Paulo Freirehojena Cibercultura

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Paulo Freire hoje na CiberCultura

Book · March 2020

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Alan Ricardo Costa Vanessa Ribas Fialho


Universidade Federal de Roraima (UFRR) Universidade Federal de Santa Maria
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Helena Kieling
Universidade Federal de Pelotas
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Paulo Freire hoje

na Cibercultura
Alan Ricardo Costa
André Firpo Beviláqua
Helena dos Santos Kieling
Vanessa Ribas Fialho
Copyright © Editora CirKula LTDA, 2020.
1° edição - 2020

Revisão, Normatização e Edição: Mauro Meirelles


Diagramação e Projeto Gráfico: Mauro Meirelles
Capa: Luciana Hoppe
Tiragem: 300 exemplares.

Todos os direitos reservados à Editora CirKula LTDA. A


reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em
parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98).

Editora CirKula
Av. Osvaldo Aranha, 522 - Loja 1 - Bomfim
Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190
e-mail: [email protected]
Loja Virtual: www.livrariacirkula.com.br
Paulo Freire hoje

na Cibercultura
Alan Ricardo Costa
André Firpo Beviláqua
Helena dos Santos Kieling
Vanessa Ribas Fialho

Porto Alegre
2020
Conselho Editorial

César Alessandro Sagrillo Figueiredo, José Rogé-


rio Lopes, Jussara Reis Prá, Luciana Hoppe, Mauro
Meirelles

Conselho Científico

Alejandro Frigerio (Argentina) / André Luiz da


Silva (Brasil) / Antonio David Cattani (Brasil) /
Arnaud Sales (Canadá) / Cíntia Inês Boll (Brasil)
/ Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) / Dominique
Maingueneau (França) / Estela Maris Giordani
(Brasil) / Hermógenes Saviani Filho (Brasil) /
Hilario Wynarczyk (Argentina) / Jaqueline Moll
(Brasil) / José Rogério Lopes (Brasil) / Ileizi
Luciana Fiorelli Silva (Brasil) / Leandro Raizer
(Brasil) / Luís Fernando Santos Corrêa da Silva
(Brasil) / Lygia Costa (Brasil) / Maria Regina
Momesso (Brasil) / Marie Jane Soares Carvalho
(Brasil) / Mauro Meirelles (Brasil) / Simone L.
Sperhacke (Brasil) / Silvio Roberto Taffarel (Bra-
sil) / Stefania Capone (França) / Thiago Ingrassia
Pereira (Brasil) / Wrana Panizzi / Zilá Bernd
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO

Aqueles e aquelas que seguem o itinerário polí-


tico do país, nos últimos anos, percebem que a bio(-
biblio)grafia de Paulo Freire vem sofrendo ataques
sistemáticos de grupos conservadores, sobretudo
por razões ideológicas e partidárias. Nesses tempos,
ameaças ao ensino acadêmico livre e libertador es-
tão na agenda do dia. Assim, a coleção “Paulo Frei-
re hoje” surge a partir de inquietações provocadas
no e com esse contexto histórico.
Nós, organizadora e organizadores desta co-
leção, defendemos ser urgente demarcar posicio-
namentos de resistência e espaços de debate que
valorizem o diálogo e apontem a atualidade do
pensamento de Freire. É importante frisar que essa
coleção se coloca dentro de um intervalo de tempo
que marca os 50 anos da produção de “Pedagogia
do Oprimido”, em 2019, e os 100 anos do natalí-
cio de Paulo Freire, no ano de 2021. Nesse sentido,
“Paulo Freire hoje” é uma coleção contextual e con-
textualizada, que entende como fundamental a ta-
refa de (re)pensar a importância das contribuições
do legítimo Patrono da Educação Brasileira para a
produção de conhecimentos em diferentes lugares,
âmbitos e grupos de educadores e educadoras enga-
jados(as) com a educação libertadora.
Esta é uma coleção construída por muitas mãos.
Ela está diretamente conectada à rede de pesquisa-
dores e pesquisadoras do Fórum de Estudos e Leitu-
ras em Paulo Freire, que se encontra anualmente, há
22 anos, em eventos sediados em diferentes univer-
sidades do Rio Grande do Sul. O Fórum é um espa-
ço plural, diverso, situado no campo da Educação
Popular e que entende a reinvenção de Paulo Freire
como um compromisso político que se desdobra em
várias dimensões, inclusive na produção científica.
A coleção nasce de diálogos presentes no Fórum,
mas não só nele: cabe citar também as contribuições
de experiências de grupos de pesquisa, de rodas de
conversa, de círculos de cultura, de pesquisas parti-
cipantes, de eventos científicos, do GT de Educação
Popular da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd) e de estudos desen-
volvidos em universidades brasileiras de modo geral.
Em última instância, esta coleção busca ser um
convite para estarmos atentos e atentas à epistemo-
logia de Freire e às possibilidades de ela dialogar
com temáticas emergentes do século XXI, como os
desafios das universidades brasileiras na atualidade,
por exemplo. Assim, no primeiro volume, intitula-
do “Paulo Freire hoje: na Universidade”, investi-
gamos como a perspectiva de Freire está intima-
mente ligada à produção de saberes dentro e fora
da universidade. Mais do que isso, investigamos
como o pensamento de Freire é fundamental para
compreender a universidade popular enquanto um
inédito-viável.
No segundo volume – “Paulo Freire hoje: na Ci-
bercultura” – debatemos como a tecnologia é pro-
dução própria de homens e de mulheres historica-
mente situados(as). Freire também foi um homem
do seu tempo, mas seu legado não se mantém fixo
no século passado, o que possibilita que sua obra
contribua para pensarmos o nosso presente, no
qual o papel das tecnologias na educação demanda
muita atenção e criticidade.
No terceiro volume desta coleção, intitulado
“Paulo Freire hoje: na Abya Yala”, damos um im-
portante passo para entender as dimensões ético-
-políticas de Freire na valorização de conhecimen-
tos outros. Então, investigamos em que medida a
epistemologia freireana dialoga com a perspectiva
decolonial, com a ideia de “Buen Vivir” e com a pro-
dução de pedagogias que não estejam inscritas na
dominação colonial.
Se esta publicação – que visa a contribuir com o
campo da produção e da valorização do legado epis-
temológico de Freire – hoje circula em diferentes
contextos, isto só se tornou possível pela grande
generosidade e inegável comprometimento de to-
dos (as) autores (as) nela envolvidos (as), a quem
agradecemos imensamente. Mas, principalmente,
agradecemos aos nossos leitores e leitoras, que se
colocam à disposição para dialogar conosco e rein-
ventar Paulo Freire.

Camila Wolpato Loureiro


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação – UNISINOS

Alan Ricardo Costa


Doutorando do Programa de Pós-Graduação
em Letras – UNISC

Thiago Ingrassia Pereira


Doutor em Educação pela UFRGS. Pós-Doutor
em Educação – Universidade de Lisboa Professor
do PPGPE e PPGICH da UFFS Campus Erechim
SUMÁRIO

11 Prefácio

25 Primeiras palavras

25 O que é a cibercultura?

47 A visão de Freire sobre as tecnologias


na Educação

63 Educacão a distância, educação


sem distância

77 Materiais didáticos digitais e críticos

91 Considerações finais

95 Referências

101 Sobre as autoras e os autores


PREFÁCIO

O trabalho científico pode ser descrito como a


busca de elos perdidos que precisam ser encontrados
para completar o grande quebra-cabeça da ciência.
São elos muitas vezes inesperados, como acontece
neste livro ao mostrar o vínculo entre Paulo Freire
e a cibercultura. Vou usar esse conceito para fazer o
prefácio da obra, destacando três elos que a educação,
e principalmente o ensino de línguas, está tentando
recuperar na contemporaneidade e que me surgiram
na leitura do livro: (1) o vínculo entre tecnologia di-
gital e inclusão, para que pessoas da periferia possam
usufruir das oportunidades de acesso a uma educação
aberta a todos; (2) o vínculo das dimensões sistêmica
e crítica no ensino de línguas em atividades interati-
vas mediadas pelo computador; e (3) o vínculo mais
abrangente de todos, entre o núcleo e a periferia, in-
cluindo questões de espaço e tempo.
O primeiro vínculo, entre tecnologia digital e in-
clusão, cria a possibilidade de aproximação das pes-
soas, diminuindo as distâncias, tanto do espaço, que
se desdobra na Geografia, como do tempo, que se
desdobra na História, na tentativa de reduzir, em úl-
tima análise, a distância entre a periferia e o núcleo,
sendo de várias ordens, como a econômica, a social e
a cognitiva, entre outras. Geograficamente, temos os
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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

recursos telemáticos de áudio e vídeo para interagir


simultaneamente com qualquer pessoa do planeta,
levando a educação para outros espaços; cronologi-
camente, temos a opção de espaçar os turnos da inte-
ração para melhor atender às disponibilidades indi-
viduais, expandindo o que é síncrono ao assíncrono.
Unindo tempo e espaço, já conhecemos experiências
como a de pátria educadora, cidade educadora, além
de outras mais pontuais como a de fábrica educado-
ra, horta educadora ou mesmo de carro educador.
Descobrimos que a educação não se limita às quatro
paredes da sala de aula e retomamos os antigos ensi-
namentos da cultura zulu, quando afirmava que era
necessário a aldeia inteira para educar a criança. A
tecnologia contemporânea vai além: põe o mundo no
bolso do aprendiz e o aprendiz no mundo.
Nenhum recurso da atualidade é mais inclusivo
do que a tecnologia, principalmente em relação aos
dispositivos móveis: praticamente todos os jovens
têm atualmente seus smartphones, um dispositivo
de poder computacional várias vezes superior à
soma de todos os computadores usados pela NASA
para levar o homem à lua. Todos os recursos da sala
de aula, todos os livros da biblioteca da escola, o
mundo inteiro pode ser acessado pelo celular. O es-
tudante pode aprender dentro e fora das quatro pa-
redes da sala de aula, às vezes aprendendo mais fora
do que dentro, sem querer dizer com isso que a es-

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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
cola deva ser eliminada. Ainda que a escola possa às
vezes atrapalhar a aprendizagem do educando em
alguns aspectos, fazendo-o descobrir o fracasso, eu
não teria coragem de propor um mundo sem escola.
Retomo o que está no livro e que se chama blended
learning ou aprendizagem híbrida. O aprendiz fica
mais incluído quando simplesmente pode usar seu
celular para aprender, dentro e fora da sala de aula.
Todo estudante deve ter um celular.
O segundo vínculo é o elo que se cria entre a
dimensão sistêmica, na base da língua, e a crítica
no ensino de línguas, no outro extremo. Na mi-
nha percepção, a educação deve dar conta de três
aspectos fundamentais para que a aprendizagem
de uma língua ocorra no estudante. No nível bá-
sico, é preciso desenvolver a competência sistêmi-
ca, envolvendo o domínio do léxico, da sintaxe e da
semântica, principalmente. Esse domínio caracte-
riza-se como a posse de um repertório linguístico
individual: o aprendiz consegue pronunciar certas
palavras numa determinada ordem e relacioná-las
a determinados conceitos. No nível intermediário,
em que ocorre o desenvolvimento da competência
comunicativa, aparece o interlocutor, para quem o
aprendiz fala e de quem escuta determinadas frases,
enfrentando o desafio de se fazer compreender e de
ser compreendido. Finalmente, no nível mais eleva-
do, emerge, ou deve emergir, o desenvolvimento da

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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

competência crítica, caracterizada pela reflexão: o


que estou fazendo quando uso a língua com o outro
e o que o outro está fazendo comigo quando usa a
língua? A reflexão leva à descoberta de que a língua
pode nos empoderar ou nos enfraquecer.
O livro mostra aqui, de maneira inovadora, como
as atividades interativas, mediadas por computa-
dor, tradicionalmente vistas e trabalhadas dentro
de uma perspectiva sistêmica, podem ser também
trabalhadas em uma dimensão reflexiva, orientada
pela pedagogia crítica de Paulo Freire, com base nos
Recursos Educacionais Abertos. A abertura desses
recursos, na medida em que permite ao educador
elaborar, escolher ou adaptar os materiais de ensi-
no, cria a possibilidade de melhor atender aos in-
teresses e necessidades de seus educandos em seus
diferentes contextos de aprendizagem, lembrando
até certo ponto o que fazia Paulo Freire junto aos
camponeses, indo além da dimensão operacional da
alfabetização para desenvolver também, e princi-
palmente, a consciência crítica dos trabalhadores
rurais, muito além do “Eva viu a uva”.
O terceiro vínculo é de ordem mais abrangente e
talvez filosófica, de certo modo incluindo os outros
dois. Parto aqui do pressuposto de que a educação, à
semelhança do universo, passa por um processo de
expansão, que vai do centro para a periferia. Ao con-
trário do universo, no entanto, em que a expansão

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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
aumenta astronomicamente as distâncias entre a
periferia e o núcleo, a educação, quando se expande,
gera uma redução das distâncias em todos os sen-
tidos. Quando o núcleo e a periferia estão afastados
culturalmente, envolvendo dimensões econômicas,
sociais ou mesmo cognitivas, as aproximações são
mais difíceis. Um exemplo é a aproximação entre a
cidade e o campo. Querendo ou não, o isolamento
de quem está no campo pode distanciar a pessoa da
convivência cultural dos grandes núcleos urbanos,
mais do que a distância física; um metalúrgico do
ABC paulista está culturalmente mais próximo de
um metalúrgico do leste mexicano, a milhares de
quilômetros de São Paulo, do que um morador de
um apartamento na cidade de São Paulo está de um
morador numa zona rural bucólica de um municí-
pio vizinho a poucos quilômetros de distância. A
pessoa do campo, pelo contexto em que vive e pelo
trabalho que realiza, constrói uma perspectiva dife-
rente do mundo em relação à pessoa que vive na ci-
dade, encontrando dificuldade para acessar à educa-
ção, não apenas pela distância geográfica do núcleo
urbano, mas também, e mais, pelo distanciamento
das experiências vividas no meio rural. A EaD, ao
levar a educação a esses pontos remotos, faz uma
dupla aproximação entre a cidade e o campo, rom-
pendo ao mesmo tempo as distâncias geográficas e
culturais, essas últimas envolvendo às vezes a ado-

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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

ção de valores monolíticos, avessos a mudanças. Es-


sas aproximações não anulam as diferenças entre as
pessoas e nem pretendem levar à suposição de que
a ideia de desenvolver o pensamento crítico é fa-
zer todos pensarem da mesma maneira. Ser crítico,
pelo contrário, é saber conviver com a diversidade.
A igualdade deve estar não nas pessoas, mas nas
oportunidades de acesso à educação.
O elo perdido não é um anel extraviado no tem-
po ou no espaço. É antes um vínculo necessário que
precisa ser encontrado para completar a ligação
entre o mundo distópico que temos com o mundo
utópico que desejamos. O livro, ao fazer a conexão
entre Paulo Freire e a cibercultura, propõe uma
Web aberta e democrática. O caminho para che-
gar lá passa por uma educação que precisa ser para
todos, incluindo a periferia e não apenas o núcleo
rico da humanidade. O livro, na minha percepção,
mostra que, pela primeira vez na história, temos os
recursos para tornar essa utopia possível.

Vilson J. Leffa
Outubro de 2019.

16
PRIMEIRAS PALAVRAS

“Paulo Freire precisa ser constantemente


reinventado, e não reproduzido!”

