Paulo Freirehojena Cibercultura
Paulo Freirehojena Cibercultura
Paulo Freirehojena Cibercultura
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Helena Kieling
Universidade Federal de Pelotas
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na Cibercultura
Alan Ricardo Costa
André Firpo Beviláqua
Helena dos Santos Kieling
Vanessa Ribas Fialho
Copyright © Editora CirKula LTDA, 2020.
1° edição - 2020
Editora CirKula
Av. Osvaldo Aranha, 522 - Loja 1 - Bomfim
Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190
e-mail: [email protected]
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Paulo Freire hoje
na Cibercultura
Alan Ricardo Costa
André Firpo Beviláqua
Helena dos Santos Kieling
Vanessa Ribas Fialho
Porto Alegre
2020
Conselho Editorial
Conselho Científico
11 Prefácio
25 Primeiras palavras
25 O que é a cibercultura?
91 Considerações finais
95 Referências
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Paulo Freire Hoje
N a C i b e rc u lt u r a
cola deva ser eliminada. Ainda que a escola possa às
vezes atrapalhar a aprendizagem do educando em
alguns aspectos, fazendo-o descobrir o fracasso, eu
não teria coragem de propor um mundo sem escola.
Retomo o que está no livro e que se chama blended
learning ou aprendizagem híbrida. O aprendiz fica
mais incluído quando simplesmente pode usar seu
celular para aprender, dentro e fora da sala de aula.
Todo estudante deve ter um celular.
O segundo vínculo é o elo que se cria entre a
dimensão sistêmica, na base da língua, e a crítica
no ensino de línguas, no outro extremo. Na mi-
nha percepção, a educação deve dar conta de três
aspectos fundamentais para que a aprendizagem
de uma língua ocorra no estudante. No nível bá-
sico, é preciso desenvolver a competência sistêmi-
ca, envolvendo o domínio do léxico, da sintaxe e da
semântica, principalmente. Esse domínio caracte-
riza-se como a posse de um repertório linguístico
individual: o aprendiz consegue pronunciar certas
palavras numa determinada ordem e relacioná-las
a determinados conceitos. No nível intermediário,
em que ocorre o desenvolvimento da competência
comunicativa, aparece o interlocutor, para quem o
aprendiz fala e de quem escuta determinadas frases,
enfrentando o desafio de se fazer compreender e de
ser compreendido. Finalmente, no nível mais eleva-
do, emerge, ou deve emergir, o desenvolvimento da
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Paulo Freire Hoje
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aumenta astronomicamente as distâncias entre a
periferia e o núcleo, a educação, quando se expande,
gera uma redução das distâncias em todos os sen-
tidos. Quando o núcleo e a periferia estão afastados
culturalmente, envolvendo dimensões econômicas,
sociais ou mesmo cognitivas, as aproximações são
mais difíceis. Um exemplo é a aproximação entre a
cidade e o campo. Querendo ou não, o isolamento
de quem está no campo pode distanciar a pessoa da
convivência cultural dos grandes núcleos urbanos,
mais do que a distância física; um metalúrgico do
ABC paulista está culturalmente mais próximo de
um metalúrgico do leste mexicano, a milhares de
quilômetros de São Paulo, do que um morador de
um apartamento na cidade de São Paulo está de um
morador numa zona rural bucólica de um municí-
pio vizinho a poucos quilômetros de distância. A
pessoa do campo, pelo contexto em que vive e pelo
trabalho que realiza, constrói uma perspectiva dife-
rente do mundo em relação à pessoa que vive na ci-
dade, encontrando dificuldade para acessar à educa-
ção, não apenas pela distância geográfica do núcleo
urbano, mas também, e mais, pelo distanciamento
das experiências vividas no meio rural. A EaD, ao
levar a educação a esses pontos remotos, faz uma
dupla aproximação entre a cidade e o campo, rom-
pendo ao mesmo tempo as distâncias geográficas e
culturais, essas últimas envolvendo às vezes a ado-
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Vilson J. Leffa
Outubro de 2019.
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PRIMEIRAS PALAVRAS
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perspectiva em A Educação na Cidade (1995): indagado
sobre o uso de computadores no processo educacio-
nal, ele apontou que estes, em lugar de reduzir, pode-
riam expandir a capacidade crítica e criativa dos(as)
estudantes. “Depende de quem usa a favor de quê e de
quem e para quê” (FREIRE, 1995, p. 98). Defendemos
esse uso, não só dos computadores, mas de todas as
tecnologias, para uma educação crítica e libertadora.
Nesse viés, nossas reflexões são reunidas, aqui,
sem descuidar de tudo o que o ciberespaço pode po-
tencializar no fazer docente, da autonomia como ele-
mento fundante da educação ao trabalho colaborati-
vo e em rede entre docentes, perpassando também as
possibilidades de democratização do saber e outros
aspectos dignos de nota. Ainda que tal debate caiba
e seja muito importante para a educação formal pre-
sencial, optamos por enfatizar as modalidades edu-
cacionais mais emergentes na (e pela) cibercultura,
como a Educação a Distância (EaD) e a educação
híbrida (blended learning), as quais parecem ainda ca-
recer mais urgentemente de desmistificações3.
3 Paulo Freire também usava, para a questão da tecnologia,
o termo “desvios míticos” (ALENCAR, 2005, p. 5). Cabe
destacar que Freire criticou, em diversos momentos de sua
obra (e.g. FREIRE, 1992; 1996) esse dualismo entre “divi-
nização” e “demonologização” da tecnologia, que não deve-
ria ser vista nem como salvadora dos homens, nem como
promotora de todos os males. Afirmava Freire: “o avanço da
ciência e da tecnologia não é tarefa de demônios, mas sim a
expressão da criatividade humana” (FREIRE, 1984, p. 1).
