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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 48 234

09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADV.(A/S) : PGE-SC - WALTER ZIGUELLI
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Repartição de


competências. Lei Estadual 11.078/1999, de Santa Catarina, que estabelece
normas sobre controle de resíduos de embarcações, oleodutos e
instalações costeiras. Alegação de ofensa aos artigos 22, I, da Constituição
Federal. Não ocorrência. Legislação estadual que trata de direito
ambiental marítimo, e não de direito marítimo ambiental. Competência
legislativa concorrente para legislar sobre proteção do meio ambiente e
controle da poluição (art. 22, I, CF), e sobre responsabilidade por dano ao
meio ambiente (art. 24, VIII, CF). Superveniência de lei geral sobre o
tema. Suspensão da eficácia do diploma legislativo estadual no que
contrariar a legislação geral. Ação julgada improcedente.

AC ÓRDÃ O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência da
Senhora Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento e
das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer em parte a
ação direta de inconstitucionalidade e, na parte conhecida, julgá-la a
improcedente, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 9 de agosto de 2017.
Ministro GILMAR MENDES
Relator
Documento assinado digitalmente

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADV.(A/S) : PGE-SC - WALTER ZIGUELLI
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): O Governador


do Estado de Santa Catarina propôs Ação Direta de
Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, contra os artigos 4º e 8º da
Lei Estadual 11.078/1999, de Santa Catarina, que “estabelece normas sobre
controle de resíduos de embarcações, oleodutos e instalações costeiras e dá outras
providências”.
Eis o teor dos dispositivos impugnados:

“Art. 4º - As embarcações deverão contar com sistemas


adequados para receber, selecionar e dispor seus próprios
resíduos, que serão descartados somente em instalações
terrestres.
(…)
Art. 8º - Em caso de derrame, vazamento ou deposição
acidental de óleo, em trato d’água ou solo, as despesas de
limpeza e restauração da área e bens atingidos, assim como a
destinação final dos resíduos gerados, serão de
responsabilidade do porto, terminal, embarcação ou instalação
em que ocorreu o incidente.
Parágrafo único – É proibido o emprego de produtos
químicos no controle de eventuais derrames de óleo”.

O requerente sustenta, em síntese, que é competência da União


legislar sobre direito marítimo e civil (CF, art. 22, caput e inciso I). Afirma
que o art. 4º da referida lei, ao impor condições a embarcações, estaria

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ADI 2030 / SC

regendo normas de direito marítimo; e o art. 8º, por sua vez, “trataria de
matéria de responsabilidade consubstanciada pela lei substantiva civil, que
também é de competência privativa da União”. (fl. 7)
Aponta, ainda, a existência de ofensa à Convenção sobre Prevenção
da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias,
concluída em Londres, em 29.9.1972, e promulgada no Brasil pelo Decreto
Federal 87.566/1982, porquanto, nela, “o despejo acidental de resíduos ou
outras substâncias no mar não está incluído como o ‘alijamento’ previsto no
Artigo 1, contrariando, dessa forma, o artigo 8º da Lei promulgada pela
Assembleia Legislativa do Estado” (fl. 8).
Quanto ao periculum in mora, alega que, “ao impor condições e
responsabilidades, como as previstas nos artigos impugnados, bem como a
aplicação de penalidades (art. 9º), certamente gerará conflitos judiciais, com
fundamento na inconstitucionalidade de tais dispositivos, acarretando prejuízo
ao Estado. (fl. 9)
Adotei o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999 (fl. 144).
A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina prestou
informações. Ressaltou que “a intenção do legislador estadual cinge-se apenas
à preservação da qualidade das águas da costa marítima catarinense, assim como
à defesa do meio ambiente (fls. 79-84 e 146-152). Desse modo, a matéria dos
dispositivos impugnados refere-se a meio ambiente e sua proteção, e não
a direito marítimo. Por fim, argumenta que o dispositivo impugnado não
violou a supremacia do interesse nem a competência da União para
legislar sobre questões de ordem geral, em razão de o tema regulado na
norma cingir-se à aplicação de situação peculiar envolvendo a jurisdição
do Estado de Santa Catarina.
A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República
manifestaram-se pelo não conhecimento da ação quanto à alegada ofensa
à Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de
Resíduos e Outras Matérias e, na parte em que conheceu, pela
improcedência (fls. 211-221 e 225-230).
É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): A questão ora


versada nos autos trata da análise da constitucionalidade dos artigos 4º e
8º da Lei 11.078/1999, do Estado de Santa Catarina, que estabelecem
normas de controle de resíduos de embarcações, oleodutos e instalações
costeiras, em face do disposto no art. 22, caput e inciso I, da Constituição
da República e da Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por
Alijamento de Resíduos e Outras Matérias.
No tocante à preliminar de não conhecimento do pedido de
declaração de inconstitucionalidade quanto à ofensa à referida
Convenção, promulgada pelo Decreto 87.566/1982, anoto que o Supremo
Tribunal Federal não admite o exame de contrariedade à norma
infraconstitucional desta espécie em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI 3.132, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 9.6.2006;
ADI 882, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 23.4.2004).
Assim, não conheço da ação nesse ponto.
No que tange à alegação de inconstitucionalidade formal, não raras
vezes, surgem dúvidas sobre os limites de competência legislativa dos
entes federados, tendo em vista os critérios utilizados pelo próprio
constituinte na sua definição e na aparente vinculação de uma
determinada matéria a mais de um tipo de competência.
Aqui, a dúvida é se o conteúdo dos dispositivos impugnados inclui-
se na competência privativa da União para legislar sobre direito marítimo
(art. 22, I, da Constituição Federal) ou na competência concorrente para
legislar sobre proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24,
VI, da Constituição Federal), bem como sobre responsabilidade por dano
ao meio ambiente (art. 24, VIII, da Constituição Federal).
Para verificar a qual catálogo de competências recai uma questão
específica e, portanto, determinar-se quem possui prerrogativa para
legislar sobre um assunto, deve ser feita uma subsunção da lei em relação

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aos artigos constitucionais que estabelecem os limites legiferantes de cada


ente federado – ou seja, artigos 22, 23 e 24 da Constituição Federal. Essa
verificação é feita a partir de critérios interpretativos.
Nos termos do lecionado por Christoph Degenhart, o texto
constitucional, ao descrever determinada matéria no catálogo de
competências, pode elencar questões genéricas como “floresta”, “caça”,
“pesca”, “fauna”, “conservação da natureza” ou referir-se a campos
específicos do Direito – como “direito civil”, “direito penal”, “direito
marítimo”. (DEGENHART, Christoph, Staatsrecht, I, Heidelberg, 22ª
edição, 2006, p. 56-60).
Ao ser constatada aparente incidência de determinado assunto a
mais de um tipo de competência, deve-se realizar interpretação que leve
em consideração duas premissas: a intensidade da relação da situação
fática normatizada com a estrutura básica descrita no tipo da
competência em análise e, além disso, o fim primário a que se destina
essa norma, que possui direta relação com o “princípio da predominância de
interesses”. (DEGENHART, Christoph. Staatsrecht, I, Heidelberg, 22ª
edição, 2006, p. 56-60).
No presente caso, alega-se que o art. 4º da Lei estadual 11.078/99, de
Santa Catarina, versaria sobre direito marítimo, de competência privativa
da União, ao estabelecer que “as embarcações deverão contar com sistemas
adequados para receber, selecionar e dispor dos seus próprios resíduos, que serão
descartados somente em instalações terrestres”.
Todavia, embora seja admissível, por parte da doutrina, ao analisar-
se esse campo jurídico isoladamente dos demais, uma conceituação
ampla de direito marítimo – como, nesse sentido, a descrição de que
direito marítimo é o complexo de regras jurídicas que regulam a navegação pelo
mar1 –, por outro lado não é possível tal onipresença temática quando em
comparação com outras áreas jurídicas que ocasionalmente possam
incidir na mesma espécie.

1 Cf. Castro Jr., Osvaldo Agripino, “Aspectos Introdutórios


do Direito Marítimo”, Revista de Direito Privado, ano 5, n.º 19, Revista
dos Tribunais, julho-setembro de 2004, p. 221.