Tal ideia nasce da própria obra de Freire, popu-


lariza-se com frases como “reinventar e não repetir
Paulo” (TORRES, 2008, p. 43), e ganha respaldo na
perspectiva de educadores como Moacir Gadotti, o
qual defende que “Não se pode continuar Paulo Frei-
re sem reinventá-lo” (GADOTTI, 2008, p. 100), e
Balduíno Andreola, entre outras referências nos es-
tudos sobre o legado do legítimo Patrono da Educa-
ção Brasileira. E é essa provocativa ideia de reinven-
tar Freire, em lugar de reproduzi-lo, que nos move
rumo à tessitura da presente obra, que propõe refle-
xões de (e com) educadores(as) que fazem uso de tec-
nologias digitais na práxis docente, presencialmente
e/ou em ambientes educacionais virtuais.
Nosso objetivo maior é, portanto, avançar em dis-
cussões referentes à cibercultura, sobretudo no que
se refere a uma educação freireana. A cibercultura –
debatida e difundida mais notoriamente pelo filósofo
Pierre Lévy, e ainda carente de maiores diálogos com
o pensamento de Paulo Freire – caracteriza-se por
formas emergentes e complexas de ser e estar (e, por
conseguinte, de pensar, agir e comunicar) no cibe-
17
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

respaço e no mundo. Assim, a cibercultura demanda


debates e questionamentos sobre como abarcar, no
contexto educacional brasileiro, em termos antropo-
lógicos e epistemológicos, as referidas práticas emer-
gentes mediadas pelas tecnologias, principalmente
entre educandos(as) e educadores(as).
Não propomos, aqui, discussões românticas, cega-
mente apaixonadas pelas tecnologias, ou que negli-
genciam problemas éticos inegáveis na sociedade e
que se amplificaram com a cibercultura, como os con-
flitos relacionados à privacidade e direitos intelectuais,
a geração de pessoas “massificadas” pelo consumismo
e pelo mercado capitalista, a mercantilização do sa-
ber, a produção de irracionalismos e a popularização
de discursos de ódio, exclusão social e censura, entre
outros1. Propomos, em contrapartida, a ideia do cibe-
respaço (essa grande rede global) como um espaço em
disputa2, que pode servir às práticas ideológicas-éti-
cas de (1) democratização da educação, (2) comparti-
lhamento de saberes, vivências e recursos didáticos
variados, (3) desenvolvimento da autonomia do(a)
educando(a) e (4) usos de abordagens pedagógicas crí-
ticas. Freire sintetizou de forma exemplar essa nossa
1 Essas e outras questões são sinalizadas em alguns dos
textos que referenciamos ao longo desta obra, como Alen-
car (2005), Gomez (2011), Adams et al. (2013) e Beviláqua
(2017). Sugerimos, pois, tais leituras.
2 Adams et al. (2013) concordam com a ideia de pensar as
tecnologias digitais como parte do espaço de disputa ideo-
lógica de visões de sociedade que se quer construir.
18
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
perspectiva em A Educação na Cidade (1995): indagado
sobre o uso de computadores no processo educacio-
nal, ele apontou que estes, em lugar de reduzir, pode-
riam expandir a capacidade crítica e criativa dos(as)
estudantes. “Depende de quem usa a favor de quê e de
quem e para quê” (FREIRE, 1995, p. 98). Defendemos
esse uso, não só dos computadores, mas de todas as
tecnologias, para uma educação crítica e libertadora.
Nesse viés, nossas reflexões são reunidas, aqui,
sem descuidar de tudo o que o ciberespaço pode po-
tencializar no fazer docente, da autonomia como ele-
mento fundante da educação ao trabalho colaborati-
vo e em rede entre docentes, perpassando também as
possibilidades de democratização do saber e outros
aspectos dignos de nota. Ainda que tal debate caiba
e seja muito importante para a educação formal pre-
sencial, optamos por enfatizar as modalidades edu-
cacionais mais emergentes na (e pela) cibercultura,
como a Educação a Distância (EaD) e a educação
híbrida (blended learning), as quais parecem ainda ca-
recer mais urgentemente de desmistificações3.
3 Paulo Freire também usava, para a questão da tecnologia,
o termo “desvios míticos” (ALENCAR, 2005, p. 5). Cabe
destacar que Freire criticou, em diversos momentos de sua
obra (e.g. FREIRE, 1992; 1996) esse dualismo entre “divi-
nização” e “demonologização” da tecnologia, que não deve-
ria ser vista nem como salvadora dos homens, nem como
promotora de todos os males. Afirmava Freire: “o avanço da
ciência e da tecnologia não é tarefa de demônios, mas sim a
expressão da criatividade humana” (FREIRE, 1984, p. 1).
19
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

O texto que segue encontra-se estruturado


da seguinte forma. Primeiramente, convidamos
os(as) docentes que desconhecem a cibercultura
e seus conceitos mais notórios para a educação –
como a inteligência coletiva e as lógicas em redes
– a aceitar o desafio de (re)pensar suas práticas di-
dáticas com base nesses ideais. Confiamos ser esse
um caminho sem volta: aceitar o convite ao pen-
samento reflexivo sobre a cibercultura e as tecno-
logias educacionais e as tecnologias na educação4
não nos permite, posteriormente, voltar ao lugar-
comum de negar as mudanças culturais e políticas
que a educação de outrora testemunhou com o
advento da internet, dos Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (AVA) e dos recursos digitais. Essa
negação, hoje, nos parece uma postura docente
reducionista e insustentável.
4 Entendemos haver um diferencial entre “tecnologias
educacionais” e “tecnologias na educação”. As primeiras
foram pensadas para fins didáticos-pedagógicos. As se-
gundas não foram pensadas para tais fins, embora possam
servir a eles a partir de adaptações e subversões de suas
finalidades originais por parte dos(as) docentes. Ao longo
deste livro, eventualmente, esses dois termos – “tecnolo-
gias educacionais” e “tecnologias na educação” – podem
ser usados de forma sinonímica, mas apenas porque todo o
texto é voltado à classe docente, que tem esta importante
função de pensar as tecnologias (sejam elas quais forem) à
luz de perspectivas educacionais (abordagens, métodos...).
Concordamos com Freire, então, quanto à importância do
uso das tecnologias com rigorosidade metodológica por
parte de educadoras e educadores.
20
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
Na sequência, no segundo capítulo, revisitamos
algumas ponderações de Paulo Freire sobre as tec-
nologias digitais e a emergência da cibercultura no
Brasil. Infelizmente, o educador recifense nos deixou
cedo demais e, portanto, não vislumbrou muitas das
formas como a cibercultura afetou (e ainda afeta) a
educação no cenário nacional, seja por transforma-
ções em alguns aspectos, seja por revoluções em
alguns outros. Ainda assim, em seus últimos anos,
Freire foi sensível às tecnologias de seu contexto.
“Faço questão enorme de ser um homem de meu
tempo e não um homem exilado dele”, afirmava Frei-
re (1984, p. 1). Hoje podemos, inclusive, considerá-lo
à frente do seu tempo, haja vista a atualidade de seu
pensamento e seu legado. Foi com essa preocupação
de não se afastar de seu tempo-mundo que Freire
nos deixou bases para pensar as tecnologias na ciber-
cultura contemporânea. É com base nessas primeiras
reflexões sobre as tecnologias de seu tempo, por parte
de Freire, que seguiremos a máxima de conhecer o
passado para entender o presente e pensar o futuro.
A educação (e a cibercultura) do futuro depende de
nós, enquanto classe docente, e de nossas práticas
educacionais no presente.
Para não nos determos apenas na leitura e nas in-
terpretações de Paulo Freire, mas, sim, avançarmos
na discussão sobre a educação online contemporânea,
enfocamos no terceiro capítulo duas modalidades

21
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

de educação emergentes e em sinergia com a ciber-


cultura e sua popularização, já citadas: (1) a EaD e
(2) o blended learning, ou “educação híbrida”. A pri-
meira, mais popular, costuma ser vista com olhos de
desconfiança e incredulidade (como tem sido visto
toda e qualquer tecnologia já empregada para fins
educacionais nos últimos séculos, incluindo o livro
didático). A segunda, ainda não tão conhecida, ca-
racteriza-se como uma modalidade que rompe com
a ideia exata de “distância”, e ressignifica as noções
de espaço e tempo no processo educativo, no sentido
de harmonizar “presença” e “ausência” do(a) educa-
dor(a). Assim como o mundo não é, o mundo está sen-
do (FREIRE, 1996), entendemos que essas modali-
dades também não “são”, de forma determinista, mas
“estão sendo”, e podem ser tudo aquilo que nossas
práticas pedagógicas – nossas, dos sujeitos envolvi-
dos nos processos educacionais – permitirem.
Finalmente, no quarto capítulo, apresentamos
recursos didáticos digitais produzidos em um viés
crítico e disponíveis na internet para estudantes e
docentes. O pensamento crítico, tão presente no le-
gado de Paulo Freire, pode (em nossa opinião, deve!)
ser uma tendência para a obliteração das estruturas
postas que oprimem e diminuem as pessoas, assim
como uma corrente de oposição ao status quo que le-
gitima a ignorância, o ódio, os preconceitos de todas
as ordens e a alienação de modo geral. Nesse sentido,

22
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
tanto a exposição de recursos críticos, que já circu-
lam pela Web, quanto as reflexões sobre como pro-
duzir e compartilhar recursos digitais críticos, que
sensibilizem e provoquem o(a) docente a participar
desse movimento colaborativo, mostram-se alterna-
tivas viáveis (e profícuas) para uma educação cada
vez mais (e constantemente) libertadora.

23
O QUE É A CIBERCULTURA?

Atualmente, termos como cibercultura e ciberes-


paço vêm sendo usados para determinar – talvez de
forma bastante incorporada a uma rotina dos que
se nutrem da (e nutrem a) internet – o que acontece
num lugar diferente do espaço físico e geográfico.
Usamos esses termos quando nos referimos ao que
acontece “na internet”.
De acordo com Brennand e Medeiros (2005, p.
3), o termo “ciber” (ou cyber) vem de cibernética (do
grego kibernêtes, arte de governar) que estuda o mo-
vimento das conexões de sistemas de comunicação
em organismos vivos, máquinas de calcular e co-
mandos eletromagnéticos em cérebros eletrônicos,
aparelhos teleguiados etc. Assim, tal vocábulo tem
relação direta com as tecnologias, com os computa-
dores e com a internet como um todo.
O conceito de Ciber Café, por exemplo, bastante
famoso no início dos anos 2000, se refere a um espa-
ço como uma cafeteria, que disponibilizava aos seus
frequentadores alguns computadores para acesso à
internet. Na atual era dos computadores portáteis1,
1 Tratamos de uma “Era de Computadores”, mas não de
uma dita “Era Tecnológica”. Concordamos com Adams et
al. (2013) sobre o cuidado de não dar a subentender que a
atual sociedade é a possuidora e detentora universal de toda
tecnologia. Em todos os períodos históricos o ser humano
25
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

dos tablets e dos smartphones, esse espaço cibernéti-


co se viu, de certa forma, ampliado pelo fato de que
hoje muitos ambientes comerciais podem oferecer
zona wi-fi, transformando toda cafeteria em um Ci-
ber Café, ainda que não disponibilizem computadores
para propiciar a conexão. A questão é que agora essa
conexão está na palma das nossas mãos. Isso mudou
muito a forma como nos relacionamos com as pes-
soas e, de certa forma, com as máquinas, naturalizan-
do a opinião de que alguns de nós2 temos acesso ao
espaço virtual sempre que desejarmos.
Mas qual é o local do ciberespaço? Onde ele fica?
Com o uso de novas ferramentas de comunicação e
de interação, passamos a formar uma rede huma-
na que se comunica com uma ou várias pessoas ao
mesmo tempo e que não possui mais limitações de
tempo e espaço.
O espaço geográfico, ao qual nossas relações
estavam atreladas em tempos anteriores ao do
surgimento do telefone e, mais recentemente, da
internet, foi ampliado e as fronteiras geográficas
foi, necessariamente, tecnológico. Assim como os(as) au-
tores(as) mencionados(as), não minimizamos as mudanças
sociais e culturais atuais desde o surgimento da microele-
trônica e da teleinformática, mas também não negligencia-
mos as tecnologias de outrora.
2 Infelizmente, ainda não todos e todas nós temos acesso à
internet, é bem verdade. Contudo, assim como estava idea-
lizada nos primórdios da Web, nossa utopia é uma internet
democrática e aberta para toda e qualquer pessoa.
26
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
das comunidades tradicionais foram se transfor-
mando em fronteiras ocupacionais (LEFFA, 2000).
Atualmente podemos dizer que uma comunidade é
formada por pessoas com interesses comuns, tan-
to profissionais como de lazer (LEFFA, 2000), que
não precisam mais estar determinadas pela geo-
grafia ou pelo espaço físico. Nesse sentido, hoje é
possível que pessoas interajam mais com colegas de
outras partes do mundo do que com o seu vizinho,
nesse lugar chamado ciberespaço.
O ciberespaço, então, poderia ser entendido
como um espaço digital, eletrônico, virtual, que é
real, mas não possui um território definido. Outro
termo muito usado para esse espaço é a nuvem. Es-
tar em nuvem significa estar na internet, no cibe-
respaço, acessível desde qualquer lugar conectado.
Esse “lugar” pode servir tanto para o armazena-
mento de arquivos quanto para a alocação de um
determinado software, entre outros fins. O educador
ou a educadora que usa uma conta de e-mail, em
que as mensagens estão acessíveis em qualquer dis-
positivo, sem a necessidade de instalar um progra-
ma no computador, entendemos ser um(a) docente
que está em nuvem, fazendo uso da nuvem.
Em seu livro Cibercultura, originalmente publica-
do em 1999, Pierre Lévy define o ciberespaço como
o espaço de comunicação aberto pela interconexão mun-
dial dos computadores e das memórias dos computado-
27
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

res3. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de


comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos
de rede hertzianas e telefônicas clássicas), na medi-
da em que transmitem informações provenientes de
fontes digitais ou destinadas à digitalização. Insisto
na codificação digital, pois ela condiciona o caráter
plástico, fluido, calculável com precisão e tratável
em tempo real, hipertextual, interativo e, resumin-
do, virtual da informação que é, parece-me, a marca
distintiva do ciberespaço. Esse novo meio tem a vo-
cação de colocar em sinergia e interfacear todos os
dispositivos de criação de informação, de gravação,
de comunicação e de simulação. A perspectiva da
digitalização geral das informações provavelmente
tornará o ciberespaço o principal canal de comuni-
cação e suporte de memória da humanidade a partir
do próximo século (LÉVY, 2010c, p. 94-95).

