Paginador

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 47

Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 47

08/04/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.432 RORAIMA

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : ABRADEE ASSOCIACAO BRASILEIRA DISTRIB
ENERGIA ELETRICA
ADV.(A/S) : MARCELO MONTALVAO MACHADO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
RORAIMA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


MEDIDA CAUTELAR.
EXPRESSÃO ENERGIA ELÉTRICA, PREVISTA NO § 1º DO ART. 2º
DA LEI N. 1.389/2020 DE RORAIMA: PEDIDO DE INTERPRETAÇÃO
CONFORME À CONSTITUIÇÃO DO § 2º DO ART. 2º E DOS ARTS. 3º, 4º,
5º E 6º DA LEI ESTADUAL PELA QUAL VEDADA A INTERRUPÇÃO DO
SERVIÇO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PELA
INADIMPLÊNCIA DOS USUÁRIOS: COBRANÇA E PAGAMENTO DOS
DÉBITOS. FLUÊNCIA E EXIGIBILIDADE DE MULTA E JUROS
MORATÓRIOS PELOS DÉBITOS SOBRE A FRUIÇÃO DO SERVIÇO
DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19.
NORMAS DE DIREITO DO CONSUMIDOR E DE PROTEÇÃO À
SAÚDE PÚBLICA. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DA
UNIÃO, DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. INCS. V E XII DO
ART. 24 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.
1. Conversão do rito do art. 10 para o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999.
Julgamento definitivo do mérito considerada a formalização das postulações e dos
argumentos jurídicos, sem necessidade de novas informações. Precedentes.
2. Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – Abradee:
parte legítima ativa para propositura da ação direta. Precedentes.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 52C7-274D-DBF4-5C6A e senha E48F-204D-8D17-40C0
Supremo Tribunal Federal
Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 47

ADI 6432 / RR

3. São constitucionais as normas estaduais que veiculam proibição de


suspensão do fornecimento do serviço de energia elétrica, o modo de cobrança e
pagamentos dos débitos e exigibilidade de multa e juros moratórios, limitadas ao
tempo da vigência do plano de contingência, em decorrência da pandemia de
Covid-19, por versarem, essencialmente, sobre defesa e proteção dos direitos do
consumidor e da saúde pública. Precedentes.
4. É concorrente a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal
para legislar sobre consumo e proteção à saúde pública, nos termos dos incs. V e
XII do art. 24 da Constituição da República.
5. As normas impugnadas, excepcionais e transitórias, editadas em razão da
crise sanitária causada pelo novo coronavírus, não interferem na estrutura de
prestação do serviço público de energia elétrica, nem no equilíbrio dos respectivos
contratos administrativos.
Ação direta julgada improcedente para declarar constitucionais as normas,
na parte afeta à expressão “energia elétrica”, previstas no § 1º do art. 2º, no § 2º
do art. 2º e nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei n. 1.389/2020 de Roraima.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, na
conformidade da ata de julgamento, por maioria, em julgar
improcedente o pedido formulado na ação direta para declarar
constitucionais as normas previstas no § 1º do art. 2º, no § 2º do art. 2º e
nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei n. 1.389/2020 de Roraima, na parte afeta à
“energia elétrica”, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Ministros
Dias Toffoli, Luiz Fux (Presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes.
Falou, pela requerente, o Dr. Orlando Magalhães Maia Neto. Sessão
Virtual de 26.3.2021 a 7.4.2021.

Brasília, 8 de abril de 2021.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 52C7-274D-DBF4-5C6A e senha E48F-204D-8D17-40C0
Supremo Tribunal Federal
Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 47

ADI 6432 / RR

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 52C7-274D-DBF4-5C6A e senha E48F-204D-8D17-40C0
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 47

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.432 RORAIMA

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : ABRADEE ASSOCIACAO BRASILEIRA DISTRIB
ENERGIA ELETRICA
ADV.(A/S) : MARCELO MONTALVAO MACHADO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
RORAIMA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA

RELATÓRIO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. Ação direta de inconstitucionalidade, com requerimento de


medida cautelar, ajuizada por Associação Brasileira de Distribuidores de
Energia Elétrica – Abradee, objetivando a declaração de
inconstitucionalidade da expressão “energia elétrica”, prevista no § 1º do
art. 2º da Lei n. 1.389/2020 de Roraima, e a interpretação conforme à
Constituição do § 2º do art. 2º e dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º daquele diploma,
“reconhecendo[-se] a nulidade de qualquer sentido ou interpretação que inclua o
serviço de energia elétrica no referido regramento do Estado de Roraima”.

2. Tem-se na Lei estadual n. 1.389/2020, na qual se dispõe sobre as


medidas de proteção à população roraimense durante o plano de
contingência da Secretaria de Estado da Saúde relacionado à pandemia
da Covid-19:
“Art. 1º Fica vedada a majoração, sem justa causa, do preço de
produtos ou serviços, durante o período em que estiver em vigor o
plano de contingência, referente ao novo coronavírus - COVID-19, da
Secretaria de Estado da Saúde, no âmbito do estado de Roraima.
§ 1º Para os efeitos deste Lei, consideram-se os seguintes
produtos:
I - álcool em gel;

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 2770-753F-9DF2-096E e senha 8C5F-9DBD-D2E3-A220
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 47

ADI 6432 / RR

II - máscaras descartáveis;
III - papel higiênico;
IV - sacos de lixo; e
V - papel toalha.
§ 2º Para os fins da definição de majoração de preços de que
trata o caput deste artigo, deverão ser considerados os preços
praticados em 1º de março de 2020.
§ 3º A proibição de que trata o caput deste artigo se aplica aos
fornecedores de bens e serviços, nos termos do artigo 3º do Código de
Defesa do Consumidor.
§ 4º O consumidor que constatar a elevação injustificada dos
produtos e serviços do § 1º poderá acionar os órgãos de Defesa do
Consumidor ou o Poder Judiciário para a providências necessárias.
Art. 2º Ficam proibidas as concessionárias de serviços públicos
essenciais de cortar o fornecimento residencial de seus serviços por
falta de pagamento de suas respectivas contas, enquanto perdurar o
estado de emergência decorrente de situações de extrema gravidade
social, no âmbito do estado de Roraima.
§ 1º Entendem-se como serviços públicos essenciais, para efeito
do disposto no caput deste artigo, o fornecimento de água, energia
elétrica e tratamento de esgoto.
§ 2º Após o fim das restrições decorrentes do plano de
contingência, as concessionárias de serviço público, antes de proceder
à interrupção do serviço em razão da inadimplência anterior a março
de 2020, deverão possibilitar o parcelamento do débito das faturas
referentes ao período de contingência.
§ 3º O débito consolidado durante as medidas restritivas não
poderá ensejar a interrupção do serviço, devendo ser cobrado pelas
vias próprias, sendo vedada a cobrança de juros e multa.
Art. 3º Ao consumidor que tiver suspenso o fornecimento fica
assegurado o direito de acionar juridicamente a empresa
concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do
pagamento do débito que originou o referido corte.
Art. 4º Fica estabelecido que, cessado o estado de emergência, o
consumidor deverá procurar as respectivas concessionárias de serviços
públicos de água e energia elétrica, a fim de quitar o débito que, por

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 2770-753F-9DF2-096E e senha 8C5F-9DBD-D2E3-A220
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 47

ADI 6432 / RR

ventura, venha a existir.


Art. 5º Ficam suspensos a incidência de multas e juros por
atraso de pagamento das faturas de serviços públicos concedidos
enquanto perdurar o plano de contingência da Secretaria de Estado da
Saúde.
Art. 6º O descumprimento ao disposto na presente Lei ensejará
a aplicação de multas, nos termos do Código de Defesa do
Consumidor, pelos órgãos responsáveis pela fiscalização, em especial, o
Programa de Proteção e Orientação ao Consumidor do Estado de
Roraima (PROCON-RR).
Art. 7º Enquanto durar o estado de calamidade pública em todo
o território de Roraima - Decreto nº 28.635, ficam interrompidos os
prazos previstos no artigo 82 da Lei Estadual nº 059, de 28 de
dezembro de 1993, para pagamento do Imposto de Transmissão Causa
Mortis.
§ 1º A contagem dos prazos de que trata o caput deste artigo
será reiniciada 60 (sessenta) dias após o encerramento do plano de
contingência.
§ 2º Pelo mesmo período, fica suspensa a incidência das
penalidades previstas nos artigos 84 e 85 da Lei 059 , de 28 de
dezembro de 1993, para os casos de descumprimento de prazos.
Art. 8º Fica suspensa a validade de documentos públicos que
necessitem de atendimento presencial para sua renovação e/ou
prorrogação pelo prazo de vigência da presente Lei.
Parágrafo único. Após o fim do estado de calamidade decretado
pelo Governo do Estado, as pessoas físicas e/ou jurídicas terão o prazo
de 30 (trinta) dias corridos para requererem a renovação/prorrogação
de que trata o caput deste artigo.
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação, com
vigência enquanto perdurar o plano de contingência adotado pela
Secretaria de Saúde do Estado de Roraima em decorrência da
pandemia pelo coronavírus (COVID-19)”.

3. A autora alega que “a União é a titular da competência privativa de


legislar sobre energia elétrica (art. 22, IV) e não há lei complementar que, à luz
do parágrafo único do art. 22 da Constituição Federal, autorize os Estados a

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 2770-753F-9DF2-096E e senha 8C5F-9DBD-D2E3-A220
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 47

ADI 6432 / RR

legislarem sobre qualquer questão específica de energia elétrica”.

Assinala que, “adstrita ao seu círculo de competências, a ANEEL não


tardou a agir no atual momento de crise: em 24.03.2020, aprovou a Resolução
Normativa nº 878 (doc.4), instrumento pelo qual se instituíram medidas para
preservação da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica em
decorrência da calamidade pública atinente à pandemia de coronavírus (COVID-
19) (caput do art. 1º)”.

Enfatiza que, “na Resolução Normativa nº 878/2020, a ANEEL teve a


declarada intenção de ajustar, temporariamente, o regime normativo do
fornecimento de energia, de modo a acomodar os impactos da crise por todos
agentes, transversal e proporcionalmente, assim evitando que o ônus excessivo
sobre um dos lados pudesse comprometer a higidez de todo o setor”.