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N a C i b e rc u lt u r a
Na sequência, no segundo capítulo, revisitamos
algumas ponderações de Paulo Freire sobre as tec-
nologias digitais e a emergência da cibercultura no
Brasil. Infelizmente, o educador recifense nos deixou
cedo demais e, portanto, não vislumbrou muitas das
formas como a cibercultura afetou (e ainda afeta) a
educação no cenário nacional, seja por transforma-
ções em alguns aspectos, seja por revoluções em
alguns outros. Ainda assim, em seus últimos anos,
Freire foi sensível às tecnologias de seu contexto.
“Faço questão enorme de ser um homem de meu
tempo e não um homem exilado dele”, afirmava Frei-
re (1984, p. 1). Hoje podemos, inclusive, considerá-lo
à frente do seu tempo, haja vista a atualidade de seu
pensamento e seu legado. Foi com essa preocupação
de não se afastar de seu tempo-mundo que Freire
nos deixou bases para pensar as tecnologias na ciber-
cultura contemporânea. É com base nessas primeiras
reflexões sobre as tecnologias de seu tempo, por parte
de Freire, que seguiremos a máxima de conhecer o
passado para entender o presente e pensar o futuro.
A educação (e a cibercultura) do futuro depende de
nós, enquanto classe docente, e de nossas práticas
educacionais no presente.
Para não nos determos apenas na leitura e nas in-
terpretações de Paulo Freire, mas, sim, avançarmos
na discussão sobre a educação online contemporânea,
enfocamos no terceiro capítulo duas modalidades
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tanto a exposição de recursos críticos, que já circu-
lam pela Web, quanto as reflexões sobre como pro-
duzir e compartilhar recursos digitais críticos, que
sensibilizem e provoquem o(a) docente a participar
desse movimento colaborativo, mostram-se alterna-
tivas viáveis (e profícuas) para uma educação cada
vez mais (e constantemente) libertadora.
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O QUE É A CIBERCULTURA?
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das comunidades tradicionais foram se transfor-
mando em fronteiras ocupacionais (LEFFA, 2000).
Atualmente podemos dizer que uma comunidade é
formada por pessoas com interesses comuns, tan-
to profissionais como de lazer (LEFFA, 2000), que
não precisam mais estar determinadas pela geo-
grafia ou pelo espaço físico. Nesse sentido, hoje é
possível que pessoas interajam mais com colegas de
outras partes do mundo do que com o seu vizinho,
nesse lugar chamado ciberespaço.
O ciberespaço, então, poderia ser entendido
como um espaço digital, eletrônico, virtual, que é
real, mas não possui um território definido. Outro
termo muito usado para esse espaço é a nuvem. Es-
tar em nuvem significa estar na internet, no cibe-
respaço, acessível desde qualquer lugar conectado.
Esse “lugar” pode servir tanto para o armazena-
mento de arquivos quanto para a alocação de um
determinado software, entre outros fins. O educador
ou a educadora que usa uma conta de e-mail, em
que as mensagens estão acessíveis em qualquer dis-
positivo, sem a necessidade de instalar um progra-
ma no computador, entendemos ser um(a) docente
que está em nuvem, fazendo uso da nuvem.
Em seu livro Cibercultura, originalmente publica-
do em 1999, Pierre Lévy define o ciberespaço como
o espaço de comunicação aberto pela interconexão mun-
dial dos computadores e das memórias dos computado-
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tarefa. Por meio desses circuitos que comandam, “os
programas interpretam dados, agem sobre informa-
ções, transformam outros programas, fazem funcio-
nar computadores e redes, acionam máquinas físicas,
viajam, reproduzem-se etc.” (LÉVY, 2010c, p. 42).
Esses programas, hoje popularizados com o
nome de aplicativos para smartphones e tablets, pas-
sam por atualizações constantes, em maior veloci-
dade que as máquinas que, com pouco tempo de uso,
acabam ficando obsoletas diante de inúmeras atua-
lizações de aplicativos. Não raro, celulares do tipo
smartphones deixam de ser usados por não suporta-
rem mais as constantes atualizações dos aplicativos,
que ficam melhores, mas também demandam mais
espaço e memória das máquinas.
Talvez assim consigamos entender como é di-
fícil delimitar uma forma para esse espaço virtual,
como conseguimos delimitar para o espaço geográ-
fico, com fronteiras políticas, delimitadas pelo ser
humano, ou naturais, delimitadas pelos rios e mon-
tanhas. Em 20 anos, de 1999, ano do lançamento
do livro de Lévy sobre a cibercultura, até 2019, ano
em que estamos escrevendo este livro, esse espaço
sofreu grandes mudanças, muitas delas imprevisí-
veis, colocando os frequentadores do ciberespaço
em uma posição cada vez mais participativa e cola-
borativa, ajudando a moldar e sendo moldados pelo
espaço cibernético.
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dos. Essa é a chamada Web 2.04, muito mais partici-
pativa, colaborativa, aberta e, logo, democrática. A
figura a seguir sistematiza algumas das principais
mudanças entre a Web 1.0 e a Web 2.0.
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teriais ou espirituais, por serem produtos humanos
que se desprendem das pessoas e voltam para elas e
as marcam, são culturais. Sob tal aspecto, os modos
de andar, falar, cumprimentar e se vestir, por exem-
plo, são culturais, assim como é cultural também a
visão que os indivíduos têm (ou estão tendo) da sua
própria cultura, da sua realidade (FREIRE, 1976).