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ADI 2030 / SC

Tal assertiva torna-se flagrante em situações nas quais se está diante


de matérias correspondentes a valores constitucionalmente apreciados e
que tenham relação direta com a temática considerada genérica: é
precisamente o caso do meio ambiente, objeto da presente ação, quando
confrontado com o conceito de direito marítimo.
Assim, necessário faz-se descrever um tipo de competência de modo
mais específico, para que não se entre em conflito ou se limitem outras
áreas igualmente descritas na divisão de competências entre os entes.
Nesse contexto, o eventualmente denominado “direito marítimo
ambiental” revela-se, em realidade, como “direito ambiental marítimo”,
por ter-se como base o fim a que se destina a norma e sua direta
vinculação à proteção ao meio ambiente. Questões atinentes a direito
marítimo não constituem o objeto principal do dispositivo do art. 4º da
Lei 11.078, de 1999, do Estado de Santa Catarina. Seu principal escopo é,
nitidamente, a tutela ao meio ambiente.
Na mesma linha interpretativa, por igual não se trata, no art. 8º deste
diploma estadual, de legislação sobre responsabilidade civil stricto sensu.
O caso aqui é de responsabilidade do agente causador por dano ao meio
ambiente, nos limites do disposto no art. 24, inciso VIII, da Constituição,
que estabelece que “responsabilidade por dano ao meio ambiente” é matéria
de legislação concorrente.
Também não pode ser dito, como consta na exordial, que o Estado de
Santa Catarina estaria, na matéria, limitado, na forma dos § 1º e § 4º do
art. 24 da Constituição Federal, pelo disposto nos artigos I e III da
Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de
Resíduos e Outras Matérias, cujo texto foi promulgado no Brasil pelo
Decreto 87.566, de 16 de setembro de 1982.
O artigo I da referida Convenção é mera declaração de princípios e
objetivos gerais das partes ali contratantes, não se prestando,
consequentemente, a ser caracterizado como “norma geral” 2, isto é,

2 Art. I, Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha


por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias: “As Partes Contratantes
promoverão, individual e coletivamente, o controle efetivo de todas as fontes de

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ADI 2030 / SC

norma que define diretrizes e princípios amplos sobre dado tema. (ADI
4423, Rel. Dias Toffoli, julg. em 24.9.2014),
O artigo III, por sua vez, expressamente exclui dos despejos de
resíduos que se submetem ao referido pactum aqueles de natureza
“acidental” – isto é, justamente a matéria versada na norma objeto desta
ação direta de inconstitucionalidade.3
A norma geral sobre a temática dos dispositivos estaduais ora
impugnados somente veio a surgir eficientemente com a edição da Lei
9.966, de 28 de abril de 2000, que “dispõe sobre a prevenção, o controle e a

contaminação do meio marinho e se comprometem, especialmente, a adotar todas


as medidas possíveis para impedir a contaminação do mar pelo alijamento de
resíduos e outras substâncias que possam gerar perigos para a saúde humana,
prejudicar os recursos biológicos e a vida marinha, bem como danificar as
condições ou interferir em outras aplicações legítimas do mar.”
3 Art. III, Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha
por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias: “Para os fins da presente
Convenção: 1. a) Por "alijamento" se entende: i - todo despejo deliberado, no mar,
de resíduos e outras substâncias efetuado por embarcações, aeronaves,
plataformas ou outras construções no mar; ii - todo afundamento deliberado, no
mar, de embarcações, aeronaves, plataformas ou outras construções no mar. b) o
"alijamento" não inclui: i - o despejo no mar de resíduos e outras substâncias,
que sejam acidentais, em operações normais de embarcações, aeronaves,
plataformas e outras construções no mar, e de seus equipamentos, ou que delas se
derivem, exceto os resíduos ou outras substâncias transportadas por ou para
embarcações, aeronaves, plataformas ou outras construções no mar, que operem
com o propósito de eliminar as ditas substâncias ou que se derivem do tratamento
dos citados resíduos ou outras substâncias nas ditas embarcações, aeronaves,
plataformas ou construções; ii - a colocação de substâncias para fins diferentes do
seu próprio despejo, sempre que a dita colocação não seja contrária aos objetivos
da presente Convenção. c) o despejo de resíduos ou outras substâncias
diretamente derivadas de prospecção, exploração e tratamentos afins dos recursos
minerais do leito do mar, fora da costa, ou com os mesmos relacionadas, não
estará compreendido nas disposições da presente Convenção.")

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ADI 2030 / SC

fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias


nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências”.
Da sua leitura, não identifico trechos conflitantes com os dispositivos
da lei catarinense. Destaco, nesse sentido, alguns artigos da Lei 9.966/2000
que tratam de questões semelhantes ao tema aqui em análise.
A lei federal estabelece que “todo porto organizado, instalação portuária
e plataforma, bem como suas instalações de apoio, disporá obrigatoriamente de
instalações ou meios adequados para o recebimento e tratamento dos diversos
tipos de resíduos e para o combate da poluição, observadas as normas e critérios
estabelecidos pelo órgão ambiental competente” (art. 5º, caput). Os
responsáveis pelo cumprimento da lei, em âmbito estadual, são os órgãos
de meio ambiente locais.
Na área de acidentes, dispõe sobre a necessidade de que portos
organizados, instalações portuárias e plataformas, bem como suas
instalações de apoio, tenham planos de emergência individuais para o
combate à poluição por óleo e substâncias nocivas ou perigosas (art. 7º).
Indica que qualquer acidente que provocar poluição das águas sob
jurisdição nacional deve ser imediatamente comunicado ao órgão
ambiental competente, à Capitania dos Portos e ao órgão regulador da
indústria do petróleo, independentemente das medidas tomadas para seu
controle (art. 22).
Sobre responsabilidade por danos, a Lei 9.966/2000 prevê que a
entidade exploradora de porto organizado ou de instalação portuária, o
proprietário ou operador de plataforma ou de navio, e o concessionário
ou empresa autorizada a exercer atividade pertinente à indústria do
petróleo, responsáveis pela descarga de material poluente em águas sob
jurisdição nacional, são obrigados a ressarcir os órgãos competentes pelas
despesas por eles efetuadas para o controle ou minimização da poluição
causada, independentemente de prévia autorização e de pagamento de
multa.
Em relação especialmente ao descarte de resíduos, destaco a Lei
12.305, de 2 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de
Resíduos Sólidos e dispõe sobre “diretrizes à gestão integrada ao

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gerenciamento de resíduos sólidos” (art. 1º, caput). Nos termos de seu art. 13,
inciso I, letra “j”, incluiem-se como resíduo submetido a esta lei os
resíduos de serviços de transportes originários de portos.
Essa lei prevê a obrigatoriedade de elaboração de plano de
gerenciamento de resíduos sólidos, a ser feito pelos responsáveis pelos
portos (art. 20, IV), e indica seu conteúdo mínimo, que inclui a
“explicitação dos responsáveis por cada etapa do gerenciamento de resíduos
sólidos” (art. 21, III, “a”), bem como de “medidas saneadoras dos passivos
ambientais relacionados aos resíduos sólidos” (art. 21, VIII).
Destaco, também, que um dos princípios da Política Nacional de
Resíduos Sólidos é, inclusive, o respeito às diversidades locais e regionais
(art. 6º, IX), objetivo da legislação catarinense ora impugnada.
Anoto, ademais, que, para disciplinar a prestação de serviços de
retirada de resíduos de embarcações, a partir do seu acondicionamento a
bordo, seu transbordo para terra e transporte para destinação em local
apropriado, exigida pela Lei 9966/2000, a Agência Nacional de
Transportes Aquaviários emitiu a Resolução 2190, de 28 de julho de 2011.
Nos termos da legislação que criou a ANTAQ, é seu papel estabelecer
normas e padrões a serem observados pelas autoridades portuárias,
inclusive ambientais (art. 27, XIV, Lei 10.233/01).
Vê-se, pois, que agora já há disciplina nacional sobre descarte de
resíduos de embarcações, bem como sobre derrame, vazamento ou
deposição acidental de óleo. Não era essa, todavia, a realidade à época da
edição da lei, em 1999.
Na justificativa da lei catarinense em tela, indica-se que “vários
processos degradadores do meio ambiente serão coibidos através da pretendida
norma. Esta (lei) propiciará meios satisfatórios ao desenvolvimento da saúde da
costa marítima catarinense, com a destinação dos resíduos aos locais adequados”.
(fl. 89).
É evidente a preocupação do Estado de Santa Catarina com a
preservação de seu meio ambiente. O resguardo de seu litoral – por meio
de lei estadual, de operações suscetíveis de promoverem o risco de
poluição do mar litorâneo – é exemplo claro de atuação concorrente que,

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ADI 2030 / SC

baseando-se em peculiaridades próprias, autorizam os Estados-membros


a ser partícipes importantes no desenvolvimento do direito nacional e a
atuar ativamente na construção de possíveis experiências que poderão ser
eventualmente adotadas por outros entes ou em todo território federal, na
ideia de verdadeiros laboratórios legislativos.
Nesse contexto, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral
da República manifestaram-se pela constitucionalidade da legislação
catarinense ora impugnada.
Para a AGU, a norma catarinense trata de “proteção ao meio ambiente
aquático”, concluindo que “a finalidade do diploma estadual é apenas impedir a
degradação ambiental dos tratos d`água do Estado de Santa Catarina. Em
nenhum momento regula ou modifica relações jurídicas típicas de direito
marítimo” (fl. 220). No mesmo sentido opinou a Procuradoria-Geral da
República.
Assim, os dispositivos impugnados enquadram-se no rol de
competências concorrentes, referente a matérias para as quais cabe à
União editar normas gerais – ou seja, normas não exaustivas, leis-quadro,
princípios amplos –, que traçam um plano, sem estabelecer pormenores.
Aos Estados-membros e ao Distrito Federal resta, nessa hipótese, a
possibilidade de exercer competência suplementar (art. 24, § 2º, da
Constituição Federal).
Todavia, nesses casos, na falta completa da lei com normas gerais, o
Estado pode legislar amplamente, suprindo a inexistência do diploma
federal. Se a União vier a editar a norma geral faltante, fica suspensa a
eficácia da lei estadual, no que contrariar a federal. Opera-se, então, um
bloqueio de competência, uma vez que o Estado não mais poderá legislar
sobre normas gerais, como lhe era dado fazer até ali, nos termos do art.
24, § 4º, da Constituição Federal.
Como, à época da edição da legislação ora questionada, não havia lei
geral sobre o tema, os Estados-membros tinham plena competência
legislativa plena nessa matéria, podendo suprir o espaço normativo com
suas legislações locais.
Daí que, com a superveniência de diplomas federais sobre a matéria

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ADI 2030 / SC

aqui apreciada, a legislação catarinense, mesmo constitucional, perde sua


força normativa, na atualidade, naquilo que contrastar com a legislação
geral de regência do tema (art. 24, § 4º, CF/88).
Nesses termos, o meu voto é pela improcedência da ação.

