Sociologia
Sociologia
Sociologia
Luís Rothes
João Queirós
Laura Halderman
Irwin Kirsch
UNIVERSIDADE DO PORTO
FACULDADE DE LETRAS
PORTO 2023
Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
DIRETOR:
Helena Vilaça, Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Instituto de Sociologia da
Universidade do Porto.
CONSELHO DE REDAÇÃO:
António Firmino da Costa, ISCTE-IUL/CIES-IUL; Cristina Parente, FLUP/IS-UP; Fernando Luís Machado, ISCTE-IUL/CIES-IUL;
Isabel Dias, FLUP/IS-UP; João Teixeira Lopes, FLUP/IS-UP; Luís Vicente Baptista, FCSH-UNL/CESNOVA.
CONSELHO EDITORIAL:
Alice Duarte, FLUP/IS-UP; Álvaro Domingues, FAUP/CEAU; Ana Maria Brandão, ICS-UM; Ana Nunes de Almeida, ICS-UL; Ana
Paula Marques, ICS-UM; Anália Torres, ISCSP-UTL/CIES-IUL; Antonio Álvarez Sousa, Universidade da Coruña, Espanha; António
Firmino da Costa, ISCTE-IUL/CIES-IUL; Augusto Santos Silva, FEP/IS-UP; Benjamin Tejerina, Universidad del País Vasco,
UPV/CEIC; Espanha; Bernard Lahire, ENSL; França; Carolina Pimentel Corrêa, UFRGS; Chiara Saraceno, Università degli Studi di
Torino, Itália/Social Science Research Center Berlin, Alemanha; Claudino Ferreira, FEUC/CES-UC; Cristina Parente, FLUP/IS-UP;
Elena Zdravomyslova, European University at St Petersburg (EUSP)/Center for Independent Social Research (CISR), Rússia; Elisa
Reis, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil;
Fernando Luís Machado, ISCTE-IUL/CIES-IUL; Frank Welz, Universität Innsbruck, Áustria; Hans-Peter Blossfeld, Otto-Friedrich-
Universität Bamberg/Staatsinstitut für Familienforschung an der Universität Bamberg, Alemanha; Heitor Frugoli, Universidade de São
Paulo (USP)/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil; Hermes da Costa, CES; Hustana
Vargas, Universidade Federal Fluminense (UFF)/Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (NEPES), Brasil; Immanuel
Wallerstein, Yale University, Estados Unidos da América; Inês Pereira, ISCTE-IUL/CIES-IUL; Isabel Dias, FLUP/IS-UP; Jean
Kellerhals, Université de Genève, Suíça; João Bilhim, ISCSP-UTL; João Sedas Nunes, FCSH- UNL/CESNOVA; João Teixeira Lopes,
FLUP/IS-UP; José Resende, FCSH-UNL/CESNOVA/Observatório Permanente de Escolas (ICS-UL); José Soares Neves, ISCTE-
IUL/OAC; Lígia Ferro. IS-UP; Luís Vicente Baptista, FCSH-UNL/CESNOVA; Luísa Neto, FDUP/CENCIFOR; Luísa Pinheiro, IPV;
Margaret Archer, College of Humanities-École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça; Maria Manuel Vieira, ICS-UL; Maria
Manuela Mendes, FA-UTL/CIES-IUL; Mariano Enguita, Universidad de Salamanca/Centro de Análisis Sociales de la Universidad de
Salamanca (CASUS), Espanha; Massimo Introvigne, Center for Studies on New Religions (CESNUR), Itália; Michael Burawoy,
University of California, Berkeley, Estados Unidos da América; Michel Wieviorka, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales,
França; Patrícia Ávila, CIES-IUL; Paula Silva, FMUP; edro Abrantes, Universidade Aberta/CIES-IUL; Pertti Alasuutari, University
of Tampere/Tampere Research Group for Cultural and Political Sociology (TCuPS), Finlândia; Piotr Sztompka, Jagiellonian
University, Polónia; Ricca Edmondson, National University of Ireland, Irlanda; Rui Gomes, FCDEF-UC/CIDAF; Sara Melo, Portugal,
ISSSP; Tally Katz-Gerro, University of Haifa, Israel/ University of Turku, Finlândia; Tina Uys, University of Johannesburg/Centre for
Sociological Research, África do Sul; Vera Borges, ICS-UL; Víctor Kajibanga, Universidade Agostinho Neto, Angola/Centro de
Estudos Africanos da Universidade do Porto/Centro de Estudos Africanos do ISCTE-IUL; Vítor Ferreira, ICS-UL; Walter Rodrigues,
ISCTE-IUL/DINÂMIA’ CET-IUL.
INDEXAÇÃO:
Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto é indexada em SciELO, Latindex, EBSCO (Open Science
Directory e Fonte Académica), Sherpa/Romeo, DOAJ – Directory of Open Access Journals, Newjour, CAPES e EZB – Electronic
Journals Library.
Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projeto UIDB/00727/2020
Editorial
Luís Rothes e João Queirós ..................................................................................................4
Artigos
2
Desigualdade na participação em educação de adultos em diferentes contextos nacionais: está o
crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou a mitigar a desigualdade na participação?
Richard Desjardins e Jungwon Kim ................................................................................. 88
Entrevista
3
EDITORIAL
Desigualdades sociais e competências dos adultos: oportunidades e lições do
PIAAC
O mote para a exploração deste tema é a iminente publicação dos resultados do 2.º Ciclo do
Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), um estudo
educacional de grande escala promovido em mais de trinta países pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Com disponibilização prevista para dezembro
de 2024, data a partir da qual poderão ser livremente acedidos e analisados, os dados do 2.º Ciclo do
PIAAC permitirão, assim se espera, renovar perguntas e caminhos de investigação neste âmbito,
com o aliciante especial de as análises poderem passar a incluir o caso português. Tal acontece depois
da interrupção da participação de Portugal no 1.º Ciclo do Programa, no seguimento da tomada de
posse do XIX Governo Constitucional, em 2011. Com a efetivação da participação de Portugal, a
partir de 2019, no segundo andamento do estudo, o país pode voltar a dispor de dados sobre literacia
(e outras competências) da sua população adulta – algo que sucederá quase três décadas depois da
publicação dos resultados do pioneiro Estudo Nacional de Literacia, coordenado por Ana
Benavente.
Numa primeira parte desta publicação, e para além de um texto geral e introdutório, da autoria
de Luís Rothes e João Queirós, sobre as características fundamentais do PIAAC e as possibilidades
que os seus dados abrem aos investigadores das temáticas sociais e educativas, são apresentados três
artigos, todos originais, que permitem enquadrar e situar a trajetória e os caminhos futuros do estudo
das competências dos adultos no nosso país.
No artigo de Patrícia Ávila, reconhecida especialista desta área e coordenadora, até à respetiva
interrupção, das atividades do 1.º Ciclo do PIAAC em Portugal, são apresentados os antecedentes
do estudo em curso, que remontam ao já citado Estudo Nacional de Literacia, e abordadas algumas
das questões essenciais relacionadas com a literacia dos adultos portugueses.
4
Já Paulo Feliciano, no artigo intitulado “A evolução do Sistema de Formação Profissional em
Portugal e o papel dos Fundos Europeus”, trata os sucessivos ciclos de financiamento comunitário
da educação e formação de adultos em Portugal e os seus impactos na qualificação dos portugueses.
Na segunda parte deste número da Revista, são apresentadas versões traduzidas para
português de dois artigos recentes que ilustram bem as virtualidades da utilização dos dados do
PIAAC no estudo das desigualdades. O artigo de Richard Desjardins e Jungwon Kim, inicialmente
publicado no número de 2023 do International Yearbook of Adult Education, foca-se, a partir da
mobilização de dados do 1.º Ciclo do PIAAC, nas desigualdades na participação educativa dos
adultos em diferentes contextos nacionais, explorando hipóteses em torno das implicações do apoio
prestado pelos empregadores à participação em educação e formação de adultos.
É também com base nos dados do 1.º Ciclo do PIAAC que, no artigo de Anita M. Sands e
Madeline Goodman, investigadoras do ETS Center for Research on Human Capital and Education,
se questiona o impacto das características sociodemográficas na forma como as competências se
encontram distribuídas pela população millennial, centrando-se aqui a análise na dimensão e nas
características sociais dos millennials dos EUA com baixos níveis de proficiência em literacia e
numeracia.
Finalmente, num artigo que reproduz uma entrevista com Laura Halderman e Irwin Kirsch
realizada em exclusivo para este número da Revista, são discutidas com estas duas figuras de proa
do consórcio internacional que coordena o PIAAC as características principais do estudo e as
potencialidades que podem resultar da participação no seu 2.º Ciclo.
No seu conjunto, estes trabalhos constituem um contributo para pensar a relação entre
competências e desigualdades sociais, desafiando os investigadores e equipas de investigação a
explorar os ensejos de pesquisa suscitados pelo extraordinário manancial de informação associado
ao PIAAC.
5
ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a1
Luís Rothes
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação
Coordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal
João Queirós
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Subcoordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal
Resumo
O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (Programme for the
International Assessment of Adult Competencies, PIAAC) é um estudo internacional multiciclo
promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A
participação de Portugal no 2.º Ciclo deste Programa vai permitir aceder, a partir de dezembro de
2024, a informação muito detalhada sobre competências de literacia, numeracia e resolução de
problemas da população adulta residente no país, esclarecendo, entre muitas outras questões, a
relação entre as desigualdades sociais e a posse e uso daquelas competências e abrindo perspetivas
muito promissoras para uma sua promoção e desenvolvimento, de modo socialmente justo. A
disponibilização, em acesso livre, dos dados que resultam do PIAAC constitui uma significativa
oportunidade para os investigadores, que poderão, com este 2.º Ciclo do Programa, alargar e
aprofundar a utilização de uma fonte de informação que tem vindo a ser mobilizada de forma
intensiva desde que os dados do 1.º Ciclo ficaram disponíveis. Neste artigo, são apresentadas
sucintamente as principais características do PIAAC e exploradas algumas possibilidades da
mobilização dos seus dados no estudo das desigualdades sociais.
Palavras-chave: PIAAC; Competências dos adultos; Desigualdades sociais.
The Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC) and the study
of social and educational inequalities
Abstract
The Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC) is a leading
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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international multi-cycle study promoted by the Organization for Economic Co-operation and
Development (OECD). Portugal's participation in PIAAC’s Cycle 2 will make available, from
December 2024 on, very detailed information on literacy, numeracy and problem-solving
competencies of adults residing in the country, which will allow for the clarification, among many
other issues, of the relations between social inequalities and the possession and use of those
competencies, opening very promising perspectives for their promotion and development, in a
socially fair way. The availability, in open access form, of the data resulting from PIAAC represents
a significant opportunity for researchers, who will be able to broaden and deepen the use of a source
of information that has been intensively mobilized since data from Cycle 1 was made available. This
article presents the main characteristics of PIAAC and explores some possibilities the Programme’s
data brings to the study of social inequalities.
Keywords: PIAAC; Adult competencies; Social inequalities.
Le Programme pour l'évaluation internationale des compétences des adultes (PIAAC) et l’étude
des inégalités sociales et éducatives
Résumé
Le Programme pour l'évaluation internationale des compétences des adultes (PIAAC) est une étude
internationale multicycle promu par l’Organisation de coopération et de développement
économiques (OCDE). La participation du Portugal au Cycle 2 de ce Programme permettra
d’accéder, après décembre 2024, à des informations très détaillées sur les compétences de littératie,
numératie et résolution de problèmes de la population adulte résidant dans le pays, clarifiant, entre
autres questions, la relation entre les inégalités sociales et la possession et utilisation de ces
compétences et ouvrant des perspectives très prometteuses pour leur promotion et leur
développement, de manière socialement équitable. La mise à disposition, en accès libre, des données
issues du PIAAC constitue une opportunité importante pour les chercheurs, qui pourront, avec le
deuxième Cycle du Programme, élargir et approfondir l’exploitation d’une source d’information
mobilisée intensivement depuis que les données du premier Cycle ont été mis à disposition. Cet
article présente les principales caractéristiques du PIAAC et explore quelques possibilités de
mobilisation de données do Programme dans l’étude des inégalités sociales.
Mots clés : PIAAC ; Compétences des adultes ; Inégalités sociales.
O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (Programme for
the International Assessment of Adult Competencies, PIAAC) é um programa de investigação
multiciclo promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
O desenho e implementação do PIAAC está a cargo de um consórcio internacional, contratado pela
OCDE, liderado pelo ETS – Educational Testing Service (EUA). O consórcio inclui ainda os
seguintes parceiros: Westat (EUA); cApStAn (Bélgica); Research Centre for Education and the
Labour Market (ROA), da Universidade de Maastricht (Países Baixos); GESIS – Leibniz Institute
for the Social Sciences (Alemanha); e IEA – International Association for the Evaluation of
Educational Achievement (Alemanha). Este consórcio desenvolve a sua atividade em ligação direta
com as instituições nacionais e as entidades de pesquisa social designadas pelos governos dos países
participantes. Trata-se de uma iniciativa investigativa internacional, longitudinal e de grande
dimensão que visa a avaliação, monitorização e análise do nível e da distribuição das competências
dos adultos, para apoiar governos e organizações de diferente perfil no desenho de medidas de
extensão do uso de competências em contextos diversos e assim favorecer o desenvolvimento dos
recursos humanos e a participação educativa, cultural e cívica.
O 1.º Ciclo do PIAAC, lançado pela OCDE em 2007, prolongou e ampliou a experiência
destes dois inquéritos anteriores, visando igualmente propósitos de extensão do leque e profundidade
da informação a obter. Para além da avaliação das competências de literacia – e também de
numeracia –, o PIAAC possibilitou o acesso a informação sobre as competências de indivíduos com
baixa proficiência em literacia e avaliou as competências de resolução de problemas em ambientes
tecnologicamente ricos.
1
Ver o artigo de Patrícia Ávila publicado no presente número de Sociologia: Revista da Faculdade de Letras
da Universidade do Porto.
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
O PIAAC tem como principais objetivos i) identificar e medir as competências cognitivas que
se crê serem fundamentais para o sucesso pessoal e societal; ii) avaliar o impacto destas
competências nos resultados sociais e económicos, aos níveis individual e agregado; iii) calibrar a
performance dos sistemas de educação e formação, para que estes possam favorecer o
desenvolvimento das competências necessárias no presente e no futuro; e iv) ajudar a clarificar e
qualificar as medidas e instrumentos de política necessários à promoção e melhoria das competências
das pessoas adultas. O PIAAC apresenta ainda o propósito de aferir de que modo e com que
proficiência os participantes usam as tecnologias de informação e comunicação para aceder, gerir,
integrar e avaliar informação, construir conhecimento e comunicar com outras pessoas. O estudo
recolhe também informação que permite, para cada país participante, traçar um retrato sobre o uso
de competências-chave nos contextos laborais e fora deles e assim medir mais adequadamente a
eficácia e a eficiência dos sistemas de educação e formação 2.
2
Informações gerais e documentação relevante sobre o PIAAC e o “Inquérito às Competências dos Adultos”,
seus objetivos, metodologia, detalhes técnicos e resultados do Ciclo 1, podem ser obtidas em
https://www.oecd.org/skills/piaac/.
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
textos escritos em diferentes contextos para concretizar ações concretas e atingir objetivos, é uma
das áreas trabalhadas. Note-se que as questões não procuram avaliar o nível de escrita do indivíduo,
mas a capacidade de analisar e compreender textos apresentados em formatos tradicionais e também
em meios digitais. Uma outra área aferida é a da numeracia, encarada como a capacidade de aplicar,
interpretar e comunicar informações e ideias matemáticas. Implica saber avaliar uma situação, ou
resolver um problema, num contexto real, mobilizando informação matemática nas múltiplas formas
em que o conteúdo pode ser representado. Finalmente, é avaliada a resolução de problemas, ou seja,
a capacidade de organizar a resposta a desafios quotidianos diversos, em muitos casos usando a
tecnologia para resolver os problemas suscitados e realizar as tarefas complexas propostas. O
objetivo não é medir a “competência digital” do respondente, mas compreender se ele possui as
competências necessárias para avaliar informações criticamente, decidir quais são as ações e os
recursos necessários, bem como usá-los para solucionar problemas (OECD, 2021).
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
Questionário-Base
Tutorial
75% 25%
Na fase inicial do processo, o entrevistador aplica o Questionário-Base (no caso de países com
amostragem de unidades residenciais, e não de indivíduos, como no caso português, a aplicação
deste instrumento é precedida da aplicação de um Screener, ou “Questionário-Filtro”, que identifica
o número de membros do agregado doméstico, lista as suas características sociográficas
fundamentais e determina a elegibilidade para participação no estudo, selecionando
automaticamente, ao cabo deste processo, a pessoa – ou pessoas, no máximo duas, em agregados
domésticos com quatro ou mais membros elegíveis – que irá participar no Inquérito). De seguida, o
participante, se estiver disponível para continuar a responder, recebe o tablet, com recurso ao qual
realizará a Avaliação Direta de Competências. O entrevistador demonstra então as competências
básicas necessárias para completar as tarefas da Avaliação Direta no tablet, como sejam, por
exemplo, tocar, arrastar, soltar e destacar – os testes podem ser realizados com o dedo ou com o
auxílio de uma caneta ativa (active styllus). Seguidamente, o entrevistado percorre um tutorial
disponibilizado pelo software de resposta, já de forma independente. Concluída esta fase
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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preparatória, o participante realiza o teste localizador, utilizado para avaliar, num momento inicial,
o seu nível de proficiência. O participante é posteriormente direcionado para um de três caminhos
possíveis: se tiver falhado no teste localizador, segue para o Caminho 1, realizando apenas as
Componentes de Literacia e Numeracia; se tiver passado no teste localizador, mas com baixa
proficiência, segue para o Caminho 2, recebendo os exercícios das Componentes e ainda dois dos
três conjuntos de Avaliações (Literacia e Numeracia; Literacia e Resolução de Problemas; ou
Numeracia e Resolução de Problemas, podendo a ordem dos testlets ser inversa); se tiver passado
no teste localizador com proficiência elevada, segue para o Caminho 3, realizando também dois dos
três conjuntos de Avaliações. 25% dos participantes que seguem para o Caminho 3 são
aleatoriamente direcionados para os exercícios das Componentes antes de realizarem as Avaliações
(OECD, 2021). Trata-se, como se pode concluir, de um processo longo e exigente, que permite
recolher um leque amplo e muito rico de informações.
3
Ver, sobre esta componente da participação de Portugal no Ciclo 2 do PIAAC, o artigo de João Queirós e
Luís Rothes publicado no presente número de Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade
do Porto.
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
Apesar de o país ter iniciado mais tarde do que a generalidade dos seus congéneres a sua
participação no Ciclo 2 do PIAAC, e de se terem observado atrasos consideráveis no arranque da
aplicação do “Inquérito às Competências dos Adultos”, em resultado de vicissitudes associadas à
concretização e finalização do concurso público internacional para aquisição de serviços para
realização em Portugal do trabalho de terreno, foi possível à equipa nacional concretizar todos os
passos associados à preparação, pilotagem e concretização do estudo. Como resultado do concurso
público internacional lançado para esse efeito, o trabalho de terreno foi atribuído a um consórcio
nacional liderado pela Universidade Católica Portuguesa, que desenvolveu a pesquisa sob a
coordenação geral e a supervisão do Grupo de Projeto do PIAAC. Este trabalho teve início no último
trimestre de 2022, tendo Portugal levado a cabo um Inquérito-Piloto operacional contemplando 150
entrevistas completas, realizadas no domicílio dos participantes em diferentes regiões do país (depois
já da concretização, um ano antes, de um Inquérito-Piloto mobilizando maioritariamente dados
sintéticos). O Inquérito-Piloto do “Inquérito às Competências dos Adultos” do PIAAC teve como
finalidades, quer no momento “simulado”, quer, sobretudo, no momento “operacional”, testar a
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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adequação dos instrumentos e itens da avaliação, a qualidade do processo de amostragem e a
organização e desenvolvimento das operações, tendo permitido confirmar, entre outros aspetos, a
não necessidade da mobilização de instrumentos em papel no Inquérito Principal.
Entretanto, vinham também já sendo preparadas as operações relativas a esta fase decisiva do
estudo, que arrancou no terreno em meados de janeiro de 2023, em todo o território de Portugal
Continental e nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. O trabalho de inquirição ficou
concluído em 6 de agosto de 2023. Ao cabo desta exigente operação, foi possível entregar ao
consórcio internacional e à OCDE, devidamente limpos e revistos, os dados relativos a cerca de
3.800 entrevistas completas4. Entre setembro de 2023 e o final do ano subsequente, decorrem tarefas
exaustivas, envolvendo todas as partes, de revisão, validação e análise preliminar dos dados obtidos
pelo conjunto dos países participantes no estudo, tarefas que culminarão na apresentação mundial
dos resultados prevista pela OCDE para dezembro de 2024.
Em Portugal, numa solução similar à adotada por outros países participantes em que não existe
um registo de população capaz de funcionar como base de amostragem de indivíduos, a base de
amostragem utilizada para seleção das unidades residenciais a visitar foi a Base Nacional de
Endereços (CTT – Correios de Portugal, SA). A dimensão total da amostra mobilizada no quadro do
Inquérito Principal foi de 19.191 residências, das quais 12.791 constavam da amostra inicial e 6.400
4
O número resulta de uma revisão em baixa, acordada com o consórcio internacional e a OCDE, do número
de casos completos a atingir por Portugal no quadro da concretização do “Inquérito às Competências dos
Adultos”, revisão articulada com a introdução de ajustamentos no cronograma dos trabalhos de inquirição
(igualmente negociados e acordados por todas as partes). Dos 3.800 casos completos, e cujos dados foram
entregues em meados de setembro de 2023, pouco mais de 3.150 foram obtidos através dos procedimentos de
amostragem e metodológicos originais, tendo os restantes sido concretizados no âmbito de um exercício
complementar estruturado em torno de modalidades alternativas de amostragem e inquirição (abordagem
random-route).
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
da amostra de reserva. A seleção dos participantes foi realizada, em cada unidade residencial pré-
selecionada e contactada, através da utilização de um “Questionário-Filtro” (Screener), aplicado com
recurso ao software de gestão da inquirição concebido especificamente para concretização do
PIAAC. Como acima indicado, o Questionário-Filtro enumera os indivíduos elegíveis e seleciona
automaticamente a pessoa ou pessoas convidadas a responder às duas etapas do “Inquérito às
Competências dos Adultos”.
Nos casos em que os residentes contactados não revelassem proficiência na língua ou línguas
de trabalho utilizadas e não fossem por isso capazes de avançar para a realização do Questionário-
Filtro e do Questionário-Base, a metodologia do estudo previu ainda a possibilidade de recurso a
uma “Entrevista à Porta” (Doorstep Interview). Esta entrevista consiste na aplicação de um
questionário sociográfico curto, autoadministrável, apresentado em diversas línguas estrangeiras
identificadas como relevantes no país. Em Portugal, foram realizadas cerca de 60 destas entrevistas.
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
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tivessem de o aplicar), do Questionário-Base e do “caso completo” (nos termos mínimos acima
indicados); uma segunda considerando as avaliações efetivamente finalizadas. Esta segunda taxa de
resposta corresponde ao produto da taxa de resposta do Questionário-Base e da taxa de resposta da
parte correspondente à Avaliação Direta de Competências. Tomando como referência os resultados
do 1.º Ciclo do PIAAC, é expectável que esta segunda taxa de resposta seja inferior à primeira em
aproximadamente dois pontos percentuais. Na primeira das taxas de resposta a determinar, apostava-
se na consecução de valores superiores a 70%, mesmo que se admitissem para publicação resultados
de inquirições com valores abaixo de 70%, mas acima de 50%, desde que os valores abaixo de 70%
não resultassem de vieses identificáveis e evidentes, como os decorrentes de subcobertura amostral.
Contudo, as circunstâncias, designadamente sanitárias, em que se desenvolveu o trabalho de
inquirição obrigaram a limitar estes propósitos, sendo claro que a generalidade dos países
participantes ficará com taxas de resposta aquém das inicialmente pretendidas. Trata-se de valores
cujos cálculo final não havia sido concluído aquando da redação destas linhas.
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
Nas secções anteriores deste texto, foi possível conferir os termos fundamentais do processo
de reunião e efetivação das condições que permitirão a Portugal passar a dispor dos dados do PIAAC.
Entre muitas outras análises e leituras possíveis, a informação a disponibilizar permitirá aprofundar
de modo pioneiro o estudo das relações entre desigualdades sociais e níveis de posse e uso de
competências. Esta relação foi, de resto, bem evidenciada pelos resultados do 1.º Ciclo do Programa,
em todos os domínios de competências avaliados (OECD, 2019a; Rothes & Queirós, 2023). Há,
desde logo, variações relevantes entre os países participantes, visíveis mesmo no interior do espaço
europeu, onde os países do Sul apresentam, em geral, perfis de competências menos robustos: é neles
que encontramos as proporções mais elevadas de população com os mais baixos scores médios de
proficiência nos diferentes domínios de competência avaliados (OECD, 2019a). Estes níveis de
proficiência variam consideravelmente no seio da população de cada país: por exemplo, a diferença
que, em média, existe entre os 25% de adultos com níveis mais elevados de literacia e os 25% de
adultos com os níveis mais baixos é superior a 60 pontos (numa escala máxima de 500). Ora, a
magnitude destas diferenças nos resultados de cada país participante no PIAAC é maior
precisamente nos países com valores médios de proficiência mais baixos. Estamos, pois, perante
uma circunstância que merece a maior atenção: os países que apresentam um panorama geral mais
desfavorável são também aqueles em que as desigualdades de competência se manifestam de forma
mais evidente, ou seja, em que é maior o fosso entre os que têm maior e menor proficiência nos
diferentes domínios de competência avaliados (OECD, 2019a).
Em cada país, estes níveis de proficiência tendem também a variar de forma significativa entre
adultos com diferentes características sociodemográficas, verificando-se uma associação clara entre
os resultados obtidos nos diferentes domínios de competência e as características dos adultos
inquiridos em matéria de idade, nível educativo, níveis educativos dos pais e estatuto migratório,
sendo menos óbvia a associação entre o género e o nível de literacia dos respondentes (OECD,
2019a).
Na maioria dos países e economias participantes no 1.º Ciclo do PIAAC, a relação entre idade
e proficiência é uma curva em forma de U invertido, com um pico entre meados da terceira década
de vida e início da quarta (grupo dos 26 aos 35 anos). Esta associação entre idade e níveis de
competência revela-se bem no modo como se distribuem, por exemplo, os níveis de literacia dos
adultos dos países europeus participantes no PIAAC. Os europeus com idades entre os 26 e os 35
anos têm o mais alto score médio na componente de literacia (282,6 pontos), sendo seguidos pelos
que têm entre 16 e 25 anos (278,1 pontos) e, depois, pelos indivíduos que têm entre 36 e 45 anos
(277,1 pontos). Em contrapartida, os europeus acima dos 46 anos têm as mais baixas proficiências
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
médias: os que se situam no grupo etário dos 46 aos 55 anos apresentam um valor médio de 266,3
pontos e os que têm entre 56 e 65 anos têm score médio de 253,6 pontos (OECD 2019a: 71-76).
A relação entre competências e escolaridade, ela própria não dissociável da variável idade,
sobretudo nos contextos nacionais em que a sobrescolarização das gerações mais jovens é mais
evidente, é também assinalável. Em todos os países e economias, os adultos com maior escolaridade
têm melhor desempenho na avaliação do PIAAC. Nos países e economias da OCDE que
participaram no 1.º Ciclo do estudo, a diferença média entre os adultos com ensino superior e aqueles
que têm menos do que o ensino secundário é de 61 pontos em literacia e de 70 pontos em numeracia.
As diferenças na proficiência relacionadas com o nível de escolaridade são ainda maiores no domínio
da resolução de problemas em ambientes ricos em tecnologia. Na maioria dos países e economias,
uma grande parte dos adultos com baixo nível de escolaridade (aqueles sem ensino secundário) não
possuíam sequer a proficiência básica no uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC),
necessária, desde logo, para realizar a avaliação de resolução de problemas (por exemplo, não eram
capazes de operar o rato). Como resultado, 41% dos entrevistados com baixa escolaridade, nos países
da OCDE, não receberam uma pontuação neste domínio. Como seria expectável, trajetórias
académicas mais longas tendem a favorecer o desenvolvimento de níveis de proficiência mais
elevados e a providenciar o acesso a quadros profissionais e de vida mais desafiantes do ponto de
vista do uso e desenvolvimento de competências (OECD, 2019a: 66-71).
Existe também uma clara relação entre a proficiência e a condição perante a migração,
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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designadamente no caso dos europeus inquiridos. Esta surge bem ilustrada no facto de os adultos
testados na sua língua nativa terem uma pontuação média em literacia de 274,0 pontos, claramente
superior à pontuação média de 245,9 pontos dos adultos que aprenderam a língua em que foram
testados apenas como segunda língua (OECD, 2018: 36-37).
Os níveis de literacia são também bons reveladores da situação face ao emprego dos diferentes
inquiridos. Por exemplo, os europeus empregados a tempo inteiro obtiveram, em média, 277,7
pontos nos testes de literacia, ao passo que os empregados a tempo parcial conseguiram 270,7 pontos
e os desempregados alcançaram um score médio de literacia de apenas 255,4 pontos (OECD, 2019a).
É também bem claro o modo como a relação entre literacia e emprego se manifesta, também, no
risco de desemprego e nos salários auferidos: os europeus com maior proficiência em literacia têm
geralmente um desempenho melhor no mercado de trabalho, são mais propensos a encontrar um
emprego (um adulto com baixos níveis de literacia tem duas vezes mais probabilidade de estar
desempregado) e são mais bem pagos. Os valores/hora dos salários estão, de facto, fortemente
associados à literacia. O salário médio, por hora, dos trabalhadores com pontuação alta (“Nível 4”
ou “Nível 5” na escala de literacia) é 94% superior ao dos trabalhadores com pontuação baixa (“Nível
1” ou “Abaixo do Nível 1”).