Nesse contexto, a cibercultura pode ser enten-
dida pelas práticas no ciberespaço, de todos e todas
que estão conectados por celulares e computadores e
aparelhos em rede, contribuindo, nutrindo e consu-
mindo informações e conhecimentos. Por conseguin-
te, a cibercultura também pode e deve ser vista en-
quanto emergência de (e conjunto de demandas por)
novas práticas à nossa vida fora do espaço cibernéti-
co. Vamos nos explicar: a escola, um espaço geográ-
fico, começa a ser transformada por nuances da cul-
tura digital. Essa perspectiva pode ser entendida por
um lado positivo, no sentido de que as tecnologias
podem ampliar e, por que não, potencializar nossa
prática docente em sala de aula, nossa formação con-
tinuada e a aprendizagem dos(as) estudantes; assim
como pode ser entendida por um lado negativo, em
termos de a tecnologia ser imposta, chegar à escola
sem fins educacionais, mas de controle da população.
Também é um lado negativo dessa perspectiva quan-
do educadores(as) não podem contar com políticas
públicas adequadas para capacitação e formação con-
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tuais puramente lúdicos ou mais sérios, podem cole-
tar toda a informação já produzida e compartilhada e
distribuí-la para todo o mundo, podem desenvolver
projetos políticos locais ou globais, amizades, coope-
rações... da mesma forma que podem dedicar-se tam-
bém ao ódio e à enganação (LÉVY, 2010, p. 12).
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membros da comunidade de software livre e códi-
go aberto. Assim, enquanto aspecto positivo, temos
uma enciclopédia gratuita, aberta, em constante
atualização de seu conteúdo, que pode ser composto
do coletivo de todas as enciclopédias já publicadas
ao longo da história da humanidade, e em constante
crescimento Em contrapartida, enquanto aspecto
negativo, reconhecemos que abertura da Wikipé-
dia, sua maior potencialidade, é também seu ponto-
-fraco, na medida em que ela está constantemente
vulnerável e sujeita à vandalismo digital. É possível
encontrar imprecisões em algumas de suas pági-
nas, por exemplo, bem como guerras editoriais e/
ou teórico-conceituais, perspectivas tendenciosas e
negação de opiniões contrárias, e assim por diante.
Cumpre elucidar que, para Lévy (2010a), inteli-
gência coletiva não se refere apenas ao cognitivo, con-
forme evidenciado pelo exemplo da Wikipédia. A in-
teligência coletiva “é uma inteligência distribuída por
toda parte, incessantemente valorizada, coordenada
em tempo real, que resulta em uma mobilização efeti-
va das competências” (LÉVY, 2010a, p. 28), tem início
com a cultura e cresce com ela (FIALHO, 2011).
Esse conceito de inteligência coletiva (LÉVY,
2010a) se torna mais real quando o ciberespaço dá
suporte para a formação de comunidades virtuais,
que usam a internet como o seu lugar “não lugar”.
Os ambientes são fluídos, maleáveis, podem estar
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Assim, julgamos de extrema importância repensar
os processos de ensino e de aprendizagem para a
sociedade atual, no sentido de educar para o mundo
que está sendo e virá a ser (LEFFA, 1999), através
do aproveitamento pleno da natureza interativa das
tecnologias digitais atuais e da mudança paradig-
mática rumo a uma educação centrada na participa-
ção ativa dos(as) educandos(as), envolvendo-os(as)
plenamente no processo. Acreditamos que isso é
possível com métodos e abordagens empregadas
com as tecnologias contemporâneas embasadas por
uma perspectiva freireana de educação libertadora.
No sistema de ensino tradicional há um profes-
sor, que é o detentor e transmissor de conhecimen-
tos, o que até fazia certo sentido em um mundo com
acesso à informação tão mais restrito e excludente.
Essa ideia (perversa) de que o(a) professor(a) deve
transmitir conhecimentos aos alunos(as), e que es-
tes deve reproduzi-los sem criticidade, é denomi-
nada “concepção bancária” da educação, segundo
Freire. Para ele (FREIRE, 1996), corremos o risco
de incorrer em um ensino bancário se perdermos de
vista a importância de contemplar o caráter forma-
tivo da escola e da educação. Por isso, transformar a
experiência educativa
em puro treinamento técnico é amesquinhar o que
há de fundamentalmente humano no exercício edu-
cativo: o seu caráter formador. Se respeita a nature-
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Freire enfatiza que tanto os(as) educadores(as)
quanto os(as) educandos(as) são transformados(as)
no processo pedagógico, em que ambos se educam
mutuamente na relação e aprendem mediados pelo
contexto social, econômico e cultural. Essa educa-
ção, essencialmente problematizadora, estimula a
consciência crítica da realidade e a postura ativa de
discentes e docentes nos processos pedagógicos, de
forma que as condições do entorno sejam reconheci-
das e valorizadas. Nesse viés, a educação é compreen-
dida como um ato político, e as relações estabelecidas
entre os atores envolvidos – educandos(as) e educa-
dores(as) – devem construir conhecimentos críticos
e centrados na busca pela autonomia.
No entanto, cabe lembrar: “ninguém é sujeito da
autonomia de ninguém” (FREIRE, 1996, p. 107),
uma vez que a autonomia é resultado de um esforço
individual que gera o próprio amadurecimento e se
constrói nas relações entre seres humanos, e somen-
te nestas interações se concretiza. Essa é, pois, uma
visão em oposição à concepção bancária de educação,
que parte do pressuposto de que o professor é deten-
tor único dos conhecimentos legítimos e que o aluno
é um mero receptor passivo de informações.