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Esclarecimento

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09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Na
verdade, aqui indicam dois parâmetros de controle, o parâmetro de
controle geral da Constituição e também o parâmetro de controle da
convenção. Em relação à convenção, estou dizendo que não cabe este
exame nesta sede de controle. É uma convenção geral que não deveria ser
examinada. E estou examinando só em relação ao parâmetro
constitucional.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Cheguei à mesma conclusão de Vossa Excelência, e por isso, na linha
inclusive do que afirmou a Procuradoria, concluí pelo conhecimento
parcial, porque não conheci dessa parte e, na parte conhecida, julguei
improcedente. Tinha anotado que Vossa Excelência , numa parte do voto,
teria dito isso expressamente: "Não conheço nessa parte".
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Eu falo
isso. Está bem, quer dizer, não conhecido em relação ao tratado. Perfeito.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Não
conhece na parte e, na parte conhecida, julga improcedente o pedido.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

VOTO

O Senhor Ministro Alexandre de Moraes: Trata-se de ação direta de


inconstitucionalidade, com pedido de liminar, ajuizada pelo Governador
do Estado de Santa Catarina em face dos arts. 4º e 8º da Lei 11.078/1999
daquele Estado, que estabelece normas sobre controle de resíduos de
embarcações, oleodutos e instalações costeiras.
Alega o requerente a incompatibilidade dos dispositivos citados com
os arts. 22, I, da Constituição Federal. Aduz, ainda, que a norma atacada
contraria a Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por
Alijamento de Resíduos e outras Matérias, promulgada pelo Decreto
Federal 87.566/1982.
A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina manifestou-se
pela constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados,
argumentando que (i) a mens legis é a preservação da qualidade da costa
marítima catarinense bem como a defesa do meio ambiente, em
consonância com os arts. 23, VI, e 24, VI, da Carta Constitucional; (ii) não
se veicula nas normas atacadas direito marítimo, inexistindo ferimento ao
art. 22, I, da Constituição Federal; (iii) as normas impugnadas estão em
consonância com a Lei Federal 9.966/2000, que dispõe sobre a prevenção,
o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e
outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.
A Advocacia-Geral da União sustentou, como preliminar, que a ação
não deveria ser conhecida, no tocante à alegação da citada convenção
promulgada pelo Decreto Federal 87.566/1982, norma de natureza
infraconstitucional insuscetível de servir como parâmetro em controle
abstrato de constitucionalidade. No mérito, alega ser a ação
improcedente, já que o art. 4º seria compatível com a exigência
constitucional de proteção ao meio ambiente, e o art. 8º está em
consonância com o art. 24, VIII, da Carta Constitucional, o qual atribui
competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para

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ADI 2030 / SC

legislar sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente. Aduz, por


fim, que a matéria questionada não diz com o direito marítimo.
A Procuradoria-Geral da República sustentou, em preliminar, o não
conhecimento da ação, no tocante à ofensa à Convenção referida. No
mérito, opinou pela improcedência da demanda, afirmando que o art. 4º
não trata de direito marítimo, mas de meio ambiente, e que o art. 24, VIII,
da Carta Magna atribui aos Estados-Membros competência concorrente
para legislar sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente.
É o relatório.
Transcrevo, inicialmente, o teor dos dispositivos da lei estadual
atacada:

“Art. 4º As embarcações deverão contar com sistemas


adequados para receber, selecionar e dispor seus próprios
resíduos, que serão descartados somente em instalações
terrestres.
(…)

Art. 8º Em caso de derrame, vazamento ou deposição


acidental de óleo, em trato d’água ou solo, as despesas de
limpeza e restauração da área e bens atingidos, assim como a
destinação final dos resíduos gerados, serão de
responsabilidade do porto, terminal, embarcação ou instalação
em que ocorreu o incidente.
Parágrafo único. É proibido o emprego de produtos
químicos na controle de eventuais derrames de óleo.”

Cumpre verificar, no exame da presente ação, o seguinte: (i) a


legislação impugnada afronta a competência legislativa privativa da
União para legislar sobre direito marítimo e direito civil posta no art. 22,
I, da Carta Maior?; (ii) poderia o Estado-Membro dispor sobre a matéria
veiculada na norma impugnada, de forma a disciplinar a proteção do
meio ambiente e controle da poluição e a responsabilidade por dano ao
meio ambiente, no exercício de competência legislativa concorrente, nos
termos do art. 24, VI e VIII, da Constituição Federal?

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ADI 2030 / SC

Ditos questionamentos dizem com a forma federativa de Estado a e


repartição de competências entre os entes da federação posta no texto
constitucional, tema cujo exame se mostra pertinente no caso em foco.
O federalismo e suas regras de distribuição de competências
legislativas são um dos grandes alicerces da consagração da fórmula
Estado de Direito, que, conforme salientado por PABLO LUCAS VERDÚ,
ainda exerce particular fascinação sobre os juristas. Essa fórmula aponta a
necessidade de o Direito ser respeitoso com as interpretações acerca de
diferentes dispositivos constitucionais que envolvem diversas
competências legislativas, para que se garanta a previsão do legislador
constituinte sobre a divisão dos centros de poder entre os entes
federativos, cuja importância é ressaltada tanto por JORGE MIRANDA
(Manual de direito constitucional. 4. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990, t.
1, p. 13-14), quanto por JOSÉ GOMES CANOTILHO (Direito constitucional
e teoria da Constituição. Almedina, p. 87).
A essencialidade da discussão não está na maior ou menor
importância do assunto específico tratado pela legislação, mas sim, na
observância respeitosa à competência constitucional do ente federativo
para editá-la (MAURICE DUVERGER. Droit constitutionnel et institutions
politiques. Paris: Presses Universitaires de France, 1955. p. 265 ss), com
preservação de sua autonomia e sem interferência dos demais entes da
federação, pois, como salientado por LÚCIO LEVI:

“a federação constitui, portanto, a realização mais alta dos


princípios do constitucionalismo. Com efeito, a idéia do Estado
de direito, o Estado que submete todos os poderes à lei
constitucional, parece que pode encontrar sua plena realização
somente quando, na fase de uma distribuição substancial das
competências, o Executivo e o Judiciário assumem as
características e as funções que têm no Estado Federal”
(NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI, GIANFRANCO
PASQUINO, (Coord.) Dicionário de política. v. I, p. 482).

O equilíbrio na interpretação constitucional sobre a distribuição de

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ADI 2030 / SC

competências na história do federalismo iniciou com a Constituição


norte-americana de 1787. A análise de suas características e
consequências, bem como do desenvolvimento de seus institutos vem
sendo realizada desde os escritos de JAY, MADISON e HAMILTON, nos
artigos federalistas, publicados sob o codinome Publius, durante os anos
de 1787-1788, até os dias de hoje, e mostra que se trata de um sistema
baseado principalmente na consagração da divisão constitucional de
competências, para manutenção de autonomia dos entes federativos e
equilíbrio no exercício do poder (THOMAS MCINTYRE COOLEY. The
general principles of constitutional law in the United States of America. 3. ed.
Boston: Little, Brown and Company, 1898. p. 52; DONALD L.
ROBINSON. To the best of my ability: the presidency the constitution. New
York: W. W. Norton & Company, 1987. p. 18-19). Em 1887, em seu
centenário, o estadista inglês WILLIAM GLADSTONE, um dos mais
influentes primeiros-ministros ingleses, afirmou que a Constituição dos
Estados Unidos era a mais maravilhosa obra jamais concebida num
momento dado pelo cérebro e o propósito do homem, por equilibrar o
exercício do poder.
É importante salientar, dentro dessa perspectiva da “mais maravilhosa
obra jamais concebida”, que a questão do federalismo e do equilíbrio entre o
Poder Central e os Poderes Regionais foi das questões mais discutidas
durante a Convenção norte-americana, pois a manutenção do equilíbrio
Democrático e Republicano, no âmbito do Regime Federalista, depende
do bom entendimento, definição, fixação de funções, deveres e
responsabilidades entre os três Poderes, bem como a fiel observância da
distribuição de competências legislativas, administrativas e tributárias
entre União, Estados e Municípios, característica do Pacto Federativo,
consagrado constitucionalmente no Brasil, desde a primeira Constituição
Republicana, em 1891, até a Constituição Federal de 1988.
A Federação, portanto, nasceu adotando a necessidade de um poder
central, com competências suficientes para manter a união e coesão do
próprio País, garantindo-lhes, como afirmado por HAMILTON, a
oportunidade máxima para a consecução da paz e liberdade contra o