Os resultados do 1.º Ciclo do PIAAC revelam os fortes impactos que os níveis de proficiência
nos diferentes domínios de competências têm em diferentes indicadores de participação e “bem-
estar” sociais. Os adultos que se situam nos níveis mais baixos de proficiência são os que apresentam
menores níveis de confiança, não só em relação a quem os rodeia, como também em relação às
instituições e aos governos. Por exemplo, a percentagem de indivíduos que demonstra níveis
elevados de desconfiança é duas vezes superior entre os que se situam no “Nível 1” e “Abaixo do
Nível 1” na escala de literacia à dos que obtiveram resultados que os situam no “Nível 4” e no “Nível
5” de proficiência. Estes últimos acreditam mais, também por isso, na sua capacidade para influir de
forma significativa no processo político e são mais capazes de fazer uso de informações de origem
governamental que lhes possam ser úteis. Os impactos podem ser igualmente observados noutros
indicadores de “bem-estar social”. É significativo, por exemplo, que, em todos os países analisados
no 1.º Ciclo do PIAAC, os adultos com mais altos níveis de proficiência sejam os que avaliam melhor
o seu próprio estado de saúde. São estes, também, os que mais declaram participar em atividades
associativas e de voluntariado (OECD, 2019a: 109-115). E são eles, igualmente, os adultos que mais
participam em atividades educativas e formativas e que declaram um maior envolvimento em
práticas de literacia. Os adultos com mais baixos índices de proficiência em literacia, pelo contrário,
revelam níveis de uso dessas competências invariavelmente abaixo dos da população em geral
(OECD, 2013, 2016). No grupo dos inquiridos com proficiência em literacia situada no “Nível 1”
ou “Abaixo do Nível 1”, a percentagem dos que nunca liam no trabalho alcançava 15,5%, face a
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
apenas 5,2% no conjunto dos respondentes. A ausência de práticas de leitura fora do trabalho era,
por seu turno, revelada por 4,8% dos inquiridos com proficiência em literacia situada no “Nível 1”
ou “Abaixo do Nível 1”, valor que descia para 1,3% no conjunto dos respondentes. Já os indivíduos
que declaravam ler mais no trabalho eram também aqueles que mais liam fora do contexto laboral
(Grotlüschen et al., 2016: 40-42). Há, pois, uma clara associação entre proficiência e uso das
competências. Ainda que possam ser encontradas variações entre países, o mais comum é a
existência de um “círculo virtuoso” entre (maior) proficiência, (maior) envolvimento em práticas de
literacia e (maior) possibilidade de mobilizar apropriadamente as competências na vida quotidiana
(OECD, 2016: 102-103; cf. também Grotlüschen et al., 2016; Desjardins, 2023; Reder et al., 2020).
Com efeito, o panorama atual é caracterizado pela existência de uma ampla gama de
publicações relacionadas com o PIAAC, abrangendo todo o tipo de formatos: artigos científicos,
livros, capítulos de livros, relatórios técnicos, artigos de divulgação científica, textos de apresentação
e descrição de recursos, entre outros. Há textos que identificam, apresentam e disponibilizam
ficheiros de dados e outros recursos resultantes do “Inquérito às Competências dos Adultos” ou que
procedem à apresentação, análise e discussão de resultados a partir da utilização dos respetivos
dados. E temos também publicações que se referem ao quadro teórico-concetual subjacente à
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
avaliação de competências promovida pelo PIAAC ou que abordam dimensões metodológicas e/ou
técnicas do estudo, incluindo extensões da pesquisa ou investigações de follow up realizadas em
determinadas regiões, países ou conjuntos de países. Há, aliás, que destacar a amplitude e
diversidade dos tópicos de investigação tratados, em diferentes contextos nacionais e a partir de
diferentes referenciais disciplinares, teóricos, epistemológicos e metodológicos, permitindo abordar
temáticas tão distintas como: determinantes do desenvolvimento de competências cognitivas;
envelhecimento e efeitos de coorte no desenvolvimento e retenção de competências; níveis e tipos
de participação educativa e formativa; efeitos da participação em educação-formação, por tipo e
modalidade de aprendizagem; eficácia e eficiência dos sistemas de educação-formação na promoção
de competências; posse e uso de competências e condição de saúde; posse e uso de competências e
participação social e cívica; relações entre competências, características socioemocionais e traços de
personalidade; relações entre competências e resultados económicos; impactos da digitalização e da
automação nos universos laborais e nas competências; desequilíbrios entre procura e oferta de
qualificações e competências; posse e uso de competências digitais em diferentes contextos;
diferenças na posse e uso de competências cognitivas entre grupos sociodemográficos; questões
metodológicas e éticas associadas ao desenvolvimento de testes de avaliação de competências; entre
muitas outras.
São sinais claros do impacto do 1.º Ciclo do PIAAC, os quais nos dão indicações de como
poderão ser promissores os próximos anos, e agora também no caso português, no que respeita à
investigação social e educacional que mobilizará os dados resultantes do 2.º Ciclo do Programa. É
certo que os países que participaram no 1.º Ciclo terão oportunidades reforçadas de investigação e
análise, pela possibilidade de apreciação longitudinal das transformações operadas nos domínios
trabalhados pelo Inquérito. Os países, como Portugal, que não possuam tal histórico terão de se focar
na interpretação dos dados do 2.º Ciclo. No caso português, ainda que com limitações óbvias,
poderemos ainda verificar como evoluiu a sua população adulta, em termos de proficiência em
literacia, desde que, aproximadamente há três décadas, se realizou, em Portugal, o Estudo Nacional
de Literacia (Benavente et al., 1996). A participação do nosso país no 2.º Ciclo do PIAAC, ao abrir
a possibilidade de avaliar e conhecer de forma detalhada o nível e características das competências
detidas pela população adulta, fornecerá seguramente um estímulo adicional ao esforço de
idealização e construção de estratégias de promoção da participação educativa e formativa ao longo
da vida que contribuam para definir como prioridade a redução das desigualdades educativas e
sociais.
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ROTHES, Luís; QUEIRÓS, João (2023), “O Programa Internacional para a Avaliação de Competências dos
Adultos (PIAAC) e o estudo das desigualdades sociais e educativas”, Sociologia – Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 6 - 26
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Luís Rothes (autor para correspondência). Professor Coordenador da Escola Superior de Educação
do Politécnico do Porto. Investigador Integrado do inED – Centro de Investigação e Inovação em
Educação (ESE-P.PORTO). Desde 2019, desempenha funções enquanto Coordenador do Grupo de
Projeto do PIAAC em Portugal. ESE-P.PORTO – Rua Dr. Roberto Frias, 602, 4200-465 Porto,
Portugal. E-mail: [email protected]
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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 – 50
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem202a2
Patrícia Ávila
Iscte-Instituto Universitário de Lisboa
Centro de Investigação e Estudos de Sociologia/Iscte-IUL
Resumo
Em Portugal, a investigação sobre literacia tem um marco inicial bem definido: o Estudo Nacional
de Literacia. Neste artigo, revisita-se essa investigação, assim como os principais desenvolvimentos
que se lhe seguiram. Começa-se por enquadrar o projeto no contexto mais alargado dos estudos
internacionais de avaliação de competências de adultos, destacando a sua singularidade e também a
partilha de quadros concetuais e modos de operacionalização. Quase trinta anos após os estudos
iniciais, a sociedade e a investigação extensiva sobre as competências dos adultos sofreram
consideráveis alterações, representando o PIAAC, o programa internacional atualmente em curso,
uma oportunidade para atualizar o conhecimento sobre a literacia da população adulta em Portugal.
Palavras-chave: Literacia dos adultos; avaliação de competências; estudos comparativos
internacionais.
les compétences des adultes, en soulignant son caractère unique, mais aussi le partage de cadres
conceptuels et de modes d'opérationnalisation. Près de trente ans après les premières études, la
société et les études approfondies sur les aptitudes et les compétences des adultes ont connu des
changements considérables, et le PIAAC, le programme international en cours, représente une
occasion d'actualiser les connaissances sur la littératie de la population adulte au Portugal.
Mots-clés : Littératie des adultes ; évaluation des compétences ; études comparatives internationales.
O ENL foi um trabalho pioneiro, até ao momento não replicado ou atualizado, no âmbito do
qual foram alcançados avanços muito significativos para a investigação sobre a literacia na sociedade
portuguesa, em pelo menos três níveis: na elaboração concetual e justificação científica e social da
sua pertinência; na operacionalização, concretizada num amplo trabalho de investigação que
combinou metodologias extensivas e intensivas; e na discussão das implicações sociais da literacia
na sociedade atual.
Esta investigação surge no seguimento de estudos nacionais realizados no Canadá e nos EUA
no início dos anos 1990 (Kirsch, Jungeblut, Jenkins e Kolstad, 1993; Montigny, Kelly e Jones, 1991)
e é contemporânea da primeira fase de um programa de investigação, o IALS (International Adult
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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50
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Literacy Survey), que visa, pela primeira vez, concretizar uma pesquisa de caráter extensivo e
comparativo, de âmbito internacional, sobre literacia. O IALS foi desenvolvido em três fases, cada
uma delas integrando um conjunto de novos países. A primeira fase teve lugar em 1994, a segunda
em 1996 e, finalmente, a terceira em 1998. Foram publicados três relatórios, no último dos quais se
sistematizam e comparam os resultados dos 20 países participantes (OECD e Statistics Canada,
2000).
Num quadro mais alargado, importa mencionar que no período em que decorrem o ENL e o
IALS (segunda metade da década de 1990) se assiste a um forte reconhecimento social e político,
nacional e internacional, da importância dos processos educativos e da aprendizagem ao longo da
vida, para a economia e para a sociedade como um todo. A aposta nas qualificações e na melhoria
das competências da população adulta é considerada decisiva, reconhecendo-se que, no decorrer da
vida, podem ser muito diversos os contextos de aprendizagem e os modos de aprender.
É nesta época que surgem documentos de referência como o Livro Branco sobre educação e
formação publicado pela Comissão Europeia (Ensinar e Aprender, Rumo à Sociedade Cognitiva;
Comissão Europeia, 1995), cujo foco central é o modo como a Europa poderia enfrentar as
oportunidades e desafios da globalização, da expansão das tecnologias da informação e comunicação
e das aplicações da ciência, considerando-se que apenas uma aposta na educação e formação poderia
aumentar a competitividade europeia num contexto de globalização da economia. Um ano depois,
1996 é declarado o Ano Europeu da Educação e da Aprendizagem ao Longo da Vida e é publicado
o relatório da UNESCO, coordenado por Jacques Delors – Educação, um Tesouro a Descobrir
(Delors, 1996). Ainda em 1996, a OCDE publica o relatório “Aprendizagem ao Longo da Vida para
Todos” e, em 1997, a UNESCO realiza a V CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação
de Adultos) que, na sua declaração final, avança uma conceção de educação e formação de adultos
que remete para o conceito de sociedade educadora, numa perspetiva simultaneamente holística
(abarcando todos os aspetos da vida social dos indivíduos) e transetorial (incluindo todas as áreas de
atividade cultural, social e económica) (Instituto de Educação da UNESCO, 1998). Já na transição
para o século XXI, no ano 2000, e novamente no quadro da União Europeia, é publicado o
amplamente citado Memorando para a Aprendizagem ao Longo da Vida (Comissão Europeia,
2000). É neste contexto que pesquisas como o ENL e o IALS ganham particular relevância. Têm
como foco os adultos e procuram conhecer as competências de literacia da população,
independentemente dos contextos em que foram desenvolvidas, por estas serem entendidas como
basilares em sociedades marcadas pelo conhecimento e pela necessidade permanente de aprender.
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um deles. Começando pelos elementos de convergência, deve sublinhar-se, sobretudo, a adoção de
um conceito nuclear comum, a literacia. Como atrás já se aludiu, em Portugal a palavra literacia
estava, até aí, ausente, quer do discurso quotidiano, quer do científico, pelo que a sua clarificação
concetual era fundamental.
As páginas iniciais do livro que resultou do ENL são dedicadas a essa explicação detalhada,
a qual passava por contrapor o novo conceito (de literacia) a outros próximos, como o de
alfabetização, face aos quais era necessário estabelecer as diferenças:
Assim definido, o conceito de literacia afasta-se não apenas do de alfabetização, mas também
dos graus formais de escolarização: centrando-se na “(…) capacidade de uso dessas competências
(de literacia), e não tanto na sua obtenção, permite distinguir entre níveis de literacia, por um lado,
e graus de instrução formal, por outro” (Costa e Ávila, 1998: 131).
Esta elaboração concetual segue de muito perto a que vinha sendo desenvolvida no quadro de
estudos nacionais, atrás já referidos, realizados nos EUA e Canadá. Estes partiam da expressão
“literacy”, já existente e usada recorrentemente em língua inglesa, mas a proposta concetual que é
desenvolvida enfatiza o uso, na vida quotidiana, da leitura e escrita (e não os processos que
conduzem à sua aquisição, ou os diplomas que a atestam). No relatório final do IALS, em 2000,
define-se literacia como “a capacidade de interpretar e utilizar informação escrita impressa nas
atividades diárias - em casa, no trabalho e na comunidade - para atingir os objetivos pessoais e
desenvolver os conhecimentos e os potenciais próprios” (OECD e Statistics Canada, 2000: X).
diferente da estrutura associada a documentos, como gráficos e tabelas, e ainda distinguir uma
terceira dimensão para as tarefas em que o processamento de informação escrita envolve alguma
combinação com operações aritméticas” (Kirsch, 2001: 9). Assim, a literacia em prosa reporta-se ao
processamento de texto corrido em livros, jornais, informações comerciais ou institucionais,
enunciados, notas e outras mensagens; a literacia documental incide sobre o relacionamento com
formulários, impressos, tabelas e outros materiais semelhantes. E, finalmente, a literacia quantitativa
traduz a utilização de valores numéricos e a realização de operações aritméticas com base em
materiais escritos.
A resposta recaiu numa nova geração de estudos, metodologicamente muito inovadores, que
operacionaliza o conceito de literacia através de um conjunto articulado de instrumentos, entre os
quais se destaca a construção de indicadores de avaliação direta. Na impossibilidade de
acompanhar, de forma extensiva, os sujeitos no seu dia-a-dia, observando “diretamente” as suas
práticas, é construída uma bateria de testes que procuram simular, tanto quanto possível, situações
do dia-a-dia que requerem a mobilização de competências de literacia. O ponto de partida é o
levantamento de um conjunto de materiais escritos, em diferentes contextos, e com diversos
formatos, podendo ou não ter imagens associadas, cuja descodificação/interpretação requer a
mobilização de competências de literacia. É importante sublinhar que quer os materiais, quer as
questões colocadas, remetem para situações do quotidiano com as quais a generalidade da população
tem de confrontar-se no seu dia-a-dia e que implicam a mobilização de competências de literacia
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(interpretar corretamente os preços e descontos de produtos num folheto de supermercado, uma
notícia de jornal, as instruções de um aparelho, a bula de um medicamento, etc.). Tendo por
referência esses materiais, são formuladas questões que podem ser, nas suas versões mais simples,
de localização de informação ou, em versões de maior complexidade, implicar a integração e o
relacionamento de informação situada em diferentes partes do suporte, ou mesmo incluir operações
mais complexas de processamento da informação que obrigam à geração de enunciados que não só
relacionam vários elementos do suporte, como vão além da informação nele contida, procedendo a
inferências e sínteses (Kirsch, Jungeblut e Mosenthal, 1998).
Foi este o quadro de referência teórico-metodológico mobilizado no ENL, que assim partilhou
com o IALS não apenas uma conceção de literacia idêntica, mas também a grelha para a construção
e análise dos instrumentos de avaliação das competências de literacia. Por outras palavras, quer o
conceito de literacia adotado, quer as dimensões a operacionalizar (literacia em prosa, documental e
quantitativa), quer ainda a grelha teórica desenvolvida por Kirsch, Jungeblut e Mosenthal para
explicar o nível de dificuldade das tarefas e as competências por elas requeridas estiveram presentes
em ambos os estudos.
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“tais textos, de natureza não escolar, tratavam assuntos relacionados com atividades
quotidianas, apresentando situações com que os adultos se confrontam na sua vida. Os
textos foram retirados de publicações e outros suportes impressos correntes (jornais,
anúncios, folhetos, preçários, etc.). Não se pretendendo, porém, testar rotinas
funcionalizadas, mas a capacidade de utilizar informação escrita necessária nas diferentes
dimensões da vida adulta, os conteúdos de tais textos centraram-se em situações da vida
pessoal, profissional e social bastante difundidas e de carácter o mais possível transversal
à generalidade das condições de existência nas sociedades contemporâneas” (Benavente,
Rosa, Costa e Ávila, 1996: 14).
1
No capítulo 3 do livro que resultou do ENL (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996), explica-se, de forma
detalhada, o modo como foram construídos os níveis de literacia e a sua interpretação, apresentando-se, ainda,
para cada um deles, ilustrações de tarefas e respetivos resultados.
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ÁVILA, Patrícia (2023), “Estudos extensivos de literacia em Portugal: um balanço”, Sociologia – Revista da
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adulta, evidenciando não só a forte relação com a escolaridade (o principal “preditor” da literacia),
mas também com os contextos de vida (pessoal, familiar, profissional) e com as práticas neles
desenvolvidas. Foi assim possível evidenciar a relação entre literacia e educação de adultos,
entendida no seu sentido mais abrangente: não é apenas a “escola” que surge associada às
competências de literacia (incluindo as diversas modalidades de educação e formação de adultos que
conduzem à certificação formal), também as atividades quotidianas podem ter um potencial
educativo decisivo neste domínio. Os resultados permitiram ainda compreender as implicações
sociais da literacia, com manifestações em diversos planos: no emprego e no rendimento, na
cidadania e na participação cívica, na saúde e bem-estar, na educação ao longo da vida, na literacia
familiar e sucesso escolar de crianças e jovens, entre muitos outros.
A par dos resultados substantivos alcançados, o ENL teve um outro conjunto de repercussões
que merecem ser sublinhadas. Uma delas, já mencionada, foi a introdução do termo literacia no
vocabulário académico e não académico; a outra foi o seu contributo no campo educativo, em
particular na definição das políticas de educação e formação de adultos no final da década de 1990.
O reconhecimento das aprendizagens desenvolvidas ao longo da vida, nos mais diversos contextos,
e a elaboração de referenciais de competências orientados para competências-chave ou transversais,
entre as quais as de literacia, são exemplos de instrumentos que puderam beneficiar da investigação
realizada.
Haviam surgido críticas dirigidas à componente nuclear, e também mais inovadora, do IALS,
implementada, pela primeira vez, numa pesquisa comparativa internacional: a avaliação direta da
literacia, através de uma prova que simulava situações do quotidiano que implicavam o
processamento e a interpretação de informação escrita. Assegurar a comparabilidade dos resultados
dos vários países participantes, apesar das especificidades de cada um deles, através de uma prova
comum, traduzida para as várias línguas era, inequivocamente, o grande desafio do IALS2.
2
Note-se que este programa de investigação, embora usufruindo da experiência de estudos nacionais
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Ora, essa comparabilidade foi posta em causa por alguns dos países participantes na primeira
fase do IALS, em particular pela França, que contestou os resultados do país (abaixo do esperado),
e impediu a sua divulgação e publicação, alegando que as comparações entre os países estariam
fortemente enviesadas, não podendo por isso ser interpretadas como diferenças em termos de níveis
de literacia (Blum e Guérin-Pace, 2000).
Para tentar identificar eventuais fontes de erro existentes no IALS, a Comissão Europeia
promoveu então a realização de uma investigação, coordenada pelo Office for National Statistics do
Reino Unido, que avaliou vários aspetos da metodologia do IALS, como a tradução dos materiais,
os processos de amostragem e de recolha de informação, o tratamento das não-respostas, a
construção das escalas de literacia, entre outros. Pretendia-se, assim, contribuir para a compreensão
dos resultados da França, para muitos, inesperados, e, simultaneamente, propor um conjunto de
“boas práticas” a serem implementadas em futuras avaliações extensivas de competências a nível
internacional (Carey, 2000).
Portugal, através da equipa que tinha estado envolvida no ENL, é convidado a participar nessa
avaliação por ter sido o único país europeu a ter desenvolvido um estudo extensivo, de âmbito
nacional, de avaliação das competências de literacia da população adulta. Se o IALS fosse aplicado
a uma amostra representativa da população portuguesa (como veio a acontecer), haveria a
possibilidade de comparar os resultados de dois modos de operacionalização distintos, embora
baseados em princípios teóricos e metodológicos comuns (Gomes, Ávila, Sebastião e Costa, 2002).
Como atrás se referiu, no ENL, a prova para a avaliação direta da literacia foi desenvolvida com
base em materiais/suportes que não foram adaptados ou traduzidos, por se encontrarem em
circulação na sociedade portuguesa. Confrontar e triangular os resultados do ENL e do IALS
constituía, por isso, uma oportunidade singular para testar empiricamente uma questão decisiva: a
das relações entre a transversalidade sociocultural da literacia e a sua contextualidade nas sociedades
atuais (Costa e Ávila, 1998).
Foi então aplicada, em Portugal, a prova de literacia usada no estudo internacional (depois de
traduzida para português) e uma versão ligeiramente mais reduzida do questionário de caracterização
social. A amostra, de 1.200 casos, representativa da população com idade entre os 16 e os 65 anos
residente em Portugal Continental, foi desenhada pelo INE, que assegurou, igualmente, a recolha
lllll
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dos dados. Foi assim possível comparar duas pesquisas que, embora partilhando orientações
concetuais e metodológicas comuns, haviam sido operacionalizadas com base em materiais distintos,
num caso através de uma prova construída exclusivamente com materiais recolhidos na sociedade
portuguesa (estudo nacional), e no outro através de uma prova elaborada com materiais provenientes
de diferentes países (estudo internacional).
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Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 27 - 50
Figura 2: Percentagem da população (16-65 anos) por nível de literacia (IALS, 1994-1998)
Nota: Países ordenados por ordem decrescente da percentagem nos níveis 3 e 4/5.
Fonte: OECD e Statistics Canada, 2000: 17.
Embora importante, o exercício de comparação internacional levado a cabo pelo IALS teve
algumas limitações, desde logo devido ao reduzido número de países participantes (20 no total) e
também ao perfil dos mesmos, evidenciando-se a ausência de países do sul da Europa (com a exceção
de Portugal).
Assim, num primeiro nível, a participação portuguesa foi importante essencialmente por
razões de ordem empírica. Para o IALS, a recolha de dados sobre Portugal significou a integração
na pesquisa de um país do sul da Europa, o que, do ponto de vista da representatividade da pesquisa
ao nível dos países abrangidos, se afigurava como sendo essencial. Para Portugal, e após o Estudo
Nacional de Literacia (ENL), a participação no IALS representava a oportunidade de atualizar, e de
prosseguir, a investigação sobre os padrões de literacia na sociedade portuguesa, desta vez com
possibilidade de comparação dos resultados com os dos outros países participantes (Ávila, 2007,
2008). Mas a importância da inclusão de Portugal no IALS pode ser perspetivada num segundo
patamar, de ordem metodológica e teórica (precisamente aquele que justificou o convite à
participação). Portugal avaliou as competências de literacia da população adulta com base em duas
provas distintas - a do IALS e a construída no âmbito do ENL - o que possibilitou a discussão,
apoiada em resultados empíricos, de vários tópicos, não só de ordem teórica, mas também
metodológica, que têm atravessado a investigação de natureza extensiva sobre a literacia nas
sociedades contemporâneas.
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Após o IALS, entre 2000 e 2006, a investigação internacional no domínio da literacia dos
adultos conheceu outros desenvolvimentos.
Merece destaque, em primeiro lugar, um trabalho de reflexão teórica alargada que culminou
numa proposta concetual de competências-chave. Conhecido pela sigla DeSeCo (Defining and
Selecting Key Competencies:Theoretical and Conceptual Foundations), este projeto, coordenado
pelo Instituto Federal de Estatística Suíço e realizado sob a égide da OCDE, juntou inúmeros
especialistas, não apenas académicos (em especial das ciências sociais e humanas), mas também
políticos, sindicalistas e dirigentes patronais, bem como investigadores ligados aos estudos
extensivos internacionais neste domínio. O objetivo foi promover o debate entre esses vários
especialistas, de modo a alcançar um entendimento comum sobre as “competências-chave para o
século XXI”. O conceito de competências foi definido como a “capacidade de responder a exigências
complexas num determinado contexto através da mobilização de pré-requisitos psicossociais
(incluindo aspetos cognitivos e não cognitivos)” (Rychen e Salganik, 2003: 43).
Esta formulação, apesar de muito abrangente, contém alguns aspetos que merecem ser
destacados. Um dos mais importantes é, sem dúvida, a ênfase colocada na utilização externa, ou
seja, na resposta a solicitações e exigências que os indivíduos enfrentam em diferentes contextos
(demand-oriented aproach). Neste sentido, e embora as competências sejam simultaneamente
concebidas do ponto de vista da sua estrutura interna, sublinha-se que as mesmas se manifestam, e
atualizam, nas ações e nos comportamentos (único nível a que podem ser apreendidas) e, sobretudo,
que os requisitos e as exigências dos contextos são cruciais para a definição e seleção das
competências “chave”. Um outro ponto a salientar é aquilo a que os autores chamam uma conceção
holística da competência, que se traduz na contemplação de atributos de tipo muito diferenciado:
além das capacidades cognitivas, o modelo proposto engloba também “motivações, emoções e
valores” (idem: 45). Finalmente, o modelo concetual definido incide em competências individuais
(e não coletivas, ou organizacionais), as quais devem poder ser aprendidas e ensinadas. Procuram
assim excluir-se capacidades inatas e qualidades pessoais, colocando ao mesmo tempo no centro da
abordagem o tema da aprendizagem ao longo da vida.
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Logo após o DeSeCo, e muito influenciado por este, realizou-se o ALL (Adult Literacy
and Lifeskills Survey), um programa de investigação, coordenado pelo Statistics Canada e o US
National Center for Education Statistics, cuja relevância decorreu não tanto do número de países
participantes (apenas 11), mas sobretudo da forma como foi preparada a pesquisa. Através de um
projeto que envolveu um vasto conjunto de especialistas e instituições, não só norte-americanas e
canadianas, mas também europeias, procurou-se construir instrumentos válidos, interpretáveis,
comparáveis e relevantes em termos linguísticos, culturais e geográficos (Murray e Clermont, 2005).
Para o efeito, o trabalho de construção das tarefas destinadas à avaliação de competências envolveu
um total de 35 países, entre os quais Portugal4, e 20 idiomas.
Com a divulgação dos primeiros resultados do ALL (Statistics Canada e OECD, 2005), foi
também disponibilizado um relatório que sistematizou o complexo e longo trabalho de preparação
dessa operação de pesquisa (Murray, Clermont e Binkley, 2005). Esse relatório contém elementos
fundamentais para perceber a articulação com projetos de natureza teórica sobre competências-
chave, como o DeSeCo, representando, em si mesmo, uma oportunidade para o aprofundamento da
reflexão metodológica e teórica neste domínio de investigação.
3
Recentemente, no âmbito do projeto O Futuro da Educação e Competências 2030, Bússola de Aprendizagem
2030 (OECD, 2019a), Rychen revisitou a proposta concetual que resultou do projeto DeSeCo visando, de
alguma forma, a sua atualização (que designou por DeSeCo 2.09), atendendo às transformações sociais
entretanto ocorridas e àquelas que que se perspetiva que venham a ocorrer num futuro próximo (Rychen,
2016).
4
Em Portugal, este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projecto International Adult Life Skills: Re-
development of Prose and Document Item Pools, desenvolvido no âmbito do CIES-ISCTE, por uma equipa
constituída por António Firmino da Costa (coordenador), Patrícia Ávila, João Sebastião e Maria do Carmo
Gomes. Alguns desses itens integraram o ALL e foram também mantidos no PIAAC.
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A partir de 2008 teve início um novo e muito ambicioso programa internacional de avaliação
das competências dos adultos, o PIAAC (Programme for the International Assessment of Adult
Competencies).
O 1.º ciclo decorreu entre 2008 e 2017, tendo nele participado 38 países (OECD, 2013, 2016,
2019b). Muito inspirado pelo debate promovido pelo projeto DeSeCo, pelos desenvolvimentos
implementados no ALL, e também noutros estudos de avaliação de competências, o PIAAC é
considerado um ponto de viragem na história dos estudos internacionais de avaliação de
competências, embora não deixando de assegurar a comparabilidade com os que o antecederam.
Como mostram de forma detalhada Kirsch e Lennon (2017), o PIAAC representa o culminar
de tudo o que tinha sido aprendido ao longo das várias décadas, nomeadamente em termos de
conceção de instrumentos, de procedimentos de tradução e adaptação, e de interpretação de
resultados em avaliações em larga escala. Possibilitou ainda outras inovações decorrentes da
utilização, pela primeira vez, neste tipo de estudos, de computadores na recolha de informação: o
desenvolvimento de uma prova “adaptativa”, em que as tarefas vão sendo administradas em função
das respostas dadas, a classificação automatizada de itens de resposta aberta em várias línguas, e a
inclusão de textos eletrónicos e materiais interativos.
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O despacho n.º 6302/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 69, de 9 de abril de 2010, nomeou
o ISCTE como Gestor do Projeto (National Project Manager) e definiu os termos da participação do INE,
instituição responsável pelo desenho amostral e implementação da recolha de informação. O projeto foi
realizado no quadro do CIES/Iscte-IUL, tendo sido constituída uma equipa alargada para a assegurar a sua
concretização: Patrícia Ávila (coordenadora), António Firmino da Costa, Pedro Ramos, Maria do Carmo
Botelho, Rosário Mauritti e Elisabete Rodrigues.
6
Ao todo, participaram no 1.º ciclo do PIAAC 38 países, distribuídos por 3 rondas. Considerando a data da
recolha de informação, a 1.ª ronda decorreu entre 2011 e 2012 e envolveu 23 países (Austrália, Áustria, Bélgica
(Flandres), Canadá, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão,
Coreia, Países Baixos, Noruega, Polónia, Federação Russa, República Eslovaca, Espanha, Suécia, Reino
Unido (Inglaterra e Irlanda do Norte) e Estados Unidos da América); a 2.ª ronda decorreu entre 2014 e 2015 e
envolveu 9 países (Chile, Grécia, Indonésia, Israel, Lituânia, Nova Zelândia, Singapura, Eslovénia, Turquia);
e, finalmente, a 3.ª ronda, em 2017, juntando 5 novos países (Equador, Hungria, Cazaquistão, México e Peru)
e nova recolha de dados nos Estados Unidos da América.
