Renascimento

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Renascimento
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Renascimento, Renascença ou Renascentismo são
os termos usados para identificar o período da história da
Europa aproximadamente entre meados do século XIV e o
fim do século XVI. Os estudiosos, contudo, não chegaram a
um consenso sobre essa cronologia, havendo variações
consideráveis nas datas conforme o autor. Apesar das
transformações serem bem evidentes na cultura,
sociedade, economia, política e religião, caracterizando a
transição do feudalismo para o capitalismo e significando
uma evolução em relação às estruturas medievais, o termo
é mais comumente empregado para descrever seus efeitos
nas artes, na filosofia e nas ciências.

Chamou-se Renascimento em virtude da intensa


revalorização das referências da Antiguidade Clássica, que
nortearam um progressivo abrandamento da influência do
dogmatismo religioso e do misticismo sobre a cultura e a
sociedade, com uma concomitante e crescente valorização O homem vitruviano de Leonardo da
Vinci sintetiza o ideário renascentista
da racionalidade, da ciência e da natureza. Neste processo
humanista e clássico
o ser humano foi revestido de uma nova dignidade e
colocado no centro da Criação, e por isso deu-se à principal
corrente de pensamento deste período o nome de humanismo.

O movimento manifestou-se primeiro na região italiana da Toscana, tendo como principais centros
as cidades de Florença e Siena, de onde se difundiu para o resto da península Itálica e depois para
praticamente todos os países da Europa Ocidental, impulsionado pelo desenvolvimento da
imprensa e pela circulação de artistas e obras. A Itália permaneceu sempre como o local onde o
movimento apresentou sua expressão mais típica, porém manifestações renascentistas de grande
importância também ocorreram na Inglaterra, França, Alemanha, Países Baixos e Península
Ibérica. A difusão internacional dos referenciais italianos produziu em geral uma arte muito
diferente dos seus modelos, influenciada por tradições regionais, que para muitos é melhor
definida como um novo estilo, o Maneirismo. O termo Renascimento foi registrado pela primeira
vez por Giorgio Vasari no século XVI, um historiador que se empenhou em colocar Florença como
a protagonista de todas as inovações mais importantes, e seus escritos exerceram uma influência
decisiva sobre a crítica posterior.

Por muito tempo o período foi visto nos Estados Unidos e Europa como um movimento

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homogêneo, coerente e sempre progressivo, como o período mais interessante e fecundo desde a
Antiguidade, e uma de suas fases, a Alta Renascença, foi consagrada como a apoteose da longa
busca anterior pela expressão mais sublime e pela mais perfeita imitação dos clássicos, e seu legado
artístico foi considerado um insuperável paradigma de qualidade. Porém, estudos realizados nas
últimas décadas têm revisado essas opiniões tradicionais, considerando-as pouco substanciais ou
estereotipadas, e têm visto o período como muito mais complexo, diversificado, contraditório e
imprevisível do que se supôs ao longo de gerações. O novo consenso que se firmou, porém,
reconhece o Renascimento como um marco importante na história da Europa, como uma fase de
mudanças rápidas e relevantes em muitos domínios, como uma constelação de signos e símbolos
culturais que definiu muito do que a Europa foi até a Revolução Francesa, e que permanece
exercendo larga influência ainda nos dias de hoje, em muitas partes do mundo, tanto nos círculos
acadêmicos como na cultura popular.

Ideias principais
O humanismo pode ser apontado como o principal valor
cultivado no Renascimento, fundamentado em conceitos que
tinham uma origem remota na Antiguidade Clássica. Segundo
Lorenzo Casini, "uma das bases do movimento renascentista foi
a ideia de que o exemplo da Antiguidade Clássica constituía um
inestimável modelo de excelência no qual os tempos modernos,
tão decadentes e indignos, podiam se mirar para reparar os
estragos produzidos desde a queda do Império Romano".
Entendia-se, também, que Deus havia dado apenas uma
Verdade ao mundo, aquela que produzira o cristianismo e que
só ele preservara integralmente, mas fragmentos dela haviam
sido concedidos a outras culturas, destacando-se entre todas a
greco-romana, e por isso o que restara da Antiguidade em
bibliografia e outras relíquias era tido em alta consideração.[1] Modelos e proporções para a
reconstrução das ordens clássicas,
Vários elementos concorreram para o nascimento na Itália do ilustração em L'architettura, de Leon
Battista Alberti, edição de 1565
humanismo em sua forma mais típica. A memória das glórias
do Império Romano preservada nas ruínas e monumentos, e a
sobrevivência do latim como língua viva são aspectos relevantes. Obras de gramáticos,
comentaristas, médicos e outros eruditos mantinham em circulação referências do classicismo, e o
preparo de advogados, secretários, notários e outros oficiais exigia em geral o estudo da retórica e
legislação latina.[1] A herança clássica nunca desaparecera inteiramente para os italianos, e a
Toscana estava fortemente associada a ela. Mas enquanto havia sobrevivido ali esse cultivo dos
clássicos, ele era pobre quando comparado ao interesse gerado pelos autores antigos na França e
outros países nórdicos pelo menos desde o século IX. Quando a moda classicista começa a declinar
na França, no fim do século XIII, é que ela começa a se aquecer no centro da Itália, e ao que parece
isso se deveu em parte à influência francesa. Petrarca (1304–1374) é tradicionalmente chamado de
fundador do humanismo, mas considerando a existência de vários precursores dignos de nota,
como Giovanni del Virgilio em Bolonha, ou Albertino Mussato em Pádua, antes do que um
fundador, ele foi o primeiro grande expoente do movimento.[1][2]

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Mais do que uma filosofia, o humanismo foi também um


movimento literário e um método de aprendizado que tinha um
amplo leque de interesses, no qual a filosofia não era o único e
talvez nem o predominante. Dava um maior valor ao uso da
razão individual e à análise das evidências empíricas, ao
contrário da escolástica medieval, que se limitava basicamente
à consulta às autoridades do passado, principalmente
Aristóteles e os primeiros Padres da Igreja, e ao debate das
diferenças entre os autores e comentaristas. O humanismo não
descartou essas fontes, e parte não insignificante de sua
formação deriva de bases medievais, mas passou a reexaminá-
las à luz de proposições novas e de uma quantidade de outros
textos antigos que foram redescobertos.[1][2][3] Na descrição da
Enciclopédia Britânica,

"Atualmente o conhecimento é convencionalmente


dividido entre ciências naturais, ciências sociais e
humanidades. No Renascimento, contudo, os Fólio do Comentário sobre O
campos de conhecimento ainda não haviam sido Banquete de Platão, de Marsilio
tão delimitados, e cada uma dessas divisões se Ficino, 1468
integrava em uma filosofia larga e inclusiva. À
medida que o Renascimento foi cultivando sua
revolta contra o império da religião e, portanto,
contra a Igreja, contra a autoridade, contra o
escolasticismo, contra Aristóteles, surgiu um súbito
interesse pelos problemas centrais da sociedade
civil, da humanidade e da natureza, que
correspondem aos três principais eixos de
investigação filosófica renascentista: a filosofia
política, o humanismo e a filosofia da natureza".[4]

O humanismo se consolidou a partir do século XV,


principalmente através dos escritos de Marsilio Ficino, Lorenzo
Valla, Leonardo Bruni, Poggio Bracciolini, Erasmo de
Roterdão, Rudolph Agricola, Pico della Mirandola, Petrus
Ramus, Juan Luis Vives, Francis Bacon, Michel de Montaigne,
Bernardino Telesio, Giordano Bruno, Tommaso Campanella e Um astrolábio, uma esfera armilar e
livros, símbolos do conhecimento e
Thomas More, entre outros, que discorreram sobre variados
da ciência, detalhe dos painéis de
aspectos do mundo natural, do homem, do divino, da
intársia no gabinete de Federico da
sociedade, das artes e do pensamento, incorporando uma Montefeltro, 1473-1476
pletora de referenciais da Antiguidade posta em circulação
através de textos antes desconhecidos — gregos, latinos, árabes,
judeus, bizantinos e de outras procedências — que representavam escolas e princípios tão diversos
como o neoplatonismo, hedonismo, otimismo, individualismo, ceticismo, estoicismo, epicurismo,
hermetismo, antropocentrismo, racionalismo, gnosticismo, cabalismo, e muitos outros. Junto a
isso tudo, a retomada do estudo da língua grega, inteiramente abandonado na Itália, possibilitou
reexaminar textos originais de Platão, Aristóteles e outros autores, gerando novas interpretações e
traduções mais exatas, que modificaram a impressão que se fazia do seu corpo de ideias.[1][3][3]

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Mas se o humanismo foi notável pelo que influiu nos campos da ética, lógica, teologia,
jurisprudência, retórica, poética, artes e humanidades, pelo trabalho de descoberta, exegese,
tradução e divulgação dos textos clássicos, e pela contribuição que deu para a filosofia do
Renascimento nas áreas da filosofia moral e política, segundo Smith et alii a maior parte do
trabalho especificamente filosófico do período foi levado a cabo por filósofos treinados na antiga
tradição escolástica e seguidores de Aristóteles e por metafísicos seguidores de Platão.[2]

O brilhante florescimento cultural e científico renascentista colocou o homem e seu raciocínio


lógico e sua ciência como medidas e árbitros da vida manifesta. Isso deu origem a sentimentos de
otimismo, abrindo positivamente o homem para o novo e incentivando seu espírito de pesquisa. O
desenvolvimento de uma nova atitude perante a vida deixava para trás a espiritualidade excessiva
do gótico e via o mundo material com suas belezas naturais e culturais como um local a ser
desfrutado, com ênfase na experiência individual e nas possibilidades latentes do homem. Além
disso, os experimentos democráticos italianos, o crescente prestígio do artista como um erudito e
não como um simples artesão, e um novo conceito de educação que valorizava os talentos
individuais de cada um e buscava desenvolver o homem num ser completo e integrado, com a
plena expressão de suas faculdades espirituais, morais e físicas, nutriam sentimentos novos de
liberdade social e individual.[5][6]

Discutia-se teorias de perfectibilidade e progresso, e o preparo


que os humanistas preconizavam para a formação do homem
ideal, são de corpo e espírito, ao mesmo tempo um filósofo, um
cientista e um artista, expandiu a estrutura de ensino medieval
do trívio e do quadrívio, criando-se neste processo novas
ciências e disciplinas, um novo conceito de ensino e educação e
O mapa mundi de Cantino, 1502
um novo método científico.[7][8] Neste período foram
inventados diversos instrumentos científicos, foram
descobertas diversas leis naturais e objetos físicos antes desconhecidos, e a própria face do planeta
se modificou para os europeus depois dos descobrimentos das grandes navegações, levando
consigo a física, a matemática, a medicina, a astronomia, a filosofia, a engenharia, a filologia e
vários outros ramos do saber a um nível de complexidade, eficiência e exatidão sem precedentes,
cada qual contribuindo para um crescimento exponencial do conhecimento total, o que levou a se
conceber a história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para melhor.[7] Esse
espírito de confiança na vida e no homem liga o Renascimento à Antiguidade Clássica e define
muito do seu legado. O seguinte trecho de Pantagruel (1532), de François Rabelais, costuma ser
citado para ilustrar o espírito do Renascimento:

"Todas as disciplinas são agora ressuscitadas, as línguas estabelecidas: Grego, sem o


conhecimento do qual é uma vergonha alguém chamar-se erudito, Hebraico, Caldeu,
Latim [...] O mundo inteiro está cheio de acadêmicos, pedagogos altamente cultivados,
bibliotecas muito ricas, de tal modo que me parece que nem nos tempos de Platão, de
Cícero ou Papiniano, o estudo era tão confortável como o que se vê a nossa volta. [...]
Eu vejo que os ladrões de rua, os carrascos, os empregados do estábulo hoje em dia
são mais eruditos do que os doutores e pregadores do meu tempo".

Apesar da ideia que os renascentistas pudessem fazer de si mesmos, o movimento jamais poderia
ser uma imitação literal da cultura antiga, por acontecer todo sob o manto do catolicismo, cujos

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valores e cosmogonia eram bem diversos dos do antigo


paganismo. Assim, de certa forma a Renascença foi uma
tentativa original e eclética de harmonização do neoplatonismo
pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com
influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da
magia, da astrologia e do oculto desempenhavam uma parte
importante na elaboração de sistemas de disciplina e
aperfeiçoamento moral e espiritual e de uma nova linguagem
simbólica.[4][8][9]

Se antes o cristianismo havia sido o único caminho para Deus,


fundamentava toda a explicação da vida e do mundo e dava Giovanni di Stefano: Figura de
justificação para a ordem social vigente, os humanistas iriam Hermes Trismegisto no piso da
mostrar que havia muitos outros caminhos e possibilidades, Catedral de Siena, c. 1480
que não procuravam negar a essência do credo — isso teria sido
impossível de sustentar por muito tempo, todas as negações
radicais naquela época acabaram em repressão violenta — mas
transformaram a interpretação dos dogmas e suas relações com
a vida e os dramas sociais. Isso deu à religião mais flexibilidade
e adaptabilidade, mas significou um declínio em seu prestígio e
influência sobre a sociedade, à medida que o homem se
Ambrogio Lorenzetti: Alegoria do
emancipava um pouco mais de sua tutela.[6] O pensamento Bom Governo, c. 1328. Palácio
medieval tendia a ver o homem como uma criatura vil, uma Público de Siena
"massa de podridão, pó e cinza", como disse Pedro Damião no
século XI. Mas quando surge Pico della Mirandola no
século XV, o homem já representava o centro do universo, um
ser mutante, imortal, autônomo, livre, criativo e poderoso,
fazendo eco às vozes mais antigas de Hermes Trismegisto
("Grande milagre é o homem") e do árabe Abedalá ("Não há
nada mais maravilhoso do que o homem").[9]

Por um lado, alguns daqueles homens se viam como herdeiros A Batalha de São Romano, parte
de uma tradição que havia desaparecido por mil anos, crendo das guerras entre Siena e Florença.
reviver de fato uma grande cultura antiga, e sentindo-se até um Pintura de Paolo Uccello, 1438,
pouco como contemporâneos dos romanos.[7] Mas havia outros Galeria Nacional de Londres

que viam sua própria época como distinta tanto da Idade


Média como da Antiguidade, com um estilo de vida nunca visto
antes, e muitas vezes proclamado como a perfeição dos séculos. Outras correntes defendiam uma
percepção de que a História é cíclica e tem fases de ascensão, apogeu e declínio inevitáveis, e de
que o homem é um ser sujeito a forças além de seu poder e não tem domínio completo sobre seus
pensamentos, capacidades e paixões, nem sobre a duração de sua própria vida. E houve os
descontentes, que não apreciavam a rápida laicização da sociedade e a ostentação dos ricos e
pregavam uma volta ao misticismo e austeridade medievais. As pesquisas recentes mostraram que
a multiplicação de trabalhos ecléticos, de metodologias idiossincráticas, de opiniões divergentes, a
ambição do saber enciclopédico e a redefinição de cânones estéticos e filosóficos e de códigos de

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ética, gerou na época tanto debate que tornou-se claro que o pensamento renascentista foi muito
mais heterogêneo do que se acreditava antes, e que o período foi tão dinâmico e criativo, entre
outras coisas, pelo volume da controvérsia.[1][4][9][10][11]

A Renascença tem sido descrita muitas vezes como uma idade otimista — e a documentação mostra
que assim foi vista em seu tempo em círculos influentes —, mas quando confrontados com a vida
fora dos livros seus filósofos sempre tiveram dificuldades para lidar com o choque entre o
idealismo edênico que propunham como a herança natural do homem, um ser criado à semelhança
de Deus, e a dureza brutal da tirania política, das revoltas populares e das guerras, das epidemias,
da pobreza e da fome endêmicas, e dos crônicos dramas morais do homem comum e real.[1][9][10]
[11][12][13]

De qualquer maneira, o otimismo que era sustentado pelo menos entre as elites se perderia
novamente no século XVI, com a reaparição do ceticismo, do pessimismo, da ironia e do
pragmatismo em Erasmo, Maquiavel, Rabelais e Montaigne, que veneravam a beleza dos ideais do
Classicismo mas tristemente constatavam a impossibilidade de sua aplicação prática. Enquanto
parte da crítica entende essa mudança de atmosfera como a fase final do Renascimento, outra
parte a definiu como uma das bases de um movimento cultural distinto, o Maneirismo.[9][13]

Fases do Renascimento e seu contexto


Costuma-se dividir o Renascimento em três grandes fases, Trecento, Quattrocento e Cinquecento,
correspondentes aos séculos XIV, XV e XVI, com um breve interlúdio entre as duas últimas
chamado de Alta Renascença.