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ADI 2030 / SC

facciosismo e a insurreição (The Federalist papers, nº IX) e permitindo à


União realizar seu papel aglutinador dos diversos Estados-Membros e de
equilíbrio no exercício das diversas funções constitucionais delegadas aos
três poderes de Estado.
Durante a evolução do federalismo, passou-se da ideia de três
campos de poder mutuamente exclusivos e limitadores, pela qual a
União, os Estados e os Municípios teriam suas áreas exclusivas de
autoridade, para um novo modelo federal baseado, principalmente na
cooperação, como salientado por KARL LOEWENSTEIN (Teoria de la
constitución. Barcelona: Ariel, 1962. p. 362).
O legislador constituinte de 1988, atento a essa evolução, bem como
sabedor da tradição centralizadora brasileira, tanto, obviamente nas
diversas ditaduras que sofremos, quanto nos momentos de normalidade
democrática, instituiu novas regras descentralizadoras na distribuição
formal de competências legislativas, com base no princípio da
predominância do interesse, e ampliou as hipóteses de competências
concorrentes, além de fortalecer o Município como polo gerador de
normas de interesse local.
O princípio geral que norteia a repartição de competência entre os
entes componentes do Estado Federal brasileiro, portanto, é o princípio
da predominância do interesse, tanto para as matérias cuja definição foi
preestabelecida pelo texto constitucional, quanto em termos de
interpretação em hipóteses que envolvem várias e diversas matérias,
como na presente ação direta de inconstitucionalidade.
A própria Constituição Federal, portanto, presumindo de forma
absoluta para algumas matérias a presença do princípio da
predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências
para cada um dos entes federativos, União, Estados-membros, Distrito
Federal e Municípios, e a partir dessas opções pode ora acentuar maior
centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora
permitir uma maior descentralização nos Estados-membros e Municípios
(CF, arts. 24 e 30, I).
Atuando dessa maneira, se na distribuição formal de competências

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ADI 2030 / SC

houve um maior afastamento do federalismo centrípeto que sempre


caracterizou a república brasileira, na distribuição material, nossas
tradições históricas, político-econômicas e culturais somadas ao próprio
interesse do legislador constituinte, que permaneceria como poder
constituído (Congresso Nacional), após a edição da Constituição de 1988,
acabaram por produzir grande generosidade do texto constitucional na
previsão dos poderes enumerados da União, com a fixação de
competência privativa para a maioria dos assuntos de maior importância
legislativa.
Consequentemente, concordemos ou não, no texto da Constituição
de 1988, as contingências históricas, político-econômicas e culturais
mantiveram a concentração dos temas mais importantes no Congresso
Nacional, em detrimento das Assembleias locais, como salientado por
JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO (Teoria geral do federalismo. Rio
de Janeiro: Forense, 1986. p. 317), e facilmente constatado ao analisarmos
o rol de competências legislativas da União estabelecidas no art. 22 do
texto constitucional, entre os quais o inciso I, um dos parâmetros
constitucionais invocados na petição inicial.
Essa opção inicial do legislador constituinte, ao centralizar nos
poderes enumerados da União (CF, artigo 22) a maioria das matérias
legislativas mais importantes, contudo, não afastou da Constituição de
1988 os princípios básicos de nossa tradição republicana federalista, que
gravita em torno do princípio da autonomia, da participação política e da
existência de competências legislativas próprias dos Estados/Distrito
Federal e Municípios, indicando ao intérprete a necessidade de aplicá-los
como vetores principais em cada hipótese concreta em que haja a
necessidade de análise da predominância do interesse, para que se
garanta a manutenção, fortalecimento e, principalmente, o equilíbrio
federativo (GERALDO ATALIBA. República e constituição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1985. p. 10), que se caracteriza pelo respeito às
diversidades locais, como bem salientado por MICHAEL J. MALBIN, ao
apontar que a intenção dos elaboradores da Carta Constitucional
Americana foi justamente estimular e incentivar a diversidade,

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ADI 2030 / SC

transcendendo as facções e trabalhando pelo bem comum (A ordem


constitucional americana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987, p.
144), consagrando, ainda, a pluralidade de centros locais de poder, com
autonomia de autogoverno e autoadministração, para que se reforçasse a
ideia de preservação da autonomia na elaboração do federalismo, como
salientado por ALEXIS DE TOCQUEVILLE, ao comentar a formação da
nação americana (Democracia na América: leis e costumes. São Paulo:
Martins Fontes, 1988. p. 37 ss), que serviu de modelo à nossa Primeira
Constituição Republicana em 1891.
Postas estas premissas, passo a analisar mais detidamente o caso em
foco.
Ao dispor que as embarcações devem contar com sistemas
adequados para receber, selecionar e dispor seus próprios resíduos, e
determinar que tais resíduos somente podem ser descartados em
instalações terrestres, o art. 4º, sob ataque, não disciplina regra de direito
marítimo, mas regra de proteção ao meio ambiente.
Por outro lado, ao disciplinar regras de responsabilização do porto,
terminal, embarcação ou instalação em que ocorreu o acidente, em caso
dos eventos ali especificados, o art. 8º, impugnado, veicula regra de
responsabilidade por dano ao meio ambiente.
Sobressaem, portanto, nos dispositivos estaduais em exame regras
de proteção ao meio ambiente e de responsabilidade por dano ao meio
ambiente e não propriamente regras de direito civil ou de direito
marítimo, como alegado na petição inicial. Afasto, desta forma, o
argumento de inconstitucionalidade das normas por ferimento ao art. 22,
I, da Constituição Federal.
Superado a alegação de suposta violação à competência legislativa
privativa da União, resta examinar se os dispositivos atacados estão
abarcados pela competência legislativa concorrente atribuída pela Carta
Magna aos Estados-Membros.
O texto constitucional é claro no sentido de que regras de proteção
ao meio ambiente e regras por responsabilidade por dano ao meio
ambiente integram a competência legislativa concorrente dos Estados

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ADI 2030 / SC

(art. 24, VI e VIII, da Constituição Federal).


Observo que as normas impugnadas remontam ao ano de 1999,
sendo editada, no ano seguinte, em âmbito federal, a Lei 9.966/2000, a
qual estabeleceu normas gerais sobre a prevenção, o controle e a fiscalização
da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou
perigosas em águas sob jurisdição nacional.
No tocante ao descarte de resíduos, a lei estadual em análise, em seu
art. 4º, é mais restritiva do que a lei federal superveniente, ao estatuir que
todos os resíduos devam ser descartados somente em instalações terrestres,
ao passo que a lei federal admite, a título excepcional, em condições
especificadas, o descarte de substâncias determinadas em águas sob
jurisdição nacional. Vide, nesse sentido, os arts. 15, § 1º, art. 16, e art. 17,
da legislação federal, bem como o seu art. 30, que impõe a observância,
em casos de alijamento em águas sob jurisdição nacional, da Convenção
sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e
Outras Matérias, a qual, por sua vez, disciplina eventos que não se
constituem em alijamento, para fins de proteção legal (art. III, “b) e
mesmo dentre as hipóteses de proibição de alijamento, prevê exceções a
admitir sua ocorrência (arts. IV e V).
Em matéria de proteção ao meio ambiente, não vislumbro óbice a
que a legislação dos demais entes federativos seja mais restritiva do que a
legislação da União veiculadora de normas gerais. Nesse sentido,
precedentes desta Corte: ADI 3937-MC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, DJ de 10/10/2008, que tratou de lei estadual paulista que
proibiu a produção e circulação do amianto, confrontada com legislação
federal que admite o emprego dessa substância; e o recente julgamento
do RE 194.704 (Rel. para acórdão Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno,
julgamento concluído em 29/6/2017), em que validada lei do Município de
Belo Horizonte/MG que estabelecera padrões mais restritos de emissão de
gases poluentes.
Entendo, desta forma, ser constitucional o art. 4º da lei catarinense.
Com relação ao art. 8º atacado, observo que a matéria nele disposta
também foi objeto de superveniente disciplina por lei federal. A Lei

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 48 254


ADI 2030 / SC

9.966/2000 determinou em seu art. 23 a seguinte regra de


responsabilização no caso de descarga de material poluente em águas sob
jurisdição nacional:
“Art. 23. A entidade exploradora de porto organizado ou
de instalação portuária, o proprietário ou operador de
plataforma ou de navio, e o concessionário ou empresa
autorizada a exercer atividade pertinente à indústria do
petróleo, responsáveis pela descarga de material poluente em
águas sob jurisdição nacional, são obrigados a ressarcir os
órgãos competentes pelas despesas por eles efetuadas para o
controle ou minimização da poluição causada,
independentemente de prévia autorização e de pagamento de
multa.”
Como se lê do texto legal, foi atribuída responsabilidade à entidade
exploradora de porto organizado ou de instalação portuária, ao proprietário ou
operador de plataforma ou de navio, e ao concessionário ou empresa autorizada a
exercer a atividade pertinente à indústria do petróleo.
Referida norma guarda pertinência com o teor do art. 8º objeto da
impugnação, o qual indica como responsáveis, em caso de incidente
ambiental, o porto, terminal, embarcação ou instalação em que ocorrido o
evento.
Embora alguns dos vocábulos utilizados no dispositivo legal federal
não coincidam ipsis litteris com aqueles postos no art. 8º atacado, o
sentido normativo dos textos é congruente, não havendo que se cogitar
de inconstitucionalidade da lei estadual no tema.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação direta, para
declarar a constitucionalidade dos arts. 4º e 8º da Lei 11.078/99 do Estado
de Santa Catarina.
É o voto.

