas, que envolvam cálculos com números inteiros e decimais, percentagens,
frações, medições simples e representação espacial.

Nível 2 Conseguem provavelmente interpretar dados e estatísticas simples em textos,


tabelas ou gráficos.
Têm provavelmente dificuldade em reconhecer e trabalhar com relações
matemáticas, padrões e proporções apresentadas de forma numérica ou textual.
Têm provavelmente dificuldade em interpretar e fazer análises básicas de dados e
estatísticas em textos, tabelas e gráficos.

Nível 3 ou Conseguem provavelmente identificar e lidar com informação e ideias matemáticas


superior integradas num conjunto de contextos comuns.
Conseguem provavelmente desempenhar tarefas em várias etapas e que exigem o
uso de estratégias de resolução de problemas e processos semelhantes.
Conseguem provavelmente reconhecer e trabalhar com relações matemáticas,
padrões e proporções apresentadas de forma textual ou numérica.
Conseguem provavelmente interpretar e desempenhar análises básicas de dados e
estatísticas em textos, tabelas e gráficos.

6. Millennials com baixos níveis de competências nos EUA


Recorrendo a dados do inquérito aplicado no âmbito do 1.º Ciclo do PIAAC, o desempenho
relativo dos millennials dos EUA foi, no melhor dos casos, medíocre, em comparação com o dos seus
homólogos internacionais em 30 países. Na literacia, os millennials inquiridos nos EUA obtiveram
uma classificação mais alta do que os seus equivalentes de 9 países, inferior à dos inquiridos de 11
países e globalmente situada na média do conjunto dos países participantes no estudo. Na numeracia,
os resultados foram mais inquietantes. Em média, os millennials dos EUA tiveram um resultado
acima de apenas quatro países (Espanha, Grécia, Turquia e Chile) e situaram-se abaixo da média do
conjunto dos países participantes no PIAAC (Figura 1).

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SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Figura 1a: Classificações médias nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC para os
millennials, por país/região participante: 2012/2014.

LITERACIA

Nota: Ver a Tabela A-1 para os erros-padrão.


Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014.

134
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Figura 1b: Classificações médias nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC para os
millennials, por país/região participante: 2012/2014 (continuação).

NUMERACIA

Nota: Ver a Tabela A-1 para os erros-padrão.


Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014.

A classificação média é uma das formas de compreender o desempenho dos millennials de um


país, mas deixa de fora detalhes importantes relativos à distribuição dos desempenhos dentro de cada
país. Todos os países têm, obviamente, uma percentagem da sua população nos níveis mais baixos
de competência, mas a amplitude e a distribuição de desempenhos entre os países participantes no
PIAAC é significativa. Por exemplo, na literacia, a percentagem de millennials com baixo nível de
competências variou entre os 2% no Nível 1 ou inferior, para o Japão, e um máximo de 41%, no
Chile, com os Estados Unidos da América a situarem-se no meio, com 14% (Tabela 1). Na numeracia,
a amplitude de desempenho no Nível 1 ou inferior variou de um mínimo de 7% (mais uma vez, no
135
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Japão) até um máximo de 53%, no Chile, com os Estados Unidos a situarem-se nos 25%. Doze países
tiveram uma percentagem mais baixa de millennials no Nível 1 ou inferior no que toca à literacia;
em numeracia, 23 países tiveram percentagens mais baixas. Em numeracia, apenas a Turquia e o
Chile tinham uma percentagem mais elevada de millennials no Nível 1 ou inferior. Verificou-se um
padrão semelhante no que diz respeito ao Nível 2: os millennials inquiridos nos EUA encontram-se
no meio da distribuição no respeitante à literacia; em numeracia, apenas a Irlanda, Grécia e Espanha
apresentaram percentagens mais elevadas da sua população neste nível. 45

É de assinalar também a classificação relativa no respeitante à percentagem de millennials dos


EUA com nível de competências mais altos (com desempenho de Nível 3 ou superior), em
comparação com os seus homólogos internacionais com competências semelhantes. A percentagem
variou entre um máximo de 81% (Japão) e um mínimo de 15% (Turquia), no domínio da literacia, e
um máximo de 68% (Finlândia) e um mínimo de 16% (Chile), na numeracia. Aqui, mais uma vez,
os Estados Unidos da América classificaram-se claramente no meio da tabela em literacia (com 53%)
e mais abaixo em numeracia (40%), com apenas quatro países a apresentarem percentagens inferiores
da sua população de millennials com proficiência de Nível 3 ou superior (Espanha, Grécia, Turquia
e Chile).

45
Para uma discussão detalhada das competências de um subgrupo de países com baixo desempenho em
literacia, incluindo os Estados Unidos, ver Anke Grotlüschen, David Mallows, Stephen Reder e John Sabatini,
Adults with Low Proficiency in Literacy or Numeracy, OECD Education Working Paper No. 131 (Paris: OECD
Publishing, 2016), doi:10.1787/5jm0v44bnmnx-en.
136
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Tabela 1a: Percentagem de millennials nos níveis de desempenho selecionados, nas escalas de
literacia e numeracia do PIAAC, por país/região participante: 2012/2014.

LITERACIA

* Estatisticamente diferente (p < .05) dos Estados Unidos.


Ver Tabela A-2 para os erros-padrão.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014.
137
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Tabela 1b: Percentagem de millennials nos níveis de desempenho selecionados, nas escalas de
literacia e numeracia do PIAAC, por país/região participante: 2012/2014 (continuação)

NUMERACIA

* Estatisticamente diferente (p < .05) dos Estados Unidos da América.


Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014.

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SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

A Tabela 2 mostra com maior detalhe o desempenho dos millennials dos EUA em
determinados níveis de proficiência (no Nível 1 ou inferior, no Nível 2 e no Nível 3 ou superior).
14% da população de millennials, ou 10,4 milhões, tiveram um desempenho de Nível 1 ou inferior
em literacia. Em numeracia, um quarto do total dos millennials – aproximadamente 19,4 milhões –
teve um desempenho neste nível. Quando acrescentamos os millennials que se classificaram no Nível
2, o total aumenta de forma dramática. Estima-se que 36,2 milhões de millennials (47%) tenham um
desempenho de Nível 2 ou inferior em literacia e que um número estimado de 46,1 milhões (60%)
tenha um desempenho de Nível 2 ou inferior em numeracia.

Tabela 2: Percentagem de millennials nos níveis de desempenho selecionados, nas escalas de


literacia e numeracia do PIAAC, por país/região participante: 2012/2014.

*Nível 3 ou acima = Níveis 3, 4 & 5.


Nota: Os totais baseiam-se na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014.

É claro que, dos cerca de 76,7 milhões de millennials dos EUA, alguns são bem-sucedidos na
economia e sociedade de hoje. Tendo em conta aquilo que se sabe acerca da associação entre
competências e resultados na vida, é mais provável que as pessoas com níveis de competências mais
elevados (Nível 3 ou acima) experimentem uma transição mais suave para a vida adulta. 46 É provável
que estes adultos sintam que estão a avançar no sentido de alcançar uma vida sustentável para si e
para os seus filhos. Mas, para muitos outros, com níveis mais baixos de competências, o futuro pode
parecer menos seguro. No respeitante à literacia, havia efetivamente quase tantos millennials com
um desempenho de Nível 2 ou abaixo como os que tinham obtido o Nível 3 ou acima (Figura 2). Na
numeracia, havia mesmo mais millennials (aproximadamente mais 15 milhões) que tiveram um
desempenho de Nível 2 ou abaixo do que aqueles que atingiram o Nível 3 ou acima.

46
OECD Skills Outlook 2013.
139
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Figura 2: Percentagem estimada e número de millennials nos níveis de proficiência selecionados


nas escalas de literacia e numeracia, no PIAAC: 2012/2014.

*Nível 2 ou inferior = Nível 1 ou inferior e Nível 2.


**Nível 3 ou acima = Níveis 3, 4 & 5.
Nota: Os totais baseiam-se na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014.

A existência de um número elevado de jovens adultos com um desempenho de Nível 2 ou


inferior, combinada com o fraco desempenho dos millennials dos EUA quando comparados com os
seus homólogos internacionais, é preocupante. Nos Estados Unidos, o baixo nível de competências
tem impacto em vários aspetos da vida dos indivíduos, desde os mais óbvios, como o emprego e a
educação, até outros menos óbvios, mas igualmente importantes, como os níveis de confiança e
envolvimento na sociedade. Como é que estas dotações de capital humano e social, multiplicadas por
milhões, afetam a sociedade como um todo? Numa perspetiva global, o nível medíocre de
competências de literacia dos residentes adultos dos EUA e o seu fraco desempenho em numeracia
colocam a questão da capacidade competitiva internacional dos Estados Unidos. Para além disso, e
adotando uma perspetiva de longo prazo, precisamos de ter em linha de conta as oportunidades que
se perdem quando tantas pessoas jovens nos EUA são potencialmente relegadas para as margens da
sociedade.

7. Quem São Os Nossos Millennials Com Baixos Níveis de Competências?


Os millennials já foram designados como “o grupo de adultos mais etnicamente diverso na
história americana” e calcula-se que a sua descendência, nas próximas décadas, seja ainda mais
diversa.47 Em Diversity Explosion: How New Racial Demographics Are Remaking America [A

47
William H. Frey, In the U.S., Diversity is the New Majority, Brookings Institution, 6 de março de 2015,
https://www.brookings.edu /opinions/in-the-u-s-diversity-is-the-new-majority/.
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SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
llllllllll
Explosão da Diversidade: Como a Nova Demografia Racial Está a Reconstruir a América] (2014), o
demógrafo William Frey mostra como é importante estar atento às tendências demográficas que
afetam a população de millennials. “É essencial perguntarmo-nos quão bem posicionada está – e
estará – esta população para se sustentar a si e às suas comunidades”, avisa Frey. “Têm que estar bem
formados. Têm que estar preparados para empregos que envolvem tecnologia avançada, os trabalhos
de classe média, ou pelo menos ter a capacidade para se sustentarem e para sustentar a sua
comunidade”.48 Apesar dos medos que as mudanças demográficas às vezes provocam no curto prazo,
Frey defende que “investir nos jovens pertencentes a minorias – que [para alguns] ainda não são
vistos como os seus filhos e netos – é crucial não apenas para o sucesso da economia nacional, mas
também para as contribuições para programas governamentais como a Segurança Social e o
Medicare”.49 Resumindo, quanto mais depressa percebermos que as diferenças acentuadas a nível de
competências entre os diferentes grupos, e dentro de cada grupo, fazem parte de um problema geral
que afeta a população como um todo, melhor ficaremos.

O presente texto oferece mais abaixo uma descrição estatística dos millennials por género,
raça/etnicidade e naturalidade/língua, distribuídos pelos níveis de proficiência acima discutidos.
Estes dados levantam duas questões importantes relacionadas entre si. Por um lado, eles refletem
diferenças acentuadas no desempenho (especialmente a diferença racial/étnica), que nós – e muitos
outros – acreditamos resultarem das desigualdades de acesso a oportunidades dentro do país. 50 Ao
mesmo tempo, e em termos de números absolutos, o problema do baixo nível de competências na
nossa população de millennials é de âmbito geral, tendo, portanto, implicações para todos nós.

7.1. Género
Há, em geral, uma percentagem ligeiramente superior de indivíduos do sexo masculino do que
de indivíduos do sexo feminino na população de millennials (Tabela 3). A reduzida diferença na
classificação de literacia do PIAAC entre millennials do sexo masculino (276) e do sexo feminino
(278) não é estatisticamente significativa. A proximidade relativa nas classificações em literacia dos
jovens do sexo masculino e do sexo feminino contrasta com as avaliações nacionais e internacionais
de crianças em idade escolar, que revelam uma diferença de género favorável às raparigas. 51 Contudo,

48
William H. Frey, entrevista por Tavis Smiley, PBS, 17 de fevereiro de 2015,
http://www.pbs.org/wnet/tavissmiley/interviews /demographerauthor-william-h-frey/.
49
Frey, In the U.S.
50
Kirsch et al., Choosing Our Future; Sean F. Reardon, Demetra Kalogrides, e Ken Shores (2017), The
Geography of Racial/Ethnic Test Score Gaps, Stanford University, Center for Education Policy Analysis,
https://cepa.stanford.edu/content/geography-racialethnic-test-score-gaps.
51
Para os resultados de leitura da NAEP por género, no 12.º ano, ver
https://www.nationsreportcard.gov/reading_math_g12_2015 /#reading?grade=12; Houve quem afirmasse que
a ausência de diferenças entre géneros no PIAAC estaria relacionada com o facto de a literacia, no PIAAC, ser
141
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

no que diz respeito à numeracia, no PIAAC, os millennials do sexo masculino obtiveram uma
classificação mais alta do que as suas equivalentes do sexo feminino; e uma percentagem mais
elevada de jovens adultas obteve uma classificação de Nível 1 ou inferior ou de Nível 2, quando em
comparação com a classificação obtida neste domínio pelos jovens do sexo masculino, verificando-
se também uma percentagem mais reduzida de mulheres a obter o Nível 3 ou acima. Esta diferença
no desempenho entre homens e mulheres no que diz respeito à numeracia encontra paralelo no que
acontece em matéria de desempenho internacional dos estudantes dos EUA com 15 anos de idade e
também no que acontece com os alunos do 12.º ano avaliados no quadro nacional. 52

A diferença entre géneros observável na numeracia está relacionada com questões curriculares
e estruturais na educação, com as escolhas profissionais e mesmo com a utilização de competências
no plano profissional, todas questões que exigem mais investigação.53

Tabela 3: Distribuição percentual, classificações médias, número estimado e percentagem dos


indivíduos com desempenho nos níveis de proficiência selecionados nas escalas de literacia e
numeracia do PIAAC, para os millennials, divididos por género: 2012/2014.

* Estatisticamente diferente (p < .05) de “indivíduo do sexo masculino”.


Nota: Os totais baseiam-se na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014.

definida de forma diferente o que é a leitura, ou a compreensão da leitura, na NAEP e no PISA. Ver Oddny
Judith Solheim e Kjersti Lundetræ, "Can Test Construction Account for Varying Gender Differences in
International Reading Achievement Tests of Children, Adolescents and Young Adults? – A Study Based on
Nordic Results in PIRLS, PISA and PIAAC”, Assessment in Education: Principles, Policy & Practice, (2016),
doi:10.1080/0969594X.2016.1239612. https://nces.ed.gov/surveys/pisa/pisa2015 /pisa2015highlights_4c.asp.
52
Para os resultados de matemática do NAEP por género. no 12.º ano, ver
https://www.nationsreportcard.gov/reading_math_g12_2015/#mathematics/gaps. Para os resultados de
matemática do PISA, ver https://nces.ed.gov/surveys/pisa/pisa2015 /pisa2015highlights_5c.asp.
53
OECD Skills Outlook 2013; Danielle J. Lindemann, Gender and Numeracy Skill Use: Cross-National
Revelations from PIAAC (Washington, DC: American Institutes for Research, 2015),
https://ion.workforcegps.org/sitecore/content/sites/strategies/resources/2015/11/24/19/31/Gender-and-
Numeracy-Skill-Use-Cross-National-Revelations-from-PIAAC?p=1; Fogg, Harrington, e Khatiwada, Human
Capital Investments.
142
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

7.2. Raça/Etnicidade
De acordo com os dados do PIAAC, 59% dos millennials inquiridos identificam-se como
brancos, 19% como hispânicos, 14% como negros e 8% como pertencendo a outros grupos étnico-
raciais.54 A Tabela 4 mostra que a probabilidade de os millennials negros terem um desempenho de
Nível 1 ou inferior em literacia é três vezes maior do que a dos millennials brancos, sendo a dos
millennials hispânicos quatro vezes superior. A diferença de 3 pontos percentuais entre negros e
hispânicos que tiveram uma classificação de Nível 1 ou inferior em literacia não é estatisticamente
significativa. No Nível 2, também não se verificou uma diferença estatisticamente significativa no
desempenho de negros e hispânicos (46% e 40%, respetivamente), sendo que os millennials brancos
ou de outros grupos étnico-raciais obtiveram percentagens mais baixas neste nível do que os
millennials negros ou hispânicos. Em numeracia, o padrão de desempenho entre grupos étnico-raciais
é ligeiramente diferente. Embora haja uma percentagem maior de millennials brancos e de outros
grupos raciais (52% e 47%, respetivamente) do que de millennials negros e hispânicos a obter uma
classificação de Nível 3 ou superior (e uma percentagem menor no Nível 1 ou abaixo), não havia
diferença de percentagens entre os grupos étnico-raciais que ficaram classificados no Nível 2.