Trecento
O Trecento (século XIV) representa a preparação para o
Renascimento e é um fenômeno basicamente italiano, mais
especificamente da região da Toscana, e embora em vários
centros tenha se verificado nesta época um processo incipiente
de humanização do pensamento e de afastamento do gótico,
como Pisa, Siena, Pádua, Veneza, Verona e Milão, na maioria
desses locais os regimes de governo eram conservadores
demais para permitir mudanças culturais significativas. Coube
a Florença assumir a vanguarda intelectual, conduzindo a
transformação do modelo medieval para o moderno. Porém,
essa centralização em Florença só se tornaria realmente nítida Giotto: Joaquim entre os pastores,
no fim do Trecento.[14] parte de um ciclo de afrescos na
Capela Scrovegni em Pádua,
A identificação dos elementos fundadores do Renascimento 1303-1305
italiano passa necessariamente pelo estudo da economia e
política florentina e seus impactos sociais e culturais, mas há
muitos aspectos obscuros e o campo é recheado de controvérsia. No entanto, segundo Richard
Lindholm, há um consenso bastante amplo de que o dinamismo econômico, a flexibilidade da
sociedade frente a desafios, sua capacidade de reação rápida em tempos de crise, sua disposição em

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aceitar riscos, e um sentimento cívico aceso em larga escala,


foram fatores determinantes para o florescimento cultural,
arquitetônico e artístico que se desenhava e fortalecia.[15]

O sistema de produção desenvolvia novos métodos, com uma


nova divisão de trabalho e uma progressiva mecanização.[15][16] Simone Martini: Guidoriccio da
A economia florentina era movimentada principalmente pela Fogliano no assédio de
produção e comércio de tecidos. Era uma economia instável Montemassi, 1328. Palácio Público,
Siena
mas dinâmica, capaz de fazer adaptações radicais diante de
imprevistos como guerras e epidemias. Um período favorável
iniciou em torno de 1330, e após a peste de 1348 emergiu renovada e ainda mais pujante,
oferecendo tecidos e roupas de alto luxo e sofisticação.[15][17]

Desde o século anterior a sociedade na Toscana via crescer uma


classe média emancipada financeiramente pela organização em
guildas, corporações de ofícios que monopolizavam a prestação
de certos serviços e a produção de certos materiais e artefatos.
Em Florença se dividiram em duas categorias: as Artes Maiores
(Juízes e Notários; Tecidos Estrangeiros; Câmbio; Lã; Seda;
Peles, e Médicos e Boticários) e as Artes Menores, que incluíam
uma grande série de ofícios menos prestigiados e lucrativos,
como as Artes dos Pescadores, Taverneiros, Sapateiros,
Padeiros, Armeiros, Ferreiros, etc.. A Arte da Lã, por exemplo,
controlava a produção, tingimento e comércio de tecidos,
cortinados, roupas e fios de lã, incluindo operações de Brasão da Arte da Lã de Florença,
importação e exportação, fazia o controle de qualidade dos cerâmica de Andrea della Robbia,
1487
produtos, estabelecia os preços e afastava qualquer
concorrência. As outras funcionavam da mesma forma. As
guildas eram muitas coisas: um misto de sindicato, irmandade, escola de aprendizes nos ofícios,
sociedade de mútuo socorro para os associados e clube social. As Artes Maiores se tornaram ricas e
poderosas, mantinham suntuosas capelas e altares nas principais igrejas e erguiam monumentos.
Atuavam todas em notável harmonia, tendo objetivos comuns, e praticamente dominaram a
condução dos assuntos públicos através dos seus delegados nos conselhos cívicos e nas
magistraturas. As várias guildas de cada cidade empregavam juntas quase a totalidade da
população urbana economicamente ativa, e não ser membro da corporação do seu ofício era um
impedimento quase intransponível para o sucesso profissional, devido ao estrito controle que
mantinham sobre os mercados e a oferta de mão de obra.[17][18][19] Por outro lado, o pertencimento
oferecia vantagens óbvias para o trabalhador, e o sucesso deste modelo permitiu que pela primeira
vez a população pudesse adquirir casa própria em larga escala, uma evolução que foi acompanhada
de um maior interesse pelas artes e a arquitetura.[15]

Seus líderes em geral eram donos de grandes empresas privadas, tinham muito prestígio, e
ascendiam socialmente também assumindo cargos públicos, pelo mecenato das artes e da Igreja, e
pela construção de mansões e palácios para viver, formando um novo patriciado. Os grandes
empresários muitas vezes mantinham interesses paralelos em casas de câmbio, as precursoras dos

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bancos, e movimentavam fortunas financiando ou


administrando o patrimônio de príncipes, imperadores e
papas. Essa burguesia empoderada se tornou um dos principais
pilares do governo e de um novo mercado de arte e cultura.
Famílias desta classe, como os Mozzi, Strozzi, Peruzzi e Medici,
entrariam em pouco tempo para a nobreza e algumas até
governariam Estados.[14][18][19]

Neste século Florença viveu intensas lutas de classes, uma crise


socioeconômica mais ou menos crônica e sofreu um claro
declínio em poder ao longo de todo o século. Era uma época em
que os Estados investiam grande parte das suas energias em O Palácio Strozzi em Florença
duas atividades principais: ou estavam atacando e saqueando
seus vizinhos e tomando seus territórios, ou estavam do outro
lado, tentando resistir aos ataques. Os domínios de Florença
vinham há tempo sendo ameaçados, a cidade envolveu-se em
várias guerras, na maioria saindo vencida, mas em alguns
momentos obtendo vitórias brilhantes; vários bancos
importantes faliram; sofreu epidemias de peste; a rápida
alternância no poder de facções opostas de guelfos e gibelinos,
engajados em disputas sangrentas, não permitia tranquilidade
social nem o estabelecimento de metas político-administrativas
de longo prazo, tudo sendo agravado por revoltas populares e
empobrecimento da zona rural, mas neste processo a burguesia
urbana faria ensaios democráticos de governo. Apesar das
dificuldades e crises recorrentes, Florença chegava aos meados
do século como uma cidade poderosa no cenário italiano; no A expulsão do despótico
século passado tinha sido maior, mas ainda subordinava várias Gualtério VI de Brienne, regente de
outras cidades e mantinha uma importante frota mercante e Florença, afresco atribuído a Andrea
Orcagna, 1343–1349
ligações econômicas e diplomáticas com vários Estados ao
norte dos Alpes e em torno do Mediterrâneo.[18][19][20][21] É
preciso notar que a democracia da república florentina difere das interpretações modernas do
termo. Em 1426 Leonardo Bruni disse que a lei reconhecia como iguais todos os cidadãos, mas na
prática somente a elite e a classe média tinham acesso aos cargos públicos e alguma voz real nas
tomadas de decisão. Em muito a isso se deve a quase constante luta de classes do Renascimento.[6]

Por outro lado, o surgimento da noção de livre concorrência e a forte ênfase no comércio
estruturava o sistema econômico em moldes capitalistas e materialistas, onde a tradição, inclusive
a religiosa, era sacrificada diante do racionalismo, da especulação financeira e do utilitarismo.[3][17]
Ao mesmo tempo, os florentinos nunca desenvolveram, como em outras regiões aconteceu, um
preconceito moral contra os negócios ou contra a riqueza em si, considerada um meio de ajudar o
próximo e participar ativamente da sociedade, e na verdade eles estavam conscientes de que o
progresso intelectual e artístico largamente dependia do sucesso material, mas como a avareza, o
orgulho, a cobiça e a usura eram considerados pecados, a Igreja associava-se aos interesses do
empresariado aplacando conflitos de consciência e oferecendo uma série de mecanismos

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compensatórios para os deslizes.[8][17]

Fora incorporada à doutrina a noção de que o perdão dos pecados e a salvação da alma poderiam
ser conquistados também através do serviço público e do embelezamento das cidades e igrejas com
obras de arte, além da prática de outras ações virtuosas, como a encomenda de missas e o
patrocínio do clero e irmandades e suas iniciativas, coisas tão salutares para o espírito como úteis
para aumentar o prestígio do doador. Na verdade, a caridade era um importante cimento social e
uma garantia de segurança pública. Além de sustentar o embelezamento das cidades, ao mecenato
grosso e à esmola miúda se devia também o amparo aos pobres, a existência de hospitais, asilos,
escolas, e o financiamento de muitas demandas administrativas, inclusive guerras, e por isso os
Estados sempre tiveram um forte interesse no bom funcionamento desse sistema. Fortalecia-se,
por várias maneiras, junto com a contribuição dos humanistas, muitos deles conselheiros de
príncipes ou encarregados de altas magistraturas cívicas, uma cultura pragmática e laica que
transformou a sociedade e influiu diretamente no mercado de arte e em suas formas de produção,
distribuição e valoração.[6][17][22]

Mesmo que o cristianismo jamais tenha sido posto seriamente em xeque, no fim do século iniciava
um período de declínio progressivo no prestígio da Igreja e na capacidade da religião de controlar
as pessoas e oferecer um modelo coerente de cultura e sociedade, não só pelo contexto político,
econômico e social laicizante, mas também porque os cientistas e humanistas passariam a buscar
explicações racionais e demonstráveis para os fenômenos da natureza, questionando as explicações
transcendentais, tradicionais ou folclóricas, e isso tanto fragilizava o cânone religioso como
alterava as relações entre Deus, o homem e o restante da Criação. Desse embate, continuado e
renovado ao longo de todo o Renascimento, o homem reemergiria bom, belo, poderoso,
magnificado, e o mundo passaria a ser visto como um lugar bom para se viver.[3][6][17][22]

A democracia florentina, por sua vez, por imperfeita que fosse,


acabou se perdendo em uma série de guerras externas e
tumultos internos, e na década de 1370 Florença parecia
rapidamente se dirigir para um novo governo senhorial. A
mobilização da poderosa família Albizzi interrompeu esse
processo, mas em vez de preservar o sistema comunal assumiu
a hegemonia política e instalou uma república oligárquica, com
o apoio de aliados do alto patriciado burguês. No mesmo Cópia de Bastiano da Sangallo da
batalha de Cascina, de
momento formou-se uma oposição, centrada nos Medici, que
Michelangelo. A batalha foi travada
iniciavam sua ascensão.[6][23] Apesar da brevidade desses em 1364 entre Florença e Pisa
experimentos de democracia e da frustração de muitos dos seus
objetivos ideais, o seu surgimento representou um marco na
evolução do pensamento político e institucional europeu.[24]

Quattrocento
Depois de Florença ter experimentado momentos de grande brilho, o final do Trecento havia
encontrado a cidade acuada pelos avanços do Ducado de Milão, havia perdido vários territórios e
todos os antigos aliados, e teve o acesso ao mar cortado.[14][19] O Quattrocento (século XV) abriu

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com as tropas milanesas às portas de Florença, depois de terem


devastado a zona rural nos anos precedentes. Mas subitamente
em 1402 um novo episódio de peste matou seu general,
Giangaleazzo Visconti, e impediu que a cidade sucumbisse ao
destino de grande parte do norte e noroeste da Itália,
desencadeando uma ressurgência do espírito cívico. A partir de
então os intelectuais e historiadores locais, inspirados também
no pensamento político de Platão, Plutarco e Aristóteles,
passaram a organizar e proclamar o discurso de que Florença
havia mostrado uma "heroica resistência" e se tornado o
símbolo maior da liberdade republicana, além de ser a mestra
de toda a cultura italiana, chamando-a de A Nova Atenas.[6][14]
[25][26]

Combinando-se a conquista da independência com o


humanismo filosófico que estava ganhando ímpeto, reuniam-se Sandro Botticelli: Retrato de jovem
segurando a medalha de Cosme de
alguns dos principais elementos que asseguraram para
Médici, c. 1474. Uffizi
Florença permanecer na vanguarda política, intelectual e
artística. Contudo, pela década de 1420 as camadas populares
se viram privadas da maior parte do poder que haviam conquistado, e se renderam a um novo
panorama político, dominado ao longo de todo o século pelo governo dos Medici, um governo
nominalmente republicano, mas de facto aristocrático e senhorial.[14][27] Isso foi uma decepção
para os burgueses em geral, mas fortaleceu o costume do mecenato, fundamental para a evolução
do classicismo. A tensão social nunca foi completamente abafada ou resolvida, e ela parece ter sido
sempre um outro fermento importante para o dinamismo cultural da cidade.[6]

A expansão da produção local de tecidos de luxo cessou na década de 1420, mas os mercados se
recuperaram e voltaram a expandir em meados do século no comércio de tecidos espanhóis e
orientais e na produção de opções mais populares, e não obstante as costumeiras agitações
políticas periódicas, a cidade atravessou outro período de prosperidade e de intensificação no
mecenato artístico, reconquistou territórios e comprou o domínio de cidades portuárias para
reestruturar seu comércio internacional. Conquistava a primazia política em toda a Toscana,
apesar de Milão e Nápoles permanecerem como ameaças constantes.[28] A oligarquia burguesa
florentina então monopolizava todo o sistema bancário europeu e adquiria brilho aristocrático e
grande cultura, e enchia seus palácios e capelas de obras classicistas. A ostentação gerou
descontentamento na classe média, materializada numa reversão ao idealismo místico do estilo
gótico. Estas duas tendências opostas marcaram a primeira metade deste século, até que a pequena
burguesia abandonou suas resistências, possibilitando uma primeira grande síntese estética que
viria a transbordar de Florença para quase todo o território italiano, definida pela primazia do
racionalismo e dos valores clássicos.[21][29]

Enquanto isso, o humanismo amadurecia e se espalhava pela Europa através de Ficino, Rodolphus
Agricola, Erasmo de Roterdão, Mirandola e Thomas More. Leonardo Bruni inaugurava a
historiografia moderna e a ciência e a filosofia progrediam com Luca Pacioli, János Vitéz, Nicolas
Chuquet, Regiomontanus, Nicolau de Cusa e Georg von Peuerbach, entre muitos outros. Ao mesmo