Defende que “a atuação da ANEEL foi inspirada, portanto, na ideia de


conciliar, no atual contexto de crise, a tutela dos mais vulneráveis com a
preservação e a sustentabilidade do equilíbrio do sistema de distribuição de
energia elétrica do país. Por isso que a ANEEL não apenas proibiu o corte de
fornecimento motivado por inadimplência de setores mais sensíveis à crise como
exortou alguns segmentos da sociedade que possuem condições de prosseguirem
adimplindo com as suas faturas mensais de energia para que efetivamente o
façam, sob pena de sofrerem medidas restritivas, tais como negativação em
cadastro de inadimplentes e serem sujeitos passivos de ações de cobrança.
Assegurando-se, com isso, que a continuidade do serviço público (categoria
jurídica de alto relevo) possa prevalecer sobre uma crise de horizonte temporal e
dimensão material ainda desconhecidos”.

Acrescenta que, “no último dia 08 de abril, foi editada a Medida


Provisória nº 950/2020, mais um instrumento normativo a dispor sobre medidas
temporárias emergenciais destinadas ao setor elétrico para enfrentamento do
estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de
março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 2770-753F-9DF2-096E e senha 8C5F-9DBD-D2E3-A220
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 47

ADI 6432 / RR

decorrente da pandemia de coronavírus (covid-19)”. Assinala que “a norma


prevê a isenção do pagamento da fatura, por 3 (três) meses, para os usuários
beneficiários da tarifa social com consumo de até 220 kWh18. Tem-se,
aproximadamente, um universo de 9 (nove) milhões de contemplados com a
medida, também editada num contexto de equilíbrio e cuidado para,
otimizadamente, amparar os mais necessitados e garantir a sustentabilidade do
setor elétrico”.

Sustenta a inconstitucionalidade formal da Lei n. 1.389/2020 de


Roraima por contrariedade à al. b do inc. XII do art. 21 e ao inc. IV do art.
22 da Constituição da República, ao argumento de que “a lei de Roraima
pretende disciplinar as condições de adimplementos das faturas de energia
elétrica, necessárias à manutenção da continuidade da prestação adequada do
serviço. Portanto, a norma estadual atinge, em cheio, o núcleo da prestação do
serviço de distribuição de energia elétrica, atividade material: a) titularizada pela
União (alínea b do inc. XII do art. 21); b) cuja disciplina normativa também é
entregue à União (inc. IV do art. 22); c) passível de transpasse à iniciativa
privada, mediante concessão e debaixo de regras legais instituidoras de políticas
tarifárias (inc. III do parágrafo único art. 175)”.

Assevera que “a disciplina do corte de energia elétrica por falta de


pagamento se inscreve no núcleo duro ou contrato da regulamentação dos
serviços públicos de energia elétrica. Integram o espaço de normação ‘par
excellence’ da atividade material de distribuição de energia e, por isso, não se
abrem à iniciativa legislativa estadual. Nem mesmo sob a mais dilargada
concepção que se possa ter da competência concorrente para tratar de matéria
consumerista, nos termos dos incs. V e VIII do art. 24”.

Ressalta a inconstitucionalidade material das normas impugnadas.


Aponta que “alguns dos dispositivos da Lei roraimense nº 1.389/2020 foram
promulgados com a suposta finalidade de resguardar direitos do consumidor. Ao
fazê-lo, contudo, violaram o princípio da isonomia, pois os usuários do serviço
público de distribuição de energia elétrica no Estado de Roraima passarão a se

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 2770-753F-9DF2-096E e senha 8C5F-9DBD-D2E3-A220
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 47

ADI 6432 / RR

submeter a um regramento destoante de todo o disciplinamento nacional dado à


matéria pela ANEEL, por meio da Resolução Normativa nº 878/2020”.

4. Requer liminar para serem suspensas a expressão “energia elétrica”,


constante do § 1º do art. 2º da Lei roraimense n. 1.389/2020, e
interpretação na qual se “inclua o serviço de energia elétrica no referido
regramento do Estado de Roraima”.

5. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade da


expressão “energia elétrica”, prevista no § 1º do art. 2º da Lei n. 1.389/2020,
e a interpretação conforme à Constituição do § 2º do art. 2º e dos arts. 3º,
4º, 5º e 6º daquele diploma legal, “reconhecendo[-se] a nulidade de qualquer
sentido ou interpretação que inclua o serviço de energia elétrica no referido
regramento do Estado de Roraima”.

6. Em 5.10.2020, adotei o rito do art. 10 da Lei n. 9.869/1999 (e-doc.


29).

7. Nas informações, o Governador de Roraima asseverou que,


“diferentemente do quanto argumenta o autor da ação – de que a matéria teria
invadido a competência da União para legislar, especificamente a do art. 24,
inciso IV, da Constituição Federal –, a norma impugnada é resultado do exercício
da atribuição legislativa do ente subnacional estipulada no art. 24, inciso V, da
Constituição Federal, que trata da proteção do consumidor” (fl. 5, e-doc. 34).

8. A Assembleia Legislativa de Roraima assinalou que “a suposta


alegação de transgressão às normas constitucionais de repartição de competências
atribuídas à União para legislar sobre energia elétrica (art. 22, inc. IV, da CRFB)
não prospera, porquanto que não houve invasão da competência atribuída à
União, dado que, ao editar a Lei Estadual nº 1.389/2020, a Assembleia
Legislativa do Estado de Roraima o fez com fundamento na competência
concorrente firmada pela Carta Republicana, ou seja, a defesa do consumidor
(art. 24, inciso V, da CRFB). Ademais, a Lei Estadual ora impugnada não se

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 2770-753F-9DF2-096E e senha 8C5F-9DBD-D2E3-A220
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 47

ADI 6432 / RR

dirige a reger quaisquer aspectos relacionados à exploração, direta ou mediante


autorização, concessão ou permissão de serviços de energia elétrica (art. 21, inc.
XII, alínea b, da CRFB), pois nesse caso em específico a competência seria da
União. (…) Portanto, o que se infere da elaboração da Lei Estadual nº
1.389/2020 é que esta não viola nenhum dos preceitos alegados pela Requerente,
mas, pelo contrário, se desenvolve com alicerce em um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, assim como sob a premissa de
defesa do consumidor, um dos princípios gerais da ordem econômica
constitucional, não havendo qualquer violação formal ou material ao texto da
Constituição da República” (fls. 9-11, e-doc. 36).

9. A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo deferimento da


medida cautelar:
“Energia Elétrica. Competência. Impugnação à expressão
‘energia elétrica’, constante do artigo 2º, § 1º; bem como aos artigos
2º, § 2º; 3º, 4º, 5º e 6º da Lei nº 1.389/2020 do Estado do Rio de
Roraima. Fumus boni juris. Competência da União para explorar os
serviços e instalações de energia elétrica, para legislar sobre a matéria
e para planejar e promover o combate a calamidades. Edição, nesse
contexto, de normas federais para modificar a disciplina de
inadimplência quanto a esse serviço público durante o enfrentamento
da calamidade de Covid-19. Violação aos artigos 21, inciso XII, alínea
‘b’; 22, inciso IV; e 175 da Constituição Federal. Precedentes dessa
Suprema Corte. Por instituírem regime jurídico diverso do
estabelecido pelo direito federal para o serviço de energia elétrica, as
normas atacadas afrontaram os parâmetros constitucionais suscitados
na inicial. Periculum in mora. A produção imediata de efeitos das
disposições atacadas interfere nos ajustes celebrados entre as
concessionárias e o poder concedente, circunstância que pode
acentuar, ainda mais, as consequências econômicas decorrentes do
quadro pandêmico vivenciado pelo país. Manifestação pelo
deferimento da medida cautelar pleiteada pela autora” (e-doc. 40).

10. A Procuradoria-Geral da República opinou pela improcedência


da ação:

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 2770-753F-9DF2-096E e senha 8C5F-9DBD-D2E3-A220
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 47

ADI 6432 / RR

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS. ART. 2º, §§ 1º E 2º, E
ARTS. 3º, 4º, 5º E 6º, TODOS DA LEI 1.389/2020 DO ESTADO
DE RORAIMA. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
DURANTE A EMERGÊNCIA SANITÁRIA PROVOCADA PELA
PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19).
IMPEDIMENTO DE INTERRUPÇÃO E DE COBRANÇA DE
MULTA E DE JUROS DE MORA EM CASO DE
INADIMPLEMENTO DO USUÁRIO. NORMAS DE DIREITO
DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
CONCORRENTE DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DO DISTRITO
FEDERAL (ART. 24, V, DA CF/1988). PRECEDENTES.
MANUTENÇÃO DOS SERVIÇOS ESSENCIAIS VISA A
MITIGAÇÃO DA PROPAGAÇÃO DA DOENÇA E A
PROTEÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA. COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA CONCORRENTE DA UNIÃO, DOS ESTADOS E
DO DISTRITO FEDERAL (ART. 24, XII, DA CF/1988). PARECER
PELO CONHECIMENTO DA AÇÃO E PELA
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO” (e-doc. 43).

11. Companhia de Água e Esgotos de Roraima – Caer e Agência


Nacional de Energia Elétrica – Aneel requereram o ingresso como amici
curiae (e-docs. 17 e 24).

É o relatório, cuja cópia deverá ser encaminhada aos Ministros do


Supremo Tribunal Federal (art. 9º da Lei n. 9.868/1999 c/c inc. I do art. 87
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 2770-753F-9DF2-096E e senha 8C5F-9DBD-D2E3-A220
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 47

08/04/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.432 RORAIMA

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. Ação direta de inconstitucionalidade, com requerimento de


medida cautelar, proposta por Associação Brasileira de Distribuidores de
Energia Elétrica – Abradee, objetivando a declaração de
inconstitucionalidade da expressão “energia elétrica”, prevista no § 1º do
art. 2º da Lei n. 1.389/2020 de Roraima, e a interpretação conforme à
Constituição do § 2º do art. 2º e dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º daquele diploma,
“reconhecendo[-se] a nulidade de qualquer sentido ou interpretação que inclua o
serviço de energia elétrica no referido regramento do Estado de Roraima”.