Tabela 4: Distribuição percentual, classificações médias, número estimado e percentagem


dos indivíduos com desempenho nos níveis de proficiência selecionados nas escalas de literacia e
numeracia do PIAAC, para os millennials, divididos por raça/etnicidade: 2012/2014.

54
O grupo étnico-racial é uma variável derivada baseada em duas questões sobre raça e etnicidade no PIAAC.
Utilizámos a variável derivada que inclui quatro categorias de raça/etnicidade: branco, negro, hispânico e outro.
Uma segunda variável derivada divide os dados numa quinta categoria, asiático. No entanto, devido às normas
de elaboração deste texto, a utilização desta versão reduziria a nossa capacidade de comunicar dados.
143
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Nota: Os totais baseiam-se na soma dos números, sem arredondamento.


Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

A magnitude das diferenças observadas entre grupos étnico-raciais é profundamente


inquietante. Estudos mostram que a segregação por rendimento é cada vez maior nos Estados Unidos
da América, havendo também uma longa história de segregação étnico-racial, e que estas realidades
estruturais sobrepostas desempenham seguramente um papel decisivo na produção e perpetuação das
diferenças de desempenho observadas entre grupos étnico-raciais ao longo dos 12 anos de
escolaridade primária e secundária.55 As mesmas desigualdades podem estar na base de muitas das
diferenças observadas nos dados do PIAAC para os níveis de competência. Não surpreende que estas
diferenças sejam notórias nos dados relativos às competências da população de jovens adultos. Mas
o que isto nos diz acerca da igualdade no presente e no futuro é bastante preocupante.

Deixando por um momento de lado os fatores que subjazem às diferenças significativas entre
o desempenho dos grupos étnico-raciais nas avaliações nacionais e internacionais, os dados do
PIAAC sobre os jovens adultos mostram que, em termos quantitativos, o problema das competências
desadequadas é transversal aos diversos grupos.56 Mais de 16 milhões de millennials brancos
obtiveram classificações de Nível 1 ou inferior ou de Nível 2, em literacia, e 22 milhões obtiveram
tais níveis no domínio da numeracia.

7.3. Naturalidade e língua

Para dar conta da interseção entre a naturalidade e a língua, a nossa escala utiliza uma variável

55
Ray Chetty, Michael Stepner, Sarah Abraham, Shelby Lin, Benjamin Scuderi, Nicholas Turner, Augustin
Bergeron, e David Cutler, "The Association Between Income and Life Expectancy in the United States, 2001-
2014," Journal of the American Medical Association 315, no. 16, (2016): 1750-1766,
doi:10.1001/jama.2016.4226; Fabian T. Pfeffer e Alexandra Killewald, Generations of Advantage.
Multigenerational Correlations in Wealth from a Life-Course Perspective (2017), https://doi.org/10.1093
/sf/sox086; Martin Carnoy e Emma Garcia, Five Key Trends in U.S. Student Performance (Washington, DC:
Economic Policy Institute, 2017), disponível em http://www.epi.org/publication/five-key-trends-in-u-s-
student-performance-progress-by-blacks-and-hispanics-the-takeoff-of-asians-the-stall-of-non-english-
speakers-the-persistence-of-socioeconomic-gaps-and-the-damaging-effect/; Raj Chetty, Nathaniel Hendren e
Lawrence F. Katz, "The Effects of Exposure to Better Neighborhoods on Children: New Evidence; from the
Moving to Opportunity Experiment," American Economic Review 106, no. 4 (2016): 855-902; Reardon,
Kalogrides, e Shore, Racial/Ethnic Test Score Gaps; Douglas S. Massey e Jonathan Tannen, "Segregation,
Race, and the Social Worlds of Rich and Poor," in The Dynamics of Opportunity in America: Evidence and
Perspectives, ed. Irwin Kirsch e Henry Braun (Nova Iorque: Springer, 2016), 13-33; Gary Orfield, John
Kucsera e Genevieve Siegel-Hawley, E Pluribus ... Separation: Deepening Double Segregation for More
Students, UCLA, The Civil Rights Project, http://escholarship.org/uc/item /8g58m2v9.
56
Sean F. Reardon, "The Widening Academic Achievement Gap between the Rich and the Poor: New Evidence
and Possible Explanations," in Whither Opportunity? Rising Inequality, Schools, and Children's Life Chance
(Nova Iorque: Russell Sage Foundation, 2011), 91-116.
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SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

combinada de “autóctone ou língua materna” versus “nascido no estrangeiro e língua estrangeira”.


Isto permite-nos distinguir entre os millennials para os quais o inglês é a primeira língua e aqueles
para os quais não é. No resto do artigo, designaremos o grupo dos autóctones ou falantes da língua
materna com recurso à categoria “língua materna” e o grupo dos nascidos no estrangeiro e de língua
estrangeira com recurso à categoria “língua estrangeira”.

A crescente heterogeneidade da população jovem adulta dos EUA faz parte de um fenómeno
global que marca vários outros países, designadamente muitos países da OCDE. Embora os Estados
Unidos tenham o maior número absoluto de imigrantes, os millennials de língua estrangeira
representam apenas 9% da população total de millennials. Este valor é inferior à percentagem de
millennials de língua estrangeira em vários outros países da OCDE, incluindo, por exemplo, a Áustria
(13%), o Canadá (15%), a Alemanha (11%), a Noruega (14%) e a Suécia (15%) (Tabela A-4,
Anexos). A comparação das competências dos millennials de língua materna com as dos seus
homólogos de um subconjunto de outros países com percentagens semelhantes de millennials de
língua estrangeira revela vários pontos importantes. 57 Em primeiro lugar, na literacia, os millennials
de língua materna dos EUA obtiveram, em média, uma classificação mais elevada do que os seus
homólogos de língua materna em apenas três países (Irlanda, Espanha e Itália). Em segundo lugar,
no domínio da numeracia, os falantes de língua materna dos EUA obtiveram uma classificação média
superior à dos seus homólogos de apenas um país – Espanha. Em terceiro lugar, os millennials de
língua estrangeira nos Estados Unidos obtiveram, em média, resultados mais elevados do que os seus
homólogos de língua estrangeira em apenas três países (Suécia, Espanha e Itália), no caso da literacia,
e em apenas dois países (Espanha e França), no caso da numeracia (Tabela A-5, Anexos).

No nosso subconjunto de países, os millennials de língua materna obtiveram, em média,


pontuações mais elevadas do que os seus equivalentes de língua estrangeira, tanto em literacia como
em numeracia, e houve uma percentagem menor de millennials de língua materna a obter um
desempenho nos níveis de proficiência mais baixos (Tabela A-6, Anexo). Este é, em grande medida,
um resultado esperado, dado que o PIAAC é administrado nos países da OCDE na língua materna do
país de acolhimento. As análises comparativas revelam que a diferença observada entre adultos de
língua estrangeira e de língua materna em todos os países está relacionada com o país de origem, os
níveis de escolaridade, a idade aquando da imigração e o acesso/experiência escolar nos países de

57
Para efeitos de comparação, analisamos aqui o subconjunto de países da OCDE que têm percentagens iguais
ou superiores de millennials nascidos no estrangeiro/de língua estrangeira. Estes incluem os seguintes países:
Austrália, Áustria, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Espanha,
Suécia e Inglaterra/Irlanda do Norte. Para dados sobre os millennials de língua materna/língua estrangeira
nestes países, consultar os quadros A-4, A-5 e A-6 do Anexo.
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acolhimento.58 Para além da questão das diferenças de desempenho entre os grupos de língua materna
e língua estrangeira, o número de millennials de língua materna dos EUA no grupo com baixos níveis
de competências é visivelmente elevado. Em termos de literacia, quase 8 milhões tiveram um
desempenho igual ou inferior ao Nível 1, com outros 23 milhões a terem um desempenho de Nível
2. Estes números são ainda maiores, mais uma vez, no domínio da numeracia. Cerca de 16,4 milhões
de millennials de língua materna tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, com 24,4
milhões a terem um desempenho de Nível 2 (Tabela 5).

Tabela 5: Distribuição percentual, classificações médias e número e percentagem estimados de


pessoas nos níveis de proficiência selecionados nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC,
para os millennials, divididos por nacionalidade/língua: 2012/2014.

*Estatisticamente diferente (p < .05) de “autóctone ou língua materna".


Nota: Os totais são baseados na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

58
Goodman, Sands e Coley, America's Skills Challenge; Jeanne Batalova e Michael Fix, Through an Immigrant
Lens: PIAAC Assessment of the Competencies of Adults in the United States (Washington, DC: Migration
Policy Institute, 2015), http://www.migrationpolicy.org/research/through-immigrant-lens-piaac-assessment-
competencies-adults-united-states; Jeanne Batalova e Michael Fix, Literacy and Numeracy Skills of Second-
Generation Adults: A Comparative Study of Canada, France, Germany the United Kingdom and the United
States (Washington, DC: Migration Policy Institute, 2016),
https://static1.squarespace.com/static/51bb74b8e4b0139570ddf020/t/578d1e95579fb360acc952bf/146886619
8724 /Batalova_Fix_PIAAC.pdf ; Mark Levels, Japp Dronkers e Christopher Jencks, "Contextual Explanations
for Numeracy and Literacy Skill Disparities between Native and Foreign-Born Adults in Western Countries",
PLOS ONE, doi.org/10.1371 /journal.pone*.0172087; John Sabatini, Understanding the Basic Reading Skills
of U.S. Adults: Reading Components in the PIAAC Literacy Survey (Princeton, NJ: Educational Testing
Service, 2015), https://www.ets.org/s/research/report/reading-skills/ets-adult-reading-skills-2015.pdf.
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SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Passamos agora de uma análise do perfil demográfico dos millennials dos EUA e da sua relação
com as competências para uma investigação da forma como o emprego e a participação em atividades
educativas se relacionam com os níveis de competências.

8. Millennials em Transição
De um modo geral, os millennials encontram-se numa fase de transição em termos dos seus
papéis sociais, à medida que se aproximam e avançam na idade adulta; muitos continuam a tentar
concretizar os seus objetivos educativos, a entrar no mercado de trabalho, a constituir o seu primeiro
agregado doméstico e a criar as suas próprias famílias. A investigação em demografia determinou
que a transição para a idade adulta desta população se prolonga frequentemente para além dos 25
anos.59 Há, de facto, um consenso crescente entre os demógrafos de que, desde a década de 1980, os
EUA têm assistido a um padrão de “prolongamento” da transição para a idade adulta, em contraste
com uma fase de transição mais rápida em meados do século XX. No período do pós-Segunda Guerra
Mundial (aproximadamente de 1945 a finais da década de 1970), as forças económicas, políticas e
sociais convergiram para permitir que um maior número de adultos residentes nos EUA, embora
certamente não todos, conseguisse um emprego remunerado ao sair das instituições de ensino
(frequentemente do ensino secundário), casasse em idades mais jovens e constituísse família. Durante
algum tempo, os demógrafos consideraram que se tratava de uma nova norma, que se diferenciava
de um padrão observável no final do século XIX e início do século XX, em que os jovens adultos
faziam a transição para a independência mais lentamente (por exemplo, casando e constituindo
agregados familiares mais tarde). No entanto, quando analisada numa perspetiva mais alargada, esta
fase de transição mais curta dos jovens adultos de meados do século XX parece agora mais o desvio
do que a norma. Os millennials estão, enquanto grupo, a adiar o fim da escolaridade e a constituição
de agregados familiares com um parceiro.60

Por conseguinte, é claramente útil considerar se o emprego e o estatuto de estudante (inscrito


ou não no ensino formal) afetam os níveis de competências deste grupo, e de que modo o fazem.
Tanto em termos de literacia, como de numeracia, os millennials que estavam simultaneamente
empregados a tempo inteiro e envolvidos em atividades educativas formais apresentavam a
percentagem mais elevada de desempenho de Nível 3 ou superior, bem como a percentagem mais
baixa de desempenho de Nível 1 ou inferior ou de Nível 2 (Tabela 6). Estes são, essencialmente, os
millennials duplamente empenhados. No outro extremo do espectro, os millennials que estavam
ççççç

59
Ver Reid Cramer, "Millennials Rising" e Pew Research Center, disponível em
http://www.pewresearch.org/topics/millennials/.
60
Jordan Stanger-Ross, Christina Collins e Mark J. Stern, "Falling Far from the Tree: Transitions to Adulthood
and the Social History of Twentieth-Century America", Social Science History 29, no. 4 (2005): 625-648.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

desempregados e não estavam inscritos no ensino representavam quase o dobro da percentagem (26%
em literacia e 47% em numeracia) no Nível 1 ou abaixo deste, em comparação com os millennials
em geral (14% em literacia e 25% em numeracia). Estes dados corroboram em grande medida as
conclusões da literatura que se debruça sobre a “desconexão”, e que este artigo anteriormente referiu.
De um modo geral, aqueles que não têm laços com o mercado de trabalho e a educação representam
alguns dos nossos jovens adultos mais vulneráveis e correm um risco maior de ter resultados
negativos na vida.61

61
Congressional Research Service, Disconnected Youth.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Tabela 6: Percentagem de millennials nos níveis de proficiência selecionados nas escalas de


literacia e numeracia do PIAAC, divididos por situação profissional e educativa.

LITERACIA

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SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

NUMERACIA

Nota: Ver Quadro A-3 do Anexo para dados pormenorizados e erros-padrão.


Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

Os dados do PIAAC assinalam, no entanto, que ter um emprego não garante, por si só, a posse
de competências. Nem tampouco o garantem, aparentemente, algumas vias do ensino secundário e
pós-secundário formal. As Tabelas 7 e 8 permitem-nos ver os dados de forma ligeiramente diferente,
e destacar a questão da conexão - tanto à educação como ao emprego -, na sua relação com as
competências. Nestas tabelas, as percentagens são calculadas com base no número total em cada
nível de competências, e não numa categoria de emprego/educação, como era o caso na Tabela 6.
Quando o fazemos, observamos que, dos cerca de 10,4 milhões de millennials que tiveram um
desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia, 30% – ou aproximadamente 3,1 milhões –
estavam inscritos na educação formal/em programas certificados. Relativamente à numeracia, dos
cerca de 19,4 milhões de millennials que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, cerca
de 35% deles, ou seja, 6,9 milhões, estavam matriculados no ensino na altura de realização do
inquérito do PIAAC.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Tabela 7: Estimativa do número e da percentagem de millennials por desempenho nos níveis de


proficiência selecionados nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC, divididos por situação
escolar atual: 2012/2014.