Nessa lógica, existe uma diferença quanto ao po-
der e à autonomia, pois o(a) professor(a) é o sujeito
da ação, ele(a) ensina e considera o(a) aluno(a) um
objeto passivo e receptivo. Além disso, o contexto
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Julgamos extremamente importante que, além
do reconhecimento das transformações culturais
e políticas das tecnologias online na forma como
os(as) estudantes interagem com o mundo, repen-
semos nossa práxis com relação ao “como” e ao
“para quem” ensinamos, visando a qualificar os re-
sultados da aprendizagem e o engajamento dos(as)
estudantes (STEIN; GRAHAM, 2014). Porquanto,
não nos interessa meramente refletir sobre tecnolo-
gia no ensino sem relacioná-la com a aprendizagem
e enxergar o elemento fundamental deste processo,
que é o educando e a educanda em sua libertação/
emancipação. Novamente, relembramos as palavras
de Freire, de que não se trata de divinizar ou dia-
bolizar a tecnologia6 ou a ciência, sendo tais ações
formas altamente negativas e perigosas de “pensar
errado” (FREIRE, 1996, p. 33). Trata-se, em con-
trapartida, de um compromisso com a decência
6 Também em A importância do ato de ler, Freire emprega
essas mesmas palavras para apontar: “Nunca fui ingênuo
apreciador da tecnologia: não a divinizo, de um lado, nem a
diabolizo, de outro. Por isso mesmo sempre estive em paz
para lidar com ela. Não tenho dúvida nenhuma do enorme
potencial de estímulos e desafios à curiosidade que a tecno-
logia põe a serviço das crianças e dos adolescentes das clas-
ses sociais chamadas favorecidas. Não foi por outra razão
que, enquanto secretário de educação da cidade de São Pau-
lo, fiz chegar à rede das escolas municipais o computador.
Ninguém melhor do que meus netos e minhas netas para
me falar de sua curiosidade instigada pelos computadores
com os quais convivem” (FREIRE, 1989, p. 34).
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terações. A educação, por conseguinte, também está
sempre mudando, em fluxo, em devir. Constante-
mente (re)pensar nossas práticas não é, nesse viés,
um fardo, mas uma oportunidade de acompanhar a
vida e as pessoas construindo suas autonomias e sua
criticidade frente às coisas do mundo.
A ressignificação dos processos educacionais
poderá ocorrer principalmente através da ressig-
nificação do papel do(a) educador(a), que mediará
pela autonomia e através da invisibilidade. Por in-
visibilidade estamos pensando nessa nova posição
do(a) educador(a), a transformação radical deste
que costumava ser o centro da sala de aula. Pois
a tendência paradigmática passa a ser do educa-
dor(a) enquanto sujeito e instrumento invisível que
aproxima o(a) educando(a) do seu objeto de estudo
(LEFFA, 2012), mas sendo ele indispensável na or-
ganização do processo de ensino e de aprendizagem
para atingir o objetivo de conduzi-lo de maneira
problematizadora e emancipadora.
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A VISÃO DE FREIRE SOBRE AS TECNOLOGIAS
NA EDUCAÇÃO
Neste capítulo, propomos discussões iniciais so-
bre o que se entende por “tecnologia”. Oriundo de
duas palavras gregas – tekhne, ou techné, que signi-
fica “técnica, arte, ofício”, e logos, que alude à noção
de “conjunto da saberes” –, o termo “tecnologia”
deve ser compreendido com atenção e cuidado, por
sua amplitude semântica, abrangendo processos,
métodos, técnicas e recursos relativos à arte, à in-
dústria, à cultura, à educação, entre outros tópicos.
Essa acepção ampla de “tecnologia” na educação
já foi abordada na produção intelectual individual
de Freire, bem como no diálogo entre ele e outros
grandes pensadores, como Seymour Papert1, edu-
cador e matemático sul-africano. Visando a contri-
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gotsky (1986-1934) há décadas: para a teoria vygot-
skiana, em todas as suas ações, o ser humano conta
com instrumentos técnicos. Esses instrumentos po-
dem ser a própria invenção e o uso de signos e fer-
ramentas virtuais, bem como de instrumentos físi-
co-materiais. No campo da cognição, podemos ter os
instrumentos simbólicos e os instrumentos psicoló-
gicos superiores – para variadas práticas e fins, como
lembrar, escolher, comparar... – de forma análoga à
produção de instrumentos e ferramentas físicas e
concretas, como o martelo, o caderno e a bicicleta.
Essa possibilidade de expandir a noção de “tec-
nologia” para muito além do olhar imediato sobre
alguns “objetos” concretos e suas finalidades mais
notórias nos leva à segunda forma de conceituá-
-la, de forma mais holística e complexa, abarcando
a compreensão sobre as técnicas, os processos, os
meios e os métodos inerentes aos instrumentos e
às atividades humanas. Esta segunda acepção é a
adotada por Pierre Lévy em sua obra, e contempla
princípios que não devem ser negligenciados quan-
do estão em foco as tecnologias na educação.