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Este cenário deverá alterar-se muito brevemente, pois encontra-se atualmente em fase
avançada a primeira ronda do 2.º ciclo do PIAAC, contando com a participação de Portugal 7. O novo
ciclo integra, no essencial, os principais traços dos programas anteriores. Mantém o recurso a uma
metodologia de avaliação direta de competências, tendo sido introduzidas algumas alterações que
refletem novos avanços na investigação extensiva sobre literacia e outras competências-chave dos
adultos, sobretudo relacionadas com a afirmação crescente dos meios digitais (Kirsch e Lennon,
2017; OECD, 2021). Destaca-se o facto de a prova deixar de poder ser administrada em papel (essa
possibilidade coexistiu, no PIAAC, com a administração em computador), passando a ser usados
tablets; o alargamento da concetualização e modo de operacionalização da numeracia, que passa a
incluir, à semelhança do que já acontecia na literacia, um módulo de “componentes de numeracia”
para aprofundamento do conhecimento sobre o processamento de informação quantitativa nos níveis
de proficiência mais baixos; e a revisão e atualização do domínio dedicado à “resolução de
problemas”, que assume uma formulação mais abrangente, considerando problemas relevantes numa
série de ambientes e contextos, já não restringida a problemas de âmbito digital (idem: 13-39).
7
Através do despacho nº 3651-A/2019, de 1 de abril, o XXI governo constitucional estabeleceu as condições
para a participação portuguesa no PIAAC e criou o Grupo de Projeto encarregado de coordenar o trabalho em
Portugal. A gestão nacional do Projeto é assegurada por Luís Rothes (coordenador) e João Queirós
(subcoordenador). O suporte administrativo e financeiro necessário ao desenvolvimento do Projeto é
assegurado pela ANQEP – Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, IP. Mais
informações sobre o projeto podem ser consultadas em https://anqep.gov.pt/np4/piaac/.
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Desde que foi inventada, há mais de cinco mil anos, na Mesopotâmia, a escrita tem marcado
profundamente as sociedades. A sua evolução e de outras tecnologias que lhe servem de suporte
(como a imprensa e, mais recentemente, as tecnologias digitais), associadas ao crescimento, que
ainda hoje prossegue, do número daqueles que são capazes de a utilizar (com o aumento das taxas
de escolarização da população) estão na base das principais marcas das sociedades contemporâneas.
Nas sociedades atuais, da informação, do conhecimento e digitais, a presença de materiais escritos,
de diferentes tipos, em diferentes formatos e para diferentes fins é de tal forma expressiva e
transversal que muitas vezes não damos por eles, embora a sua importância seja cada vez maior. A
crescente utilização de dispositivos tecnológicos (computadores, tablets ou smartphones) exacerbou
ainda mais a importância da literacia pois neles a informação escrita é ubíqua: dificilmente alguém
sem competências de literacia conseguirá tirar partido daqueles recursos tecnológicos e aceder a
informação sobre empregos, serviços ou mesmo participar na vida social (OECD, 2021: 40).
A literacia tem sido investigada a partir de múltiplas perspetivas e áreas disciplinares. Dela
têm-se ocupado, por exemplo, as ciências cognitivas, a psicologia educacional, a linguística, a
história, a antropologia, a sociologia, entre outras. Uma tradição importante, no âmbito das ciências
sociais, têm sido os estudos de literacia (literacy studies) (entre outros, Barton, Hamilton e Ivanic,
2000; Street, 1984). Estes têm estudado a literacia enquanto prática social e cultural “situada”, quer
dizer, enraizada nos contextos sociais, e têm revelado as múltiplas utilizações de materiais escritos
e os diferentes significados que lhe são atribuídos em comunidades e grupos sociais. Adotando o
conceito de “literacias” (plural de “literacia”) esta linha de investigação evidencia a pluralidade e
diversidade social e cultural da literacia, o modo como as práticas de leitura e de escrita estão
socialmente inscritas no dia-a-dia das populações, e também como se transformam, acompanhando
outras dinâmicas sociais. Este caráter plural da literacia tem sido sublinhado também por organismos
internacionais, como a (UNESCO, 2004), que reforça a necessidade de essa pluralidade ser tida em
conta no desenho de atividades e programas que visam a sua promoção.
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Alguns autores e linhas de investigação têm, por sua vez, sublinhado as implicações cognitivas
da leitura e da escrita para os indivíduos e para a sociedade como um todo. É o caso de Jack Goody
(Goody, 1987, 1988, 2000) que nos seus trabalhos mostrou que a escrita não é apenas um meio de
comunicação, ou de acesso à informação, pois modifica a comunicação do indivíduo consigo
próprio, ou seja, tem efeitos cognitivos. Também David Olson (1994, 2016) tem sublinhado a relação
entre literacia, pensamento sistemático, reflexividade e racionalidade. Na sociologia, Bernard Lahire
(1993, 2003) entende que a leitura e a escrita constituem recursos para a ação, permitindo o que
designa por “preparação reflexiva da ação” e “retorno reflexivo sobre a ação”.
Estas implicações ou “possibilidades” da literacia não podem deixar de ser tidas em conta
quando esta é considerada uma competência-chave. A literacia pode ser problematizada e
investigada enquanto recurso desigualmente distribuído e associado a múltiplas desigualdades
sociais. À medida que a informação e o conhecimento se encontram cada vez mais na base da
estruturação e organização da sociedade, a capacidade de produzir e interpretar informação escrita,
nos seus diversos suportes e por referência às mais variadas situações, assume um caráter decisivo.
Por outras palavras, as sociedades atuais caracterizam-se não apenas pela abrangência e
transversalidade da presença da escrita, mas também pelo facto de, nessas sociedades, o domínio da
escrita passar a constituir uma competência-chave (Ávila, 2008). A literacia converte-se, assim, num
recurso de base, sem o qual podem ficar comprometidos, ou seriamente limitados, os acessos ao
emprego, aos serviços de saúde, às oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, entre muitos
outros. A ausência de competência de literacia é cada vez mais considerada um fator de desigualdade
social e de exclusão social (EU High Level Group of Experts on Literacy, 2012).
Embora a centralidade da literacia nas sociedades atuais continue a ser inegável, tem-se
assistido, nos últimos anos, a um esbatimento da sua visibilidade analítica face a outras competências
igualmente consideradas chave, ou fundamentais 8. Paradoxalmente, o menor destaque dado em
várias reflexões e documentos de referência à literacia ocorre ao mesmo tempo que o termo passou
a ser apropriado enquanto sinónimo de conhecimentos e competências necessários em múltiplas
áreas: literacia financeira, literacia digital, literacia mediática, literacia ambiental, literacia em saúde
e muitas outras “literacias” passam a ser designações comuns. Embora na origem desta generalização
esteja a ideia de que no mundo atual a aquisição de outras competências é crescentemente mediada
pela palavra escrita, o tipo de atividades e preocupações para que aquelas definições hoje remetem
pouco têm a ver com a leitura e com a escrita, como de forma certeira referem os autores da secção
dedicada à explicação da concetualização de literacia seguida no 2.º ciclo do PIAAC (Rouet et al.,
2021: 40).
Porém, como já se referiu, e ao contrário do que se poderia supor, no mundo digital a literacia
não só não perde relevância, como surge reforçada. Constitui uma competência de base sem a qual
o acesso e uso das tecnologias digitais é impossibilitado. Segundo Barton e Lee (2013), vivemos
num mundo social mediado por textos (textually mediated social world), uma vez que os textos (de
vários tipos) são centrais no mundo online. Continuam, por isso, a ser fundamentais as competências
de literacia, que permitem a leitura e a interpretação de diferentes materiais escritos e também a sua
produção.
Alguns autores têm analisado o que muda na literacia quando o “contexto” de utilização são
os meios digitais, alegando que estamos perante a emergência de “novas literacias”, ou
“multiliteracias”, uma vez que a literacia no mundo digital comporta desafios acrescidos, face aos
colocados pelo impresso (entre outros, Barton e Lee, 2013; Baynham e Prinsloo, 2009; Forzani e
Leu, 2017; Leu, Kinzer, Coiro e Cammack, 2004). Porém, se for recordado o caráter dinâmico da
literacia, fica claro que não desaparecem as características anteriores, surgem sim novas exigências
e práticas, dado que os textos são cada vez mais combinados com recursos digitais (que incluem
muitas vezes hiperligações, múltiplos elementos gráficos, som, etc.). Se a literacia sempre foi
multimodal (porque na leitura dos textos impressos, além da palavra escrita, também os efeitos
8
Veja-se, por exemplo, que o IALS assumia no próprio nome tratar-se de um estudo sobre literacia, mas o
PIAAC é apresentado e desenhado como um programa de investigação sobre competências, incluindo as de
literacia, mas não se restringindo a elas.
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gráficos e visuais condicionam a leitura e os modos de ler), agora, com o digital, esse caráter
multimodal está ainda mais presente e a interpretação da informação torna-se mais complexa. Além
disso, temos hoje acesso a informação muito mais variada (social e culturalmente), sendo necessário
compreender a sua origem, como e por quem foi produzida, e também com que intenção. Finalmente,
a capacidade de pesquisar informação, de interpretar os resultados das pesquisas e de fazer
inferências corretas a partir da informação localizada são outras dimensões que têm também de
passar a ser consideradas na análise da literacia (Rouet e Britt, 2017; Rouet et al., 2021).
São precisamente estas transformações que estão refletidas no modo como atualmente a
literacia está a ser investigada em estudos comparativos internacionais. Como é explicitado no
documento que detalha as orientações teórico-metodológicas seguidas no 2.º ciclo do PIAAC, a
leitura digital constitui atualmente uma dimensão central para a participação ativa na sociedade,
requerendo três tipos de competências, a saber: a) a capacidade de navegar em, e entre, documentos
em rede; b) a capacidade de compreender e integrar fontes de informação múltiplas e por vezes
contraditórias; e c) a capacidade de avaliar criticamente a informação apresentada (Rouet et al.,
2021: 41-42).
O ponto mais importante a frisar nesta reflexão final, devidamente sublinhado logo no
primeiro estudo realizado em Portugal, é o caráter dinâmico da literacia (Ávila, 2008; Benavente,
Rosa, Costa e Ávila, 1996; Costa, 2003). Como bem referem Barton, Hamilton e Ivanic (2000), as
práticas de literacia são tão fluidas, dinâmicas e em transformação como são as vidas e as sociedades
das quais fazem parte. Não só o que se entende por literacia tem sempre de ser situado histórica e
socialmente (e, nesse sentido, é um conceito em permanente revisão e atualização), como, do ponto
de vista dos sujeitos, a literacia é também complexa e processual, transformando-se ao longo da
vida.
Por tudo isto, cerca de três décadas após o ENL e o IALS, é urgente conhecer a situação de
Portugal relativamente aos níveis de literacia da população adulta, retomando e prolongando uma
linha de investigação que permita compreender, de forma atualizada, a complexidade da literacia
enquanto prática, sempre em renovação, estreitamente ligada às transformações sociais. É ainda
decisivo conhecer o modo desigual como se distribui e os seus múltiplos efeitos (no trabalho, na
vida social e pessoal), assim como os processos e dinâmicas sociais que permitem, ou limitam, o seu
desenvolvimento.
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Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
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DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a3
Paulo Feliciano
Iscte-Instituto Universitário de Lisboa.
Investigador Associado do Centro de Investigação e
Estudos em Sociologia.
Resumo
O artigo analisa a evolução do sistema de formação profissional desde o momento em que este
começou a beneficiar de fundos europeus para apoiar o seu funcionamento. A abordagem
desenvolvida procura explorar a interação entre o financiamento canalizado pelos fundos europeus
e o impulso político nacional na evolução do sistema de formação profissional. A reflexão feita
permitiu estabelecer quatro grandes fases no desenvolvimento do sistema, identificar quais os
principais atributos que as distinguiram e situar os principais fatores de mudança verificados ao
longo do tempo.
Palavras-chave: Formação profissional; fundos europeus; Portugal.
The evolution of the Vocational Training System in Portugal and the role of the European
Funds
Abstract
The article analyses the evolution of the vocational training system from the moment it began to
benefit from European funds to support its operation. The approach developed seeks to explore the
interaction between the funding channeled by European funds and the national political impetus in
the evolution of the vocational training system. The analysis made it possible to establish four major
phases in the development of the system, while identifying the main attributes that distinguished
them and locating the main factors of change that could be observed over time.
Key words: Vocational training; European funds; Portugal.
Résumé
L'article analyse l'évolution du système de formation professionnelle depuis le moment où il a
commencé à bénéficier de fonds européens pour soutenir son fonctionnement. L'approche
développée cherche à explorer l'interaction entre le financement canalisé par les fonds européens et
la dynamique politique nationale dans l'évolution du système de formation professionnelle. La
réflexion menée a permis d'établir quatre grandes phases dans le développement du système,
d'identifier les principaux attributs qui les distinguent et de repérer les principaux facteurs de
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Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
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1. Introdução
Um dos domínios de política cujo desenvolvimento está fortemente ancorado nos fundos
europeus é o da formação profissional (recuperando o sentido anglo-saxónico do conceito de
Vocational Training) e, incluído nesse âmbito, o da educação de adultos. Sendo um percurso com
mais de trinta anos, é natural que nele encontremos diferentes prioridades, objetivos, instrumentos
e, mais amplamente, fases ou etapas de desenvolvimento. Essas fases traduzem impulsos e visões
políticas que, fazendo escolhas próprias, constroem um percurso evolutivo que, porque mais
incremental nuns momentos e mais descontínuo noutros, importa compreender.
Este artigo propõe-se fazer uma identificação e breve caracterização das principais fases de
desenvolvimento do sistema de formação profissional e da sua interação com o percurso de
financiamento europeu à política de educação e formação profissional. É um percurso longo que faz
evoluir a capacidade de resposta do Sistema de mil formandos para as dezenas de milhares de
formandos. É um percurso com forte interdependência entre o referencial estratégico das políticas
de formação profissional e aquele que orientou a programação dos fundos europeus, ou seja, entre o
financiamento e o impulso político que a nível nacional lhe dá forma. Um e outro confundem-se, o
1
Assim designados no artigo por simplificação, sendo que a designação mais comumente utilizada é a de
Fundos Estruturais ou Fundos Europeus Estruturais de Investimento (FEEI).
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2. Enquadramento da análise e do seu âmbito
O conceito de formação não tem um entendimento que possa ser facilmente consensualizado.
Na versão anglo-saxónica, o conceito corresponde à designação vocational training. A sua tradução
equipara o termo vocação ao termo profissional, sugerindo a utilidade de situar em termos gerais o
que entendemos por este objeto neste artigo. Na literatura em língua inglesa, é comum referir-se o
conceito de vocational education and training. A vocação está presente novamente como expressão
da natureza profissionalizante da formação, não explicitando, em grande medida, fronteiras
marcadas entre os dois conceitos. Comumente, na literatura, o termo educação e formação
profissional (vocational education and training) surge associado a programas de formação inicial
em que está presente uma dimensão escolar no programa de aprendizagem. Recorrendo a Thompson
(1973), podemos considerar que a associação entre educação e formação traduz a combinação de
aprendizagens inscritas no domínio da formação de base – académicas – e de aprendizagens inscritas
no domínio da formação técnica. Esta é uma abordagem muito presente não só na formação inicial
de jovens, por exemplo, mas também na educação de adultos (Veloso, 2008).
Na ótica deste artigo, recorremos ao conceito de formação profissional por ser mais
abrangente e permitir referenciar a significativa amplitude de programas incluídos ao longo do tempo
da programação apoiada por fundos europeus.
Na categoria de fundos europeus, acolhe-se uma ampla diversidade de fundos, com finalidades
distintas, regras específicas e estruturas de gestão próprias. São cinco os Fundos Europeus
Estruturais de Investimento (FEEI) que asseguram a mobilização dos apoios europeus ao
desenvolvimento2..Estes apoios são programados em Quadros Financeiros Plurianuais (QFP), que se
têm renovado ciclicamente desde 1989, estando a iniciar-se agora o sexto QFP. Com exceção do
llllll
2
Incluem-se nos FEEI o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu
(FSE), o Fundo de Coesão (FC), o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e o Fundo
Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP).
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primeiro, que teve uma duração de cinco anos, os restantes QFP programam a aplicação dos fundos
europeus por um período de sete anos e exigem um dispositivo administrativo e de gestão complexo.
M
A análise que procuramos fazer neste artigo remete, também, para a estratégia de análise das
políticas públicas. Neste plano, são várias as teorias políticas que procuram auxiliar na análise do
processo político e na compreensão das suas dinâmicas de evolução. A teoria institucional é uma
delas e situa a sua análise no papel das instituições de governação na evolução do processo político.
A abordagem do processo político por via das instituições tende a aprofundar o conhecimento sobre
as condições de estabilidade da ação política, ou seja, a situar como se promove a sua estabilidade e
quais os elementos que a determinam. Ora, olhar para as circunstâncias de estabilidade das políticas
permite, articuladamente, situar as condições da mudança, sejam elas condições externas que
envolvem a atuação das instituições, ou a sua inter-relação com fatores externos, onde se inclui o
plano das ideias (Hill, 2009).
A ideia traduzida nesta abordagem teórica remete para o conceito de dependência sistémica,
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Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
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que enfatiza o papel das estruturas e normas vigentes no modo como se forma a evolução das
políticas (Thelen, 2004). Nesta perspetiva (path dependence), os sistemas influenciam
M
significativamente o processo de mudança e sugerem que o mesmo se alimenta de transformações
incrementais. Esta perspetiva contribui para a compreensão da transformação longa dos sistemas e
subsistemas políticos e dos programas e regras que os organizam. A análise da evolução do sistema
de formação profissional desde o momento em que começaram a existir fundos europeus em
Portugal inscreve-se nesta ótica de longo prazo.
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Fundos Europeus”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp.
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Por fim, olhamos de relance o ciclo que agora se inicia. Será extemporâneo conferir-lhe já
atributos definidos. Porém, considerando as circunstâncias singulares do financiamento das políticas
públicas por via da combinação do ciclo de programação em vigor com o Programa de Recuperação
e Resiliência, e atendendo ao perfil de programação de cada um destes instrumentos, é expectável
que esta possa ser a fase da complementaridade. Complementaridade de instrumentos de
financiamento, mas, também, de políticas e medidas. O tempo permitirá aferir se assim será ou não.
Procuramos de seguida caracterizar de forma breve cada uma destas fases e sinalizar o modo
como se promoveu a interação com o financiamento comunitário.
As Ajudas de Pré-Adesão foram negociadas em 1980 e elegeram como objeto a melhoria das
estruturas industriais, a modernização dos sectores agrícola e das pescas e o desenvolvimento de
infraestruturas. A disponibilização dessas ajudas coincidiu com um impulso reformista das políticas
de educação e formação apoiadas no parecer da UNESCO sobre os sistemas de educação e formação
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(Cardim, 2019). Este impulso foi vertido num Plano de Médio Prazo (1977/80) para a expansão do
sistema educativo e o reforço da formação profissional.
M
A criação do Sistema de Aprendizagem cumpre um percurso semelhante. Neste caso, por via
dos Programas Operacionais geridos pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP),
designadamente através do PO3. Foi também o FSE que permitiu a estruturação do modelo de
formação em alternância perspetivado na dinâmica reformista da década de 1980, que foi marcada
por sucessivas revisões legais e impulsos programáticos, visando garantir condições de afirmação
do Sistema de Aprendizagem. O QCA I reuniu condições de financiamento favoráveis à afirmação
desta dinâmica política.
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De referir, ainda, que é deste período a consolidação da rede de Centros de Gestão Participada,
geridos em parceria com os parceiros sociais, tendo por base o regime jurídico criado em 1983.
Protagonizando uma abordagem de aproximação aos setores de atividade e à formação empresarial,
esta rede constitui ainda hoje uma referência na procura de ligar o sistema de formação profissional
ao tecido empresarial.
3.2. A fase da regulação e organização do(s) campos de política: o QCA II e o QCA III
O Acordo de Política de Formação Profissional (CPCS, 1991), subscrito por todos os parceiros
sociais com assento no Conselho Permanente de Concertação Social, destacava seis áreas de aposta:
melhoria da articulação entre formação e vida ativa; inserção, no mercado de emprego, dos grupos
mais desfavorecidos; intensificação da formação contínua; concertação social na definição,
desenvolvimento e execução das políticas de emprego e formação; fomento da investigação e
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sistematização das estatísticas de formação e emprego; e cooperação no âmbito das Comunidades
Europeias. Articuladamente, o Acordo consagrou a adoção de um regime jurídico para a formação
M
profissional (Decreto-Lei 401/91), regulamentando-a nos seus principais atributos através da
distinção entre formação profissional inserida no mercado de emprego e formação profissional
inserida no sistema educativo (Rodrigues & Matos, 2019).
Deste modo, o referencial jurídico e programático que antecede o início do QCA II consagra
uma distinção entre a formação inserida no mercado de trabalho e a que se desenvolve no âmbito do
sistema de educação. Esta opção dualiza as prioridades e objetivos de cada um dos subsistemas e da
formação profissional que acolhe. No caso do sistema educativo, uma ótica qualificante para a
inserção na vida ativa; a outra, do sistema de emprego, é dirigida a ativos empregados e
desempregados e vocacionada não só para a qualificação para o posto de trabalho, mas também para
dar resposta ao impacto sobre o emprego dos processos de ajustamento económico. Vinculada a
organismos do então denominado Ministério do Emprego e Segurança Social e, no seu âmbito, ao
IEFP, a formação inserida no mercado de emprego conferiu relevância à generalização da formação
contínua, à resposta a grupos sociais desfavorecidos e à resposta aos processos de reestruturação
empresarial.
O QCA II contribuiu, deste modo, para dar um relevante impulso à expansão da formação
contínua – nas suas dimensões de aperfeiçoamento e reconversão profissional – e à estruturação de
subsistemas setoriais de formação profissional. São casos emblemáticos que mantiveram lastro de
intervenção com relevante autonomia ao longo do tempo os da formação para o turismo, através de
institutos setoriais próprios, da agricultura, através de organizações patronais, e da economia, através
de instrumentos específicos associados ao investimento industrial e à rede de escolas tecnológicas.
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O QCA III garantiu uma significativa continuidade desta abordagem. Elegendo como
prioridade “Elevar o nível de qualificação dos portugueses, promover o emprego e a coesão”, a
estratégia, no domínio mais específico da formação profissional, apoiou-se na terceira geração do
Programa Operacional da Educação (PRODEP III), do Programa Operacional Emprego, Formação
e Desenvolvimento Social (POEFDS), do Programa Operacional da Sociedade da Informação
(POSI) e do Programa Operacional da Saúde (Saúde XXI). As linhas de intervenção do PRODEP
III mantêm-se significativamente próximas das adotadas no QCA II. Na área do Emprego, Formação
e Desenvolvimento Social, a prioridade dada à promoção da empregabilidade da população ativa
convoca estratégias de ação no domínio da adaptabilidade e da qualificação de desempregados,
sobretudo de longa duração, vinculando a aprendizagem ao longo da vida à promoção do emprego
e da coesão social.
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À semelhança do que aconteceu com o início da fase anterior, a dinâmica de reforma que
caracteriza esta etapa está ancorada no diálogo social, mais diretamente através do Acordo para a
Reforma da Formação Profissional, de 2007, mas também pelo acordo que o antecedeu, em 2001
(ainda na vigência do QCA III), de âmbito mais amplo – o Acordo Sobre Política de Emprego,
Mercado de Trabalho, Educação e Formação. Enquanto este último foi assinado por todos os
parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social; o de 2007 não contou
com a aprovação da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses.
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19%; e, já depois do QREN, no PT2020, 30%3; ii) a concentração do financiamento num único PO
Temático no Continente (o Programa Operacional do Potencial Humano); e iii) a focalização dos
M
apoios nos instrumentos de política que deram forma à Agenda de Reforma da Formação
Profissional.
3
Agência para o Desenvolvimento e Coesão / Augusto Mateus & Associados.
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longo da vida e reforço da empregabilidade” – onde se inclui a formação para a educação e formação
de adultos – crescido 69%, de 500 milhões de euros para 845 milhões de euros4. Esta dinâmica de
M
execução reforçou a relevância desta prioridade no contexto do QREN e deu maior expressão à linha
de continuidade da programação. No que respeita aos outros instrumentos da política de formação
profissional, a Agenda Temática do POCH retoma em grande medida as prioridades anteriormente
assumidas.
Do lado do financiamento, ganha expressão, ainda que com moderado impacto, um elemento
novo na ótica da regulação: a abordagem por resultados. Esta procura indexar o financiamento e a
avaliação dos instrumentos de política à sua capacidade de produzir resultados, ou seja, à sua
capacidade de cumprir os objetivos que a orientam. Em grande medida, a análise de resultados esteve
muito indexada à verificação das taxas de empregabilidade associadas às medidas de formação. A
empregabilidade, sendo um indicador relevante, não deixa de propiciar uma visão parcial do
contributo atribuível à política de formação profissional.
Estando ainda no início o atual ciclo de programação dos fundos comunitários, será
extemporâneo concluir sobre aqueles que serão os seus principais atributos. Contudo, alguns
elementos de reflexão podem ser sublinhados. O primeiro, para referir que, do ponto de vista do
referencial estratégico e institucional, o campo das políticas de formação conserva os seus principais
traços característicos. Deste ponto de vista, não se formaram no campo das políticas elementos de
diferenciação que gerem dinâmicas de descontinuidade. Articuladamente, e sem surpresa face ao
que até agora se expôs, o financiamento dessas políticas pelos fundos europeus canalizados pelo
quadro de financiamento plurianual (PT 2030) para a formação profissional mantém um perfil muito
semelhante ao do PT 2020 (Feliciano et al., 2022). Esta constatação indica que o Acordo Sobre
Formação Profissional e Qualificação assinado em 2021 (CPCS, 2021) entre o Governo e os
Parceiros Sociais na Comissão Permanente de Concertação Social não abrangeu matérias suscetíveis
4
Ver: Texto do Programa.pdf (portugal2020.pt); Microsoft Word - Programme_2014PT05SFOP001_3_0_pt
(1).docx (portugal2020.pt)
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O atual ciclo de políticas encerra, contudo, um fator novo, que importa considerar na
perspetiva do que poderá representar para a evolução do campo da formação profissional. Esse fator
é a convivência do ciclo de financiamento plurianual 2021-2027 com o Programa de Recuperação e
Resiliência (2021-2026), que também canaliza apoios para a formação profissional. Se a análise da
programação do PT2030 no domínio do FSE permite concluir por uma lógica de continuidade ao
nível das prioridades e instrumentos de política, a análise das prioridades e componentes de
intervenção do PRR permite situar domínios de complementaridade face ao PT2030.
Conclusão
A análise sugerida evidencia a estreita interdependência entre a evolução do sistema de
formação profissional e o financiamento europeu. Em grande medida, os impulsos políticos
ajudaram a definir o âmbito dos vários períodos de programação dos fundos europeus e estes
mostraram-se essenciais ao processo de estruturação e valorização do sistema de formação
profissional. Quando o impulso político foi menos expressivo, os ciclos de programação dos fundos
europeus aplicados à formação profissional tenderam a ser mais conservadores na sua proposta.
Nesta ótica, será possível concluir que o papel dos fundos foi determinante como fator de
viabilização do impulso político e da progressiva consolidação do sistema. A estratégia de
programação do financiamento tem sido subsidiária da estratégia resultante do impulso político e as
dinâmicas de inovação são comumente acolhidas e impulsionadas pela estratégia de financiamento.
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A concertação social e os acordos nela gerados têm sido um elemento presente neste processo
gradual de evolução do sistema e de legitimação do impulso político, sendo que os seus principais
marcos de transformação foram explicitados e sufragados nos textos dos acordos celebrados.
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a4
João Queirós
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Subcoordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal
Luís Rothes
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação
Coordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal
Resumo
No âmbito do segundo ciclo do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos
Adultos (PIAAC), um pequeno grupo de países europeus, que Portugal integrou, decidiu juntar à
recolha de dados realizada através do “Inquérito às Competências dos Adultos”, principal
componente do Programa, um processo adicional de inquirição, direcionado para empregadores e
orientado para a produção de informação sobre as respetivas demandas por competências, em
contextos de atuação empresarial, como os atuais, frequentemente pautados por desequilíbrios entre
oferta e procura de qualificações e de competências.
O presente artigo apresenta de forma sucinta o propósito, metodologia e principais detalhes técnicos
da aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC no nosso país e discute preliminarmente
alguns dos resultados obtidos, procurando desse modo lançar pistas de aprofundamento da
investigação a realizar com recurso aos dados entretanto disponibilizados.
Palavras-chave: Desequilíbrios de competências; Módulo de Empregadores do PIAAC; Portugal.
Firms’ characteristics and employers' demands for skills: preliminary results from
Portugal’s PIAAC “Employer Module”
68
QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
Abstract
Currently in its second cycle, the Programme for the International Assessment of Adult
Competencies (PIAAC) includes, besides its main component, the “Survey of Adult Skills”, an
“Employer Module on Skill Gaps” containing several questions designed to measure the imbalances
between the supply and the demand for the skills needed in workplaces. A small group of European
countries, which Portugal integrated, added this additional inquiry to the data collection process that
was developed within the “Survey of Adult Skills”. The aim was to enlarge the available information
on employers’ perspectives on skill gaps and how they relate to companies’ business strategies, and
hiring, training and human resource practices.
This article presents the goals, methodology and main technical features of the implementation of
PIAAC’s “Employer Module” in Portugal, and discusses in preliminary terms some of its results,
thus seeking to instigate further research carried out using the data that was recently made available.
Keywords: Skill gaps; PIAAC Employer Module; Portugal.
Résumé
Dans le cadre du deuxième cycle du Programme pour l'évaluation internationale des compétences
des adultes (PIAAC), un petit groupe de pays européens, dont le Portugal, a ajouté à la recherche
réalisée à travers l’« Enquête internationale sur les compétences des adultes », l’élément principal
de l’étude, un processus d'enquête supplémentaire, destiné aux employeurs et orienté vers la
production de donnés additionnels sur les demandes de compétences des entreprises, dans des
contextes économiques, comme l’actuel, souvent caractérisés par des déséquilibres entre l’offre et
la demande de qualifications et de compétences.