Assim, na perspectiva de Lévy, percebemos o ci-


berespaço como espaço de comunicação possível pela
conexão de dispositivos como computadores e smar-
tphones. Ressalva seja feita, em 1999, a realidade para
o uso de computadores portáteis não era a que temos
atualmente, e aparelhos como smartphones ou tablets
não eram ainda amplamente difundidos. O primeiro
tablet, por exemplo, data de 2002. Mas, naquela época,
Pierre Lévy já chamava a atenção para os programas
ou softwares, para além das máquinas em si.
Um programa, ou software, é uma lista bastante
organizada de instruções codificadas, destinadas a fa-
zer com que um ou mais processadores executem uma
3 Grifos de Lévy (2010c).
28
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
tarefa. Por meio desses circuitos que comandam, “os
programas interpretam dados, agem sobre informa-
ções, transformam outros programas, fazem funcio-
nar computadores e redes, acionam máquinas físicas,
viajam, reproduzem-se etc.” (LÉVY, 2010c, p. 42).
Esses programas, hoje popularizados com o
nome de aplicativos para smartphones e tablets, pas-
sam por atualizações constantes, em maior veloci-
dade que as máquinas que, com pouco tempo de uso,
acabam ficando obsoletas diante de inúmeras atua-
lizações de aplicativos. Não raro, celulares do tipo
smartphones deixam de ser usados por não suporta-
rem mais as constantes atualizações dos aplicativos,
que ficam melhores, mas também demandam mais
espaço e memória das máquinas.
Talvez assim consigamos entender como é di-
fícil delimitar uma forma para esse espaço virtual,
como conseguimos delimitar para o espaço geográ-
fico, com fronteiras políticas, delimitadas pelo ser
humano, ou naturais, delimitadas pelos rios e mon-
tanhas. Em 20 anos, de 1999, ano do lançamento
do livro de Lévy sobre a cibercultura, até 2019, ano
em que estamos escrevendo este livro, esse espaço
sofreu grandes mudanças, muitas delas imprevisí-
veis, colocando os frequentadores do ciberespaço
em uma posição cada vez mais participativa e cola-
borativa, ajudando a moldar e sendo moldados pelo
espaço cibernético.

29
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Educação colaborativa na cibercultura

A cibercultura consiste em um conjunto de


transformações epistemológicas e culturais de inú-
meras ordens. Isto é, temos, no presente, novas for-
mas de pensar e agir no (e por meio do) ciberespaço:
novas formas de publicar, ler e interpretar notícias
e reportagens; novos recursos para a comunicação
(verbal e não-verbal); pautas emergentes em inú-
meros setores, como política, economia, religiões
etc. Todos esses aspectos podem estar, mais ou me-
nos diretamente, relacionados à forma como pensa-
mos e concebemos a educação. De todas as questões
importantes ao fazer educacional na cibercultura,
optamos por destacar as lógicas colaborativas, em
rede, que potencializam as conexões de educado-
res(as) e educandos(as).
Relembramos aqui, sem nos determos muito no
tema, a primeira geração da internet, a chamada
Web 1.0, que teve como característica fundamental
a disponibilização de informações, com um estilo
de usuário como espectador, pois não nos era per-
mitido produzir ou alterar o conteúdo digital. Pas-
sado um tempo, com as mudanças nos programas
e aplicativos, nós – os(as) usuários(as) da internet
– não só consumimos informações disponibilizadas
na rede, mas agora interagimos, compartilhamos,
criamos e socializamos recursos e produtos varia-

30
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
dos. Essa é a chamada Web 2.04, muito mais partici-
pativa, colaborativa, aberta e, logo, democrática. A
figura a seguir sistematiza algumas das principais
mudanças entre a Web 1.0 e a Web 2.0.

Tabela 1: Web 1.0 e Web 2.0.


WEB 1.0 WEB 2.0
Utilizador(a) é consumi-
Utilizador(a) é consumi-
dor(a) e produtor(a) da
dor(a) da informação;
informação;
Dificuldades: a progra-
mação e a aquisição de
Facilidades: a criação e a
software específico para
edição de páginas online;
a criação de páginas na
Web;
O(a) utilizador(a) tem vá-
Para ter um espaço na
rios servidores para dispo-
rede na maioria dos ser-
nibilizar suas páginas de
vidores é preciso pagar;
forma gratuita;
Menor número de
Número de ferramentas e
ferramentas e possibili-
possibilidades ilimitadas.
dades.
Fonte: dos autores, adaptado de Coutinho e Bottentuit
Junior (2007).
4 Os conceitos de Web 1.0 e 2.0 são atribuídos a Tim
O’Reilly (2007), que, para reforçar a tendência da colabora-
ção entre os internautas em um segundo momento da inter-
net, em contraste a um primeiro momento, cunhou em 2004
os termos supracitados. Adams et al. (2013) também tratam
das Web 1.0 e 2.0 em seu estudo.
31
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Podemos dizer que a grande diferença entre a


Web 1.0 e a 2.0 é que na 1.0 temos usuários, en-
quanto na 2.0 temos participantes. Isso implica
pensarmos, inclusive, em como as tecnologias po-
dem servir como instrumentos de potencialização
das práticas de educandos(as) e educadores(as) nos
processos educacionais. Vamos ao ciberespaço ape-
nas coletar informações? Ou podemos agir no cibe-
respaço, contribuindo e nutrindo essa grande rede?
O que acontece no ciberespaço, então, possui
suas regras, dependente de seus participantes; ou
seja, há uma cultura desse espaço, que podemos
chamar de cibercultura. Não vamos ter espaço para
a discussão sobre o termo cultura, que ajuda a for-
mar a palavra cibercultura, mas talvez seja impor-
tante destacar, por exemplo, que o termo possui
conceitos variados, e que vem sendo modificados
ao longo do tempo, assim como recebe diferentes
nuances dependendo da área que o define: Sociolo-
gia, Antropologia, História etc.
Para nós, neste momento, nos vale definir o
lugar do qual falamos, definindo “cultura” como
aquilo que tem sentido nas relações humanas, por
ser tudo aquilo que o ser humano cria e recria. Sob
esse prisma freireano (FREIRE, 1976; 1992; 1995;
2011), conforme apontado em Educação e Mudança
(1976), todos os produtos que resultam da atividade
dos indivíduos, e todo o conjunto de suas obras, ma-

32
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
teriais ou espirituais, por serem produtos humanos
que se desprendem das pessoas e voltam para elas e
as marcam, são culturais. Sob tal aspecto, os modos
de andar, falar, cumprimentar e se vestir, por exem-
plo, são culturais, assim como é cultural também a
visão que os indivíduos têm (ou estão tendo) da sua
própria cultura, da sua realidade (FREIRE, 1976).
Nesse contexto, a cibercultura pode ser enten-
dida pelas práticas no ciberespaço, de todos e todas
que estão conectados por celulares e computadores e
aparelhos em rede, contribuindo, nutrindo e consu-
mindo informações e conhecimentos. Por conseguin-
te, a cibercultura também pode e deve ser vista en-
quanto emergência de (e conjunto de demandas por)
novas práticas à nossa vida fora do espaço cibernéti-
co. Vamos nos explicar: a escola, um espaço geográ-
fico, começa a ser transformada por nuances da cul-
tura digital. Essa perspectiva pode ser entendida por
um lado positivo, no sentido de que as tecnologias
podem ampliar e, por que não, potencializar nossa
prática docente em sala de aula, nossa formação con-
tinuada e a aprendizagem dos(as) estudantes; assim
como pode ser entendida por um lado negativo, em
termos de a tecnologia ser imposta, chegar à escola
sem fins educacionais, mas de controle da população.
Também é um lado negativo dessa perspectiva quan-
do educadores(as) não podem contar com políticas
públicas adequadas para capacitação e formação con-

33
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

tinuada para fazer usos éticos e estéticos das tecnolo-


gias contemporâneas na docência, por exemplo.
De acordo com Pierre Lévy, o que leva ao cresci-
mento do ciberespaço são três princípios fundamen-
tais: (1) a interconexão, (2) a criação de comunida-
des virtuais e (3) a inteligência coletiva. No nosso
entendimento, esses três fatores são característicos
da própria cibercultura e devem ser considerados
por educadores(as) que se proponham a trabalhar
em um viés freireano.

(1) A interconexão, conforme o próprio Lévy (2010a)


comenta, é o princípio básico do ciberespaço. Para
que esse espaço exista, é preciso que pessoas estejam
conectadas através de máquinas, como computado-
res, celulares ou tablets. Essa interconexão entre as
pessoas pela internet culmina em “um ciberespaço
mundial no qual todo elemento de informação en-
contra-se em contato virtual com todos e com cada
um”, sendo o ciberespaço um “meio heterogêneo e
transfronteiriço” (LÉVY, 2010a, p. 12).

Tal qual toda e qualquer tecnologia, não cabe ma-


niqueísmos de “bem” ou “mal”, “certo” ou “errado” e
assim por diante. Essa rede de interconexões propicia
a formação de grupos que trocam informações muito
variadas por meio de diferentes práticas da internet.
Tais grupos podem construir, juntos, mundos vir-

34
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
tuais puramente lúdicos ou mais sérios, podem cole-
tar toda a informação já produzida e compartilhada e
distribuí-la para todo o mundo, podem desenvolver
projetos políticos locais ou globais, amizades, coope-
rações... da mesma forma que podem dedicar-se tam-
bém ao ódio e à enganação (LÉVY, 2010, p. 12).

(2) A formação de comunidades virtuais e, por con-


seguinte, dos coletivos inteligentes, é própria da
Web 2.0, que denominamos em linhas anterio-
res como “mais participativa”. Primo (1997), por
exemplo, relata que esse novo tipo de comunida-
des (chamadas de virtuais) surge na sociedade ci-
bernética e, nelas, há relações íntimas e de ami-
zade, assim como o senso de comunidade, mesmo
que não coincida o espaço geográfico ou o contato
físico. Sobre o surgimento dessas novas comuni-
dades, Palácios (1996, p. 18) aponta que
[...] a telemática está multiplicando de forma ver-
tiginosa o número de comunidades existentes e
accessíveis ao indivíduo. Comunidades virtuais de
todos os tipos, atendendo a toda espécie de inte-
resse são criadas diariamente no cyberespaço. A
inscrição social múltipla assume proporções nunca
antes sequer imaginadas, demandando que a nova
sociabilidade cyberespacial seja levada a sério e passe
a ocupar um lugar em nossa agenda de pesquisa.

Esses autores, com publicações contemporâneas


às do livro de Lévy, não levavam em conta a forma-
35
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

ção de comunidades em redes sociais, como o Face-


book, ou no próprio aplicativo e também rede social
WhatsApp, que nos permitem formar e nutrir co-
munidades “baseadas em proximidade intelectual e
emocional em vez de mera proximidade física” (PRI-
MO, 1997, p. 4). Ainda que muitos grupos de What-
sApp, por exemplo, reúnam vizinhos de um mesmo
condomínio para resolver problemas de convivência,
podemos ter uma amplificação da ação de uma comu-
nidade geográfica, no sentido de que as pessoas não
precisam estar todas ao mesmo tempo, no mesmo lu-
gar, para resolver os ditos problemas.

(3) A inteligência coletiva, a terceira característica


que elencamos para a cibercultura, pode ser ilustra-
da a partir de vários recursos e práticas da atualida-
de, como a Wikipédia, a enciclopédia virtual fruto
da inteligência coletiva, que está constantemente
em processo de construção colaborativa por inter-
nautas do mundo todo. Justamente por ser produto
(e processo) da inteligência coletiva, a Wikipédia é
vista como “controversa”. Os pressupostos da Wi-
kipédia se baseiam na seguinte premissa: ao longo
do tempo, a colaboração dos usuários melhorará
seu conteúdo e as informações disponíveis para a
construção do saber, de forma semelhante ao modo
como a comunidade de código aberto aprimorou
a primeira versão do Linux, contribuindo com os

36
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
membros da comunidade de software livre e códi-
go aberto. Assim, enquanto aspecto positivo, temos
uma enciclopédia gratuita, aberta, em constante
atualização de seu conteúdo, que pode ser composto
do coletivo de todas as enciclopédias já publicadas
ao longo da história da humanidade, e em constante
crescimento Em contrapartida, enquanto aspecto
negativo, reconhecemos que abertura da Wikipé-
dia, sua maior potencialidade, é também seu ponto-
-fraco, na medida em que ela está constantemente
vulnerável e sujeita à vandalismo digital. É possível
encontrar imprecisões em algumas de suas pági-
nas, por exemplo, bem como guerras editoriais e/
ou teórico-conceituais, perspectivas tendenciosas e
negação de opiniões contrárias, e assim por diante.
Cumpre elucidar que, para Lévy (2010a), inteli-
gência coletiva não se refere apenas ao cognitivo, con-
forme evidenciado pelo exemplo da Wikipédia. A in-
teligência coletiva “é uma inteligência distribuída por
toda parte, incessantemente valorizada, coordenada
em tempo real, que resulta em uma mobilização efeti-
va das competências” (LÉVY, 2010a, p. 28), tem início
com a cultura e cresce com ela (FIALHO, 2011).
Esse conceito de inteligência coletiva (LÉVY,
2010a) se torna mais real quando o ciberespaço dá
suporte para a formação de comunidades virtuais,
que usam a internet como o seu lugar “não lugar”.
Os ambientes são fluídos, maleáveis, podem estar

37
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

em um determinado espaço, mas em vários outros


também. Pensemos nos casos hipotéticos (mais vol-
tados à educação, que é sempre o nosso escopo) das
web-conferências entre educadores(as) ou das vi-
sitações online à museus ou bibliotecas digitais de
qualquer lugar do mundo.
Considerando a interconexão, a criação de co-
munidades virtuais e a inteligência coletiva, Pierre
Lévy ainda aponta que a internet poderia resolver
alguns problemas que a humanidade enfrenta hoje,
como a falta de fraternidade. Para o autor, a inter-
net seria capaz de renovar os laços sociais entre as
pessoas; ela coloca os problemas do laço social em
outras bases. Quer dizer: podemos pensar coletiva-
mente em um espaço que não é geográfico, nem ins-
titucional, mas sim um “espaço qualitativo, dinâmi-
co, vivo da humanidade em vias de se auto-inventar,
produzindo seu mundo” (LÉVY, 2010a, p. 15).

O ciberespaço como espaço de


autonomia na educação

Enquanto educadoras e educadores, acredita-


mos que a educação seja um caminho para desen-
volver cidadãos mais atuantes socialmente, mais
críticos e autônomos. Freire (1996) já nos falava
sobre essa importância da construção da autono-
mia como processo de amadurecimento, de vir a ser.