* Estatisticamente diferente (p < 0,05) de "No Nível 3 ou superior".


Nota: Os totais são baseados na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

Para compreender melhor a relação entre as competências – e, em particular, as competências


mais baixas – e a educação, analisámos os millennials atualmente matriculados no ensino segundo o
seu nível de escolaridade mais elevado (Tabela 8). Dos cerca de 3 milhões de millennials dos EUA
com baixa classificação no domínio da literacia que estavam matriculados no ensino, quase dois
terços (62%) tinham menos do que o ensino secundário. No que diz respeito à numeracia, dos cerca
de 7 milhões de millennials com baixa classificação em numeracia inscritos no ensino formal, 56%
tinham menos do que o ensino secundário. Embora mais de metade destes millennials fosse estudante
do ensino secundário, ou estivesse, aquando do PIAAC, a obter uma equivalência ao ensino
secundário, o desempenho no Nível 1 ou inferior deveria ser motivo de grande preocupação. 62 Com
competências de tal modo baixas, estes indivíduos enfrentarão provavelmente obstáculos
substanciais para concluir com êxito um curso pós-secundário de dois ou quatro anos, ou para
progredir no mercado de trabalho.63

Igualmente surpreendente, porém, é que 34% dos que tiveram um desempenho igual ou
inferior ao Nível 1 em literacia, e 37% dos que tiveram os mesmos resultados em numeracia, estavam
de facto inscritos no ensino formal e tinham o ensino secundário/frequência do ensino superior (não
diplomados). Além disso, dos millennials que obtiveram resultados de Nível 2, 42%, na literacia, e

62
Sabatini, Basic Reading Skills.
63
Russell W. Rumberger e Sun Ah Lim, Why Students Drop Out of School: A Review of 25 Years of Research,
Vol. 15 (Santa Barbara, CA: California Dropout Research Project Report, 2008).
151
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46%, na numeracia, estavam inscritos no ensino formal e tinham o ensino secundário/frequência do


ensino superior (não diplomado).

Tabela 8: Estimativa do número e da percentagem de millennials por nível de escolaridade atual e


desempenho nos níveis de proficiência selecionados nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC,
divididos por nível de escolaridade: 2012/2014.

*Estatisticamente diferente (p < .05) de "No Nível 3 ou superior".


Nota: Os totais são baseados na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

Os dados do PIAAC vão ao encontro, neste ponto, de uma série de trabalhos académicos acerca
das diferenças relevantes nos tipos e na qualidade dos programas de educação/certificação/formação
oferecidos aos millennials, e assinalam que, num país tão grande e diversificado como os Estados

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Unidos da América, o ensino pós-secundário está “longe de ser um produto padronizado”. 64 Além
disso, estas conclusões vão ao encontro de uma literatura robusta que analisa a questão da equidade
no que respeita ao ensino superior. Estudos recentes documentaram que muitos dos que iniciam o
ensino superior e não o terminam, bem como muitos dos que frequentam instituições com fins
lucrativos não regulamentadas, começam e terminam frequentemente em clara desvantagem. É
provável que a complexa interação entre as disparidades étnico-raciais e de rendimento esteja aqui,
de várias formas, em jogo.65 Por exemplo, em média, os estudantes negros e com baixos rendimentos
contraem mais empréstimos – e com maior frequência – do que os estudantes brancos e com
rendimentos mais elevados, para pagarem a sua licenciatura, mesmo em instituições públicas.

Além disso, o endividamento dos estudantes negros e com rendimentos mais baixos para
obterem graus de “associado” [NT: grau de ensino pós-secundário obtido ao fim de dois ou três anos,
abaixo do nível da licenciatura] e graus em instituições de ensino superior com fins lucrativos
aumentou na última década, apesar de alguns destes graus conferirem muitas vezes poucas
competências e escassas perspetivas de emprego.66 A dívida estudantil contraída para pagar estes
graus é também muitas vezes diferenciada em função do rendimento e da raça/etnia, colocando
demasiados millennials e suas famílias em situação de risco face a outras dificuldades económicas
no futuro.67

O número de millennials ligados nos EUA ao mercado de trabalho e com baixo desempenho é
outro aspeto da questão relacionada com a noção de “conexão” que merece uma análise mais
aprofundada. Também neste caso, especialmente num mercado de trabalho como o dos
Estados Unidos, que tem uma grande proporção de empregos na extremidade inferior do espectro

64
Fogg, Harrington e Khatiwada, Human Capital Investments.
65
Raj Chetty, John N. Friedman, Emmanuel Saez, Nicholas Turner e Danny Yagan (2017), Mobility Report
Cards: The Role of Colleges in Intergenerational Mobility, NBER Report No. w23618 (Cambridge, MA:
National Bureau of Economic Research, 2017); Harry J. Holzer, "Improving Opportunity Through Better
Human Capital Investments for the Labor Market", in The Dynamics of Opportunity in America: Evidence and
Perspectives, ed. Irwin Kirsch e Henry Braun (Nova Iorque: Springer, 2016), 387-412; Margaret Cahalan e
Laura Perna, "Indicators of Higher Education Equity in the United States: 45 Year Trend Report," Pell Institute
for the Study of Opportunity in Higher Education (Filadélfia: Pell Institute for the Study of Opportunity in
Higher Education, 2015), https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED555865.pdf.
66
Sara Goldrick, Robert Kelchen e Jason Houle, "The Color of Student Debt: Implications of Federal Loan
Program Reforms for Black Students and Historically Black Colleges and Universities" (Madison, WI:
Wisconsin HOPE Lab, 2014); Mark Huelsman, The Debt Divide: The Racial and Class Bias Behind the 'New
Normal' of Student Borrowing (Nova Iorque: Demos, 2015), http://www.demos.org/publication/debt-divide-
racial-and-class-bias-behind-new-normal-student-borrowing.
67
Judith Scott-Clayton e Jing Li, Black-White Disparity in Student Loan Debt More than Triples after
Graduation, Evidence Speaks Report (Washington, DC: Brookings Institution, 2016); Rumberger e Lim, Why
Students Drop Out.
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de competências, o facto de ter um emprego não protege de forma alguma os indivíduos da exposição
às dificuldades associadas às baixas competências.68 De facto, como um estudo demonstrou, embora
muitos indivíduos com baixas competências tenham elevada probabilidade de estar empregados nos
Estados Unidos, este emprego muitas vezes não oferece grande proteção. As pessoas empregadas
com baixas competências correm maior risco de evicção do mercado de trabalho em caso de recessão
económica, bem como de recebimento de salários baixos, não se encontrando muitas vezes em
condições de melhorar as suas competências. 69 Dos cerca de 10,4 milhões de millennials que tiveram
em literacia um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, quase dois terços (65%) estavam
empregados a tempo inteiro (43%) ou a tempo parcial (22%) (Tabela 9). Isto significa que
aproximadamente 6,7 milhões de millennials com alguma ligação ao mercado de trabalho podem ter
dificuldades decorrentes das baixas competências de literacia, como as que resultem de dificuldades
em ajuizar, comparar ou contrastar a informação fornecida. Quando olhamos para o desempenho no
domínio da numeracia, os números são ainda mais impressionantes: estima-se que 12 milhões de
millennials que trabalham a tempo inteiro ou parcial possam ter dificuldades relacionadas com as
baixas competências de numeracia, tais como as que decorrem de dificuldades para identificar e fazer
operações com base em informações e ideias numéricas – mesmo quando estas estão inseridas em
contextos comuns, em que o conteúdo é bastante explícito ou visual e a informação é transmitida
com poucas distrações.

68
C. Brett Lockard, Occupational Employment Projections to 2020 (Washington, DC: Bureau of Labor
Statistics, 2012), https://www.bls.gov/opub/mlr/2012/01/art5full.pdf ; OECD Skills Outlook 2013.
69
OECD, Time for the U.S.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Tabela 9: Estimativa do número e da percentagem de millennials nos níveis de proficiência


selecionados nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC, por situação profissional atual:
2012/2014.

*Estatisticamente diferente (p < 0,05) de "No nível 3 ou superior".


Nota: Os totais são baseados na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

A isto acresce o número de millennials empregados que tiveram um desempenho de Nível 2.


Em termos de emprego, verificamos que, no domínio da literacia, cerca de 26 milhões (34% de todos
os millennials) tiveram um desempenho de Nível 2; destes, cerca de 17,5 milhões (69%) estavam
empregados a tempo inteiro ou parcial. No respeitante à numeracia, cerca de 27 milhões de
millennials (35% do total de millennials) atingiram o Nível 2 de proficiência; destes, cerca de 19
milhões (71%) trabalhavam a tempo inteiro ou parcial (ver Quadro A-3, Anexos, para mais
pormenores). No total, havia mais millennials a trabalhar a tempo inteiro ou parcial abaixo do Nível
3 – o que significa que tinham baixos níveis de competências – do que no Nível 3 ou acima (Figura
3). Embora este padrão esteja invertido na literacia, estimava-se ainda assim que 24 milhões de
millennials possuíssem baixos níveis de competências neste domínio.

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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Figura 3: Estimativa do número de millennials empregados nos níveis de proficiência selecionadas


nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC: 2012/2014.

*Igual ou inferior ao Nível 2 = Igual ou inferior ao Nível 1 e ao Nível 2.


**No Nível 3 ou acima = Níveis 3, 4 e 5.
Nota: Os totais são baseados na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

Quando analisamos o Nível 2 de competências e o nível de escolaridade, verificamos que mais


de 10 milhões de millennials em cada domínio estavam inscritos nalgum programa de
ensino/certificação. De facto, na numeracia, refletindo o padrão que encontrámos para o emprego,
dos millennials atualmente inscritos em programas de educação/certificação, eram mais aqueles com
competências de Nível 2 ou inferior do que aqueles com competências de Nível 3 ou superior (Figura
4).

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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

Figura 4: Número estimado de millennials com desempenho nos níveis de proficiência


selecionados nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC que estão inscritos no ensino:
2012/2014.

*No Nível 2 ou abaixo = No Nível 1 ou inferior e no Nível 2.


**No Nível 3 ou acima = níveis 3, 4 e 5.
Nota: Os totais são baseados na soma dos números, sem arredondamento.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

Os dados do PIAAC dão-nos algumas indicações sobre o tipo de profissões e de remuneração


destes millennials pouco qualificados. Em termos de numeracia, embora um pouco mais de metade
(51%) dos millennials que tiveram um desempenho igual ou superior ao Nível 3 trabalhasse em
profissões qualificadas (por exemplo, legisladores, funcionários superiores e gestores, profissionais
liberais, técnicos e profissionais afins), 43% dos que tinham um desempenho igual ou inferior ao
Nível 1, e 43% dos que tinham um desempenho de Nível 2, trabalhavam em profissões
semiqualificadas de “colarinho branco” (por exemplo, empregados de escritório, trabalhadores dos
serviços e vendedores em lojas ou em grandes superfícies). Os padrões são semelhantes no que toca
à literacia. No entanto, os millennials que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em
literacia tinham cerca de três vezes mais probabilidades de trabalhar em profissões pouco qualificadas
(por exemplo, assistentes de preparação de alimentos, operadores de máquinas e empregados de
limpeza) do que os que tinham um desempenho igual ou superior ao Nível 3 (Tabela A-7, Anexo).

A ligação entre competências e salários tem sido bem documentada em inquéritos e pesquisas

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sobre o mercado de trabalho, e os dados do PIAAC estão em linha com as conclusões gerais. Tal
como será demonstrado num próximo texto, existe uma forte associação entre uma maior capacidade
produtiva dos trabalhadores, níveis mais elevados de escolaridade e níveis mais elevados de
proficiência em literacia e numeracia. Estes fatores traduzem-se geralmente em "melhores resultados
em termos de emprego e de rendimentos nos mercados de trabalho dos EUA", onde as vantagens em
termos de rendimentos, para os adultos com idades compreendidas entre os 25 e os 65 anos,
associadas a elevados níveis de competências de literacia e numeracia, são bastante significativas. 70
Isto também se observa nos dados do PIAAC relativos aos jovens adultos: os que têm níveis de
competências mais baixos ganham menos. Cerca de três quartos, ou 76%, dos que obtiveram uma
pontuação igual ou inferior ao Nível 1 na escala de literacia do PIAAC tinham ganhos situados nos
dois quintis mais baixos de rendimento, ou seja, menos de 2.300 dólares mensais e menos de 28.000
dólares anuais (Tabela A-8, Anexo). Além disso, muitos destes millennials estão confinados a
empregos pouco qualificados e com salários baixos.

A investigação atual sobre o trabalho, que recorre aos dados do PIAAC, demonstra que,
embora se verifique alguma melhoria de competências relacionadas com o emprego, as empresas
tendem a dar prioridade às oportunidades de formação adicional para os principais gestores e
funcionários, e não para os seus trabalhadores menos qualificados. 71 Um relatório da Coligação
Nacional para as Competências [National Skills Coalition] revelou também que muitos adultos com
empregos pouco qualificados no setor dos serviços nos Estados Unidos da América não possuem as
competências de literacia e numeracia necessárias para aproveitar plenamente as oportunidades de
progredir nas empresas do setor dos serviços, o que cria "um entrave invisível à produtividade e à
mobilidade dos trabalhadores". 72 Para além do benefício óbvio do aumento dos salários e das
perspetivas educativas, há uma série de outras vantagens para os trabalhadores que têm acesso a
melhores oportunidades de emprego (por exemplo, planos de poupança-reforma, cuidados de saúde
acessíveis, baixa médica paga, etc.). Embora o último inquérito do PIAAC não tenha medido todos
estes indicadores de benefícios laborais, os dados confirmam que os millennials com menor
desempenho têm menos probabilidades de ter um seguro de saúde do que os seus equivalentes mais
qualificados (Tabela A-9, Anexo).

70
Fogg, Harrington e Khatiwada, Human Capital Investments. Para adultos com idades compreendidas entre
os 25 e os 65 anos, Fogg, Harrington e Khatiwada mostraram que, para cada dólar ganho pelos trabalhadores
no nível de proficiência mais baixo, os seus homólogos no nível 4/5 ganhavam 2.28 dólares.
71
Raymond J. Wlodkowski e Margery B. Ginsberg, Teaching Intensive and Accelerated Courses: Instruction
that Motivates Learning (Hoboken, NJ: John Wiley and Sons, 2010); OECD Skills Outlook 2013; Amanda
Bergson-Shilcock, Foundational Skills in the Service Sector (Washington, DC: National Skills Coalition,
2017), http://www.nationalskillscoalition.org/news/blog/nscs-new-report-explores-role-of-skill-building-for-
service-sector-workers.
72
Bergson-Shilcock, Foundational Skills.
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Ao chamar a atenção para as ligações com a educação formal e o mercado de trabalho, a


investigação sobre a desconexão centra a atenção num segmento claramente vulnerável da população
adulta mais jovem. Mas a noção alargada de desconexão aqui apresentada – uma noção de
marginalização devida às baixas competências – revela uma imagem mais matizada dos desafios que
uma geração de jovens adultos com baixas competências enfrenta atualmente. Embora exista
claramente uma relação positiva entre a proficiência em competências e a educação, a investigação
demonstrou que existe uma grande variação dos níveis de competências dentro de cada categoria de
habilitação literária. Além disso, apesar de o mercado de trabalho dos EUA acomodar muitos dos
indivíduos com baixas competências, o emprego para esses indivíduos pode proporcionar apenas
vantagens limitadas. 73 Milhões de millennials que avançam na idade adulta não possuem as
competências necessárias que lhes permitam tirar pleno partido das oportunidades que se lhes podem
apresentar – apesar de muitos terem concluído o ensino secundário, manterem ligações ao ensino
pós-secundário formal ou participarem no mercado de trabalho. De modo igualmente relevante, a
investigação mostra que as competências estão correlacionadas com o modo como os indivíduos se
sentem ligados à sociedade em geral, e com o seu bem-estar geral, incluindo os seus níveis de
confiança e de envolvimento com os outros e com as instituições sociais. Na secção seguinte,
exploramos estes importantes fatores, não relacionados com o mercado de trabalho, associados às
competências.