Cet article présente succinctement le but, la méthodologie et les principaux détails techniques de
l’application du « Module d’Employeurs » du PIAAC au Portugal et discute de façon préliminaire
quelques résultats de cette enquête, cherchant ainsi à susciter l’approfondissement de l’utilisation
des données récemment mis à disposition du publique.
Mots-clés : Déséquilibres de compétences ; Module d’Employeurs du PIAAC ; Portugal.
Resumen
En el marco del segundo ciclo del Programa para la Evaluación Internacional de las Competencias
de los Adultos (PIAAC), un pequeño grupo de países europeos, entre ellos Portugal, decidió añadir
a la recogida de datos realizada a través de la “Encuesta de Competencias de los Adultos”, la
componente principal del Programa, una otra encuesta, dirigida a los empleadores y orientada a la
producción de información sobre las respectivas demandas de competencias, en contextos
empresariales, como el actual, a menudo caracterizados por desequilibrios entre la oferta y la
demanda de cualificaciones y competencias.
Este artículo presenta de manera sucinta el propósito, la metodología y los principales detalles
técnicos de la aplicación del “Módulo de Empleadores” de PIAAC en Portugal y discute
preliminarmente algunos de los resultados obtenidos, buscando así lanzar pistas para futuras
investigaciones a llevar a cabo utilizando los datos recientemente hechos disponibles.
Palabras clave: Desequilibrios de competencias; Módulo de Empleadores del PIAAC: Portugal.
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
1. Introdução
O Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (Programme for
the International Assessment of Adult Competencies, PIAAC) é um estudo educacional multiciclo
de grande escala promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OCDE). Trata-se do maior e mais complexo estudo internacional no domínio da educação e
avaliação de competências dos adultos e tem como propósito fundamental a provisão de informação
estatística detalhada e a assistência aos governos dos países participantes na avaliação,
monitorização e análise do nível e da distribuição daquelas competências, visando a adequação e o
desenvolvimento de políticas, programas e iniciativas com implicações neste âmbito. Depois de um
1.º Ciclo, realizado entre 2008 e 2013, com prolongamento em duas rondas adicionais de recolha de
informação (2014-2015 e 2017), envolvendo perto de quatro dezenas de países, decorre, desde 2018,
o 2.º Ciclo do PIAAC (2018-2024), com participação de 31 países 1.
1
Dos 33 países que iniciaram a participação no 2.º Ciclo do PIAAC, dois não avançaram para a fase principal
do “Inquérito às Competências dos Adultos”. Para uma apresentação detalhada do PIAAC e do respetivo
desenvolvimento em Portugal, ver o artigo de Luís Rothes e João Queirós incluído neste número especial de
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Informação adicional pode ser
encontrada em OCDE (2021) e em https://www.oecd.org/skills/piaac/.
2
O financiamento das despesas com a aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC foi
assegurado pelo Programa Operacional de Assistência Técnica – POAT 2020, no quadro da Operação POAT-
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competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
Neste artigo, são apresentados, a título introdutório e de forma sucinta, os principais objetivos
e características definidoras do “Módulo de Empregadores” do PIAAC, os aspetos metodológicos
mais relevantes associados à respetiva operacionalização e as particularidades da sua aplicação em
Portugal, reservando-se ainda uma pequena secção conclusiva do texto para a exploração de alguns
resultados gerais do estudo e a identificação de oportunidades de investigação abertas pela
llllllllllllllll
01-6177-FEDER-000027, que apoiou até meados de 2023 o conjunto das atividades do Grupo de Projeto do
PIAAC no nosso país. Informações adicionais sobre a aplicação do CVTS em Portugal podem ser obtidas em
http://www.gep.mtsss.gov.pt/inqueritos#inqu%c3%a9rito+%c3%a0+forma%c3%a7%c3%a3o+profissional+
cont%c3%adnua e em https://smi.ine.pt/DocumentacaoMetodologica/Detalhes/?id=1685&lang=PT. Dados da
edição de 2020 deste Inquérito podem ser obtidos na publicação do GEP-MTSSS disponível em
http://www.gep.mtsss.gov.pt/documents/10182/37636/cvts2020pub.pdf/645b5282-281d-4885-9300-
5ca4f4207838.
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competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
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disponibilização deste inédito conjunto de dados sobre as demandas por competências evidenciadas
pelas organizações empregadoras sediadas no nosso país.
3
O conteúdo desta secção do presente artigo segue de perto e sintetiza o enquadramento teórico-metodológico
relativo ao “Módulo de Empregadores” do PIAAC avançado por Marcolin e Quintini (2023). Nesta publicação
da OCDE, podem também ser encontradas, anexas, as questões originais incluídas no guião do questionário
utilizado neste estudo e uma tabela com as correspondências entre as questões incluídas no Questionário-Base
do “Inquérito às Competências dos Adultos” do 2.º Ciclo do PIAAC e as questões homólogas incluídas no
“Módulo de Empregadores”. Sobre a estrutura e conteúdos dos instrumentos aplicados no âmbito do “Inquérito
às Competências dos Adultos” do 2.º Ciclo do PIAAC, ver o artigo de Luís Rothes e João Queirós incluído
neste número especial de Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Diversos
resultados relevantes do 1.º Ciclo do PIAAC podem ser encontrados em OCDE (2013a; 2013b; 2016; 2019a).
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competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
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competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
A recolha de dados com recurso a duas fontes distintas, mas concetualmente articuladas,
oferece também oportunidades de complexificação e aprofundamento da análise estatística em torno
destes tópicos. Sendo de grande dificuldade técnica – em face da presença de processos de
amostragem muito diferenciados e das particularidades metodológicas da concretização desta
primeira ronda de aplicação do “Módulo de Empregadores” do PIAAC – a criação de uma ligação
estatística ao nível dos indivíduos entre os dados recolhidos através deste inquérito e os dados
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recolhidos através do Questionário-Base do “Inquérito às Competências dos Adultos” (isto é, o
conjunto de operações que permitiriam o estabelecimento de uma ligação estatística – ex-post
matching – entre os dados providenciados pelos indivíduos que responderam ao “Inquérito às
Competências dos Adultos” e os dados obtidos através do “Módulo” junto dos respetivos
empregadores), é ainda assim possível conceber uma ligação dos dados a um nível intermédio, isto
é, considerando os dados dos dois inquéritos de forma agregada, por exemplo, olhando as
experiências e perceções – tanto de empregados, como de empregadores – num mesmo setor de
atividade económica. Os dados obtidos através do estabelecimento de uma ligação estatística deste
tipo podem ainda ser complementados com dados provenientes de outros inquéritos a entidades
empregadoras ou com dados de fontes administrativas, desde que disponíveis num nível de
desagregação idêntico (para uma discussão destas possibilidades, ver Marcolin & Quintini, 2023,
pp. 18-21).
4
A circunscrição da cobertura amostral a empresas com menos de dez trabalhadores representa uma limitação
importante, em especial nos países do sul da Europa e, muito em particular, no caso de Portugal, onde o tecido
empresarial contempla uma larga maioria de microempresas (quase 1,4 milhões de empresas, 96,1% do total,
em 2022). O peso no emprego deste segmento do tecido empresarial português era, todavia, consideravelmente
menor: no mesmo ano, as empresas não-financeiras com menos de dez trabalhadores empregavam perto de 2
milhões de indivíduos, 44,3% do total de pessoas ao serviço nas empresas não-financeiras (dados
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competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
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A base amostral foi a mesma que havia sido usada na aplicação do “Inquérito à Formação
Profissional Contínua” (extração da amostra em setembro de 2021, formação em outubro do mesmo
ano, aplicação do questionário entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, processamento e limpeza
disponibilizadas pela PORDATA, extraídos do “Sistema de Contas Integradas das Empresas” publicado pelo
INE, e consultáveis em
https://www.pordata.pt/portugal/pequenas+e+medias+empresas+total+e+por+dimensao-2927-246760 e
https://www.pordata.pt/portugal/pessoal+ao+servico+nas+empresas+nao+financeiras+total+e+por+escalao+
de+pessoal+ao+servico-3005-252074, respetivamente).
5
Sobre a metodologia do CVTS 6 e a sua aplicação em Portugal, ver GEP-MTSSS (2021).
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competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
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dos dados entre janeiro e junho, envio dos dados para o Eurostat em junho de 2022), tendo sido
solicitado às empresas respondentes que tomassem como período de referência para as respostas o
ano de 2020.
Estima-se que o universo de mais de 41.500 empresas representado pela amostra mobilizada
no quadro da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC abranja perto de 2,3
milhões de trabalhadores. Deste universo de empresas, estima-se que cerca de três quartos (31.400)
tenham providenciado aos seus trabalhadores algum tipo de formação profissional contínua. O
número de trabalhadores empregados nas empresas que providenciaram algum tipo de formação
profissional contínua corresponderá a perto de 2,06 milhões (89,6% do universo de trabalhadores
representado), estimando-se em cerca de 980 mil (42,6%) o número daqueles que, no ano de
referência do estudo, participaram em cursos de formação profissional contínua 6.
6
Os dados apresentados constam dos ficheiros de metadados providenciados pelo GEP-MTSSS ao Grupo de
Projeto do PIAAC em Portugal e à OCDE. Os anexos do Manual do CVTS 6, nos quais é possível encontrar,
entre outras informações, as listas de identificação dos ramos de atividade económica utilizados na organização
e disponibilização pública dos dados, estão disponíveis em https://circabc.europa.eu/ui/group/d14c857a-601d-
438a-b878-4b4cebd0e10f/library/b2d54858-dedb-4a5a-a12d-e08ea0198b2a/details. De forma sucinta, os
códigos NACE 1 a 10 correspondem a empresas do setor da indústria (exceto construção), o código 11
corresponde a empresas da construção, os códigos 12 a 16 correspondem a empresas do comércio, transportes,
hotelaria e restauração, os códigos 17 a 19 correspondem a empresas dos ramos da informação e comunicação,
setor financeiro, seguros e atividades conexas e o código 20 corresponde a empresas de serviços diversos,
incluindo atividades do ramo imobiliário, atividades técnicas e científicas, artísticas, culturais e recreativas e
outras atividades de serviços.
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competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
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Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
Procurando detalhar aspetos relativos ao perfil da amostra de empresas inquiridas, no que nele
se refere à provisão de formação profissional, os dados disponibilizados na Tabela 2 dão conta de
diferenças importantes na proporção de empresas que promoveram alguma forma de formação
profissional contínua (FPC), quando tal tópico é apreciado à luz da dimensão da entidade inquirida
(medida em número de trabalhadores). Assim, se a percentagem de empresas que declarou
providenciar alguma forma de FPC ultrapassa, no total de empresas inquiridas, 75%, estima-se que
esse valor baixe para 72,2% quando consideradas apenas as empresas com entre 10 e 49
trabalhadores, sendo nas empresas com entre 50 e 249 trabalhadores e, sobretudo, nas empresas com
250 ou mais trabalhadores que mais incidente se revela a provisão de alguma forma de FPC
(respetivamente, 91,7% e 98,7% do total de empresas nestas categorias).
Este padrão encontra correspondência quer nos valores relativos à provisão de cursos de FPC,
que são promovidos por menos de metade das entidades empregadoras com entre 10 e 49
trabalhadores, valor que contrasta com os 82,3% e os 93,9% observados nos casos das empresas das
categorias de dimensão intermédia e superior, quer no volume de trabalhadores envolvidos nestes
cursos, que ascende a 56,5% do total de trabalhadores nas empresas de maior dimensão, ficando-se
pelos 25,5% nas empresas mais pequenas consideradas no estudo (45,1% do total de trabalhadores
nas empresas com entre 50 e 249 empregados). O padrão é também observável nos dados relativos
à provisão estimada de formação profissional inicial (FPI), ainda que, neste caso, com menores
distâncias entre as diferentes categorias de dimensionamento das empresas: ela é oferecida em 17,8%
das empresas com entre 10 e 49 trabalhadores, 21,2% das empresas com entre 50 e 249 trabalhadores
e 20,3% das empresas com 250 ou mais trabalhadores (a média global cifra-se, neste indicador, nos
18,3%).
Ao olhar-se a amostra do ponto de vista já não da dimensão das empresas, medida em número
de trabalhadores, mas do setor de atividade em que as empresas inquiridas atuam, é possível verificar
diferenças igualmente importantes. Os setores que incluem quer as atividades tecnológicas,
financeiras e de seguros, quer as atividades técnico-científicas, artísticas, culturais e recreativas e as
atividades de apoio aos serviços são aqueles que apresentam as proporções mais elevadas de
çççççççç
7
Vários dos elementos discutidos na presente secção deste texto foram apresentados em primeira mão pelos
autores numa sessão de trabalho promovida em julho de 2023, na Escola Superior de Educação do Politécnico
do Porto, pelo inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação, no âmbito do Fórum inED ’23.
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provisão de algum tipo de FPC pelas empresas (91,1% e 86,8% das empresas fazem-no), no que
contrastam com o setor da construção, cujo valor estimado de provisão de alguma forma de FPC
pelas empresas respetivas está situado abaixo da média geral (é aqui de 68,1%). Não obstante as
prováveis assimetrias internas – trata-se de agrupamentos de ramos de atividade económica muito
amplos e heterogéneos –, os setores da indústria (exceto construção) e do comércio, transportes,
hotelaria e restauração apresentam, para todos os indicadores considerados na Tabela 2, valores
relativamente alinhados com as médias gerais registadas.
inquiridos que identificaram desequilíbrios em matéria de competências nas suas empresas, 23%
declararam serem “poucos” os trabalhadores com competências desadequadas, 10,5% declararam
serem “alguns” os trabalhadores com estas características e apenas 3,9% consideraram estarem nesta
condição “a maioria” ou “todos” os trabalhadores por si empregados (Gráfico 1). Ficará para
momento ulterior de análise destes dados a apreciação deste tópico – certamente iluminadora de
importantes nuances empíricas e analíticas – realizada em função da dimensão das empresas, dos
respetivos ramos de atividade e de outras variáveis relevantes.
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Gráfico 2 – Proporção de empresas com atividades de formação (de todo o tipo), por número de
atividades de formação promovidas, de acordo com os empregadores participantes no “Módulo”
do PIAAC, em 2020.
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São tópicos com óbvia relevância económica, podendo os dados e as consequentes análises
suscitar apostas e ajustamentos em matéria de política empresarial e/ou setorial, mas são também
tópicos com inegáveis implicações societais, particularmente se os resultados dos estudos baseados
nos dados do “Módulo” puderem ser mobilizados no quadro de processos de conceção e
desenvolvimento de medidas de política pública – em âmbitos que podem ir da revisão e melhoria
dos sistemas de antecipação de necessidades de qualificação ao redesenho de programas e iniciativas
formativas em diversos setores e a diversas escalas, passando pela afinação dos propósitos,
conteúdos e públicos potenciais da oferta formativa financiada e a financiar, promovida e a
promover.
Referências bibliográficas
GEP-MTSSS (2021), Inquérito à Formação Profissional Contínua – Documento Metodológico
(Versão 3.1), Lisboa, GEP-MTSSS.
8
Para além da investigação centrada em Portugal que a disponibilização dos dados referentes a esta amostra
de mais de 3.400 empresas possibilita, os investigadores e equipas de investigação interessadas em trabalhar
os resultados do “Módulo de Empregadores” do PIAAC disporão ainda da oportunidade de analisar os dados
a uma escala europeia e comparada, através da confrontação do caso português com os restantes quatro casos
para os quais a primeira ronda de aplicação do “Módulo” obteve dados (Eslováquia, Hungria, Itália e Países
Baixos). Neste caso, os investigadores e equipas de investigação terão de aguardar pela disponibilização, por
parte da OCDE, dos ficheiros de utilização pública, que deverá acontecer apenas no final de 2024, mas o acesso
e a utilização dos dados referentes a Portugal podem já ser concretizados, bastando para tal uma solicitação
formal, através de registo e credenciação, junto do INE e do GEP/MTSSS.
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QUEIRÓS, João; ROTHES, Luís (2023), “Características das empresas e demandas dos empregadores por
competências: resultados preliminares da aplicação em Portugal do “Módulo de Empregadores” do PIAAC”,
Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 68 - 87
MARCOLIN, L., & QUINTINI, G.(2023), “Measuring skill gaps in firms: the PIAAC Employer
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Publishing.
OECD (2013a), Skilled for Life? Key Findings from the Survey of Adult Skills, Paris, OECD
Publishing.
OECD (2013b), OECD Skills Outlook 2013: First Results from the Survey of Adult Skills, Paris,
OECD Publishing.
OECD (2016), Skills Matter: Further Results from the Survey of Adult Skills, Paris, OECD
Publishing.
OECD (2017), Getting Skills Right: Skills for Jobs Indicators, Paris, OECD Publishing.
OECD (2019a), Skills Matter: Additional Results from the Survey of Adult Skills, Paris, OECD
Publishing.
OECD (2019b), Getting Skills Right: Future-Ready Adult Learning Systems, Paris, OECD
Publishing.
OECD (2021), The Assessment Frameworks for Cycle 2 of the Programme for the International
Assessment of Adult Competencies. Paris, OECD Publishing
João Queirós (autor para correspondência). Professor Adjunto da Escola Superior de Educação do
Politécnico do Porto. Investigador Integrado do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
Investigador Colaborador do inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação (ESE-
P.PORTO). Desde 2019, desempenha funções enquanto Subcoordenador do Grupo de Projeto do
PIAAC em Portugal. Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Via Panorâmica, s/n, 4150-
564 Porto, Portugal. E-mail: [email protected].
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a5
Richard Desjardins
Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA)
Jungwon Kim
Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA)
Resumo
Os dados referentes aos últimos 20-30 anos indiciam que a participação em educação de adultos
(incluindo a participação motivada por razões de ordem profissional) tem observado, desde a década de
1990, uma tendência de crescimento significativo na maior parte dos países da OCDE, e em muitos
países da UE. Esta tendência de crescimento pode ser atribuída, em parte, ao crescente interesse dos
empregadores (dos setores privado, público e não governamental) em investir em educação dos adultos,
em razão dos benefícios substanciais que esta aporta. À medida que cresce o investimento dos
empregadores, a questão sobre quem recebe os apoios que por estes são providenciados para participar
em educação de adultos torna-se relevante, quer do ponto de vista da investigação, quer do ponto de
vista político, em especial porque a desigualdade na participação pode intensificar vários outros tipos
de desigualdades. O propósito deste artigo é investigar se a tendência crescente para a participação em
educação de adultos suportada pelos empregadores está a exacerbar ou a mitigar o efeito Mateus em
diferentes países. O artigo providencia estimativas das mudanças nas probabilidades de participação em
88 88
1
Artigo traduzido do inglês por Bruno Peixe Dias e revisto por João Queirós. A tradução e publicação deste artigo
é feita com a permissão dos autores, ao abrigo de uma licença Creative Commons CC BY 4.0 Deed – Attribution
4.0 International (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/). O artigo original foi publicado no
Internationales Jahrbuch der Erwachsenenbildung/International Yearbook of Adult Education de 2023, dedicado
ao tema da participação educativa das pessoas adultas e organizado por Michael Schemmann [Desjardins, R., &
Kim, J. (2023). Inequality in adult education participation across national contexts: is growing employer support
exacerbating or mitigating inequality in participation?. In M. Schemmann (Hg.). Internationales Jahrbuch der
Erwachsenenbildung/International Yearbook of Adult Education (pp. 75-98). Wbv Publikation]. A tradução do
artigo beneficiou do apoio financeiro do inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação. Sociologia:
Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto agradece aos autores e aos organizadores da obra em
que este texto foi originalmente publicado a autorização de publicação da versão em lingua portuguesa deste
trabalho.
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
educação de adultos suportada pelos empregadores, de acordo com diversas características individuais,
sociodemográficas e laborais dos adultos participantes, entre o período de 1994-1998 e 2013. Os
resultados da análise, que se baseia em dados do Programa Internacional para a Avaliação das
Competências dos Adultos (PIAAC), estudo da OCDE de 2013, e em dados do Inquérito Internacional
à Literacia dos Adultos (IALS), de 1994-1988, sugerem que o crescimento da educação de adultos
suportada pelos empregadores pode estar a desempenhar um papel na mitigação da desigualdade na
participação. A redução ao longo do tempo das diferenças na probabilidade de participação de
categorias sociais contrastantes associadas a várias características individuais, sociodemográficas e
laborais (por exemplo, mulheres comparadas com homens, pessoas com os mais baixos níveis de
escolaridade comparadas com pessoas com os mais elevados níveis de escolaridade) é interpretada
como uma redução das desigualdades na probabilidade de participação associada a essas categorias.
Investigação adicional recorrendo a bases de dados novas e atualizadas é, entretanto, necessária para
explorar se a tendência para o crescimento do apoio dos empregadores à educação de adultos está a
exacerbar ou, por outro lado, a mitigar a desigualdade na participação de adultos em atividades
educativas em diferentes países.
Palavras-chave: Participação em educação de adultos; desigualdade da educação de adultos; princípio
de Mateus; crescimento da educação de adultos; educação de adultos suportada pelos empregadores;
PIAAC; IALS.2
Inequality in adult education participation across national contexts: is growing employer support
exacerbating or mitigating inequality in participation?
Abstract
Over the span of 20–30 years, evidence suggests that participation in adult education (inclusive of
undertaking for job-related purposes) is on a significant upward trend since the 1990s in most OECD
and many EU countries. The upward trend may be attributed partly to the increasing interest by
employers (private, public, and non-governmental sectors) to invest in adult education due to its
substantial benefits. As employer investment grows, who gets employer support to participate in adult
education thus becomes an important research and policy question, particularly since inequality in
participation may exacerbate social inequalities of various kinds. The purpose of this article is to explore
whether the trend of increased participation in employer-supported adult education is exacerbating or
mitigating the Matthew effect across different countries. It provides estimates of the change in
probabilities of participation in employer supported adult education by various individual, socio-
demographic, and job-related characteristics associated with adults between the period of 1994–1998
and 2013. Results of the data analysis based on the 2013 OECD Programme for the International
Assessment of Adult Competencies (PIAAC) and the 1994–1998 International Adult Literacy Survey
(IALS) suggest that the growth of employer-supported adult education may be playing a role in
mitigating inequality in participation. Reduced differences over time in the probabilities of participation
between contrast categories associated with various individual, socio-demographic, and job-related
characteristics (e. g. women compared to men, lowest educated compared to highest educated, etc.) are
interpreted as reduced inequalities in the probability of participation associated with those contrast
categories. Further research on additional and updated datasets is warranted to explore the trend of
whether growing employer support for adult education is exacerbating or mitigating inequality in adult
education participation in different countries.
Keywords: Adult education participation; inequality of adult education; Matthew principle; growth of
2
Excecionalmente, foi permitida a mobilização de um resumo mais extenso e de um maior número de palavras-
chave do que os limites estabelecidos pela revista, de modo a garantir uma aproximação o mais fiel possível ao
artigo original.
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
Inégalités dans la participation à l’éducation des adultes selon les contextes nationaux : le soutien
croissant des employeurs exacerbe-t-il ou atténue-t-il les inégalités en matière de participation ?
Résumé
Les données relatives aux 20 à 30 dernières années indiquent que la participation à l’éducation des
adultes (y compris la participation motivée par des raisons professionnelles) a observé, depuis les années
1990, une tendance significative à la hausse dans la plupart des pays de l’OCDE et dans de nombreux
pays de l’UE. Cette tendance à la hausse peut être attribuée, en partie, à l'intérêt croissant des
employeurs (des secteurs privé, public et non gouvernemental) à investir dans l'éducation des adultes,
en raison des avantages substantiels qu'elle apporte. À mesure que les investissements des employeurs
augmentent, la question de savoir qui reçoit le soutien qu’ils apportent pour participer à l’éducation des
adultes devient pertinente, d’un point de vue aussi scientifique que politique, notamment parce que les
inégalités de participation peuvent intensifier des types divers d’inégalités. Le but de cet article est de
déterminer si la tendance croissante à la participation à des formations d’adultes financées par
l’employeur exacerbe ou atténue l’effet Mathieu dans des différents pays. L'article fournit des
estimations des changements dans les probabilités de participation des adultes à l'éducation soutenue
par l'employeur, en fonction de diverses caractéristiques individuelles, sociodémographiques et
professionnelles des adultes participants, entre la période 1994-1998 et 2013. Les résultats de l'analyse,
qui s'appuient sur les données du Programme international pour l'évaluation des compétences des
adultes (PIAAC), une étude de l'OCDE de 2013, et les données de l'Enquête internationale sur la
littératie des adultes (IALS), 1994-1988, suggèrent que la croissance de l'éducation des adultes soutenue
par les employeurs peut jouer un rôle important dans l’atténuation des inégalités en matière de
participation. La réduction, au fil du temps, des différences dans la probabilité de participation de
catégories sociales contrastées associées à des diverses caractéristiques individuelles,
sociodémographiques et professionnelles (par exemple, les femmes par rapport aux hommes, les
personnes ayant les niveaux d'éducation les plus bas par rapport aux personnes ayant les niveaux
d'éducation les plus élevés) est interprétée comme une réduction des inégalités dans la probabilité de
participation associées à ces catégories. Des recherches plus approfondies utilisant des bases de données
nouvelles et actualisées sont toutefois nécessaires pour déterminer si la tendance à la croissance du
soutien des employeurs à l’éducation des adultes exacerbe ou, à l’inverse, atténue les inégalités en
matière de participation des adultes à l’éducation, dans des différents pays.
Mots clés : Participation à l'éducation des adultes ; Inégalité dans l'éducation des adultes ; principe de
Matthieu ; croissance de l'éducation des adultes ; Éducation des adultes soutenue par l'employeur ;
PIAAC ; IALS.
Resumen
En un lapso de 20 a 30 años, los datos sugieren que la participación en educación de adultos (incluidas
las emprendidas con fines relacionados con el empleo) está en una tendencia ascendente significativa
desde la década de 1990 en la mayoría de los países de la OCDE y en muchos países de la UE. La
tendencia ascendente puede atribuirse en parte al creciente interés de los empleadores (sectores privado,
público y no gubernamental) por invertir en educación de adultos debido a sus importantes beneficios.
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
A medida que crece la inversión de los empleadores, quién obtiene el apoyo de los empleadores para
participar en educación de adultos se convierte en una importante cuestión de investigación y también
en una importante cuestión política, particularmente porque la desigualdad en la participación puede
exacerbar desigualdades sociales de diversos tipos. El propósito de este artículo es explorar si la
tendencia a una mayor participación en la educación de adultos apoyada por los empleadores está
exacerbando o mitigando el efecto Mateo en diferentes países. El artículo proporciona estimaciones del
cambio en las probabilidades de participación en educación de adultos apoyada por el empleador según
diversas características individuales, sociodemográficas y relacionadas con el trabajo asociadas con los
adultos entre el período 1994-1998 y 2013. Los resultados del análisis de datos, basado en el Programa
para la Evaluación Internacional de las Competencias de los Adultos (PIAAC) de la OCDE, de 2013, y
la Encuesta Internacional sobre Alfabetización de Adultos (IALS), de 1994-1998, sugieren que el
crecimiento de la educación de adultos apoyada por los empleadores puede estar desempeñando un
papel en la mitigación de la desigualdad en la participación. Las diferencias reducidas a lo largo del
tiempo en las probabilidades de participación entre categorías de contraste asociadas con diversas
características individuales, sociodemográficas y relacionadas con el trabajo (por ejemplo, mujeres en
comparación con hombres, menor nivel educativo en comparación con mayor nivel educativo, etc.) se
interpretan como una reducción de las desigualdades en la probabilidad de participación asociada con
esas categorías de contraste. Se justifica realizar más investigaciones sobre conjuntos de datos
adicionales y actualizados para explorar la tendencia de si el creciente apoyo de los empleadores a la
educación de adultos está exacerbando o mitigando la desigualdad en la participación en educación de
adultos en diferentes países.
Palabras clave: Participación en educación de adultos; Desigualdad en la educación de adultos; Efecto
Mateo; Crecimiento de la educación de adultos; Educación de adultos apoyada por el empleador;
PIAAC; IALS.
1. Introdução
Já nos anos 1990, Heckman et al. (1998) estimavam que a formação realizada nas empresas,
juntamente com outras modalidades de formação profissional, fosse responsável por mais de metade da
aquisição de capital humano ao longo da vida. Algumas análises realizadas desde então sugerem que
houve um crescimento na educação de adultos ao longo das últimas décadas (por exemplo, Desjardins,
2017; 2020); outras análises, realizadas em países específicos e centradas em períodos específicos,
sugerem, por seu turno, algum declínio (por exemplo, Mason, 2010). Choques económicos e sociais
como a pandemia da COVID-19 podem, naturalmente, ter efeitos substanciais nos curto e médio prazos.
O mesmo pode acontecer com mudanças nos governos que acarretem alterações significativas das
prioridades políticas e orçamentais. No período dos últimos 20-30 anos, contudo, os dados parecem
indiciar uma tendência geral de crescimento da educação de adultos, observável desde os anos 1990 nos
países da OCDE e da UE para os quais existem dados disponíveis.
Vale a pena definir, à partida, aquilo que, considerando os propósitos deste artigo, deve entender-
se por educação de adultos, nomeadamente no que respeita à sua relação com o mundo do trabalho e
com a formação profissional. As abordagens à definição e delineação da educação de adultos podem
variar consideravelmente de país para país. Nalguns círculos, a educação de adultos é tratada como algo
distinto ou diferente da formação profissional, mas esta distinção pode ser problemática.
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DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
Antes de mais, não é fácil distinguir claramente as motivações e os objetivos que estão por detrás
da decisão de entrar num processo de aprendizagem, seja de que tipo for, nem quais podem ser as
respetivas implicações. Isto é, o impacto que a aprendizagem num setor ou com um objetivo específico
tem noutros setores e noutros objetivos (por exemplo, educação de adultos para a democracia e a
sociedade civil versus motivos profissionais) representa algo complexo. Por exemplo, a aprendizagem
direcionada para a aquisição de competências básicas ou para a participação em atividades na sociedade
civil que envolvem relações sociais e experiências em contexto pode estar relacionada com o
desenvolvimento de competências relevantes para o mundo do trabalho.