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Antecipação ao Voto

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09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhora Presidente,


eminentes Pares, também cumprimento o eminente Ministro-Relator,
Ministro Gilmar Mendes, que já foi acompanhado no voto pelo Ministro
Alexandre de Moraes. Trago uma declaração de voto, e a conclusão a que
cheguei vai ao encontro integralmente do voto do eminente Relator.
Também não vi aqui ofensa à norma constitucional, nem depreendi
ofensa às competências privativas da União.
Trata-se mesmo de um campo de competência ou atribuição
concorrente. E, na seara do que mencionou o Ministério Público, na
sustentação do ilustre Sub-Procurador-Geral aqui presente, o debate
sobre o federalismo está mesmo subjacente a que esta improcedência,
neste caso, vai ao encontro de uma percepção em face da qual, na
ausência da chamada Clear Statement Rule, aqui, não se coloca
evidentemente um afastamento da competência, por parte do Estado-
membro, desse ente federativo importante que pode, no seu
reconhecimento pleno de atribuições, à luz do programa constitucional,
trazer uma contribuição relevante para uma reconfiguração hermenêutica
e jurisprudencial do federalismo brasileiro. Assim voto acompanhando o
eminente Relator.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 48 256

09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

VO TO -V O GAL

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Acolho o bem lançado


relatório proferido pelo e. Ministro Gilmar Mendes.
Apenas para assentar as premissas que orientam esta manifestação,
cumpre rememorar tratar-se de ação direta que objetiva declarar a
inconstitucionalidade dos artigos 4º e 8º da Lei do Estado de Santa
Catarina n. 11.078/99, que estabelece normas sobre o controle de resíduos
de embarcações, oleodutos e instalações costeiras e dá outras
providências. A norma tem o seguinte teor:

“Art. 4º As embarcações deverão contar com sistemas


adequados para receber, selecionar e dispor seus próprios
resíduos, que serão descartados somente em instalações
terrestres.
(...)
Art. 8º Em caso de derrame, vazamento ou deposição
acidental de óleo, em trato d’água ou solo, as despesas de
limpeza e restauração da área e bens atingidos, assim como a
destinação final dos resíduos gerados, serão de
responsabilidade do porto, terminal, embarcação ou instalação
em que ocorreu o incidente.
Parágrafo único. É proibido o emprego de produtos
químicos no controle de eventuais derrames de óleo.”

A alegação da inicial é de que tais dispositivos tratam de matéria de


competência privativa da União, respectivamente direito marítimo e
responsabilidade civil, conforme disposto no art. 22, I, da CRFB. Imputa-
se, ainda, ofensa à Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por
Alijamento de Resíduos e Outras Matérias, promulgada pelo Decreto
87.566/82.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 24 de 48 257


ADI 2030 / SC

Nas informações trazidas aos autos, a Assembleia Legislativa


defendeu o ato, alegando ter sido editado com fundamento no art. 23 e
24, VI, da CRFB, que dispõe sobre as competências comuns e
concorrentes dos Estados. Aduz, nesse sentido, que a norma teve por
objetivo garantir a qualidade das águas da costa catarinense, assim como
defender o meio ambiente.
A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República
suscitaram a preliminar de não conhecimento relativamente à alegação de
ofensa à Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha e, no mérito,
defenderam a constitucionalidade da norma impugnada.
Era, em síntese, o que se tinha a rememorar.
Assento, preliminarmente, a plena cognoscibilidade da ação direta.
Ao contrário do que suscitaram a Advocacia-Geral da União e a
Procuradoria-Geral da República, a alegada incompatibilidade de uma
norma estadual com um tratado internacional configura, em tese, ofensa
constitucional por usurpação da competência exclusiva da União para
“manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações
internacionais” (art. 21, I, da CRFB), a qual, nessa condição, age como
presentante da República Federativa do Brasil.
De modo semelhante, quando a alegação de invasão de competência
da União decorre do alcance das normas do art. 24 e seus respectivos
parágrafos, é indispensável, como já assentou a jurisprudência desta
Corte, que se examinem ambas as leis em cotejo, ou seja, tanto a federal,
de alcance geral, quanto a estadual, que pode complementá-la. Assim, se
legitima a restrição imposta pela lei federal e se com ela incompatível a lei
estadual objeto da ação direta, será preciso reconhecer sua
inconstitucionalidade. Nesse sentido, confira-se:

“COTEJO ENTRE LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL E


LEI COMPLEMENTAR NACIONAL - INOCORRÊNCIA DE
OFENSA MERAMENTE REFLEXA - A USURPAÇÃO DA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, QUANDO PRATICADA POR
QUALQUER DAS PESSOAS ESTATAIS, QUALIFICA-SE
COMO ATO DE TRANSGRESSÃO CONSTITUCIONAL. - A

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 48 258


ADI 2030 / SC

Constituição da República, nos casos de competência


concorrente (CF, art. 24), estabeleceu verdadeira situação de
condomínio legislativo entre a União Federal, os Estados-
membros e o Distrito Federal (RAUL MACHADO HORTA,
"Estudos de Direito Constitucional", p. 366, item n. 2, 1995, Del
Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências
normativas entre essas pessoas estatais, cabendo, à União,
estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-
membros e ao Distrito Federal, exercer competência
suplementar (CF, art. 24, § 2º). Doutrina. Precedentes. - Se é
certo, de um lado, que, nas hipóteses referidas no art. 24 da
Constituição, a União Federal não dispõe de poderes ilimitados
que lhe permitam transpor o âmbito das normas gerais, para,
assim, invadir, de modo inconstitucional, a esfera de
competência normativa dos Estados-membros, não é menos
exato, de outro, que o Estado-membro, em existindo normas
gerais veiculadas em leis nacionais (como a Lei Orgânica
Nacional da Defensoria Pública, consubstanciada na Lei
Complementar nº 80/94), não pode ultrapassar os limites da
competência meramente suplementar, pois, se tal ocorrer, o
diploma legislativo estadual incidirá, diretamente, no vício da
inconstitucionalidade. A edição, por determinado Estado-
membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios mínimos
legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela
União Federal ofende, de modo direto, o texto da Carta Política.
Precedentes.”
(ADI 2903, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal
Pleno, julgado em 01/12/2005, DJe-177 DIVULG 18-09-2008
PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-01 PP-00064 RTJ VOL-
00206-01 PP-00134)

Assim, deve-se afastar a preliminar arguida pela Advocacia-Geral da


União e pela Procuradoria-Geral da República.
No mérito, é improcedente a presente ação direta.
A questão dos autos cinge-se à distribuição de competência entre os
diversos entes federativos para legislarem sobre as matérias especificadas

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ADI 2030 / SC

pela Constituição. A repartição de competências é característica


fundamental em um Estado federado para que seja protegida a
autonomia de cada um dos seus membros e, por conseguinte, a
convivência harmônica entre todas as esferas, com o fito de evitar a
secessão. Nesta perspectiva, esta distribuição pode se dar em sentido
horizontal ou vertical, levando em conta a predominância dos interesses
envolvidos.
Repartir competências compreende compatibilizar interesses para
reforçar o federalismo cooperativo em uma dimensão realmente
cooperativa e difusa, rechaçando-se a centralização em um ou outro ente
e corroborando para que o funcionamento harmônio das competências
legislativas e executivas otimizem os fundamentos (art. 1º, da
Constituição Federal) e objetivos (art. 3º, da Constituição Federal) da
República.
Ao construir uma rede interligada de competências, o Estado se
compromete a exercê-las para o alcance do bem comum e para a
satisfação de direitos fundamentais.
Ocorre que, como bem lembrou o Ministro Gilmar Mendes, “por
vezes uma mesma lei pode apresentar problemas complexos, por
envolver tema que se divide em assunto que compõe a competência
concorrente e em matéria restrita à competência legislativa de apenas
uma das esferas da Federação” (MENDES, Gilmar. Curso de direito
constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 841).
Em outras oportunidades (ADI 5.356 e ADPF 109), sustentei que a
tradicional compreensão do federalismo brasileiro, que busca solucionar
os conflitos de competência apenas a partir da ótica da prevalência de
interesses, não apresenta solução satisfatória para os casos em que a
dúvida sobre o exercício da competência legislativa decorre de atos
normativos que podem versar sobre diferentes temas.
Nesses casos, há uma multidisciplinariedade, como bem descreveu
Tiago Magalhães Pires, em trabalho já citado pelo e. Ministro Luís
Roberto Barroso:

"Há também situações de concorrência de fato entre as

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ADI 2030 / SC

competências de diversos entes federativos, ainda que


privativas. São casos em que a lei editada por uma entidade
política remete simultaneamente às categorias previstas em
duas ou mais regras de competência, algumas permitidas e
outras proibidas àquela entidade política. Diante disso, o
intérprete se veria na contingência de escolher a categoria mais
saliente ou o ente a ser aquinhoado, ou simplesmente
reconhecer a realidade e admitir a validade da lei”.