Com base em Lévy (2010b), temos um conceito
de “tecnologia” que rompe com uma pretensa opo-
sição entre o ser humano e a máquina, ideia bastan-
te retrógrada, que ainda sobrevive no meio educa-
cional. Estamos falando, isto sim, de “técnica”, uma
das dimensões fundamentais dos seres, e na qual
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curso per se, sozinho, descontextualizado. Para ambos,
“tecnologia” é uma noção ampla, que abarca a técnica
e seu entorno: da concepção e produção da tecnolo-
gia até seu uso, contemplando ainda, no processo, os
pensamentos, os modos e os meios de uso, as formas
de interpretação e as reflexões sobre ela. Lévy explica
que a tecnologia não seria um ator autônomo, separa-
do da sociedade e da cultura (que seriam apenas en-
tidades passivas percutidas por um agente exterior).
Pelo contrário: a técnica abrange a parte material e
artificial das atividades humanas. Essas atividades
humanas compreendem, de maneira indissolúvel, (a)
as interações entre as pessoas vivas e pensantes, (b) as
entidades materiais naturais e artificiais e (c) as ideias
e as representações (LÉVY, 2010c, p. 22).
Nesse mesmo viés, uma segunda semelhança
notória nas discussões sobre as tecnologias propos-
tas por Freire e Lévy diz respeito ao viés social das
técnicas. De acordo com Alencar (2005), um ele-
mento importante da concepção de tecnologia de
Freire é a politicidade:
A tecnologia, como prática humana, é política,
é permeada pela ideologia. Ela tem um fim bem
determinado, serve a um grupo de pessoas e aos
mais diversos interesses: a tecnologia não é neu-
tra, é intencional e não se produz nem se usa sem
uma visão de mundo, de homem e de sociedade
que a fundamente (ALENCAR, 2005, p. 3).
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Uma terceira semelhança de indiscutível har-
monia quanto à tecnologia, nas obras de Lévy e
Freire, diz respeito à educação. Paulo Freire, ao
pensar as tecnologias, evidentemente, não deixava
de pensar sobre o papel delas no fazer educacional;
Lévy tampouco deixou de debater, sob o prisma da
cibercultura, a nova relação com o saber, que deve
balizar qualquer reflexão sobre o futuro dos siste-
mas de educação (LÉVY, 2010c, p. 159).
Sobre esse tema, Alencar (2005, p. 3) lembra que
Paulo Freire, reconhecendo as exigências do seu
tempo e as potencialidades dos recursos tecnológi-
cos, sempre foi favorável ao uso de certas tecnologias
com rigor metodológico. O educador brasileiro che-
gou a usar o projetor de slides, o rádio, a televisão,
os gravadores e o videocassete, e contemplou curio-
samente o computador, entre outros recursos tecno-
lógicos. Paulo Freire anteviu usos agregados dessas
tecnologias para a educação e, mais notoriamente,
para a alfabetização de jovens e adultos. Isso porque,
enquanto homem e educador sensível, percebeu nos
homens e nas mulheres de seu contexto a emergên-
cias de diferentes formas de raciocinar, lidar com as
informações, questionar... Enfim, Freire mostrou-se
sensível a diferentes “tecnologias intelectuais”, para
usarmos um conceito de Lévy (2010c, p. 159).
Para Lévy, outro aspecto importante da educação
na cibercultura é a mudança do saber-fluxo, do tra-
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RE, 2011, p. 95). Esse pensamento, segundo Malaggi,
Silva e Teixeira (2018, p. 195) sintetiza o processo de
ressignificação dos papeis do(a) docente e discentes
no seio da superação da contradição educador(a)-edu-
cando(a). É nesse sentido que Lévy (1999), ao refletir
sobre as modificações estruturais da educação na ci-
bercultura, postula que a apropriação das tecnologias
interativas cria novos espaços-tempos educativos. Em
tais espaços-tempos virtuais,
[...] professores e estudantes partilham os recur-
sos materiais e informacionais que dispõem. Os
professores aprendem ao mesmo tempo que os
estudantes e atualizam continuamente tanto seus
saberes ‘disciplinares’ como suas competências
pedagógicas (LÉVY, 1999, p. 171).
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Paulo Freire Hoje
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2005, p. 3). Tal metodologia, que conceberemos en-
quanto uma “práxis tecnológica” freireana, conta
com pelo menos quatro princípios, por assim dizer,
sobre os quais discorremos a seguir.
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estéticas de como fazê-la, castra-se a capacidade de
ele conhecer a curiosidade epistemológica” (FREI-
RE; PASSETI, 1994-1995, p. 87).
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Para deixar mais didático esse debate, é possível
buscar algumas reflexões tecidas por Freire no con-
junto de sua obra, e, de modo mais pontual, em A
Pedagogia da Indignação e no artigo “A máquina está
a serviço de quem?”, já mencionado anteriormente:
[...] o exercício de pensar o tempo, de pensar a
técnica, de pensar o conhecimento enquanto se
conhece, de pensar o quê das coisas, o para quê, o
como, o em favor de quê, de quem, o contra quê,
o contra quem são exigências fundamentais de
uma educação democrática à altura dos desafios
do nosso tempo (FREIRE, 2000, p. 102).
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA,
EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIA
No presente capítulo, debatemos algumas mo-
dalidades de ensino em crescimento no Brasil, em
grande medida em função da cibercultura. A dis-
cussão proposta não se dá apenas à luz da obra de
Paulo Freire, mas também no viés das metodolo-
gias ativas. Em síntese, as metodologias ativas bus-
cam a construção e colaboração dos(as) estudantes,
estimulam a reflexão, a autonomia e a pesquisa, es-
tando, portanto, em alinhamento com os princípios
teórico-metodológicos de Freire.