A lei estadual impugnada dispõe sobre medidas de proteção aos


direitos das pessoas durante o plano de contingência do novo
coronavírus. No que se refere ao fornecimento de energia elétrica, pela lei
as concessionárias do serviço público de energia elétrica ficam proibidas
de cortar o fornecimento residencial de serviços por falta de pagamento
das contas enquanto perdurar o estado de emergência decorrente de
situações de extrema gravidade social em Roraima.

Define-se na Lei que sobre eventuais débitos não incidirão juros e


multas e, após o fim das restrições decorrentes do plano de contingência,
as concessionárias poderão fazer a cobrança, possibilitando o
parcelamento da dívida antes de efetuar o corte do fornecimento de
energia.

A autora argumenta dispor a União de competência privativa para


legislar sobre o assunto, não havendo autorização em lei para que os
Estados legislem sobre questão específica sobre o tema.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 47

ADI 6432 / RR

Alega que a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, no


exercício de suas competências constitucionais e legais, teria aprovado a
Resolução Normativa n. 878, de 24.3.2020, pela qual instituiu “medidas
para preservação da prestação do serviço público de distribuição de energia
elétrica em decorrência da calamidade pública atinente à pandemia de
coronavírus (COVID-19)”.

2. Instruído o feito nos termos do art. 10 da Lei n. 9.868/1999, é de


cumprir-se o imperativo constitucional de conferir-se celeridade
processual, com o conhecimento e julgamento definitivo de mérito da
ação direta por este Supremo Tribunal, ausente a necessidade de novas
informações. No mesmo sentido confiram-se, por exemplo, a Ação Direta
de Inconstitucionalidade n. 4.163, Relator o Ministro Cezar Peluso,
Plenário, DJ 1º.3.2013, e a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.661,
Relatora a Ministra Rosa Weber, Plenário, DJ 5.10.2020.

3. Reconheço a legitimidade ativa ad causam da Associação Brasileira


de Distribuidores de Energia Elétrica – Abradee para propositura da
presente ação direta de inconstitucionalidade, pelo nexo entre os
objetivos institucionais e o conteúdo material dos textos normativos
impugnados.
Do mérito

4. O objeto da questão posta na presente ação é se as normas


estaduais impugnadas são matéria de direito do consumidor, editadas no
exercício da competência legislativa concorrente, ou se cuidam de matéria
referente ao serviço público de energia elétrica, pelo que se teria
extrapolado a competência legislativa privativa da União para legislar
sobre o tema, nos termos da al. b do inc. XII do art. 21 e do inc. IV do art.
22 da Constituição da República.

5. O tema não é novo neste Supremo Tribunal. No julgamento da


medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.406, Relator

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 47

ADI 6432 / RR

o Ministro Marco Aurélio, em sessão de julgamento de 11.12.2020 a


18.12.2020, o Plenário Virtual decidiu, por maioria, em caso idêntico ao
dos autos, pelo indeferimento da medida cautelar para suspenderem-se
normas do Paraná, pelas quais vedadas às concessionárias de serviços de
energia elétrica que realizassem o corte do funcionamento dos serviços
enquanto durarem as medidas de contingências sociais da pandemia
causada pelo novo coronavírus.

6. No voto condutor do julgamento da medida cautelar na Ação


Direta de Inconstitucionalidade n. 6.406, o Ministro Relator, assentou:

“O texto constitucional não impede a edição de lei estadual que,


sem versar especificamente a prestação dos serviços de fornecimento de
energia elétrica e água, venha a produzir impacto na atividade
desempenhada pelas concessionárias de serviço público federal, uma
vez preservado o núcleo da regulação da atividade de fornecimento de
energia elétrica e água, de competência da União.
Indaga-se: o legislador estadual, ao editar norma versando a
proibição de cortes no fornecimento de serviços de energia elétrica
durante a pandemia de covid-19, a imposição de multa em caso de
descumprimento da medida e a previsão de regulamentação, pelo
Executivo, do pagamento parcelado das dívidas relativas à prestação
dos serviços após a emergência sanitária, interveio diretamente no
núcleo de atuação das empresas voltadas à prestação de serviços de
fornecimento de energia elétrica e água, usurpando a competência
privativa da União?
A resposta é negativa. A edição da norma não instituiu
obrigações e direitos relacionados à execução contratual da concessão
de serviços públicos. Buscou ampliar mecanismo de tutela da
dignidade dos usuários – ‘destinatários finais’, na dicção do artigo 2º
do Código de Defesa do Consumidor, considerada a quadra inesperada,
a quarentena, implementando providências necessárias à mitigação
das consequências da pandemia, de contornos severos e abrangentes.
Os usuários de serviço público também se caracterizam como
consumidores. Se assim não fosse, o Código de Defesa do Consumidor

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 47

ADI 6432 / RR

seria inaplicável, de forma subsidiária, às relações entre usuários e


prestadores desses serviços. O artigo 7º da Lei nº 8.987/1995, que
dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de
serviços públicos, estabelece direitos e obrigações dos usuários, ‘sem
prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.’(...).
O usuário de serviço público deve ser protegido por normas
específicas, como a contida na lei impugnada, inexistindo descompasso
com o artigo 175, parágrafo único, da Constituição Federal. Tem-se
manifestação do exercício da competência concorrente dos Estados
para legislar sobre Direito do Consumidor, a teor do artigo 24, inciso
V, da Lei Maior, no que autoriza a complementação, em âmbito
normativo local, da legislação editada pela União, com a ampliação da
proteção aos consumidores. (…)
Quanto ao vício material, não se tem demonstrada contrariedade
ao princípio da isonomia. Considere-se a regulamentação nacional. A
Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, por meio da
Resolução Normativa nº 878/2020, estabeleceu condições mediante as
quais vedada, às concessionárias, a suspensão de fornecimento dos
serviços de energia ante inadimplemento de unidades consumidoras
no contexto da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus, visando a
continuidade das atividades essenciais e a tutela das classes de baixa
renda, bem assim dos usuários de equipamentos de autonomia
limitada e indispensáveis à preservação da vida. Na mesma esteira, a
posterior previsão, constante na Medida Provisória nº 950/2020, de
isenção, aos beneficiários da tarifa social de energia elétrica com
consumo de até 220 kWh/mês, do pagamento de fatura pelo período de
três meses, observadas as medidas emergenciais de enfrentamento à
crise sanitária”.

Naquela assentada, o voto do Relator foi acompanhado por mim e


pelos Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Ricardo
Lewandowski , Celso de Mello, Luiz Fux, Roberto Barroso e Rosa Weber.

O Ministro Gilmar Mendes e Ministro Dias Toffoli apresentaram


voto divergente, no sentido de se declarar a inconstitucionalidade formal
das normas impugnadas, considerada a invasão de competência privativa

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 16 de 47

ADI 6432 / RR

da União para legislar sobre energia elétrica e o regime de prestação do


serviço.

7. Sobre a repartição de competência constitucional quanto à energia


elétrica, tem-se que a competência é da União para explorar diretamente
ou por autorização, concessão e permissão os serviços de energia elétrica.
Na al. b do inc. XII do art. 22 da Constituição da República, dispõe-se:

“Art. 21. Compete à União: (…)


XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão
ou permissão: (…)
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento
energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se
situam os potenciais hidroenergéticos”.

8. No inc. IV do art. 22 da Constituição da República, atribui-se à


União a competência privativa para legislar sobre energia:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)


IV - águas, energia, informática, telecomunicações e
radiodifusão”.

9. É de se anotar que a expressão “Poder Público”, constante do caput


do art. 175 da Constituição da República, significa que a repartição na
prestação dos serviços públicos entre os entes federados submete essa
prestação ao regramento, à fiscalização e à direção do poder concedente
competente.

Nessa linha a lei mencionada no parágrafo único do art. 175 da


Constituição da República é editada pelo ente federado concedente
quanto a cada serviço público cuja prestação lhe competir.

10. Este Supremo Tribunal firmou jurisprudência no sentido de que a


outorga à União da responsabilidade pela exploração do serviço público

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 47

ADI 6432 / RR

de fornecimento de energia elétrica compreende a competência para


legislar sobre a matéria e a capacidade de delegar a execução a
colaboradores, pelo que o ente federal detém a prerrogativa de definir,
em legislação própria, as condições pelas quais haverá de ser prestado o
serviço, estabelecendo regime jurídico de concessão ou permissão
insuscetível de modificação pelo legislador estadual ou municipal.

Confiram-se, por exemplo, a ADPF n. 452, de minha relatoria,


Plenário, DJe 14.5.2020; a ADI n. 3.905, de minha relatoria, Plenário, DJe
10.5.2011; e a ADI n. 5.610, Relator o Ministro Luiz Fux, Plenário, DJe
20.11.2019.

11. Entretanto, em recentes julgados, ao analisar, por exemplo, a


Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.908, pela qual se examinava a
constitucionalidade de norma estadual que determinava o cancelamento
de multa contratual de infidelidade em caso de perda do emprego pelo
usuário após a adesão ao contrato, ressaltou a natureza consumerista da
natureza do vínculo estabelecido entre o usuário consumidor e a
concessionária prestadora do serviço de telecomunicações e assentou não
ocorrer interferência no regime de exploração ou na estrutura
remuneratória da prestação do serviço.

Esta a ementa do acórdão:

“2. Ao impor o cancelamento da multa contratual de fidelidade


quando o usuário de serviços de telefonia celular ou fixa comprovar
que perdeu o vínculo empregatício após a adesão ao contrato, a Lei nº
6.295/2012 do Estado do Rio de Janeiro disciplina relação jurídica
tipicamente consumerista, ainda que realizada paralelamente a
contrato de prestação de serviço de telefonia. Os efeitos da medida
esgotam-se na relação entre o consumidor usuário e o fornecedor
prestador do serviço público, não interferindo no conteúdo dos
contratos administrativos firmados no âmbito federal para prestação
do serviço público. 3. Implementada norma de proteção ao consumidor

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 47

ADI 6432 / RR

que, rigorosamente contida nos limites do art. 24, V, da Carta Política,


em nada interfere no regime de exploração, na estrutura
remuneratória da prestação dos serviços ou no equilíbrio dos contratos
administrativos, inocorrente usurpação da competência legislativa
privativa da União, e, consequentemente, afronta aos arts. 1º, 21, IX,
22, IV, e 175 da Constituição da República. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada improcedente” (ADI n. 4.908, Relatora
a Ministra Rosa Weber, Plenário, DJe 6.5.2019).

12. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.961,


pela qual analisada norma do Paraná pela qual as empresas
concessionárias de serviços públicos de água e energia elétrica ficavam
proibidas de realizar o corte do fornecimento residencial de seus serviços
por falta de pagamento de contas em dias especificados, assentou-se:

“COMPETENCIA NORMATIVA – CONSUMIDOR –


PROTEÇAO – LEI ESTADUAL – RAZOABILIDADE. Atendidos
os parâmetros alusivos à razoabilidade, surge constitucional norma
estadual a versar proibição de as empresas concessionárias de serviços
públicos suspenderem, ausente pagamento, fornecimento residencial
de água e energia elétrica em dias nela especificados, ante a
competência concorrente dos Estados para legislar sobre proteção aos
consumidores – artigo 24, inciso V, da Constituição Federal” (ADI n.
5.961, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o
acórdão o Ministro Marco Aurélio, Plenário, 26.6.2019).

13. A prestação de serviços de distribuição de energia elétrica ocorre


em ambiente jurídico marcado por regulamentação complexa, em que
convivem empresas submetidas a diferentes condições, regimes jurídicos
de exploração e metas ligadas aos objetivos da política nacional
energética.

As normas impugnadas na presente ação direta vedam a interrupção


do serviço de energia elétrica por falta de pagamento e regulamentam o
pagamento de eventuais débitos pendentes enquanto persistir o plano de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 47

ADI 6432 / RR

contingência adotado pela Secretaria de Saúde de Roraima em


decorrência da pandemia de Covid-19.

Estabelecem, ainda, que, antes de proceder à interrupção do serviço


por inadimplência anterior a março de 2020, as concessionárias de
serviços públicos devem possibilitar o parcelamento de débitos das
faturas referentes ao período de contingência, o débito consolidado
durante as medidas restritivas não poderá ensejar a interrupção do
serviço e deverá ser cobrado pelas vias próprias, vedada a cobrança de
juros e multas.

14. As normas objetivam regulamentar a relação entre o usuário do


serviço e a empresa concessionária, tratando-se, portanto, de normas de
natureza consumerista que não atingem de forma direta a relação
contratual estabelecida entre a concessionária e o Poder Público. Essa
relação jurídica entre o usuário do serviço e a empresa prestadora
evidencia típica relação de consumo.

15. Os efeitos decorrentes das normas impugnadas afetam


diretamente a relação entre o consumidor usuário e o fornecedor
prestador do serviço público, pelo que não interferem na relação entre
esses dois atores e o Poder concedente, titular do serviço, tampouco no
núcleo de atuação das empresas voltadas à prestação de serviços de
fornecimento de energia elétrica.

Não se constata que as normas impugnadas possam gerar


desequilíbrio contratual ou afetar políticas tarifárias, especialmente
porque as medidas impostas são excepcionais e transitórias, limitadas ao
tempo da vigência do plano de contingência adotado pela Secretaria de
Saúde de Roraima em decorrência da pandemia de Covid-19.

Ressalte-se, nesse sentido, o disposto no § 2º do art. 2º da Lei


impugnada pelo qual se prevê que “após o fim das restrições decorrentes do

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 47

ADI 6432 / RR

plano de contingência, as concessionárias de serviço público, antes de proceder à


interrupção do serviço em razão da inadimplência anterior a março de 2020,
deverão possibilitar o parcelamento do débito das faturas referentes ao período de
contingência”.

16. A determinação das normas no sentido de vedar-se o corte de


energia elétrica e a cobrança de multas e juros enquanto perdurar o plano
de contingência imposto pela pandemia também tem respaldo no art. 22
do Código de Defesa do Consumidor, pelo qual se prevê a necessária
continuidade dos serviços públicos essenciais:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,


concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de
empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial,
das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas
compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma
prevista neste código”.

19. Também a Lei n. 13.460/2017, pela qual se dispõe sobre


participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços
públicos, disciplina a necessidade de continuidade dos serviços públicos
essenciais:
“Art. 4º Os serviços públicos e o atendimento do usuário serão
realizados de forma adequada, observados os princípios da
regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade,
generalidade, transparência e cortesia”.

20. Na Lei n. 8.987/1995, pela qual se dispõe sobre o regime de


concessão e permissão da prestação de serviços públicos, prescreve-se:

“Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de


serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme
estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 47

ADI 6432 / RR

contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de


regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.

21. A não interrupção dos serviços públicos de energia elétrica


relaciona-se à satisfação das necessidades básicas da população, pelo que
a continuidade do serviço é considerada essencial para a adoção de
medidas de contenção do novo coronavírus.

O fornecimento de energia elétrica é direito fundamental


relacionado à dignidade humana, ao direito à saúde, à moradia, à
alimentação, à educação e à profissão, constituindo-se em serviço público
essencial e universal, que deve estar disponível a todos os cidadãos,
especialmente no complexo contexto pandêmico vivenciado.

22. As normas impugnadas implementam conteúdo de natureza


consumerista, contida no inc. V do art. 24 da Constituição da República,
que não apresentam interferência na estrutura de prestação do serviço
público, nem no equilíbrio dos contratos administrativos.

23. O propósito das normas impugnadas consiste também em adotar


medidas destinadas à proteção à saúde pública, matéria inserida na esfera
da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal,
nos termos do inc. XII do art. 24 da Constituição da República.

24. É de se ressaltar que a superveniência da Lei federal n. 14.015, de


15.6.2020, pela qual se dispõe sobre interrupção, religação ou
restabelecimento de serviços públicos, também editada em razão da
pandemia de Covid-19, não afasta a competência estadual para
disciplinar a matéria de proteção e defesa do consumidor de forma mais
ampla do que a estabelecida pela legislação federal, como assentado em
recentes decisões deste Supremo Tribunal.

No art. 2º da Resolução Normativa n. 878/2020, alterada pela

10

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 47

ADI 6432 / RR

Resolução n. 891/2020, da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel,


prevê-se a proibição de suspensão do fornecimento de energia elétrica
para as unidades consumidoras “II - onde existam pessoas usuárias de
equipamentos de autonomia limitada, vitais à preservação da vida humana e
dependentes de energia elétrica; (...) IV - em que a distribuidora suspender o
envio de fatura impressa sem a anuência do consumidor; V - nos locais em que
não houver postos de arrecadação em funcionamento, o que inclui instituições
financeiras, lotéricas, unidades comerciais conveniadas, entre outras, ou em que
for restringida a circulação das pessoas por ato do poder público competente”.

No § 3º do art. 2º da Resolução Normativa n. 878/2020, tem-se


impedimento de imposição de multa e de juros de mora por
inadimplência, nas hipóteses previstas nos incs. IV e V. No § 4º do art. 2º
se estabeleceu que a proibição da suspensão do fornecimento de energia
elétrica não veda a adoção de outras medidas pela legislação para
cobrança dos débitos, a partir do vencimento.

Tem-se que as normas impugnadas não se contrapõem à legislação


federal que disciplina o tema, consistindo, entretanto, em normas mais
abrangentes de proteção ao usuário consumidor do serviço,
acrescentando hipóteses de impedimento de interrupção do fornecimento
de energia elétrica e de proibição à imposição de multa e juros de mora
em caso de inadimplemento, de acordo com as peculiaridades locais.

25. São constitucionais as normas estaduais impugnadas, editadas


em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, pelas quais
veiculados a proibição de suspensão do fornecimento do serviço de
energia elétrica, o modo de cobrança e pagamentos dos débitos e
exigibilidade de multa e juros moratórios, por versarem essencialmente
sobre defesa e proteção dos direitos do consumidor e da saúde pública.

26. Pelo exposto, voto no sentido de julgar improcedente o pedido


para declarar constitucionais as normas previstas no § 1º do art. 2º, no §

11

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 47

ADI 6432 / RR

2º do art. 2º e nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei n. 1.389/2020 de Roraima, na


parte afeta à “energia elétrica”.

12

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 147C-0DF6-5422-291D e senha AA73-65BB-4B17-6FE2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 24 de 47

08/04/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.432 RORAIMA

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : ABRADEE ASSOCIACAO BRASILEIRA DISTRIB
ENERGIA ELETRICA
ADV.(A/S) : MARCELO MONTALVAO MACHADO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
RORAIMA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Em complemento ao


Relatório lançado pela Ministra Relatora, anoto que se trata de Ação
Direta, com pedido de medida cautelar, ajuizada pela Associação
Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE, objetivando
a declaração de inconstitucionalidade da expressão “energia elétrica”,
prevista no § 1º do art. 2º da Lei 1.389/2020, do Estado de Roraima, e a
interpretação conforme a Constituição do § 2º do art. 2º e dos arts. 3º, 4º,
5º e 6º desse mesmo diploma legal, “reconhecendo[-se] a nulidade de
qualquer sentido ou interpretação que inclua o serviço de energia elétrica
no referido regramento do Estado de Roraima”.
Transcrevo o teor das normas impugnadas:

[...] Art. 2º Ficam proibidas as concessionárias de serviços


públicos essenciais de cortar o fornecimento residencial de seus
serviços por falta de pagamento de suas respectivas contas,
enquanto perdurar o estado de emergência decorrente de
situações de extrema gravidade social, no âmbito do estado de
Roraima.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 47

ADI 6432 / RR

§ 1º Entendem-se como serviços públicos essenciais, para


efeito do disposto no caput deste artigo, o fornecimento de
água, energia elétrica e tratamento de esgoto.
§ 2º Após o fim das restrições decorrentes do plano de
contingência, as concessionárias de serviço público, antes de
proceder à interrupção do serviço em razão da inadimplência
anterior a março de 2020, deverão possibilitar o parcelamento
do débito das faturas referentes ao período de contingência.
§ 3º O débito consolidado durante as medidas restritivas
não poderá ensejar a interrupção do serviço, devendo ser
cobrado pelas vias próprias, sendo vedada a cobrança de juros e
multa.
Art. 3º Ao consumidor que tiver suspenso o fornecimento
fica assegurado o direito de acionar juridicamente a empresa
concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado
do pagamento do débito que originou o referido corte.
Art. 4º Fica estabelecido que, cessado o estado de
emergência, o consumidor deverá procurar as respectivas
concessionárias de serviços públicos de água e energia elétrica,
a fim de quitar o débito que, por ventura, venha a existir.
Art. 5º Ficam suspensos a incidência de multas e juros por
atraso de pagamento das faturas de serviços públicos
concedidos enquanto perdurar o plano de contingência da
Secretaria de Estado da Saúde.
Art. 6º O descumprimento ao disposto na presente Lei
ensejará a aplicação de multas, nos termos do Código de Defesa
do Consumidor, pelos órgãos responsáveis pela fiscalização, em
especial, o Programa de Proteção e Orientação ao Consumidor
do Estado de Roraima (PROCON-RR). [...]