38
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
Assim, julgamos de extrema importância repensar
os processos de ensino e de aprendizagem para a
sociedade atual, no sentido de educar para o mundo
que está sendo e virá a ser (LEFFA, 1999), através
do aproveitamento pleno da natureza interativa das
tecnologias digitais atuais e da mudança paradig-
mática rumo a uma educação centrada na participa-
ção ativa dos(as) educandos(as), envolvendo-os(as)
plenamente no processo. Acreditamos que isso é
possível com métodos e abordagens empregadas
com as tecnologias contemporâneas embasadas por
uma perspectiva freireana de educação libertadora.
No sistema de ensino tradicional há um profes-
sor, que é o detentor e transmissor de conhecimen-
tos, o que até fazia certo sentido em um mundo com
acesso à informação tão mais restrito e excludente.
Essa ideia (perversa) de que o(a) professor(a) deve
transmitir conhecimentos aos alunos(as), e que es-
tes deve reproduzi-los sem criticidade, é denomi-
nada “concepção bancária” da educação, segundo
Freire. Para ele (FREIRE, 1996), corremos o risco
de incorrer em um ensino bancário se perdermos de
vista a importância de contemplar o caráter forma-
tivo da escola e da educação. Por isso, transformar a
experiência educativa
em puro treinamento técnico é amesquinhar o que
há de fundamentalmente humano no exercício edu-
cativo: o seu caráter formador. Se respeita a nature-

39
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

za do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode


dar-se alheio à formação moral do educando. Educar
é substantivamente formar. (FREIRE, 1996, p. 33)

Atualmente, não podemos pensar no empreendi-


mento educativo sem relacioná-lo aos educandos e às
educandas nascidos(as) e inseridos(as) e em um mun-
do mais digital, no qual as pessoas constroem relações
completamente diferentes com o processo de aprendi-
zagem. Cada nova geração pode ser interpretada como
em maior sinergia com as práticas e ferramentas de
seu tempo, demonstrando possíveis notórias habilida-
des com os usos dessas tecnologias emergentes. Não
estamos discutindo apenas o uso dessas novas tec-
nologias pelos(as) educandos(as) da atualidade, mas
também a ideia esperançosa5 e utópica de que cada
nova geração tenha maior acesso às tecnologias, em
termos democráticos, e possa fazer usos mais éticos,
sustentáveis e ecológicos delas em seu lugar-tempo,
em suas vidas. Desse modo, os indivíduos não somente
têm acesso a qualquer tipo de conteúdo, mas também
podem pensar-questionar-aprender com um dispositi-
vo móvel ao seu alcance. Por isso, percebemos a neces-
sidade de (re)pensar a relação de ensino e de aprendi-
zagem com ênfase no desenvolvimento da autonomia.
5 Empregamos, aqui, o conceito de “esperança”, de Paulo
Freire, que se opõe à “espera”, ao ato de “esperar em vão”. O
sentimento de esperança, em Freire, remete ao neologismo
“esperançar”, verbo que tem conotações de ir à luta, protes-
tar, em lugar de esperar passivamente por algo.
40
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
Freire enfatiza que tanto os(as) educadores(as)
quanto os(as) educandos(as) são transformados(as)
no processo pedagógico, em que ambos se educam
mutuamente na relação e aprendem mediados pelo
contexto social, econômico e cultural. Essa educa-
ção, essencialmente problematizadora, estimula a
consciência crítica da realidade e a postura ativa de
discentes e docentes nos processos pedagógicos, de
forma que as condições do entorno sejam reconheci-
das e valorizadas. Nesse viés, a educação é compreen-
dida como um ato político, e as relações estabelecidas
entre os atores envolvidos – educandos(as) e educa-
dores(as) – devem construir conhecimentos críticos
e centrados na busca pela autonomia.
No entanto, cabe lembrar: “ninguém é sujeito da
autonomia de ninguém” (FREIRE, 1996, p. 107),
uma vez que a autonomia é resultado de um esforço
individual que gera o próprio amadurecimento e se
constrói nas relações entre seres humanos, e somen-
te nestas interações se concretiza. Essa é, pois, uma
visão em oposição à concepção bancária de educação,
que parte do pressuposto de que o professor é deten-
tor único dos conhecimentos legítimos e que o aluno
é um mero receptor passivo de informações.
Nessa lógica, existe uma diferença quanto ao po-
der e à autonomia, pois o(a) professor(a) é o sujeito
da ação, ele(a) ensina e considera o(a) aluno(a) um
objeto passivo e receptivo. Além disso, o contexto

41
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

é desvalorizado, a história de vida dos indivíduos


é secundária, e a ação educativa é uma forma de
opressão e subjugação (até mesmo de colonização).
Em oposição a isso, o educador e a educadora, por
sua vez, não são sujeitos da autonomia do(a) edu-
cando(a): tais sujeitos se educam na correlação, no
diálogo, mediados pelo mundo e pautados na cons-
trução da autonomia. Em busca dessa autonomia na
educação, Freire preconiza a estratégia da ação-re-
flexão-ação, utilizando como ferramentas o estímu-
lo à curiosidade, a postura ativa e a experimentação
do(a) educando(a), fomentando a análise crítica da
realidade durante a formação.
Dessa forma, acreditando na indissociabilidade
entre educação, linguagem e sociedade, enquanto
educadores(as), buscamos intervir no espaço de en-
sino e de aprendizagem por acreditar na ação peda-
gógica como transformadora da realidade:
Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e
com os outros de forma neutra. Não posso estar
no mundo de luvas nas mãos constatando apenas.
A acomodação em mim é apenas caminho para a
inserção, que implica decisão, escolha, interven-
ção na realidade. Há perguntas a serem feitas in-
sistentemente por todos nós e que nos fazem ver
a impossibilidade de estudar por estudar. De estu-
dar descomprometidamente como se misteriosa-
mente, de repente, nada tivéssemos que ver com
o mundo, um lá fora e distante mundo, alheado de
nós e nós dele. (FREIRE, 1996, p. 77)

42
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
Julgamos extremamente importante que, além
do reconhecimento das transformações culturais
e políticas das tecnologias online na forma como
os(as) estudantes interagem com o mundo, repen-
semos nossa práxis com relação ao “como” e ao
“para quem” ensinamos, visando a qualificar os re-
sultados da aprendizagem e o engajamento dos(as)
estudantes (STEIN; GRAHAM, 2014). Porquanto,
não nos interessa meramente refletir sobre tecnolo-
gia no ensino sem relacioná-la com a aprendizagem
e enxergar o elemento fundamental deste processo,
que é o educando e a educanda em sua libertação/
emancipação. Novamente, relembramos as palavras
de Freire, de que não se trata de divinizar ou dia-
bolizar a tecnologia6 ou a ciência, sendo tais ações
formas altamente negativas e perigosas de “pensar
errado” (FREIRE, 1996, p. 33). Trata-se, em con-
trapartida, de um compromisso com a decência
6 Também em A importância do ato de ler, Freire emprega
essas mesmas palavras para apontar: “Nunca fui ingênuo
apreciador da tecnologia: não a divinizo, de um lado, nem a
diabolizo, de outro. Por isso mesmo sempre estive em paz
para lidar com ela. Não tenho dúvida nenhuma do enorme
potencial de estímulos e desafios à curiosidade que a tecno-
logia põe a serviço das crianças e dos adolescentes das clas-
ses sociais chamadas favorecidas. Não foi por outra razão
que, enquanto secretário de educação da cidade de São Pau-
lo, fiz chegar à rede das escolas municipais o computador.
Ninguém melhor do que meus netos e minhas netas para
me falar de sua curiosidade instigada pelos computadores
com os quais convivem” (FREIRE, 1989, p. 34).
43
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

(ética) e com boniteza (estética) de mãos dadas, de


uma prática educativa que é, em si, um testemunho
rigoroso de decência e de pureza (FREIRE, 1996).
Lembramos também o alerta de Paulo Freire:
não devemos adotar a tecnologia como demanda
neoliberal, de mercado ou porque faz parte da vida
dos(as) estudantes(as), mas sim porque, enquanto
educadores(as), neste mundo, temos um compro-
misso educacional ético e estético. Em outras pala-
vras: buscamos a transformação da educação para
além da boniteza de uma sala de aula com celulares
e internet, mas pela ética de estar no mundo, com o
mundo, sempre construindo uma pedagogia pauta-
da pela autonomia.
Portanto, ao tentar criar inteligibilidade sobre a
questão da aprendizagem mediada sobretudo pelas
tecnologias contemporâneas, para além da acepção
de “autonomia”, consideramos também o conceito de
“inacabamento” em Freire (1996), o qual afirmou que
o ato de ensinar exige a consciência sobre sermos
inacabados, propondo uma formação permanente
enquanto educadores(as). Nesse sentido, tecnologias
digitais e educacionais desempenham importante pa-
pel de desestabilização, levando-nos a buscar novas
estratégias para a prática pedagógica. Essa deses-
tabilização não necessariamente precisa ser vista de
forma negativa: o mundo está sempre em constante
transformação, assim como os indivíduos e suas in-

44
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
terações. A educação, por conseguinte, também está
sempre mudando, em fluxo, em devir. Constante-
mente (re)pensar nossas práticas não é, nesse viés,
um fardo, mas uma oportunidade de acompanhar a
vida e as pessoas construindo suas autonomias e sua
criticidade frente às coisas do mundo.
A ressignificação dos processos educacionais
poderá ocorrer principalmente através da ressig-
nificação do papel do(a) educador(a), que mediará
pela autonomia e através da invisibilidade. Por in-
visibilidade estamos pensando nessa nova posição
do(a) educador(a), a transformação radical deste
que costumava ser o centro da sala de aula. Pois
a tendência paradigmática passa a ser do educa-
dor(a) enquanto sujeito e instrumento invisível que
aproxima o(a) educando(a) do seu objeto de estudo
(LEFFA, 2012), mas sendo ele indispensável na or-
ganização do processo de ensino e de aprendizagem
para atingir o objetivo de conduzi-lo de maneira
problematizadora e emancipadora.

45
A VISÃO DE FREIRE SOBRE AS TECNOLOGIAS
NA EDUCAÇÃO
Neste capítulo, propomos discussões iniciais so-
bre o que se entende por “tecnologia”. Oriundo de
duas palavras gregas – tekhne, ou techné, que signi-
fica “técnica, arte, ofício”, e logos, que alude à noção
de “conjunto da saberes” –, o termo “tecnologia”
deve ser compreendido com atenção e cuidado, por
sua amplitude semântica, abrangendo processos,
métodos, técnicas e recursos relativos à arte, à in-
dústria, à cultura, à educação, entre outros tópicos.
Essa acepção ampla de “tecnologia” na educação
já foi abordada na produção intelectual individual
de Freire, bem como no diálogo entre ele e outros
grandes pensadores, como Seymour Papert1, edu-
cador e matemático sul-africano. Visando a contri-

1 Papert (1928-2016), que é mundialmente reconhecido por


seu trabalho pioneiro de estudo das tecnologias nos pro-
cessos de aprendizagem, interpreta Paulo Freire como um
pensador de grande contribuição quanto ao uso das tecno-
logias na educação. Um debate entre eles, sobre as escolas e
as tecnologias na aprendizagem, aconteceu na Universida-
de de São Paulo (USP), em 1995. Tal encontro foi gravado
em vídeo e pode ser encontrado disponível na Web, bem
como buscado de acordo com a seguinte referência: O FU-
TURO da Escola: Seymour Papert e Paulo Freire - uma
conversa sobre informática, ensino e aprendizagem. Produ-
ção da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – TV
PUC. São Paulo: PUC-SP, 1995. Vídeo na internet (60 min.)
47
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

buir com esses debates, buscamos agora explorar


essa acepção complexa de tecnologia na proposição
de um diálogo entre Paulo Freire e Pierre Lévy.

Afinal, o que é “tecnologia”?

Consideremos que há pelos menos duas manei-


ras de conceituar “tecnologia”. Uma primeira, mais
sintética e voltada às noções de “máquinas e ins-
trumentos”, remete aos recursos tecnológicos que
usamos em nosso dia-a-dia para determinados fins
ou ações, como o aparelho celular. Se não limitamos
nossa imaginação, logo percebemos que a carteira
de identidade, os sapatos que calçamos e as chaves
que usamos para abrir portas são, também, recur-
sos e, por conseguinte, tecnologias. Se aguçarmos
ainda mais nosso olhar histórico sobre a questão,
notamos que a pedra lascada e o fogo foram (e ain-
da são) também importantes tecnologias para a hu-
manidade. Nessa linha de pensamento, tudo o que
empregamos em nossa vida, em nossas práticas so-
ciais, podem ser compreendidas como tecnologias.
Essa noção de um objeto que serve a um objeti-
vo, entretanto, não se restringe apenas aos recursos
físicos: podemos ter importantes ferramentas (ou
tecnologias) virtuais/abstratas, como a língua e as
linguagens, a modo de ilustração. Tal ideia já estava
presente na obra do pensador bielo-russo Lev Vy-

48
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
gotsky (1986-1934) há décadas: para a teoria vygot-
skiana, em todas as suas ações, o ser humano conta
com instrumentos técnicos. Esses instrumentos po-
dem ser a própria invenção e o uso de signos e fer-
ramentas virtuais, bem como de instrumentos físi-
co-materiais. No campo da cognição, podemos ter os
instrumentos simbólicos e os instrumentos psicoló-
gicos superiores – para variadas práticas e fins, como
lembrar, escolher, comparar... – de forma análoga à
produção de instrumentos e ferramentas físicas e
concretas, como o martelo, o caderno e a bicicleta.
Essa possibilidade de expandir a noção de “tec-
nologia” para muito além do olhar imediato sobre
alguns “objetos” concretos e suas finalidades mais
notórias nos leva à segunda forma de conceituá-
-la, de forma mais holística e complexa, abarcando
a compreensão sobre as técnicas, os processos, os
meios e os métodos inerentes aos instrumentos e
às atividades humanas. Esta segunda acepção é a
adotada por Pierre Lévy em sua obra, e contempla
princípios que não devem ser negligenciados quan-
do estão em foco as tecnologias na educação.
Com base em Lévy (2010b), temos um conceito
de “tecnologia” que rompe com uma pretensa opo-
sição entre o ser humano e a máquina, ideia bastan-
te retrógrada, que ainda sobrevive no meio educa-
cional. Estamos falando, isto sim, de “técnica”, uma
das dimensões fundamentais dos seres, e na qual

49
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

está em jogo “a transformação do mundo humano


por ele mesmo” (LÉVY, 2010b, p. 7). Somos, por-
tanto, seres constituídos pelas nossas técnicas, pe-
los nossos usos, pelos entendimentos que fazemos
desses usos, assim como vivemos em um mundo
que é constituído dessa mesma essência.
As ideias de Paulo Freire sobre as tecnologias
não estão muito distantes dessa linha de raciocínio
de Pierre Lévy. Alencar (2005) elucida que Freire en-
tendia a tecnologia como uma das “grandes expres-
sões da criatividade humana” (FREIRE, 1968, p. 98)
e como “a expressão natural do processo criador em
que os seres humanos se engajam no momento em
que forjam o seu primeiro instrumento com que me-
lhor transformam o mundo” (FREIRE, 1968, p. 98).
De tal forma, as tecnologias fazem parte do desen-
volvimento natural de todo e qualquer ser humano
(FREIRE, 1968), e são elementos para a afirmação
de uma sociedade (FREIRE, 1993, p. 53), sobretudo
por serem processos e produtos humanos.

Semelhanças entre os pensamentos de Freire


e Lévy sobre a tecnologia

Temos ao menos quatro grandes semelhanças en-


tre as acepções de “tecnologia” subjacentes à obra de
Paulo Freire e à obra de Pierre Lévy. A primeira diz
respeito à ideia de a tecnologia não se limitar ao re-

50
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
curso per se, sozinho, descontextualizado. Para ambos,
“tecnologia” é uma noção ampla, que abarca a técnica
e seu entorno: da concepção e produção da tecnolo-
gia até seu uso, contemplando ainda, no processo, os
pensamentos, os modos e os meios de uso, as formas
de interpretação e as reflexões sobre ela. Lévy explica
que a tecnologia não seria um ator autônomo, separa-
do da sociedade e da cultura (que seriam apenas en-
tidades passivas percutidas por um agente exterior).
Pelo contrário: a técnica abrange a parte material e
artificial das atividades humanas. Essas atividades
humanas compreendem, de maneira indissolúvel, (a)
as interações entre as pessoas vivas e pensantes, (b) as
entidades materiais naturais e artificiais e (c) as ideias
e as representações (LÉVY, 2010c, p. 22).
Nesse mesmo viés, uma segunda semelhança
notória nas discussões sobre as tecnologias propos-
tas por Freire e Lévy diz respeito ao viés social das
técnicas. De acordo com Alencar (2005), um ele-
mento importante da concepção de tecnologia de
Freire é a politicidade:
A tecnologia, como prática humana, é política,
é permeada pela ideologia. Ela tem um fim bem
determinado, serve a um grupo de pessoas e aos
mais diversos interesses: a tecnologia não é neu-
tra, é intencional e não se produz nem se usa sem
uma visão de mundo, de homem e de sociedade
que a fundamente (ALENCAR, 2005, p. 3).