9. Capital social

No final do século XIX – o início da era moderna –, o filósofo francês Émile Durkheim
preocupava-se muito com a erosão das ligações entre os indivíduos e a sociedade. Ele acreditava que
o indivíduo e a sociedade estavam tão fortemente ligados que estudou especificamente a forma como
as taxas de suicídio – na variante a que chamou "suicídio anómico" – estariam ligadas ao nível de
desintegração social. É curioso – e assustador – que os investigadores e os meios de comunicação
social tenham começado a documentar um novo fenómeno nos Estados Unidos da América: o
aumento dos suicídios (sobretudo entre as pessoas com baixos níveis de escolaridade – a única forma
de medição das competências utilizada nestes estudos), fenómeno que passou a ser conhecido como
o das "mortes por desespero".74 Angus Deaton e Anne Case, autores de um estudo sobre o aumento

73
Fogg, Harrington e Khatiwada, Human Capital Investments; Henry Braun, How Long is the Shadow? The
Relationships of Family Background to Selected Adult Outcomes—Results from PIAAC (no prelo).
74
Para o estudo pioneiro sobre a mortalidade e a morbosidade no século XXI, ver Anne Case e Angus Deaton,
"Rising Morbidity and Mortality in Midlife among White Non-Hispanic Americans in the 21st Century",
Proceedings of the National Academy of Sciences 112, no. 49 (2015): 15078-15083. Para uma discussão desta
questão relativamente aos millennials, ver Jeanna Smialek, "Young White America Is Haunted by a Crisis of
Despair," Bloomberg, 18 de abril de 2017, https://www.bloomberg.com /news/features/2017-04-18/young-
white-america-is-haunted-by-a-crisis-of-despair; Anne Case e Angus Deaton, Mortality and Morbidity in the
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da taxa de mortalidade entre os indivíduos brancos de meia-idade com menos do que o ensino
secundário nos EUA, reconhecem que a preocupação se deve estender, de facto, à população da
chamada geração millennial: "A América não é um bom lugar para pessoas que têm apenas o ensino
secundário", observa Case, "e não creio que isso vá melhorar tão cedo". 75 O grande número de
millennials com baixos níveis de competências, juntamente com a complexa e importante relação
entre competências e aquilo a que os investigadores chamam "capital social", tem claramente
consequências profundas e de grande alcance.

A forma como as competências interagem com o capital social é uma questão decisiva e
complexa. A OCDE promoveu uma iniciativa para examinar os padrões de confiança, uma
componente importante do capital social, nos seus países membros, na sequência da crise financeira
mundial de 2008. Num relatório de 2015, surgem provas de que as nações com competências
cognitivas gerais mais elevadas apresentavam níveis de confiança mais elevados. 76 Em 2014, Patrícia
Dinis da Costa et al., do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, analisou a relação
entre educação, competências e bem-estar social, numa seleção de países da União Europeia que
participaram no PIAAC. Os seus resultados indicam que "as competências e capacidades dos
indivíduos são fundamentais para uma participação efetiva e proveitosa na vida social e económica
nas atuais economias globalizadas”. 77

Os dados do PIAAC permitem-nos analisar a forma como os níveis de competências se


alinham com as noções de capital social, através de uma série de perguntas presentes no respetivo
questionário-base.78 Aqui, tal como na secção anterior, analisamos estas questões através da
observação das percentagens calculadas sobre o total em cada nível de competências. As
características associadas ao nível de confiança individual são analisadas através de duas questões:
"São poucas as pessoas em quem podemos confiar plenamente" e "Se não tivermos cuidado, as outras
pessoas aproveitam-se de nós". A nossa análise mostra que, para os millennials como um todo, não
é evidente que exista um nível elevado de confiança nos outros. No entanto, as pessoas com níveis
de competências mais baixos parecem ter níveis de confiança mais reduzidos do que os seus
equivalentes com níveis de competências mais elevados. Pouco mais de três quartos dos millennials

21 st Century (Washington, DC: Brookings Institution, 2017).


75
Smialek, "Young White America".
76
Francesca Borgonovi e Tracey Burns, The Educational Roots of Trust, OECD Education Working Papers
No. 119 (Paris, OECD Publishing, 2015), doi.org/10.1787/5js1kv85dfvd-en.
77
Patricia Dinis da Costa, Margarida Rodrigues, Esperanza Vera-Toscano e Anke Weber, "Education Adult
Skills and Social Outcomes Empirical Evidence from the Survey on Adult Skills (PIAAC 2013),"
(Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2014), 57.
78
Para mais informações sobre o questionário-base do PIAAC, ver
https://nces.ed.gov/surveys/piaac/questionnaires.asp.
160
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 (76% em literacia e 77% em numeracia)
afirmaram que concordavam, ou concordavam totalmente, com a afirmação de que "São poucas as
pessoas em quem se pode confiar totalmente" (Tabela 10). Estas percentagens são mais elevadas do
que as dos que tiveram um desempenho igual ou superior ao Nível 3 (65% em literacia e 62% em
numeracia). Além disso, 82% das pessoas que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1
em literacia e 84% em numeracia, concordaram ou concordaram totalmente que "Se não tivermos
cuidado, as outras pessoas aproveitam-se de nós" – um número que também é superior ao das pessoas
que tiveram um desempenho igual ou superior ao Nível 3 em ambos os domínios (74% e 72% em
literacia e numeracia, respetivamente). De acordo com o Pew Reasearch Center, "as pessoas que se
sentem vulneráveis ou, por qualquer razão, em desvantagem acham que é mais arriscado confiar,
porque estão menos capacitadas para lidar com as consequências de uma confiança mal depositada”.79
Estes dados sobre a confiança devem ser vistos como particularmente alarmantes, sobretudo no que
diz respeito a uma população que está a entrar na idade adulta.

A investigação também mostra que os níveis de confiança estão correlacionados com a doação
graciosa de tempo e dinheiro.80 As taxas de voluntariado foram apuradas no PIAAC através de uma
questão que perguntava aos participantes: "Nos últimos 12 meses, com que frequência, se alguma,
fez trabalho voluntário, incluindo trabalho não remunerado para uma instituição de caridade, partido
político, sindicato ou outra organização sem fins lucrativos?". Espelhando os resultados relativos à
confiança, 63% das pessoas com um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia, e 57% em
numeracia, afirmaram nunca fazer trabalho voluntário, enquanto somente 35% das pessoas com um
desempenho igual ou superior ao Nível 3 em literacia, e 33% em numeracia, afirmaram nunca fazer
trabalho voluntário.

Os adultos que participaram no PIAAC também foram inquiridos acerca do seu nível de
eficácia política ("As pessoas como eu não têm nada a dizer sobre o que o governo faz"). Mais uma
vez, tal como observámos com as medidas de confiança, os millennials com menos competências
eram mais propensos a mostrar atitudes desfavoráveis relativamente a este aspeto do capital social.
De facto, os millennials com um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 tinham uma probabilidade
20 pontos percentuais superior, no caso da literacia, e 17 pontos percentuais superior, no caso da
numeracia, de acreditar que "não têm nada a dizer sobre o que o governo faz”, por comparação com
os que tinham um desempenho igual ou superior ao Nível 3. Dada a forte correlação entre
competências e rendimentos, a afirmação resumida de Robert Putnam sobre a divisão entre
privilegiados e desfavorecidos, em termos de impacto no governo, aplica-se provavelmente neste

79
Pew Research Center, Millennials in Adulthood: Detached from Institutions, Networked with Friends, 2014,
http://www.pewsocialtrends.org/2014/03/07/millennials-in-adulthood/.
80
Wilkinson and Pickett, Spirit Level.
161
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

caso: "Os jovens ricos estão mais confiantes de que podem influenciar o governo e, em grande
medida, têm razão. Não é de surpreender que os miúdos pobres tenham menos probabilidades de
tentar fazê-lo”.81

Os dados do PIAAC relacionados com o capital social – confiança social, eficácia política e
participação cívica – permitem matizar um padrão geral referido noutros inquéritos e investigações.
Os dados do Pew Research Center confirmam que, enquanto grupo, os millennials têm menos
probabilidades do que as gerações mais velhas de possuir filiações sociais e políticas e de confiar nas
instituições públicas. 82 O Pew Research Center atribuiu parte da responsabilidade pelo fosso entre os
grupos à maior percentagem de minorias e de pessoas com um estatuto socioeconómico mais baixo
entre os grupos mais jovens; embora seja plausível, outra razão para os baixos níveis de confiança
entre a população milennial (ou partes dela) pode também residir na relação complexa entre níveis
de competências, oportunidades e resultados obtidos na vida.

Tabela 10: Percentagem de millennials nos níveis de proficiência selecionados nas escalas de
literacia e numeracia do PIAAC, por indicadores de coesão social: 2012/2014.

81
Robert D. Putnam, Our Kids: The American Dream in Crisis (Nova Iorque: Simon and Schuster, 2016), 235.
Para mais informação sobre millennials e padrões de voto, ver Richard Fry, Millennials Match Baby Boomers
as Largest Generation in U.S. Electorate, But Will They Vote?, Facttank (Washington, DC: Pew Research
Center, 2016),http://www.pewresearch.org/fact-tank/2016/05/16/millennials-match-baby-boomers-as-largest-
generation-in-u-s-electorate-but-will-they-vote/.
82
Millennials in Adulthood.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

*Significativo estatisticamente a partir de "No nível 3 ou superior"


Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Programa Internacional para
a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), 2012/2014

Como ler este gráfico: Este gráfico mostra a percentagem de millennials com três níveis de
proficiência (igual ou inferior ao Nível 1, Nível 2 e igual ou superior ao Nível 3) em literacia e
numeracia, numa série de questões do questionário-base do inquérito do PIAAC. Atentando à
primeira questão cujos dados são aqui apresentados – "Existem poucas pessoas em quem se pode
confiar plenamente" –, os dados do PIAAC mostram que 76% dos millennials com um desempenho
igual ou inferior ao Nível 1 em literacia concordaram, ou concordaram totalmente, que existem
poucas pessoas em quem podem confiar plenamente. Três quartos (75%) dos millennials que se
classificaram no Nível 2 concordam ou concordam totalmente que há poucas pessoas em quem

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podem confiar totalmente, o que, mais uma vez, é significativamente diferente da percentagem que
afirmou concordar, ou concordar totalmente, com esta afirmação, e que tinha competências no Nível
3 ou superior.

10. Implicações
Quase metade dos millennials dos EUA – cerca de 36 milhões – está a tentar fazer a transição
para a vida adulta com baixos níveis de competências em literacia, e mais de metade – cerca de 46
milhões – está a fazê-lo com baixos níveis de competências em numeracia. Os millennials com baixas

competências têm maior probabilidade de estar desempregados, de estar excluídos da população


ativa, de trabalhar em profissões pouco qualificadas e de auferir baixos rendimentos; têm também
menor probabilidade de ter cobertura em matéria de cuidados de saúde do que os aqueles que têm
competências mais elevadas. Além disso, é menos provável que tenham confiança nas outras pessoas,
que se empenhem civicamente e que sintam que têm capacidade para influenciar o governo. Estes
números e correlações não podem nem devem ser ignorados. São especialmente preocupantes quando
levamos em linha de conta a cada vez maior desigualdade, entre os nossos millennials, no plano das
oportunidades para adquirir e desenvolver capital humano, e a forma como isto se relaciona com a
combinação de vantagens e desvantagens que existe nos Estados Unidos da América dos nossos dias.

Ao basearmo-nos exclusivamente na desconexão face ao mercado de trabalho e à educação


como indicadores do problema, talvez estejamos a aplicar critérios do século XX para compreender
um desafio do século XXI. Durante grande parte do século passado, os Estados Unidos da América
foram vistos como líderes na duração da escolaridade que proporcionavam aos seus cidadãos. Uma
licenciatura de quatro anos era acessível, do ponto de vista financeiro, para um número crescente de
indivíduos nos EUA. Nas três décadas imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial, o ensino
secundário proporcionava a muitos as competências suficientes para obterem um emprego capaz de
sustentar uma vida de classe média: salários sustentáveis, acesso a cuidados de saúde e outros
benefícios para os trabalhadores, tais como pensões e reformas, e oportunidades acessíveis de ensino
superior para os filhos. Durante este período, quem estivesse desconectado do emprego ou da
educação, e tivesse entre 16 e 24 anos de idade, corria o risco de ter um futuro incerto.

O final do século XX assistiu à convergência de uma série de mudanças fundamentais que


alteraram esta equação. Tínhamos passado, para o bem e para o mal, para uma economia dependente
de cadeias de abastecimento global, impulsionada por uma série de avanços tecnológicos e decisões
políticas. Como defendeu Thomas Friedman em 2005, o mundo tinha-se aplanado.83 Esta mudança

83
Thomas L. Friedman, The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-First Century (Nova Iorque: Farrar,
164
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175

de enorme alcance teve consequências significativas por todo o lado; nos Estados Unidos da América,
tal mudança também teve impacto em muitos aspetos da vida, mas talvez tenham sido mais evidentes
os seus efeitos na natureza do trabalho e nas competências que passaram a ser necessárias. Esta nova
economia diferia em aspetos importantes da economia de crescimento acelerado do período pós-
Segunda Guerra Mundial nos EUA, quando as oportunidades eram abundantes para um vasto leque
da população. Atualmente, porém, há menos oportunidades sustentáveis para quem não possui
competências de nível superior. E o trabalho que está disponível para a população pouco qualificada
tem muitas vezes os seus próprios riscos. Muitos dos empregos pagos à hora, no setor em expansão
dos serviços – onde muitos dos que possuem baixos níveis de competências encontram emprego –,
não oferecem seguro de saúde, benefícios de reforma, salários sustentáveis, nem mesmo horários
estáveis. Para piorar a situação, embora as taxas de escolarização – tanto no ensino secundário, como
em muitas modalidades de ensino pós-secundário – tenham aumentado,84 muitos jovens adultos que
obtiveram, ou estão a obter, esses diplomas não têm as competências essenciais para progredir
economicamente, e podem estar, para além disso, sobrecarregados com dívidas relativas ao ensino
pós-secundário que frequentaram ou frequentam. Por outras palavras, o que se verifica é que um
número considerável de millennials com um nível de competências baixo está efetivamente
empregado ou matriculado no ensino. A definição de conexão simplesmente como uma associação
ao emprego e à educação esconde, portanto, uma realidade mais incómoda. As desvantagens estão a
aumentar para demasiados millennials nos EUA – incluindo alguns dos que estão “conectados”, no
sentido mais tradicional.