Para além disso, os adultos participam em diversas formas de aprendizagem por razões
profissionais, e os empregadores apoiam diversas formas de aprendizagem, incluindo qualificações
formais no sistema regular de ensino, e nalguns casos esse apoio estende-se à aprendizagem realizada
por motivos não relacionados com o emprego (Desjardins, 2020, Fig. 2.7). Por isso, é essencial assinalar
que a aprendizagem organizada de adultos que está relacionada com o emprego e/ou é suportada pelo
empregador não pode ser reduzida ao conceito de formação profissional. Com efeito, ela pode envolver
educação de adultos formal e não formal, incluindo programas de aquisição de competências básicas,
educação compensatória ou de segunda oportunidade, ensino superior para estudantes mais velhos, bem
como formas de educação popular de adultos. Neste sentido, o conceito de educação de adultos utilizado
neste artigo refere-se à formação profissional, realizada ou não em contexto laboral, mas também às
outras formas de educação de adultos.
Como já foi referido, uma das razões para a preponderância do efeito Mateus, particularmente no
que se refere ao papel da educação de adultos suportada pelos empregadores, é o pressuposto relativo
ao comportamento geral dos empregadores no sentido da maximização dos benefícios sobre os custos
(Becker, 1964). Com base nesta assunção, a atribuição de apoios à formação por parte dos empregadores
será provavelmente seletiva e menos favorável para os adultos que apresentem uma série de
características individuais, sociodemográficas e profissionais desfavorecidas. Vignoles et al. (2004),
por exemplo, encontraram dados que sugerem que os empregadores dirigem o seu apoio precisamente
para os trabalhadores que têm mais probabilidade de beneficiar com a educação de adultos.
Ao nível macro, institucional e organizacional, a investigação realizada aponta para que fatores
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
estruturais possam ser importantes para mitigar ou, pelo contrário, para exacerbar as desigualdades de
participação. Para um apanhado recente sobre o papel desempenhado pelos sistemas educativos, o
Estado social e os sistemas de emprego, ver Kosyakova e Bills (2021).
Vale a pena assinalar que também foi sugerido que as características sistemáticas que refletem a
intervenção governamental nos domínios da educação, aprendizagem ao longo da vida e políticas ativas
de emprego desempenham um papel importante na redução das desigualdades de participação (ver, por
exemplo, Groenez et al., 2008; Desjardins e Ioannidou, 2020). Por exemplo, a análise de Roosma e Saar
(2016) confirma a importância de incluir na análise fatores estruturais e institucionais, para além das
características dos indivíduos, para explicar as barreiras à participação em educação de adultos. De
forma semelhante, Cabus et al. (2020) avançaram com a proposta de um modelo para explicar a
variabilidade da participação em educação de adultos entre países, com ênfase nos adultos empregados,
incluindo subgrupos vulneráveis, como os trabalhadores pouco qualificados, os jovens e os imigrantes.
Tomando em consideração as características dos empregadores, bem como as características sistémicas,
eles sugerem que os empregados participam com maior frequência em educação de adultos quando esta
é apoiada pelos empregadores. Também foi concluído que os arranjos institucionais a nível
organizacional e setorial afetam a probabilidade e a magnitude do investimento feito pelos
empregadores em formação contínua para trabalhadores pouco qualificados, na Alemanha (ver
Wotschack, 2020). Wotschack sugere que o papel da representação dos empregados, as práticas
formalizadas de RH e a cobertura em matéria de negociação coletiva podem beneficiar os trabalhadores
menos qualificados, e ter, portanto, um impacto nas possibilidades de participação em educação de
adultos.
3. Dados e método
3.1. Dados sobre tendências
O IALS foi um esforço de cooperação de grande escala envolvendo governos, agências nacionais
de estatística, instituições de investigação e agências multilaterais, desenvolvido no período entre 1994
e 1998 (para mais pormenores, ver OCDE e Statistics Canada, 2000). Quanto ao PIAAC, este é um
estudo posterior que faz o acompanhamento da mesma população e que tem os mesmos objetivos, tendo
utilizado, em grande medida, instrumentos de pesquisa e medição quase idênticos, e de natureza
comparável (para mais pormenores, ver OCDE, 2013a, 2013b). Trata-se de estudos transversais
baseados numa combinação única de metodologias de inquérito a agregados familiares (como no caso
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
do Inquérito ao Emprego) e métodos de avaliação direta das competências. Ambos os estudos foram
concebidos principalmente como avaliações comparativas internacionais da proficiência em literacia,
que foram administradas a amostras nacionais representativas de adultos com idades compreendidas
entre os 16 e os 65 anos (amostras de grandes dimensões que variam entre 2.000 e 5.000 casos por país).
O IALS foi efetivamente o primeiro estudo comparativo internacional de larga escala sobre educação
de adultos alguma vez realizado, proporcionando uma referência-base para a medição da extensão e
distribuição da educação de adultos na década de 1990, num vasto leque de países da OCDE.
Da mesma forma, o PIAAC recolheu informações detalhadas sobre uma série de atividades de
educação e formação realizadas por adultos nos 12 meses anteriores à entrevista, incluindo programas
de educação formal e outras atividades de educação não formal, como workshops, seminários, formação
no local de trabalho, bem como cursos relacionados com lazer e participação cívica. Por conseguinte,
com ambos os conjuntos de dados, é possível avaliar empiricamente a extensão do crescimento da
educação de adultos desde a década de 1990, cruzando-a com diversas características individuais,
sociodemográficas e profissionais. Apenas os adultos com idades compreendidas entre os 26 e os 65
anos foram incluídos na análise, para evitar distorções associadas à presença de estudantes a tempo
inteiro e às variações observadas ao longo do tempo nos sistemas de transição juvenil.
3.3. Método
3*
Refere-se à categoria de referência.
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
4
A Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED 1997) é utilizada para identificar a respetiva
categoria da seguinte forma: <ISCED3, ISCED 3 e >ISCED 3).
5
Ver OCDE (2013a, 2013b) para uma definição dos níveis de proficiência em literacia.
6
A Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED 1997) é utilizada para identificar a respetiva
categoria da seguinte forma: <ISCED3 (ambos), ISCED 3 (pelo menos um) e >ISCED 3 (pelo menos um).
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
4. Resultados e discussão
Como foi já mencionado, é observável uma tendência para a subida nas taxas de participação
em educação de adultos, tal como estas puderam ser medidas nos estudos do PIAAC de 2013 e do IALS
de 1994-1998, em quase todos os países que participaram em ambos os estudos. A Tabela 1 mostra as
taxas de crescimento da educação de adultos, em geral, e da educação de adultos suportada pelos
empregadores, para as populações com idades compreendidas entre os 26 e os 65 anos. Com poucas
exceções, estima-se que o crescimento na educação de adultos suportada pelos empregadores tenha
ultrapassado o crescimento na educação de adultos em geral, em quase todos os países.
Tal como foi mencionado no início deste texto, há análises que, centradas em países e períodos
específicos, sugerem um certo declínio destas taxas (por exemplo, Mason, 2010; Green & Hanseke,
2019). Efeitos de base, o período de referência, a definição de participação (isto é, incidência ou
volume) e choques económicos ou mudanças significativas nas políticas podem resultar em perspetivas
empiricamente sustentadas sobre estas tendências que se revelam substancialmente diferentes umas das
outras.
Dado que a tendência apresentada na Tabela 1 é desenhada com base em apenas dois pontos
de recolha de informação, e dado que existem fontes de enviesamento potenciais, tais como formulações
ligeiramente diferentes das perguntas relevantes, foram efetuadas análises adicionais, utilizando o
Inquérito ao Emprego da UE, de modo a verificar a tendência para os países incluídos nesta análise
específica (sempre que possível) e ao longo do mesmo período, aproximadamente (ver Desjardins 2020,
Tabela 2.1). Esta última análise baseia-se em dados recolhidos anualmente, em múltiplos momentos e
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
a partir da mesma pergunta. Embora existam diferenças entre os dois conjuntos de estimativas, como
as que resultam do facto de as taxas de participação medidas pelo Inquérito ao Emprego da UE
assumirem um período de referência de 4 semanas, contra as 52 semanas consideradas no IALS e no
PIAAC, e do facto de os anos de referência não serem idênticos, a tendência ao longo do tempo coincide
em quase todos os casos nas duas fontes, o que reforça a interpretação da tendência observável entre o
IALS e o PIAAC.
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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
Tabela 1: Crescimento da educação de adultos, em geral, e da educação de adultos suportada pelos empregadores, desde a década de 1990.
Fonte: Cálculos próprios com base nos dados do PIAAC 2013 e do IALS 1994-1998.
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
Tabela 2: Probabilidades ajustadas de participação em educação de adultos suportada pelo empregador, por características individuais, sociodemográficas e
profissionais, PIAAC 2013.
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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
Em primeiro lugar, os fatores profissionais são tipicamente mais importantes do que os fatores
individuais e sociodemográficos na previsão da probabilidade de receber apoio. Dos 10 fatores mais
importantes na predição do apoio dos empregadores, apenas um ou dois tendem a estar associados a
fatores individuais (ou sociodemográficos) nos diversos países, sendo que, nalguns casos, não está
presente no grupo dos fatores preditores mais importantes um único fator deste tipo. Mais
concretamente, são os trabalhadores que estão em empregos com salários mais elevados, em empresas
maiores, que são mais qualificados, cujo emprego exige mais leitura ou que trabalham no setor público
ou não governamental aqueles que estão associados às probabilidades mais altas de receber apoio do
empregador. Pelo contrário, os trabalhadores com menos probabilidade de receber apoio são os que se
encontram nos empregos mais mal remunerados, em empregos de colarinho azul ou de tipo elementar
e cujo desempenho exige pouca ou nenhuma leitura.
É importante referir que o nível de escolaridade atingido pelos pais é também um preditor
individual e sociodemográfico relevante (enquanto proxy do estatuto socioeconómico), mas a sua
relevância não está presente em todos os países. Efetivamente, ter pelo menos a mãe ou o pai com mais
do que o ensino secundário constitui um preditor mais importante do recebimento de apoio da parte do
empregador do que o nível de educação do próprio nos seguintes países: Itália, Polónia, República
Checa, Irlanda, Estados Unidos da América e Finlândia. Mas na Dinamarca, Suécia e nos Países Baixos
verifica-se o contrário: ter ambos os pais nos níveis de educação mais baixos é um melhor preditor, o
que indicia que a educação de adultos desempenha nesses países um papel importante na mitigação da
transmissão intergeracional das desvantagens sociais.
escolaridade, um preditor mais importante do recebimento de apoio por parte do empregador, o que
sugere que os trabalhadores com baixo nível de proficiência são de facto escolhidos para receber apoio,
quer tenham níveis de escolaridade elevados ou reduzidos.
A idade tem alguma importância, mas o padrão varia conforme o país. Os trabalhadores em
início de carreira (idade compreendida entre os 26 e os 40 anos) têm uma probabilidade mais alta de
receber apoio dos empregadores, sobretudo nos países nórdicos, nos Países Baixos e na Bélgica. Isto
também se verifica na República Checa e na Polónia. Mas o padrão inverte-se nos EUA, no Reino
Unido e em Itália, onde são os trabalhadores que estão na fase intermédia da carreira (com idades
compreendidas entre os 41 e os 55 anos) que têm uma probabilidade mais alta de receber apoio dos
empregadores.
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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
Tabela 3: Probabilidades não ajustadas de participação em educação de adultos suportada pelos empregadores, por características contrastantes selecionadas
para cada fator individual, sociodemográfico e profissional, e crescimento anualizado entre o PIAAC de 2013 e o IALS de 1994-1998.
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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
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empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
Fonte: Cálculos próprios a partir dos dados do PIAAC 2013 e do IALS 1994-1998.
Notas: As células sombreadas refletem uma redução estatisticamente significativa (p<.05) da desigualdade na participação entre os dois grupos contrastantes.
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
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Com poucas exceções, é possível constatar a partir destes resultados que a educação de
adultos suportada pelos empregadores cresceu de forma substancial para quase todos os conjuntos
selecionados de características contrastantes para cada fator individual, socioeconómico e profissional
considerado na análise. Em muitos casos, as probabilidades de participar associadas a características
específicas mais do que duplicaram ou chegaram mesmo a triplicar, especialmente em países que
tiveram um crescimento geral maior, incluindo a Bélgica, a Irlanda e a Polónia. Na maioria dos casos,
o crescimento da educação de adultos apoiada pelos empregadores resultou num estreitamento das
diferenças nas probabilidades de participação (isto é, redução da desigualdade de participação) entre
os trabalhadores que estão nos empregos privilegiados versus aqueles que estão nos empregos
desfavorecidos em termos de rendimentos, qualificações e outras características, bem como no caso
dos indivíduos tradicionalmente privilegiados versus tradicionalmente desfavorecidos em
características sociodemográficas como o género, o nível de escolaridade, a pertença a uma minoria
ou o estatuto socioeconómico (indiciado pelo nível de escolaridade dos pais). Na maior parte dos
restantes casos, houve muito poucos casos a relevar crescimento da desigualdade entre as duas
categorias contrastantes.
Algumas explicações alternativas podem aqui ser aduzidas. Pode ser um indício de
qualificação e melhoria de competências em todo o espectro profissional em muitos países e, portanto,
de um consequente maior apoio dos empregadores à educação de adultos. A identificação deste
fenómeno com um processo de ajustamento típico do funcionamento do mercado não pode, contudo,
ser imediatamente estabelecida. Isto porque as políticas e programas governamentais podem ter
incentivado os empregadores a investirem mais nos trabalhadores desfavorecidos. Um exemplo disto
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é o programa “Competência Básica na Vida Ativa” [Basic Competence in Working Life Programme],
introduzido na Noruega em 2006, que envolveu o reforço da oferta de educação básica no local de
trabalho a trabalhadores desfavorecidos (VOX, 2013).
Vale a pena assinalar que o setor privado nos EUA e no Reino Unido contribui para a
provisão de educação de adultos suportada pelos empregadores quase tanto como nos países nórdicos
e nos Países Baixos (ver Tabela 2). É de notar ainda que, embora a Suécia apresentasse a taxa mais
elevada de educação de adultos suportada pelos empregadores para trabalhadores em empregos
desfavorecidos na década de 1990, ela foi ultrapassada pelos seus vizinhos nórdicos, sendo que os
EUA e o Reino Unido a alcançaram ou ultrapassaram, muitas vezes, no que respeita a várias
características desfavorecidas. Tal como foi referido, estes desenvolvimentos podem, em parte, ser
devidos a políticas e programas governamentais, desenvolvidos, em diferentes países, em colaboração
com o setor privado; este é, todavia, um tópico que está fora do âmbito da análise aqui apresentada.
Para além da influência que podem ter junto do setor privado, os governos podem, através
das suas políticas e programas, afetar a realidade do setor público de forma mais simples e direta. É
importante ter isto em linha de conta, uma vez que os resultados apresentados indicam que os
empregadores do setor público tendem a desempenhar um papel muito mais importante no apoio à
educação de adultos do que os empregadores do setor privado.
Importa assinalar que, devido a limitações dos dados, a análise não considerou quaisquer
diferenças qualitativas entre o tipo de educação de adultos recebida por trabalhadores em empregos
privilegiados versus empregos desfavorecidos, nem quanto ao alcance ou natureza do suporte
providenciado pelos empregadores.
5. Conclusões
Os resultados da análise sugerem que o suporte dos empregadores à educação de adultos está
a desempenhar um papel importante na mitigação das desigualdades na participação em educação de
adultos. Estes resultados são o contrário do esperado. A expectativa era de que, à medida que o papel
dos empregadores se tornasse mais importante na extensão do apoio à educação de adultos, a
desigualdade na participação em educação de adultos se intensificasse. Isto porque se esperaria que os
empregadores canalizassem mais apoio para os formandos mais eficientes e mais aptos a receber
formação, que tendem a possuir características privilegiadas, tais como níveis mais altos de
escolaridade e competências, isto de acordo com a teoria de Becker (1964) de que a decisão relativa
ao investimento em capital humano é uma função do rácio custo/benefício. Contudo, a análise aqui
apresentada, que se baseou em dados comparados à escala internacional, respeitantes a países com
configurações institucionais e situações de partida bastante diferentes, sugere que a tendência de
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crescimento da educação de adultos suportada pelos empregadores contraria esta expectativa. Na
verdade, os resultados apresentados neste artigo não confirmam o pressuposto geral acerca do
comportamento dos empregadores sugerido pela teoria de Becker. Isto pode indicar que o rácio
custo/benefício associado ao investimento dos empregadores em educação de adultos é cada vez mais
favorável, mesmo no caso dos adultos mais desfavorecidos e daqueles que ocupam os empregos menos
qualificados, o que se afigura consistente com uma tendência mais geral de melhoria do espectro de
competências num leque variado de economias avançadas. Pode ser, alternativamente, um indício da
necessidade de considerar fatores macro e outros fatores estruturais quando consideramos o
comportamento dos empregadores a partir de uma perspetiva de mercado, incluindo nesta consideração
o papel da intervenção governamental nas áreas da educação, aprendizagem ao longo da vida e
políticas ativas de emprego, tal como sugerido na literatura científica acima discutida.
Além disso, os resultados deste estudo colocam também em questão a ideia de que o apoio
dos empregadores à educação de adultos poderia intensificar as desigualdades de participação de uma
forma mais acentuada nos países mais tipicamente associados com o neoliberalismo, como os EUA e
o Reino Unido, quando comparados com países que estão tipicamente associados a políticas sociais
progressistas, como os países nórdicos. Na verdade, os resultados obtidos revelam que o setor privado
estava tão envolvido no apoio à educação de adultos nos países nórdicos como nos EUA e no Reino
Unido. Curiosamente, EUA e Reino Unido revelaram-se muito mais bem-sucedidos do que os países
nórdicos e os Países Baixos na extensão do apoio aos trabalhadores mais velhos, aspeto que merece
investigação comparativa adicional. Nos anos mais recentes, muita investigação educacional baseada
em estudos comparativos à escala internacional sugeriu que certos tipos de Estado-providência ou de
regimes de produção poderiam exacerbar ou mitigar desigualdades de vários tipos, incluindo em
matéria de participação em educação de adultos (ver Desjardins & Ioannidou, 2020, para uma
panorâmica e uma discussão destas investigações). Contudo, os resultados deste artigo sugerem que a
extensão e a distribuição da educação de adultos num determinado país ou contexto é provavelmente
impulsionada por características institucionais específicas, e por políticas específicas, que estão mais
diretamente ligadas à oferta, adesão e distribuição da educação de adultos, mais do que a tipos de
Estados-providência ou regimes de produção em si.
114
DESJARDINS, Richard; KIM, Jungwon (2023). “Desigualdade na participação em educação de adultos em
diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
llllllllllll
Inquérito à Educação e Formação de Adultos da UE (2007, 2011, 2016, 2022), visando um estudo
comparativo das variações nos fatores estruturais (políticas, programas) que permita revelar padrões
discerníveis capazes de trazer novas perspetivas e matizes à análise.
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diferentes contextos nacionais: está o crescente apoio dos empregadores a exacerbar ou mitigar a desigualdade na
participação”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 88 - 118
Jungwon Kim. School of Education and Information Studies, Universidade da Califórnia, Los
Angeles (UCLA). 500 Landfair Avenue, Los Angeles, California, USA. Email:
[email protected]
118
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a6
Anita M. Sands
ETS – Educational Testing Service.
Madeline Goodman
ETS – Educational Testing Service.
Resumo
Em Grande demais para falhar: A Geração Millennial nas margens, as autoras abordam a questão
de como as competências se encontram distribuídas no seio da Geração Millennial, concentrando-se
na dimensão e características demográficas dos millennials dos Estados Unidos da América que
apresentam baixas competências de literacia e numeracia, bem como no impacto nas relações sociais
e resultados económicos dessas baixas competências. Fazem-no, em parte, examinando a questão dos
“jovens desconectados”, um termo normalmente aplicado às pessoas com idades compreendidas
entre os 16 e os 24 anos que não estão empregadas nem envolvidas em educação ou formação formal.
Desde a Grande Recessão de 2008, a investigação neste âmbito tem-se preocupado cada vez mais
com estes “jovens desconectados”, que, de acordo com algumas estimativas, representam
aproximadamente 6 milhões de jovens adultos nos EUA. O foco destas pesquisas tem incidido sobre
o seu nível educacional e a participação no mercado de trabalho. Embora útil, esta abordagem é
limitada, em dois sentidos. Em primeiro lugar, centra-se apenas nos adultos mais jovens, numa época
em que a transição para a idade adulta é mais prolongada. Em segundo lugar, baseia-se na premissa
de que o emprego e/ou mais educação são impulsionadores garantidos de entrada na classe média e
de melhoria dos resultados de vida. As autoras questionam se esta suposição é apropriada às
circunstâncias atuais e sugerem que olhar para os jovens adultos apenas em termos de ligações ao
mercado de trabalho ou à educação formal pode subestimar a dimensão dos desafios que enfrentamos
e distorcer a nossa compreensão das políticas necessárias para alterar o rumo atual.
Palavras-chave: Geração Millennial; Competências; PIAAC.
1
Copyright © 2017 e 2023, ETS – www.ets.org. Artigo traduzido do inglês por Bruno Peixe Dias e revisto por
João Queirós. O artigo “Grande demais para falhar: A Geração Millennial nas margens [Too Big to Fail:
Millennials on the Margins] é publicado com permissão da ETS, detentora dos direitos sobre o original. A
tradução do artigo beneficiou do apoio financeiro do inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação.
Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto agradece à ETS e às autoras a
autorização de publicação da versão em língua portuguesa deste trabalho.
119
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
In Too Big to Fail: Millennials on the Margins, the authors return to the question of how skills are
distributed across the millennial population, focusing on the size and demographic characteristics of
U.S. millennials with low literacy and numeracy skills, and the resulting impact on social and
economic outcomes. They do this in part by examining the issue of “disconnected youth”, a term
typically applied to those ages 16-24 who are not employed or engaged in formal education or
training. Since the Great Recession of 2008, researchers have become increasingly concerned with
these disconnected youth who, according to some estimates, represent approximately 6 million young
adults in the United States. The focus of this research has been on their educational attainment and
labor market participation. While helpful, this approach is limited in two ways. First, it focuses on
only our youngest adults at a time when the transition to adulthood is more prolonged. Second, it is
based on the premise that employment and/or more education are assured catalysts for entry into the
middle class and improving life outcomes. The authors question whether this assumption is
appropriate to current circumstances; they suggest that looking at young adults only in terms of ties
to the labor market or formal education may underestimate the scope of the challenges that we face
and may skew our understanding of the policies needed to alter our course.
Keywords: Millennials; Skills; PIAAC.
educativo y participación en el mercado laboral. Aunque útil, este enfoque tiene dos limitaciones. En
primer lugar, se centra únicamente en los adultos más jóvenes, en un momento en que la transición a
la edad adulta es más larga. En segundo lugar, se basa en la premisa de que el empleo y/o más
educación superior son factores garantizados para el ingreso a la clase media y mejores resultados en
la vida. Las autoras cuestionan si esta suposición es apropiada en las circunstancias actuales y
sugieren que mirar a los adultos jóvenes sólo en términos de conexiones con el mercado laboral o la
educación formal puede subestimar la escala de los desafíos que enfrentamos y distorsionar nuestra
comprensión de las políticas necesarias para cambiar la dirección actual.
Palabras-clave: Generación Millennial; Competencias; PIAAC.
É o povo como um todo que tem de se encarregar da educação de todo o povo, e estar disposto a
suportar essa despesa.
Acreditamos que este país não será um bom lugar para qualquer um de nós viver
permanentemente se não fizermos dele um lugar razoavelmente bom para todos vivermos nele —
[Todos] nós pagaremos no futuro se não formos justos com todos no presente.
1. Introdução
Definida em termos gerais, a educação é um processo de “partilha ou aquisição de
conhecimento geral, desenvolvendo as capacidades de raciocínio e juízo e, em termos gerais, de
preparação intelectual de si próprio e dos outros para uma vida madura”. 2 Educar todo um povo,
dentro e fora de ambientes institucionais formais, acaba por beneficiar esse povo como um todo,
como sugere John Adams. Se isto se verificasse hoje na América, não haveria necessidade de discutir
o tópico. Mas não é isto que se verifica. Dezenas de milhões de jovens adultos – pertencentes à
geração dita millennial – não estão devidamente equipados, em termos do seu nível de capital
humano, para serem bem-sucedidos no mundo de hoje. Este facto tem implicações não apenas para
estas pessoas, com idades compreendidas entre os 16 e os 34 anos, mas para a sociedade como um
todo.
2
Ver Dictionary.com, s.v. "education", http://www.dictionary.com/browse/education?s=t, e Study Lectures
Notes, http://www.studylecturenotes.com/foundation-of-education/etymological-meaning-of-education; ver
também Annual Report of the Board of Education, Vol. 38, 1873-1874,
https://books.google.com/books?id=E5AXAAAAYAAJ&pg=PA202&lpg=PA202&
dq=education+etymology+mature+life&source=bl&ots=OKAJKBySgv&sig=75Q0ceJPNq-
SSwN1lDPf9JNbWEw&hl=en&sa=X&
ved=0ahUKEwiYmviEoLbTAhXD6iYKHfvXAvYQ6AEIQjAF#v=onepage&q=education%20etymology%2
0mature%20life&f=false.
121
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
Muitos millennials estão a entrar para o mercado de trabalho, a prosseguir a sua educação, a
ter filhos e a estabelecer as suas próprias unidades familiares – muitas vezes pela primeira vez. Mas,
quando observamos mais de perto aqueles que estão no caminho para a idade adulta, uma imagem
mais complexa emerge. Tal como documentado em investigação disponível sobre o tema, um número
preocupante dos mais jovens deste grupo estão “desconectados” [disconnected], um termo
habitualmente usado para descrever aquelas pessoas que têm entre 16 e 24 anos de idade e que não
estão empregadas nem a estudar formalmente.3 Hoje, nos Estados Unidos da América, de acordo com
algumas estimativas, cerca de 6 milhões de pessoas naquele escalão etário integram esta categoria
dos “desconectados”. 4 Neste artigo, defendemos que a “desconexão”, definida apenas por relação
com o facto de se estar empregado ou inscrito numa instituição educativa, subestima os obstáculos
futuros. Se alargarmos a definição de desconexão de modo a incluir os níveis de competência (ou
capital humano) da nossa geração millennial, o problema torna-se demasiado grande para ser
ignorado. Cerca de metade dos millennials na América, ou seja, perto de 36 milhões de pessoas, de
um total estimado de 77 milhões de indivíduos nesta categoria, estão a transitar para a vida adulta
com baixas competências de literacia. 5 Mais de metade – 46 milhões – estão a fazê-lo com baixas
competências de numeracia.
O problema do baixo nível de competências – especialmente na geração dos que serão os pais,
trabalhadores e cidadãos nas próximas décadas – irá afetar-nos a todos. O capital humano – e as
diferentes oportunidades para o adquirir e aumentar – constitui uma componente decisiva da condição
generalizada de desigualdade que observamos hoje nos Estados Unidos da América 6. Isto deve-se,
3
A “juventude desconectada” é por vezes referida como “geração NEET” (Not in Employment, Education or
Training, fora da educação, do emprego ou da formação).
4
Kristen Lewis e Sarah Burd-Sharps, Halve the Gap by 2030: Youth Disconnection in America's Cities,
Measure of America (2013), http://ssrc-static.s3.amazonaws.com/moa/MOA-Halve-the-Gap-ALL-
10.25.13.pdf .
5
Para os propósitos deste texto, a noção de “baixas competências” diz respeito aos indivíduos cujo desempenho
se encontra nos níveis de proficiência mais baixos do Programa Internacional para a Avaliação das
Competências dos Adultos (PIAAC), definidos aqui como sendo os que se situam no Nível 2 ou no Nível 1 ou
inferior. Para mais pormenores, ver a secção deste texto intitulada “Compreender o PIAAC”. Ao fazer
comparações, apresentamos estes dois subgrupos de adultos com baixas competências e comparamo-los com
os que têm uma pontuação igual ou superior ao Nível 3 de proficiência.
6
Ver, por exemplo, o Memorando da Decisão de setembro de 2016: Meritíssimo Thomas G. Moukawsher:
Connecticut Coalition for Justice in Education Funding Inc., et al. V. Docket, Superior Court, Judicial District
of Hartford, https://assets.documentcloud.org/documents/3100630/School-Funding-Decision.pdf ; Jacqueline
Rabe Thomas, "What Does a High School Diploma Prove?", CT Mirror, 13 de dezembro de 2016,
https://ctmirror.org/2016/12/13/troubled-schools-on-trial-what-does-a-high-school-diploma-prove/; U.S.
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Richard J. Murnane, "Rising Inequality in Family Incomes and Children's Educational Outcomes," RSF: The
Russell Sage Foundation Journal of the Social Sciences 2, no. 2 (2016): 142-158,
http://www.rsfjournal.org/doi/full/10.7758/RSF.2016.2.2.06; Organisation for Economic Co-operation and
122
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
2. Contextualização
Como é que chegámos aqui? É uma questão complicada. Decisões políticas tomadas a todos
os níveis de governo, para não falar da globalização e dos avanços tecnológicos observados nas três
ou quatro últimas décadas, promoveram uma distribuição de competências cada vez mais desigual.
Isto aconteceu precisamente numa altura em que se revelavam necessários níveis cada vez mais altos
de competências para aceder à classe média e nela permanecer, bem como para participar plenamente
numa sociedade cada vez mais complexa. Tal como foi por muitos documentado, a economia
americana do pós-Segunda Guerra Mundial, construída a partir de uma base alargada de indústria e
consumo interno, e incentivada por políticas federais de alargamento das oportunidades de educação
e habitação para muitos, permitiu a expansão da classe média. O nível de educação dos americanos
ultrapassou o da maior parte dos países e o investimento público em educação pós-secundária tornou
a entrada na universidade possível, e mais acessível, para um número crescente de pessoas. 10 Ao
longo deste período, o mercado de trabalho ofereceu, de maneira geral, oportunidades de emprego
para uma grande parte da população americana, a níveis geralmente suficientes para manter uma
classe média forte, significando isto a capacidade para adquirir uma casa, investir em oportunidades
Development (OECD), In It Together: Why Less Inequality Benefits All (Paris: OECD Publishing, 2015),
http://dx.doi.org/10.1787/9789264235120-en.