A Requerente alega que a lei estadual viola a competência privativa


da União para legislar sobre energia elétrica (art. 22, IV, da CF) e que a
ANEEL já teria aprovado a RN 878 de 24/3/2020, através da qual instituiu
“medidas para preservação da prestação do serviço público de distribuição de
energia elétrica em decorrência da calamidade pública atinente à pandemia de
coronavírus (COVID-19)”.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 47

ADI 6432 / RR

Instado a manifestar-se, o Governador do Estado de Roraima


defendeu que as normas questionadas decorrem do pleno exercício da
competência concorrente estabelecida na Constituição Federal (art. 24, V),
pois teriam nítido objetivo de proteção ao consumidor. Alegou também
que, no âmbito do Estado de Roraima, foi determinada a restrição à
circulação de pessoas em virtude da pandemia, o que atrai a hipótese do
art. 2º, V da RN 878/2020 da ANEEL, que veda a suspensão de
fornecimento de energia elétrica nos locais em que tal medida tenha sido
adotada.
Ao prestar informações, a Assembleia Legislativa do Estado de
Roraima alegou que, além da competência concorrente prevista no art. 24,
inciso V, da Constituição Federal, o diploma legal em questão não rege
quaisquer aspectos relacionados à exploração, concessão ou permissão de
serviços de energia elétrica (art. 21, XII, “b”, da CF), e que o caput do art.
22 do Código de Defesa do Consumidor abrange os serviços públicos
prestados pelo Estado, “bem como consagra a continuidade do serviço público,
como um dos princípios essenciais que regem a relação consumerista que apesar
de não ser absoluto, recebe guarida pela Lei Estadual nº 1.389/2020 sob o manto
do princípio constitucional da solidariedade social, pela busca de uma sociedade
mais justa e solidária, pela ampliação das responsabilidades nas relações
negociais (art. 3º, inc. I, da CF/1988), diante da situação excepcional vivenciada
em decorrência da pandemia do COVID-19.”
A Advocacia-Geral da União, em seu parecer, manifestou-se pelo
deferimento da medida cautelar, entendo haver violação aos artigos 21,
XII, “b”, 22, IV, e 175 da Constituição.
A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, opinou pela
improcedência dos pedidos, defendendo que as normas tutelam direito
do consumidor, buscando regulamentar especificamente a relação entre o
usuário do serviço e a empresa concessionária, de natureza consumerista,
sem avançar para aquela estabelecida entre a concessionária e o poder
público e que, portanto, não invadem a competência privativa da União.
Sustenta também que a energia elétrica é fundamental para frear a
propagação do novo coronavírus e que as medidas trazidas pela Lei

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 47

ADI 6432 / RR

Estadual impugnada visam também à proteção da saúde pública,


conforme o art. 24, XII, da Constituição Federal.
Submetida a Ação a julgamento virtual, a Min. Relatora CÁRMEN
LÚCIA propõe seja julgado improcedente o pedido, alegando que os
dispositivos impugnados não se contrapõem à legislação federal que
disciplina o tema, mas consistem em normas de defesa e proteção dos
direitos do consumidor e da saúde pública, acrescentando hipóteses de
impedimento de interrupção do fornecimento de energia elétrica e de
proibição à imposição de multa e juros de mora em caso de
inadimplemento limitadas ao tempo da vigência do plano de
contingência em decorrência da pandemia da COVID-19, na
conformidade da ementa abaixo transcrita:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR.
EXPRESSÃO ENERGIA ELÉTRICA, PREVISTA NO § 1º DO
ART. 2º DA LEI N. 1.389/2020 DE RORAIMA: PEDIDO DE
INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO DO § 2º
DO ART. 2º E DOS ARTS. 3º, 4º, 5º E 6º DA LEI ESTADUAL
PELA QUAL VEDADA A INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO DE
DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PELA
INADIMPLÊNCIA DOS USUÁRIOS: COBRANÇA E
PAGAMENTO DOS DÉBITOS. FLUÊNCIA E EXIGIBILIDADE
DE MULTA E JUROS MORATÓRIOS PELOS DÉBITOS SOBRE
A FRUIÇÃO DO SERVIÇO DURANTE A PANDEMIA DA
COVID-19. NORMAS DE DIREITO DO CONSUMIDOR E DE
PROTEÇÃO À SAÚDE PÚBLICA. COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA CONCORRENTE DA UNIÃO, DOS ESTADOS E
DO DISTRITO FEDERAL. INCS. V E XII DO ART. 24 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA JULGADA
IMPROCEDENTE. 1. Conversão do rito do art. 10 para o rito do
art. 12 da Lei n. 9.868/1999. Julgamento definitivo do mérito
considerada a formalização das postulações e dos argumentos
jurídicos, sem necessidade de novas informações. Precedentes.
2. Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 47

ADI 6432 / RR

Abradee: parte legítima ativa para propositura da ação direta.


Precedentes. 3. São constitucionais as normas estaduais que
veiculam proibição de suspensão do fornecimento do serviço de
energia elétrica, o modo de cobrança e pagamentos dos débitos
e exigibilidade de multa e juros moratórios, limitadas ao tempo
da vigência do plano de contingência, em decorrência da
pandemia de Covid-19, por versarem, essencialmente, sobre
defesa e proteção dos direitos do consumidor e da saúde
pública. Precedentes. 4. É concorrente a competência da União,
dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre consumo e
proteção à saúde pública, nos termos dos incs. V e XII do art. 24
da Constituição da República. 5. As normas impugnadas,
excepcionais e transitórias, editadas em razão da crise sanitária
causada pelo novo coronavírus, não interferem na estrutura de
prestação do serviço público de energia elétrica, nem no
equilíbrio dos respectivos contratos administrativos. Ação
direta julgada improcedente para declarar constitucionais as
normas, na parte afeta à expressão energia elétrica, previstas no
§ 1º do art. 2º, no § 2º do art. 2º e nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei n.
1.389/2020 de Roraima.

É o relatório.

Acompanho a Relatora em relação ao mérito da Ação.


A controvérsia dos autos consiste em saber se o Estado de Roraima
poderia, legitimamente, à luz das normas de distribuição de
competências legislativas estatuídas na Constituição Federal, disciplinar a
matéria posta nos dispositivos impugnados.
Entendo que o conteúdo das normas estaduais não interfere no
núcleo essencial do contrato de prestação dos serviços de energia elétrica,
cuja competência é privativa da União.
Não se desconhece que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
consolidou o entendimento de que não compete aos Estados-membros,
no exercício de sua autonomia política, a edição de normas que acarretem
em interferência direta nas relações jurídico-contratuais firmadas entre o

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 29 de 47

ADI 6432 / RR

Poder concedente federal e municipal e as empresas concessionárias de


serviços públicos, por força do art. 175 da Constituição Federal, uma vez
que cumpre ao ente federado concedente a regulamentação, a fiscalização
e a direção das condições a serem prestados os respectivos serviços
pactuados (ADI 3.866, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe
de 16/9/2019; ADI 3.343, Red. p/ Acórdão LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe
de 22/11/2011; ADI 4606, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal
Pleno, DJe de 6/5/2019).
Vale ressaltar, inclusive, a existência de precedentes desta CORTE no
sentido da inconstitucionalidade de leis estaduais que proíbem
genericamente, e por prazo indeterminado, o corte no fornecimento de
energia elétrica por falta de pagamento do consumidor, bem como a
cobrança de multas pela interrupção ou a fixação de critérios e formas na
prestação do serviço, por entender que os diplomas legais comprometem
as condições contratualmente estabelecidas entre a concessionária e a
União, interferindo, com isso, no núcleo básico do contrato (ADI 3.661,
Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe de 10/5/2011; ADI 6.190,
Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, DJe de 6/10/2020;
ADI 2.337, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 21/6/2002; ADI 5.610, Rel.
Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe de 20/11/2019; ADI 3.824, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJe de 19/10/2020; ADI 3.729, Rel.
Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 9/11/2007):

Ementa: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 1° E 2° DA LEI
15.008/2006, DO ESTADO DO PARANÁ. ENERGIA ELÉTRICA.
PROIBIÇÃO DE RETIRADA DO RELÓGIO/MEDIDOR E DE
CORTE DO SERVIÇO NA REDE EXTERNA. VEDAÇÃO À
COBRANÇA DE VALORES PARA EFEITO DE REATIVAÇÃO
DO FORNECIMENTO DE ENERGIA. LEGITIMIDADE ATIVA
DA ABRADEE. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO
PARA LEGISLAR. ART. 22, IV, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÕES E SANÇÕES NÃO
PREVISTAS NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO FIRMADOS

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 47

ADI 6432 / RR

ENTRE A EMPRESA CONCESSIONÁRIA E A UNIÃO. AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA
PROCEDENTE. I - A Associação Brasileira dos Distribuidores
de Energia Elétrica – Abradee possui legitimidade ativa para
questionar a constitucionalidade dos arts. 1° e 2° da Lei
15.008/2006, do Estado do Paraná. Precedentes. II – Os
dispositivos impugnados, ao estabelecerem vedações à empresa
concessionária de fornecimento de energia elétrica, relativas à
forma de suspensão do serviço e à cobrança de valores para a
sua reativação, interferem na relação contratual estabelecida
entre essa concessionária e a União, constituindo verdadeira
invasão da competência privativa do ente federal, prevista no
art. 22, IV, da Constituição Federal, para legislar sobre energia
elétrica. Precedentes. III - ADI julgada procedente para declarar
a inconstitucionalidade dos arts. 1° e 2° da Lei 15.008/2006, do
Estado do Paraná.
(ADI 5960, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, DJe de 6/10/2020)

Na hipótese em análise, no entanto, a Lei 1.389/2020, do Estado de


Roraima, veda a suspensão no fornecimento de energia elétrica por falta
de pagamento por prazo determinado, apenas enquanto perdurar o plano
de contingência da Secretaria estadual de Saúde relacionado ao
Coronavírus – COVID-19, com o claro objetivo de proteger o consumidor
em situação de extrema gravidade social.
Observo, aliás, que, tendo sido determinada, no Estado de Roraima,
a restrição à circulação de pessoas em virtude da pandemia da COVID-19,
a disposição trazida na lei estadual impugnada está em consonância com
a normatização estabelecida a nível federal na RN 878/2020, da Agência
Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, autarquia competente para
promover e regulamentar as atividades relativas às outorgas de
concessão, permissão e autorização de empreendimentos e serviços de
energia elétrica, por delegação do Governo Federal (Lei 9.427/96).
Com efeito, o art. 2º, caput e inciso V, da RN 878/2020 da ANEEL
veda expressamente a suspensão de fornecimento do serviço de energia

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 47

ADI 6432 / RR

elétrica prestado nos locais em que “for restringida a circulação das pessoas
por ato de poder público competente”:

Art. 2º - Fica vedada a suspensão de fornecimento por


inadimplemento de unidades consumidoras: […]
V – nos locais em que não houver postos de arrecadação
em funcionamento, o que inclui instituições financeiras,
lotéricas, unidades comerciais conveniadas, entre outras, ou em
que for restringida a circulação das pessoas por ato de poder
público competente.