O facto de tantos dos nossos jovens adultos terem baixos níveis de capital humano não coloca
em risco apenas a capacidade de algumas pessoas terem sucesso no mercado de trabalho. Ameaça
também as nossas tradições e instituições democráticas fundamentais. Um importante
constitucionalista, Ganesh Sitaraman, defende que "a Constituição Americana assenta no pressuposto
de que a nação tem uma relativa igualdade económica – uma classe média forte, sem riqueza ou
pobreza extremas, e com oportunidades económicas". 85 Afirma ainda que, "em contraste com dois
milénios de constituições assentes na desigualdade de classes, a nossa Constituição foi forjada, em
parte, na tentativa de reconstruir o destino económico das pessoas comuns". 86 Barry C. Lynn, que
escreve acerca dos perigos da consolidação do poder das empresas, referiu-se recentemente a esta
questão quando afirmou que, no fundo, os autores da Constituição se esforçaram por construir uma

Straus and Giroux, 2005) [Trad: O Mundo é Plano: Uma Breve História do Século XX, Actual, 2006].
84
Educational Attainment of Young Adults, The Condition of Education, última modificação em abril de 2017,
https://nces.ed.gov/programs /coe/indicator_caa.asp.
85
Ganesh Sitaraman, The Crisis of the Middle-Class Constitution: Why Economic Inequality Threatens our
Republic (Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 2017), 8.
86
Ibid., 10.
165
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sociedade em que os cidadãos tivessem a "capacidade de se envolver numa conversa aberta e com
vista a tomar decisões uns com os outros, para que pudessem efetivamente tomar ... decisões
quotidianas acerca de como manter a sociedade”. 87 É verdade que, no entendimento dos autores da
Constituição, a noção de igualdade de condições se aplicava apenas à população branca de
ascendência europeia, mas é igualmente verdade que se tratava de um rutura espantosa e radical com
as sociedades europeias de final do século XVIII, uma rutura que permitiu a expansão da comunidade
política. O que observamos nos dados relativos às competências pode ser lido como parte desta
narrativa mais alargada, que está profundamente ancorada na nossa tradição política. A literacia e os
conhecimentos adquiridos através dela podem ser vistos como essenciais para a aquisição e
manutenção da igualdade económica e de uma cidadania informada e empenhada. As duas coisas
andam de mãos dadas. Se não forem controladas, as disparidades nas competências dos nossos jovens
adultos só irão aprofundar a desigualdade e a anomia social, que Durkheim tanto temia.

Em textos como este, é comum esperar recomendações políticas conducentes à resolução dos
problemas identificados. Apesar de todos os conhecimentos que os dados do PIAAC nos oferecem,
o seu verdadeiro poder reside na capacidade de nos esclarecer acerca do ponto em que estamos e,
portanto, para onde nos dirigimos se não mudarmos de rumo. Os autores de um relatório recente do
Educational Testing Service (ETS), Choosing Our Future: A Story of Opportunity in America
[Escolher o Nosso Futuro: Uma História das Oportunidades na América], analisaram de forma
abrangente a questão da desigualdade de oportunidades e defenderam que nos encontramos num
momento decisivo, que exige que "desenvolvamos forças de compensação suficientemente fortes",
de modo a interromper a tendência atual. Para o fazer, será necessário um quadro de ação que, no
essencial, se dirija a um "esforço coerente e sustentado por parte de todos – indivíduos, organizações
e associações comunitárias, organizações não-governamentais, instituições religiosas, empresas e
todos os níveis de governo".88 Parece efetivamente haver um reconhecimento cada vez maior de que,
para alargar verdadeiramente as oportunidades, é necessária uma ação que englobe toda a
multiplicidade de sistemas económicos e sociais interligados, que moldam as nossas vidas, em
particular a educação, a habitação, o governo, a comunidade e a família. 89 No entanto, com demasiada
frequência, as soluções destinadas a resolver as desigualdades em termos de capital humano

87
"Economic Equality and the Constitution," entrevista a Barry Lynn e Ganesh Sitaraman por Jeffrey Rosen,
National Constitution Center, 6 de abril de 2017, https://constitutioncenter.org/blog/video-economic-equality-
and-the-constitution.
88
Kirsch et al., Choosing our Future, 39.
89
Ver, por exemplo, Emma García e Elaine Weiss, Reducing and Averting Achievement Gaps, Economic Policy
Institute/Broader Bolder Approach to Education, setembro de 2017; Stanford Center on Poverty and Inequality,
ed. State of the Union: The Poverty and Inequality Report, special issue, Pathways; Opportunity,
Responsibility, and Security: A Consensus Plan for Reducing Poverty and Restoring the American Dream,
AEI/Brookings, 2015, https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2015/12/full-report.pdf
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enquadram-se apenas no contexto dos sistemas educativos. Só é possível obter melhorias reais
quando se compreende a amplitude total do problema, e se procura um esforço coordenado,
consciente da forma como adquirimos e estimulamos o capital humano ao longo da vida e o
prolongamos para as gerações futuras. Neste ponto, vem-nos à memória a declaração de James
Baldwin acerca das relações raciais na década de 1960: "Nem tudo o que é enfrentado pode ser
mudado, mas nada pode ser mudado até ser enfrentado”.

Para além disso, está a tornar-se cada vez mais claro que aqueles que deixamos cair ou ficar
para trás, não são tanto "eles”, mas são antes "nós". De formas que podem não ser totalmente
evidentes, particularmente em tempos de convulsão social, as pessoas nos EUA estão
indissociavelmente ligadas umas às outras, mesmo quando se estão a afastar. Dependemos daqueles
que estão no mercado de trabalho para ganhar salários que lhes permitam comprar bens, e assim
viabilizar outras indústrias; temos um Estado social com sistemas que dependem do rendimento dos
adultos em idade ativa (Segurança Social, assistência social, Medicaid); e dependemos dos impostos
dos adultos que trabalham para financiar programas públicos a nível nacional, estatal e local. A frase
"a maré cheia levanta todos os barcos" foi popularizada durante a “Era da Afluência”, nos Estados
Unidos da América do pós-Segunda Guerra Mundial, para significar que as mudanças positivas na
economia deveriam e iriam ter um efeito de subida de maré, empurrando os necessitados para cima,
juntando essencialmente os que têm mais oportunidades e os que têm menos, numa aventura
conjunta, embora idealizada. 90 Mas a “Era da Afluência”, que tinha no seu centro uma classe média
alargada, apoiada em competências que eram bem remuneradas no mercado de trabalho, pertence ao
passado. A nossa tarefa agora é reafirmar um contrato partilhado que persista mesmo quando a maré
está baixa. Temos, então, e acima de tudo, de encarar o nosso destino como estando associado ao
destino dos outros.

Agradecimentos
As autoras desejam agradecer as contribuições de muitos indivíduos que desempenharam um
papel importante na preparação deste texto. Em primeiro lugar, as autoras querem agradecer aos
seguintes revisores, pelos seus comentários e sugestões atenciosas: T. J. Elliott, Patrick Kyllonen,
Eugene Gonzalez e John Sabatini, do Educational Testing Service (ETS); e Richard Murnane, da
Harvard Graduate School of Education. As autoras querem ainda agradecer a Irwin Kirsch, do ETS;
Henry Braun, da Lynch School of Education do Boston College; Richard Coley (reformado, ETS); e
Neeta Fogg, Paul Harrington e Ishwar Khatiwada, do Center for Labor Markets and Policy, na
Universidade de Drexel, pela resposta atenciosa que deram ao artigo. Todos aqueles que leram o

90
Discurso de John F. Kennedy, Heber Springs, AR, 3 de outubro de 1963,
http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=9455.
167
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artigo fizeram comentários proveitosos, mas todos os erros factuais ou de interpretação são da
responsabilidade das autoras. Também estamos agradecidas a Larry Hanover, Shelley Keiper e Janice
Lukas pela ajuda na edição e nos dados. Por fim, agradecemos o apoio à produção prestado por Nicole
Fiorentino, Phillip Leung e Darla Mellors.

Disclaimer

Copyright © 2017 and 2023 ETS. www.ets.org. Translated from English to Portuguese. Too Big to
Fail: Millennials on the Margins is reprinted by permission of ETS, the copyright owner.

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Anexos

Anexo A: Dados detalhados [As tabelas podem ser consultadas no artigo original, disponível em
https://www.ets.org/Media/Research/pdf/TooBigToFail.pdf]

Anexo B: Níveis de proficiência do PIAAC91 [As informações podem ser consultadas no artigo
original, disponível em https://www.ets.org/Media/Research/pdf/TooBigToFail.pdf]

Anita M. Sands (autor para correspondência). Lead Policy Research Analyst/Author no ETS –
Educational Testing Service, EUA. Educational Testing Service, 660 Rosedale Road, Princeton, NJ
08541-0001, USA. E-mail: [email protected].

Madeline Goodman. Lead Researcher/Author no ETS – Educational Testing Service, EUA.


Educational Testing Service, 660 Rosedale Road, Princeton, NJ 08541-0001, USA. E-mail:
[email protected].

91
As informações sobre os procedimentos utilizados para estabelecer os níveis de desempenho estão
disponíveis no Technical Report of the Survey of Adult Skills (PIAAC) (Paris: OECD Publishing, 2013). Ver
também OECD Skills Outlook 2013.
175
HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a7

O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição das


competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua
população adulta

- Entrevista com Laura Halderman e Irwin Kirsch -

Por
João Queirós
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Subcoordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal
e
Luís Rothes
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação
Coordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal

Laura Halderman e Irwin Kirsch são duas figuras de proa do Consórcio Internacional que
coordena, para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o
desenvolvimento das componentes principais do Programa Internacional para a Avaliação das
Competências dos Adultos (PIAAC). Especialistas na conceção, coordenação e desenvolvimento de
estudos educacionais comparativos de grande escala, Halderman e Kirsch exploram, neste artigo,
resultante de uma entrevista escrita realizada exclusivamente para este número especial de
Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, os grandes desafios e as
implicações fundamentais associadas à concretização daquela que é a maior iniciativa mundial de
investigação no domínio da educação e avaliação de competências das pessoas adultas 1.

1
Tradução de João Queirós.
176
HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183

Nas páginas que se seguem, Halderman e Kirsch descrevem sucintamente as características


definidoras do PIAAC, abordam as principais inovações metodológicas e técnicas introduzidas entre
o Ciclo 1 e o Ciclo 2 do estudo e discorrem sobre as implicações – de cariz diverso – que podem
resultar da participação de Portugal neste esforço pioneiro de produção de conhecimento sobre as
competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta.

O PIAAC é frequentemente apresentado como o estudo de referência – o “padrão-ouro”, ou “golden


standard”, como o designa frequentemente a OCDE – em matéria de avaliação de competências e,
mais em geral, na investigação educacional comparada à escala internacional. Que características
do estudo justificam este seu estatuto?

Três componentes principais do PIAAC contribuem, conjugadamente, para este seu


estatuto enquanto “padrão-ouro” dos estudos neste domínio: i) as normas e orientações técnicas; ii)
o controlo de qualidade e a garantia de qualidade; e iii) o desenho do inquérito. O PIAAC tem normas
técnicas rigorosas para as operações de amostragem e inquirição que garantem que os países
participantes seguem as melhores práticas durante todo o processo – desde a tradução dos recursos e
instrumentos, ao desenho das amostras, à formação dos entrevistadores e à recolha e gestão dos
dados. As normas e orientações técnicas do PIAAC são a base para a realização de todo o programa
de trabalhos, do início ao fim.

O cumprimento das normas e orientações técnicas é monitorizado através de uma série de


procedimentos robustos de garantia de qualidade e de controlo de qualidade. Os nossos
procedimentos de garantia de qualidade asseguram que cada equipa nacional está preparada para
concretizar com sucesso as diferentes etapas de planeamento de cada atividade e, em seguida, os
procedimentos de controlo de qualidade aferem o grau de cumprimento das normas por parte
daquelas equipas. Este sistema permite-nos assegurar traduções comparáveis, efetuar verificações de
qualidade em todas as fases do processo de amostragem e acompanhar a implementação das normas
técnicas associadas à recolha dos dados no terreno, apenas para dar alguns exemplos. Com um
conjunto tão diversificado de países e línguas participantes, é fundamental que nos esforcemos
coletivamente para obter um conjunto comparável de questionários-base e de itens de avaliação
cognitiva capaz de recolher dados de modo uniforme, a partir de amostras de elevada qualidade que
sejam únicas, mas o mais representativas possível da população-alvo em cada país. Existem também
medidas robustas de controlo de qualidade durante a fase de análise dos resultados da aplicação do
questionário-base e da avaliação direta de competências, para identificar problemas de adequação e
desempenho dos itens. A identificação destes problemas possibilita a mobilização de técnicas
psicométricas de minimização do impacto nos resultados de itens de avaliação que funcionem mal,
caso estes existam.
177
HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183

Estes dois elementos são realmente definidores da qualidade do PIAAC, e garantem a


mesma ao longo de todo o ciclo de trabalho, mas sentimos que há um outro aspeto central na conceção
do PIAAC que o distingue de outros inquéritos. Tal como acontece em diversos outros inquéritos, o
Inquérito às Competências dos Adultos do PIAAC inclui um Questionário-Base [Background
Questionnaire] minucioso que produz informação rica sobre a população – desde dados demográficos
a informações sobre nível de escolaridade, passando por informações sobre a situação laboral, as
competências mobilizadas no trabalho e fora dele ou as competências socioemocionais. No entanto,
é a avaliação direta das competências de literacia, numeracia e – novidade no Ciclo 2 do PIAAC –
resolução adaptativa de problemas [adaptive problem solving] que faz do PIAAC um estudo único e
o “padrão-ouro” para os demais. O PIAAC avalia estas competências de um modo que possibilita
que os desempenhos e resultados sociais, educativos e laborais dos indivíduos e das populações
possam ser diretamente associados a estas três competências, que são necessárias para participar de
forma plena nas sociedades atuais e para lidar adequadamente com as suas rápidas mudanças. Esta
ligação direta é o que torna o PIAAC uma ferramenta tão poderosa para os líderes e decisores
políticos.

Decorre nesta altura o Ciclo 2 do PIAAC. Quais são as principais inovações metodológicas e
técnicas deste segundo Ciclo, por comparação com o primeiro, realizado há já mais de uma década?