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tempo, o interesse pela história antiga levou humanistas como


Niccolò Niccoli e Poggio Bracciolini a vasculharem as
bibliotecas da Europa em busca de livros perdidos de autores
clássicos. Muitos documentos importantes, de fato, foram
encontrados, como o tratado De architectura, de Vitrúvio,
discursos de Cícero, os Institutos de Oratória de Quintiliano, a
Argonautica, de Valério Flaco, e De rerum natura, de
Lucrécio.[30][31] A reconquista da Península Ibérica aos mouros
também disponibilizou para os eruditos europeus um grande
acervo de textos de Aristóteles, Euclides, Ptolomeu e Plotino, Retrato de Luca Pacioli com um
preservados em traduções árabes e desconhecidos na Europa, e aluno, por Jacopo de' Barbari,
de obras muçulmanas de Avicena, Geber e Averróis, 1460–1470. Museu de Capodimonte
contribuindo de modo marcante para um novo florescimento
na filosofia, matemática, medicina e outras especialidades
científicas.[32][33][34]

O aperfeiçoamento da imprensa por Johannes Gutenberg em


meados do século facilitou e barateou imenso a divulgação do
conhecimento para um público maior. O mesmo interesse pela
cultura e ciência fez com que se fundassem grandes bibliotecas
na Itália, e se procurasse restaurar o latim, que havia se
transformado em um dialeto multiforme, para sua pureza Fólio do Comentário sobre o
clássica, tornando-o a nova língua franca da Europa. A Almagesto de Jorge de Trebizonda,
restauração do latim derivou da necessidade prática de se gerir c. 1482. Biblioteca Vaticana
intelectualmente essa nova biblioteca renascentista.
Paralelamente, teve o efeito de revolucionar a pedagogia, além
de fornecer um substancial novo corpus de estruturas
sintáticas e vocabulário para uso dos humanistas e literatos,
que assim revestiam seus próprios escritos com a autoridade
dos antigos.[34] Também foi importante o interesse das elites
pelo colecionismo de arte antiga, estimulando estudos e
escavações que levaram ao descobrimento de diversas obras de
arte, impulsionando com isso o desenvolvimento da
arqueologia e influenciando as artes visuais.[35]

Um vigor adicional nesse processo foi injetado pelo erudito


grego Manuel Crisoloras, que entre 1397 e 1415 reintroduziu na
Itália o estudo da língua grega, e com o fim do Império
Bizantino em 1453 muitos outros intelectuais, como Demétrio
Calcondilas, Jorge de Trebizonda, João Argirópulo, Teodoro
Gaza e Barlaão de Seminara, emigraram para a península
Itálica e outras partes da Europa, divulgando textos clássicos Retrato de Manuel Criosoloras por
de filosofia e instruindo os humanistas na arte da exegese. Paolo Uccello, Louvre
Grande proporção do que hoje se conhece de literatura e
legislação greco-romanas foi preservado pelo Império

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Bizantino, e esse novo conhecimento dos textos clássicos originais, bem como de suas traduções,
foi, no entender de Luiz Marques, "uma das maiores operações de apropriação de uma cultura por
outra, comparável em certa medida à da Grécia pela Roma dos Cipiões no século II a.C. Ela reflete,
além disso, a passagem, crucial para a história do Quattrocento, da hegemonia intelectual de
Aristóteles para a de Platão e de Plotino". Nesse grande influxo de ideias foi reintroduzida na Itália
toda a estrutura da antiga Paideia, um corpo de princípios éticos, sociais, culturais e pedagógicos
concebido pelos gregos e destinado a formar um cidadão modelar.[34][36][37] As novas informações
e conhecimentos e a concomitante transformação em todas as áreas da cultura levaram os
intelectuais a sentir que se achavam em meio a uma fase de renovação comparável às fases
brilhantes das civilizações antigas, em oposição à Idade Média anterior, que passou a ser
considerada uma era de obscuridade e ignorância.[5][38]

A morte de Lourenço de Médici em 1492, que governara Florença por quase trinta anos, e que
ganhou fama como um dos maiores mecenas do século, mais o colapso do governo aristocrático em
1494, assinalaram o fim da fase dourada da cidade.[39] Ao longo do Quattrocento Florença foi o
principal — mas nunca o único — polo de difusão do classicismo e do humanismo para o centro-
norte da Itália, e cultivou a cultura que veio a ganhar fama como a mais perfeita expressão do
Renascimento e o modelo contra o qual todas as outras expressões foram comparadas. Essa
tradição laudatória se fortaleceu depois de Vasari lançar no século XVI suas Vidas dos Artistas, o
marco inaugural da historiografia da arte moderna, que atribuiu o claro protagonismo e a
excelência superior aos florentinos. Esta obra teve larga repercussão e influiu nos rumos da
historiografia por séculos.[13][40][41]

Alta Renascença
A Alta Renascença cronologicamente engloba os anos finais do Quattrocento e as primeiras
décadas do Cinquecento, sendo delimitada aproximadamente pelas obras de maturidade de
Leonardo da Vinci (a partir de c. 1480) e o Saque de Roma em 1527. Nesse período Roma assumiu
a vanguarda artística e intelectual, deixando Florença em segundo plano. Isso se deve
principalmente ao mecenato papal e a um programa de reformas e embelezamentos urbanos, que
procurou revitalizar a antiga capital imperial à inspiração, exatamente, da glória dos césares, da
qual os papas se julgaram os legítimos herdeiros. Ao mesmo tempo, como sede do papado e
plataforma de suas pretensões imperialistas, reafirmava-se sua condição de "Cabeça do Mundo".
[35][43][44]

Isso se refletiu ainda na recriação de práticas sociais e simbólicas que imitavam as da Antiguidade,
como os grandes cortejos de triunfo, as festas públicas suntuosas, as cunhagens de medalhas, as
representações teatrais grandiloquentes, cheias de figuras históricas, mitológicas e alegóricas.
Roma até então não havia produzido grandes artistas renascentistas, e o classicismo havia sido
plantado através da presença temporária de artistas de outras partes. Mas com a fixação na cidade
de mestres do porte de Rafael, Michelangelo e Bramante formou-se uma dinâmica escola local,
tornando a cidade o mais rico repositório da arte da Alta Renascença.[35][42]

Nesta altura, o classicismo era a corrente estética dominante na Itália, com muitos centros
importantes de cultivo e difusão. Pela primeira vez a Antiguidade era compreendida como uma

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civilização definida, com um espírito próprio, e não como uma


sequência de eventos isolados. Ao mesmo tempo, identificou-se
esse espírito como muito próximo ao do Renascimento,
fazendo com que os artistas e intelectuais sentissem de certa
forma que podiam dialogar em pé de igualdade com os mestres
do passado que admiravam. Haviam, enfim, "dominado" a
linguagem recebida, e podiam agora usá-la com mais liberdade
e compreensão.[35][43]

Ao longo dos séculos formou-se um amplo consenso de que a


Alta Renascença representou o amadurecimento dos ideais
mais caros de toda a geração renascentista anterior, do
humanismo, da noção de autonomia da arte, da transformação
do artista em um cientista e um erudito, da busca pela
fidelidade à natureza, e do conceito de gênio.[35][45] Recebeu o
nome de "Alta" por causa desse caráter alegadamente
exemplar, de clímax de uma trajetória de ascensão contínua.
O Tempietto de Bramante na igreja
Não poucos historiadores registraram testemunhos passionais de San Pietro in Montorio em Roma,
de admiração pelo legado dos artistas do período, chamando-a 1502, um dos edifícios mais
de uma época "milagrosa", "sublime", "incomparável", influentes do período[42]
"heroica", "transcendente", sendo revestida pela crítica de uma
aura de nostalgia e veneração por muito tempo. Assim como
tem feito com todos os antigos consensos e mitos, a crítica
recente vem se encarregando de desconstruir e reinterpretar
mais essa tradição, considerando-a uma visão de certa forma
escapista, esteticista e superficial de um contexto social
marcado, como sempre foi, por enormes desigualdades sociais,
tirania, corrupção, guerras vãs e outros problemas, "uma bela,
mas no fundo trágica fantasia", como observou Brian Curran.
[43]

Essa supervalorização também tem sido criticada por basear-se


excessivamente no conceito de gênio, atribuindo todas as
contribuições relevantes a um punhado de artistas, e por
identificar como "clássica" e como "a melhor" apenas uma
determinada corrente estética, enquanto a revisão das
evidências tem mostrado que tanto a Antiguidade como a Alta
Renascença foram muito mais variadas do que a visão Michelangelo: David, 1504. Galleria
hegemônica alegava.[43] dell’Accademia

Porém, tem sido reconhecida a importância histórica da Alta


Renascença como um conceito historiográfico que foi mais mas ainda é muito influente, e tem sido
reconhecido que os padrões estéticos introduzidos por Leonardo, Rafael e Michelangelo,
principalmente, estabeleceram um cânone diferente dos seus predecessores e extremamente bem
sucedido em sua aceitação, da mesma maneira tornando-se referencial por longo período. Esses

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três mestres, apesar do revisionismo recente e da consequente


relativização dos valores, ainda são considerados em larga
escala como a expressão máxima do período e como a mais
acabada encarnação do conceito de gênio renascentista.[43][46]
[47][48] Seu estilo nesta fase é caracterizado por um classicismo

muito idealizado e suntuoso, que sintetizava elementos seletos


de fontes clássicas especialmente prestigiadas, depreciando o
realismo que algumas correntes do Quattrocento ainda
praticavam.[43] Segundo Hauser,

"De acordo com os pressupostos desta arte,


pareceria inconcebível, por exemplo, que os
apóstolos fossem representados como
camponeses vulgares e artesãos comuns, como o
eram tão frequentemente e com tanto sabor, no
século XV. Para esta arte nova, os profetas,
apóstolos, mártires e santos são personalidades
Baldassarre Peruzzi: Tumba do
ideais, livres, grandes, poderosas e dignificadas,
graves e solenes, uma raça heroica, no pleno papa Adriano VI, 1523. Igreja de
florescimento de uma beleza madura e Santa Maria dell'Anima, Roma. A
enternecedora. Na obra de Leonardo encontramos grande arte fúnebre do período
ainda tipos da vida comum, ao lado destas nobres servia para a glorificação da
figuras, mas gradualmente nada que não seja memória do morto, para o
grande e sublime parece digno de representação embelezamento da igreja e para a
artística".[49] edificação do povo pelos símbolos
de virtude que exibiam, objetivos
Ao longo do exílio dos papas em Avinhão a cidade de Roma considerados meritórios e auxiliares
entrara em grande declínio, mas desde o retorno no século para a expiação dos pecados
anterior os pontífices procuraram reorganizá-la e revitalizá-la,
empregando um exército de arqueólogos, humanistas,
antiquários, arquitetos e artistas para estudar e conservar
ruínas e monumentos e embelezar a cidade, para que ela
voltasse a ser digna do seu passado ilustre. Se havia se tornado
um hábito para muitos renascentistas afirmar que estavam
vivendo uma nova Idade Dourada, segundo Jill Burke, nunca
antes isso foi reafirmado com tanto vigor e empenho como
fizeram os papas Júlio II e Leão X, os principais responsáveis
por tornar Roma um dos maiores e mais cosmopolitas centros Rafael: A Escola de Atenas, 1509.
artísticos europeus do seu tempo e os principais apregoadores Vaticano
da ideia de que em sua geração os séculos haviam atingido sua
perfeição.[43]

O corolário da mudança de mentalidade entre o Quattrocento e o Cinquecento é que enquanto


naquele a forma é um fim, neste é um começo; enquanto naquele a natureza fornecia os padrões
que a arte imitava, neste a sociedade precisará da arte para provar que existem tais padrões. A arte
mais prestigiada se tornava pesadamente autorreferencial e afastada da realidade cotidiana,
embora fosse imposta ao povo nos principais espaços públicos e no discurso oficial. Rafael resumiu
os opostos em seu famoso afresco A Escola de Atenas, uma das mais importantes pinturas da Alta

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Renascença, que ressuscitou o diálogo filosófico entre Platão e Aristóteles, ou seja, entre o
idealismo e o empirismo.[49]

O classicismo desta fase, embora maduro e rico, conseguindo plasmar obras de grande pujança,
tinha forte carga formalista e retrospectiva, e por isso vem sendo considerado por alguns críticos
recentes como uma tendência conservadora e não progressista.[43] O próprio humanismo, em sua
versão romana, perdeu seu ardor cívico e anticlerical e foi censurado e domesticado pelos papas,
convertendo-o, em essência, em uma justificativa filosófica para seu programa imperialista.[43][44]
O código de ética que se impunha entre os círculos ilustrados, uma construção abstrata e um teatro
social na mais concreta acepção do termo, prescrevia a moderação, autocontrole, dignidade e
polidez em tudo. O livro O Cortesão, de Baldassare Castiglione, é sua súmula teórica.[49]

Apesar do código de ética que circulava entre as elites, as


contradições e falhas da ideologia dominante hoje são óbvias
para os pesquisadores. O programa de embelezamento de
Roma tem sido criticado como uma iniciativa mais destrutiva
do que construtiva que deixou uma série de obras inconclusas e
arrasou ou modificou desnecessariamente monumentos e
edifícios autênticos da Antiguidade.[43] Essa sociedade
permanecia autoritária, desigual e corrompida, e a julgar por
algumas evidências, parece ter sido anormalmente corrompida,
tanto que seus críticos coevos consideraram o saque da cidade
em 1527 uma punição divina pelos seus crimes, pecados e
escândalos. Neste sentido, o outro "manual didático"
importante do período é O Príncipe, de Maquiavel, um tutorial
de como subir ao poder e lá permanecer, onde declara que "não
existem boas leis sem boas armas", não distinguindo Poder de
Autoridade, e legitimando o uso da força para controle do Capa do Príncipe, de Maquiavel
cidadão. O livro foi uma referência fundamental para o
pensamento político renascentista em sua fase final e uma
inspiração importante para a filosofia do Estado moderno. Apesar de Maquiavel ser às vezes
acusado de frieza, cinismo, calculismo e crueldade, tanto que dele vem a expressão "maquiavélico",
a obra é um documento histórico valioso como uma análise abrangente da prática política e dos
valores dominantes da época.[50][51]

Eventos como a descoberta da América e a Reforma Protestante, e técnicas como a imprensa de


tipos móveis, transformaram a cultura e a visão de mundo dos europeus, ao mesmo tempo em que
a atenção de toda a Europa se voltava para a Itália e seus progressos, com as grandes potências da
França, Espanha e Alemanha desejando sua partilha e fazendo dela um campo de batalhas e
pilhagens. Com as invasões que se seguiram a arte italiana espalhou sua influência por uma vasta
região do continente.[52][53]

O Cinquecento e o Maneirismo italiano


O Cinquecento (século XVI) é a derradeira fase da Renascença, quando o movimento se transforma