Com base em Diesel, Baldez e Martins (2017)
apreendemos como princípios das metodologias
ativas de educação: (1) Educando(a), centro do pro-
cesso de aprendizagem – a partir de uma maior
integração dele(a) no processo de construção do
próprio conhecimento e de uma participação mais
efetiva em sala de aula. (2) Autonomia – a partir da
postura mais ativa do(a) estudante acredita-se estar
estimulando(a) o desenvolvimento de uma postura
mais autônoma e crítica. (3) Problematização da
realidade e reflexão – a partir da busca pela inte-
gração dos conteúdos com o contexto social. (4)
Trabalho em equipe – a partir das atividades pro-
postas que visam favorecer a interação constante
entre discentes. (5) Inovação – a partir da crença de
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EaD
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que permanece é o desafio de dar conta de um mun-
do novo com palavras antigas: a EaD não cabe nas
palavras que usamos para descrevê-la” (LEFFA;
FREIRE, 2013, p. 13).
A exemplo disso, precisamos pensar, por exem-
plo, se de fato a “distância”, como a concebemos ori-
ginalmente, caracteriza a (e confere um desfalque
à) EaD. Para Leffa e Freire (2013), tal distância não
existe mais, nem é obstáculo para a aprendizagem,
na medida em que mecanismos de mediação (fer-
ramentas, tecnologias, recursos variados) são capa-
zes de propiciar interação simultânea entre agentes
geograficamente distantes.
Claro que em momentos anteriores, como no
ensino por correspondência ou por rádio, havia
uma distância notória. Na atualidade, contudo,
essa distância física-geográfica já pode dar lugar a
discussões outras, como aquelas sobre outras dis-
tâncias muito mais importantes para uma educa-
ção sob o prisma freireano: distâncias sociais, cul-
turais, cognitivas... Para exemplificar, recorremos
à ilustração dos autores (LEFFA; FREIRE, 2013)
sobre a (criticável) aprendizagem tradicional, na
qual se presumia que devesse haver distância entre
a sabedoria do professor (o detentor do conheci-
mento) e a ignorância do aluno, sendo o papel do
professor tentar suprimir essa distância por meio
de lições e exercícios.
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p. 2), por exemplo, debate a EaD como legítima possi-
bilidade de inclusão social, cidadã, que “vem atender a
uma demanda da sociedade contemporânea de demo-
cratização de oportunidades educacionais”.
Fagundes e Fontana (2014), nesse mesmo sen-
tido, refletem sobre a possibilidade de um diálogo
entre EaD e Paulo Freire. Apoiados nos escritos
de Freire sobre a tecnologia, na experiência prática
com a modalidade e no testemunho de educandas
e educandos de um curso de licenciatura em EaD,
os autores apontam que essa educação dita “com
distância” supre, ainda que de maneira distinta, os
principais requisitos que Freire elenca para uma
construção colaborativa de conhecimento.
Gomez (2002), nos primórdios do debate sobre
alfabetização na esfera digital no Brasil (início dos
anos 2000), debate uma proposta freireana para
pensar, na era da globalização, práticas educacio-
nais próprias à cibercultura que vão muito além de
apenas usar o mouse, arrastar, cortar, colar, copiar,
Ctrl C + Ctrl V, escrever um texto e olhar na inter-
net. Entendendo que o debate sobre alfabetização
digital não pode ser carente de reflexão e de po-
sicionamento pedagógico nas políticas públicas de
educação, a autora busca na pedagogia freireana e
nos círculos de cultura insumo para pensar práti-
cas educativas a partir da situação-limite “exclusão
digital”. Para ela (GOMEZ, 2002), busca-se, na al-
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Ensino Híbrido
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educacional foi concebido para um tipo de socieda-
de que não existe mais, pois atualmente demanda-
-se que as pessoas sejam ativas, críticas, autônomas,
criativas, curiosas e saibam construir saberes coleti-
vamente. Esses aspectos nos levam a pensar em um
ensino híbrido e, por conseguinte, vamos além, pro-
pondo um olhar freireano sobre essa metodologia.
Na concepção de Freire, o(a) educador(a) deve
atuar de forma questionadora, desestimulando qual-
quer forma de discriminação e respeitando a diver-
sidade entre os(as) estudantes. Para Paulo Freire,
ensinar é um atributo exclusivo do ser humano e ele
prioriza a necessidade de o(a) educador(a) saber ou-
vir o(a) educando(a), considerando o diálogo como
sua principal ferramenta de educação e libertação.
A discussão que julgamos necessária sobre a
utilização das tecnologias em contexto educacio-
nal é a que remente à demanda crescente de sua
utilização que, por vezes, é desconectada da pessoa
que deveria ser o centro e o motivo pelo qual é
adotada: o(a) educando(a). Entendemos que exis-
te a necessidade de realizarmos essa conexão da
nossa prática com o(a) estudante, da tecnologia
com a construção de conhecimento, da escola com
a sociedade, da escola com a vida. De igual for-
ma, entendemos que o Ensino Híbrido atende à
necessidade de conexão, sendo uma possibilidade
de intervenção na prática pedagógica, bem como
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Tabela 2: Modelos de Ensino Híbrido.
Modelo em que são organiza-
dos(as) os(as) estudantes em gru-
pos, de modo que cada um realiza
uma tarefa, de acordo com os obje-
tivos do(a) educador(a) para a aula
Rotação por
em questão; após um determinado
Estações
tempo, previamente combinado
com os(as) estudantes, eles(as) tro-
cam de grupo, e esse revezamento
continua até todos terem passado
por todos os grupos.