Estamos muito entusiasmados com os esforços feitos para avaliar de forma mais minuciosa
as competências de literacia e numeracia nos níveis mais baixos de proficiência. No Ciclo 1, uma
percentagem significativa da população-alvo do PIAAC obteve uma pontuação na avaliação de
competências que a situou na categoria “Abaixo do Nível 1”, quer em literacia, quer em numeracia,
mas não havia muitos itens disponíveis para descrever adequadamente as competências destes
inquiridos. Neste Ciclo, houve um esforço específico para acrescentar itens relativos aos níveis de
proficiência “Abaixo do Nível 1” e “Nível 1” aos conjuntos de itens de avaliação da literacia e da
numeracia. Há também uma medida totalmente nova de “Componentes de Numeracia”, e
incorporámos integralmente uma medida de “Componentes de Leitura” do Ciclo 1 no desenho da
avaliação promovida no Ciclo 2. Ambas as medidas de componentes estão centradas nas
competências essenciais associadas a cada um dos domínios respetivos. As tarefas das “Componentes
de Numeracia” focam-se no sentido numérico e as tarefas das “Componentes de Leitura” focam-se
em desafios simples de compreensão leitora. Para os adultos com competências médias e elevadas de
numeracia e literacia, estas tarefas são tipicamente muito fáceis e rápidas de completar. No entanto,
para os adultos com menos competências, estas tarefas podem ser mais difíceis e cada item pode
demorar mais tempo a realizar. Estas novas tarefas, e a sua plena integração no desenho da avaliação

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HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183

direta incluída no Inquérito às Competências dos Adultos neste segundo Ciclo do PIAAC, permitir-
nos-ão integrar estes itens nas escalas de literacia e numeracia, algo que, por seu turno, nos permitirá
utilizar estes itens para descrever as competências de literacia e numeracia nos segmentos inferiores
das escalas de proficiência. Isto é efetivamente empolgante para nós, porque consideramos que os
adultos com níveis muito baixos de proficiência em literacia e numeracia correspondem, em larga
medida, às pessoas mais vulneráveis numa sociedade e que mais precisam de recursos. Os dados do
PIAAC ajudarão os países a compreender melhor quem são estes adultos, como podem ser apoiados
e que programas podem ser criados para melhorar as suas competências. Os dados do PIAAC também
podem ajudar a revelar problemas sistémicos que contribuem para a persistência de níveis de
competências baixos e onde e como fazer alterações para melhorar a aquisição de competências ao
longo dos percursos educativos e para além deles.

Uma segunda inovação importante é a adoção de uma abordagem baseada na utilização do


tablet no Ciclo 2 do Programa. O Ciclo 1 foi muito inovador, dado que a avaliação direta de
competências foi administrada primordialmente com recurso a um computador portátil. No entanto,
devido às elevadas taxas de inquiridos com pouca ou nenhuma experiência de utilização de
computadores, foi também disponibilizada uma opção de resposta em papel. No Ciclo 2, o desenho
do estudo considerou apenas a utilização de tablets para a realização da avaliação de competências.
Optámos pelo tablet no Ciclo 2 devido à facilidade geral de utilização (utilização do dedo para tocar
no ecrã, em vez de um rato) e à adoção generalizada e omnipresença de dispositivos com ecrã tátil
no período desde o Ciclo 1. Uma abordagem unificada (apenas tablet, em vez de computador portátil
ou papel) permite uma consistência muito maior em matéria de pontuação dos itens de avaliação,
permite administrar os mesmos conjuntos de itens, no mesmo formato, a todos os participantes e
permite a recolha de dados processuais para análises mais aprofundadas acerca dos comportamentos
dos inquiridos à medida que vão completando os itens. Os países concordaram em realizar o estudo
com recurso apenas ao tablet depois de testarem o modelo no Inquérito-Piloto, que confirmou que a
grande maioria dos respondentes do PIAAC (mais de 99%) conseguia concluir a avaliação usando o
tablet.

Por último, o Ciclo 2 assenta numa abordagem multietápica adaptativa, à semelhança do


que acontecera no Ciclo 1, mas procurando aprofundar esta forma inovadora de desenvolvimento de
estudos de avaliação internacional de grande escala. O desenho adaptativo do estudo desenvolvido
no Ciclo 2 utiliza um conjunto inicial mais alargado de itens de avaliação da literacia e da numeracia,
para estimar melhor o nível de competências do inquirido numa etapa inicial do processo avaliativo.
Ao caracterizar com maior precisão as competências dos inquiridos nas primeira e segunda etapas
dos testes adaptativos, torna-se possível conhecer melhor as necessidades dos diversos segmentos da
população e avaliar mais eficazmente as suas competências.

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HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183

E quais têm sido as principais dificuldades associadas à concretização deste segundo Ciclo do
PIAAC?

O maior desafio do Ciclo 2 foi, sem dúvida, a pandemia da COVID-19. O Inquérito-Piloto


do Inquérito às Competências dos Adultos do PIAAC estava inicialmente previsto para começar em
abril de 2020, o que obviamente não pôde acontecer. Conseguimos reformular o cronograma de
trabalho e tivemos um Inquérito-Piloto bem-sucedido em 2021, apesar de uma série de restrições e
precauções sanitárias. Em grande medida, estas restrições tinham desaparecido quando a recolha de
dados no âmbito do Inquérito Principal começou, mas houve efeitos duradouros da pandemia que
tornaram a recolha de dados mais difícil do que o esperado. Por exemplo, as pessoas parecem agora,
em geral, menos dispostas a permitir que alguém entre em suas casas para efetuar uma entrevista. O
PIAAC exige um compromisso de tempo significativo por parte de cada inquirido, e foi muito mais
fácil obter cooperação no Ciclo 1. Em segundo lugar, a instabilidade da força de trabalho a tempo
parcial afetou os processos de contratação e retenção de entrevistadores. Pelo menos nos Estados
Unidos da América, as empresas que dependem de trabalho a tempo parcial têm relatado dificuldades
crescentes em preencher postos e em manter os empregados mais do que algumas semanas ou meses.
Este padrão afetou a maioria das equipas nacionais envolvidas no desenvolvimento do PIAAC.
Muitos países não conseguiram contratar o número pretendido de entrevistadores e muitos
entrevistadores abandonaram o projeto ao cabo de apenas algumas semanas ou meses. Estes dois
fatores fizeram prolongar a janela temporal de recolha de dados na maioria dos países participantes,
mas conseguimos acomodar os atrasos e todos os países acabaram por ser bem-sucedidos na recolha
dos dados.

Os desafios decorrentes da pandemia pareceram muitas vezes assoberbantes e houve


momentos de grande incerteza. Mas, durante esses momentos, uma coisa permaneceu constante – o
profundo comprometimento de cada equipa nacional para com o projeto. O sucesso do PIAAC deveu-
se à parceria entre cada equipa nacional, o Consórcio e a OCDE. Trabalhando em conjunto,
encontrámos formas de ser flexíveis e de acomodar desafios, e cada país conseguiu ser bem-sucedido.

Portugal está a participar pela primeira vez neste estudo. Considerando a vossa experiência no
PIAAC, e sabendo o que resultou e está a resultar do seu primeiro Ciclo, quais consideram poderem
vir ser os principais impactos para Portugal resultantes da participação do país no Programa?

À medida que a tecnologia e as sociedades evoluem, os decisores políticos, os profissionais


e outros grupos de intervenientes relevantes continuarão a enfrentar desafios complexos. Para ajudar
a compreender e a responder a alguns desses desafios, estas pessoas e grupos têm vindo a confiar em
informação resultante de investigação. O crescimento de estudos de grande escala, tanto nacionais

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HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183

como internacionais, focados na avaliação das competências de estudantes e pessoas adultas é uma
prova deste ponto de vista. Na nossa opinião, este crescimento reflete não só o reconhecimento da
importância crescente das competências cognitivas (como as que são medidas no PIAAC), mas
também o valor conferido à avaliação comparativa das performances dos adultos em Portugal e em
comparação com outros países e economias participantes no estudo. Nesta perspetiva, o PIAAC foi
concebido para fornecer a cada país participante dados relevantes, comparáveis e interpretáveis,
referentes tanto à situação do país como à sua posição no cenário internacional.

Feita esta introdução, quais são, então, algumas das formas através das quais estes dados
podem produzir impacto em Portugal? Transformar estes dados em relatórios e documentos de
política contribuirá para uma compreensão mais aprofundada da distribuição das competências de
literacia, numeracia e resolução de problemas em Portugal. Será possível analisar a forma como estas
competências estão distribuídas em geral, bem como por várias características demográficas, como
o género, a idade, o nível de escolaridade e uma série de variáveis relativas ao mercado de trabalho.
Portugal também poderá examinar a variabilidade existente entre os melhores e os piores
desempenhos nas três escalas de proficiência. Alguns economistas do trabalho veem estas diferenças
como indicadores de desigualdade. Reportando-nos ao nosso caso, utilizámos o PIAAC e outros
dados de avaliações de grande escala para desenvolver um número significativo de relatórios de
política, um dos quais foi traduzido e republicado no presente número desta Revista2.

Para além de permitir uma melhor compreensão da distribuição das competências e da


forma como estas se relacionam com as várias esferas e resultados de vida, o PIAAC proporciona
aos países participantes uma oportunidade de se concentrarem em questões políticas específicas. Por
exemplo, um país pode analisar o desempenho das coortes mais jovens (16-24 anos) em comparação
com as coortes de adultos em idade ativa. Os dados da PIAAC também podem ser utilizados para
analisar subgrupos que possam estar fora do mercado de trabalho, por exemplo, para ver como as
suas competências se comparam com as daqueles que estão empregados a tempo inteiro e a tempo
parcial. Para os adultos com competências de literacia e numeracia reduzidas, os dados PIAAC
fornecem, pela primeira vez, informações representativas sobre a distribuição das componentes que
são de importância fundamental para o desenvolvimento daquelas competências essenciais.

Para além dos dados em si, o PIAAC fornece a todas as partes interessadas quadros de
referência que definem operacionalmente os constructos cognitivos. A compreensão acerca destes
constructos e da forma como são avaliados possibilita aos investigadores uma compreensão mais
aprofundada sobre a gama de competências avaliadas e as suas ligações a uma variedade de resultados
de vida. Esta informação pode então ser utilizada para examinar as lacunas de aprendizagem que

2
Ver o artigo de Anita M. Sands e Madeline Goodman publicado no presente número de Sociologia: Revista
da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
181
HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183
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possam existir entre vários subgrupos. Por exemplo, o desempenho médio de um país pode ser
importante, mas precisa de ser mais bem compreendido à luz das lacunas que possam existir entre os
vários subgrupos populacionais do país. Na nossa perspetiva, o desenvolvimento de uma
compreensão mais profunda daquilo que é avaliado e da forma como o que é avaliado se relaciona
com as lacunas de competências e outros resultados pode contribuir para o desenvolvimento de
intervenções mais eficazes.

Para além do vasto conjunto de dados recolhidos, o PIAAC também proporcionou a


Portugal uma melhor compreensão de como desenvolver e administrar este tipo de inquéritos. O
Programa contemplou uma série de formações acerca das normas e orientações criadas para garantir
a concretização do estudo de acordo com os mais elevados padrões de rigor e qualidade. Para além
destas, o PIAAC contempla também formações sobre como compreender e analisar os dados
nacionais e internacionais com vista ao desenvolvimento de relatórios personalizados que possam
responder melhor às necessidades políticas específicas de cada país. Portugal pode, por exemplo,
apoiar investigadores para desenvolverem relatórios nacionais que se centrem em questões de
interesse para o país. A título de exemplo, após o Ciclo 1 do PIAAC, o governo dos Estados Unidos
da América financiou um programa plurianual que permitiu aos investigadores interessados
aprenderem a utilizar os dados do PIAAC e apresentarem pequenas propostas de trabalho sobre
assuntos que gostariam de estudar. Estas propostas foram recebidas e revistas e feedback foi
providenciado sempre que necessário. A iniciativa conduziu ao desenvolvimento de numerosos
relatórios, que foram analisados e depois selecionados para apresentação numa conferência de dois
dias.

Finalmente, diríamos que Portugal terá, com a participação no Ciclo 2 do PIAAC, o seu
primeiro ponto de referência para fornecimento de informações de base sobre a distribuição de
competências das pessoas adultas, juntamente com muitos outros indicadores-chave, que passam a
poder ser utilizados para monitorizar o desenvolvimento e a mudança ao longo do tempo.
Consideramos que este é um dos benefícios mais importantes resultantes da participação em
avaliações de grande escala como o PIAAC.

Laura Halderman (autora para correspondência). É Diretora de Gestão de Clientes no Center for
Global Assessment do ETS – Educational Testing Service. Presentemente, é a responsável pela
coordenação global das atividades do PIAAC, supervisionando o trabalho das cinco entidades que
compõem o Consórcio Internacional que desenvolve este estudo para a OCDE e das mais de trinta
equipas nacionais nele implicadas. Antes de passar a trabalhar no PIAAC, foi a Lead Test Developer
do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), também promovido pela OCDE.
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182
HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183

Antes de ingressar no ETS, realizou um pós-doutoramento na Universidade de Pittsburgh, tendo


completado, em 2006, o doutoramento em psicologia cognitiva na Universidade da Califórnia,
Riverside. ETS – Educational Testing Service, 660 Rosedale Road, Princeton, NJ 08541-0001, USA.
E-mail: [email protected].

Irwin Kirsch. É o Ralph Tyler Chair in Large Scale Assessment e o Diretor do Center for Research

on Human Capital and Education do ETS – Educational Testing Service. É membro da Academia
Nacional de Educação (EUA) e recebeu o National Coalition for Literacy National Leadership
Award, entre outros prémios e distinções. Tem trabalhado em estreita colaboração com diversas
organizações nacionais e internacionais, incluindo os Departamentos da Educação e do Trabalho dos
EUA, o Banco Mundial, a UNESCO, a IEA e a OCDE. Presentemente, supervisiona o
desenvolvimento e condução dos dois maiores estudos educacionais de âmbito internacional
existentes, o PISA e o PIAAC. E-mail: [email protected].

183
SUMÁRIOS DOS NÚMEROS ANTERIORES

N.º XXV, JANEIRO-JUNHO 2013

EDITORIAL

ARTIGOS

A mudança em Portugal, nos romances de Lídia Jorge: esboço de interpretação sociológica de


uma interpretação literária

Augusto Santos Silva

Trabalho, Qualificação, Poder e Precariedade: uma abordagem dinâmica à estruturação dos


modelos produtivos, a partir de um estudo de caso da profissão científica

Alfredo Campos

Desigualdades sociais e ação coletiva nas sociedades contemporâneas: a fecundidade teórica de


Pierre Bourdieu e de Nicos Mouzelis

Nuno Nunes

Uma proposta multidisciplinar para o entendimento da centralidade urbana como facto social
total

Adriano Zilhão

Propagandas e blogues como narrativas de políticas urbanas na cidade de Almada

Roselane Gomes Bezerra

A celebridade pós-moderna da solidão plural e da banalidade pública

Paulo Barroso

A política de classe na economia do Estado Novo: a burguesia como classe beneficiária

João Valente Aguiar

A inovação social como utopia renovada: o caso da Associação Humanitária Habitat

Vera Diogo e Paula Guerra

Para uma gramática museológica do (re)conhecimento: ideias e conceitos em torno do inventário


participado

184
Lorena Sancho Querol

Incerteza e redefinições do trabalho médico: um estudo de caso sobre o aconselhamento genético


no cancro hereditário

Hélder Raposo

RECENSÃO

Recensão crítica do livro Des bons voisins. Enquête dans un quartier de la bourgeoisie
progressiste

Tiago Castro Lemos

N.º XXVI, JULHO-DEZEMBRO 2013

EDITORIAL

ARTIGOS

Toward a Sociology of Wealth: definitions and historical comparisons

Richard Lachmann

Principais estádios evolutivos da sociologia em Portugal

Hernâni Veloso Neto

Condomínios habitacionais fechados: (im)precisões conceptuais. Apontamentos para um debate


sobre urbanidade e autonomia, segregação e qualidade de vida

Marta Martins

Análise comparativa dos divórcios em casais nacionais e binacionais em Portugal (2001-2010)

Sofia Gaspar, Madalena Ramos e Ana Cristina Ferreira

Carreira, arte feminista e mecenato: uma abordagem à dimensão económica do circuito artístico
principal sob uma perspetiva de género