A solução, mesmo em tais hipóteses, não pode se distanciar do


cânone da prudência que incumbe aos órgãos de controle de
constitucionalidade: deve-se privilegiar a interpretação que seja
condizente com a presunção de constitucionalidade de que gozam os atos
legislativos. Incide, aqui, o que e. Ministro Gilmar Mendes, em conhecida
obra doutrinária, chamou de “princípio da interpretação conforme a
Constituição”:

“Não se deve pressupor que legislador haja querido


dispor em sentido contrário à Constituição; ao contrário, as
normas infraconstitucionais surgem com a presunção de
constitucionalidade”.
(MENDES, Gilmar. Curso de direito constitucional. 10ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 97).

Essa deferência ao poder legislativo assume feição especial quando o


controle de constitucionalidade é feito em face de norma produzida pelos
demais entes da federação. Ela exige que o intérprete não tolha a
competência que detêm os entes menores para dispor sobre determinada
matéria. Nesse sentido, o cânone da interpretação conforme, a que alude
o e. Ministro Gilmar Mendes, deve ser integrado pelo que, na
jurisprudência norte-americana, foi chamado de uma presunção a favor
da competência dos entes menores da federação (presumption against pre-
emption).
Assim, é preciso reconhecer, no âmbito da repartição constitucional
de competências federativas, que o Município, por exemplo, desde que

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ADI 2030 / SC

possua competência para matéria, detém primazia sobre os temas de


interesse local, nos termos do disposto no art. 30, I, da CRFB. De igual
modo, Estados e União detêm competência sobre os temas de seus
respectivos interesses, nos termos dos parágrafos do art. 24 da CRFB. Há,
dessa forma, um direcionamento das ações de governo do ente local para
o nacional, naquilo que José de Oliveira Baracho vislumbrou como sendo
o princípio da subsidiariedade do federalismo brasileiro:

“O princípio da subsidiariedade mantém múltiplas


implicações de ordem filosófica, política, jurídica, econômica,
tanto na ordem jurídica interna, como na comunitária e
internacional. Dentro das preocupações federativas, o Governo
local deve assumir grande projeção, desde que sua efetivação,
estrutura, quadros políticos, administrativos e econômicos que
se projetam na globalidade dos entes da Federação. No
exercício de suas atribuições, o governo das entidades
federativas poderá promover ações que devem, pelo menos,
mitigar a desigualdade social, criar condições de
desenvolvimento e de qualidade de vida. A Administração
pública de qualidade, comprometida com as necessidades
sociais e aberta à participação solidária da sociedade, pode
melhorar as entidades federativas e os municípios. A partir
desse nível, concretiza-se, necessariamente a efetivação dos
direitos humanos. A descentralização, nesse nível, deverá ser
estímulo às liberdades, à criatividade, às iniciativas e à
vitalidade das diversas legalidades, impulsionando novo tipo
de crescimento e melhorias sociais. As burocracias centrais, de
tendências autoritárias opõem-se, muitas vezes, às medidas
descentralizadoras, contrariando as atribuições da sociedade e
dos governos locais. O melhor clima das relações entre cidadãos
e autoridades deve iniciar-se nos municípios, tendo em vista o
conhecimento recíproco, facilitando o diagnóstico dos
problemas sociais e a participação motivada e responsável dos
grupos sociais na solução dos problemas, gerando confiança e
credibilidade”. (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Revista da
Faculdade de Direito da UFMG , n. 35, 1995. p. 28-29).

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ADI 2030 / SC

Por evidente, não se deve confundir a maior proximidade do


governo, que naturalmente ocorre nos municípios, com mais democracia.
A Constituição é também um contraponto à captura do governo local
pelas oligarquias. É precisamente aqui que reside a fonte material de
competência dos demais entes federativos: desde que favoreça a
realização material de direitos constitucionalmente garantidos e desde
que estejam previstas no âmbito de sua respectiva competência, pode a
União – ou mesmo os Estados – dispor sobre as matérias que
tangencialmente afetam o interesse local. O federalismo torna-se,
portanto, um instrumento de descentralização política, não para
simplesmente distribuir poder político, mas para realizar direitos
fundamentais.
Assim, seria possível superar o conteúdo meramente formal do
princípio e reconhecer um aspecto material: apenas quando a lei federal
ou estadual claramente indicar, de forma necessária, adequada e razoável,
que os efeitos de sua aplicação excluem o poder de complementação que
detêm os entes menores (clear statement rule), seria possível afastar a
presunção de que, no âmbito regional, determinado tema deve ser
disciplinado pelo ente maior.
A clareza legislativa não se refere apenas à competência concorrente.
Em caso de dúvida sobre o título a que se dá o exercício da competência,
se comum ou concorrente, por exemplo, também cumpre à lei definir o
âmbito de atuação do ente federativo. Ressalte-se, porém, que, seja qual
for a hipótese, a assunção de competência pelo ente maior deve fundar-se
no princípio da subsidiariedade, ou seja, na demonstração de que é mais
vantajosa a regulação de determinada matéria pela União ou pelo Estado,
conforme for o caso. Trata-se, portanto, de privilegiar a definição dada
pelo legislador, reconhecendo que eventual lacuna deve ser vista como
possibilidade de atuação dos demais entes federativos. À míngua de
definição legislativa, não cabe ao poder judiciário retirar a competência
normativa de determinado ente da federação, sob pena tolher-lhe sua
autonomia constitucional.

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ADI 2030 / SC

Com base nessas premissas, cumpre avaliar as alegações de


inconstitucionalidade suscitadas nesta ADI. No que tange à alegação de
usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito
marítimo, é preciso reconhecer que inexiste norma da União que,
dispondo de forma clara, afaste a competência concorrente dos Estados
para legislar sobre meio ambiente e sobre, nos termos do art. 24, VIII,
“responsabilidade por dano ao meio ambiente”.
É verdade que, no âmbito da competência comum, foi editada a Lei
Complementar 140/2011 que fixa as normas para a cooperação entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações
administrativas relativas à proteção ao meio ambiente.
Em seu art. 17, a Lei Complementar estabelece que “compete ao
órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de
um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e
instaurar processo administrativo para apuração de infrações à legislação
ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou
autorizada”.
O mar territorial é bem da União (art. 20, VI, da CRFB), e a ela
compete explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão, os portos marítimos (art. 21, XII, “f”, da CRFB). Por essa razão,
a Lei Complementar 140/2011 dispôs competir à União licenciar os
empreendimento ou atividades localizados ou desenvolvidos no mar
territorial (art. 7º, XIV, “b”, da Lei Complementar).
Ocorre, porém, que, nos termos do art. 7º da lei impugnada nesta
ação direta (Lei Estadual 11.078/99), seu âmbito de aplicação é restrito. Ela
destina-se a “todas as instalações industriais, de lazer ou particulares com
potencial de poluir o mar litorâneo do Estado”. Ademais, no art. 8º,
especificamente objeto de questionamento, a Lei dispõe sobre a
responsabilidade a ser aplicada nos casos de vazamento ou deposição
acidental em “trato d’agua ou solo”, a indicar a não incidência em área
que é de competência da União.
Em verdade, nos termos da Lei Complementar 140/2011, a área está,
de fato, sob competência legislativa dos Estados (art. 8º, XIV, c/c art. 9º,

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 48 264


ADI 2030 / SC

XIV, “a”, ambos da Lei Complementar). Assim, ainda que se alegue que
há norma federal, ela dispõe, nitidamente, que a competência é do
Estado, desde que evidentemente exercida com fundamento em sua
competência concorrente. In casu, tendo disposto sobre “responsabilidade
por dano ao meio ambiente”, nos termos do art. 24, VIII, da CRFB, não há
ofensa à norma constitucional, nem às competências privativas da União.
Ante o exposto, afastando as ofensas formais apontadas pela inicial,
deve-se julgar improcedente a presente ação direta.
É como voto.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


também eu estou acompanhando e cumprimentando o eminente Relator.
Acho que, do ponto de vista formal, a questão não é de Direito Marítimo,
é uma questão de proteção do meio ambiente e responsabilidade por
dano ambiental. E não vejo problema de ordem material na norma que
me parece perfeitamente razoável e compatível com o texto
constitucional. De modo que, eu estou acompanhando o Relator.

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Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 48 266

09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Presidente, se Vossa


Excelência me permitir, e o Ministro Barroso já votou. Mas há um aspecto
que agora me vem à atenção: Vossa Excelência sugeriu ao eminente
Ministro- Relator o conhecimento em parte da demanda. Eu gostaria de
assentar que, na análise que fiz, concluí pela plena cognoscibilidade, nada
obstante uma alegada incompatibilidade da norma estadual que suscita
regra ou diretriz que se situa num plano supranacional.
Entendo que a incidência do inciso I do artigo 21, que trata da
competência exclusiva da União para manter relações com Estados
estrangeiros e participar de organizações internacionais, não se coloca,
nessa matéria, para elidir o conhecimento da ação, ainda que venha em
debate a alegada incompatibilidade da norma com eventual tratado
internacional.
Então, peço vênia a Vossa Excelência apenas para deixar registrado
que eu estou conhecendo integralmente e, portanto, na linha também do
que já votei, e na linha do eminente Relator, julgando improcedente.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Pois
não. Chamei atenção, até na linha do que o Ministro tinha lido em seu
voto, porque se alega contrariedade entre as normas estaduais e as
posições da Convenção sobre prevenção de poluição e ainda de outras
normas infraconstitucionais. E por isso, nessa parte, considerei, tal como
o Ministro ...
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Para
harmonizar as posições...
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Mas, para mim, não há qualuqer problema.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - Só deixar
claro que não se está conhecendo da arguição de ilegitimidade ou não

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Supremo Tribunal Federal
Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 48 267


ADI 2030 / SC

convencionalidade, em relação a isso.