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e se expande para outras partes da Europa.[35] Na sequência do


saque de Roma de 1527 e da contestação da autoridade papal
pelos Protestantes o equilíbrio político do continente se alterou
e sua estrutura sociocultural foi abalada. A Itália sofreu as
piores consequências: além de ser invadida e saqueada, deixava
de ser o centro comercial da Europa à medida que novas rotas
de comércio eram abertas pelas grandes navegações. Todo o
panorama mudava de figura, declinando a influência católica, e
surgindo sentimentos de pessimismo, insegurança e alheação,
Rafael: Detalhe da Transfiguração
que caracterizam a atmosfera do Maneirismo.[54][55] de Cristo, 1517–1520, mostrando
traços precursores do Maneirismo.
A queda de Roma significou que não havia mais "um" centro a Museus Vaticanos
ditar a estética e a cultura. Aparecem escolas regionais
marcadamente diferenciadas em Florença, Ferrara, Nápoles,
Milão, Veneza, e muitas outras, e o Renascimento se espalhou
então definitivamente por toda a Europa, transformando-se e
diversificando-se profundamente à medida que incorporava
um variadíssimo corpo de influências regionais. A arte de
longevos como Michelangelo e Ticiano registrou em grande
estilo a passagem de uma era de certezas e clareza para outra
de dúvidas e drama. As conquistas intelectuais e artísticas da
Alta Renascença ainda estavam frescas e não poderiam ser
esquecidas de pronto, mesmo que seu substrato filosófico já
não pudesse permanecer válido diante dos novos fatos
políticos, religiosos e sociais. A nova arte e arquitetura que se
fez, onde se destacam nomes como Parmigianino, Pontormo,
Tintoretto, Rosso Fiorentino, Vasari, Palladio, Vignola, Michelangelo: O Juízo Final,
1534-41. Capela Sistina
Romano, Cellini, Bronzino, Giambologna, Beccafumi, ainda
que inspirada na Antiguidade, reorganizou e traduziu seus
sistemas de proporção e representação espacial e seus valores simbólicos em obras inquietas,
distorcidas, ambivalentes e preciosistas.[54][56]

Essa mudança estava sendo preparada há algum tempo. Na década de 1520 o papado havia se
envolvido em tantos conflitos internacionais e a pressão em seu redor era tanta que poucas pessoas
duvidavam de que Roma estava condenada, considerando sua queda apenas uma questão de
tempo. Desde bem antes do desastre de 1527 o próprio Rafael, tradicionalmente visto como um dos
mais puros representantes da moderação e do equilíbrio considerados típicos da Alta Renascença,
em várias obras importantes concebeu as cenas com contrastes tão fortes, os grupos com tanto
movimento, as figuras com expressão tão apaixonada, e em posições tão antinaturais e retóricas,
que segundo Frederick Hartt ele poderia ser colocado não só como um precursor do Maneirismo,
mas também do Barroco, e se tivesse vivido mais sem dúvida teria acompanhado Michelangelo e
outros na transição completa para um estilo consistentemente diferenciado daquele do início do
século.[57]

Vasari, um dos principais eruditos do Cinquecento, não percebeu uma solução de continuidade

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radical entre a Alta Renascença e o período seguinte, no qual


ele mesmo viveu, considerava-se ainda um renascentista e ao
explicar as diferenças evidentes entre a arte dos dois períodos,
dizia que os sucessores de Leonardo, Michelangelo e Rafael
estavam trabalhando em um "estilo moderno", uma "maneira
nova", que procurava imitar algumas das mais importantes
obras da Antiguidade que conheciam.[48] Ele se referia
principalmente ao Grupo de Laocoonte, redescoberto em 1506,
causando uma enorme sensação no meio artístico romano, e ao
Torso Belvedere, que na mesma época começava a se tornar
famoso e muito estudado. Estas obras exerceram uma larga
influência sobre os primeiros maneiristas, incluindo Grupo de Laocoonte, Museus
Michelangelo, contudo, pertencem não ao período Clássico, Vaticanos
mas ao Helenístico, que em muitos aspectos foi uma escola
anticlássica. Tampouco os renascentistas entendiam o termo
"clássico" como ele foi entendido a partir do século XVIII, a expressão de um ideal de pureza,
majestade, perfeição, equilíbrio, harmonia e moderação emocional, a síntese de tudo o que era
bom, útil e belo, que identificaram existindo na Grécia Antiga entre os séculos V e IV a.C.. É difícil
determinar como os renascentistas percebiam as diferenças entre as correntes estéticas
contrastantes da cultura greco-romana como um todo (a "Antiguidade"), quase todas as obras da
Antiguidade às quais tinham acesso naquela época eram releituras helenísticas e romanas de
modelos gregos perdidos, um repertório formal muito eclético que incorporava referenciais
múltiplos de quase mil anos da história greco-romana, período em que houve várias e dramáticas
mudanças de gosto e estilo. Parecem ter visto a Antiguidade mais como um período cultural
monolítico, ou pelo menos como um de cujo acervo iconográfico poderiam retirar elementos
escolhidos à vontade para criar uma "Antiguidade usável", adaptada às demandas do tempo.[43][48]
O crítico Ascanio Condivi relata um exemplo dessa postura em Michelangelo, dizendo que quando
o mestre queria criar uma forma ideal, não se contentava em observar apenas um modelo, mas
procurava muitos e tirava de cada um deles os melhores traços. Relata-se que Rafael, Bramante e
outros usavam a mesma abordagem.[43]

Porém, depois do século XVII e por muito tempo o Maneirismo foi visto como uma degeneração
dos ideais clássicos autênticos, desenvolvida por artistas perturbados ou mais preocupados com os
caprichos de um virtuosismo mórbido e fútil. Muitos críticos posteriores atribuíram o dramatismo
e assimetria das obras do período a uma imitação exagerada do estilo de Michelangelo e de Giulio
Romano, mas esses traços também foram interpretados como um reflexo de uma época agitada e
desiludida.[48][54][58][59] Hartt assinalou a influência de movimentos de reforma da Igreja na
mudança de mentalidade.[57] A crítica recente entende que os movimentos culturais são sempre
fruto de múltiplos fatores, e o Maneirismo italiano não é uma exceção, mas considera-se que foi em
essência o produto de ambientes cortesãos conservadores, de cerimonialismo complexo e cultura
eclética e ultra-sofisticada, e não um movimento intencionalmente anticlássico.[43][48][60]

De qualquer modo, a polêmica teve o efeito de cindir os estudiosos do Maneirismo em duas


correntes principais. Para uns a difusão da influência italiana sobre a Europa ocorrida no
Cinquecento produziu expressões plásticas tão polimorfas e tão distintas daquelas do Quattrocento

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e da Alta Renascença, que se tornou um problema descrevê-las


como parte do fenômeno original, parecendo-lhes que em
muitos sentidos constituem uma antítese dos princípios
clássicos tão prezados pelas fases anteriores, e que definiriam o
"verdadeiro" Renascimento. Assim, estabeleceram o
Maneirismo como um movimento independente,
reconhecendo-o como uma requintada, imaginativa e vigorosa
forma de expressão, uma importância realçada por ser a
primeira escola de arte moderna. A outra vertente crítica,
contudo, o analisa como um aprofundamento e um
enriquecimento dos pressupostos clássicos e como uma
legítima conclusão do ciclo do Renascimento; não tanto uma
negação ou desvirtuamento daqueles princípios, mas uma
reflexão sobre sua aplicabilidade prática naquele momento
Parmigianino: Madonna com o
histórico e uma adaptação — às vezes dolorosa mas em geral
Menino e santos, c. 1530. Uffizi
criativa e bem sucedida — às circunstâncias da época.[43][55][61]
[62] Para tornar o quadro ainda mais complexo, a própria

identificação dos traços característicos do Maneirismo, bem


como sua cronologia e sua aplicabilidade a outras regiões e
outras áreas além das artes visuais, têm sido centro de outra
polêmica monumental, que muitos consideram insolúvel.[57]

Além das mudanças culturais provocadas pelo rearranjo


político do continente, o século XVI foi marcado por uma outra
grande crise, a Reforma Protestante, que derrubou para sempre
a antiga autoridade universal da Igreja Romana. Um dos
Rosso Fiorentino: Pietà, 1537-1540.
impactos mais importantes da Reforma sobre a arte
Louvre
renascentista foi a condenação das imagens sagradas, o que
despovoou os templos do norte de representações pictóricas e
escultóricas de santos e personagens divinos, e muitas obras de arte foram destruídas em ondas de
fúria iconoclasta. Com isso as artes representativas sob influência reformista se voltaram para os
personagens profanos e a natureza. O papado, porém, logo percebeu que a arte podia ser uma arma
eficiente contra os protestantes, auxiliando em uma evangelização mais ampla e mais sedutora
para as grandes massas do povo. Durante a Contrarreforma foram sistematizados novos preceitos
que determinavam em detalhe como o artista deveria criar obras de tema religioso, procurando
enfatizar a emoção e o movimento, considerados recursos mais inteligíveis e atraentes para ganhar
a devoção simples do povo e, assim, garantir a vitória contra os protestantes. Mas se por um lado a
Contrarreforma deu origem a mais encomendas de arte sacra, a antiga liberdade de expressão
artística que se verificara em fases anteriores desapareceu, uma liberdade que permitira a
Michelangelo decorar seu enorme painel do Juízo Final, pintado no coração do Vaticano, com uma
multidão de corpos nus de grande sensualidade, ainda que o campo profano permanecesse pouco
afetado pela censura.[63][64]

O Cinquecento foi também a era de fundação das primeiras Academias de Arte, como a Academia
das Artes do Desenho em Florença e a Academia de São Lucas em Roma, uma evolução das guildas

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de artistas que instituiu o Academismo como um sistema de


ensino superior e um movimento cultural, normatizando o
aprendizado, estimulando o debate teórico e servindo como
instrumento dos governos para a divulgação e consagração de
ideologias não apenas estéticas, mas também políticos e
sociais.[65][66] Os teóricos da arte maneiristas aprofundaram os
debates promovidos pela geração anterior, acentuaram as
ligações do intelecto humano com a criatividade divina, e
prestigiaram a diversidade. Para Pierre Bourdieu a criação do Giovanni Lomazzo: Tratado da arte
sistema acadêmico significou a formulação de uma teoria em da pintura, 1584
que a arte era uma encarnação dos princípios da Beleza, da
Verdade e do Bem, uma extensão natural da ideologia da Alta
Renascença,[67] mas os maneiristas se abriram à existência de vários padrões válidos, o que
permitiu uma grande liberdade aos criadores em diversos aspectos, em especial na arte profana,
livre do controle da Igreja. A ênfase dada nas academias ao aperfeiçoamento técnico e à referência
constante aos modelos antigos consagrados serviu também para deslocar parte do interesse
principal do dizer algo para mostrar quão bem algo fora dito, apresentando o artista como um
erudito. A influência das academias tardaria um pouco a se firmar, mas durante o Barroco e o
Neoclassicismo elas vieram a dominar todo o sistema de arte europeu.[60][66][67][68][69]

Críticas
O Renascimento foi historicamente muito enaltecido como a abertura de uma nova era, uma era
iluminada pela Razão em que os homens, criados à imagem da Divindade, cumpririam a profecia
de reinar sobre o mundo com sabedoria, e cujas obras maravilhosas os colocariam na companhia
dos heróis, dos patriarcas, dos santos e dos anjos. Hoje entende-se que a realidade social não
refletiu os altos ideais expressos na arte, e que esse ufanismo exaltado em torno do movimento foi
em boa parte obra dos próprios renascentistas, cuja produção intelectual, que os auto-apresentava
como os fundadores de uma nova Idade Dourada, e que colocava Florença no centro de tudo,
determinou boa parte dos rumos da crítica posterior. Mesmo movimentos subsequentes
anticlássicos, como o Barroco, reconheciam nos clássicos e em seus herdeiros renascentistas
valores valiosos.[10][13][70][71]

Em meados do século XIX o período havia se tornado um dos principais campos de investigação
erudita, e a publicação em 1860 do clássico A História do Renascimento na Itália, de Jacob
Burckhardt, foi o coroamento de cinco séculos de tradição historiográfica que colocava o
Renascimento como o marco inicial da modernidade, comparando-o à remoção de um véu dos
olhos da humanidade, permitindo-lhe ver claramente.[55][72][73] Mas a obra de Burckhardt surgiu
quando já era sentida uma tendência revisionista dessa tradição, e a repercussão que ela causou só
acentuou a polêmica. Desde lá uma massa de novos estudos revolucionou a maneira como a arte
antiga era estudada e compreendida.[13][74][75]

A tradição e a autoridade foram sendo postas de lado em favor do estudo preferencial das fontes
primárias e de análises mais críticas, nuançadas, contextualizadas e inclusivas; percebeu-se que
havia muito mais diversidade de opiniões entre os próprios renascentistas do que se pensava, e que

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muito devido a essa diversidade se deve o dinamismo e originalidade do período; o rápido avanço
em técnicas científicas de datação e restauro e de análises físico-químicas dos materiais
possibilitou que inúmeras atribuições de autoria tradicionais fossem consolidadas, e outras tantas
fossem abandonadas definitivamente, reorganizando de maneira significativa o mapa da produção
artística; foram definidas novas cronologias e redefinidas as individualidades artísticas e suas
contribuições; novas vias de difusão e influência foram identificadas, e muitas obras importantes
foram redescobertas. Nesse processo, uma série de cânones historiográficos foi derrubada, e a
própria tradição de divisão da História em períodos definidos ("Renascimento", "Barroco",
"Neoclassicismo"), passou a ser vista como uma construção artificial que falseia o entendimento de
um processo social que é continuado e cria estereótipos conceituais inconsistentes. Além disso, o
estudo de todo o contexto histórico, político e social foi e vem sendo muito aprofundado, colocando
as expressões culturais contra um pano de fundo valorado de uma forma que não cessa de se
atualizar e se tornar mais plural.[10][11][13][55][70][73][76]

Assim, muitos historiadores começaram a concluir que o


Renascimento vinha sendo sobrecarregado com uma
apreciação excessivamente positiva, e que isso
automaticamente, e sem uma justificação sólida, desvalorizava
a Idade Média e outros períodos. Boa parte do debate moderno
tem procurado determinar se ele representou de fato uma
melhoria em relação ao período anterior. Tem sido apontado
que muitos dos fatores sociais negativos comumente associados
à Idade Média — pobreza, corrupção, perseguições religiosas e
políticas — parecem ter piorado. Muitas pessoas que viveram
Execução de Savonarola na Piazza
na Renascença não a tinham como uma "Idade Dourada", mas
della Signoria, em Florença, 1498.
estavam cientes de graves problemas sociais e morais, como Museu Nacional de São Marcos
Savonarola, que desencadeou um dramático revivalismo
religioso no fim do século XV que causou a destruição de
inúmeras obras de arte e enfim o levou à morte na fogueira.[71][77][78] Johan Huizinga argumentou
que o Renascimento em certos aspectos foi um período de declínio em relação à Idade Média,
destruindo muitas coisas que eram importantes. Por exemplo, o latim havia conseguido evoluir e
manter-se bastante vivo até lá, mas a obsessão pela pureza clássica interrompeu este processo
natural e o fez reverter à sua forma clássica.[79] Para Jacques Le Goff e outros de sua escola o
Renascimento foi um período em que as continuidades em relação à Idade Média foram mais
importantes que as rupturas — incluindo a permanência do conceito do direito divino dos reis e
dos rituais da monarquia sagrada, das bases técnicas da produção material, da concepção da
história, da busca da autoridade nos antigos, do pensamento sobre os fundamentos da sociedade e
sua divisão em três ordens, e do papel dominante da Igreja —, e assinalou que a ideia de um
renascimento e o desejo de um retorno a uma Idade Dourada idealizada e localizada na
Antiguidade impregnou a cultura europeia até depois da Revolução Francesa; de fato vários
"renascimentos" floresceram antes e depois do italiano, em particular o carolíngio, o otoniano e o
neoclássico.[80] Muitos estudiosos apontaram que nesta fase a recessão econômica predominou
sobre os períodos prósperos, mas outros rebatem dizendo que isso parece ter sido um fenômeno
europeu e não especificamente italiano ou florentino,[15][17][18][81] enquanto que Eugenio Garin,
Lynn Thorndike e vários outros consideram que talvez o progresso científico realizado tenha sido