Rui Pedro Fonseca

Os movimentos sociais e a crítica epistemológica ao local de produção do conhecimento


científico

Caetano De´ Carli e Elizardo Scarpati Costa

As Paneleiras de Goiabeiras e a dinâmica da Cultura do Barro

Marcelo de Souza Marques e Vinicius de Aguiar Caloti

185
FÓRUM
The Vale do Amanhecer. Healing and spiritualism in a globalized brazilian new religious
movement
Massimo Introvigne

Panoramas umbrais da modernidade: autoidentidade e o dissensu matrimonial em Anthony


Giddens

Antônio Augusto Oliveira Gonçalves e Daniella Santos Alves

Implantação geográfica dos portugueses em França: evolução observada entre 1990 e 2009

Jorge Portugal Branco

RECENSÃO
Recensão crítica do livro Portugal nas Transições – O Calendário Português desde 1950
Miguel Quaresma Brandão

N.º XXVII, JANEIRO-JUNHO 2014

EDITORIAL

ARTIGOS

A nova morfologia do trabalho e as formas diferenciadas da reestruturação produtiva no Brasil


dos anos 1990

Ricardo Antunes

Trabalho e processos de marginalização social no século XXI: aproximações teóricas e dados


estatísticos

Agostinho Rodrigues Silvestre e Luís Fernandes

Diplomados do ensino superior e posicionamentos avaliativos

Luísa Pinheiro

Participação associativa dos investigadores científicos em Portugal

Luís Junqueira, Ana Delicado, Raquel Rego e Cristina Palma Conceição

A economia social como setor empregador nos distritos de Viseu e da Guarda

Maria Teresa de Sousa e Ilona Kovács

186
Autonomia, autoridade e confiança em tempo de novas TIC: atitudes e práticas diferenciadas
entre os alunos do secundário

Nuno Ferreira

Deambulações exploratórias no Centro Histórico de Guimarães – pontos de chegada


sociológicos num estudo multidisciplinar

Natália Azevedo e Raquel Cadilhe Pereira

N.º XXVIII, JULHO-DEZEMBRO 2014

EDITORIAL

ARTIGOS

Política e Administração: em que medida a atividade política conta para o exercício de um cargo
administrativo

João Bilhim

Para uma história operária do capital: classe, valor e conflito social

Ricardo Noronha

Da Geração à Rasca ao Que se Lixe a Troika. Portugal no novo ciclo internacional de protesto

José Soeiro

Rituais Familiares: Práticas e Representações Sociais na Construção da Família Contemporânea

Rosalina Costa

Padrões de mudança de casa e eventos de vida: uma análise das carreiras habitacionais

Magda Nico

A fotografia como retrato da sociedade

Ana Rita Bastos

Narrativas das relações entre o Estado e as organizações do terceiro setor: algumas pistas de
análise

Paula Guerra e Mónica Santos

A Socialização Antecipatória para a Profissão Docente: estudo com Estudantes de Educação


Física

Patrícia Gomes, Paula Queirós e Paula Batista

187
Fundos de conhecimento e egoredes: traduzindo uma abordagem teórico-metodológica

Filipa Ribeiro

TEXTOS
Contributos para a definição de uma visão estratégica na construção de um percurso profissional
de sucesso
Rui Santos

N.º XIX, JANEIRO-JUNHO 2015


EDITORIAL
ARTIGOS

Uma etnografia das práticas e dos processos de produção de conhecimento em empresas e


laboratórios

Luísa Veloso, Joana Lucas e Paula Rocha

Reverberações da medicalização: paisagens e trajetórias informacionais em consumos de


performance

Telmo Costa Clamote

Pressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociais

Joaquim Fialho

Redes sociais no recrutamento de imigrantes: fundamentos teóricos de uma proposta de


explicação

Filipa Pinho

Das tensões entre desmistificar e reconhecer os discursos ao repensar o “social”: manifesto por
uma sociologia ecléctica

Pedro dos Santos Boia

Espaços públicos: interações, apropriações e conflitos

Luciana Teixeira de Andrade e Luís Vicente Baptista

RSI, tolerância zero: o embrutecimento do estado

Ricardo Sá Ferreira

Os menores estrangeiros isolados ou não acompanhados em França e Portugal: a “batata quente”

Vítor Rosa

188
RECENSÃO

Recensão crítica da obra De l’artification. Enquêtes sur le passage à l’art

Natália Azevedo

N.º XXX, JULHO-DEZEMBRO 2015

EDITORIAL
ARTIGOS
Texturas, ou sobre os efeitos sociais das artes
Sara Melo

Palcos de inovação social: atores em movimento(s)


Ana Alves da Silva e Joana Almeida

O ensino público no olhar das elites escolares: representações sociais dos agentes
educativos de dois colégios privados
Maria Luísa Quaresma

Da saúde e bem-estar/mal-estar ao termalismo


Maria Engrácia Leandro e Ana Sofia da Silva Leandro

Governação, participação e desenvolvimento local


Isabel Ferreira

Acidentes com tratores agrícolas e florestais: aprender para prevenir


Carlos Montemor, Luísa Veloso e João Areosa

A insustentável sustentabilidade das previsões económicas: reflexividade, etnoeconomia e


neoliberalismo
Fernando Ampudia de Haro

N.º XXXI, JANEIRO - JUNHO 2016

EDITORIAL

189
ARTIGOS

Précarités: les effets de la rupture du lien social


Augusto Santos Silva

Políticas de reabilitação urbana e recomposição do tecido social no centro histórico


do Porto: representações e discursos de moradores sobre a respetiva evolução recente
João Queirós

Conceitos e métodos para a avaliação de programas sociais e políticas públicas


Mauro Serapioni

Diferenças nas perceções dos valores organizacionais dos candidatos a cargos de


direção superior na Administração Central do Estado
João Abreu de Faria Bilhim, Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia

O Catolicismo nos Contextos e Circunstâncias da Modernidade em Cabo Verde


Adilson Filomeno Carvalho Semedo

Comment les psychiatres se représentent-ils aujourd’hui “la” maladie mentale?


Caroline Guibet Lafaye

ENSAIO BIBLIOGRÁFICO

Notas sobre a dominação social em António Gramsci e Pierre Bourdieu

Marcello Felisberto Morais de Assunção

N.º XXXII, JULHO - DEZEMBRO DE 2016

Carreiras e circuitos de músicos brasileiros: uma exploração etnográfica no Bairro Alto, Lisboa
Ricardo Bento, Graça Índias Cordeiro, Lígia Ferro

Consumo sustentável e ambiente: o papel do Estado e das políticas públicas na inculcação de


disposições ambientalistas
Isabel Silva Cruz

190
A gestão de recursos humanos nas Organizações Não Governamentais de Cooperação para o
Desenvolvimento portuguesas: uma análise interpretativa exploratória
Vanessa Marcos

Modèles de représentation sur la parentalité sociale du point de vue des jeunes portugais
Cristina Cunha Mocetão

Inserção profissional dos licenciados em Direito: da formação académica ao acesso às profissões


reguladas
Mónica Santos

Narrativas acerca da formação de professores de Educação Física em contexto de prática


supervisionada
Inês Cardoso, Paula Batista, Amândio Graça

A Ciência Biomédica e o Processo Civilizador


Bruna de Farias, Mari Cleise Sandalowski

RECENSÃO

Recensão da obra de FREIRE, André (Org.), (2015), O Futuro da Representação Política


Democrática, Lisboa, Nova Vega.
Carolina Pimentel Corrêa

191
N.º XXXIII, JANEIRO – JUNHO DE 2017

Dulce Magalhães: marcas de um percurso

Os primórdios da economia social em Portugal. Contributos de Ramón de la Sagra


(I Parte)
Jordi Estivill

A typology of professional situations in the analysis of graduate transition from higher education
to the labor market
Madalena Ramos, Cristina Parente, Mónica Santos, Miguel Chaves

Atitudes sociais face ao trabalho por conta própria em tempos de crise: da valorização do trabalho
por conta própria a um retraimento da iniciativa empresarial
Ana Isabel Couto

Proposta de modelo explicativo das perceções sobre gestão e políticas públicas em matéria de
cibersegurança e cibercrime
Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia, Susana Isabel da Silva Santos,
João Abreu de Faria Bilhim

A Vigilância Lateral e Participativa na Web 2.0


Rita Espanha, Tiago Estêvão

O Projeto Orquestra Geração. A duplicidade de um evento musical/social


Jorge Alexandre Costa, Graça Mota, Ana Isabel Cruz

Ciências sociais, arquivos e memórias: considerações a propósito das culturas musicais urbanas
contemporâneas
Pedro Quintela, Paula Guerra

192
N.º XXXIV, JULHO – DEZEMBRO DE 2017

EDITORIAL

ARTIGOS

Os primórdios da economia social em Portugal. Contributos de Ramón de la Sagra (II Parte)


Jordi Estivill

Proletários ou profissionais? A condição do jornalista durante o Estado Novo (1934-1958)


José Nuno Matos

Comunicação interna e comprometimento organizacional: o caso da Autoridade para as


Condições do Trabalho
Cátia Filipa Neto, Sofia Alexandra Cruz

As camadas internas da secularização: proposta de sistematização de um conceito essencialmente


contestado
Jorge Botelho Moniz

O bem-estar das crianças e dos jovens em Portugal: contributos de uma pesquisa qualitativa
Magda Nico, Nuno de Almeida Alves

The Sámi Library, North of the North: colonialism, resistance and reading in a public library
Paula Sequeiros

RECENSÃO

MOTA, Graça e TEIXEIRA LOPES, João (Orgs.), (2017) Crescer e tocar na Orquestra Geração,
Vila do Conde, Verso da História.
Irene Serafino

193
N.º XXXV, JANEIRO – JUNHO DE 2018

EDITORIAL

ARTIGOS

Perfis sociodemográficos da população sénior de Vila Nova de Gaia: de privilegiados, a


remediados e excluídos
Hélder Alves; Idalina Machado; Sidalina Almeida; Joana Guedes; Adriano Zilhão;
Óscar Ribeiro

Famílias em tempos de crise: a regulação judicial do exercício das responsabilidades parentais


Paula Casaleiro; Andreia Santos

As implicações dos indicadores de desempenho contratualizados na prática clínica da Medicina


Geral e Familiar: um modelo profissional em mutação?
Hélder Raposo

A Composição Sociopolítica do Legislativo Brasileiro: uma análise da Comissão de Meio


Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (2004-2015)
Carolina Pimentel Corrêa

O impacto dos determinantes da inovação na geração de ideias no Ensino Superior: a perceção


dos estudantes como evidência
Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia; Ireneu de Oliveira Mendes

Nas teias da construção identitária socioprofissional: práticas profissionais de trabalhadores


sociais pós-graduados inseridos em organizações da economia social
Vera Diogo

Mundo do trabalho e pluralidade epistemológica: uma contribuição para o estudo da precariedade


Elizardo Scarpati Costa; Pablo Almada

194
N.º XXXV, JULHO-DEZEMBRO - 2018

EDITORIAL

ARTIGOS

Desvendando a praxe: desafios de uma incursão etnográfica


Inês Maia

Trabalho e educação de adultos em Portugal: uma perspetiva histórica de 1945 à


Revolução dos Cravos
Rui Canário

A Igreja Universal do Reino de Deus no espaço público religioso global


Ari Pedro Oro e Marcelo Tadvald

Papel da Sociedade Civil em prol da Boa Governação – o caso de Moçambique


Pedrito Carlos Chiposse Cambrão

Ciência à medida: conflitos de interesse e interferência na investigação científica


financiada
Rita Faria

Conhecer doença: os doentes em primeiro lugar


Paula Silva

Alianças e conflitos nos segmentos artísticos relativamente especializados: o caso do rock


independente de Teresina no início do século XXI
Thiago Meneses Alves

195
Nº XXXVII, JANEIRO-JUNHO 2019

EDITORIAL

ARTIGOS

Quando nem a palavra é de prata, nem o silêncio é de ouro. Análise de conflitos sobre mineração
em Portugal
Ana Raquel Matos e Lúcia Fernandes

A perceção de justiça na avaliação do desempenho na Administração Pública e a produtividade


Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia, Ireneu de Oliveira Mendes e Sara Raquel dos
Santos Rodrigues Manaia da Silva

Ser (um) expatriado, numa empresa: uma obrigação, uma distinção, um parêntese
João Vasco Coelho

A Bandeira Vermelha em números: uma análise sobre o semanário da Federação Maximalista


Portuguesa (1919-1920)
André Costa Pina

A intolerância religiosa à brasileira: estudo de caso na cidade de Londrina / Paraná


Cláudia Neves da Silva e Fábio Lanza

196
Nº XXXVIII, JULHO-DEZEMBRO 2019

EDITORIAL

ARTIGOS

Descodificar as paredes da cidade: da crítica à gentrificação ao direito da habitação


no Porto
Inês Barbosa e João Teixeira Lopes

The concept of us and them: communitarianism and the rise of populist politics
Ihsan Cetin

Processos de criação artística comunitária: questões metodológicas


Irene Serafino

Madonna, “sex” e o fetichismo pós-moderno


Roney Gusmão

Trabalho de equipa em saúde como processo de relação formal potenciador


da satisfação e motivação laboral
Ana Teresa Nogueira Jeremias e Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia

Motivações e repercussões da formação em agricultura biológica em contexto


urbano: uma abordagem sociológica
Cristina Parente, Rui Santos e Madalena Ramos

197
NÚMERO TEMÁTICO | 2016 - Famílias e Curso de Vida. Potencialidades,
limites e desafios metodológicos

EDITORIAL

NOTA DE APRESENTAÇÃO

ARTIGOS

Conceptual foundations of qualitative life course research


Walter R. Heinz

A pluralização limitada de trajetórias familiares em Portugal


Vasco Ramos

O mundo aos nossos olhos: socialização familiar e reflexividade


Ana Caetano

A seu tempo: um estudo sobre transições familiares precoces em Portugal no contexto


Europeu
Diana Carvalho

A família conta: ilustrações a partir do fado


Ana Gonçalves

Quantas vidas cabem numa vida? Da autobiografia de 52 trabalhadores ao caso de um


funcionário administrativo
Pedro Abrantes

Redes pessoais em Portugal numa perspetiva do percurso de vida


Rita Gouveia

198
NÚMERO TEMÁTICO | 2017 – Processos sociais e questões sociológicas

EDITORIAL

NOTA DE APRESENTAÇÃO

Bruno Monteiro, Ester Silva e Idalina Machado

ARTIGOS

A religião na cidade: territórios, materialidades e comunicação


Helena Vilaça

Artes e inclusão social: projetos e ações enquanto experiências metodológicas


Natália Azevedo

Diplomados universitários e sobre-educação


Carlos Manuel Gonçalves

Ensino politécnico, empreendedorismo e transição para o trabalho


Luís Nuno Sousa

“Terceiro setor”, “economia social” e “economia solidária”: laboratório


por excelência de inovação social
Naldeir dos Santos Vieira, Cristina Parente, Allan Claudius Queiroz Barbosa

Perfis de profissionalização: um contributo sociológico para


a compreensão das ONGD portuguesas
Vanessa Marcos

199
NÚMERO TEMÁTICO | 2018 – Cidade, cultura e turismo: novos cruzamentos

EDITORIAL

NOTA DE APRESENTAÇÃO. A ambivalência do turismo na transformação das cidades


João Teixeira Lopes; Helena Vilaça; Natália Azevedo

ARTIGOS

Mobilidade, Cidade e Turismo: pistas para analisar as transformações em curso


no centro histórico de Lisboa
Luís Vicente Baptista; Jordi Nofre; Maria do Rosário Jorge