No “Laboratório Rotacional”, edu-
candas e educandos usam o espaço
da sala de aula e laboratórios; o
Laboratório
modelo começa com a sala de aula
Rotacional
(1) tradicional e, em seguida, adiciona
Modelo uma alternância para computador
de Ro- ou laboratório de ensino.
tação Neste modelo, a teoria é estudada
em casa, no formato online, e o
espaço da sala de aula é utilizado
para discussões, resolução de pro-
Sala de Aula
blemas, entre outras atividades
Invertida
significativas à construção do
saber. “Sala de Aula Invertida” é
o modelo considerado “porta de
entrada” para o Ensino Híbrido.
Modelo em que cada estudante
tem um cronograma próprio e não
alterna obrigatoriamente entre
Rotação
cada estação. Tal modelo rompe
Individual
totalmente com o sistema tradicio-
nal de ensino e, por isso, é conside-
rado de inovação disruptiva.
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o melhor do ensino tradicional com o online. Já o
modelo “Rotação Individual”, que rompe totalmen-
te com o sistema tradicional de ensino, é, por isso
mesmo, considerado de inovação disruptiva.
Os modelos seguintes – Modelos Flex, Mode-
lo à la Carte e Modelo Virtual Aprimorado – su-
gerem a aprendizagem online como eixo condutor
do processo educacional. Evidentemente, em todos
eles, é indispensável que haja uma transformação
nos papeis clássicos de educador(a) e educando(a),
para que esse novo espaço de construção do saber
seja significativo, no viés que estamos discutindo
ao longo desta obra. Reiteramos: o estabelecimento
de novos paradigmas educacionais, na eminência de
uma educação colaborativa, demanda renovação e
adequação do perfil de agentes de ensino, de pes-
quisadores(as) e demais profissionais da educação
(BRENNAND; MEDEIROS, 2005, p. 8).
Com o auxílio das tecnologias digitais, a escola
se requalifica como local de produção, significação
e compartilhamento do saberes, além de ser espaço
privilegiado de relações humanas, pois para o edu-
cando(a) do séc. XXI não cabe a mera distribuição
de informações (BACICH; NETO; TREVISANI,
2015). Nesse viés, o Ensino Híbrido apresenta-se
como profícua oportunidade de ressignificação des-
se ambiente educacional, pois, por meio do virtual
e das tecnologias digitais, tal modalidade confirma
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a utilização de metodologias ativas. Afinal, é funda-
mental que educadores(as) enxerguem o processo
pedagógico de forma a ser construído conjuntamente
com os(as) estudantes durante todo processo.
A promoção de aprendizagem colaborativa e a
participação democrática de educandas e educan-
dos, bem como o aumento da motivação e a cria-
ção de interações significativas com a tecnologia,
são algumas das características do Ensino Híbrido
que consideramos encontrar ressonância com a pe-
dagogia freireana. Outro aspecto que observamos
pela mediação do Ensino Híbrido é a ação dos(as)
estudantes sobre o conteúdo com o qual interagem
na solução dos problemas, ressaltando o desenvol-
vimento da autonomia, conforme já discutimos.
Uma prática educativa emancipadora e que fomente
a autonomia, como discurso, talvez seja quase um
lugar-comum; no entanto, para se efetivar como
prática, há a necessidade de se engajar com novas
formas de organizar a sala de aula, de acordo com
a proposta de Ensino Híbrido, propiciando a ação
dos(as) estudantes e a alteração no papel do docente
mediado por novas tecnologias na cibercultura.
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MATERIAIS DIDÁTICOS DIGITAIS E CRÍTICOS
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riais de ensino digitais livres e abertos. Afinal, trais
recursos trouxeram à tona uma série de questões
que ainda não haviam sido devidamente exploradas
em discussões anteriores sobre o papel docente e a
educação online. Dentre tais questões, destacamos:
A necessidade de alternativas frente aos materiais
de ensino digitais produzidos e distribuídos pelas
grandes editoras, que tendem a ser caros e, por
conseguinte, excludentes;
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REA (BEVILÁQUA et al., 2017); d) O prazer da
autoria, por parte de educadoras e educadores, na
produção de REA (LEFFA; COSTA; BEVILÁ-
QUA, 2019); e e) A produção de REA no viés dos
Letramentos Críticos (BEVILÁQUA, 2017; BEVI-
LÁQUA; COSTA; FIALHO, 2019).
Considerando que a literatura sobre os REA já
contempla de forma profícua questões envolvendo
as potencialidades de adaptação e compartilhamen-
to dos referidos recursos, concentraremos nossos
esforços na questão que realmente nos parece mais
urgente, conforme já mencionado. Parece-nos impe-
rativo debater a forma como o pensamento de Freire
contribui para a discussão sobre os REA e sua possí-
vel base teórico-metodologia, isto é, os Letramentos
Críticos (BEVILÁQUA; COSTA; FIALHO, 2019).
Retomemos a questão da preocupação de estudio-
sos(as) sobre a concepção pedagógica por trás de cada
um desses materiais disponíveis, hoje, na Web. Em
momentos anteriores, com propostas educacionais
anteriores – como a proposta dos Objetos de Apren-
dizagem (OA), que antecederam os REA principal-
mente no quesito de abertura(s) –, havia a defesa de
uma suposta neutralidade teórica inerente aos obje-
tos digitais. A neutralidade teórica estava alinhada à
ideia de que a produção desses materiais educacionais
não deveria levar em consideração nenhuma teoria,
para assim servir a toda e qualquer abordagem peda-
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A proposta dos REAs na proposta dos Letra-
mentos Críticos (BEVILÁQUA, 2017) parte da
ideia freireana de que a produção desses mate-
riais deve levar em consideração uma pedagogia
desenvolvida pelo(a) próprio(a) educador(a), con-
siderando especificidades sociais, culturais e lin-
guísticas de seu contexto. O papel dos Letramen-
tos Críticos, nesse contexto, é oferecer insumos
teórico-metodológicos que poderão auxiliá-lo no
desenvolvimento dessa pedagogia. Claro que se
pode argumentar que uma limitação, nessa situa-
ção, seria a necessidade de mais engajamento e de-
dicação do(a) educador(a) para produzir materiais
didáticos, o que pode ser complicado em alguns
contextos. Entendemos, contudo, que é necessário
arriscar: uma práxis docente no viés freireano não
deixa espaço para omissões.