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na verdade bem menos original do que se supõe.[55][82]

Historiadores marxistas preferiram descrever o Renascimento em termos materialistas,


sustentando que as mudanças em arte, literatura e filosofia foram apenas uma parte da tendência
geral de distanciamento da sociedade feudal em direção ao capitalismo, que resultou no
aparecimento de uma classe burguesa que dispunha de tempo e dinheiro para se devotar às artes.
[83] Também se argumenta que o recurso aos referenciais clássicos foi naquela época muitas vezes

um pretexto para a legitimação dos propósitos da elite, e a inspiração na Roma republicana e


principalmente na Roma imperial teria dado margem à formação de um espírito de
competitividade e mercenarismo que os arrivistas usaram para uma escalada social tantas vezes
inescrupulosa.[12]

A partir da emergência das vanguardas modernas no início do século XX, e depois em várias ondas
sucessivas de reaquecimento, a crítica recente estendeu as relações do Renascimento cultural para
virtualmente todos os aspectos da vida daquele período, e vem interpretando seu legado de
maneiras tão várias que os antigos consensos se esfarelaram em muitos tópicos particulares.
Preservou-se, contudo, a impressão definida de que em muitos domínios o período foi fértil em
realizações magistrais e inovadoras e que deixou uma funda marca na cultura e sociedade do
ocidente por muito tempo.[12][13][73][74]

Legado
Embora a crítica recente tenha imposto um forte abalo ao
tradicional prestígio do Renascimento, passando a valorizar
igualmente todos os períodos e a apreciá-los pelas suas
especificidades, isso ao mesmo tempo possibilitou um
extraordinário enriquecimento e alargamento na compreensão
que hoje se tem dele, mas aquele prestígio nunca foi seriamente
ameaçado, principalmente porque o Renascimento, de forma
incontestável, foi um dos alicerces e parte essencial da
civilização moderna do ocidente, sendo uma referência ainda Grafite com uma releitura da Mona
viva nos dias de hoje. Algumas de suas obras mais importantes Lisa em uma rua do Porto
se tornaram ícones também da cultura popular, como o David
e A Criação de Michelangelo e a Mona Lisa de Da Vinci. A
quantidade de estudos sobre o tema, que vem aumentando a
cada dia, e a continuidade de uma cerrada polêmica sobre
inúmeros aspectos, evidenciam que o Renascimento é rico o
bastante para continuar atraindo a atenção da crítica e do
público.[10][13][55][73][77]
O Adão da Criação de Michelangelo
Mesmo com opiniões muito divergentes sobre aspectos incorporado à iconografia do
particulares, hoje parece ser um consenso que o Renascimento Monstro do Espaguete Voador
foi um período em que muitas crenças arraigadas e tomadas
como verdadeiras foram postas em discussão e testadas através
de métodos científicos de investigação, inaugurando uma fase em que o predomínio da religião e

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seus dogmas deixou de ser absoluto e abriu caminho para o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia como hoje as conhecemos. O pensamento político subsequente não teria sido articulado
sem as bases humanísticas consolidadas no Renascimento, quando os filósofos foram buscar na
Antiguidade precedentes para defender o regime republicano e a liberdade humana, atualizando
ideias que tiveram um impacto decisivo na jurisprudência, na teoria constitucional e na formação
dos Estados modernos.[1][70][84]

No campo das artes visuais foram desenvolvidos recursos que possibilitaram um salto imenso em
relação à Idade Média em termos de capacidade de representação do espaço, da natureza e do
corpo humano, ressuscitando técnicas que haviam sido perdidas desde a Antiguidade e criando
outras inéditas a partir dali. A linguagem arquitetônica dos palácios, igrejas e grandes
monumentos que foi estabelecida a partir da herança clássica ainda hoje permanece válida e é
empregada quando se deseja emprestar dignidade e importância à edificação moderna. Na
literatura as línguas vernáculas se tornaram dignas de veicular cultura e conhecimento, e o estudo
dos textos dos filósofos greco-romanos disseminou máximas ainda hoje presentes na voz popular e
que incentivam valores elevados como o heroísmo, o espírito público e o altruísmo, que são peças
fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e livre para todos. A reverência pelo
passado clássico e pelos seus melhores valores criou uma nova visão sobre a história e fundou a
historiografia moderna, e proveu as bases para a formação de um sistema de ensino que na época
se estendeu para além das elites e ainda hoje estrutura o currículo escolar de grande parte do
ocidente e sustenta sua ordem social e seus sistemas de governo. Por fim, a vasta produção artística
que sobrevive em tantos países da Europa continua a atrair multidões de todas as partes do mundo
e constitui parte significativa da própria definição de cultura ocidental.[12]

Com tantas associações, por mais que os estudiosos se esforcem por esclarecer o assunto, ele
permanece recheado de lendas, estereótipos e passionalismo, especialmente na visão popular. Nas
palavras de John Jeffries Martin, chefe do Departamento de História da Universidade de Duke e
editor de um grande volume de ensaios críticos publicado em 2003, onde sintetizou a evolução da
historiografia e as tendências da crítica mais recente,

"O grande patrimônio material que sobreviveu do


Renascimento, em arte e arquitetura, investiu o
movimento de uma realidade palpável, reforçando
a aparente centralidade deste período em uma
'grande virada' na história do ocidente. De fato, o
Renascimento — especialmente na forma como ele
é apresentado na cultura popular, nos best-sellers,
nos filmes, nos roteiros turísticos — continua a
ocupar um lugar de honra como um marco na
história da Europa, se não na história do mundo.
[...] Estatuetas reproduzindo a Vênus de
Botticelli e outras obras famosas,
"Apesar disso, em nossos dias, já não é mais souvenirs turísticos produzidos em
possível buscar no Renascimento a explicação de
massa
nós mesmos e dos nossos valores. Neste sentido,
o mito do Renascimento — aquele que o via como
o marco inaugural do mundo contemporâneo —
está morto. [...] Não faz muito tempo, muitos pesquisadores dos Estados Unidos e
Europa olhavam para o Renascimento procurando entender as origens do mundo em
que viviam. [...] Quando primeiro entrei em contato com o Renascimento, em meus

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estudos em Harvard no início da década de 1970, estudei a história da Europa mais ou


menos nessas linhas. Nossos professores nos davam uma lista de textos canônicos
onde esperavam que encontrássemos as origens da nossa própria cultura e
sociedade. Mas ao longo dos últimos 25 anos os historiadores, como se sabe,
largamente abandonaram essa abordagem. [...] Quando os eruditos estudam o
Renascimento na perspectiva do agora, isto é, querendo saber o quanto ele influi
sobre a vida de hoje, descobrem que os laços da contemporaneidade com ele são
tênues. De repente, à beira do mar, podemos agora apenas olhar para trás e ver
aquele mundo como um continente que recua cada vez mais e fica mais distante, no
qual ninguém de nós gostaria realmente de voltar a viver. [...]

"Mas enquanto a erudição contemporânea está muito menos propensa do que a


geração anterior a aceitar o Renascimento como a fundação do nosso mundo pós-
moderno, Ver nota:[85] de modo algum ela rejeitou a ideia de que foi um período de
mudanças rápidas e complexas, [...] resultado da convergência de uma série de
fatores, fazendo com que o Renascimento desempenhasse um papel decisivo na
origem de muitos aspectos do mundo moderno até o século XVIII, e em menor
intensidade, até o século XX".[13]

"Minha opinião é a de que o estudo da Europa de 1350 a 1650 continua sendo


essencial para o nosso entendimento do mundo moderno. Para ser franco, o
Renascimento pode hoje parecer mais distante do que era para a geração anterior de
acadêmicos; pode parecer mais complexo e menos coerente; pode mesmo parecer um
conceito mais escorregadio, mas temos de entrar em um acordo com ele se vamos
entender o modo como a Europa se integrou em um cenário cada vez mais
globalizado, em um tempo em que as elites estavam redesenhando o entendimento do
passado e modificando seus valores políticos, religiosos, científicos, morais e
estéticos".[74]

Arte

Artes visuais
Nas artes o Renascimento se caracterizou, em linhas muito
gerais, pela inspiração nos antigos gregos e romanos, e pela
concepção de arte como uma imitação da natureza, tendo o
homem nesse panorama um lugar privilegiado. Mas mais do
que uma imitação, a natureza devia, a fim de ser bem
representada, passar por uma tradução que a organizava sob
uma óptica racional e matemática, como um espelho de uma
ordem divina que à arte cabia desvendar e expressar, num
período marcado por muita curiosidade intelectual, um espírito
Um aparato óptico para definição da
analítico e organizador e uma matematização e cientificização perspectiva na construção de um
de todos os fenômenos naturais. É uma época de aspirações alaúde
grandiosas, o artista se aproximava do cientista e do filósofo, e
os humanistas ambicionavam um saber enciclopédico;
aparecem importantes tratados normatizadores e ensaios diversificados sobre arte e arquitetura,
lançando-se os fundamentos para uma nova historiografia e uma nova abordagem do processo de
criação. Todas as artes se beneficiam dos avanços científicos, introduzindo-se aperfeiçoamentos
nas técnicas e nos materiais em vários domínios. Destaca-se, por exemplo, a recuperação da

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técnica da fundição em cera perdida, possibilitando criar monumentos em escala inédita em


relação aos bronzes medievais, e a popularização de mecanismos ópticos e mecânicos como
auxiliares da pintura e escultura. Por outro lado, a ciência se beneficia da arte, elevando o nível de
precisão e realismo das ilustrações em tratados científicos e na iconografia de personagens
históricos, e aproveitando ideias sobre geometria e espaço lançadas por artistas e o impulso de
exploração e observação do mundo natural.[86][87][88][89][90][91]

O cânone greco-romano de proporções voltava a determinar a construção da figura humana;


também voltava o cultivo do Belo tipicamente clássico.[35] O estudo da anatomia humana, a
crescente assimilação da mitologia greco-romana no discurso visual e a reaparição do nu, livre dos
tabus no qual o tema foi revestido na Idade Média, renovaram extensamente a iconografia da
pintura e da escultura do período, abriram novos e vastos campos de pesquisa formal e simbólica,
favoreceram a exploração de diferentes emoções e estados de espírito, influíram na moda e nos
costumes, estimularam o colecionismo, o antiquariato e a arqueologia, e criaram uma nova
tradição visual de duradoura influência, enquanto o mecenato civil e privado supriam os meios
para um extraordinário florescimento da arte profana. O interesse pela representação do natural
ressuscitou também a tradição da retratística, que depois da queda do Império Romano havia sido
muito abandonada.[92][93][94][95][96][97][98]

O sistema de produção
O artista no Renascimento era um profissional. Até o
século XVI são extremamente raros os exemplos documentados
de obras criadas fora do sistema de encomenda, e a maciça
maioria dos profissionais estava ligada a uma guilda. Os
pintores florentinos pertenciam a uma das Artes Maiores,
curiosamente, a dos Médicos e Boticários. Os escultores em
bronze também eram classe distinguida, pertencendo à Arte da
Seda. Já os outros faziam parte das Artes Menores, como os
artistas da pedra e da madeira. Todos eles eram considerados
profissionais das Artes Mecânicas, que na escala de prestígio da
época ficavam abaixo das Artes Liberais, as únicas em que a
nobreza podia se dedicar profissionalmente sem desonra. As
guildas organizavam o sistema de produção e comércio, e Andrea Pisano: A arte da
participavam na distribuição de encomendas entre as diversas metalurgia, 1334-43

oficinas privadas mantidas por mestres, onde se empregavam


muitos ajudantes e onde discípulos eram admitidos e preparados no ofício. A família do postulante
pagava a maior parte da sua formação, mas eles recebiam alguma ajuda do mestre à medida que se
tornassem capazes de desempenhar bem suas funções e colaborar efetivamente nos negócios
comerciais da oficina. Mulheres não eram admitidas. O aprendizado era exaustivo, rigorosamente
disciplinado e durava muitos anos, os alunos além de estudar técnicas dos ofícios eram serviçais
para tarefas de limpeza e organização do estúdio e outras ao critério do mestre, colaboravam na
formação de estudantes mais novos, e antes de completar o curso e ser admitido na guilda nenhum
aluno podia receber encomendas em seu nome. Havia artistas que não mantinham oficina
permanente e permaneciam itinerando por várias cidades em trabalhos temporários, entrando em

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grupos já organizados ou recrutando ajudantes na própria cidade onde a obra seria realizada, mas
eram uma minoria. A manutenção de uma base fixa, por outro lado, não impedia as oficinas de
receberem encomendas de outros locais, especialmente se seus mestres fossem renomados.[99]

A contribuição dos artistas do Renascimento é mais lembrada pelos grandes altares, os


monumentos, as esculturas e pinturas, mas as oficinas de arte eram empresas de mercado
variadíssimo. Além das grandes obras para igrejas, palácios e edifícios públicos, atendiam a
encomendas miúdas e mais populares, faziam a decoração de festas e eventos privados, cívicos e
religiosos, criavam cenários teatrais e figurinos, roupas de luxo, joias, pintavam brasões e
emblemas, bandeiras, estandartes de procissão, faziam armaduras, armas, apetrechos de montaria
e utensílios domésticos decorados, e uma série de outros itens, e muitas mantinham lojas abertas
ao público permanentemente, onde expunham um mostruário das especialidades da casa.[99]

Os artistas em geral eram mal pagos, há muitos relatos sobre pobreza, e só os mestres e seus
principais ajudantes conseguiam uma situação confortável, alguns mestres até ficaram ricos, mas
sua renda estava sempre sujeita a um mercado muito flutuante. Ao longo do Renascimento os
humanistas e os principais artistas desenvolveram um trabalho sistemático para emancipar a
classe artística das Artes Mecânicas e instalá-la entre as Liberais, tendo nisso um sucesso
considerável, mas não completo. O costume de reconhecer o talento superlativo de um artista
existia antes; Giotto, Verrocchio, Donatello e muitos outros foram elogiados com entusiasmo e de
maneira generalizada por seus contemporâneos, mas até aparecerem Michelangelo, Rafael e
Leonardo, nenhum artista havia sido objeto da bajulação dos poderosos em tão alto grau, quase
invertendo a relação de autoridade entre o empregado e o patrão, e entre a elite e a plebe, e isso se
deve tanto à mudança de entendimento do papel da arte como à consciência desses artistas a
respeito de seu valor e à sua determinação em fazê-lo reconhecer.[99]