Como se vê, embora tenha reflexos no campo da atividade fornecida


pela requerente, as normas estaduais ora questionadas visam claramente
à defesa e salvaguarda do consumidor, com especificidade e priorização
deste, pois, embora os dispositivos legais tenham como destinatárias
empresas dedicadas aos serviços de energia elétrica, a principal razão de
ser das normas e de toda a lei não está na interferência dos serviços
prestados em si, mas na implementação de um modelo de proteção ao
consumidor enquanto durar a situação de calamidade pública.
Assim sendo, o Estado de Roraima, ao editar as normas em questão,
atuou no exercício de sua competência concorrente subsidiária para
legislar sobre consumo e defesa do consumidor, dentro da perspectiva de
proteção ao consumidor conferida pelo texto constitucional, não
interferindo no núcleo essencial do contrato de prestação de serviços de
energia elétrica, mesmo porque legislou em conformidade com a
regulamentação federal sobre o tema.
Quando da análise dessas questões envolvendo distribuição de
competência legislativa concorrente, deve o intérprete priorizar o
fortalecimento das autonomias locais e o respeito às suas diversidades
consagrando o imprescindível equilíbrio federativo.
Nesse sentido, esta SUPREMA CORTE, na análise de controvérsias
semelhantes, declarou a constitucionalidade de diversas normas
estaduais, reconhecendo a competência dos Estados-membros para
dispor sobre o consumo e a proteção dos consumidores, no exercício de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 47

ADI 6432 / RR

sua competência concorrente (ADI 1.980, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe
de 7/8/2009 e ADI 2.832, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de
20/6/2008; ADI 4.954, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 30/10/2014; RE
594.057 AgR, 2ª Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de
23/6/2014).
Em julgados mais recentes desta CORTE, considerando a
competência concorrente legislativa dos Estados para editar leis sobre
defesa do consumidor, citem-se ainda: ADI 5.745, Red. p/ Acórdão: Min.
EDSON FACHIN, julgado em 7/2/2019 (em que se reputou constitucional
lei do Estado do Rio de Janeiro que obriga as empresas Prestadoras de Serviço
a, previamente, informarem, aos consumidores, dados dos funcionários que
executarão os serviços demandados em suas residências ou sedes); ADI 4.908,
Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 6/5/2019 (na qual o Tribunal entendeu
pela constitucionalidade de norma estadual que previa hipótese de
cancelamento de multa contratual de fidelidade de usuário de serviços de
telefonia fixa e celular); e outros casos ainda muito próximos ao destes
autos, como a ADI 5.961, Red. p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, DJe
de 26/6/2019 (cujo entendimento foi de considerar constitucional lei do
Estado do Paraná que proíbe que as empresas de concessão de serviços públicos
de água, luz e telefonia façam o corte do fornecimento residencial de seus serviços
por falta de pagamento de contas em dias específicos).
Registro, ainda, o recentíssimo julgamento da ADI 6406 (Rel. Min.
MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe de 10/3/2021), no qual o
TRIBUNAL, ao apreciar controvérsia virtualmente idêntica ao caso em
análise, indeferiu pedido liminar para suspender dispositivos de lei do
Estado do Paraná que proibiam as concessionárias de serviços de energia
elétrica, água e esgoto de realizarem o corte do funcionamento dos
respectivos serviços especificamente enquanto durarem as medidas de
isolamento social da pandemia da COVID-19. Transcrevo os seguintes
fundamentos relevantes do voto condutor do acórdão:

“(…) o legislador estadual, ao editar norma versando a


proibição de cortes no fornecimento de serviços de energia
elétrica durante a pandemia de covid-19, a imposição de multa

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 47

ADI 6432 / RR

em caso de descumprimento da medida e a previsão de


regulamentação, pelo Executivo, do pagamento parcelado das
dívidas relativas à prestação dos serviços após a emergência
sanitária, interveio diretamente no núcleo de atuação das
empresas voltadas à prestação de serviços de fornecimento de
energia elétrica e água, usurpando a competência privativa da
União?
A resposta é negativa. A edição da norma não instituiu
obrigações e direitos relacionados à execução contratual da
concessão de serviços públicos. Buscou ampliar mecanismo de
tutela da dignidade dos usuários – “destinatários finais”, na
dicção do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor,
considerada a quadra inesperada, a quarentena,
implementando providências necessárias à mitigação das
consequências da pandemia, de contornos severos e
abrangentes. Os usuários de serviço público também se
caracterizam como consumidores. (...)
O usuário de serviço público deve ser protegido por
normas específicas, como a contida na lei impugnada,
inexistindo descompasso com o artigo 175, parágrafo único, da
Constituição Federal. Tem-se manifestação do exercício da
competência concorrente dos Estados para legislar sobre Direito
do Consumidor, a teor do artigo 24, inciso V, da Lei Maior, no
que autoriza a complementação, em âmbito normativo local, da
legislação editada pela União, com a ampliação da proteção aos
consumidores”.

Trata-se, portanto, de norma sobre direito do consumidor que


admite regulamentação concorrente pelos Estados-membros, nos termos
do art. 24, V, da Constituição Federal, sendo, portanto, formalmente
constitucional.
Diante do exposto, acompanho a Relatora para CONHECER da ação
e julgar IMPROCEDENTE o pedido, em ordem a declarar a
constitucionalidade dos arts. 2º, §§ 1º e 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da Lei 1.389/2020,
do Estado de Roraima.
É o voto.

10

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 74CD-300A-E17C-0ECB e senha 855B-1653-C2E5-39D2
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 47

08/04/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.432 RORAIMA

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


REQTE.(S) : ABRADEE ASSOCIACAO BRASILEIRA DISTRIB
ENERGIA ELETRICA
ADV.(A/S) : MARCELO MONTALVAO MACHADO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
RORAIMA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade com pedido de
medida cautelar ajuizada pela ABRADEE em face da expressão “energia
elétrica” contida no § 1º do art. 2º da Lei nº 1.389/20 do Estado de
Roraima.
Pleiteia, também, interpretação conforme à Constituição do § 2º do
art. 2º e dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º daquele diploma, reconhecendo-se a
nulidade de qualquer sentido ou interpretação que inclua o serviço de
energia elétrica no referido regramento do Estado de Roraima.
Conforme consta do relatório apresentado, eis o inteiro teor do
diploma estadual em comento:

“Art. 1º Fica vedada a majoração, sem justa causa, do


preço de produtos ou serviços, durante o período em que
estiver em vigor o plano de contingência, referente ao novo
coronavírus - COVID-19, da Secretaria de Estado da Saúde, no
âmbito do estado de Roraima.
§ 1º Para os efeitos deste Lei, consideram-se os seguintes
produtos:
I - álcool em gel;

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 47

ADI 6432 / RR

II - máscaras descartáveis;
III - papel higiênico;
IV - sacos de lixo; e
V - papel toalha.
§ 2º Para os fins da definição de majoração de preços de
que trata o caput deste artigo, deverão ser considerados os
preços praticados em 1º de março de 2020.
§ 3º A proibição de que trata o caput deste artigo se aplica
aos fornecedores de bens e serviços, nos termos do artigo 3º do
Código de Defesa do Consumidor.
§ 4º O consumidor que constatar a elevação injustificada
dos produtos e serviços do § 1º poderá acionar os órgãos de
Defesa do Consumidor ou o Poder Judiciário para a
providências necessárias.
Art. 2º Ficam proibidas as concessionárias de serviços
públicos essenciais de cortar o fornecimento residencial de seus
serviços por falta de pagamento de suas respectivas contas,
enquanto perdurar o estado de emergência decorrente de
situações de extrema gravidade social, no âmbito do estado de
Roraima.
§ 1º Entendem-se como serviços públicos essenciais, para
efeito do disposto no caput deste artigo, o fornecimento de
água, energia elétrica e tratamento de esgoto.
§ 2º Após o fim das restrições decorrentes do plano de
contingência, as concessionárias de serviço público, antes de
proceder à interrupção do serviço em razão da inadimplência
anterior a março de 2020, deverão possibilitar o parcelamento
do débito das faturas referentes ao período de contingência.
§ 3º O débito consolidado durante as medidas restritivas
não poderá ensejar a interrupção do serviço, devendo ser
cobrado pelas vias próprias, sendo vedada a cobrança de juros e
multa.
Art. 3º Ao consumidor que tiver suspenso o fornecimento
fica assegurado o direito de acionar juridicamente a empresa
concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado
do pagamento do débito que originou o referido corte.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 47