A proposta teórica dos REA no viés dos Letra-
mentos Críticos (BEVILÁQUA, 2017) é a que foi
mais diretamente influenciada pela obra de Freire
(1989; 1992; 1996), principalmente no que diz res-
peito ao papel do pensamento crítico, das lingua-
gens e das tecnologias na educação. Desse modo,
será a essa perspectiva a qual nos dedicaremos nas
páginas a seguir.
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4 Tradução nossa.
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Quanto ao papel das linguagens – ainda que a
maior parte das teorizações de Freire tenha ficado
circunscrita ao recurso semiótico da escrita, com
apenas alguns insights5 com relação a outras semio-
ses –, entendemos que o pedagogo brasileiro foi um
dos precursores na relação entre “linguagem e rea-
lidade”, entre “texto e contexto”. Além disso, Freire
também foi um dos pioneiros a considerar o papel
da educação e das linguagens para a transformação
do status quo de uma sociedade injusta e desigual.
Inerente à acepção maior de Letramentos Crí-
ticos, inúmeros conceitos devem ser levados em
conta na (co)produção e no emprego de REAs, em
nosso entendimento. Esperamos contribuir com
educadoras e educadores que se proponham a esse
trabalho docente a partir da apresentação de alguns
desses conceitos, que resumimos a seguir.
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RE, 1996, p. 33). Essa capacidade, porém, não recai
em um relativismo em que tudo é aceitável, mas “se
sabe traída e negada nos comportamentos gros-
seiramente imorais como na perversão hipócrita
da pureza em puritanismo”, tal qual a “manifesta-
ção discriminatória de raça, de gênero, de classe”
(FREIRE, 1996, p. 16). Nesse sentido, é possível
inferir que a compreensão da ética, na perspectiva
do autor, está normalmente vinculada à ideia de so-
lidariedade e de dignidade humana. Ainda sobre a
ética, Freire (1996, p. 15) ressalta que, na condição
de educadores(as) e educandos(as), “não podemos,
na verdade, escapar à rigorosidade ética. Mas é pre-
ciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética
menor, restrita, do mercado, que se curva obediente
aos interesses do lucro”. O segundo deles, o concei-
to de “estética”, que Freire (1996) também chama
de “boniteza”, tem relação com uma dimensão ma-
terial das atividades humanas: se o(a) educador(a)
organiza a sala de aula em círculo, por exemplo, essa
estética espacial pode contribuir para a construção
de uma ética em que todos se vejam e se escutem.
Sobre a questão da estética da sala de aula, Freire
(1996, p. 66) ressalta que o(a) educador(a) “precisa
de condições favoráveis, higiênicas, espaciais, esté-
ticas, sem as quais se move menos eficazmente no
espaço pedagógico. Às vezes, as condições são de tal
maneira perversa que nem se move”.
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de suas lutas, não havendo lugar, desse modo, para
o desprezo da linguagem e da visão de mundo dos
grupos populares (FREIRE, 1989). Ainda sobre a
concepção de cultura da Pedagogia Crítica, Freire
(1996, p. 45) adverte que “o importante, não resta
dúvida, é não pararmos satisfeitos ao nível das intui-
ções, mas submetê-las à análise metodicamente rigo-
rosa de nossa curiosidade epistemológica”.
6 Disponível em <https://elo.pro.br/cloud/>.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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muitos educadores e educadoras ainda enxergam
nela uma “distância” que, talvez, já não exista. As
tecnologias nos permitem, na melhor das hipóte-
ses, subverter essa distância física e concreta; na
pior delas, nos provocam a pensar nas distâncias
que podem existir em toda e qualquer modalida-
de de ensino, inclusive a educação presencial, como
as distâncias oriundas de supostas hierarquias en-
tre educadores(as) e educandos(as), de concepções
bancárias de ensino, de opressão e catequização do
outro, entre outras. Na condição de docentes frei-
reanos(as), como podemos quebrar com essas dis-
tâncias? Uma alternativa profícua para isso poderia
ser o Ensino Híbrido, que apresentamos também
como abordagem possível de ser pensada e aplicada
à luz da perspectiva freireana, pautada em uma pe-
dagogia da autonomia (FREIRE, 1996).
Com relação aos materiais didáticos disponíveis
na Web para educadores(as) e educandos(as), elen-
camos neste encerramento do texto dois desejos
nossos. Primeiramente, desejamos que tais recur-
sos sejam, de fato, REA, isto é, que estejam real-
mente abertos, licenciados, acessíveis para todas e
todos, burlando barreiras econômicas, geográficas
etc. Todas essas barreiras, em diferentes dimensões,
são opressoras e tornam a educação mais excluden-
te. Os REA, enquanto ferramentas colaborativas
e adaptativas em prol de uma Educação Aberta
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Paulo Freire Hoje N a C i b e rc u lt u r a
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