Pintura
A contribuição maior da pintura do Renascimento foi sua nova
maneira de representar a natureza, através de domínio tal
sobre a técnica pictórica e a perspectiva de ponto central, que
foi capaz de criar uma eficiente ilusão de espaço tridimensional
em uma superfície plana. Tal conquista significou um
afastamento radical em relação ao sistema medieval de
representação, com sua estaticidade, seu espaço sem
profundidade, seu esquematismo figurativo e seu sistema de
proporções simbólico, onde os personagens de maior
importância tinham maior tamanho. O novo parâmetro
estabelecido tinha um fundamento matemático e físico, seu Giotto: Deposição de Cristo, ciclo de
resultado era "realista" (no sentido de criar uma ilusão de afrescos na Capela Scrovegni,
espaço eficiente), e sua organização estava centrada no ponto 1304-1306. Pádua

de vista do observador. Nisso se pode ver um reflexo da


popularização dos princípios do racionalismo, do antropocentrismo e do humanismo. A linguagem
visual formulada pelos pintores renascentistas foi tão bem sucedida que permanece válida até hoje,
sendo considerada por muitas pessoas a maneira mais natural de representação do espaço.[34][100]

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A pintura renascentista é em essência linear; o desenho era


agora considerado o alicerce de todas as artes visuais e seu
domínio, um pré-requisito para todo artista. Para tanto, foi de
grande utilidade o estudo das esculturas e relevos da
Antiguidade, que deram a base para o desenvolvimento de um
grande repertório de temas e de gestos e posturas do corpo, Masaccio: Ressurreição do filho de
mas a observação direta da natureza foi outro elemento Teófilo e São Pedro entronizado,
1426-1427. Capela Scrovegni
importante. Na construção da pintura, a linha
convencionalmente constituía o elemento demonstrativo e
lógico, e a cor indicava os estados afetivos ou qualidades
específicas. Outro diferencial em relação à arte da Idade Média
foi a introdução de maior dinamismo nas cenas e gestos, e a
descoberta do sombreado, ou claro-escuro, como recurso
plástico e mimético.[35][88][100]

Giotto, atuando entre os séculos XIII e XIV, foi o maior pintor


da primeira Renascença italiana e o principal pioneiro dos
naturalistas em pintura. Sua obra revolucionária, em contraste Piero della Francesca: Flagelação
com a produção de mestres do gótico tardio como Cimabue e de Cristo, 1460. Galleria Nazionale
Duccio, causou forte impressão em seus contemporâneos e delle Marche, Urbino
dominaria toda a pintura italiana do Trecento, por sua lógica,
simplicidade, precisão e fidelidade à natureza.[101] Ambrogio
Lorenzetti e Taddeo Gaddi continuaram a linha de Giotto sem
inovar, embora em outros características progressistas se
mesclassem com elementos do gótico ainda forte, como se vê
na obra de Simone Martini e Orcagna. O estilo naturalista e
expressivo de Giotto, contudo, representava a vanguarda na
visualidade desta fase, e se difundiu para Siena, que por um
tempo passou à frente de Florença nos avanços artísticos. Dali
se estendeu para o norte da Itália.[100]

No Quattrocento as representações da figura humana


adquiriram solidez, majestade e poder, refletindo o sentimento
de autoconfiança de uma sociedade que se tornava muito rica e
complexa, formando um painel multifacetado de tendências e
influências. Mas, ao longo de quase todo o século, a arte
revelaria o embate entre os derradeiros ecos do gótico
Giovanni Bellini: Retrato do Doge
espiritual e abstrato, exemplificado por Fra Angelico, Paolo
Leonardo Loredano, c. 1501.
Uccello, Benozzo Gozzoli e Lorenzo Monaco, e as novas forças Galeria Nacional de Londres
organizadoras, naturalistas e racionais do classicismo,
representadas por Botticelli, Pollaiuolo, Piero della Francesca e
Ghirlandaio.[100]

Nesse sentido, depois de Giotto, o próximo marco evolutivo foi Masaccio, em cujas obras o homem
tem um aspecto nitidamente enobrecido e cuja presença visual é decididamente concreta, com

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eficiente uso dos efeitos de volume e espaço tridimensional. Deu importante contribuição para a
articulação da linguagem visual moderna do ocidente, todos os principais pintores florentinos da
geração seguinte foram influenciados por ele, e quando sua obra foi "redescoberta" por Leonardo
da Vinci, Michelangelo e Rafael, ganhou ainda maior apreciação, permanecendo em alta por seis
séculos. Para muitos críticos ele é o verdadeiro fundador do Renascimento na pintura, e dele se
disse que foi "o primeiro que soube pintar homens que realmente tocavam seus pés na terra".[102]
[103][104][105]

Em Veneza, outro centro de grande importância e talvez o principal rival de Florença neste século,
havia um grupo de artistas ilustres, como Jacopo Bellini, Giovanni Bellini, Vittore Carpaccio,
Mauro Codussi e Antonello da Messina. Siena, que já fizera parte da vanguarda em anos anteriores,
agora hesitava entre o apelo espiritual do gótico e o fascínio profano do classicismo, e perdia
ímpeto. Enquanto isso também noutras regiões do norte da Itália começava a se fortalecer o
classicismo, através de Perugino em Perugia; Cosimo Tura em Ferrara, Pinturicchio, Melozzo da
Forli e Mantegna em Pádua e Mântua. Pisanello atuou em um grande número de cidades.[105][106]

Também deve-se lembrar a influência renovadora sobre os pintores italianos da técnica da pintura
a óleo, que no Quattrocento estava sendo desenvolvida nos Países Baixos e atingira elevado nível
de refinamento, possibilitando a criação de imagens muito mais precisas e nítidas e com um
sombreado muito mais sutil do que o que era conseguido com o afresco, a encáustica e a têmpera,
uma novidade que teve um impacto importante na retratística e no paisagismo. As telas flamengas
eram muitíssimas apreciadas na Itália exatamente por essas qualidades, e uma grande quantidade
delas foi importada, copiada ou emulada pelos italianos.[34]

Mais adiante, na Alta Renascença, Leonardo da Vinci penetrou no terreno das atmosferas
ambíguas e misteriosas com uma sofisticada técnica de óleo, ao mesmo tempo em que aliava
fortemente arte e ciência. Com Rafael o sistema classicista de representação chegou a uma escala
grandiosa, criando imponentes arquiteturas ilusionísticas e cenários, mas também traduziu nas
suas madonnas uma doçura antes desconhecida, que logo se tornou muito popular. Em Veneza se
destaca principalmente Ticiano, explorando novas relações cromáticas e uma técnica de pintura
mais livre e gestual. Michelangelo, coroando o processo de exaltação do homem, na Capela Sistina
levou-o a uma inflada expressão do mítico, do sublime, do heroico e do patético. Muitos outros
deixaram contribuições importantes, como Correggio, Sebastiano del Piombo, Andrea del Sarto,
Jacopo Palma, Giorgione e Pontormo.[105][107]

Mas essa fase, de grande equilíbrio formal, não durou muito, logo seria transformada
profundamente, dando lugar ao Maneirismo. Com os maneiristas toda a concepção de espaço foi
alterada, a perspectiva se fragmentou em múltiplos pontos de vista, e as proporções da figura
humana foram distorcias com finalidades expressivas ou estéticas, formulando-se uma linguagem
visual mais dinâmica, vibrátil, subjetiva, dramática, preciosa, intelectualista e sofisticada.[108][109]

Escultura
Na escultura os sinais de uma revalorização de uma estética classicista são antigos. Nicola Pisano
em torno de 1260 produziu um púlpito para o Batistério de Pisa, que é considerado a manifestação
precursora da Renascença em escultura, onde inseriu um grande nu masculino representando a

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virtude da Fortaleza, e parece claro que sua inspiração principal veio da observação de sarcófagos
romanos decorados com relevos que existiam no Cemitério de Pisa. Sua contribuição, embora
limitada a pouquíssimas obras, é considerada tão relevante para a história da escultura quanto a de
Giotto para a pintura. De fato, a arte de Giotto é largamente devedora das pesquisas de Nicola
Pisano.[110][111]

Seu filho Giovanni Pisano e outros importantes seguidores,


como Arnolfo di Cambio e Lapo di Ricevuto, levariam lições
valiosas do contato com o classicismo, mas seu estilo progride
irregularmente neste sentido. Giovanni depois dominaria a
cena em Florença, Pisa e Siena no início do século XIV, criou
outros nus importantes, inclusive um feminino que reproduz o
modelo clássico da Venus pudica, e seria um dos introdutores
de um gênero novo, o dos cruxifixos dolorosos, de grande
Giovanni Pisano: detalhe de um
dramaticidade e larga influência, até então incomum na
Hércules nu na base do púlpito da
Toscana. Seu talento versátil daria origem a obras de linhas Catedral de Pisa, 1302–11
limpas e puras, como o retrato de Enrico Scrovegni. Suas
Madonnas, relevos e o púlpito da Catedral de Pisa são, por
outro lado, muito mais movimentados e dramáticos.[110][112][113]

Em meados do século Andrea Pisano ganhou notoriedade como autor dos relevos da porta sul do
Batistério de Florença e arquiteto da Catedral de Orvieto. Foi mestre de Orcagna, cujo tabernáculo
em Orsanmichele é uma das obras-primas do período, e de Giovanni di Balduccio, autor de um
requintado e complexo monumento funerário na Capela Portinari de Milão. Sua geração foi
dominada pela influência da pintura de Giotto. Apesar dos avanços promovidos por uma
quantidade de mestres em atividade, sua obra ainda reflete um cruzamento de correntes que seria
típico de todo o Trecento, e os elementos góticos ainda são predominantes ou importantes em
todos eles.[114][115][116][117]

Para o fim do Trecento surge em Florença a figura de Lorenzo Ghiberti, autor de relevos no
Batistério de São João, onde os modelos clássicos se impõem com força. Logo em seguida
Donatello conduz os avanços em várias frentes, exercendo uma larga influência. Nas suas obras
principais figuram as estátuas de profetas do Antigo Testamento, dos quais Habacuque e Jeremias
estão entre os mais impressionantes, imagens cujo porte e expressividade remete à retratística da
Roma republicana. Também inovou na estatuária equestre, criando o monumento de Gattamelata,
o mais importante em seu gênero desde o de Marco Aurélio, do século II. Por fim, sua descarnada
Madalena penitente, em madeira, de 1453, é uma imagem de dor, austeridade e transfiguração que
não teve paralelos em sua época, introduzindo um pungente senso de drama e realidade na
estatuária que só se vira no helenismo.[118][119]

Na geração seguinte, Verrocchio se destaca pela teatralidade e dinamismo das composições. Foi
pintor, escultor, cenografista e decorador, um dos principais favoritos dos Medici. Seu Cristo e São
Tomé tem grande realismo e poesia. Compôs um Menino com um golfinho para a Fonte de Netuno
em Florença que é o protótipo da figura serpentinata, que seria o modelo formal mais prestigiado
no Maneirismo e Barroco, e com sua Dama com um ramo de flores apresentou um novo modelo
de busto, incluindo os braços e metade do corpo, que se tornou popular. Sua obra maior, o

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monumento equestre a Bartolomeo Colleoni, em Veneza, é uma


expressão de poder e força mais intensa que o Gattamelata.
Verrocchio exerceu influência sobre muitos pintores e
escultores do século XV, incluindo Leonardo, Perugino e
Rafael, sendo considerado um dos maiores artistas do século.
[118][120][121]

Outros nomes notáveis são Luca della Robbia e sua família,


uma dinastia de ceramistas, criadores de uma nova técnica de
esmaltagem e vitrificação da cerâmica. Uma técnica
semelhante, a majólica, já era conhecida há séculos, mas Luca
desenvolveu uma variante e conseguiu aplicá-la com sucesso a
esculturas e conjuntos decorativos de grande escala. Sua
invenção aumentou a durabilidade e resistência das peças,
preservava as cores vívidas, e permitia instalação ao ar livre.
Luca também foi notável escultor no mármore, e Leon Battista
Alberti o colocou entre os líderes da vanguarda florentina,
junto com Masaccio e Donatello. Os grandes popularizadores
da técnica de cerâmica, contudo, foram seu sobrinho Andrea
della Robbia e o filho deste, Giovanni della Robbia, que
ampliaram as dimensões dos conjuntos, enriqueceram a paleta
cromática e refinaram o acabamento. A técnica foi guardada
como um segredo por muito tempo.[122][123][124][125]

Florença continuou o centro da vanguarda até o aparecimento Donatello: Habacuque, 1423–1435.


de Michelangelo, que trabalhou para os Medici e em Roma para Museo dell'Opera di Santa Maria del
os papas, e foi o nome mais influente da escultura desde a Alta Fiore
Renascença até meados do Cinquecento. Sua obra passou do
classicismo puro do David e do Baco e chegou ao Maneirismo,
expresso em obras veementes e dramáticas como os Escravos, o Moisés, e os nus da Capela dos
Médici em Florença. Artistas como Desiderio da Settignano, Antonio Rosselino, Agostino di Duccio
e Tullio Lombardo também deixaram obras de grande maestria e importância, como o Adão de
Lombardo, o primeiro nu de tamanho natural conhecido desde a Antiguidade.[118][126]

Encerram o ciclo renascentista Giambologna, Baccio Bandinelli, Francesco da Sangallo, Jacopo


Sansovino e Benvenuto Cellini, entre outros, com um estilo de grande dinamismo e expressividade,
tipificado no Rapto das Sabinas, de Giambologna. Artistas destacados de outros países da Europa
já iniciavam a trabalhar em linhas claramente italianas, como Adriaen de Vries e Germain Pilon,
espalhando o gosto italiano por uma grande área geográfica e dando origem a várias formulações
sincréticas com escolas regionais.[118]

A escultura estava presente em todos os locais, nas ruas como monumentos e ornamentos de
edifícios, nos salões da nobreza, nas igrejas, e no lar mais simples havia sempre uma imagem
devocional. Vasos, mobiliário e apetrechos de uso diário da elite frequentemente tinham detalhes
esculpidos ou gravados, e podem ser incluídos neste campo miniaturas como as medalhas
comemorativas. Neste período foram desenvolvidos recursos técnicos que possibilitaram um salto

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imenso em relação à Idade Média em termos de capacidade de


criação de formas livres no espaço e de representação da
natureza e do corpo humano, e a publicação de diversos
tratados e comentários sobre esta arte introduziram
metodologias e teorias que ampliaram a compreensão do
campo e o fundamentaram com uma conceituação mais
científica, fundando uma tradição crítica influente. O
aperfeiçoamento das técnicas de escultura permitiu a criação
de obras em uma escala só conhecida na Antiguidade, e o
espírito cívico dos florentinos estimulou a invenção de novos
modelos de monumento público, uma tipologia associada a um
outro entendimento da capacidade representativa do homem
como uma prática social e educativa.[127][128][129]