7
Irwin Kirsch, Henry Braun, Mary Louise Lennon, e Anita M. Sands, Choosing our Future: A Story of
Opportunity in America (Princeton, NJ: Educational Testing Service, 2016); Irwin Kirsch, Henry Braun,
Kentaro Yamamoto, e Andrew Sum, America's Perfect Storm: Three Forces Changing Our Nation's Future
(Princeton, NJ: Educational Testing Service, 2007).
8
Thomas Piketty e Emmanuel Saez, "Income Inequality in the United States: 1913-1998, Quarterly Journal of
Economics 118, no. 1 (2003), ou, para um resumo menos técnico, ver a última atualização feita por Saez:
Striking it Richer: The Evolution of Top Incomes in the United States (2015),
https://eml.berkeley.edu/~saez/saez-UStopincomes-2015.pdf .
9
Discurso de Theodore Roosevelt, Chicago, IL, 17 de junho de 1912.
10
Claudia Goldin e Lawrence F. Katz, The Race between Education and Technology (Cambridge, MA: Harvard
University Press, 2008); Suzanne Mettler, Soldiers to Citizens: The GI Bill and the Making of the Greatest
Generation (Oxford: Oxford University Press on Demand, 2005).
123
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
educativas para os filhos e assegurar alguma segurança na terceira idade. A provisão destes benefícios
a alguns à custa de outros é um elemento importante desta história, e tem havido muita investigação
rigorosa que contribuiu para o nosso entendimento acerca do modo como esta prosperidade foi
distribuída de forma desigual através de linhas de divisão racial e de género, aprofundando outras
formas de desigualdade.11 Apesar disto, podemos caracterizar o pós-Segunda Guerra Mundial como
um período em que as competências adquiridas no ensino secundário e pós-secundário nos EUA
conseguiram ir ao encontro das oportunidades de emprego, com salários e benefícios que
possibilitavam a um número crescente de famílias americanas a entrada na classe média.
Os contornos desta paisagem económica e social começaram a mudar por volta de 1970.
Quando a “economia de colarinho azul” do período do pós-guerra começou a dar lugar à economia
baseada no conhecimento que temos hoje, o capital humano passou a ser cada vez mais importante.
A emergência desta nova realidade económica foi acompanhada por avanços tecnológicos, pela
globalização e por uma série de políticas empresariais e governamentais que enfraqueceram as
organizações de trabalhadores e levaram a uma diminuição do investimento público nas famílias e
comunidades.12 O efeito acumulado destas mudanças aumentou a desigualdade de oportunidades,
resultando numa concentração de riqueza nos níveis de rendimento mais elevados e num aumento
significativo da pressão exercida sobre as classes baixa e média americanas. 13 Ao mesmo tempo,
outras nações industrializadas – tanto na Europa, como na Ásia – assistiram à melhoria da sua
situação económica e também ao desenvolvimento do capital humano entre as suas populações mais
jovens.
11
Ver, por exemplo, Richard Rothstein, The Color of Law: A Forgotten History of How Our Government
Segregated America (Nova Iorque: Liverright, 2017), E ainda Matthew Desmond, Evicted: Poverty and Profit
in the American City (Nova Iorque: Broadway Books, 2017).
12
Para uma discussão em torno do papel das políticas, ver, por exemplo, Jacob S. Hacker e Paul Pierson,
"Winner-Take-All Politics: Public Policy, Political Organization, and the Precipitous Rise of Top Incomes in
the United States, Democracy and Markets, Understanding the Effects of America's Economic Stratification,"
A Tobin Project Conference, 30 de abril - 2 de maio, 2010,
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Pierson, "Making America Great Again," Foreign Affairs, maio/junho de 2016,
https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2016-03-21/making-america-great-again.
13
Kirsch et al., Choosing our Future; David H. Autor, "Skills, Education, and the Rise of Earnings Inequality
among the ‘Other 99 Percent’", Science 344, no. 6186 (2014).
124
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
14
Goldin e Katz, Education and Technology.
15
A primeira ronda do PIAAC (2012) foi administrada à população com idades entre os 16 e os 65 anos de 23
países. Foram eles: Austrália, Áustria, Bélgica (Flandres), Canadá, República Checa, Dinamarca, Estónia,
Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Coreia, Países Baixos, Noruega, Polónia, Federação Russa,
República Eslovaca, Espanha, Suécia, Reino Unido (Inglaterra e Irlanda do Norte) e Estados Unidos. Em 2014,
foi realizada uma ronda suplementar de recolha de dados nos Estados Unidos (o Suplemento Nacional dos
EUA). Também em 2014, a avaliação do PIAAC e as perguntas do questionário-base, com modificações
ligeiras, foram utilizadas para estudar a população de adultos encarcerados nos Estados Unidos. Os dados
utilizados neste documento baseiam-se principalmente nas amostras combinadas dos dados obtidos pelo
PIAAC nos EUA em 2012 e 2014, bem como em dados selecionados da população encarcerada dos EUA
(2014).
16
OCDE, Time for the U.S. to Reskill?: What the Survey of Adult Skills Says (Paris: OECD Publishing, 2013),
http://dx.doi.org/10.1787 /9789264204904-en.
17
Madeline Goodman, Anita M. Sands, e Richard A. Coley, America's Skills Challenge: Millennials and the
Future (Princeton, NJ: Educational Testing Service, 2015).
125
SANDS, Anita M.; GOODMAN, Madeline (2023),“Grande demais para falhar: a geração Millenial nas
margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
No que diz respeito à “desconexão”, noção a que é feita referência acima, queremos passar
neste texto de uma ênfase na preocupação com o emprego e a educação para uma outra que inclui o
capital humano, ou nível de competências. Utilizamos, para tal, de seguida, os dados do PIAAC
relativos aos níveis de competência para nos dar um contexto internacional resumido quanto ao
desempenho dos millennials dos EUA. Daqui, passamos a uma análise em profundidade da
magnitude e dimensão geográfica do problema das baixas competências neste segmento da
população. Por fim, analisamos a relação entre competências e indicadores de coesão social/capital
social. Neste processo, defendemos que as baixas competências estão correlacionadas com uma
sensação mais geral de desconexão e a ausência de participação na vida política e social.
18
David Autor, The Polarization of Job Opportunities in the U.S. Labor Market: Implications for Employment
and Earnings, Center for American Progress and The Hamilton Project, abril de 2010, 6,
https://economics.mit.edu/files/5554. Itálico no original.
19
Lewis e Burd-Sharps, Halve the Gap.
20
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22
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Work: Restoring Teen and Young Adult Connections to Opportunity (Baltimore, Annie E. Casey Foundation,
2012), http://www.aecf.org/m/resourcedoc/AECF-YouthAndWork-2012-Full.pdf.
23
OECD Skills Outlook 2013: First Results from the Survey of Adult Skills (Paris: OECD Publishing, 2013).
24
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Making Skills Everyone's Business: A Call to Transform Adult Learning in the United States (Washington, DC:
Author, 2015).
25
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custos têm um impacto duradouro, tanto para os indivíduos – facto que é amplamente reconhecido –
, como para a sociedade em geral. Para o indivíduo, o papel desempenhado pelo capital humano no
seu bem-estar é geralmente considerado óbvio: um nível alto de competências está correlacionado
com melhores empregos, salários mais altos e resultados de vida mais favoráveis. 26 As competências,
contudo, desenvolvem-se, formal e informalmente, através de uma miríade de conexões ao longo da
vida – dependem do “capital social” de cada pessoa. A Academia Nacional de Ciências [National
Academy of Sciences] define capital social, em traços largos, como o nível, para cada pessoa, de
“participação política; envolvimento em organizações comunitárias; ligação com amigos, família e
vizinhos; e atitudes dirigidas à vizinhança, ao governo e aos grupos que não os seus próprios grupos”.
Estas conexões são significativas porque estão associadas a “resultados positivos em muitos domínios
da vida, incluindo saúde, altruísmo, educação, emprego, bem-estar infantil e conformidade com a
lei”.27 Investigação recente aponta para que os indivíduos com níveis mais altos de capital social estão
numa melhor posição para adquirir inicialmente, e depois manter, níveis mais altos de capital humano
(competências) ao longo da vida.28
Indivíduos que apresentam níveis elevados de capital humano e social também transmitem
vantagens aos seus filhos de modo mais ou menos tangível. A investigação sobre os níveis mais
precoces da participação educativa e a psicologia infantil demonstram, por exemplo, que tais
vantagens começam a ser transmitidas mesmo antes do nascimento, através dos cuidados pré-natais.29
É mais provável que os pais com mais tempo e recursos leiam para os seus filhos, criando a
oportunidade de enriquecimento do vocabulário destes, que se reflete em classificações académicas
mais elevadas. Para além disso, a posse de mais recursos permite-lhes oferecer aos seus filhos um
maior acesso a atividades extraescolares e outras oportunidades extracurriculares. 30 Resumindo, as
26
U.S. Department of Education, Making Skills Everyone's Business; relativamente a salários e competências,
ver Neeta Fogg, Paul Harrington e Ishwar Khatiwada, The Impact of Human Capital Investments on the
Earnings of American Workers, Center for Labor Markets and Policy, Drexel University (Princeton, NJ:
Educational Testing Service, forthcoming); e Autor, "Skills, Education".
27
National Research Council, Civic Engagement and Social Cohesion: Measuring Dimensions of Social
Capital to Inform Policy. Kenneth Prewitt, Christopher D. Mackie, e Hermann Habermann (Eds.), Panel on
Measuring Social and Civic Engagement and Social Cohesion in Surveys, Committee on National Statistics,
Division of Behavioral and Social Sciences and Education (Washington, DC: National Academies Press, 2014),
https://www.nap.edu/read/18831/chapter/1#viii.
28
Henry Braun, "The Dynamics of Opportunity in America: A Working Framework," in The Dynamics of
Opportunity in America: Evidence and Perspectives, ed. Irwin Kirsch e Henry Braun (Nova Iorque: Springer,
2016), 137-164; Kirsch et al., Choosing Our Future; Richard Wilkinson e Kate Pickett, The Spirit Level: Why
Equality is Better for Everyone (Londres, Penguin, 2010); OECD, Time for the U.S.; U.S. Department of
Education, Making Skills Everyone's Business.
29
Janet Currie, "Inequality at Birth: Some Causes and Consequences", American Economic Review 101, no. 3:
1-22 (2011), https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/aer.101.3.1.
30
Emma Garcia, Inequalities at the Starting Gate: Cognitive and Noncognitive Skills Gaps between 2010-2011
Kindergarten Classes, Economic Policy Institute, 17 de junho de 2015,
128
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vantagens tendem a acumular-se e a multiplicar-se com o tempo. Pelo contrário, aqueles que vivem
em situações em que não é promovido o desenvolvimento do capital humano e social são
confrontados com a perspetiva da mobilidade social descendente. As pessoas que vivem em
ambientes difíceis ou em comunidades onde o nível de crime, desemprego e pobreza são altos e os
cuidados de saúde são deficientes tendem a ter uma desvantagem à partida, tal como os seus
descendentes. É bastante visível que as dinâmicas associadas àquilo que podemos designar como
“acumulação de vantagens e de desvantagens”, e a desigualdade que daí resulta, estão a polarizar os
EUA – de tal modo que, cada vez mais, não nos vemos uns aos outros.31 Como defende Robert
Putnam, autor de Our Kids: The American Dream in Crisis [Os Nossos Filhos: A Crise do Sonho
Americano], a desigualdade – e a segregação social que ela cria e perpetua – criou um ambiente de
polarização onde “simplesmente não sabemos como é que a outra metade vive”. De acordo com
Putnam, este fosso crescente “limita o nosso sentimento de reciprocidade. Limita o nosso sentido do
que devemos uns aos outros. Somos cada vez menos uma comunidade”. 32
4. A Geração Millennial
Muitas vezes referidos como millennials, mas também conhecidos como Geração Y ou echo
boomers, este grupo de indivíduos, que aqui identificamos com aqueles que têm idade compreendida
entre os 16 e os 34 anos, é geralmente identificado com o das pessoas nascidas entre 1980 e 2000.
São, normalmente, os filhos e filhas da geração dos baby boomers do pós-guerra (1946-1964) e dos
membros mais velhos da Geração X (1965-1980); outros são jovens imigrantes. No total, os
millennials são cerca de 77 milhões, ou cerca de um quarto da população dos EUA, e é difícil
descartar a sua importância. São a geração mais numerosa de americanos vivos, representando uma
percentagem significativa da população ativa atual e futura. 33 Não é provavelmente um exagero dizer
que, para onde forem os millennials, também vai a América.
O nosso relatório anterior, America's Skills Challenge: Millennials and the Future [O Desafio
das Competências na América: Os Millennials e o Futuro] (2015), apresentava uma abordagem
declaradamente internacional e analisava as competências dos millennials americanos em
comparação com as de outros 21 países da OCDE que participaram no PIAAC. 34 O PIAAC foi
concebido para analisar e comparar as competências-chave, cognitivas e profissionais, dos adultos
(16-65 anos de idade) consideradas necessárias para participar com sucesso na sociedade do século
XXI e numa economia globalizada. Na última vez em que foi administrado até à data de elaboração
deste texto (2.ª Ronda do 1.º Ciclo, 2012-2016), o inquérito do PIAAC mediu as competências dos
adultos em 33 países e em três domínios: literacia, numeracia e resolução de problemas em ambientes
tecnologicamente desafiantes. 35 Para além dos dados cognitivos recolhidos, a OCDE recolheu uma
panóplia de informação sociográfica de base que pode ser relacionada com o nível de competências. 36
O relatório O Desafio das Competências na América mostrava que, apesar de terem o nível de
escolaridade mais alto da história dos Estados Unidos da América, os millennials residentes no país
tinham geralmente resultados mais fracos nos três domínios avaliados do que os seus homólogos dos
outros países da OCDE. Estes resultados revelaram-se particularmente evidentes no caso da
numeracia. Quando olhámos para os diversos subgrupos populacionais de millennials – de acordo
com a sua naturalidade, nível de escolaridade, nível de desempenho e antecedentes socioeconómicos
– os millennials dos EUA tinham, de um modo geral, resultados abaixo dos alcançados pelos seus
homólogos em muitos dos países que participaram no PIAAC. O presente texto baseia-se mais uma
vez em dados do PIAAC e oferece uma análise centrada na magnitude e nas dimensões da população
de jovens adultos dos EUA, em termos do nível de competências de literacia e numeracia, e das
características associadas a estes níveis. 37
33
O estudo sobre millennials do Pew Research Center pode ser consultado em
http://www.pewresearch.org/topics/millennials/.
34
Ver a nota 12.
35
Para além dos 24 países da primeira Ronda do 1.º Ciclo do PIAAC, foram acrescentados mais 9 países à
segunda Ronda do estudo, em 2014: Chile, Grécia, Indonésia, Israel, Lituânia, Nova Zelândia, Singapura,
Eslovénia e Turquia. Para mais informações sobre os países participantes, consultar
https://nces.ed.gov/surveys/piaac/countries.asp.
36
Para mais informação sobre o questionário-base do PIAAC, ver
https://nces.ed.gov/surveys/piaac/questionnaires.asp
37
Em 2014, foi realizada uma ronda suplementar de recolha de dados nos Estados Unidos. Os dados aqui
utilizados baseiam-se principalmente nas amostras combinadas dos dados do PIAAC nos EUA recolhidos em
2012 e 2014.
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5. Compreender o PIAAC
Discutiremos, nas próximas secções deste artigo, o desempenho médio dos millennials e a
percentagem desta população que obteve um determinado nível de proficiência nas avaliações de
literacia e numeracia do PIAAC.41 Os níveis de proficiência do PIAAC vão desde “abaixo de 1”, o
mais baixo, até ao “5”, o mais alto. Este relatório concentrar-se-á sobretudo nos millennials com
desempenhos mais baixos (os de nível 1 ou inferior e aqueles que obtiveram nível 2), deixando de
parte os que têm nível 3 ou superior. De acordo com a OCDE, o nível 3 representa um padrão de
proficiência “mínima”, tanto no domínio da literacia, como no domínio da numeracia. 42 A Tabela 1
38
Este texto aborda os domínios da literacia e da numeracia.
39
OECD Skills Outlook 2013.
40
Sam Wineburg e Sarah McGrew, "Why Students Can't Google Their Way to Truth", Education Week,
Commentary, 1 de novembro de 2016, http://www.edweek.org/ew/articles/2016/11/02/why-students-cant-
google-their-way-to.html.
41
Os dados sobre a questão da resolução de problemas em ambientes tecnológicos não foram incluídos neste
texto, porque os parâmetros de referência para este domínio variam em relação aos da literacia e da numeracia.
Ver Anexo B para uma descrição pormenorizada dos níveis de proficiência em literacia e numeracia.
42
OECD, Time for the U.S.
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oferece informação adicional acerca dos níveis de proficiência do PIAAC em cada domínio. Para
uma descrição completa de todos os níveis de proficiência e para uma amostra das questões propostas
no estudo, ver o Anexo B.
Tabela 1
COMPETÊNCIAS DE LITERACIA
Nível 1 ou Conseguem provavelmente ler um texto curto acerca de um tópico que lhes é
inferior familiar, de modo a localizar uma única unidade de informação, utilizando
vocabulário básico.
Têm dificuldade em processar ou integrar duas ou mais unidades de informação
contidas num texto.
Têm dificuldade em orientar-se em textos digitais de modo a aceder e a identificar
informação nas várias partes de um documento.
COMPETÊNCIAS DE NUMERACIA
Nível 1 ou Conseguem provavelmente fazer operações simples: contar, ordenar, fazer
inferior operações aritméticas básicas com números inteiros ou com dinheiro.
Conseguem provavelmente reconhecer representações espaciais comuns em
43
Ver o IEA Data Repository, http://www.iea.nl/our-data.
44
Os resultados, itens da amostra, acesso a ferramentas em linha e outras informações relativas à administração
do PIAAC nos EUA estão disponíveis em https://nces.ed.gov/surveys/piaac/.
132
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contextos concretos e familiares, onde o contexto matemático é explícito, ou com
pouco texto ou sem distrações a acompanhá-lo.
Têm provavelmente dificuldade em desempenhar tarefas que exijam duas ou mais
etapas, que envolvam cálculos com números inteiros e decimais, percentagens,
frações, medições simples e representação espacial.
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Figura 1a: Classificações médias nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC para os
millennials, por país/região participante: 2012/2014.
LITERACIA
134
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Figura 1b: Classificações médias nas escalas de literacia e numeracia do PIAAC para os
millennials, por país/região participante: 2012/2014 (continuação).
NUMERACIA
Japão) até um máximo de 53%, no Chile, com os Estados Unidos a situarem-se nos 25%. Doze países
tiveram uma percentagem mais baixa de millennials no Nível 1 ou inferior no que toca à literacia;
em numeracia, 23 países tiveram percentagens mais baixas. Em numeracia, apenas a Turquia e o
Chile tinham uma percentagem mais elevada de millennials no Nível 1 ou inferior. Verificou-se um
padrão semelhante no que diz respeito ao Nível 2: os millennials inquiridos nos EUA encontram-se
no meio da distribuição no respeitante à literacia; em numeracia, apenas a Irlanda, Grécia e Espanha
apresentaram percentagens mais elevadas da sua população neste nível. 45
45
Para uma discussão detalhada das competências de um subgrupo de países com baixo desempenho em
literacia, incluindo os Estados Unidos, ver Anke Grotlüschen, David Mallows, Stephen Reder e John Sabatini,
Adults with Low Proficiency in Literacy or Numeracy, OECD Education Working Paper No. 131 (Paris: OECD
Publishing, 2016), doi:10.1787/5jm0v44bnmnx-en.
136
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Tabela 1a: Percentagem de millennials nos níveis de desempenho selecionados, nas escalas de
literacia e numeracia do PIAAC, por país/região participante: 2012/2014.
LITERACIA
Tabela 1b: Percentagem de millennials nos níveis de desempenho selecionados, nas escalas de
literacia e numeracia do PIAAC, por país/região participante: 2012/2014 (continuação)
NUMERACIA
138
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A Tabela 2 mostra com maior detalhe o desempenho dos millennials dos EUA em
determinados níveis de proficiência (no Nível 1 ou inferior, no Nível 2 e no Nível 3 ou superior).
14% da população de millennials, ou 10,4 milhões, tiveram um desempenho de Nível 1 ou inferior
em literacia. Em numeracia, um quarto do total dos millennials – aproximadamente 19,4 milhões –
teve um desempenho neste nível. Quando acrescentamos os millennials que se classificaram no Nível
2, o total aumenta de forma dramática. Estima-se que 36,2 milhões de millennials (47%) tenham um
desempenho de Nível 2 ou inferior em literacia e que um número estimado de 46,1 milhões (60%)
tenha um desempenho de Nível 2 ou inferior em numeracia.
É claro que, dos cerca de 76,7 milhões de millennials dos EUA, alguns são bem-sucedidos na
economia e sociedade de hoje. Tendo em conta aquilo que se sabe acerca da associação entre
competências e resultados na vida, é mais provável que as pessoas com níveis de competências mais
elevados (Nível 3 ou acima) experimentem uma transição mais suave para a vida adulta. 46 É provável
que estes adultos sintam que estão a avançar no sentido de alcançar uma vida sustentável para si e
para os seus filhos. Mas, para muitos outros, com níveis mais baixos de competências, o futuro pode
parecer menos seguro. No respeitante à literacia, havia efetivamente quase tantos millennials com
um desempenho de Nível 2 ou abaixo como os que tinham obtido o Nível 3 ou acima (Figura 2). Na
numeracia, havia mesmo mais millennials (aproximadamente mais 15 milhões) que tiveram um
desempenho de Nível 2 ou abaixo do que aqueles que atingiram o Nível 3 ou acima.
46
OECD Skills Outlook 2013.
139
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
47
William H. Frey, In the U.S., Diversity is the New Majority, Brookings Institution, 6 de março de 2015,
https://www.brookings.edu /opinions/in-the-u-s-diversity-is-the-new-majority/.
140
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llllllllll
Explosão da Diversidade: Como a Nova Demografia Racial Está a Reconstruir a América] (2014), o
demógrafo William Frey mostra como é importante estar atento às tendências demográficas que
afetam a população de millennials. “É essencial perguntarmo-nos quão bem posicionada está – e
estará – esta população para se sustentar a si e às suas comunidades”, avisa Frey. “Têm que estar bem
formados. Têm que estar preparados para empregos que envolvem tecnologia avançada, os trabalhos
de classe média, ou pelo menos ter a capacidade para se sustentarem e para sustentar a sua
comunidade”.48 Apesar dos medos que as mudanças demográficas às vezes provocam no curto prazo,
Frey defende que “investir nos jovens pertencentes a minorias – que [para alguns] ainda não são
vistos como os seus filhos e netos – é crucial não apenas para o sucesso da economia nacional, mas
também para as contribuições para programas governamentais como a Segurança Social e o
Medicare”.49 Resumindo, quanto mais depressa percebermos que as diferenças acentuadas a nível de
competências entre os diferentes grupos, e dentro de cada grupo, fazem parte de um problema geral
que afeta a população como um todo, melhor ficaremos.
O presente texto oferece mais abaixo uma descrição estatística dos millennials por género,
raça/etnicidade e naturalidade/língua, distribuídos pelos níveis de proficiência acima discutidos.
Estes dados levantam duas questões importantes relacionadas entre si. Por um lado, eles refletem
diferenças acentuadas no desempenho (especialmente a diferença racial/étnica), que nós – e muitos
outros – acreditamos resultarem das desigualdades de acesso a oportunidades dentro do país. 50 Ao
mesmo tempo, e em termos de números absolutos, o problema do baixo nível de competências na
nossa população de millennials é de âmbito geral, tendo, portanto, implicações para todos nós.
7.1. Género
Há, em geral, uma percentagem ligeiramente superior de indivíduos do sexo masculino do que
de indivíduos do sexo feminino na população de millennials (Tabela 3). A reduzida diferença na
classificação de literacia do PIAAC entre millennials do sexo masculino (276) e do sexo feminino
(278) não é estatisticamente significativa. A proximidade relativa nas classificações em literacia dos
jovens do sexo masculino e do sexo feminino contrasta com as avaliações nacionais e internacionais
de crianças em idade escolar, que revelam uma diferença de género favorável às raparigas. 51 Contudo,
48
William H. Frey, entrevista por Tavis Smiley, PBS, 17 de fevereiro de 2015,
http://www.pbs.org/wnet/tavissmiley/interviews /demographerauthor-william-h-frey/.
49
Frey, In the U.S.
50
Kirsch et al., Choosing Our Future; Sean F. Reardon, Demetra Kalogrides, e Ken Shores (2017), The
Geography of Racial/Ethnic Test Score Gaps, Stanford University, Center for Education Policy Analysis,
https://cepa.stanford.edu/content/geography-racialethnic-test-score-gaps.
51
Para os resultados de leitura da NAEP por género, no 12.º ano, ver
https://www.nationsreportcard.gov/reading_math_g12_2015 /#reading?grade=12; Houve quem afirmasse que
a ausência de diferenças entre géneros no PIAAC estaria relacionada com o facto de a literacia, no PIAAC, ser
141
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no que diz respeito à numeracia, no PIAAC, os millennials do sexo masculino obtiveram uma
classificação mais alta do que as suas equivalentes do sexo feminino; e uma percentagem mais
elevada de jovens adultas obteve uma classificação de Nível 1 ou inferior ou de Nível 2, quando em
comparação com a classificação obtida neste domínio pelos jovens do sexo masculino, verificando-
se também uma percentagem mais reduzida de mulheres a obter o Nível 3 ou acima. Esta diferença
no desempenho entre homens e mulheres no que diz respeito à numeracia encontra paralelo no que
acontece em matéria de desempenho internacional dos estudantes dos EUA com 15 anos de idade e
também no que acontece com os alunos do 12.º ano avaliados no quadro nacional. 52
A diferença entre géneros observável na numeracia está relacionada com questões curriculares
e estruturais na educação, com as escolhas profissionais e mesmo com a utilização de competências
no plano profissional, todas questões que exigem mais investigação.53
definida de forma diferente o que é a leitura, ou a compreensão da leitura, na NAEP e no PISA. Ver Oddny
Judith Solheim e Kjersti Lundetræ, "Can Test Construction Account for Varying Gender Differences in
International Reading Achievement Tests of Children, Adolescents and Young Adults? – A Study Based on
Nordic Results in PIRLS, PISA and PIAAC”, Assessment in Education: Principles, Policy & Practice, (2016),
doi:10.1080/0969594X.2016.1239612. https://nces.ed.gov/surveys/pisa/pisa2015 /pisa2015highlights_4c.asp.
52
Para os resultados de matemática do NAEP por género. no 12.º ano, ver
https://www.nationsreportcard.gov/reading_math_g12_2015/#mathematics/gaps. Para os resultados de
matemática do PISA, ver https://nces.ed.gov/surveys/pisa/pisa2015 /pisa2015highlights_5c.asp.
53
OECD Skills Outlook 2013; Danielle J. Lindemann, Gender and Numeracy Skill Use: Cross-National
Revelations from PIAAC (Washington, DC: American Institutes for Research, 2015),
https://ion.workforcegps.org/sitecore/content/sites/strategies/resources/2015/11/24/19/31/Gender-and-
Numeracy-Skill-Use-Cross-National-Revelations-from-PIAAC?p=1; Fogg, Harrington, e Khatiwada, Human
Capital Investments.
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7.2. Raça/Etnicidade
De acordo com os dados do PIAAC, 59% dos millennials inquiridos identificam-se como
brancos, 19% como hispânicos, 14% como negros e 8% como pertencendo a outros grupos étnico-
raciais.54 A Tabela 4 mostra que a probabilidade de os millennials negros terem um desempenho de
Nível 1 ou inferior em literacia é três vezes maior do que a dos millennials brancos, sendo a dos
millennials hispânicos quatro vezes superior. A diferença de 3 pontos percentuais entre negros e
hispânicos que tiveram uma classificação de Nível 1 ou inferior em literacia não é estatisticamente
significativa. No Nível 2, também não se verificou uma diferença estatisticamente significativa no
desempenho de negros e hispânicos (46% e 40%, respetivamente), sendo que os millennials brancos
ou de outros grupos étnico-raciais obtiveram percentagens mais baixas neste nível do que os
millennials negros ou hispânicos. Em numeracia, o padrão de desempenho entre grupos étnico-raciais
é ligeiramente diferente. Embora haja uma percentagem maior de millennials brancos e de outros
grupos raciais (52% e 47%, respetivamente) do que de millennials negros e hispânicos a obter uma
classificação de Nível 3 ou superior (e uma percentagem menor no Nível 1 ou abaixo), não havia
diferença de percentagens entre os grupos étnico-raciais que ficaram classificados no Nível 2.
54
O grupo étnico-racial é uma variável derivada baseada em duas questões sobre raça e etnicidade no PIAAC.
Utilizámos a variável derivada que inclui quatro categorias de raça/etnicidade: branco, negro, hispânico e outro.
Uma segunda variável derivada divide os dados numa quinta categoria, asiático. No entanto, devido às normas
de elaboração deste texto, a utilização desta versão reduziria a nossa capacidade de comunicar dados.
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Deixando por um momento de lado os fatores que subjazem às diferenças significativas entre
o desempenho dos grupos étnico-raciais nas avaliações nacionais e internacionais, os dados do
PIAAC sobre os jovens adultos mostram que, em termos quantitativos, o problema das competências
desadequadas é transversal aos diversos grupos.56 Mais de 16 milhões de millennials brancos
obtiveram classificações de Nível 1 ou inferior ou de Nível 2, em literacia, e 22 milhões obtiveram
tais níveis no domínio da numeracia.