ADI 6432 / RR

Art. 4º Fica estabelecido que, cessado o estado de


emergência, o consumidor deverá procurar as respectivas
concessionárias de serviços públicos de água e energia elétrica,
a fim de quitar o débito que, porventura, venha a existir.
Art. 5º Ficam suspensos a incidência de multas e juros por
atraso de pagamento das faturas de serviços públicos
concedidos enquanto perdurar o plano de contingência da
Secretaria de Estado da Saúde.
Art. 6º O descumprimento ao disposto na presente Lei
ensejará a aplicação de multas, nos termos do Código de Defesa
do Consumidor, pelos órgãos responsáveis pela fiscalização, em
especial, o Programa de Proteção e Orientação ao Consumidor
do Estado de Roraima (PROCON-RR).
Art. 7º Enquanto durar o estado de calamidade pública em
todo o território de Roraima - Decreto nº 28.635, ficam
interrompidos os prazos previstos no artigo 82 da Lei Estadual
nº 059, de 28 de dezembro de 1993, para pagamento do Imposto
de Transmissão Causa Mortis.
§ 1º A contagem dos prazos de que trata o caput deste
artigo será reiniciada 60 (sessenta) dias após o encerramento do
plano de contingência.
§ 2º Pelo mesmo período, fica suspensa a incidência das
penalidades previstas nos artigos 84 e 85 da Lei 059, de 28 de
dezembro de 1993, para os casos de descumprimento de prazos.
Art. 8º Fica suspensa a validade de documentos públicos
que necessitem de atendimento presencial para sua renovação
e/ou prorrogação pelo prazo de vigência da presente Lei.
Parágrafo único. Após o fim do estado de calamidade
decretado pelo Governo do Estado, as pessoas físicas e/ou
jurídicas terão o prazo de 30 (trinta) dias corridos para
requererem a renovação/prorrogação
de que trata o caput deste artigo.
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação,
com vigência enquanto perdurar o plano de contingência
adotado pela Secretaria de Saúde do Estado de Roraima em
decorrência da pandemia pelo coronavírus (COVID-19).”

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 47

ADI 6432 / RR

Da leitura da lei estadual em comento depreende-se que ela


prescreve a proibição de corte no fornecimento de serviços públicos
essenciais, tais como o de energia elétrica, enquanto perdurar a
pandemia do coronavírus, ainda que os usuários não efetuem o
respectivo pagamento por sua utilização (art. 2º, § 1º).
A lei dispõe, ainda, em seu art. 2º, § 2º, que as empresas prestadoras
de serviços públicos tidos como essenciais deverão cobrar os débitos em
atraso de forma parcelada após o final da pandemia.
Estabelece, também, que o débito consolidado não poderá ser
utilizado para interromper a prestação do serviço após a pandemia, bem
como que fica proibida a incidência sobre esse montante de juros e
multa (art. 2º, § 3º, e art. 5º).
O art. 6º prevê ainda a possibilidade de o estado impor multa à
emprestadora de serviço que descumpra suas prescrições.
A eminente Relatora, Ministra Cármen Lúcia, entende que as
normas citadas versam essencialmente sobre Direito do Consumidor, o
qual se insere no âmbito da competência concorrente dos estados para
legislar.
Afirma que

“as normas impugnadas, excepcionais e transitórias,


editadas em razão da crise sanitária causada pelo novo
coronavírus, não interferem na estrutura de prestação do
serviço público de energia elétrica, nem no equilíbrio dos
respectivos contratos administrativos".

Assenta, ainda, que,

“no julgamento da medida cautelar na Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 6.406, Relator o Ministro Marco
Aurélio, em sessão de julgamento de 11.12.2020 a 18.12.2020, o
Plenário Virtual decidiu, por maioria, em caso idêntico ao dos
autos, pelo indeferimento da medida cautelar para

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 47

ADI 6432 / RR

suspenderem-se normas do Paraná, pelas quais vedadas às


concessionárias de serviços de energia elétrica que realizassem
o corte do funcionamento dos serviços enquanto durarem as
medidas de contingências sociais da pandemia causada pelo
novo coronavírus”.

Em que pese tenha restado vencido no julgamento da referida


medida cautelar na ADI nº 6.406, peço vênia à Relatora para registrar
meu posicionamento divergente acerca da matéria.
A repartição de competências no federalismo brasileiro tem
observado, desde sua origem, um movimento centrífugo gradual,
culminando em uma Federação de cunho cooperativo, em que
competências legislativas privativas coexistem com competências
legislativas concorrentes entre os entes federados, os quais exercerão sua
autonomia conforme a predominância do interesse suscitado por cada
matéria.
Nesse sentido, há disciplinas que, por sua natureza e pela opção do
constituinte originário, devem manter uniformidade em todo o território
nacional, o que explica o fato de a União guardar um amplo rol de
competências privativas e, além disso, exercer a atribuição de traçar
regras gerais quando for o caso de compartilhar a competência com
outros entes da Federação.
Para tanto, a Constituição Federal reservou à União, em caráter
privativo, a competência para legislar sobre energia, consoante dispõe o
art. 22, inciso IV.
Ademais, a Constituição da República também prevê, em seu art. 21,
inciso XII, b, competir à União a exploração, diretamente ou por meio
de autorização, concessão ou permissão os serviços e instalações de
energia elétrica.
A par disso, preceitua o art. 175 da Constituição Federal o que
segue:

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei,


diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 47

ADI 6432 / RR

através de licitação, a prestação de serviços públicos.


Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e
permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu
contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de
caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

A que lei exatamente estaria o constituinte aludindo nesse


dispositivo?
Interpretando sistematicamente os dispositivos constitucionais que
tratam da distribuição das competências legislativa (para regular) e
material (para o desempenho de atividades) entre os entes federados em
face da norma supratranscrita, compreendo que a CF/88 faz remissão, no
mencionado art. 175, à lei editada pelo ente da Administração Pública
direta que possua competência para legislar e explorar o serviço.
Se a CF/88 atribui à União a competência material para explorar o
fornecimento de energia elétrica (art. 21, inciso XII, b) e a competência
para regular os assuntos a ela pertinentes (art. 22, inciso IV), bem como
para prever o modo como será prestado esse serviço (art. 175, parágrafo
único), normas estaduais que interfiram nessa disposição acabam por
adentrar no âmbito de autonomia do ente federal desenhado pelo
constituinte.
Destarte, somente lei federal poderia dispor sobre isenção ou
adiamento do pagamento das tarifas pelo uso da energia elétrica, sobre
possibilidade ou não de pagamento parcelado do débito em aberto e
sobre possibilidade ou não de interrupção do serviço em razão da
inadimplência, pois todas essas questões se inserem nos temas relativos
à política tarifária, aos direito dos usuários e, ao fim, à própria forma de
prestação daquele específico serviço incumbido, frise-se, pela
Constituição Federal, à União.
É certo que a matéria relativa à competência para legislar sobre

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 47

ADI 6432 / RR

determinados serviços públicos tem encontrado alguns temperamentos


na Corte, mormente quando se trata de questão específica, quando não
aferível situação de interferência na relação entre prestador do serviço
público e o Poder concedente. Nesses casos, este Tribunal tem
considerado a possibilidade de tratar a discussão no âmbito da seara
consumerista, possibilitando a atuação dos estados-membros, uma vez
que a matéria estaria encartada no âmbito da competência legislativa
concorrente.
Contudo, diante da expressa previsão constante do art. 175,
parágrafo único, da Constituição Federal, que exige que a lei do ente
responsável pela prestação do serviço disponha sobre as condições do
contrato com empresa prestadora, a política tarifária, o direito dos
usuários do serviço público e a obrigação de manter serviço adequado,
resta afastada, em meu entender, a possibilidade de inserção das
relações decorrentes da prestação do serviço, ou seja, entre a empresa
concessionária/permissionária e os usuários, no âmbito da competência
concorrente.
Não foi outra a conclusão a que chegou a Corte, recentemente,
quando enfrentou a matéria no julgamento da ADI nº 3.824, cujo teor
restou assim ementado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE ENERGIA
ELÉTRICA INVASÃO, PELO ESTADO-MEMBRO, DA
ESFERA DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO INDEVIDA
INTERFERÊNCIA NAS RELAÇÕES JURÍDICO-
CONTRATUAIS ENTRE O PODER CONCEDENTE
FEDERAL E AS EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS
COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO FEDERAL PARA
LEGISLAR SOBRE ENERGIA (CF, ART. 22, IV) E PARA
DEFINIR AS POLÍTICAS SETORIAIS QUE ORIENTAM A
ATUAÇÃO DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE
SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA (CF, ART. 21, XII, alínea
b) EXISTÊNCIA DE REGULAMENTO SETORIAL
ESPECÍFICO EDITADO PELA ENTIDADE REGULADORA

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 47

ADI 6432 / RR

COMPETENTE (A ANEEL, NO CASO), DISCIPLINANDO,


DE MODO EXAURIENTE, AS REGRAS CONCERNENTES À
SUSPENSÃO OU À INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO
DE ENERGIA ELÉTRICA AO CONSUMIDOR
INADIMPLENTE. VEDAÇÃO À INGERÊNCIA
NORMATIVA DOS ESTADOS-MEMBROS NA
ORGANIZAÇÃO DO SETOR ENERGÉTICO, A SER
EXERCIDA, COM ABSOLUTA EXCLUSIVIDADE, PELA
UNIÃO FEDERAL, QUE DETÉM COMPETÊNCIA
PRIVATIVA PARA FISCALIZAR A EXECUÇÃO DOS
SERVIÇOS, LEGISLAR SOBRE OS DIREITOS DOS
USUÁRIOS, FIXAR A POLÍTICA TARIFÁRIA E
DISCIPLINAR AS CONDIÇÕES DE REGULARIDADE,
CONTINUIDADE, EFICIÊNCIA, SEGURANÇA,
ATUALIDADE, GENERALIDADE E CORTESIA NA SUA
PRESTAÇÃO (CF, ART. 175) PAPEL
CONSTITUCIONALMENTE ATRIBUÍDO À UNIÃO FEDERAL
DE ASSEGURAR A TODOS OS USUÁRIOS, DE FORMA
IGUALITÁRIA, AMPLO ACESSO AOS SERVIÇOS PÚBLICOS
DE ENERGIA ELÉTRICA, SEM INDEVIDAS INTERVENÇÕES
DISCRIMINATÓRIAS PROMOVIDAS POR PROGRAMAS E
PLANOS DE CARÁTER REGIONAL INCOMPATÍVEIS COM
AS POLÍTICAS E DIRETRIZES DE ÂMBITO NACIONAL
DEFINIDAS PELA UNIÃO. INVIABILIDADE DA
ALTERAÇÃO, POR LEI ESTADUAL, DAS CONDIÇÕES
PREVISTAS NA LICITAÇÃO E FORMALMENTE
ESTIPULADAS EM CONTRATO DE CONCESSÃO DE
SERVIÇOS PÚBLICOS, SOB REGIME FEDERAL
REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA
PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA
PRECEDENTES PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA
REPÚBLICA PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI
ESTADUAL IMPUGNADA AÇÃO DIRETA JULGADA
PROCEDENTE. A competência da União Federal no domínio
do setor energético reveste-se de caráter exauriente (CF, art. 21,
XII, b, art. 22, IV, e art. 175).A jurisprudência plenária do