51
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Lévy não só concorda que as tecnologias não


são neutras2, como também opta por esse caminho
da indissociabilidade tecnologia-sociedade-política.
Isso é perceptível em seu interesse nas transforma-
ções e revoluções sociais geradas pela retirada do
poder tecnológico e de cálculo exclusiva das mãos
das empresas corporativistas, do Estado e do Exér-
cito, para alcançarem, também, as mãos da popu-
lação, da sociedade como um todo. Tudo isso leva
a outro tipo de discussão sobre o papel e emprego
dessa tecnologia e das pessoas que a desenvolve na
construção de uma nova sociedade, que, espera-se,
seja mais democrática.
Essa triangulação tecnologia-sociedade-política
também está presente na reflexão sobre a correla-
ção entre “técnica” e “cultura”. Para Lévy, não há
problemas de ordem “puramente técnica” ou “pura-
mente cultural”, ou, ainda, “puramente econômica”
e assim por diante. As verdadeiras relações não são
criadas entre “a” tecnologia (que seria da ordem da
causa) e “a” cultura (que sofreria os efeitos), mas
entre um grande número de atores humanos que
inventam, produzem, utilizam e interpretam de di-
ferentes formas as técnicas, que carregam consigo
projetos, esquemas imaginários e implicações so-
ciais-culturais variadas (LÉVY, 2010c, p. 23).
2 Uma técnica não é nem boa, nem má (isto depende dos
contextos, dos usos e dos pontos de vistas), tampouco é
neutra, segundo Pierre Lévy (2010c, p. 26).
52
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
Uma terceira semelhança de indiscutível har-
monia quanto à tecnologia, nas obras de Lévy e
Freire, diz respeito à educação. Paulo Freire, ao
pensar as tecnologias, evidentemente, não deixava
de pensar sobre o papel delas no fazer educacional;
Lévy tampouco deixou de debater, sob o prisma da
cibercultura, a nova relação com o saber, que deve
balizar qualquer reflexão sobre o futuro dos siste-
mas de educação (LÉVY, 2010c, p. 159).
Sobre esse tema, Alencar (2005, p. 3) lembra que
Paulo Freire, reconhecendo as exigências do seu
tempo e as potencialidades dos recursos tecnológi-
cos, sempre foi favorável ao uso de certas tecnologias
com rigor metodológico. O educador brasileiro che-
gou a usar o projetor de slides, o rádio, a televisão,
os gravadores e o videocassete, e contemplou curio-
samente o computador, entre outros recursos tecno-
lógicos. Paulo Freire anteviu usos agregados dessas
tecnologias para a educação e, mais notoriamente,
para a alfabetização de jovens e adultos. Isso porque,
enquanto homem e educador sensível, percebeu nos
homens e nas mulheres de seu contexto a emergên-
cias de diferentes formas de raciocinar, lidar com as
informações, questionar... Enfim, Freire mostrou-se
sensível a diferentes “tecnologias intelectuais”, para
usarmos um conceito de Lévy (2010c, p. 159).
Para Lévy, outro aspecto importante da educação
na cibercultura é a mudança do saber-fluxo, do tra-

53
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

balho-transação de conhecimento e as novas tecno-


logias da inteligência (individual e coletiva). Talvez
o aspecto mais notório dessa mudança seja a perda
progressiva do monopólio da criação e difusão do
conhecimento, das escolas e universidades, para uma
nova forma de fazer a educação e pensá-la, consi-
derando principalmente a educação das pessoas em
suas atividades sociais e profissionais. Nesse sentido,
Lévy aponta que os sistemas públicos de educação
podem ao menos tomar para si a nova missão de
orientar os percursos individuais no saber e de con-
tribuir para o reconhecimento dos conjuntos de sa-
beres pertencentes às pessoas, incluindo aí também
os saberes não-acadêmicos. Há, nesse aspecto, uma
correlação inegável com a obra de Freire no que con-
cerne aos saberes populares, à educação não-formal,
e, ainda, ao respeito aos saberes outros de educandas
e educandos, sujeitos de sua construção do conheci-
mento (LÉVY, 2010c, p. 160).
Cabe, ainda, uma quarta semelhança entre os pen-
samentos de Lévy e Freire, oriundo dessa mudança
que a cibercultura corrobora na educação: a ressigni-
ficação dos papeis de educador(a) e educando(a). Para
Freire (1996) os processos educativos libertadores –
mesmo aqueles almejados antes do advento do cibe-
respaço – alicerçam-se na máxima “Ninguém educa
ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREI-

54
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
RE, 2011, p. 95). Esse pensamento, segundo Malaggi,
Silva e Teixeira (2018, p. 195) sintetiza o processo de
ressignificação dos papeis do(a) docente e discentes
no seio da superação da contradição educador(a)-edu-
cando(a). É nesse sentido que Lévy (1999), ao refletir
sobre as modificações estruturais da educação na ci-
bercultura, postula que a apropriação das tecnologias
interativas cria novos espaços-tempos educativos. Em
tais espaços-tempos virtuais,
[...] professores e estudantes partilham os recur-
sos materiais e informacionais que dispõem. Os
professores aprendem ao mesmo tempo que os
estudantes e atualizam continuamente tanto seus
saberes ‘disciplinares’ como suas competências
pedagógicas (LÉVY, 1999, p. 171).

Temos, assim, uma potência inerente à cibercul-


tura: por meio do ciberespaço, é possível romper com
os papeis tradicionais de ensino e de aprendizagem
(ADAMS et al., 2013). Logo, podemos conciliar, de
forma harmônica e radicalmente democrática, tanto
a liberdade de educandos(as) e educadores(as) – su-
jeitos-autores que participam e intervém nas ações
de apropriação e (re)criação dos conhecimentos –
quanto a autoridade desses(as) educadores(as), que
possui sua especificidade docente ancorada na inter-
venção pedagógica necessária aos processos educa-
tivos, de cunho dialógico e problematizador (MA-
LAGGI; SILVA; TEIXEIRA; 2018, p. 195).
55
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Outras publicações, cada uma a seu modo, também


propõem diálogos entre Paulo Freire e Pierre Lévy.
Brennand e Medeiros (2005), por exemplo, propõem o
diálogo, com sua essência colaborativa e democrática,
como síntese da ação sobre o mundo e, por conseguin-
te, elemento de aproximação entre uma educação po-
pular-libertadora e a cibercultura. Para tais autores, o
diálogo em rede é ponto de aproximação entre Freire
e Lévy, por ser potência propulsora de uma educação
libertadora e pautada na autonomia na cibercultura.
A obra As diferentes faces e interfaces de uma edu-
cação para o século XXI, organizada por Lira (2018)
também propõe conexões não somente entre Freire
e Lévy, mas também outros pensadores, como Ed-
gar Morin, Fernando Hernández e Rudolf Steiner.
Indicamos tais obras, e outras (e.g. ADAMS et al.,
2013), como leituras de aprofundamento dos deba-
tes acerca da cibercultura e do legado freireano.

Por uma práxis tecnológica freireana

Conforme já mencionado, a tecnologia, para


Paulo Freire, não devia ser vista de qualquer modo
ou empregada para fins educacionais sem uma de-
vida preparação. Na opinião de Alencar, podemos
dizer que Freire delineou uma metodologia de uso e
análise para todo tipo de tecnologia que venha a ser
incorporada nas práticas educacionais (ALENCAR,

56
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
2005, p. 3). Tal metodologia, que conceberemos en-
quanto uma “práxis tecnológica” freireana, conta
com pelo menos quatro princípios, por assim dizer,
sobre os quais discorremos a seguir.

1) O primeiro princípio trata do uso intencional e


político da tecnologia. O uso da tecnologia está im-
buído de ideologia, não se pode negligenciar isso.
Como aparato ideológico, qualquer recurso técnico
deve ser desconstruído e revisado nas suas “entra-
nhas”. Quer dizer:
É preciso identificar o que fundamenta práticas
e usos tecnológicos, para combatê-las ou mesmo
reverter seu uso para as causas a que se defende.
E isso é extremamente importante porque até a
construção de softwares, páginas da web ou apli-
cativos são baseados em uma certa concepção de
mundo, de homem ou de ensino e aprendizagem
(ALENCAR, 2005, p. 3).

Esse primeiro princípio destaca, em suma, a im-


portância de não sermos ingênuos quanto à tecnolo-
gia. A ideia de que a tecnologia vem de algum lugar
de fora, tão criticada por Pierre Lévy, demonstra essa
“ingenuidade”: as tecnologias não vêm de fora, de al-
gum lugar externo; são os seres humanos que as de-
senvolvem e usam. Por conseguinte, como nos lembra
Freire, temos que pensar nos objetivos por trás dessas
tecnologias, temos que cuidar as intencionalidades
que moveram os seres humanos que a produziram.
57
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

2) O segundo princípio para uma práxis tecnoló-


gica refere-se à necessidade de se compreender,
controlar e dominar a tecnologia. Freire (1977,
p. 129), parafraseando o pensador estadunidense
Harry Braverman (1920-1976), em seu livro Labor
and Monopoly Capital – The degradation of work in
the twentieth century, defendia que, para se usar os
aparatos tecnológicos, era preciso compreender a
sua razão de ser. Os trabalhadores não podem ser
alienados quanto ao uso, como se fossem máquinas
irracionais (ALENCAR, 2005).

Um exemplo pertinente para essa questão são os


próprios docentes atuantes em cursos online (tão po-
pulares na cibercultura) e presenciais também. En-
quanto profissionais da educação, eles não podem ser
reduzidos ao papel de máquinas que somente reali-
zam movimentos repetitivos, sem a mínima noção do
que fazem ou do que produzem, trabalhadores hiper-
-especialistas. Entender o processo é de fundamental
importância para Paulo Freire, porque conduziria os
homens à humanização, a deslocar-se de uma con-
cepção de meio como suporte, para a ideia de mundo
possível, isto é, passível de transformação, evitando
assim, a “maquinização” ou animalização instintiva
dos seres humanos (ALENCAR, 2005). Paulo Freire
afirma: “Quando se diz ao educador como fazer tec-
nicamente uma mesa e não se discute as dimensões

58
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
estéticas de como fazê-la, castra-se a capacidade de
ele conhecer a curiosidade epistemológica” (FREI-
RE; PASSETI, 1994-1995, p. 87).

3) O terceiro princípio para uma práxis tecnológica


é a necessária “redução sociológica”. Freire temia e
acreditava que, em muitas circunstâncias, inovações
tecnológicas têm sido impostas de cima para baixo,
de forma nada dialógica ou democrática. Esse fenô-
meno tecnológico também poderia ser caracteriza-
do como imposição no sentido “de fora para den-
tro”, caracterizando, assim, uma verdadeira invasão
cultural (FREIRE, 1976, p. 24).

Para o Patrono da Educação Brasileira, toda


tecnologia tem de ser compreendida. Para tanto,
ela deve, primeiramente, ser contextualizada, isto
é, contextualizar a tecnologia em si própria, sua
gênese e utilização, desvelando os interesses e a
ideologia implícita, os benefícios e as limitações do
uso (ALENCAR, 2005). Além disso, em seguida,
a tecnologia deve ser identificada, no sentido de
identificá-la com o contexto local, discutindo suas
implicações na vida dos usuários ativos e a melhor
forma de incorporá-la para o bem daquele grupo
naquele contexto. No caso das tecnologias educa-
cionais, devemos identificar a tecnologia ao pensar-
mos a melhor forma de incorporá-la em métodos e

59
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

abordagens para o bem de um grupo discente em


um determinado contexto (escolar, universitário,
de educação popular ou não-formal etc.).

4) O quarto e último princípio, para uma possível prá-


xis tecnológica no viés de Freire, é a atitude assumida
diante da tecnologia. Paulo Freire advogava que nos-
sa atitude deve ser “criticamente curiosa, indagadora,
crítica, vigilante”, e que devemos sempre refleti-la:
O que me parece fundamental para nós, hoje, me-
cânicos ou físicos, pedagogos ou pedreiros, mar-
ceneiros ou biólogos é a assunção de uma posição
crítica, vigilante, indagadora, em face da tecnolo-
gia. Nem, de um lado, demonologizá-la, nem, de
outro, divinizá-la (FREIRE, 1992, p. 133).

O foco, então, é usar a tecnologia e não ser usa-


do ou manipulado docilmente como objetos por ela.
Não que a tecnologia tenha vida por si própria, mas
ela pode ser usada para manipular e estar a servi-
ço de uma concepção de mundo que não é emanci-
padora (ALENCAR, 2005, p. 4). Não podemos ser
objetos de comunicados ou consumidores ávidos de
pacotes tecnológicos. Freire, referindo-se à televi-
são3, insiste que “devemos usá-la, sobretudo, discu-
ti-la” (FREIRE, 1996, p. 139).
3 Neste trecho da Pedagogia da Autonomia, Freire não se
refere à TV por si só, ou como tecnologia apenas, mas tam-
bém abarca o papel da mídia em geral e as comunicações
como um todo, que nunca são neutras.
60
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
Para deixar mais didático esse debate, é possível
buscar algumas reflexões tecidas por Freire no con-
junto de sua obra, e, de modo mais pontual, em A
Pedagogia da Indignação e no artigo “A máquina está
a serviço de quem?”, já mencionado anteriormente:
[...] o exercício de pensar o tempo, de pensar a
técnica, de pensar o conhecimento enquanto se
conhece, de pensar o quê das coisas, o para quê, o
como, o em favor de quê, de quem, o contra quê,
o contra quem são exigências fundamentais de
uma educação democrática à altura dos desafios
do nosso tempo (FREIRE, 2000, p. 102).

Diferentes pesquisadoras e pesquisadores já


abordaram em seus estudos essas preocupações
freireanas acerca da curiosidade necessária aos usos
das tecnologias. Alder Ferreira Calado, por exem-
plo, citado por Alencar (2005), destaca a preocu-
pação de Freire sobre a importância de um olhar
constantemente curioso e crítico sobre a tecnologia:
[...] ao acolher positivamente os avanços tecnoló-
gicos, [Freire] nunca abdicou de fazê-lo, de modo
crítico, a exemplo de como se posiciona frente à
utilização de novas tecnologias, no caso específi-
co da penetração da informática nas escolas: ‘Já
disse que faço questão de ser um homem do meu
tempo. O problema é saber a serviço de quem, e
de quê, a informática estará agora maciçamente
na educação brasileira’ (CALADO, 2001, p. 27).

61
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Essa práxis tecnológica aqui debatida, com base


em pressupostos teórico-metodológicos esquema-
tizados a partir da obra de Paulo Freire, eviden-
temente, não compõe um método a ser seguido à
risca, como um manual ou uma receita. Temos, na
melhor das hipóteses, um conjunto de aspectos a se-
rem considerados por educadores e educadoras em
suas realidades sociais, suas escolas, seus contextos
de trabalho docente, não da mesma forma como fez
Freire, pois isso já não é possível: as tecnologias
que ele testemunhou e usou já não são mais as mes-
mas, assim como o cenário educacional brasileiro já
não é o mesmo de décadas atrás. A reflexão sobre
o uso político da tecnologia, sua compreensão, con-
trole e domínio, assim como a curiosidade sobre ela,
e a atitude assumida frente a ela, devem estar em
constante atualização e reinvenção, acompanhando
a cibercultura na qual estamos inseridos(as).