Para dar conta da interseção entre a naturalidade e a língua, a nossa escala utiliza uma variável
55
Ray Chetty, Michael Stepner, Sarah Abraham, Shelby Lin, Benjamin Scuderi, Nicholas Turner, Augustin
Bergeron, e David Cutler, "The Association Between Income and Life Expectancy in the United States, 2001-
2014," Journal of the American Medical Association 315, no. 16, (2016): 1750-1766,
doi:10.1001/jama.2016.4226; Fabian T. Pfeffer e Alexandra Killewald, Generations of Advantage.
Multigenerational Correlations in Wealth from a Life-Course Perspective (2017), https://doi.org/10.1093
/sf/sox086; Martin Carnoy e Emma Garcia, Five Key Trends in U.S. Student Performance (Washington, DC:
Economic Policy Institute, 2017), disponível em http://www.epi.org/publication/five-key-trends-in-u-s-
student-performance-progress-by-blacks-and-hispanics-the-takeoff-of-asians-the-stall-of-non-english-
speakers-the-persistence-of-socioeconomic-gaps-and-the-damaging-effect/; Raj Chetty, Nathaniel Hendren e
Lawrence F. Katz, "The Effects of Exposure to Better Neighborhoods on Children: New Evidence; from the
Moving to Opportunity Experiment," American Economic Review 106, no. 4 (2016): 855-902; Reardon,
Kalogrides, e Shore, Racial/Ethnic Test Score Gaps; Douglas S. Massey e Jonathan Tannen, "Segregation,
Race, and the Social Worlds of Rich and Poor," in The Dynamics of Opportunity in America: Evidence and
Perspectives, ed. Irwin Kirsch e Henry Braun (Nova Iorque: Springer, 2016), 13-33; Gary Orfield, John
Kucsera e Genevieve Siegel-Hawley, E Pluribus ... Separation: Deepening Double Segregation for More
Students, UCLA, The Civil Rights Project, http://escholarship.org/uc/item /8g58m2v9.
56
Sean F. Reardon, "The Widening Academic Achievement Gap between the Rich and the Poor: New Evidence
and Possible Explanations," in Whither Opportunity? Rising Inequality, Schools, and Children's Life Chance
(Nova Iorque: Russell Sage Foundation, 2011), 91-116.
144
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A crescente heterogeneidade da população jovem adulta dos EUA faz parte de um fenómeno
global que marca vários outros países, designadamente muitos países da OCDE. Embora os Estados
Unidos tenham o maior número absoluto de imigrantes, os millennials de língua estrangeira
representam apenas 9% da população total de millennials. Este valor é inferior à percentagem de
millennials de língua estrangeira em vários outros países da OCDE, incluindo, por exemplo, a Áustria
(13%), o Canadá (15%), a Alemanha (11%), a Noruega (14%) e a Suécia (15%) (Tabela A-4,
Anexos). A comparação das competências dos millennials de língua materna com as dos seus
homólogos de um subconjunto de outros países com percentagens semelhantes de millennials de
língua estrangeira revela vários pontos importantes. 57 Em primeiro lugar, na literacia, os millennials
de língua materna dos EUA obtiveram, em média, uma classificação mais elevada do que os seus
homólogos de língua materna em apenas três países (Irlanda, Espanha e Itália). Em segundo lugar,
no domínio da numeracia, os falantes de língua materna dos EUA obtiveram uma classificação média
superior à dos seus homólogos de apenas um país – Espanha. Em terceiro lugar, os millennials de
língua estrangeira nos Estados Unidos obtiveram, em média, resultados mais elevados do que os seus
homólogos de língua estrangeira em apenas três países (Suécia, Espanha e Itália), no caso da literacia,
e em apenas dois países (Espanha e França), no caso da numeracia (Tabela A-5, Anexos).
57
Para efeitos de comparação, analisamos aqui o subconjunto de países da OCDE que têm percentagens iguais
ou superiores de millennials nascidos no estrangeiro/de língua estrangeira. Estes incluem os seguintes países:
Austrália, Áustria, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Espanha,
Suécia e Inglaterra/Irlanda do Norte. Para dados sobre os millennials de língua materna/língua estrangeira
nestes países, consultar os quadros A-4, A-5 e A-6 do Anexo.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
acolhimento.58 Para além da questão das diferenças de desempenho entre os grupos de língua materna
e língua estrangeira, o número de millennials de língua materna dos EUA no grupo com baixos níveis
de competências é visivelmente elevado. Em termos de literacia, quase 8 milhões tiveram um
desempenho igual ou inferior ao Nível 1, com outros 23 milhões a terem um desempenho de Nível
2. Estes números são ainda maiores, mais uma vez, no domínio da numeracia. Cerca de 16,4 milhões
de millennials de língua materna tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, com 24,4
milhões a terem um desempenho de Nível 2 (Tabela 5).
58
Goodman, Sands e Coley, America's Skills Challenge; Jeanne Batalova e Michael Fix, Through an Immigrant
Lens: PIAAC Assessment of the Competencies of Adults in the United States (Washington, DC: Migration
Policy Institute, 2015), http://www.migrationpolicy.org/research/through-immigrant-lens-piaac-assessment-
competencies-adults-united-states; Jeanne Batalova e Michael Fix, Literacy and Numeracy Skills of Second-
Generation Adults: A Comparative Study of Canada, France, Germany the United Kingdom and the United
States (Washington, DC: Migration Policy Institute, 2016),
https://static1.squarespace.com/static/51bb74b8e4b0139570ddf020/t/578d1e95579fb360acc952bf/146886619
8724 /Batalova_Fix_PIAAC.pdf ; Mark Levels, Japp Dronkers e Christopher Jencks, "Contextual Explanations
for Numeracy and Literacy Skill Disparities between Native and Foreign-Born Adults in Western Countries",
PLOS ONE, doi.org/10.1371 /journal.pone*.0172087; John Sabatini, Understanding the Basic Reading Skills
of U.S. Adults: Reading Components in the PIAAC Literacy Survey (Princeton, NJ: Educational Testing
Service, 2015), https://www.ets.org/s/research/report/reading-skills/ets-adult-reading-skills-2015.pdf.
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margens.”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XLVI, pp. 119 - 175
Passamos agora de uma análise do perfil demográfico dos millennials dos EUA e da sua relação
com as competências para uma investigação da forma como o emprego e a participação em atividades
educativas se relacionam com os níveis de competências.
8. Millennials em Transição
De um modo geral, os millennials encontram-se numa fase de transição em termos dos seus
papéis sociais, à medida que se aproximam e avançam na idade adulta; muitos continuam a tentar
concretizar os seus objetivos educativos, a entrar no mercado de trabalho, a constituir o seu primeiro
agregado doméstico e a criar as suas próprias famílias. A investigação em demografia determinou
que a transição para a idade adulta desta população se prolonga frequentemente para além dos 25
anos.59 Há, de facto, um consenso crescente entre os demógrafos de que, desde a década de 1980, os
EUA têm assistido a um padrão de “prolongamento” da transição para a idade adulta, em contraste
com uma fase de transição mais rápida em meados do século XX. No período do pós-Segunda Guerra
Mundial (aproximadamente de 1945 a finais da década de 1970), as forças económicas, políticas e
sociais convergiram para permitir que um maior número de adultos residentes nos EUA, embora
certamente não todos, conseguisse um emprego remunerado ao sair das instituições de ensino
(frequentemente do ensino secundário), casasse em idades mais jovens e constituísse família. Durante
algum tempo, os demógrafos consideraram que se tratava de uma nova norma, que se diferenciava
de um padrão observável no final do século XIX e início do século XX, em que os jovens adultos
faziam a transição para a independência mais lentamente (por exemplo, casando e constituindo
agregados familiares mais tarde). No entanto, quando analisada numa perspetiva mais alargada, esta
fase de transição mais curta dos jovens adultos de meados do século XX parece agora mais o desvio
do que a norma. Os millennials estão, enquanto grupo, a adiar o fim da escolaridade e a constituição
de agregados familiares com um parceiro.60
59
Ver Reid Cramer, "Millennials Rising" e Pew Research Center, disponível em
http://www.pewresearch.org/topics/millennials/.
60
Jordan Stanger-Ross, Christina Collins e Mark J. Stern, "Falling Far from the Tree: Transitions to Adulthood
and the Social History of Twentieth-Century America", Social Science History 29, no. 4 (2005): 625-648.
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desempregados e não estavam inscritos no ensino representavam quase o dobro da percentagem (26%
em literacia e 47% em numeracia) no Nível 1 ou abaixo deste, em comparação com os millennials
em geral (14% em literacia e 25% em numeracia). Estes dados corroboram em grande medida as
conclusões da literatura que se debruça sobre a “desconexão”, e que este artigo anteriormente referiu.
De um modo geral, aqueles que não têm laços com o mercado de trabalho e a educação representam
alguns dos nossos jovens adultos mais vulneráveis e correm um risco maior de ter resultados
negativos na vida.61
61
Congressional Research Service, Disconnected Youth.
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LITERACIA
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NUMERACIA
Os dados do PIAAC assinalam, no entanto, que ter um emprego não garante, por si só, a posse
de competências. Nem tampouco o garantem, aparentemente, algumas vias do ensino secundário e
pós-secundário formal. As Tabelas 7 e 8 permitem-nos ver os dados de forma ligeiramente diferente,
e destacar a questão da conexão - tanto à educação como ao emprego -, na sua relação com as
competências. Nestas tabelas, as percentagens são calculadas com base no número total em cada
nível de competências, e não numa categoria de emprego/educação, como era o caso na Tabela 6.
Quando o fazemos, observamos que, dos cerca de 10,4 milhões de millennials que tiveram um
desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia, 30% – ou aproximadamente 3,1 milhões –
estavam inscritos na educação formal/em programas certificados. Relativamente à numeracia, dos
cerca de 19,4 milhões de millennials que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, cerca
de 35% deles, ou seja, 6,9 milhões, estavam matriculados no ensino na altura de realização do
inquérito do PIAAC.
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Igualmente surpreendente, porém, é que 34% dos que tiveram um desempenho igual ou
inferior ao Nível 1 em literacia, e 37% dos que tiveram os mesmos resultados em numeracia, estavam
de facto inscritos no ensino formal e tinham o ensino secundário/frequência do ensino superior (não
diplomados). Além disso, dos millennials que obtiveram resultados de Nível 2, 42%, na literacia, e
62
Sabatini, Basic Reading Skills.
63
Russell W. Rumberger e Sun Ah Lim, Why Students Drop Out of School: A Review of 25 Years of Research,
Vol. 15 (Santa Barbara, CA: California Dropout Research Project Report, 2008).
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Os dados do PIAAC vão ao encontro, neste ponto, de uma série de trabalhos académicos acerca
das diferenças relevantes nos tipos e na qualidade dos programas de educação/certificação/formação
oferecidos aos millennials, e assinalam que, num país tão grande e diversificado como os Estados
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Unidos da América, o ensino pós-secundário está “longe de ser um produto padronizado”. 64 Além
disso, estas conclusões vão ao encontro de uma literatura robusta que analisa a questão da equidade
no que respeita ao ensino superior. Estudos recentes documentaram que muitos dos que iniciam o
ensino superior e não o terminam, bem como muitos dos que frequentam instituições com fins
lucrativos não regulamentadas, começam e terminam frequentemente em clara desvantagem. É
provável que a complexa interação entre as disparidades étnico-raciais e de rendimento esteja aqui,
de várias formas, em jogo.65 Por exemplo, em média, os estudantes negros e com baixos rendimentos
contraem mais empréstimos – e com maior frequência – do que os estudantes brancos e com
rendimentos mais elevados, para pagarem a sua licenciatura, mesmo em instituições públicas.
Além disso, o endividamento dos estudantes negros e com rendimentos mais baixos para
obterem graus de “associado” [NT: grau de ensino pós-secundário obtido ao fim de dois ou três anos,
abaixo do nível da licenciatura] e graus em instituições de ensino superior com fins lucrativos
aumentou na última década, apesar de alguns destes graus conferirem muitas vezes poucas
competências e escassas perspetivas de emprego.66 A dívida estudantil contraída para pagar estes
graus é também muitas vezes diferenciada em função do rendimento e da raça/etnia, colocando
demasiados millennials e suas famílias em situação de risco face a outras dificuldades económicas
no futuro.67
O número de millennials ligados nos EUA ao mercado de trabalho e com baixo desempenho é
outro aspeto da questão relacionada com a noção de “conexão” que merece uma análise mais
aprofundada. Também neste caso, especialmente num mercado de trabalho como o dos
Estados Unidos, que tem uma grande proporção de empregos na extremidade inferior do espectro
64
Fogg, Harrington e Khatiwada, Human Capital Investments.
65
Raj Chetty, John N. Friedman, Emmanuel Saez, Nicholas Turner e Danny Yagan (2017), Mobility Report
Cards: The Role of Colleges in Intergenerational Mobility, NBER Report No. w23618 (Cambridge, MA:
National Bureau of Economic Research, 2017); Harry J. Holzer, "Improving Opportunity Through Better
Human Capital Investments for the Labor Market", in The Dynamics of Opportunity in America: Evidence and
Perspectives, ed. Irwin Kirsch e Henry Braun (Nova Iorque: Springer, 2016), 387-412; Margaret Cahalan e
Laura Perna, "Indicators of Higher Education Equity in the United States: 45 Year Trend Report," Pell Institute
for the Study of Opportunity in Higher Education (Filadélfia: Pell Institute for the Study of Opportunity in
Higher Education, 2015), https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED555865.pdf.
66
Sara Goldrick, Robert Kelchen e Jason Houle, "The Color of Student Debt: Implications of Federal Loan
Program Reforms for Black Students and Historically Black Colleges and Universities" (Madison, WI:
Wisconsin HOPE Lab, 2014); Mark Huelsman, The Debt Divide: The Racial and Class Bias Behind the 'New
Normal' of Student Borrowing (Nova Iorque: Demos, 2015), http://www.demos.org/publication/debt-divide-
racial-and-class-bias-behind-new-normal-student-borrowing.
67
Judith Scott-Clayton e Jing Li, Black-White Disparity in Student Loan Debt More than Triples after
Graduation, Evidence Speaks Report (Washington, DC: Brookings Institution, 2016); Rumberger e Lim, Why
Students Drop Out.
153
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de competências, o facto de ter um emprego não protege de forma alguma os indivíduos da exposição
às dificuldades associadas às baixas competências.68 De facto, como um estudo demonstrou, embora
muitos indivíduos com baixas competências tenham elevada probabilidade de estar empregados nos
Estados Unidos, este emprego muitas vezes não oferece grande proteção. As pessoas empregadas
com baixas competências correm maior risco de evicção do mercado de trabalho em caso de recessão
económica, bem como de recebimento de salários baixos, não se encontrando muitas vezes em
condições de melhorar as suas competências. 69 Dos cerca de 10,4 milhões de millennials que tiveram
em literacia um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, quase dois terços (65%) estavam
empregados a tempo inteiro (43%) ou a tempo parcial (22%) (Tabela 9). Isto significa que
aproximadamente 6,7 milhões de millennials com alguma ligação ao mercado de trabalho podem ter
dificuldades decorrentes das baixas competências de literacia, como as que resultem de dificuldades
em ajuizar, comparar ou contrastar a informação fornecida. Quando olhamos para o desempenho no
domínio da numeracia, os números são ainda mais impressionantes: estima-se que 12 milhões de
millennials que trabalham a tempo inteiro ou parcial possam ter dificuldades relacionadas com as
baixas competências de numeracia, tais como as que decorrem de dificuldades para identificar e fazer
operações com base em informações e ideias numéricas – mesmo quando estas estão inseridas em
contextos comuns, em que o conteúdo é bastante explícito ou visual e a informação é transmitida
com poucas distrações.
68
C. Brett Lockard, Occupational Employment Projections to 2020 (Washington, DC: Bureau of Labor
Statistics, 2012), https://www.bls.gov/opub/mlr/2012/01/art5full.pdf ; OECD Skills Outlook 2013.
69
OECD, Time for the U.S.
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A ligação entre competências e salários tem sido bem documentada em inquéritos e pesquisas
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sobre o mercado de trabalho, e os dados do PIAAC estão em linha com as conclusões gerais. Tal
como será demonstrado num próximo texto, existe uma forte associação entre uma maior capacidade
produtiva dos trabalhadores, níveis mais elevados de escolaridade e níveis mais elevados de
proficiência em literacia e numeracia. Estes fatores traduzem-se geralmente em "melhores resultados
em termos de emprego e de rendimentos nos mercados de trabalho dos EUA", onde as vantagens em
termos de rendimentos, para os adultos com idades compreendidas entre os 25 e os 65 anos,
associadas a elevados níveis de competências de literacia e numeracia, são bastante significativas. 70
Isto também se observa nos dados do PIAAC relativos aos jovens adultos: os que têm níveis de
competências mais baixos ganham menos. Cerca de três quartos, ou 76%, dos que obtiveram uma
pontuação igual ou inferior ao Nível 1 na escala de literacia do PIAAC tinham ganhos situados nos
dois quintis mais baixos de rendimento, ou seja, menos de 2.300 dólares mensais e menos de 28.000
dólares anuais (Tabela A-8, Anexo). Além disso, muitos destes millennials estão confinados a
empregos pouco qualificados e com salários baixos.
A investigação atual sobre o trabalho, que recorre aos dados do PIAAC, demonstra que,
embora se verifique alguma melhoria de competências relacionadas com o emprego, as empresas
tendem a dar prioridade às oportunidades de formação adicional para os principais gestores e
funcionários, e não para os seus trabalhadores menos qualificados. 71 Um relatório da Coligação
Nacional para as Competências [National Skills Coalition] revelou também que muitos adultos com
empregos pouco qualificados no setor dos serviços nos Estados Unidos da América não possuem as
competências de literacia e numeracia necessárias para aproveitar plenamente as oportunidades de
progredir nas empresas do setor dos serviços, o que cria "um entrave invisível à produtividade e à
mobilidade dos trabalhadores". 72 Para além do benefício óbvio do aumento dos salários e das
perspetivas educativas, há uma série de outras vantagens para os trabalhadores que têm acesso a
melhores oportunidades de emprego (por exemplo, planos de poupança-reforma, cuidados de saúde
acessíveis, baixa médica paga, etc.). Embora o último inquérito do PIAAC não tenha medido todos
estes indicadores de benefícios laborais, os dados confirmam que os millennials com menor
desempenho têm menos probabilidades de ter um seguro de saúde do que os seus equivalentes mais
qualificados (Tabela A-9, Anexo).
70
Fogg, Harrington e Khatiwada, Human Capital Investments. Para adultos com idades compreendidas entre
os 25 e os 65 anos, Fogg, Harrington e Khatiwada mostraram que, para cada dólar ganho pelos trabalhadores
no nível de proficiência mais baixo, os seus homólogos no nível 4/5 ganhavam 2.28 dólares.
71
Raymond J. Wlodkowski e Margery B. Ginsberg, Teaching Intensive and Accelerated Courses: Instruction
that Motivates Learning (Hoboken, NJ: John Wiley and Sons, 2010); OECD Skills Outlook 2013; Amanda
Bergson-Shilcock, Foundational Skills in the Service Sector (Washington, DC: National Skills Coalition,
2017), http://www.nationalskillscoalition.org/news/blog/nscs-new-report-explores-role-of-skill-building-for-
service-sector-workers.
72
Bergson-Shilcock, Foundational Skills.
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9. Capital social
No final do século XIX – o início da era moderna –, o filósofo francês Émile Durkheim
preocupava-se muito com a erosão das ligações entre os indivíduos e a sociedade. Ele acreditava que
o indivíduo e a sociedade estavam tão fortemente ligados que estudou especificamente a forma como
as taxas de suicídio – na variante a que chamou "suicídio anómico" – estariam ligadas ao nível de
desintegração social. É curioso – e assustador – que os investigadores e os meios de comunicação
social tenham começado a documentar um novo fenómeno nos Estados Unidos da América: o
aumento dos suicídios (sobretudo entre as pessoas com baixos níveis de escolaridade – a única forma
de medição das competências utilizada nestes estudos), fenómeno que passou a ser conhecido como
o das "mortes por desespero".74 Angus Deaton e Anne Case, autores de um estudo sobre o aumento
73
Fogg, Harrington e Khatiwada, Human Capital Investments; Henry Braun, How Long is the Shadow? The
Relationships of Family Background to Selected Adult Outcomes—Results from PIAAC (no prelo).
74
Para o estudo pioneiro sobre a mortalidade e a morbosidade no século XXI, ver Anne Case e Angus Deaton,
"Rising Morbidity and Mortality in Midlife among White Non-Hispanic Americans in the 21st Century",
Proceedings of the National Academy of Sciences 112, no. 49 (2015): 15078-15083. Para uma discussão desta
questão relativamente aos millennials, ver Jeanna Smialek, "Young White America Is Haunted by a Crisis of
Despair," Bloomberg, 18 de abril de 2017, https://www.bloomberg.com /news/features/2017-04-18/young-
white-america-is-haunted-by-a-crisis-of-despair; Anne Case e Angus Deaton, Mortality and Morbidity in the
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da taxa de mortalidade entre os indivíduos brancos de meia-idade com menos do que o ensino
secundário nos EUA, reconhecem que a preocupação se deve estender, de facto, à população da
chamada geração millennial: "A América não é um bom lugar para pessoas que têm apenas o ensino
secundário", observa Case, "e não creio que isso vá melhorar tão cedo". 75 O grande número de
millennials com baixos níveis de competências, juntamente com a complexa e importante relação
entre competências e aquilo a que os investigadores chamam "capital social", tem claramente
consequências profundas e de grande alcance.
A forma como as competências interagem com o capital social é uma questão decisiva e
complexa. A OCDE promoveu uma iniciativa para examinar os padrões de confiança, uma
componente importante do capital social, nos seus países membros, na sequência da crise financeira
mundial de 2008. Num relatório de 2015, surgem provas de que as nações com competências
cognitivas gerais mais elevadas apresentavam níveis de confiança mais elevados. 76 Em 2014, Patrícia
Dinis da Costa et al., do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, analisou a relação
entre educação, competências e bem-estar social, numa seleção de países da União Europeia que
participaram no PIAAC. Os seus resultados indicam que "as competências e capacidades dos
indivíduos são fundamentais para uma participação efetiva e proveitosa na vida social e económica
nas atuais economias globalizadas”. 77
que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 (76% em literacia e 77% em numeracia)
afirmaram que concordavam, ou concordavam totalmente, com a afirmação de que "São poucas as
pessoas em quem se pode confiar totalmente" (Tabela 10). Estas percentagens são mais elevadas do
que as dos que tiveram um desempenho igual ou superior ao Nível 3 (65% em literacia e 62% em
numeracia). Além disso, 82% das pessoas que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1
em literacia e 84% em numeracia, concordaram ou concordaram totalmente que "Se não tivermos
cuidado, as outras pessoas aproveitam-se de nós" – um número que também é superior ao das pessoas
que tiveram um desempenho igual ou superior ao Nível 3 em ambos os domínios (74% e 72% em
literacia e numeracia, respetivamente). De acordo com o Pew Reasearch Center, "as pessoas que se
sentem vulneráveis ou, por qualquer razão, em desvantagem acham que é mais arriscado confiar,
porque estão menos capacitadas para lidar com as consequências de uma confiança mal depositada”.79
Estes dados sobre a confiança devem ser vistos como particularmente alarmantes, sobretudo no que
diz respeito a uma população que está a entrar na idade adulta.
A investigação também mostra que os níveis de confiança estão correlacionados com a doação
graciosa de tempo e dinheiro.80 As taxas de voluntariado foram apuradas no PIAAC através de uma
questão que perguntava aos participantes: "Nos últimos 12 meses, com que frequência, se alguma,
fez trabalho voluntário, incluindo trabalho não remunerado para uma instituição de caridade, partido
político, sindicato ou outra organização sem fins lucrativos?". Espelhando os resultados relativos à
confiança, 63% das pessoas com um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia, e 57% em
numeracia, afirmaram nunca fazer trabalho voluntário, enquanto somente 35% das pessoas com um
desempenho igual ou superior ao Nível 3 em literacia, e 33% em numeracia, afirmaram nunca fazer
trabalho voluntário.
Os adultos que participaram no PIAAC também foram inquiridos acerca do seu nível de
eficácia política ("As pessoas como eu não têm nada a dizer sobre o que o governo faz"). Mais uma
vez, tal como observámos com as medidas de confiança, os millennials com menos competências
eram mais propensos a mostrar atitudes desfavoráveis relativamente a este aspeto do capital social.
De facto, os millennials com um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 tinham uma probabilidade
20 pontos percentuais superior, no caso da literacia, e 17 pontos percentuais superior, no caso da
numeracia, de acreditar que "não têm nada a dizer sobre o que o governo faz”, por comparação com
os que tinham um desempenho igual ou superior ao Nível 3. Dada a forte correlação entre
competências e rendimentos, a afirmação resumida de Robert Putnam sobre a divisão entre
privilegiados e desfavorecidos, em termos de impacto no governo, aplica-se provavelmente neste
79
Pew Research Center, Millennials in Adulthood: Detached from Institutions, Networked with Friends, 2014,
http://www.pewsocialtrends.org/2014/03/07/millennials-in-adulthood/.
80
Wilkinson and Pickett, Spirit Level.
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caso: "Os jovens ricos estão mais confiantes de que podem influenciar o governo e, em grande
medida, têm razão. Não é de surpreender que os miúdos pobres tenham menos probabilidades de
tentar fazê-lo”.81
Os dados do PIAAC relacionados com o capital social – confiança social, eficácia política e
participação cívica – permitem matizar um padrão geral referido noutros inquéritos e investigações.
Os dados do Pew Research Center confirmam que, enquanto grupo, os millennials têm menos
probabilidades do que as gerações mais velhas de possuir filiações sociais e políticas e de confiar nas
instituições públicas. 82 O Pew Research Center atribuiu parte da responsabilidade pelo fosso entre os
grupos à maior percentagem de minorias e de pessoas com um estatuto socioeconómico mais baixo
entre os grupos mais jovens; embora seja plausível, outra razão para os baixos níveis de confiança
entre a população milennial (ou partes dela) pode também residir na relação complexa entre níveis
de competências, oportunidades e resultados obtidos na vida.
Tabela 10: Percentagem de millennials nos níveis de proficiência selecionados nas escalas de
literacia e numeracia do PIAAC, por indicadores de coesão social: 2012/2014.
81
Robert D. Putnam, Our Kids: The American Dream in Crisis (Nova Iorque: Simon and Schuster, 2016), 235.
Para mais informação sobre millennials e padrões de voto, ver Richard Fry, Millennials Match Baby Boomers
as Largest Generation in U.S. Electorate, But Will They Vote?, Facttank (Washington, DC: Pew Research
Center, 2016),http://www.pewresearch.org/fact-tank/2016/05/16/millennials-match-baby-boomers-as-largest-
generation-in-u-s-electorate-but-will-they-vote/.
82
Millennials in Adulthood.
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Como ler este gráfico: Este gráfico mostra a percentagem de millennials com três níveis de
proficiência (igual ou inferior ao Nível 1, Nível 2 e igual ou superior ao Nível 3) em literacia e
numeracia, numa série de questões do questionário-base do inquérito do PIAAC. Atentando à
primeira questão cujos dados são aqui apresentados – "Existem poucas pessoas em quem se pode
confiar plenamente" –, os dados do PIAAC mostram que 76% dos millennials com um desempenho
igual ou inferior ao Nível 1 em literacia concordaram, ou concordaram totalmente, que existem
poucas pessoas em quem podem confiar plenamente. Três quartos (75%) dos millennials que se
classificaram no Nível 2 concordam ou concordam totalmente que há poucas pessoas em quem
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podem confiar totalmente, o que, mais uma vez, é significativamente diferente da percentagem que
afirmou concordar, ou concordar totalmente, com esta afirmação, e que tinha competências no Nível
3 ou superior.
10. Implicações
Quase metade dos millennials dos EUA – cerca de 36 milhões – está a tentar fazer a transição
para a vida adulta com baixos níveis de competências em literacia, e mais de metade – cerca de 46
milhões – está a fazê-lo com baixos níveis de competências em numeracia. Os millennials com baixas
83
Thomas L. Friedman, The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-First Century (Nova Iorque: Farrar,
164
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de enorme alcance teve consequências significativas por todo o lado; nos Estados Unidos da América,
tal mudança também teve impacto em muitos aspetos da vida, mas talvez tenham sido mais evidentes
os seus efeitos na natureza do trabalho e nas competências que passaram a ser necessárias. Esta nova
economia diferia em aspetos importantes da economia de crescimento acelerado do período pós-
Segunda Guerra Mundial nos EUA, quando as oportunidades eram abundantes para um vasto leque
da população. Atualmente, porém, há menos oportunidades sustentáveis para quem não possui
competências de nível superior. E o trabalho que está disponível para a população pouco qualificada
tem muitas vezes os seus próprios riscos. Muitos dos empregos pagos à hora, no setor em expansão
dos serviços – onde muitos dos que possuem baixos níveis de competências encontram emprego –,
não oferecem seguro de saúde, benefícios de reforma, salários sustentáveis, nem mesmo horários
estáveis. Para piorar a situação, embora as taxas de escolarização – tanto no ensino secundário, como
em muitas modalidades de ensino pós-secundário – tenham aumentado,84 muitos jovens adultos que
obtiveram, ou estão a obter, esses diplomas não têm as competências essenciais para progredir
economicamente, e podem estar, para além disso, sobrecarregados com dívidas relativas ao ensino
pós-secundário que frequentaram ou frequentam. Por outras palavras, o que se verifica é que um
número considerável de millennials com um nível de competências baixo está efetivamente
empregado ou matriculado no ensino. A definição de conexão simplesmente como uma associação
ao emprego e à educação esconde, portanto, uma realidade mais incómoda. As desvantagens estão a
aumentar para demasiados millennials nos EUA – incluindo alguns dos que estão “conectados”, no
sentido mais tradicional.