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 42 de 47

ADI 6432 / RR

Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a manifesta


inconstitucionalidade de diplomas legislativos de Estados-
membros que, a pretexto de exercerem a sua competência
suplementar em matéria de consumo (CF, art. 24, V) ou de
responsabilidade por dano (…) ao consumidor (CF, art. 24,
VIII), editam normas estaduais dirigidas às empresas
prestadoras de serviços de energia elétrica, dispondo sobre
direitos dos usuários e obrigações das concessionárias,
usurpando, em consequência, a competência privativa
outorgada à União Federal em tema de organização do setor
energético (CF, art. 21, XII, b, art. 22, IV, e art. 175) e intervindo,
indevidamente, no âmbito das relações contratuais entre o
poder concedente e as empresas delegatárias de tais serviços
públicos. Precedentes. Os Estados-membros não podem
interferir na esfera das relações jurídico-contratuais
estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a
União Federal ou o Município) e as empresas concessionárias
nem dispõem de competência para modificar ou alterar as
condições que, previstas na licitação, acham-se formalmente
estipuladas no contrato de concessão celebrado pela União
(energia elétrica CF, art. 21, XII, b), de um lado, com as
concessionárias, de outro, notadamente se essa ingerência
normativa, ao determinar a suspensão temporária do
pagamento das tarifas devidas pela prestação dos serviços
concedidos (serviços de energia elétrica, sob regime de
concessão federal), afetar o equilíbrio financeiro resultante
dessa relação jurídico-contratual de direito administrativo.
Precedentes” (ADI nº 3.824, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal
Pleno, DJe de 16/10/20).

Vide as palavras do ilustre Ministro, Celso de Mello, então Relator


da ação direta mencionada:

“Entendo, bem por isso, que a pretensão ora deduzida tem


o beneplácito da jurisprudência plenária desta Suprema Corte
que, ao examinar, em sucessivos julgamentos, a controvérsia

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 47

ADI 6432 / RR

pertinente à validade jurídico-constitucional de diplomas


legislativos estaduais que criam, em relação às empresas
concessionárias de serviços públicos titularizados pela União
Federal (ou pelos Municípios), obrigações ou encargos
pertinentes aos direitos dos usuários, à política tarifária, à
oferta de serviço adequado e demais aspectos relacionados à
prestação do serviço público concedido, veio a suspender a
eficácia de tais atos legislativos, por entender que o Estado-
membro não pode interferir na esfera das relações jurídico-
contratuais entre o poder concedente (a União Federal, no
caso) e as empresas concessionárias, notadamente em face do
que prescreve a própria Constituição da República, em seu
art. 175, parágrafo único, I e III (…).”

Ressalto, ademais, que, ao contrário do que ocorre na seara da


competência concorrente, no âmbito da competência privativa da União
para legislar, no qual compreendo situado o trato da matéria ora versada,
um eventual vácuo legislativo decorrente da omissão do ente maior não
autorizaria a atuação suplementar dos estados.
Com efeito, em matéria reservada à atuação legislativa federal, os
estados somente podem legislar sobre questão específica quando
previamente autorizados por lei complementar federal, consoante
previsto no art. 22, parágrafo único da Constituição Federal, o que não
ocorre no caso dos autos.
Por outro lado, como bem salientou o Ministro Gilmar Mendes no
voto que proferiu no julgamento da ADI nº 6.406-MC, em que discutida
lei paranaense similar à do presente caso, a União não deixou qualquer
vácuo legislativo a respeito da matéria ora tratada que pudesse ensejar a
atuação dos estados-membros.
Nesse ponto, colho o seguinte excerto do voto então proferido pelo
eminente Ministro, porque bem descreve o atual contexto normativo
sobre o tema:

“Além de a matéria versada na norma impugnada invadir


a competência privativa da União para legislar sobre energia,

10

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 44 de 47

ADI 6432 / RR

verifica-se que, em observância aos princípios da


universalização e continuidade do serviço em questão,
considerado o atual contexto da pandemia pelo Coronavírus
(Covid-19), a ANEEL, no âmbito do seu poder regulatório,
editou a Resolução Normativa 878, de 25.3.2020, a qual
estabelece medidas para a preservação da prestação do serviço
público de distribuição de energia elétrica em decorrência da
calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo
6/2020. Nesse mister, o referido ato normativo fixa os direitos
dos consumidores e os deveres das prestadoras de serviços de
distribuição e fornecimento de energia elétrica relacionados
ao atual contexto sanitário, prevendo a vedação, por 90
(noventa) dias, a contar da data da sua publicação, do corte de
energia elétrica para serviços considerados essenciais pela
legislação e para consumidores residenciais rurais e urbanos
de baixa renda, nos casos de inadimplência (...).
(…)
Além dessas iniciativas, a Autarquia também postergou
reajustes previstos para serem aplicados em abril às
distribuidoras de energia elétrica dos Estados da Bahia, do
Ceará, do Rio Grande do Norte, de São Paulo, Mato Grosso do
Sul e Mato Grosso, até dia 30 de junho do corrente ano.
(…)
Além da regulamentação promovida pela Agência
Reguladora de Energia Elétrica, a Presidência da República
também editou a Medida Provisória 950/2020, voltada a tratar,
especificamente, das medidas temporárias emergenciais
destinadas ao setor elétrico para o enfrentamento do estado de
calamidade pública, a qual prevê a isenção do pagamento da
fatura, por 3 (três) meses, para os usuários beneficiados com a
Tarifa Social, referente ao consumo de até 220 kWh.
Para regulamentar a referida Medida Provisória, o
Governo Federal publicou o Decreto 10.350, de 18.5.2020, que
trata da criação da Conta destinada ao enfrentamento dos
efeitos da pandemia no setor elétrico, consistente em um
empréstimo obtido junto a bancos públicos e privados

11

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 47

ADI 6432 / RR

destinado a preservar a liquidez das empresas do setor e ao


mesmo tempo reduzir os impactos da crise nas contas de luz
pagas pelos consumidores.
(…)
A Resolução Normativa 878/2020, da ANEEL, a MP
950/2020 e o Decreto 10.350/2020 tiveram por escopo preservar
o fornecimento do serviço, classificado como serviço essencial
(Lei 13.979/2020), aos consumidores mais vulneráveis, bem
como conferir uniformidade ao tratamento aplicado aos
destinatários finais pelas empresas de energia elétrica,
considerada a sua universalização (Lei 10.438/2002) e o dever de
rateio dos custos do fornecimento de energia elétrica, evitando,
ainda, o reajustamento do preço no setor neste momento de
calamidade pública enfrentada pelo país.
Para além da questão da inconstitucionalidade formal, é
preciso refletir também sobre as consequências práticas da
adoção de um entendimento que admita a atuação legislativa
estadual no setor elétrico, partindo-se da premissa da
sustentabilidade do sistema como um todo.”

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por sua vez, aduz


em petição de ingresso na qualidade de amicus curiae (doc. eletrônico nº
24), que:

“analisou as questões da redução da capacidade


econômica de pagamento das faturas e da manutenção de
serviços essenciais, sem afastar a necessidade de manutenção
do equilíbrio econômico-financeiro das empresas de
distribuição de energia elétrica, sem o qual a própria prestação
do serviço não se sustenta.
Ocorre que o parcelamento dos débitos a critério do Poder
Público Estadual, aliado à extensão do benefício a outros
grupos de consumidores, poderá impactar o fluxo de caixa das
concessionárias de distribuição e afetar a cláusula econômica do
contrato de concessão”.

12

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 47

ADI 6432 / RR

Destarte, ao fim e ao cabo, admitir a atuação legislativa dos estados


em matéria de energia elétrica, ainda que em razão de uma finalidade
louvável, é permitir que interfiram em contratos não firmados por eles.
É permitir, ademais, que os estados-membros alterem ajustes cujas
consequências econômicas e atuariais não podem prever, porque não
conhecem a fundo a área afetada, as quais não serão por eles suportadas.
Desta feita, entendo que a matéria ora discutida está inserida na
competência legislativa privativa da União, o que me permite concluir
pela procedência do pedido na presente ação.
Pelo exposto, divirjo da Relatora para declarar a
inconstitucionalidade da expressão “energia elétrica” constante do § 1º
do art. 2º da Lei nº 1.389/20 do Estado de Roraima, bem como dou
interpretação conforme à Constituição ao parágrafo § 2º do art. 2º e aos
arts. 3º, 4º, 5º e 6º do citado diploma, de modo a excluir de seu âmbito de
incidência os serviços de distribuição e fornecimento de energia elétrica.
É como voto.

13

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 3CA3-3EDD-53ED-CBA3 e senha FABE-918F-9199-C1EF
Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 08/04/2021

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 47

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.432


PROCED. : RORAIMA
RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA
REQTE.(S) : ABRADEE ASSOCIACAO BRASILEIRA DISTRIB ENERGIA ELETRICA
ADV.(A/S) : MARCELO MONTALVAO MACHADO (34391/DF, 4187/SE,
357553/SP) E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RORAIMA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido


formulado na ação direta para declarar constitucionais as normas
previstas no § 1º do art. 2º, no § 2º do art. 2º e nos arts. 3º,
4º, 5º e 6º da Lei n. 1.389/2020 de Roraima, na parte afeta à
“energia elétrica”, nos termos do voto da Relatora, vencidos os
Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux (Presidente), Nunes Marques e
Gilmar Mendes. Falou, pela requerente, o Dr. Orlando Magalhães
Maia Neto. Plenário, Sessão Virtual de 26.3.2021 a 7.4.2021.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio,


Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli,
Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e
Nunes Marques.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 9669-78F0-F871-C5D3 e senha 39DD-C044-04AE-D637

Você também pode gostar