62
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA,
EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIA
No presente capítulo, debatemos algumas mo-
dalidades de ensino em crescimento no Brasil, em
grande medida em função da cibercultura. A dis-
cussão proposta não se dá apenas à luz da obra de
Paulo Freire, mas também no viés das metodolo-
gias ativas. Em síntese, as metodologias ativas bus-
cam a construção e colaboração dos(as) estudantes,
estimulam a reflexão, a autonomia e a pesquisa, es-
tando, portanto, em alinhamento com os princípios
teórico-metodológicos de Freire.
Com base em Diesel, Baldez e Martins (2017)
apreendemos como princípios das metodologias
ativas de educação: (1) Educando(a), centro do pro-
cesso de aprendizagem – a partir de uma maior
integração dele(a) no processo de construção do
próprio conhecimento e de uma participação mais
efetiva em sala de aula. (2) Autonomia – a partir da
postura mais ativa do(a) estudante acredita-se estar
estimulando(a) o desenvolvimento de uma postura
mais autônoma e crítica. (3) Problematização da
realidade e reflexão – a partir da busca pela inte-
gração dos conteúdos com o contexto social. (4)
Trabalho em equipe – a partir das atividades pro-
postas que visam favorecer a interação constante
entre discentes. (5) Inovação – a partir da crença de
63
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

que tais metodologias exigem ousadia e coragem de


educadoras e educadores. (6) Educador(a): media-
dor(a) – a partir da constatação de que este assume
uma postura investigativa da própria prática e da
concepção de que a prática pedagógica é essencial-
mente formadora. A partir desses princípios, passa-
mos a discutir a EaD e o Ensino Híbrido.

EaD

“EaD” é sigla usual na agenda do dia da educa-


ção nacional (e internacional). Seu uso recorrente
e o crescente número de publicações acadêmicas
adotando-a como objeto de estudo, entretanto, não
isentam o conceito de talvez ainda ser hermético e
gerar dúvidas.
A esse respeito, Leffa e Maximina Freire (2013)
entendem que a EaD contemporânea – que se ca-
racteriza principalmente pelas tecnologias online e
em rede – pode ilustrar um possível descompasso
entre os mundos falado e vivido. Em melhores pa-
lavras: nem sempre a língua acompanha a evolução
das tecnologias e, portanto, do mundo. Podemos
interpretar, sim, que o mundo é constituído pela (e
na) língua, no sentido que ela o constrói e o modela
em suas teias lexicais e sintáticas. Mas é necessá-
rio perceber quando o mundo transborda da língua,
indo muito além dela (LEFFA; FREIRE, 2013). “O

64
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
que permanece é o desafio de dar conta de um mun-
do novo com palavras antigas: a EaD não cabe nas
palavras que usamos para descrevê-la” (LEFFA;
FREIRE, 2013, p. 13).
A exemplo disso, precisamos pensar, por exem-
plo, se de fato a “distância”, como a concebemos ori-
ginalmente, caracteriza a (e confere um desfalque
à) EaD. Para Leffa e Freire (2013), tal distância não
existe mais, nem é obstáculo para a aprendizagem,
na medida em que mecanismos de mediação (fer-
ramentas, tecnologias, recursos variados) são capa-
zes de propiciar interação simultânea entre agentes
geograficamente distantes.
Claro que em momentos anteriores, como no
ensino por correspondência ou por rádio, havia
uma distância notória. Na atualidade, contudo,
essa distância física-geográfica já pode dar lugar a
discussões outras, como aquelas sobre outras dis-
tâncias muito mais importantes para uma educa-
ção sob o prisma freireano: distâncias sociais, cul-
turais, cognitivas... Para exemplificar, recorremos
à ilustração dos autores (LEFFA; FREIRE, 2013)
sobre a (criticável) aprendizagem tradicional, na
qual se presumia que devesse haver distância entre
a sabedoria do professor (o detentor do conheci-
mento) e a ignorância do aluno, sendo o papel do
professor tentar suprimir essa distância por meio
de lições e exercícios.

65
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Também cabe mencionar a dita “distância so-


cial”. Esta se dá:
envolvendo inúmeros aspectos na relação do su-
jeito com os outros, conferindo prestígio a um
indivíduo e desqualificando outro. Pode envolver
questões de hierarquia (general versus soldado
raso), de uso da língua (norma padrão versus dia-
leto caipira), de posse de bens materiais (rico ver-
sus pobre), de endereço residencial (bairro nobre
versus favela), entre tantas outras possibilidades
(LEFFA; FREIRE, 2013, p. 17).

A distância entre sabedoria-ignorância, a dis-


tância social, e várias outras, podem existir ainda
no ensino presencial, assim como na EaD e em
qualquer modalidade de ensino. Com efeito, pensar
em uma EaD freireana é, a nosso ver, aproveitar a
cibercultura e aspectos antes já mencionados, como
a revolução dos papeis clássicos de educador(a) e
educando(a), para pensar uma educação mais dialó-
gica e com acentuada autonomia e reflexão crítica,
de ambas as partes. A essa modalidade, inclusive,
poderíamos chamar de “Educação sem distância”
(LEFFA; FREIRE, 2013), ou, enquanto a língua
não acompanha o mundo, “EaD freireana”.
Rompendo com essa ideia de “distância”, outras
acepções – amarradas às visões pejorativas da referida
modalidade – também podem ser repensadas. A litera-
tura da área, inclusive, é vasta nessas possibilidades de
repensar a EaD num viés freireano. Cerqueira (2008,
66
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
p. 2), por exemplo, debate a EaD como legítima possi-
bilidade de inclusão social, cidadã, que “vem atender a
uma demanda da sociedade contemporânea de demo-
cratização de oportunidades educacionais”.
Fagundes e Fontana (2014), nesse mesmo sen-
tido, refletem sobre a possibilidade de um diálogo
entre EaD e Paulo Freire. Apoiados nos escritos
de Freire sobre a tecnologia, na experiência prática
com a modalidade e no testemunho de educandas
e educandos de um curso de licenciatura em EaD,
os autores apontam que essa educação dita “com
distância” supre, ainda que de maneira distinta, os
principais requisitos que Freire elenca para uma
construção colaborativa de conhecimento.
Gomez (2002), nos primórdios do debate sobre
alfabetização na esfera digital no Brasil (início dos
anos 2000), debate uma proposta freireana para
pensar, na era da globalização, práticas educacio-
nais próprias à cibercultura que vão muito além de
apenas usar o mouse, arrastar, cortar, colar, copiar,
Ctrl C + Ctrl V, escrever um texto e olhar na inter-
net. Entendendo que o debate sobre alfabetização
digital não pode ser carente de reflexão e de po-
sicionamento pedagógico nas políticas públicas de
educação, a autora busca na pedagogia freireana e
nos círculos de cultura insumo para pensar práti-
cas educativas a partir da situação-limite “exclusão
digital”. Para ela (GOMEZ, 2002), busca-se, na al-

67
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

fabetização digital, a realização do inédito viável, a


possibilidade de uma educação crítica na Web, com
base na comunicação e no diálogo, estratégias fun-
damentais de leitura de mundo, que não excluem o
reconhecimento da fala do cotidiano, da escrita e da
leitura, na multidiversidade dos textos digitais.
Esses e outros(as) autores(as) já optaram pelo
caminho de debater, em publicações da área, a EaD
online sob o prisma freireano, rompendo com a ten-
dência de permitir que a lógica do mercado se apo-
dere perversamente de tal modalidade educacional.
Tentaremos complementar esses debates, agora,
com foco na Educação Híbrida, ou Ensino Híbrido.

Ensino Híbrido

Resumidamente, o Ensino Híbrido (blended lear-


ning) é uma metodologia emergente que combina
aprendizagem online com o offline, em modelos que
mesclam (por isso o termo blended, “misturar”, em
inglês) momentos em que o(a) educando(a) constrói
seus saberes de maneira virtual, em rede, com ou-
tros, em que a aprendizagem ocorre de forma pre-
sencial.
O Ensino Híbrido (HORN; STAKER, 2015)
aparece como uma alternativa à educação tradicio-
nal conforme conhecemos, predominante em mui-
tos contextos de ensino ainda hoje. Tal paradigma

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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
educacional foi concebido para um tipo de socieda-
de que não existe mais, pois atualmente demanda-
-se que as pessoas sejam ativas, críticas, autônomas,
criativas, curiosas e saibam construir saberes coleti-
vamente. Esses aspectos nos levam a pensar em um
ensino híbrido e, por conseguinte, vamos além, pro-
pondo um olhar freireano sobre essa metodologia.
Na concepção de Freire, o(a) educador(a) deve
atuar de forma questionadora, desestimulando qual-
quer forma de discriminação e respeitando a diver-
sidade entre os(as) estudantes. Para Paulo Freire,
ensinar é um atributo exclusivo do ser humano e ele
prioriza a necessidade de o(a) educador(a) saber ou-
vir o(a) educando(a), considerando o diálogo como
sua principal ferramenta de educação e libertação.
A discussão que julgamos necessária sobre a
utilização das tecnologias em contexto educacio-
nal é a que remente à demanda crescente de sua
utilização que, por vezes, é desconectada da pessoa
que deveria ser o centro e o motivo pelo qual é
adotada: o(a) educando(a). Entendemos que exis-
te a necessidade de realizarmos essa conexão da
nossa prática com o(a) estudante, da tecnologia
com a construção de conhecimento, da escola com
a sociedade, da escola com a vida. De igual for-
ma, entendemos que o Ensino Híbrido atende à
necessidade de conexão, sendo uma possibilidade
de intervenção na prática pedagógica, bem como

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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

um desafio, pois, conforme Freire afirmava, mudar


é difícil, mas é possível:
É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil,
mas é possível, que vamos programar nossa ação
político-pedagógica, não importa se o projeto
com o qual nos comprometemos é de alfabetiza-
ção de adultos ou de crianças, se de ação sanitária,
se de evangelização, se de formação de mão de
obra técnica. (FREIRE, 1996, p. 79)

A definição que adotamos é a de que o Ensino


Híbrido é um programa de educação formal no
qual o(a) educando(a) aprende, pelo menos em par-
te, online, com algum elemento de controle do pró-
prio aprendiz sobre o tempo, o lugar e/ou o ritmo
e, pelo menos em parte, em um local físico, com o
apoio do(a) educador(a) e possíveis colegas educan-
dos(as); é, sobretudo, uma experiência de aprendi-
zagem integrada que propõe unir o antigo com o
novo: presencial e online (HORN; STAKER, 2015).
O Ensino Híbrido tem quatro modelos de acor-
do com a definição de Horn e Staker (2015): (1)
Modelo de Rotação, (2) Modelo Flex, (3) Modelo
à la Carte e (4) Modelo Virtual Enriquecido (ou
Aprimorado). Passamos a explicar esses modelos
na tabela a seguir.

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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
Tabela 2: Modelos de Ensino Híbrido.
Modelo em que são organiza-
dos(as) os(as) estudantes em gru-
pos, de modo que cada um realiza
uma tarefa, de acordo com os obje-
tivos do(a) educador(a) para a aula
Rotação por
em questão; após um determinado
Estações
tempo, previamente combinado
com os(as) estudantes, eles(as) tro-
cam de grupo, e esse revezamento
continua até todos terem passado
por todos os grupos.
No “Laboratório Rotacional”, edu-
candas e educandos usam o espaço
da sala de aula e laboratórios; o
Laboratório
modelo começa com a sala de aula
Rotacional
(1) tradicional e, em seguida, adiciona
Modelo uma alternância para computador
de Ro- ou laboratório de ensino.
tação Neste modelo, a teoria é estudada
em casa, no formato online, e o
espaço da sala de aula é utilizado
para discussões, resolução de pro-
Sala de Aula
blemas, entre outras atividades
Invertida
significativas à construção do
saber. “Sala de Aula Invertida” é
o modelo considerado “porta de
entrada” para o Ensino Híbrido.
Modelo em que cada estudante
tem um cronograma próprio e não
alterna obrigatoriamente entre
Rotação
cada estação. Tal modelo rompe
Individual
totalmente com o sistema tradicio-
nal de ensino e, por isso, é conside-
rado de inovação disruptiva.
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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Modelo em que o curso ou disci-


plina online é a espinha dorsal da
aprendizagem, mesmo que dire-
cione o(a) discente para atividades
presenciais. Cada estudante tem
um cronograma fluido e perso-
(2) Modelo Flex
nalizado entre as modalidades de
aprendizagem. O(a) educador(a)
é presencial e ele (ou ela) oferece
apoio sempre que preciso em uma
base presencial, flexível e adaptati-
va quando necessário.
Fazer um curso totalmente online
que acompanha outras expe-
riências na escola regular, com
o(a) educador(a) online são as
(3) Modelo à la Carte especificidades do (3) Modelo à
la Carte. O nome vem da caracte-
rística desta modalidade, em que
o(a) educando(a) pode escolher um
curso entre inúmeras opções.
No (4) Modelo Virtual Aprimo-
rado, educandas e educandos
(4) Modelo Virtual têm sessões presenciais com o(a)
Aprimorado educador(a) presencial e comple-
mentam o trabalho de forma online
quando estão fora da escola.
Fonte: dos autores, com base em Horn e Staker (2015) e
Bacich, Neto e Trevisani (2015).

Dentro do “Modelo de Rotação”, os modelos


“Rotação por Estações”, “Laboratório Rotacional”
e “Sala de Aula Invertida” são considerados de ino-
vação sustentada para a sala de aula, pois conciliam
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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
o melhor do ensino tradicional com o online. Já o
modelo “Rotação Individual”, que rompe totalmen-
te com o sistema tradicional de ensino, é, por isso
mesmo, considerado de inovação disruptiva.
Os modelos seguintes – Modelos Flex, Mode-
lo à la Carte e Modelo Virtual Aprimorado – su-
gerem a aprendizagem online como eixo condutor
do processo educacional. Evidentemente, em todos
eles, é indispensável que haja uma transformação
nos papeis clássicos de educador(a) e educando(a),
para que esse novo espaço de construção do saber
seja significativo, no viés que estamos discutindo
ao longo desta obra. Reiteramos: o estabelecimento
de novos paradigmas educacionais, na eminência de
uma educação colaborativa, demanda renovação e
adequação do perfil de agentes de ensino, de pes-
quisadores(as) e demais profissionais da educação
(BRENNAND; MEDEIROS, 2005, p. 8).
Com o auxílio das tecnologias digitais, a escola
se requalifica como local de produção, significação
e compartilhamento do saberes, além de ser espaço
privilegiado de relações humanas, pois para o edu-
cando(a) do séc. XXI não cabe a mera distribuição
de informações (BACICH; NETO; TREVISANI,
2015). Nesse viés, o Ensino Híbrido apresenta-se
como profícua oportunidade de ressignificação des-
se ambiente educacional, pois, por meio do virtual
e das tecnologias digitais, tal modalidade confirma

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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

o que apontava Lévy (2010c, p. 172) sobre a ressig-


nificação das noções de “distância” e “presencial”, e
concilia educação presencial e online (HORN; STA-
KER, 2015). Os espaços da escola e da sala de aula,
apesar de suas divisórias, não precisam ser limita-
dores da práxis e do trabalho docente. Para que isso
se altere, é necessário que docentes e instituições
tomem a responsabilidade da mudança para si e
busquem parcerias, tanto com outros(as) educado-
res(as), quanto junto a outros setores da escola ou
da instituição educacional.
Nos modelos de Ensino Híbrido, o(a) educan-
do(a) é incentivado(a) à construção de sua autono-
mia e ao exercício de sua criticidade, sendo ainda
mais responsável pela construção do seu conheci-
mento; no entanto, se quisermos educandas e edu-
candos com mais iniciativa, precisamos transformar
nossa atuação enquanto educadores e educadoras,
rompendo com perspectivas opressoras de ensino.
Para tanto, Bacich, Neto e Trevisani (2015) cha-
mam a atenção para o(a) educador(a) como designer
de caminhos, utilizando a tecnologia como integra-
dora de espaços. Assim, é necessário que, a partir de
um plano de implementação, o(a) educador(a) defi-
na qual o melhor modelo para sua realidade.
Independentemente do modelo de Ensino Híbri-
do utilizado, ressaltamos a importância da fundamen-
tação de uma educação emancipadora para embasar

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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
a utilização de metodologias ativas. Afinal, é funda-
mental que educadores(as) enxerguem o processo
pedagógico de forma a ser construído conjuntamente
com os(as) estudantes durante todo processo.
A promoção de aprendizagem colaborativa e a
participação democrática de educandas e educan-
dos, bem como o aumento da motivação e a cria-
ção de interações significativas com a tecnologia,
são algumas das características do Ensino Híbrido
que consideramos encontrar ressonância com a pe-
dagogia freireana. Outro aspecto que observamos
pela mediação do Ensino Híbrido é a ação dos(as)
estudantes sobre o conteúdo com o qual interagem
na solução dos problemas, ressaltando o desenvol-
vimento da autonomia, conforme já discutimos.
Uma prática educativa emancipadora e que fomente
a autonomia, como discurso, talvez seja quase um
lugar-comum; no entanto, para se efetivar como
prática, há a necessidade de se engajar com novas
formas de organizar a sala de aula, de acordo com
a proposta de Ensino Híbrido, propiciando a ação
dos(as) estudantes e a alteração no papel do docente
mediado por novas tecnologias na cibercultura.