A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - A
isso, só isso. É exatamente nesse sentido que estou acompanhando o
Relator.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Sim, nisso estamos de
inteiro acordo, sim.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Estou de
acordo também. Eu achei que foi invocada a convenção como um reforço
de argumento, mas evidentemente ela não serve de paradigma.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Ela
não serve para manejar. Essa a razão.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Então, estamos de
inteiro acordo também aqui.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Está
bem. Obrigada.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 48 268

09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhora Presidente, o


não conhecimento diz exclusivamente com o fato da convenção não ser
hábil como parâmetro de constitucionalidade. Seria isso?
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Sim.
Exatamente.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Eu acompanho, na
íntegra, o voto do eminente Relator, endossando os fundamentos de Sua
Excelência e o cumprimentando pelo voto.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 48 269

09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

VOTO

AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI
ESTADUAL Nº 11.078/1999 DE SANTA
CATARINA. NORMAS SOBRE O
CONTROLE DE RESÍDUOS DE
EMBARCAÇÕES, OLEODUTOS E
INSTALAÇÕES COSTEIRAS. ATO
NORMATIVO QUE VERSA
ESSENCIALMENTE SOBRE DIREITO
AMBIENTAL. COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA CONCORRENTE (ART. 24,
VI E VIII, DA CRFB/88). COMPREENSÃO
AXIOLÓGICA E PLURALISTA DO
FEDERALISMO BRASILEIRO (ART. 1º, V,
DA CRFB/88). NECESSIDADE DE
PRESTIGIAR INICIATIVAS
NORMATIVAS REGIONAIS E LOCAIS
SEMPRE QUE NÃO HOUVER EXPRESSA
E CATEGÓRICA INTERDIÇÃO
CONSTITUCIONAL. EXERCÍCIO
REGULAR DA COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA PELO ESTADO DE
SANTA CATARINA.
1. O princípio federativo reclama o
abandono de qualquer leitura inflacionada e
centralizadora das competências
normativas da União, bem como sugere

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 48 270


ADI 2030 / SC

novas searas normativas que possam ser


trilhadas pelos Estados, Municípios e pelo
Distrito Federal.
2. A prospective overruling, antídoto ao
engessamento do pensamento jurídico,
possibilita ao Supremo Tribunal Federal
rever sua postura prima facie em casos de
litígios constitucionais em matéria de
competência legislativa, viabilizando o
prestígio das iniciativas regionais e locais,
ressalvadas as hipóteses de ofensa expressa
e inequívoca de norma da Constituição de
1988.
3. In casu, a competência legislativa de
Estado-membro para dispor sobre meio
ambiente (art. 24, VI e VIII, da CRFB/88)
autoriza a fixação, por lei local, de normas
sobre controle de resíduos de embarcações,
oleodutos e instalações costeiras.
4. Pedido de declaração de
inconstitucionalidade julgado
improcedente.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Cinge-se a controvérsia a saber se


dispositivos de lei estadual que determinam que embarcações deverão
contar com sistemas para receber, selecionar e dispor seus próprios
resíduos, bem como determinar de quem será a responsabilidade em caso
de derrame ou vazamento por tratar de direito marítimo e civil, tratam de
matéria de competência legislativa privativa da União (art. 22 da
CRFB/88) ou se, por versarem sobre meio ambiente, corresponderiam a
matéria de competência concorrente dos Estados (art. 24 da CRFB/88).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 48 271


ADI 2030 / SC

Assentados os limites do conhecimento da ação, nos termos do voto


do Min. relator, passo à análise do mérito da questão.

I - Das premissas teóricas: federalismo de cooperação e pluralismo


político

A forma de Estado federalista adotada pela Constituição de 1988


consubstancia-se por um arranjo institucional que envolve a partilha
vertical do poder entre diversas unidades políticas autônomas, que
coexistem no interior de um único Estado soberano. Trata-se de um
modelo de organização política que busca conciliar a unidade com a
diversidade e a pluralidade.

Embora existam diferentes modelos de federalismo, há alguns


elementos mínimos sem os quais uma federação se descaracterizaria.
Dentre estes elementos, destaca-se a efetiva autonomia política dos entes
federativos, que se traduz nas prerrogativas essenciais do autogoverno,e
auto-organização e autoadministração.

Nesse aspecto, apesar de se dizer de cooperação, a federação brasileira


ainda se revela altamente centralizada, muitas vezes beirando o
federalismo meramente nominal. Como já consignei quando da
apreciação da ADI 4.060 (de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe de
4/5/2015) e também da ADI 2.663 (de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe
de 26/5/2017), vislumbro dois fatores essenciais para esse quadro. O
primeiro é de índole jurídico-positiva: a engenharia constitucional
brasileira, ao promover a partilha de competências entre os entes da
federação (CRFB, arts. 21 a 24), concentra grande quantidade de matérias
sob a autoridade privativa da União. O segundo fator é de natureza
jurisprudencial. Não se pode ignorar a contundente atuação do Supremo
Tribunal Federal ao exercer o controle de constitucionalidade de lei ou ato
federal e estadual, especialmente aquele inspirado no princípio da

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 48 272


ADI 2030 / SC

simetria e numa leitura excessivamente inflacionada das competências


normativas da União.

O cenário, porém, não é estático. A tensão latente entre centralização


e descentralização acaba por gerar uma dinâmica ao longo da existência
do regime federativo, que se manifesta por oscilações entre a maior e a
menor autonomia local em face da unidade nacional. É o que aponta com
precisão Marco Aurélio Marrafon:

“(...) para além do aspecto estrutural de distribuição de


competências e delimitação das esferas próprias de atuação dos
entes federados, o federalismo se realiza como um processo
dinâmico em que ocorrem novos rearranjos na organização
estatal em virtude das condições históricas, culturais, políticas e
econômicas ele cada país em determinados períodos.
Assim, por vezes a tensão federativa direciona o pêndulo
rumo à centralização da autoridade política e administrativa,
para, em outros momentos, oscilar a favor da descentralização.
A análise do caso brasileiro demonstra que essas
oscilações podem ocorrer, inclusive, dentro de urna mesma
estrutura constitucional”.
(MARRAFON, Marco Aurélio. Federalismo brasileiro:
reflexões em torno da dinâmica entre autonomia e
centralização. In: Direito Constitucional Brasileiro. Vol. II:
organização do Estado e dos Poderes (Org. CLÈVE, Clèmerson
Merlin. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 117-
118)

Dessarte, à luz de tal dinamicidade, a postura dessa Corte em casos


de litígios constitucionais em matéria de competência legislativa deve se
desenvolver no sentido de prestigiar as iniciativas regionais e locais, a
menos que ofendam norma expressa e inequívoca da Constituição. Essa
diretriz parece ser a que melhor se acomoda à noção de federalismo
cooperativo, como sistema que visa a promover o pluralismo nas formas
de organização política.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 48 273


ADI 2030 / SC

Dentro desse movimento pendular, Abhner Youssif, em ensaio


específico sobre algumas distorções centralizadoras do federalismo
brasileiro, também aponta a necessidade de mudanças, verbis:

“Ao se primar por escolhas que conduzem a uma maior


centralização dos recursos públicos e da determinação das
políticas públicas, perde-se a oportunidade de privilegiar
iniciativas locais que poderiam ser úteis não só a problemas
decorrentes das peculiaridades regionais (já que não se pode
conferir tratamento igual a problemas e realidades diferentes),
mas que também poderiam funcionar como verdadeiros
laboratórios democrático-institucionais de soluções
possivelmente servíveis aos problemas nacionais. […]
É preciso, portanto, revisitar a estruturação […] do pacto
federativo, buscando conferir maior descentralização […],
privilegiando os entes subnacionais e o pluralismo político,
erigido como fundamento da República Federativa do Brasil
(art. 1º, V, da CRFB/88). É necessário voltar o pêndulo
federalista em direção aos entes subnacionais, de forma a
possibilitar o exercício direto, autônomo e efetivamente
independente de sua autonomia, sob pena de subversão do
próprio modelo federalista.”
(ARABI, Abhner Youssif Mota. Distorções federalistas na
matriz tributária brasileira. In: Migalhas, 12/05/2017.
Disponível em
http://www.migalhas.com.br/MatrizTributaria/112,MI258672,10
1048-Distorcoes+federalistas+na+matriz+tributaria+brasileira

As vantagens de um modelo como este foram apresentadas, em


doutrina, pelo magistério dos professores Daniel Sarmento e Cláudio
Pereira de Souza Neto, verbis:

“Ao invés de assumir os riscos envolvidos nas grandes


apostas de reforma global das instituições nacionais, como tem
sido feito, talvez seja melhor experimentá-las no plano local de

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ADI 2030 / SC

governo. A aplicação de novas ideias ou arranjos políticos em


algum estado ou município precursor pode servir como teste. É
claro que muitas experiências podem dar errado, mas os riscos
para a sociedade são menores do que quando se pretende
realizar reformar nacionais de um só golpe. Não por outra
razão, o Juiz Louis Brandeis, da Suprema Corte norte-
americana, chamou os governos estaduais de ‘laboratórios da
democracia’: ‘É um dos felizes incidentes do sistema federal que
um único e corajoso Estado possa, se os seus cidadãos
escolherem, servir de laboratório; e tentar experimentos
econômicos e sociais sem risco para o resto do país’.”
(SARMENTO, Daniel; PEREIRA NETO, Cláudio Pereira
de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de
trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 335)