O facto de tantos dos nossos jovens adultos terem baixos níveis de capital humano não coloca
em risco apenas a capacidade de algumas pessoas terem sucesso no mercado de trabalho. Ameaça
também as nossas tradições e instituições democráticas fundamentais. Um importante
constitucionalista, Ganesh Sitaraman, defende que "a Constituição Americana assenta no pressuposto
de que a nação tem uma relativa igualdade económica – uma classe média forte, sem riqueza ou
pobreza extremas, e com oportunidades económicas". 85 Afirma ainda que, "em contraste com dois
milénios de constituições assentes na desigualdade de classes, a nossa Constituição foi forjada, em
parte, na tentativa de reconstruir o destino económico das pessoas comuns". 86 Barry C. Lynn, que
escreve acerca dos perigos da consolidação do poder das empresas, referiu-se recentemente a esta
questão quando afirmou que, no fundo, os autores da Constituição se esforçaram por construir uma
Straus and Giroux, 2005) [Trad: O Mundo é Plano: Uma Breve História do Século XX, Actual, 2006].
84
Educational Attainment of Young Adults, The Condition of Education, última modificação em abril de 2017,
https://nces.ed.gov/programs /coe/indicator_caa.asp.
85
Ganesh Sitaraman, The Crisis of the Middle-Class Constitution: Why Economic Inequality Threatens our
Republic (Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 2017), 8.
86
Ibid., 10.
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sociedade em que os cidadãos tivessem a "capacidade de se envolver numa conversa aberta e com
vista a tomar decisões uns com os outros, para que pudessem efetivamente tomar ... decisões
quotidianas acerca de como manter a sociedade”. 87 É verdade que, no entendimento dos autores da
Constituição, a noção de igualdade de condições se aplicava apenas à população branca de
ascendência europeia, mas é igualmente verdade que se tratava de um rutura espantosa e radical com
as sociedades europeias de final do século XVIII, uma rutura que permitiu a expansão da comunidade
política. O que observamos nos dados relativos às competências pode ser lido como parte desta
narrativa mais alargada, que está profundamente ancorada na nossa tradição política. A literacia e os
conhecimentos adquiridos através dela podem ser vistos como essenciais para a aquisição e
manutenção da igualdade económica e de uma cidadania informada e empenhada. As duas coisas
andam de mãos dadas. Se não forem controladas, as disparidades nas competências dos nossos jovens
adultos só irão aprofundar a desigualdade e a anomia social, que Durkheim tanto temia.
Em textos como este, é comum esperar recomendações políticas conducentes à resolução dos
problemas identificados. Apesar de todos os conhecimentos que os dados do PIAAC nos oferecem,
o seu verdadeiro poder reside na capacidade de nos esclarecer acerca do ponto em que estamos e,
portanto, para onde nos dirigimos se não mudarmos de rumo. Os autores de um relatório recente do
Educational Testing Service (ETS), Choosing Our Future: A Story of Opportunity in America
[Escolher o Nosso Futuro: Uma História das Oportunidades na América], analisaram de forma
abrangente a questão da desigualdade de oportunidades e defenderam que nos encontramos num
momento decisivo, que exige que "desenvolvamos forças de compensação suficientemente fortes",
de modo a interromper a tendência atual. Para o fazer, será necessário um quadro de ação que, no
essencial, se dirija a um "esforço coerente e sustentado por parte de todos – indivíduos, organizações
e associações comunitárias, organizações não-governamentais, instituições religiosas, empresas e
todos os níveis de governo".88 Parece efetivamente haver um reconhecimento cada vez maior de que,
para alargar verdadeiramente as oportunidades, é necessária uma ação que englobe toda a
multiplicidade de sistemas económicos e sociais interligados, que moldam as nossas vidas, em
particular a educação, a habitação, o governo, a comunidade e a família. 89 No entanto, com demasiada
frequência, as soluções destinadas a resolver as desigualdades em termos de capital humano
87
"Economic Equality and the Constitution," entrevista a Barry Lynn e Ganesh Sitaraman por Jeffrey Rosen,
National Constitution Center, 6 de abril de 2017, https://constitutioncenter.org/blog/video-economic-equality-
and-the-constitution.
88
Kirsch et al., Choosing our Future, 39.
89
Ver, por exemplo, Emma García e Elaine Weiss, Reducing and Averting Achievement Gaps, Economic Policy
Institute/Broader Bolder Approach to Education, setembro de 2017; Stanford Center on Poverty and Inequality,
ed. State of the Union: The Poverty and Inequality Report, special issue, Pathways; Opportunity,
Responsibility, and Security: A Consensus Plan for Reducing Poverty and Restoring the American Dream,
AEI/Brookings, 2015, https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2015/12/full-report.pdf
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enquadram-se apenas no contexto dos sistemas educativos. Só é possível obter melhorias reais
quando se compreende a amplitude total do problema, e se procura um esforço coordenado,
consciente da forma como adquirimos e estimulamos o capital humano ao longo da vida e o
prolongamos para as gerações futuras. Neste ponto, vem-nos à memória a declaração de James
Baldwin acerca das relações raciais na década de 1960: "Nem tudo o que é enfrentado pode ser
mudado, mas nada pode ser mudado até ser enfrentado”.
Para além disso, está a tornar-se cada vez mais claro que aqueles que deixamos cair ou ficar
para trás, não são tanto "eles”, mas são antes "nós". De formas que podem não ser totalmente
evidentes, particularmente em tempos de convulsão social, as pessoas nos EUA estão
indissociavelmente ligadas umas às outras, mesmo quando se estão a afastar. Dependemos daqueles
que estão no mercado de trabalho para ganhar salários que lhes permitam comprar bens, e assim
viabilizar outras indústrias; temos um Estado social com sistemas que dependem do rendimento dos
adultos em idade ativa (Segurança Social, assistência social, Medicaid); e dependemos dos impostos
dos adultos que trabalham para financiar programas públicos a nível nacional, estatal e local. A frase
"a maré cheia levanta todos os barcos" foi popularizada durante a “Era da Afluência”, nos Estados
Unidos da América do pós-Segunda Guerra Mundial, para significar que as mudanças positivas na
economia deveriam e iriam ter um efeito de subida de maré, empurrando os necessitados para cima,
juntando essencialmente os que têm mais oportunidades e os que têm menos, numa aventura
conjunta, embora idealizada. 90 Mas a “Era da Afluência”, que tinha no seu centro uma classe média
alargada, apoiada em competências que eram bem remuneradas no mercado de trabalho, pertence ao
passado. A nossa tarefa agora é reafirmar um contrato partilhado que persista mesmo quando a maré
está baixa. Temos, então, e acima de tudo, de encarar o nosso destino como estando associado ao
destino dos outros.
Agradecimentos
As autoras desejam agradecer as contribuições de muitos indivíduos que desempenharam um
papel importante na preparação deste texto. Em primeiro lugar, as autoras querem agradecer aos
seguintes revisores, pelos seus comentários e sugestões atenciosas: T. J. Elliott, Patrick Kyllonen,
Eugene Gonzalez e John Sabatini, do Educational Testing Service (ETS); e Richard Murnane, da
Harvard Graduate School of Education. As autoras querem ainda agradecer a Irwin Kirsch, do ETS;
Henry Braun, da Lynch School of Education do Boston College; Richard Coley (reformado, ETS); e
Neeta Fogg, Paul Harrington e Ishwar Khatiwada, do Center for Labor Markets and Policy, na
Universidade de Drexel, pela resposta atenciosa que deram ao artigo. Todos aqueles que leram o
90
Discurso de John F. Kennedy, Heber Springs, AR, 3 de outubro de 1963,
http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=9455.
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artigo fizeram comentários proveitosos, mas todos os erros factuais ou de interpretação são da
responsabilidade das autoras. Também estamos agradecidas a Larry Hanover, Shelley Keiper e Janice
Lukas pela ajuda na edição e nos dados. Por fim, agradecemos o apoio à produção prestado por Nicole
Fiorentino, Phillip Leung e Darla Mellors.
Disclaimer
Copyright © 2017 and 2023 ETS. www.ets.org. Translated from English to Portuguese. Too Big to
Fail: Millennials on the Margins is reprinted by permission of ETS, the copyright owner.
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Anexos
Anexo A: Dados detalhados [As tabelas podem ser consultadas no artigo original, disponível em
https://www.ets.org/Media/Research/pdf/TooBigToFail.pdf]
Anexo B: Níveis de proficiência do PIAAC91 [As informações podem ser consultadas no artigo
original, disponível em https://www.ets.org/Media/Research/pdf/TooBigToFail.pdf]
Anita M. Sands (autor para correspondência). Lead Policy Research Analyst/Author no ETS –
Educational Testing Service, EUA. Educational Testing Service, 660 Rosedale Road, Princeton, NJ
08541-0001, USA. E-mail: [email protected].
91
As informações sobre os procedimentos utilizados para estabelecer os níveis de desempenho estão
disponíveis no Technical Report of the Survey of Adult Skills (PIAAC) (Paris: OECD Publishing, 2013). Ver
também OECD Skills Outlook 2013.
175
HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183
DOI: https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2023a7
Por
João Queirós
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Subcoordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal
e
Luís Rothes
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
inED – Centro de Investigação e Inovação em Educação
Coordenador do Grupo de Projeto do PIAAC em Portugal
Laura Halderman e Irwin Kirsch são duas figuras de proa do Consórcio Internacional que
coordena, para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o
desenvolvimento das componentes principais do Programa Internacional para a Avaliação das
Competências dos Adultos (PIAAC). Especialistas na conceção, coordenação e desenvolvimento de
estudos educacionais comparativos de grande escala, Halderman e Kirsch exploram, neste artigo,
resultante de uma entrevista escrita realizada exclusivamente para este número especial de
Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, os grandes desafios e as
implicações fundamentais associadas à concretização daquela que é a maior iniciativa mundial de
investigação no domínio da educação e avaliação de competências das pessoas adultas 1.
1
Tradução de João Queirós.
176
HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183
Decorre nesta altura o Ciclo 2 do PIAAC. Quais são as principais inovações metodológicas e
técnicas deste segundo Ciclo, por comparação com o primeiro, realizado há já mais de uma década?
Estamos muito entusiasmados com os esforços feitos para avaliar de forma mais minuciosa
as competências de literacia e numeracia nos níveis mais baixos de proficiência. No Ciclo 1, uma
percentagem significativa da população-alvo do PIAAC obteve uma pontuação na avaliação de
competências que a situou na categoria “Abaixo do Nível 1”, quer em literacia, quer em numeracia,
mas não havia muitos itens disponíveis para descrever adequadamente as competências destes
inquiridos. Neste Ciclo, houve um esforço específico para acrescentar itens relativos aos níveis de
proficiência “Abaixo do Nível 1” e “Nível 1” aos conjuntos de itens de avaliação da literacia e da
numeracia. Há também uma medida totalmente nova de “Componentes de Numeracia”, e
incorporámos integralmente uma medida de “Componentes de Leitura” do Ciclo 1 no desenho da
avaliação promovida no Ciclo 2. Ambas as medidas de componentes estão centradas nas
competências essenciais associadas a cada um dos domínios respetivos. As tarefas das “Componentes
de Numeracia” focam-se no sentido numérico e as tarefas das “Componentes de Leitura” focam-se
em desafios simples de compreensão leitora. Para os adultos com competências médias e elevadas de
numeracia e literacia, estas tarefas são tipicamente muito fáceis e rápidas de completar. No entanto,
para os adultos com menos competências, estas tarefas podem ser mais difíceis e cada item pode
demorar mais tempo a realizar. Estas novas tarefas, e a sua plena integração no desenho da avaliação
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HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183
direta incluída no Inquérito às Competências dos Adultos neste segundo Ciclo do PIAAC, permitir-
nos-ão integrar estes itens nas escalas de literacia e numeracia, algo que, por seu turno, nos permitirá
utilizar estes itens para descrever as competências de literacia e numeracia nos segmentos inferiores
das escalas de proficiência. Isto é efetivamente empolgante para nós, porque consideramos que os
adultos com níveis muito baixos de proficiência em literacia e numeracia correspondem, em larga
medida, às pessoas mais vulneráveis numa sociedade e que mais precisam de recursos. Os dados do
PIAAC ajudarão os países a compreender melhor quem são estes adultos, como podem ser apoiados
e que programas podem ser criados para melhorar as suas competências. Os dados do PIAAC também
podem ajudar a revelar problemas sistémicos que contribuem para a persistência de níveis de
competências baixos e onde e como fazer alterações para melhorar a aquisição de competências ao
longo dos percursos educativos e para além deles.
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HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183
E quais têm sido as principais dificuldades associadas à concretização deste segundo Ciclo do
PIAAC?
Portugal está a participar pela primeira vez neste estudo. Considerando a vossa experiência no
PIAAC, e sabendo o que resultou e está a resultar do seu primeiro Ciclo, quais consideram poderem
vir ser os principais impactos para Portugal resultantes da participação do país no Programa?
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HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183
como internacionais, focados na avaliação das competências de estudantes e pessoas adultas é uma
prova deste ponto de vista. Na nossa opinião, este crescimento reflete não só o reconhecimento da
importância crescente das competências cognitivas (como as que são medidas no PIAAC), mas
também o valor conferido à avaliação comparativa das performances dos adultos em Portugal e em
comparação com outros países e economias participantes no estudo. Nesta perspetiva, o PIAAC foi
concebido para fornecer a cada país participante dados relevantes, comparáveis e interpretáveis,
referentes tanto à situação do país como à sua posição no cenário internacional.
Feita esta introdução, quais são, então, algumas das formas através das quais estes dados
podem produzir impacto em Portugal? Transformar estes dados em relatórios e documentos de
política contribuirá para uma compreensão mais aprofundada da distribuição das competências de
literacia, numeracia e resolução de problemas em Portugal. Será possível analisar a forma como estas
competências estão distribuídas em geral, bem como por várias características demográficas, como
o género, a idade, o nível de escolaridade e uma série de variáveis relativas ao mercado de trabalho.
Portugal também poderá examinar a variabilidade existente entre os melhores e os piores
desempenhos nas três escalas de proficiência. Alguns economistas do trabalho veem estas diferenças
como indicadores de desigualdade. Reportando-nos ao nosso caso, utilizámos o PIAAC e outros
dados de avaliações de grande escala para desenvolver um número significativo de relatórios de
política, um dos quais foi traduzido e republicado no presente número desta Revista2.
Para além dos dados em si, o PIAAC fornece a todas as partes interessadas quadros de
referência que definem operacionalmente os constructos cognitivos. A compreensão acerca destes
constructos e da forma como são avaliados possibilita aos investigadores uma compreensão mais
aprofundada sobre a gama de competências avaliadas e as suas ligações a uma variedade de resultados
de vida. Esta informação pode então ser utilizada para examinar as lacunas de aprendizagem que
2
Ver o artigo de Anita M. Sands e Madeline Goodman publicado no presente número de Sociologia: Revista
da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
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HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
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possam existir entre vários subgrupos. Por exemplo, o desempenho médio de um país pode ser
importante, mas precisa de ser mais bem compreendido à luz das lacunas que possam existir entre os
vários subgrupos populacionais do país. Na nossa perspetiva, o desenvolvimento de uma
compreensão mais profunda daquilo que é avaliado e da forma como o que é avaliado se relaciona
com as lacunas de competências e outros resultados pode contribuir para o desenvolvimento de
intervenções mais eficazes.
Finalmente, diríamos que Portugal terá, com a participação no Ciclo 2 do PIAAC, o seu
primeiro ponto de referência para fornecimento de informações de base sobre a distribuição de
competências das pessoas adultas, juntamente com muitos outros indicadores-chave, que passam a
poder ser utilizados para monitorizar o desenvolvimento e a mudança ao longo do tempo.
Consideramos que este é um dos benefícios mais importantes resultantes da participação em
avaliações de grande escala como o PIAAC.
Laura Halderman (autora para correspondência). É Diretora de Gestão de Clientes no Center for
Global Assessment do ETS – Educational Testing Service. Presentemente, é a responsável pela
coordenação global das atividades do PIAAC, supervisionando o trabalho das cinco entidades que
compõem o Consórcio Internacional que desenvolve este estudo para a OCDE e das mais de trinta
equipas nacionais nele implicadas. Antes de passar a trabalhar no PIAAC, foi a Lead Test Developer
do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), também promovido pela OCDE.
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182
HALDERMAN, Laura; KIRSCH, Irwin (2023), “O PIAAC permite a Portugal passar a conhecer a distribuição
das competências de literacia, numeracia e resolução de problemas da sua população adulta”, Entrevista por
João Queirós e Luís Rothes, Sociologia –Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol.
XLVI, pp. 176 - 183
Irwin Kirsch. É o Ralph Tyler Chair in Large Scale Assessment e o Diretor do Center for Research
on Human Capital and Education do ETS – Educational Testing Service. É membro da Academia
Nacional de Educação (EUA) e recebeu o National Coalition for Literacy National Leadership
Award, entre outros prémios e distinções. Tem trabalhado em estreita colaboração com diversas
organizações nacionais e internacionais, incluindo os Departamentos da Educação e do Trabalho dos
EUA, o Banco Mundial, a UNESCO, a IEA e a OCDE. Presentemente, supervisiona o
desenvolvimento e condução dos dois maiores estudos educacionais de âmbito internacional
existentes, o PISA e o PIAAC. E-mail: [email protected].
183
SUMÁRIOS DOS NÚMEROS ANTERIORES
EDITORIAL
ARTIGOS
Alfredo Campos
Nuno Nunes
Uma proposta multidisciplinar para o entendimento da centralidade urbana como facto social
total
Adriano Zilhão
Paulo Barroso
184
Lorena Sancho Querol
Hélder Raposo
RECENSÃO
Recensão crítica do livro Des bons voisins. Enquête dans un quartier de la bourgeoisie
progressiste
EDITORIAL
ARTIGOS
Richard Lachmann
Marta Martins
Carreira, arte feminista e mecenato: uma abordagem à dimensão económica do circuito artístico
principal sob uma perspetiva de género
185
FÓRUM
The Vale do Amanhecer. Healing and spiritualism in a globalized brazilian new religious
movement
Massimo Introvigne
Implantação geográfica dos portugueses em França: evolução observada entre 1990 e 2009
RECENSÃO
Recensão crítica do livro Portugal nas Transições – O Calendário Português desde 1950
Miguel Quaresma Brandão
EDITORIAL
ARTIGOS
Ricardo Antunes
Luísa Pinheiro
186
Autonomia, autoridade e confiança em tempo de novas TIC: atitudes e práticas diferenciadas
entre os alunos do secundário
Nuno Ferreira
EDITORIAL
ARTIGOS
Política e Administração: em que medida a atividade política conta para o exercício de um cargo
administrativo
João Bilhim
Ricardo Noronha
Da Geração à Rasca ao Que se Lixe a Troika. Portugal no novo ciclo internacional de protesto
José Soeiro
Rosalina Costa
Padrões de mudança de casa e eventos de vida: uma análise das carreiras habitacionais
Magda Nico
Narrativas das relações entre o Estado e as organizações do terceiro setor: algumas pistas de
análise
187
Fundos de conhecimento e egoredes: traduzindo uma abordagem teórico-metodológica
Filipa Ribeiro
TEXTOS
Contributos para a definição de uma visão estratégica na construção de um percurso profissional
de sucesso
Rui Santos
Joaquim Fialho
Filipa Pinho
Das tensões entre desmistificar e reconhecer os discursos ao repensar o “social”: manifesto por
uma sociologia ecléctica
Ricardo Sá Ferreira
Vítor Rosa
188
RECENSÃO
Natália Azevedo
EDITORIAL
ARTIGOS
Texturas, ou sobre os efeitos sociais das artes
Sara Melo
O ensino público no olhar das elites escolares: representações sociais dos agentes
educativos de dois colégios privados
Maria Luísa Quaresma
EDITORIAL
189
ARTIGOS
ENSAIO BIBLIOGRÁFICO
Carreiras e circuitos de músicos brasileiros: uma exploração etnográfica no Bairro Alto, Lisboa
Ricardo Bento, Graça Índias Cordeiro, Lígia Ferro
190
A gestão de recursos humanos nas Organizações Não Governamentais de Cooperação para o
Desenvolvimento portuguesas: uma análise interpretativa exploratória
Vanessa Marcos
Modèles de représentation sur la parentalité sociale du point de vue des jeunes portugais
Cristina Cunha Mocetão
RECENSÃO
191
N.º XXXIII, JANEIRO – JUNHO DE 2017
A typology of professional situations in the analysis of graduate transition from higher education
to the labor market
Madalena Ramos, Cristina Parente, Mónica Santos, Miguel Chaves
Atitudes sociais face ao trabalho por conta própria em tempos de crise: da valorização do trabalho
por conta própria a um retraimento da iniciativa empresarial
Ana Isabel Couto
Proposta de modelo explicativo das perceções sobre gestão e políticas públicas em matéria de
cibersegurança e cibercrime
Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia, Susana Isabel da Silva Santos,
João Abreu de Faria Bilhim
Ciências sociais, arquivos e memórias: considerações a propósito das culturas musicais urbanas
contemporâneas
Pedro Quintela, Paula Guerra
192
N.º XXXIV, JULHO – DEZEMBRO DE 2017
EDITORIAL
ARTIGOS
O bem-estar das crianças e dos jovens em Portugal: contributos de uma pesquisa qualitativa
Magda Nico, Nuno de Almeida Alves
The Sámi Library, North of the North: colonialism, resistance and reading in a public library
Paula Sequeiros
RECENSÃO
MOTA, Graça e TEIXEIRA LOPES, João (Orgs.), (2017) Crescer e tocar na Orquestra Geração,
Vila do Conde, Verso da História.
Irene Serafino
193
N.º XXXV, JANEIRO – JUNHO DE 2018
EDITORIAL
ARTIGOS
194
N.º XXXV, JULHO-DEZEMBRO - 2018
EDITORIAL
ARTIGOS
195
Nº XXXVII, JANEIRO-JUNHO 2019
EDITORIAL
ARTIGOS
Quando nem a palavra é de prata, nem o silêncio é de ouro. Análise de conflitos sobre mineração
em Portugal
Ana Raquel Matos e Lúcia Fernandes
Ser (um) expatriado, numa empresa: uma obrigação, uma distinção, um parêntese
João Vasco Coelho
196
Nº XXXVIII, JULHO-DEZEMBRO 2019
EDITORIAL
ARTIGOS
The concept of us and them: communitarianism and the rise of populist politics
Ihsan Cetin
197
NÚMERO TEMÁTICO | 2016 - Famílias e Curso de Vida. Potencialidades,
limites e desafios metodológicos
EDITORIAL
NOTA DE APRESENTAÇÃO
ARTIGOS
198
NÚMERO TEMÁTICO | 2017 – Processos sociais e questões sociológicas
EDITORIAL
NOTA DE APRESENTAÇÃO
ARTIGOS
199
NÚMERO TEMÁTICO | 2018 – Cidade, cultura e turismo: novos cruzamentos
EDITORIAL
ARTIGOS
A cidade imaginável: elementos para uma viagem visual e sensorial na cidade do Porto
Diogo Guedes Vidal
200
NÚMERO TEMÁTICO | 2019 – A construção civil numa perspetiva sociológica:
enquadramento e análise
EDITORIAL
ARTIGOS
201
O Estado à beira-mar. Estratégias burocráticas na formação do mercado
imobiliário em Matosinhos Sul - o exemplo da Comissão de 1 de março de 1996
Tiago Lemos
Social policy and labour mobility in Europe - the gap between law and enforcement
Jan Cremers
202
NÚMERO TEMÁTICO | 2020 - Direitos das crianças: abordagens críticas apartir
das ciências sociais
EDITORIAL
NOTA DE APRESENTAÇÃO. Direitos das crianças: abordagens críticas a partir das ciências
sociais
Inês Barbosa, João Teixeira Lopes, Lígia Ferro, Eunice Castro Seixas
ARTIGOS
A infância é um direito?
Manuel Jacinto Sarmento e Catarina Tomás
Para uma definição de tempo livre tendo as crianças por medida e referente. O que diz a língua
dos pássaros?
Maria José Araújo e Hugo Monteiro
203
NÚMERO TEMÁTICO | 2021 - Instituições e atores religiosos: contextos de
diversificação
EDITORIAL
Artigos
“Eu não quero palmas, eu quero almas”: crenças e pertenças no rap evangélico da
Grande Lisboa
Cátia Tuna
204
NÚMERO TEMÁTICO | 2022 - Trabalho, plataformas digitais, cuidados: perspetivas
pluridisciplinares
EDITORIAL
Artigos
O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021 e o trabalho nas plataformas digitais:
algumas questões
Teresa Coelho Moreira
Entrevista
A divisão entre a produção e o trabalho reprodutivo tem que ser suprimida: é a produção
do viver que caracteriza o trabalho
Helena Hirata, José Soeiro e Sofia Alexandra Cruz.
205
ESTATUTO EDITORIAL
206
consentimento legal, sendo que ambos se constituem como práticas eticamente
inaceitáveis;
• deverão assegurar previamente a permissão para a utilização de conteúdos
provenientes de outras fontes;
• sempre que os artigos surjam como resultado de investigações, a metodologia
deverá ser descrita de forma clara e inequívoca, para que as conclusões obtidas
possam ser objeto de avaliação. Igualmente deverão indicar as referências usadas
e os suportes de financiamento;
• nenhum dos dados ou resultados apresentados deverá ser alvo de falsificação ou
distorção intencional, de forma a ir ao encontro de uma determinada linha
orientadora do trabalho ou às hipóteses de investigação previamente delineadas;
• deverão indicar possíveis conflitos de interesses que poderão ocorrer no processo
de avaliação;
• deverão participar ativamente no processo de revisão em colaboração com o
editor;
• todas as informações curriculares prestadas deverão ser verdadeiras. Na autoria
deverão ser incluídas todas as pessoas que deram o seu contributo tanto na
conceção e planificação do trabalho, como na interpretação dos resultados e na
elaboração do texto;
• no caso dos artigos escritos em coautoria, o autor de correspondência deverá
garantir um consenso pleno na aprovação da versão final do texto e na sua
submissão para publicação.
207
noutra publicação, ou então que não esteja de acordo com as normas éticas de
publicação deverá comunicá-lo à Direção da revista.
Responsabilidade do editor:
• garantir uma posição de isenção e objetiva na avaliação dos textos, atendendo
unicamente ao seu mérito científico. Respeitar a liberdade científica dos autores;
• garantir que todos os textos serão tratados de forma confidencial e que serão
selecionados avaliadores o mais idóneos possível, que empreendam uma
avaliação crítica e especializada dos textos submetidos para publicação;
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que os nomes e endereços apresentados na revista serão exclusivamente utilizados
para os serviços por esta prestados, não sendo utilizados para outras finalidades
ou fornecidos a terceiros;
• as alegações de plágio ou de uso indevido de textos publicados serão devidamente
investigadas. Todos os textos submetidos para publicação serão sujeitos a uma
verificação minuciosa para deteção de plágio. Nos casos em que o mesmo seja
detetado ou em que se verifique a utilização de textos de outros autores sem
autorização prévia dos mesmos, reserva-se o direito de tomar as medidas em
conformidade.
208
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO E PUBLICAÇÃO
– INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES –
209
7. Os textos terão de indicar claramente as fontes e referências, de natureza diversa,
respeitante aos elementos não originais. Se existirem direitos de propriedade intelectual,
os autores terão de solicitar as correspondentes autorizações. A Sociologia, Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto não se responsabiliza pelo incumprimento
dos direitos de propriedade intelectual.
8. As referências bibliográficas e citações serão incluídas no corpo do texto, de acordo
com a seguinte apresentação: Lima, 2005; Lima (2005); Lima (2005: 35); Lima et al.
(2004).
9. Nas notas de rodapé devem utilizar-se apenas números. A numeração das notas deve
ser contínua do princípio ao fim do texto.
10. Nos artigos, sugere-se a utilização de, no máximo, dois níveis de titulação, com
numeração árabe.
11. As citações devem ser apresentadas em português, nos casos em que o texto original
esteja nesta língua, e entre aspas. Os vocábulos noutras línguas, que não a portuguesa,
devem ser formatados em itálico.
12. Apenas as referências citadas ou mencionadas ao longo do texto deverão ser incluídas
na bibliografia final. As referências bibliográficas devem obedecer às seguintes
orientações:
a) Livro com um autor: LUHMANN, Niklas (1990), Essays on self-reference, New York,
Columbia University Press.
b) Livro com mais de um autor: BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas (2004), A
construção social da realidade: um livro sobre sociologia do conhecimento, Lisboa,
Dinalivro.
c) Livro com mais de quatro autores: ALMEIDA, João Ferreira et al. (1992), Exclusão
social: Factores e tipos de pobreza em Portugal, Oeiras, Celta Editora.
d) Capítulo em livro: GOFFMAN, Erving (1999), “A ordem da interação”, in Yves
Winkin (org.), Os momentos e seus homens, Lisboa, Relógio d’ Água, pp. 99-107.
e) Artigo em publicação periódica: FERNANDES, António Teixeira (1991), “Formas e
mecanismos de exclusão social”, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, vol. I, pp. 9-66.
f) Artigo em publicação periódica online: FERNANDES, António Teixeira (1991),
“Formas e mecanismos de exclusão social”, Sociologia, Revista da Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, vol. I, pp. 9-66, [Consult. a 15.07.2014]. Disponível em:
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo3031.pdf>.
210
g) Publicações online: PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS (2011),
Programa do XIX Governo Constitucional português, [Consult. a 15.07.2014].
Disponível em: <http://www.portugal.gov.pt/media/130538/programa_gc19.pdf>.
h) Comunicações em eventos científicos: QUINTÃO, Carlota (2004), “Terceiro Sector –
elementos para referenciação teórica e conceptual”, in V Congresso Português de
Sociologia. Sociedades Contemporâneas: Reflexividade e Acção, Braga, Universidade do
Minho, 12-15 Maio 2004.
i) Teses: CARVALHO, Paula (2006), Percursos da construção em Lisboa. Do Cine-
Teatro Monumental ao Edifício Monumental: Estudo de caso, Tese de Licenciatura em
Sociologia, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa.
j) Legislação: Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, Lei de Protecção de Crianças e Jovens
em Perigo.
13. As referências bibliográficas devem ser colocadas no fim do texto e ordenadas
alfabeticamente pelo apelido do autor. Caso exista mais do que uma referência com a
mesma autoria, estas devem ser ordenadas da mais antiga para a mais recente.
14. Os textos devem obedecer ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor
desde o dia 1 de janeiro de 2009. Não obstante, as citações de textos anteriores ao acordo
devem respeitar a ortografia original.
15. Os originais devem ser enviados por correio eletrónico para:
[email protected]
211