Música
Em linhas gerais, a música do Renascimento não oferece um
panorama de quebras abruptas de continuidade, e todo o longo
período pode ser considerado o terreno da lenta transformação
do universo modal para o tonal, e da polifonia horizontal para a
harmonia vertical. O Renascimento foi também um período de
grande renovação no tratamento da voz e na orquestração, no Adão, de Tullio Lombardo, c. 1490–
1495. Museu Metropolitano de Nova
instrumental e na consolidação dos gêneros e formas
Iorque. Na comparação com a
puramente instrumentais com as suítes de danças para bailes, imagem oposta, percebe-se as duas
havendo grande demanda por animação musical em todo principais vertentes na figuração
festejo ou cerimônia, público ou privado.[130] renascentista, uma pelo realismo, e
outra pelo idealismo
Na técnica compositiva a polifonia melismática dos órganons,
derivada diretamente do canto gregoriano, é abandonada em
favor de uma escrita mais enxuta, com vozes tratadas de maneira cada vez mais equilibrada. No
início do período o movimento paralelo é usado com moderação, acidentes são raros mas as
dissonâncias duras são comuns. Mais adiante a escrita a três vozes começa a apresentar tríades,
dando uma impressão de tonalidade. Tenta-se pela primeira vez escrever música descritiva ou
programática, os rígidos modos rítmicos cedem lugar à isorritmia e a formas mais livres e
dinâmicas como a balada, a chanson e o madrigal. Na música sacra a forma da missa se torna a
mais prestigiada. A notação evolui para adoção de notas de menor valor, e mais para o final do
período passa a ser aceito o intervalo de terça como consonância, quando antes apenas a quinta, a
oitava e o uníssono o eram.[131][132]

Os precursores desta transformação não foram italianos, mas franceses como Guillaume de
Machaut, autor da maior realização musical do Trecento em toda Europa, a Missa de Notre Dame,
e Philippe de Vitry, muito elogiado por Petrarca. Da música italiana dessa fase inicial muito pouco
chegou a nós, embora se saiba que a atividade era intensa e quase toda no terreno profano, sendo
as principais fontes de partituras o Codex Rossi, o Codex Squarcialupi e o Codex Panciatichi. Entre
seus representantes estão Matteo da Perugia, Donato da Cascia, Johannes Ciconia e sobretudo

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Francesco Landini. Somente no Cinquecento a música italiana


começou a desenvolver características próprias e originais,
sendo até então muito dependente da escola franco-flamenga.
[132]

O predomínio de influências do norte não significa que o


interesse italiano pela música fosse pequeno. Na ausência de
exemplos musicais da Antiguidade para serem emulados,
filósofos italianos como Ficino se voltaram para textos clássicos
de Platão e Aristóteles em busca de referências para que se
pudesse criar uma música digna dos antigos. Nesse processo
um significativo papel foi desempenhado por Lorenzo de'
Medici em Florença, que fundou uma academia musical e
atraiu diversos músicos europeus,[21] e por Isabella d'Este, cuja
pequena mas brilhante corte em Mântua atraiu poetas que Oficina de Giovanni della Robbia:
escreviam em italiano poemas simples para serem musicados, e Adão e Eva, cerâmica esmaltada,
1515. Museu de Arte Walters
lá a récita de poesia, assim como em outros centros italianos,
era geralmente acompanhada de música. O gênero preferido
era a frottola, que já mostrava uma estrutura harmônica tonal
bem definida e contribuiria para renovar o madrigal, com sua
típica fidelidade ao texto e aos afetos. Outros gêneros
polifônicos como a missa e o moteto fazem a esta altura pleno
uso da imitação entre as vozes e todas são tratadas de um modo
semelhante.[132]

Compositores flamengos importantes trabalham na Itália,


como Adriaen Willaert e Jacob Arcadelt, mas as figuras mais
célebres do século são Giovanni da Palestrina, italiano, e
Orlando de Lasso, flamengo, que estabelecem um padrão de
para a música coral que seria seguido em todo o continente,
com uma escrita melodiosa e rica, de grande equilíbrio formal e
Iluminura do Codex Squarcialupi
nobre expressividade, preservando a inteligibilidade do texto,
mostrando Francesco Landini
aspecto que no período anterior muitas vezes era secundário e tocando um organetto
se perdia na intrincada complexidade do contraponto. A
impressão de sua música se equipara à grandeza idealista da
Alta Renascença, florescendo em uma fase em que o maneirismo já se manifestava com força em
outras artes como a pintura e escultura. No final do século aparecem três grandes figuras, Carlo
Gesualdo, Giovanni Gabrieli e Claudio Monteverdi, que introduziriam avanços na harmonia e um
senso de cor e timbre que enriqueceriam a música dando-lhe uma expressividade e dramatismo
maneiristas e a preparariam para o Barroco. Monteverdi em especial é importante por ser o
primeiro grande operista da história, e suas óperas L'Orfeo (1607) e L'Arianna (1608, perdida, só
resta uma famosa ária, o Lamento) representam o nobre ocaso da música renascentista e os
primeiros grandes marcos do barroco musical.[132]

Exemplos musicais

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▪ Anônimo italiano: Ypocrite - Velut stelle - Et gaudebit ⓘ


▪ Anônimo, Codex Rossi: Cum altre ucele ⓘ
▪ Hugo de Lantins: Jo sum tuo servo ⓘ
▪ Giulio Caccini: Amor che attendi ⓘ
▪ Giovanni Croce: Cantate Domino ⓘ
▪ Jacob Arcadelt: Io dico che fra noi ⓘ

Arquitetura
A permanência de muitos vestígios da Roma Antiga em solo
italiano jamais deixou de influir na plástica edificatória local,
seja na utilização de elementos estruturais ou materiais usados
pelos romanos, seja mantendo viva a memória das formas
clássicas.[133] Mesmo assim, no Trecento o gótico continua a
linha dominante e o classicismo só viria a emergir com força no
século seguinte, em meio a um novo interesse pelas grandes
Grupo de cantores, Luca della
realizações do passado. Esse interesse foi estimulado pela
Robbia, 1431–38. Museo dell'Opera
redescoberta de bibliografia clássica dada como perdida, como
del Duomo, Florença
o De Architectura de Vitrúvio, encontrado na biblioteca da
Abadia do Monte Cassino em 1414 ou 1415. Nele o autor
exaltava o círculo como forma perfeita, e elaborava sobre
proporções ideais da edificação e da figura humana, e sobre
simetria e relações da arquitetura com o homem. Suas ideias
seriam então desenvolvidas por outros arquitetos, como o
primeiro grande expoente do classicismo arquitetônico, Filippo
Brunelleschi, que tirou sua inspiração também das ruínas que
estudara em Roma. Foi o primeiro a usar modernamente as
ordens arquitetônicas de maneira coerente, instaurando um
novo sistema de proporções baseado na escala humana.[133] Alberti: fachada de Santa Maria
[134] Também se deve a ele o uso precursor da perspectiva para Novella
representação ilusionística do espaço tridimensional em um
plano bidimensional, uma técnica que seria aprofundada
enormemente nos séculos vindouros e definiria todo o estilo da arte futura, inaugurando uma
fertilissima associação entre a arte e a ciência. Leon Battista Alberti é outro arquiteto de grande
importância, considerado um perfeito exemplo do "homem universal" renascentista, versátil em
várias especialidades. Foi o autor do tratado De re aedificatoria, que se tornaria canônico. Outros
arquitetos, artistas e filósofos acrescentaram à discussão, como Luca Pacioli em seu De Divina
Proportione, Leonardo com seus desenhos de igrejas centradas e Francesco di Giorgio com o
Trattato di architettura, ingegneria e arte militare.

Dentre as características mais notáveis da arquitetura renascentista está a retomada do modelo


centralizado de templo, desenhado sobre uma cruz grega e coroado por uma cúpula, espelhando a
popularização de conceitos da cosmologia neoplatônica e com a inspiração concomitante de
edifícios-relíquias como o Panteão de Roma. O primeiro nesse gênero a ser edificado na

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Renascença foi talvez San Sebastiano, em Mântua, obra de


Alberti de 1460, mas deixado inconcluso. O modelo tinha como
base uma escala mais humana, abandonando o intenso
verticalismo das igrejas góticas e tendo na cúpula o coroamento
de uma composição que primava pela inteligibilidade.
Especialmente no que toca à estrutura e técnicas construtivas
da cúpula, grandes conquistas foram feitas no Renascimento,
mas ela foi um acréscimo tardio ao esquema, sendo preferidos
os telhados de madeira. Das mais importantes são a cúpula
octogonal da Catedral de Florença, de Brunelleschi, que não
usou andaimes apoiados no solo ou concreto na construção, e a
da Basílica de São Pedro, em Roma, de Michelangelo, já do
século XVI.[133] Michelangelo: fachada São Pedro

Antes do Cinquecento não havia uma palavra para designar os


arquitetos no sentido em que hoje são entendidos, e eram
chamados de mestres de obras. A arquitetura era a mais
prestigiada arte do Renascimento, mas a maior parte dos
principais mestres do período, quando iniciaram sua prática
nas artes edificatórias, já eram artistas reputados mas não
tinham nenhuma formação no campo, e vinham da escultura
ou da pintura. Eles eram chamados para os grandes projetos de
edifícios públicos, palácios e igrejas, e a arquitetura popular era
encarregada a pequenos construtores. Ao contrário da prática
medieval, caracterizada pela funcionalidade e irregularidade,
os mestres concebiam os edifícios como obras de arte, estavam
cheios de ideias sobre geometrias divinas, simetrias e
proporções perfeitas, desejosos de imitar os edifícios romanos,
e criavam desenhos detalhados e uma maquete do prédio em
Corte de uma cúpula na obra de
pequena escala em madeira, que serviam como projeto para os
Vitrúvio em edição de 1586
construtores. Esse projetos eram estrutural e plasticamente
inovadores, mas pouco atentos à sua viabilidade prática e às
necessidades do uso diário, principalmente na distribuição dos espaços. Eram os construtores que
deviam resolver os problemas técnicos que surgissem ao longo da obra, procurando manter o
desenho original, mas muitas vezes fazendo importantes adaptações e mudanças no meio do
caminho, se o desenho ou alguma parte dele se revelasse impraticável. Segundo Hartt, quando
começavam obras grandes e complexas como as igrejas, poucas vezes os construtores estavam
seguros de poder chegar até o final. Contudo, alguns mestres trabalharam nisso por longos anos e
se tornaram grandes conhecedores do assunto, introduzindo importantes novidades técnicas,
estruturais e funcionais. Eles também projetavam fortificações, pontes, canais e outras estruturas,
além de planos de urbanismo em grande escala. A maior parte dos muitos planos urbanísticos
renascentistas jamais se concretizou, e dos que foram iniciados nenhum foi muito longe, mas desde
lá têm sido uma fonte de inspiração para os urbanistas de todas as gerações.[135]

No lado profano aristocratas como os Medici, os Strozzi, os Pazzi, asseguram seu status ordenando

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a construção de palácios de grande imponência e originalidade,


como o Palácio Pitti (Brunelleschi), o Palazzo Medici Riccardi
(Michelozzo), o Palazzo Rucellai (Alberti) e o Palazzo Strozzi
(Maiano), todos transformando o mesmo modelo dos palácios
medievais italianos, de corpo mais ou menos cúbico,
pavimentos de alto pé-direito, estruturado em torno de um
pátio interno, de fachada rústica e coroado por grande cornija,
o que lhes confere um aspecto de solidez e invencibilidade.
Formas mais puramente clássicas são exemplificadas na Vila
Medici, de Giuliano da Sangallo. Variações interessantes deste
modelo são encontradas em Veneza, dadas as características
alagadas do terreno.[133]

Depois da figura principal de Donato Bramante na Alta


Renascença, trazendo o centro do interesse arquitetônico de A planta centrada de Bramante para
Florença para Roma, e sendo o autor de um dos edifícios sacros a Basílica de São Pedro
mais modelares de sua geração, o Tempietto, encontramos o
próprio Michelangelo, tido como o inventor da ordem colossal
e por algum tempo arquiteto das obras da Basílica de São Pedro. Michelangelo, na visão dos seus
próprios contemporâneos, foi o primeiro a desafiar as regras até então consagradas da arquitetura
classicista, desenvolvendo um estilo pessoal, pois fora segundo Vasari o primeiro a abrir-se para a
verdadeira liberdade criativa. Ele representa, então, o fim do "classicismo coletivo", bastante
homogêneo em suas soluções, e o início de uma fase de individualização e multiplicação das
linguagens arquitetônicas. Ele abriu caminho, pelo imenso prestígio que desfrutava entre os seus,
para que a nova geração de criadores realizasse um sem-número de experimentações a partir do
cânone clássico de arquitetura, tornando esta arte independente dos antigos — ainda que
largamente devedora deles. Alguns dos mais notáveis nomes desta época foram Della Porta,
Sansovino, Palladio, Fontana, Peruzzi e Vignola. Entre as modificações que esse grupo introduziu
estavam a flexibilização da estrutura do frontispício e a anulação das hierarquias das ordens
antigas, com grande liberdade para o emprego de soluções não ortodoxas e o desenvolvimento do
gosto por um jogo puramente plástico com as formas, dando muito mais dinamismo aos espaços
internos e às fachadas.[136] De todos os derradeiros renascentistas Palladio foi o mais influente, e
ainda hoje é o arquiteto mais estudado em todo o mundo.[137] Foi criador de uma fértil escola,
chamada palladianismo, que perdurou, com altos e baixos, até o século XX.[136]

A italianização da Europa
Com o crescente movimento de artistas, humanistas e professores entre as cidades ao norte dos
Alpes e a península Itálica, e com a grande circulação de textos impressos e obras de arte através de
reproduções em gravura, o classicismo italiano iniciou em meados do século XV uma etapa de
difusão por todo o continente. Francisco I da França e Carlos V, Sacro Imperador Romano, logo
reconheceram o potencial do prestígio da arte italiana para promover suas imagens régias, e foram
agentes decisivos para a sua divulgação intensiva além dos Alpes. Mas isso aconteceu no início do
século XVI, quando o ciclo renascentista já tinha pelo menos duzentos anos de amadurecimento na
Itália e já estava em sua fase maneirista.[57]

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Destarte, cabe advertir que não houve nada como um Quattrocento ou uma Alta Renascença no
restante da Europa. No Cinquecento, período em que a italianização europeia atinge um pico, as
tradições regionais, mesmo que em alguma medida conhecedoras do classicismo, ainda estavam
pesadamente imersas em estilos já obsoletos na Itália, como o românico e o gótico. O resultado foi
muito heterogêneo e ricamente híbrido, produziu a abertura de múltiplos caminhos, e sua análise
tem sido recheada de polêmica, onde o único grande consenso que se formou enfatiza a diversidade
do movimento, sua ampla irradiação e a dificuldade de uma descrição generalista coerente para
suas manifestações, na perspectiva da existência de escolas regionais e nacionais com forte
individualidade, cada qual com uma história e valores específicos.[57]

França
A influência renascentista via Flandres e a Borgonha já existia desde o século XV, como se nota na
produção de Jean Fouquet, mas a Guerra dos Cem Anos e as epidemias de peste atrasaram seu
florescimento, que ocorre somente a partir da invasão francesa da Itália por Carlos VIII em 1494. O
período se estende até cerca de 1610, mas seu final é tumultuado com as guerras de religião entre
católicos e huguenotes, que devastaram e enfraqueceram o país. Durante sua vigência a França
inicia o desenvolvimento do absolutismo e se expande pelo mar explorando a América. O centro
focal se estabelece em Fontainebleau, sede da corte, e ali se forma a Escola de Fontainebleau,
integrada por franceses, flamengos e italianos como Rosso Fiorentino, Antoine Caron, Francesco
Primaticcio, Niccolò dell'Abbate e Toussaint Dubreuil, sendo uma referência para outros como
François Clouet, Jean Clouet, Jean Goujon, Germain Pilon e Pierre Lescot. Leonardo também
esteve presente ali. Apesar disso, a pintura conheceu um desenvolvimento relativamente pobre e
pouco inovador, mais concentrada no detalhe precioso e no virtuosismo, nenhum artista francês
deste período adquiriu uma fama continental como conseguiram tantos italianos, e o classicismo só
é perceptível através do filtro maneirista.[138][139] Por outro lado, surgiu um estilo de decoração
que foi logo muito imitado na Europa, aliando pintura, estuques em relevo e elementos em
madeira lavrada.