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MATERIAIS DIDÁTICOS DIGITAIS E CRÍTICOS

Materiais de ensino digitais têm despertado in-


teresse em grande número de pesquisas, nas mais
diversas áreas do conhecimento: a Filosofia, a Ma-
temática, a Linguística, as Ciências da Computação
etc. Parte das publicações acadêmicas sobre o as-
sunto, entretanto, parece negligenciar dois aspec-
tos que, a nosso ver, deveriam constituir o núcleo
e o verdadeiro o escopo da discussão: a concepção
pedagógica por trás de tais materiais e a formação
de educadores(as) para uso, produção, adaptação e
licenciamento desses conteúdos.
Diante desse cenário, a releitura da obra de Freire
parece-nos fundamental, uma vez que as proposições
teórico-metodológicas desse filósofo da educação
aportam valiosas contribuições aos atuais debates
sobre o embasamento teórico subjacente a tais mate-
riais. Neste capítulo, pretendemos resgatar algumas
dessas questões a partir de demandas e interesses
contemporâneos, com ênfase na discussão sobre ma-
teriais como os Recursos Educacionais Abertos.

Recursos Educacionais Abertos

A definição de Recurso Educacional Aberto (REA)


predominante na literatura é aquela cunhada pela
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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Organização das Nações Unidas para a Educação, a


Ciência e a Cultura (UNESCO1), em congresso mun-
dial realizado em Paris (UNESCO, 2012). Os REA são
materiais de ensino, aprendizagem e investigação
em quaisquer suportes, digitais ou outros, que se
situem no domínio público ou que tenham sido
divulgados sob licença aberta que permite aces-
so, uso, adaptação e redistribuição gratuitos por
terceiros, mediante nenhuma restrição ou poucas
restrições. O licenciamento aberto é construído no
âmbito da estrutura existente dos direitos de pro-
priedade intelectual, tais como se encontram defi-
nidos por convenções internacionais pertinentes, e
respeita a autoria da obra (UNESCO, 2012).

Ainda que os REA não necessariamente sejam di-


gitais (materiais impressos também podem ser con-
siderados REA), seguimos a tendência de muitos(as)
autores(as) que optam por debater de forma acen-
tuada os recursos disponíveis online, em rede. Essa
escolha é justificada, primeiramente, pelas facilida-
des que a Web oferece em termos de produção, ar-
mazenamento, distribuição e adaptação de materiais
didáticos, e, em segundo plano, pela sinergia entre os
REA, a cibercultura (LÉVY, 2010c) e todo um movi-
mento ideológico de colaboração, compartilhamento
e democratização dos saberes (AMIEL, 2012).
Com efeito, os REA parecem inaugurar um novo
paradigma no que tange à discussão sobre mate-
1 Acrônimo de United Nations Educational, Scientific and
Cultural Organization.
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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
riais de ensino digitais livres e abertos. Afinal, trais
recursos trouxeram à tona uma série de questões
que ainda não haviam sido devidamente exploradas
em discussões anteriores sobre o papel docente e a
educação online. Dentre tais questões, destacamos:
A necessidade de alternativas frente aos materiais
de ensino digitais produzidos e distribuídos pelas
grandes editoras, que tendem a ser caros e, por
conseguinte, excludentes;

A importância da ampliação do acesso a materiais


de ensino digitais, por todas as camadas da po-
pulação, e sempre alinhados com uma filosofia de
abertura (AMIEL, 2012);
A inclusão de licenças de uso esclarecendo as li-
berdades conferidas aos materiais de ensino di-
gitais para compartilhamento e uso por terceiros
(SANTOS, 2013);

O protagonismo de educadoras e educadores com


relação à (co)autoria de materiais de ensino digi-
tais, sem prejuízos à colaboração e ao trabalho em
rede (COSTA, 2016);

A produção e a adaptação de materiais de ensino


digitais a partir de demandas específicas, levan-
do em conta contextos, necessidades e objetivos
dos(as) estudantes;

O desenvolvimento de ferramentas que propi-


ciem a produção, a adaptação, o licenciamento e
o armazenamento prático de materiais de ensino
digitais por educadores(as).

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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Todos esses tópicos são abordados, direta ou in-


diretamente, em pesquisas nacionais e internacio-
nais sobre REA (e.g. AMIEL, 2012; SANTOS, 2013;
COSTA et al., 2016; LEFFA, 2016; BEVILÁQUA,
2017; BEVILÁQUA; COSTA; FIALHO, 2019).
Nessa mesma lógica, rigorosamente falando,
pouco do que expomos sobre os REA, no presente
capítulo, apresenta alguma inovação sobre o assun-
to. O que o(a) leitor(a) encontrará nestas páginas é,
em melhores palavras, um apanhado geral de ideias
que já foram apresentadas, com maior profundidade
e riqueza de detalhes, em publicações prévias so-
bre o assunto. Essas publicações tratam, em suma,
dos seguintes aspectos: a) A relação entre materiais
didáticos online (como os REA), a colaboração em
massa e a inteligência coletiva (FIALHO, 2011;
LEFFA, 2016); b) O estado da arte sobre REA no
Brasil (SANTOS, 2013; COSTA et al., 2016); c)
Uma demonstração prática de um Sistema de Au-
toria Aberto (SAA)2 que possibilita a produção, a
adaptação, o armazenamento e o licenciamento de
2 Resumidamente, um SAA é um sistema de autoria de re-
cursos educacionais para educadoras e educadores, baseado
em princípios colaborativos de facilitação de (re)produção,
adaptação, licenciamento e compartilhamento de materiais
didáticos (BEVILÁQUA et al., 2017). Um SAA permite a
produção de materiais didáticos incluindo arquivos de tex-
to, imagem, vídeo e áudio (LEFFA, 2006), mas com o be-
nefício de facilitar a adaptação e o compartilhamento das
produções entre docentes (BEVILÁQUA et al., 2017).
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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
REA (BEVILÁQUA et al., 2017); d) O prazer da
autoria, por parte de educadoras e educadores, na
produção de REA (LEFFA; COSTA; BEVILÁ-
QUA, 2019); e e) A produção de REA no viés dos
Letramentos Críticos (BEVILÁQUA, 2017; BEVI-
LÁQUA; COSTA; FIALHO, 2019).
Considerando que a literatura sobre os REA já
contempla de forma profícua questões envolvendo
as potencialidades de adaptação e compartilhamen-
to dos referidos recursos, concentraremos nossos
esforços na questão que realmente nos parece mais
urgente, conforme já mencionado. Parece-nos impe-
rativo debater a forma como o pensamento de Freire
contribui para a discussão sobre os REA e sua possí-
vel base teórico-metodologia, isto é, os Letramentos
Críticos (BEVILÁQUA; COSTA; FIALHO, 2019).
Retomemos a questão da preocupação de estudio-
sos(as) sobre a concepção pedagógica por trás de cada
um desses materiais disponíveis, hoje, na Web. Em
momentos anteriores, com propostas educacionais
anteriores – como a proposta dos Objetos de Apren-
dizagem (OA), que antecederam os REA principal-
mente no quesito de abertura(s) –, havia a defesa de
uma suposta neutralidade teórica inerente aos obje-
tos digitais. A neutralidade teórica estava alinhada à
ideia de que a produção desses materiais educacionais
não deveria levar em consideração nenhuma teoria,
para assim servir a toda e qualquer abordagem peda-

81
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

gógica e contexto de ensino. Sabemos, evidentemen-


te, como já apontava Freire nas primeiras palavras da
Pedagogia da Esperança (1992), que não há educação
neutra, logo, nem material didático neutro. Nessa li-
nha de raciocínio, pensar os OA como neutros revela
desconhecimento das teorias e, consequentemente,
ingenuidade por parte de educadoras e educadores,
que estariam, sim, sob uma orientação pedagógica-
-ideológica-política ao confeccionar e usar um mate-
rial, embora talvez não cientes disso3.
Daí a articulação de pesquisadoras e pes-
quisadores para defender não apenas que os OA
não são neutros (LEFFA, 2006; 2016), mas tam-
bém que devem ser produzidos e empregados den-
tro de um método ou uma abordagem consciente-
mente escolhida. Os REA, enquanto materiais que
surgem em proposta posterior aos OA, também
não devem ser neutros, mas devidamente alinha-
dos com perspectivas pedagógicas condizentes
com sua natureza e sua intenção social de pau-
tar uma educação aberta, democrática e, de fato,
para todos e todas. Destarte, em nossos estudos
prévios, temos advogado em prol dos REA pro-
duzidos e empregados sob o prisma da Pedagogia
Crítica e dos Letramentos Críticos.
3 Relembramos, aqui, os apontamentos de Adams et al.
(2013) acerca dos caminhos para uma educação crítica no
viés freireano, o que passa pela desmistificação da pseudo-
neutralidade das tecnologias digitais.
82
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
A proposta dos REAs na proposta dos Letra-
mentos Críticos (BEVILÁQUA, 2017) parte da
ideia freireana de que a produção desses mate-
riais deve levar em consideração uma pedagogia
desenvolvida pelo(a) próprio(a) educador(a), con-
siderando especificidades sociais, culturais e lin-
guísticas de seu contexto. O papel dos Letramen-
tos Críticos, nesse contexto, é oferecer insumos
teórico-metodológicos que poderão auxiliá-lo no
desenvolvimento dessa pedagogia. Claro que se
pode argumentar que uma limitação, nessa situa-
ção, seria a necessidade de mais engajamento e de-
dicação do(a) educador(a) para produzir materiais
didáticos, o que pode ser complicado em alguns
contextos. Entendemos, contudo, que é necessário
arriscar: uma práxis docente no viés freireano não
deixa espaço para omissões.
A proposta teórica dos REA no viés dos Letra-
mentos Críticos (BEVILÁQUA, 2017) é a que foi
mais diretamente influenciada pela obra de Freire
(1989; 1992; 1996), principalmente no que diz res-
peito ao papel do pensamento crítico, das lingua-
gens e das tecnologias na educação. Desse modo,
será a essa perspectiva a qual nos dedicaremos nas
páginas a seguir.

83
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Recursos Educacionais Abertos no viés


dos Letramentos Críticos

Entendemos por “letramento” as “práticas so-


ciais de leitura e de escrita mais avançadas e comple-
xas que as práticas do ler e do escrever resultantes
da aprendizagem do sistema de escrita” (SOARES,
2004, p. 6). A noção de Letramentos Críticos, por
sua vez, sustenta um enquadramento crítico dessas
práticas, isto é, um esforço por colocar linguagens
e suas tecnologias a serviço de setores socialmen-
te marginalizados. Para Cassany e Castellà (2010),
embora o conceito de criticidade costume ser atri-
buído aos pensadores da Teoria Crítica, o respon-
sável por sua aplicação ao campo do letramento foi
Paulo Freire. Segundo os autores:
Dito conceito foi aplicado ao campo do letramen-
to nos anos sessenta pelo famoso pedagogo bra-
sileiro Paulo Freire, que formulou com clareza
a ideia de que os analfabetos são vítimas e não
responsáveis de sua condição, que a escola é uma
instituição criada por determinados grupos so-
ciais para reproduzir o status quo (a pedagogia da
opressão) e que o acesso ao letramento pode ser
uma ferramenta importante de liberação ou em-
poderamento dos indivíduos. Ao aprender a ler,
os sujeitos obtém poder (“empoderam-se”) e po-
dem transformar a realidade injusta que os rodeia
(CASSANY; CASTELLÀ, 2010, p. 358)4.

4 Tradução nossa.
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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
Quanto ao papel das linguagens – ainda que a
maior parte das teorizações de Freire tenha ficado
circunscrita ao recurso semiótico da escrita, com
apenas alguns insights5 com relação a outras semio-
ses –, entendemos que o pedagogo brasileiro foi um
dos precursores na relação entre “linguagem e rea-
lidade”, entre “texto e contexto”. Além disso, Freire
também foi um dos pioneiros a considerar o papel
da educação e das linguagens para a transformação
do status quo de uma sociedade injusta e desigual.
Inerente à acepção maior de Letramentos Crí-
ticos, inúmeros conceitos devem ser levados em
conta na (co)produção e no emprego de REAs, em
nosso entendimento. Esperamos contribuir com
educadoras e educadores que se proponham a esse
trabalho docente a partir da apresentação de alguns
desses conceitos, que resumimos a seguir.

Leitura: Para a teoria freireana, a leitura não é um


ato individual, mas uma prática socialmente cons-
truída. Os sentidos não estão somente no texto,
nem estão apenas no leitor: eles são construídos
dialeticamente entre os saberes do texto e os sabe-
res do leitor. Destarte:

A leitura verdadeira me compromete de imediato


com o texto que a mim se dá e a que me dou e
5 Em Freire (1989), por exemplo, o autor descreve algumas
atividades envolvendo linguagem escrita e fotografias.
85
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

cuja compreensão fundamental me vou tornando


também sujeito. Ao ler não me acho no puro en-
calço da inteligência do texto como se fosse ela
produção apenas de seu autor ou de sua autora.
(FREIRE, 1996, p. 27)

Além disso, Freire aponta para a necessária e dinâ-


mica relação entre linguagem e realidade. Esse pen-
samento é traduzido, nas palavras de Freire (1989, p.
9), pelo axioma “a leitura do mundo precede a leitura
da palavra, daí que a posterior leitura desta não pode
prescindir da continuidade da leitura daquele”.

Crítica: Sob a óptica freireana, ser crítico é não con-


tribuir com a perpetuação do status quo, ao passo que
ser ingênuo é obstacularizar a emancipação das clas-
ses populares. Do ponto de vista objetivo, a ingenuida-
de não maliciosa e a ingenuidade astuta não diferem.
Subjetivamente, porém, a ingenuidade não maliciosa é
aquela que assume a ideologia dominante de modo in-
consciente, enquanto a ingenuidade astuta o faz como
uma tática para obter as mesmas vantagens ou privi-
légios dos opressores (FREIRE, 1989).