A cidade imaginável: elementos para uma viagem visual e sensorial na cidade do Porto
Diogo Guedes Vidal

La ciudad y el turismo. Experiencias desde la gestión del street art


Ricardo Klein

The touristic Porto – gazing over the city


Tiago Miranda

Entre o fazer etnográfico e o fazer psicanalítico: reflexões sobre a “escuta” da população


sem-abrigo na rua de Cimo de Vila da Cidade do Porto
Julio Cesar Nicodemos; Lígia Ferro

200
NÚMERO TEMÁTICO | 2019 – A construção civil numa perspetiva sociológica:
enquadramento e análise

EDITORIAL

NOTA DE APRESENTAÇÃO. A construção civil numa perspetiva sociológica:enquadramento e


análise
Virgílio Borges Pereira

ARTIGOS

Estrutura económico-produtiva, sistema de emprego e qualificações na Construção:


uma breve leitura sobre tendências e mudanças recentes
José Madureira Pinto, Vanessa Rodrigues e
Maria Inês Coelho

O campo das grandes empresas da construção civil. Perspetiva teórica e análise


relacional sobre o caso português (em 2012)
Virgílio Borges Pereira

A crise da construção civil sob múltiplos pontos de vista: (des)regulação da atividade


económica e recomposição do trabalho na perspetiva dos atores institucionais do setor da
construção civil no período posterior a 2008
João Queirós, Laura Galhano e Virgílio Borges Pereira

Azares, riscos e culpas: representações sobre os acidentes de trabalho da construção


civil na imprensa portuguesa (1996-2017)
Bruno Monteiro e Carla Aurélia de Almeida

201
O Estado à beira-mar. Estratégias burocráticas na formação do mercado
imobiliário em Matosinhos Sul - o exemplo da Comissão de 1 de março de 1996
Tiago Lemos

Social policy and labour mobility in Europe - the gap between law and enforcement
Jan Cremers

Comment étudier les classes populaires contemporaines? De l’analyse statistique


d’un espace social à une enquête par monographies de ménages
Thomas Amossé, Lise Bernard, Marie Cartier, Marie-Hélène Lechien,
Olivier Masclet, Olivier Schwartz, Yasmine Siblo

202
NÚMERO TEMÁTICO | 2020 - Direitos das crianças: abordagens críticas apartir
das ciências sociais

EDITORIAL

NOTA DE APRESENTAÇÃO. Direitos das crianças: abordagens críticas a partir das ciências
sociais
Inês Barbosa, João Teixeira Lopes, Lígia Ferro, Eunice Castro Seixas

ARTIGOS

A infância é um direito?
Manuel Jacinto Sarmento e Catarina Tomás

O Direito das Crianças à Cidade apropriada como lugar de Liberdade e de (inter)Ação


Frederico Lopes, Rosa Madeira e Carlos Neto

Para uma definição de tempo livre tendo as crianças por medida e referente. O que diz a língua
dos pássaros?
Maria José Araújo e Hugo Monteiro

Direitos cívicos e políticos na infância e adolescência: da retórica da participação ao protagonismo


infantil
Inês Barbosa

203
NÚMERO TEMÁTICO | 2021 - Instituições e atores religiosos: contextos de
diversificação

EDITORIAL

NOTA DE APRESENTAÇÃO. Instituições e atores religiosos: contextos de diversificação


Helena Vilaça e Alfredo Teixeira

Artigos

Masculinidades, yoga y espiritualidad en la cárcel. Un estudio cualitativo sobre


la práctica del yoga en centros penitenciarios masculinos
Mar Griera

Territorialidade das Comunidades Católicas em contexto pandémico. Estudo de


caso na cidade de Coimbra
Margarida Franca e Clara Almeida Santos

“Eu não quero palmas, eu quero almas”: crenças e pertenças no rap evangélico da
Grande Lisboa
Cátia Tuna

A secularidade organizacional pública e o campo religioso português: reorientações


e poderes entre Estado e religião (2001-2012)
Luís Pais Bernardo

Um programa religioso num contexto secular: os professores de Educação


Moral e Religiosa Católica no concelho do Porto
Tiago Pinto

204
NÚMERO TEMÁTICO | 2022 - Trabalho, plataformas digitais, cuidados: perspetivas
pluridisciplinares

EDITORIAL

NOTA DE APRESENTAÇÃO. Trabalho, plataformas digitais, cuidados: perspetivas


pluridisciplinares
José Soeiro, Sofia Alexandra Cruz, Inês Barbosa e Tânia Leão

Artigos

Delivery workers, trapped in an algorithmic system


Uma Rani, Rishabh Kumar Dhir e Nora Gobel.

Perfil e representação de trabalhadores de plataformas digitais em Portugal


Nuno Boavida e António Brandão Moniz

O nexo financeirização-externalização e o seu impacto na empresa: uma abordagem à


plataformização do trabalho
Ana Alves da Silva

O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021 e o trabalho nas plataformas digitais:
algumas questões
Teresa Coelho Moreira

Entrevista

A divisão entre a produção e o trabalho reprodutivo tem que ser suprimida: é a produção
do viver que caracteriza o trabalho
Helena Hirata, José Soeiro e Sofia Alexandra Cruz.

205
ESTATUTO EDITORIAL

A Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, da


responsabilidade do Departamento de Sociologia, iniciou a sua edição em 1991, na
sequência da criação da Licenciatura em Sociologia, em 1985, e do Instituto de Sociologia
da Universidade do Porto, três anos depois.
Na qualidade de revista científica, tem como objetivo principal a divulgação de
trabalhos de natureza sociológica que primam pela qualidade e pela relevância, em termos
teóricos e empíricos. É, igualmente, um espaço que inclui os contributos provenientes de
outras áreas disciplinares das ciências sociais. Prossegue uma linha editorial alicerçada
na diversidade teórica e metodológica, no confronto vivo e enriquecedor de perspetivas,
no sentido de contribuir para o avanço e para a sedimentação em particular do
conhecimento sociológico.
A Revista aceita trabalhos de diversa natureza – artigos, recensões, notas de
investigação e ensaios bibliográficos – e em várias línguas como o português, francês,
inglês e espanhol, o que visa alcançar um amplo campo de difusão e de
internacionalização. Os trabalhos são avaliados por especialistas em regime de duplo
anonimato. Publica-se semestralmente e com um número temático todos os anos.

A Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto está


empenhada em assegurar a qualidade dos textos que publica e o cumprimento pelos
intervenientes de uma postura que siga os princípios éticos exigidos para a edição de
textos científicos. Serão respeitadas as normas do Committee on Publication Ethics
(COPE) e da Associação Portuguesa de Sociologia (APS).

Responsabilidade dos autores:


• deverão garantir que os textos que submetem são originais, assumindo que não
foram publicados – qualquer que tenha sido a sua forma de apresentação – e que
não foram submetidos simultaneamente noutra publicação;
• deverão assegurar que o texto apresentado não é o resultado de uma prática de
plágio ou de uma apropriação de criações intelectuais de outros autores sem o seu

206
consentimento legal, sendo que ambos se constituem como práticas eticamente
inaceitáveis;
• deverão assegurar previamente a permissão para a utilização de conteúdos
provenientes de outras fontes;
• sempre que os artigos surjam como resultado de investigações, a metodologia
deverá ser descrita de forma clara e inequívoca, para que as conclusões obtidas
possam ser objeto de avaliação. Igualmente deverão indicar as referências usadas
e os suportes de financiamento;
• nenhum dos dados ou resultados apresentados deverá ser alvo de falsificação ou
distorção intencional, de forma a ir ao encontro de uma determinada linha
orientadora do trabalho ou às hipóteses de investigação previamente delineadas;
• deverão indicar possíveis conflitos de interesses que poderão ocorrer no processo
de avaliação;
• deverão participar ativamente no processo de revisão em colaboração com o
editor;
• todas as informações curriculares prestadas deverão ser verdadeiras. Na autoria
deverão ser incluídas todas as pessoas que deram o seu contributo tanto na
conceção e planificação do trabalho, como na interpretação dos resultados e na
elaboração do texto;
• no caso dos artigos escritos em coautoria, o autor de correspondência deverá
garantir um consenso pleno na aprovação da versão final do texto e na sua
submissão para publicação.

Responsabilidade dos avaliadores:


• assumir o compromisso de empreender uma avaliação crítica, construtiva, justa e
imparcial, contribuindo para a qualidade científica do texto;
• não aceitar elaborar um parecer sobre um texto cujo tema ultrapassa as suas
competências ou se verificar a existência de um conflito de interesses que impeça
de realizar a avaliação;
• nos casos em que o avaliador considere que o texto deverá ser modificado, todas
as alterações a implementar deverão ser devidamente apresentadas e justificadas;
• sempre que o avaliador detetar a existência de um texto que já tenha sido
publicado, na íntegra ou em parte, ou que tenha sido submetido em simultâneo

207
noutra publicação, ou então que não esteja de acordo com as normas éticas de
publicação deverá comunicá-lo à Direção da revista.

Responsabilidade do editor:
• garantir uma posição de isenção e objetiva na avaliação dos textos, atendendo
unicamente ao seu mérito científico. Respeitar a liberdade científica dos autores;
• garantir que todos os textos serão tratados de forma confidencial e que serão
selecionados avaliadores o mais idóneos possível, que empreendam uma
avaliação crítica e especializada dos textos submetidos para publicação;
• assegurar que o processo de avaliação decorrerá em regime de duplo anonimato e
que os nomes e endereços apresentados na revista serão exclusivamente utilizados
para os serviços por esta prestados, não sendo utilizados para outras finalidades
ou fornecidos a terceiros;
• as alegações de plágio ou de uso indevido de textos publicados serão devidamente
investigadas. Todos os textos submetidos para publicação serão sujeitos a uma
verificação minuciosa para deteção de plágio. Nos casos em que o mesmo seja
detetado ou em que se verifique a utilização de textos de outros autores sem
autorização prévia dos mesmos, reserva-se o direito de tomar as medidas em
conformidade.

208
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO E PUBLICAÇÃO
– INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES –

1. Os autores devem indicar a natureza do seu texto: artigos, recensões, notas de


investigação e ensaios bibliográficos.
2. Os textos devem incluir as respetivas autorias, indicando os seguintes aspetos: nome
do autor; filiação institucional (departamento, faculdade e universidade/instituto a que
pertence, bem como a cidade e o país onde se localiza a instituição); correio eletrónico;
contacto telefónico; endereço de correspondência (preferencialmente endereço
institucional; no caso dos artigos em coautoria, deve existir apenas um autor de
correspondência).
3. Os textos devem ser redigidos em páginas A4 com margem normal, a espaço e meio,
tipo de letra Times New Roman e corpo de letra 12, em formato Word for Windows ou
compatível. As notas de rodapé devem ser redigidas com corpo de letra 10 e espaçamento
de 1,15. O mesmo espaçamento deve ser utilizado nos quadros, os quais devem ser
redigidos com corpo de letra 11.
4. O limite máximo de dimensão dos artigos é de 50.000 carateres, incluindo resumos,
palavras-chave, espaços, notas de rodapé, referências bibliográficas, quadros, gráficos,
figuras e fotografias. As recensões não devem ultrapassar os 8.000 carateres, incluindo
espaços; as notas de investigação e ensaios bibliográficos, os 20.000 carateres, incluindo
espaços.
5. O título completo do texto deve ser apresentado em português, francês, espanhol e
inglês. O artigo deve ser acompanhado por um resumo de 600 carateres (máximo),
redigido em cada uma destas línguas, bem como por 3 palavras-chave.
6. Os quadros, gráficos, figuras e fotografias devem ser em número reduzido,
identificados com numeração contínua e acompanhados dos respetivos títulos e fontes e
apresentados a preto e branco ou em tons de cinzento. Estes elementos não podem ter uma
largura superior à do corpo do texto. O Conselho de Redação reserva-se o direito denão
aceitar elementos não textuais cuja realização implique excessivas dificuldades gráficas
ou um aumento dos custos financeiros.

209
7. Os textos terão de indicar claramente as fontes e referências, de natureza diversa,
respeitante aos elementos não originais. Se existirem direitos de propriedade intelectual,
os autores terão de solicitar as correspondentes autorizações. A Sociologia, Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto não se responsabiliza pelo incumprimento
dos direitos de propriedade intelectual.
8. As referências bibliográficas e citações serão incluídas no corpo do texto, de acordo
com a seguinte apresentação: Lima, 2005; Lima (2005); Lima (2005: 35); Lima et al.
(2004).
9. Nas notas de rodapé devem utilizar-se apenas números. A numeração das notas deve
ser contínua do princípio ao fim do texto.
10. Nos artigos, sugere-se a utilização de, no máximo, dois níveis de titulação, com
numeração árabe.
11. As citações devem ser apresentadas em português, nos casos em que o texto original
esteja nesta língua, e entre aspas. Os vocábulos noutras línguas, que não a portuguesa,
devem ser formatados em itálico.
12. Apenas as referências citadas ou mencionadas ao longo do texto deverão ser incluídas
na bibliografia final. As referências bibliográficas devem obedecer às seguintes
orientações:
a) Livro com um autor: LUHMANN, Niklas (1990), Essays on self-reference, New York,
Columbia University Press.
b) Livro com mais de um autor: BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas (2004), A
construção social da realidade: um livro sobre sociologia do conhecimento, Lisboa,
Dinalivro.
c) Livro com mais de quatro autores: ALMEIDA, João Ferreira et al. (1992), Exclusão
social: Factores e tipos de pobreza em Portugal, Oeiras, Celta Editora.
d) Capítulo em livro: GOFFMAN, Erving (1999), “A ordem da interação”, in Yves
Winkin (org.), Os momentos e seus homens, Lisboa, Relógio d’ Água, pp. 99-107.
e) Artigo em publicação periódica: FERNANDES, António Teixeira (1991), “Formas e
mecanismos de exclusão social”, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, vol. I, pp. 9-66.
f) Artigo em publicação periódica online: FERNANDES, António Teixeira (1991),
“Formas e mecanismos de exclusão social”, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, vol. I, pp. 9-66, [Consult. a 15.07.2014]. Disponível em:
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo3031.pdf>.

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g) Publicações online: PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS (2011),
Programa do XIX Governo Constitucional português, [Consult. a 15.07.2014].
Disponível em: <http://www.portugal.gov.pt/media/130538/programa_gc19.pdf>.
h) Comunicações em eventos científicos: QUINTÃO, Carlota (2004), “Terceiro Sector –
elementos para referenciação teórica e conceptual”, in V Congresso Português de
Sociologia. Sociedades Contemporâneas: Reflexividade e Acção, Braga, Universidade do
Minho, 12-15 Maio 2004.
i) Teses: CARVALHO, Paula (2006), Percursos da construção em Lisboa. Do Cine-
Teatro Monumental ao Edifício Monumental: Estudo de caso, Tese de Licenciatura em
Sociologia, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa.
j) Legislação: Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, Lei de Protecção de Crianças e Jovens
em Perigo.
13. As referências bibliográficas devem ser colocadas no fim do texto e ordenadas
alfabeticamente pelo apelido do autor. Caso exista mais do que uma referência com a
mesma autoria, estas devem ser ordenadas da mais antiga para a mais recente.
14. Os textos devem obedecer ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor
desde o dia 1 de janeiro de 2009. Não obstante, as citações de textos anteriores ao acordo
devem respeitar a ortografia original.
15. Os originais devem ser enviados por correio eletrónico para:
[email protected]

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