A arquitetura foi uma das artes francesas renascentistas mais originais, e não apareceram em toda
a Europa fora da Itália construções comparáveis aos grandes palácios franceses como os de
Fontainebleau, Tulherias, Chambord, Louvre e Anet, a maior parte deles com grandes jardins
formais, destacando-se os arquitetos Pierre Lescot e Philibert de l'Orme, fortemente influenciados
pelo trabalho de Vignola e Palladio, defensores de um classicismo mais puro, e organizadores de
fachadas e plantas simétricas. De qualquer maneira, o seu classicismo não foi de fato puro:
reorganizaram as ordens clássicas de diferentes maneiras, criaram variantes, dinamizaram os
planos e volumes e deram grande ênfase a uma decoração luxuriante e caprichosa, contradizendo
os princípios de racionalidade, simplicidade e economia formal do classicismo mais típico, além de
preservarem tradições locais características do gótico.[138][140]

Na música houve um enorme florescimento através da Escola da Borgonha, que dominou a cena
musical européia durante o século XV e daria origem à Escola franco-flamenga, que produziria
mestres como Josquin des Prez, Clément Janequin e Claude Le Jeune. A chanson francesa do
século XVI teria um papel na formação da canzona italiana, e sua Musique mesurée estabeleceria
um padrão de escrita vocal declamatória na tentativa de recriação da música do teatro grego, e

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favoreceria a evolução para a plena tonalidade. Também apareceu um gênero de música sacra
distinto de seus modelos italianos, conhecido como chanson spirituelle. Na literatura se destacam
Rabelais, um precursor do gênero fantástico, Montaigne, popularizador do gênero ensaio onde é
até hoje um dos maiores nomes, e o grupo integrante da Plêiade, com Pierre de Ronsard, Joachim
du Bellay e Jean-Antoine de Baïf, que buscavam um atualização vernácula da literatura greco-
romana, a emulação de formas específicas e a criação de neologismos baseados no latim e no grego.
[141]

Países Baixos e Alemanha


Os flamengos estavam em contato com a Itália desde o século XV, mas somente no século XVI o
contexto se transforma e se caracteriza como renascentista, tendo uma vida relativamente curta.
Nesta fase a região enriquece, a Reforma Protestante se torna uma força decisiva, oposta à
dominação católica de Carlos V, levando a conflitos sérios que dividiriam a área. As cidades
comerciais de Bruxelas, Gante e Bruges estreitam os contatos com o norte da Itália e encomendam
obras ou atraem artistas italianos, como os arquitetos Tommaso Vincidor e Alessandro Pasqualini,
que passaram a maior parte de suas vida ali. O amor pela gravura trouxe para a região inúmeras
reproduções de obras italianas, Dürer deixou uma marca indelével quando passou por lá, Erasmo
mantinha aceso o Humanismo e Rafael mandava executar tapeçarias em Bruxelas. Vesálio faz
avanços importantes na Anatomia, Mercator na Cartografia e a nova imprensa encontra em
Antuérpia e Lovaina condições para a fundação de editoras de larga influência.

Na música os Países Baixos, junto com o noroeste da França, se tornam o centro principal para
toda a Europa através da Escola franco-flamenga. A pintura desenvolve uma escola original, que
popularizou a pintura a óleo e dava enorme atenção ao detalhe e à linha, mantendo-se muito fiel à
temática sacra e incorporando sua tradição gótica às inovações maneiristas italianas. Teve em Jan
van Eyck, Rogier van der Weyden e Hieronymus Bosch seus precursores no século XV, e logo a
região daria sua contribuição própria à arte europeia consolidando o paisagismo através de
Joachim Patinir e a pintura de gênero com Pieter Brueghel o velho e Pieter Aertsen. Outros nomes
notáveis são Mabuse, Maarten van Heemskerck, Quentin Matsys, Lucas van Leyden, Frans Floris,
Adriaen Isenbrandt e Joos van Cleve.

A Alemanha impulsionou seu Renascimento fundindo seu rico passado gótico com os elementos
italianos e flamengos. Um de seus primeiros mestres foi Konrad Witz, seguindo-se Albrecht
Altdorfer e Albrecht Dürer, que esteve em Veneza duas vezes e foi lá profundamente influenciado,
lamentando ter de voltar para o norte. Junto com o erudito Johann Reuchlin, Dürer foi uma das
maiores influências para disseminação do Renascimento no centro da Europa e também nos Países
Baixos, onde suas célebres gravuras foram altamente elogiadas por Erasmo, que o chamou de "o
Apeles das linhas negras". A escola romana foi um elemento importante para a formação do estilo
de Hans Burgkmair e Hans Holbein, ambos de Augsburgo, visitada por Ticiano.[5][142] Na música
basta a menção a Orlando de Lasso, um integrante da Escola franco-flamenga radicado em
Munique que se tornaria o compositor mais célebre da Europa em sua geração, a ponto de ser
nobilitado pelo imperador Maximiliano II e tornado cavaleiro pelo papa Gregório XIII, algo
extremamente raro para um músico.

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Gregor Erhart: Hans Burgkmair: Autorretrato de Cornelis Floris de


Madalena, século XV. Altar de São João, Albrecht Dürer, 1500. Vriendt: Prefeitura de
Louvre 1518. Antiga Antiga Pinacoteca Antuérpia
Pinacoteca

Quentin Massys:
Retrato de um
notário, início do
século XVI. Galeria
Nacional da Escócia

Portugal
A influência do Renascimento em Portugal estende-se de meados do século XV a finais do XVI.
Embora o Renascimento italiano tenha tido um impacto modesto na arte, os portugueses foram
influentes no alargamento da visão do mundo dos europeus, estimulando a curiosidade humanista.
[143]

Como pioneiro da exploração europeia, Portugal floresceu no final do século XV com as navegações
para o oriente, auferindo lucros imensos que fizeram crescer a burguesia comercial e enriquecer a
nobreza, permitindo luxos e o cultivar do espírito. O contacto com o Renascimento chegou através
da influência de ricos mercadores italianos e flamengos que investiam no comércio marítimo. O
contato comercial com a França, Espanha e Inglaterra era assíduo, e o intercâmbio cultural se
intensificou.

Como principal potência naval, atraiu especialistas em matemática, astronomia e tecnologia naval,
como Pedro Nunes e Abraão Zacuto; os cartógrafos Pedro Reinel, Lopo Homem, Estevão Gomes e
Diogo Ribeiro, que fizeram avanços cruciais para mapear o mundo. E enviados ao oriente, como o
boticário Tomé Pires e o médico Garcia de Orta, recolheram e publicaram trabalhos sobre as novas
plantas e medicamentos locais.

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Na arquitetura, os lucros do comércio de especiarias das


primeiras décadas do século XVI financiaram um estilo
sumptuoso de transição, que mescla elementos marinhos com o
gótico, o manuelino.[144] O Mosteiro dos Jerônimos, a Torre de
Belém e a janela do Capítulo do Convento de Cristo, em Tomar
são os mais conhecidos, Diogo Boitaca e Francisco de Arruda os
arquitetos. Na pintura destacam-se Nuno Gonçalves, Gregório
Lopes e Vasco Fernandes. Na música, Pedro de Escobar e
Duarte Lobo, além de quatro cancioneiros, entre os quais o
Cancioneiro de Elvas e o Cancioneiro de Paris.

Na literatura Sá de Miranda introduziu as formas de verso


italianas; Garcia de Resende compilou o Cancioneiro Geral em
1516 e Bernardim Ribeiro foi pioneiro no bucolismo. Gil
Vicente fundiu-os com a cultura popular, relatando a mudança
dos tempos e Luís de Camões inscreveu os feitos dos "Terra Brasilis", 1519, mapa por
portugueses no poema épico Os Lusíadas. Em especial a Pedro Reinel e Lopo Homem, Atlas
Miller, Biblioteca Nacional de Paris
literatura de viagem floresceu: João de Barros, Castanheda,
António Galvão, Gaspar Correia, Duarte Barbosa, Fernão
Mendes Pinto, entre outros, descreveram novas terras e foram traduzidos e divulgados pela nova
imprensa. Após participar na exploração portuguesa do Brasil, em 1500, Amerigo Vespucci, agente
dos Medici, cunhou o termo Novo Mundo.

O intenso intercâmbio internacional produziu vários estudiosos humanistas e cosmopolitas:


Francisco de Holanda, André de Resende e Damião de Góis, amigo de Erasmus, que escreveu com
independência rara no reinado de D. Manuel I; Diogo e André de Gouveia, que fizeram importantes
reformas no ensino via França. Relatos e produtos exóticos na Feitoria Portuguesa de Antuérpia,
atraíram o interesse de Thomas More e Durer para o mundo mais vasto.[145] Em Antuérpia, os
lucros e conhecimento portugueses ajudaram a alimentar o renascimento holandês e a Idade de
Ouro dos Países Baixos, especialmente após a chegada da comunidade judaica culta e rica expulsa
de Portugal.

Painéis de São Detalhe do São Francisco de Arruda: Casa dos Bicos,


Vicente de Fora, Pedro pontífice, Torre de Belém, 1523, Lisboa
Nuno Gonçalves, Vasco Fernandes, Francisco Arruda,
c.1480, Lisboa c.1506, Museu Grão c.1514, Lisboa
Vasco, Viseu

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Espanha
Na Espanha, as circunstâncias foram em vários pontos semelhantes. A reconquista do território
espanhol aos árabes e o fantástico afluxo de riquezas das colônias americanas, com o intenso
intercâmbio comercial e cultural associado, sustentaram uma fase de expansão e enriquecimento
sem precedentes da arte local. Artistas como Alonso Berruguete, Diego de Siloé, Tomás Luis de
Vitoria, El Greco, Pedro Machuca, Juan Bautista de Toledo, Cristóbal de Morales, Garcilaso de la
Vega, Juan de Herrera, Miguel de Cervantes e muitos mais deixaram obra notável em estilo
clássico ou maneirista, mais dramático do que seus modelos italianos, já que o espírito da Contra-
Reforma ali tinha um baluarte e, em escritores sacros como Teresa de Ávila, Inácio de Loyola e
João da Cruz, grandes representantes. Particularmente na arquitetura a ornamentação luxuriante
se torna típica do estilo que se conhece como plateresco, uma síntese única de influências góticas,
mouriscas e renascentistas. A Universidade de Salamanca, cujo ensino tinha moldes humanistas,
mais a fixação de italianos como Pellegrino Tibaldi, Leone Leoni e Pompeo Leoni injetaram uma
força adicional no processo.[142][146]

O último Renascimento chega a cruzar o oceano e se enraizar na América e no oriente, onde ainda
hoje sobrevivem muitos mosteiros e igrejas fundadas pelos colonizadores espanhóis em centros do
México e do Peru, e pelos portugueses no Brasil, em Macau e Goa, alguns deles hoje Patrimônio da
Humanidade.

Exemplo musical

▪ Tomás Luís de Victoria: Caligaverunt oculi mei ⓘ

El Greco: Cristo Altar plateresco da Pedro Machuca: Frontispício da


espoliado, 1577– Igreja de Santa Palácio de Carlos V, Catedral de Lima,
1579. Catedral de Maria, Valtierra c. 1527. Peru
Toledo

Inglaterra
Na Inglaterra, o Renascimento coincide com a chamada Era Elisabetana, de grande expansão
marítima e de relativa estabilidade interna depois da devastação da longa Guerra das Rosas,
quando se tornou possível pensar em cultura e arte. Como na maior parte dos outros países da
Europa, a herança gótica ainda viva mesclou-se com referências da Renascença tardia, mas suas
características distintivas são o predomínio da literatura e da música sobre as outras artes, e sua
vigência até cerca de 1620. Poetas como John Donne e John Milton pesquisam novas formas de
compreender a fé cristã, e dramaturgos como Shakespeare e Marlowe se movem com desenvoltura

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entre temas centrais da vida humana — a traição, a transcendência, a honra, o amor, a morte — em
tragédias célebres como Romeu e Julieta, Macbeth, Otelo, o Mouro de Veneza (Shakespeare), e
Doutor Fausto (Marlowe), bem como sobre seus aspectos mais prosaicos e ligeiros em fábulas
encantadoras como Sonho de uma noite de verão (Shakespeare). Filósofos como Francis Bacon
descortinam novos limites para o pensamento abstrato e refletem sobre uma sociedade ideal, e na
música a escola madrigalesca italiana é assimilada por Thomas Morley, Thomas Weelkes, Orlando
Gibbons e muitos outros, adquire um sabor inconfundivelmente local e cria uma tradição que
permanece viva até hoje, ao lado de grandes polifonistas sacros como John Taverner, William Byrd
e Thomas Tallis, este deixando o famoso moteto Spem in alium, para quarenta vozes divididas em
oito coros, uma composição sem paralelos em sua época pela maestria no manejo de enormes
massas vocais. Na arquitetura se destacaram Robert Smythson e os palladianistas Richard Boyle,
Edward Lovett Pearce e Inigo Jones, cuja obra repercutiu até na América do Norte, fazendo
discípulos em George Berkeley, James Hoban, Peter Harrison e Thomas Jefferson.[147] Na pintura
o Renascimento foi recebido principalmente através da Alemanha e dos Países Baixos, com a figura
maior de Hans Holbein, florescendo depois com William Segar, William Scrots, Nicholas Hilliard e
vários outros mestres da Escola Tudor.[148]

Robert Smythson: Inigo Jones: Queen's Nicholas Hilliard: William Segar:


Wollaton Hall House Retrato de um jovem Retrato de Elisabeth
com uma rosa, c. I, Hatfield House
1588. Victoria and
Albert Museum

Exemplos musicais

▪ Orlando Gibbons: The silver swan ⓘ


▪ Thomas Tallis: Lamentatione Jeremiae Prophetae I (The Tudor Consort) ⓘ

Ver também

História, filosofia e estética


▪ Arte da Grécia Antiga
▪ Arte da Roma Antiga
▪ Barroco
▪ Classicismo

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▪ Contra-Reforma
▪ Estilo gótico
▪ História da arte
▪ História da arte ocidental
▪ História da Itália
▪ Humanismo
▪ Maneirismo
▪ Reforma Protestante

Escolas nacionais
▪ Portugal Renascentista
▪ Renascença italiana
▪ Renascimento flamengo

Artes e ciências
▪ Arquitetura do Renascimento
▪ Ciência do Renascimento
▪ Escultura do Renascimento
▪ Literatura do Renascimento
▪ Música do Renascimento
▪ Pintura do Renascimento
▪ Política do Renascimento

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Ligações externas
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inglês)
▪ «Renaissance Connection - Interativo» (http://www.renaissanceconnection.org/main.cfm) (em
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▪ «Society for Renaissance Studies» (http://www.rensoc.org.uk/) (em inglês)

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