Ética e estética: Na obra de Freire, ética e estética


são conceitos indissociáveis. O primeiro deles, que
Freire (1996) chama de “decência”, tem relação com
a capacidade humana “de comparar, de valorar, de
intervir, de escolher, de decidir, de romper” (FREI-

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Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
RE, 1996, p. 33). Essa capacidade, porém, não recai
em um relativismo em que tudo é aceitável, mas “se
sabe traída e negada nos comportamentos gros-
seiramente imorais como na perversão hipócrita
da pureza em puritanismo”, tal qual a “manifesta-
ção discriminatória de raça, de gênero, de classe”
(FREIRE, 1996, p. 16). Nesse sentido, é possível
inferir que a compreensão da ética, na perspectiva
do autor, está normalmente vinculada à ideia de so-
lidariedade e de dignidade humana. Ainda sobre a
ética, Freire (1996, p. 15) ressalta que, na condição
de educadores(as) e educandos(as), “não podemos,
na verdade, escapar à rigorosidade ética. Mas é pre-
ciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética
menor, restrita, do mercado, que se curva obediente
aos interesses do lucro”. O segundo deles, o concei-
to de “estética”, que Freire (1996) também chama
de “boniteza”, tem relação com uma dimensão ma-
terial das atividades humanas: se o(a) educador(a)
organiza a sala de aula em círculo, por exemplo, essa
estética espacial pode contribuir para a construção
de uma ética em que todos se vejam e se escutem.
Sobre a questão da estética da sala de aula, Freire
(1996, p. 66) ressalta que o(a) educador(a) “precisa
de condições favoráveis, higiênicas, espaciais, esté-
ticas, sem as quais se move menos eficazmente no
espaço pedagógico. Às vezes, as condições são de tal
maneira perversa que nem se move”.

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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

Poder: Na visão freireana, a questão do poder


está relacionada aos esforços hegemônicos dos(as)
opressores(as) sobre oprimidos e oprimidas que,
na medida em que desvelam o mundo da opressão,
comprometem-se com a sua transformação, liber-
tando não somente a si, mas também a quem os(as)
oprime. Nas últimas obras do autor, tal processo
também costuma aparecer sob o conceito de empo-
werment. Cabe salientar que, para Freire (1987), o
desvelamento da realidade, assim como a sua con-
sequente transformação, talvez seja a principal con-
tribuição das práticas educativas progressistas.

Transformação: Na perspectiva freireana, a trans-


formação social é um “processo histórico em que
subjetividade e objetividade se prendem dialeti-
camente” (FREIRE, 1989, p. 19). Ao constatar as
opressões vividas, os(as) oprimidos(as), enquanto
seres históricos que são, têm a possibilidade de in-
tervir na realidade, transformando-a com vistas ao
reconhecimento de sua própria cidadania.

Cultura: No viés da Pedagogia Crítica, a noção de


cultura está intimamente relacionada à compreensão
do trabalho humano enquanto força transformado-
ra do mundo (FREIRE, 1989). Nessa perspectiva, o
conceito contempla a sabedoria popular, as manifes-
tações autênticas da cultura do povo e as memórias

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Paulo Freire Hoje

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de suas lutas, não havendo lugar, desse modo, para
o desprezo da linguagem e da visão de mundo dos
grupos populares (FREIRE, 1989). Ainda sobre a
concepção de cultura da Pedagogia Crítica, Freire
(1996, p. 45) adverte que “o importante, não resta
dúvida, é não pararmos satisfeitos ao nível das intui-
ções, mas submetê-las à análise metodicamente rigo-
rosa de nossa curiosidade epistemológica”.

Destacamos que esses conceitos expostos têm


contribuído como base teórica para propostas prá-
ticas de REA na perspectiva dos Letramentos Crí-
ticos, tanto de nossa autoria quanto da autoria de
educadores(as) que participaram de algumas for-
mações (como cursos e oficinas de capacitação) que
oferecemos sobre o assunto. Alguns desses mate-
riais podem ser localizados para uso e/ou adapta-
ção no SAA intitulado “Ensino de Línguas Onli-
ne” (ELO6), que empregamos principalmente por
sua abertura, gratuidade e compatibilidade com as
perspectivas de Educação Aberta.
Para exemplificação, apresentamos três REA
produzidos no viés dos Letramentos Críticos, de
acordo com os títulos apresentados a seguir: a)
REA “Los Gitanos”, que parte de uma discrimina-
tória definição de dicionário para a palavra “cigano”
(em espanhol) para tratar de estereótipos, xenofo-

6 Disponível em <https://elo.pro.br/cloud/>.
89
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

bia e preconceitos; b) REA “Nuestra Acción es Poé-


tica”; c) REA “Atividade – final Los memes”, que
aborda a discriminação de gênero. De maneira re-
sumida, o que esses materiais têm em comum é que
problematizam o papel de linguagens e tecnologias
para a transformação do status quo com relação à
discriminação de variadas ordens: classe, gênero,
raça, aspecto físico etc.

90
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao escrever esta obra, optamos por debater a ci-


bercultura, que abrange a notória efervescência técni-
co-científica da sociedade contemporânea e as mudan-
ças de práticas, mentalidades e formas de interagir das
pessoas. Tal opção é contrária ao caminho de reflexões
sobre um dito “impacto” (ou “impactos”, no plural)
da cibercultura na educação, ou qualquer ideia dessa
natureza, por duas razões centrais. A primeira: essa
metáfora do impacto, com notória essência bélica (a
tecnologia seria uma arma, um projétil, ou uma pedra,
algo que atinge a sociedade, e lhe causa dano), é con-
siderada por Lévy como inadequada, e concordamos
com tal classificação. As tecnologias não são “coisas”
que vem de fora e nos acertam. A tecnologia é produto
e processo nosso, nós as produzimos e as empregamos
em nossas vidas, transformando-nos (e, constante-
mente, transformando-as) nesse fluxo do viver.
Em consequência disso, a segunda razão para
evitar o pensamento sobre “os impactos” das tecno-
logias é justamente descartar essa metáfora ques-
tionável que nos desvia no foco central do debate:
quais transformações e rupturas epistemológicas
e culturais estão em jogo nos contextos educacio-
nais atuais? Essa é a questão principal, de forma
assemelhada como já foi, outrora, com tecnologias
91
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

prévias, principalmente aquelas com maior desta-


que nas instaurações (e revoluções) de paradigmas
educacionais, como a imprensa, no séc. XV, e, mais
recentemente, o ingresso dos livros didáticos nas
salas de aula. Os modos e os meios de ensinar e de
aprender não foram os mesmos desde que começa-
mos a escrever com tinta e papel, nem quando co-
meçamos a empregar livros didáticos distribuídos
via políticas públicas no Ensino Fundamental e no
Ensino Médio. Logo, não se pode deixar de notar
que a educação e as pessoas não são mais as mesmas
de antes do advento da internet e da cibercultura.
Com a constante demanda de atualizar o legado de
Paulo Freire, algo sempre necessário no cenário bra-
sileiro, optamos por empregar sua obra para pensar a
cibercultura e as práticas docentes, sobretudo no cibe-
respaço. Freire, enquanto pensador orgânico, de seu
tempo, e igualmente crítico e curioso, deixou-nos vas-
tas reflexões sobre a tecnologia e seu papel nas práti-
cas pedagógicas. Fazemos uso dessas reflexões para
defender que a tecnologia sozinha não é nem boa, nem
má, tampouco neutra: ela é usada para fins que nunca
estão isentos de intencionalidades e ideologias. Cabe a
nós, educadoras e educadores, sempre pensar sobre a
serviço de que(m) cada tecnologia está.
Também escolhemos o caminho de (re)pensar a
EaD e toda a carga semântica pejorativa que ain-
da paira sobre ela. Partimos do pressuposto de que

92
Paulo Freire Hoje

N a C i b e rc u lt u r a
muitos educadores e educadoras ainda enxergam
nela uma “distância” que, talvez, já não exista. As
tecnologias nos permitem, na melhor das hipóte-
ses, subverter essa distância física e concreta; na
pior delas, nos provocam a pensar nas distâncias
que podem existir em toda e qualquer modalida-
de de ensino, inclusive a educação presencial, como
as distâncias oriundas de supostas hierarquias en-
tre educadores(as) e educandos(as), de concepções
bancárias de ensino, de opressão e catequização do
outro, entre outras. Na condição de docentes frei-
reanos(as), como podemos quebrar com essas dis-
tâncias? Uma alternativa profícua para isso poderia
ser o Ensino Híbrido, que apresentamos também
como abordagem possível de ser pensada e aplicada
à luz da perspectiva freireana, pautada em uma pe-
dagogia da autonomia (FREIRE, 1996).
Com relação aos materiais didáticos disponíveis
na Web para educadores(as) e educandos(as), elen-
camos neste encerramento do texto dois desejos
nossos. Primeiramente, desejamos que tais recur-
sos sejam, de fato, REA, isto é, que estejam real-
mente abertos, licenciados, acessíveis para todas e
todos, burlando barreiras econômicas, geográficas
etc. Todas essas barreiras, em diferentes dimensões,
são opressoras e tornam a educação mais excluden-
te. Os REA, enquanto ferramentas colaborativas
e adaptativas em prol de uma Educação Aberta

93
Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a

(AMIEL, 2012), apresentam-se como os materiais


didáticos mais adequados ao contexto educacional,
brasileiro e mundial, pois nos permitem pensar
coletivamente e colaborativamente, tanto o nosso
contexto (local) quanto o mundo (global). É por
meio dos REA que podemos nos conectar, compar-
tilhar e colaborar em um viés freireano.
Em segundo lugar, desejamos que esses materiais
sejam produzidos e empregados na perspectiva da
Pedagogia Crítica, sempre pensando a educação como
instrumento (tecnologia) de libertação. Os REA não
são neutros, subjacentes a eles está uma filosofia de
abertura e de democratização dos saberes; logo, eles
não devem ser empregados em abordagens pedagó-
gicas ditas neutras (que, a bem da verdade, não exis-
tem!), mas sim em abordagens que questionem as
opressões, as violências e as injustiças do mundo.
Finalmente, esperamos que este livro – que não
esgota os debates sobre a cibercultura e as tecno-
logias na educação – tenha contribuído para mo-
tivar e encorajar educadores(as) a lançarem novos
olhares e novas questões (sempre críticas e curio-
sas) quanto às tecnologias ao nosso redor, sejam
elas concretas ou virtuais. Se assim for, já teremos
alcançado com esta obra o objetivo de compor uma
nova tecnologia freireana, no sentido de ela suscitar
reflexões e inquietações sobre o tema e contribuir
para a reinvenção de Paulo Freire hoje.

94
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100
SOBRE AS AUTORAS E AUTORES

Alan Ricardo Costa: Graduado em Letras - licenciatu-


ra em Espanhol e literaturas de língua espanhola, pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Espe-
cialista em Educação a Distância (EaD) e Tecnologias
Educacionais, pelo Centro Universitário de Maringá
(Unicesumar). Especialista em Língua Brasileira de Si-
nais (LIBRAS) pela Universidade Católica Dom Bosco
(UCDB). Mestre em Linguística Aplicada, por meio do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Católica de Pelotas (UCPel), sob orientação do professor
Vilson J. Leffa. Atualmente, é doutorando do Programa
de Pós-Graduação em Letras da Universidade de San-
ta Cruz do Sul (UNISC). Atuou anteriormente como (a)
professor substituto na Universidade Federal da Fron-
teira Sul (UFFS), campus Cerro Largo-RS, em 2017 e
2018, (b) professor contratado no Centro Universitário
Franciscano (UNIFRA), em 2014, e (c) docente na esco-
la de idiomas Yázigi, no Coletivo de Educação Popular
Práxis e no curso Pré-Universitário Popular Alternati-
va. Tem experiência nas áreas de Linguística, com ênfase
em Linguística Aplicada, e pesquisa os seguintes temas:
(1) Ensino e aprendizagem de Espanhol como Língua
Estrangeira (E/LE); (2) Formação de professores de
línguas; (3) Internet e Educação a Distância (EaD); (4)
Teorias do Pensamento Complexo, (5) LIBRAS e surdez.
André Firpo Beviláqua: Possui graduação em Letras
Espanhol pela Universidade Federal de Santa Maria
(2015) e mestrado em Letras pela Universidade Católica
de Pelotas (2017). Atualmente, é Doutorando do Pro-
grama de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel) e acadêmico do curso de Le-
tras Português EAD da Universidade Federal de Santa
Maria. Tem experiência na área de Letras, com ênfase
em Linguística Aplicada e Linguística Aplicada Crítica,
atuando principalmente nos seguintes temas: (1) Ensino
de Espanhol como Língua Estrangeira; (2) Letramentos
Críticos; (3) Materiais de ensino e materiais de ensino di-
gitais; (4) Ensino de Línguas Mediado por Computador;
(5) Ensino de Línguas Mediado por Dispositivos Mó-
veis; (6) Feedback; (7) EAD.

Helena dos Santos Kieling: Graduei-me na Universi-


dade Federal de Pelotas (UFPel) no curso de Licenciatura
em Letras Português e Inglês e respectivas Literaturas
em 2009. Durante a graduação iniciei meu trabalho como
docente, quando ministrei o Curso de Extensão da UFPel.
Em seguida, no ano de 2007 ingressei como docente no
Yázigi Pelotas e atuei como Orientadora Pedagógica e
Professora de Inglês no Yázigi Pelotas Norte de 2010 a
2017. Concluí Pós-Graduação em Liderança, Coaching
e Gestão de Pessoas pela Faculdade de Tecnologia SE-
NAC/ Pelotas em 2015, área que tenho muito interesse.
Em 2017 conclui meu Mestrado em Letras/Linguística
Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Católica de Pelotas com pesquisa sobre
Blended Learning no ensino de Inglês. Também em 2017
iniciei meu trabalho como Professora de Língua Portu-
guesa e Língua Inglesa no Instituto Federal Sul-rio-gran-
dense, Câmpus Jaguarão. Tenho interesse em ensino e
aprendizagem de Línguas Estrangeiras (LE), modelos pe-
dagógicos e epistemológicos, uso de tecnologias aplicadas
ao ensino e aprendizagem de línguas, formação e desen-
volvimento de professores, trabalho docente, currículo e
metodologias ativas de ensino.

Vanessa Ribas Fialho: Possui graduação em Letras Lín-


gua Espanhola e respectivas Literaturas pela Universi-
dade Federal de Santa Maria (2003). Possui Mestrado
em Linguística Aplicada (2005), Doutorado em Linguís-
tica Aplicada (2011) e Pós-Doutorado em Letras (2016)
pela Universidade Católica de Pelotas, com orientação
do prof. Dr. Vilson Leffa. Foi professora da Faculdade
Metodista de Santa Maria (FAMES) de março de 2003
até outubro de 2009. Atualmente é professora Adjunto
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com
dedicação exclusiva. Tem experiência na área de Lin-
güística Aplicada, atuando principalmente nos seguintes
temas: Língua Espanhola, Ensino Mediado por Compu-
tador, Internet, Tecnologias da Informação e Comunica-
ção (TICs) aplicadas à educação, Educação a Distância
(EaD), Objetos de Aprendizagem (OAs), Recursos Edu-
cacionais Abertos e Formação de Comunidades Virtuais.
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