Essa necessidade de revitalização descentralizadora do federalismo


brasileiro já foi também registrada em doutrina pelo Ministro Ricardo
Lewandowski, cujas lições reproduzo, in litteris:

“Entre nós, o resgate do princípio federativo passa pela


valorização da chamada ‘competência residual’ dos estados,
consagrada no artigo 25, §1°, da Constituição Federal: ‘São
reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam
vedadas por esta Constituição’. Essa competência nos vem da
tradição norte-americana segundo a qual as treze ex-colônias
britânicas, transformadas em Estados, ao se unirem, entregaram
à União apenas algumas das rendas e competências que
possuíam originalmente, mantendo as demais. Não se ignora
que o rol de competências enumeradas à União (arts. 21 e 22 da
CF) é muito vasto, mas é preciso descobrir novas searas
normativas que possam ser trilhadas pelos estados.
Depois, cumpre explorar ao máximo as ‘competências
concorrentes’ previstas no art. 24 da Constituição vigente,
impedindo que a União ocupe todos os espaços legislativos,
usurpando a competência dos estados e do Distrito Federal
nesse setor. Afinal, o §1° do art. 24 estabelece, com todas as

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ADI 2030 / SC

letras, que, ‘no âmbito da legislação concorrente, a competência


da União limita-se a estabelecer normas gerais’. E mais: o §
3°consigna que, ‘inexistindo lei federal sobre normas gerais, os
Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender
às suas peculiaridades’.
No Supremo Tribunal Federal, considerada a sua atual
composição, já há uma visível tendência no sentido do
fortalecimento do federalismo, prestigiando-se a autonomia dos
estados e dos municípios, a partir de inúmeras decisões,
especialmente nas áreas da saúde, do meio ambiente e do
consumidor”.
(LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Considerações sobre
o federalismo brasileiro. In: Revista de Justiça e Cidadania, nº
157. Rio de Janeiro: Editora JC, 2013, p. 17)

Não se pode perder de vista que a República Federativa do Brasil


tem como um de seus fundamentos o pluralismo político (CRFB, art. 1º,
V). Propõe-se, assim, que a regra geral deva ser a liberdade para que cada
ente federativo faça as suas escolhas institucionais e normativas, as quais
já se encontram bastante limitadas por outras normas constitucionais
materiais que restringem seu espaço de autonomia.

II - Da inexistência de vício de competência legislativa

À luz das premissas teóricas acima invocadas, passa-se ao exame da


existência ou não de vício de competência legislativa no ato normativo
ora analisado. No ponto, a parte requerente aduz a inconstitucionalidade
material dos dispositivos impugnados ao argumento de que teriam
disposto sobre direito marítimo e civil, de modo a invadir competência
legislativa assegurada privativamente à União (art. 22, I, da CRFB/88).

Entretanto, tenho que a norma impugnada não padece de


inconstitucionalidade quanto ao ponto. Isso porque os dispositivos ora
analisados visam a estabelecer normas protetivas do meio ambiente, ao

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ADI 2030 / SC

estabelecer regras para o controle de resíduos de embarcações, oleodutos


e instalações costeiras. Trata-se, portanto, de matéria de proteção do meio
ambiente, à qual a Constituição atribui competência legislativa
concorrente (art. 24, VI e VIII, da CRFB/88). Ao dissertar sobre o exercício
das competências concorrentes ali encartadas, o Ministro Gilmar Mendes
assim pontua em sede doutrinária:

“A Constituição Federal prevê, além de competências


privativas, um condomínio legislativo, de que resultarão
normas gerais a serem editadas pela União e normas
específicas, a serem editadas pelos Estados-membros. O art. 24
da Lei Maior enumera as matérias submetidas a essa
competência concorrente, incluindo uma boa variedade de
matérias como o direito tributário e financeiro, previdenciário e
urbanístico, conservação da natureza e proteção do meio
ambiente (...)
A divisão de tarefas está contemplada nos parágrafos do
art. 24, de onde se extrai que cabe à União editar normas gerais
– i. é, normas não-exaustivas, leis-quadro, princípios amplos,
que traçam um plano, sem descer a pormenores. Os Estados-
membros e o Distrito Federal podem exercer, com relação às
normas gerais, competência suplementar (art. 24, §2º), o que
significa preencher claros, suprir lacunas”.
(MENDES, Gilmar Ferreira, e BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 822)

Em consonância com as premissas teóricas firmadas nesse voto,


cumpre adotar uma interpretação que não infle a compreensão das
normas gerais, o que afastaria a autoridade normativa dos entes regionais
e locais para tratar dos temas sujeitos ao condomínio legislativo vertical.
Apesar de sua indefinição semântica, o estabelecimento de normas gerais
deve se limitar à previsão de bases principiológicas, à fixação de
diretrizes, mediante disposições de menor densidade normativa e sem
que sejam esgotadas as possibilidades de regulação da matéria. Assim é
que, não havendo necessidade autoevidente de uniformidade nacional na

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disciplina da temática, proponho prestigiar a iniciativa local em matéria


de competências legislativas concorrentes.

Com efeito, nota-se que os arts. 4º e 8º da Lei estadual ora


impugnada não possuem como núcleo normativo a disposição sobre
direito civil, marítimo ou sobre regras de navegação. Ao contrário,
procurou-se, em disposição protetiva ao meio ambiente, estabelecer
medidas que visem a impedir a “degradação ambiental dos tratos d’água do
Estado de Santa Catarina”, conforme excerto que se extrai da manifestação
oferecida pela Advocacia-Geral da União.

Não bastasse se tratar de exercício legítimo de competência


legislativa constitucionalmente assegurada, a medida deve ser elogiada
também quanto ao seu conteúdo, tendo em vista a preocupação que o
legislador estadual manifestou em conferir tratamento mais protetivo ao
meio ambiente. Na doutrina especializada em Direito Constitucional
Ambiental, chega-se a essa mesma conclusão, como abaixo exemplificado,
verbis:

“A harmonia do sistema legislativo nacional, a nosso ver,


assimila tal compreensão, sob o pretexto maior de um sistema
constitucional de proteção dos direitos fundamentais e
realmente legitimado a partir de uma matriz normativa de
índole democrático-participativa. Se o propósito de eventual
medida legislativa editada pelo ente estadual ou mesmo pelo
ente municipal é reforçar os níveis de proteção ou mesmo
afastar eventual déficit ou lacuna protetiva verificada na
legislação federal, tal atitude legislativa, por si só, deve ser vista
de forma positiva. É obvio que tal medida deve ser
devidamente contextualizada, de modo a permitir a verificação
se a legislação em questão, ao proteger determinados bens, não
viola outros. Mas se constatado apenas o aprimoramento e
aumento do padrão normativo de proteção, notadamente
quando em pauta bens jurídicos dotados de jusfundamentalidade,
como é o caso do direito ao ambiente, não se vislumbra

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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ADI 2030 / SC

qualquer razão pra deslegitimar tal medida, com base


simplesmente no fato de não haver correspondência exata com
o cenário legislativo traçado no plano federal.”
(SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: constituição, direitos
fundamentais e proteção do ambiente. Editora Revista dos
Tribunais, 2014, p. 213)

III – Conclusão

Ex positis, acompanhando a conclusão do Ministro rel. Gilmar


Mentes, voto pela improcedência do pedido formulado, no afã de
declarar a constitucionalidade dos dispositivos impugnados.

10

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 48 279

09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhora


Presidente, meu voto coincide integralmente com o voto do Relator. E
observo que essa é uma Lei extremamente benfazeja, esta Lei Estadual de
Santa Catarina, porquanto obriga que todas as embarcações devam ter
sistemas adequados para receber, selecionar, dispor os seus próprios
resíduos, que devem ser descartados somente nas instalações terrestres.
Nós sabemos que uma das maiores causas de poluição, seja dos rios,
seja dos mares, é exatamente o lançamento de dejetos ou de lixo sem
qualquer controle.
Portanto, acompanho o Relator, primeiramente, no sentido do não
conhecimento, mas acho até interessante que nós tenhamos superado essa
questão do conhecimento e convalidado esta Lei do Estado de Santa
Catarina que, a meu ver, é extremamente avançada do ponto de vista de
proteção ambiental.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 48 280

09/08/2017 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030 SANTA CATARINA

VOTO
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Também acompanho o Relator no sentido de conhecer em parte, nos
termos que foram aqui expostos. A matéria é relativa à convenção, e, na
parte conhecida, julgo improcedente a ação.

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Extrato de Ata - 09/08/2017

Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 48 281

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.030


PROCED. : SANTA CATARINA
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADV.(A/S) : PGE-SC - WALTER ZIGUELLI
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do


Relator, conheceu em parte da ação e, na parte conhecida, julgou-a
improcedente. Falou, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr.
José Bonifácio Borges de Andrada, Vice-Procurador-Geral da
República. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia.
Plenário, 9.8.2017.

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber,
Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Vice-Procurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges


de Andrada.

p/ Doralúcia das Neves Santos


Assessora-Chefe do Plenário

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