Intervenção Vale Do Rubi

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LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

Trabalho interdisciplinar referente a


(6ART092) Espaços relacionais III,
(6ART098) Pintura I
(6ART093) Fotografia II,
(6ART096) Expressão Tridimensional II

PROJETO DE INTERVENÇÃO URBANA NO VALE


DO RUBI

Márcia Figueiredo Pereira Cardoso


Raquel Figueiredo Pereira Cardoso

LONDRINA
2021
2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 3

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-POÉTICA 3

3. MEMORIAL DESCRITIVO 6

4. PROPOSTA DE MEDIAÇÃO EDUCATIVA 23

REFERÊNCIAS 30
3

INTRODUÇÃO

Este texto é a apresentação de resultados e investigações da intervenção


urbana referente ao projeto interdisciplinar da Universidade Estadual de Londrina, no
curso de Artes Visuais. As autoras, Márcia e Raquel, idealizaram e executaram
modificações na paisagem do vale do Rubi através da pintura e da fotografia.
A pinturas foram feitas nas árvores do espaço, pela autora Raquel, com
pigmentos naturais e temática inspirada na arte indígena. O experimento de
fotografia consistiu na criação de antótipos, feitos por Márcia, com pigmentos de
urucum e a partir de fotografias do acervo da família, que protagonizam tribos
indígenas brasileiras, feitas na década de 60 e 70.
O eixo norteador da proposta foi a temática do desaparecimento dos povos
indígenas na cidade de Londrina e herança dos povos originários na arte
contemporânea.
Após a descrição do projeto artístico, foi elaborado também um projeto
pedagógico que visa a mediação entre as obras produzidas e a comunidade escolar
do colégio estadual Gabriel Martins.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-POÉTICA

O ponto inicial do desenvolvimento da proposta foi o espaço urbano de


Londrina que elegemos para a intervenção: o nosso bairro e o vale do Rubi,
localizado em frente de casa, que parece encontrar maneiras de se inserir no nosso
cotidiano. Nos mudamos para esta casa em 2019 e, desde então, não saímos muito
e não interagimos praticamente nada com os vizinhos ou com o resto da cidade,
sobretudo em razão do isolamento social necessário para a contenção da pandemia
de COVID-19.
Durante este período, a sensação que tivemos foi de morar em lugar
completamente diferente do restante da cidade, sempre há barulho de mata e, por
vezes, um inusitado morador do vale que vem nos fazer uma visita. Há, por
exemplo, um pica-pau que elegeu o retrovisor do carro como o melhor lugar para
batucar e uma maritaca com a asa machucada que entrou caminhando até a sala de
4

casa e resolveu fazer sua morada no jardim de inverno. Tatus, porcos espinhos,
aranhas e cobras também reivindicam, às vezes, o espaço do quintal e precisamos
encontrar modos de conviver com estes fatores, sem afetar, mais ainda, a vida que
há no vale do Rubi.
Mesmo após tantos meses, ainda encaro com espanto a natureza que se
apresenta para nós, com tanta boa vontade. Embora não seja, exatamente, boa
vontade. Sabemos que estes animais se deslocam até em casa por busca de
alimentos, o que deve refletir, em alguma medida, o desequilíbrio dos seus habitats
dentro do vale.
E é de se esperar que londrinenses como nós não estejam habituados a este
contato com a natureza, trata-se da segunda cidade mais populosa do estado,
conhecida pelo expressivo número de prédios e a intensa movimentação de
veículos. Ainda assim, a cidade conta com esses espaços verdes, que atuam como
verdadeiros oásis na paisagem urbana.
O mesmo espanto que a natureza do vale provocava em nós desejamos
provocar naqueles que passam pelo bairro. Durante as orientações do projeto, o
professor Kennedy Piau levantou a possibilidade de investigarmos o vale do Rubi a
partir da rota dos indígenas kaingang, que traçavam suas rotas de viagem pelos
vales dos rios. A partir desse eixo, o projeto foi ganhando corpo e a arte indígena se
inseriu nas reflexões.
Mas um texto que busque assemelhar a intervenção urbana proposta pelas
autoras com a arte indígena brasileira começa com alguns paradoxos: em primeiro
lugar, essas intervenções foram feitas por artistas que não são indígenas. Em
segundo lugar, os povos originários não partilham a mesma noção de arte que os
ocidentais. Essas questões, no entanto, dizem muito a respeito da intencionalidade
desta intervenção urbana.
Sabemos que uma das problemáticas focalizadas nessa experiência da
intervenção urbana foi a nossa identidade, enquanto artistas e enquanto mãe e filha,
que encontraram neste projeto uma possibilidade de investigar as nossas raízes. Na
condição de mulheres brasileiras, nos percebemos herdeiras da vontade de devorar
os antepassados, e de refletir sobre o presente.
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Caminhamos pela trilha do vale do Rubi e passamos a observar coisas que


não eram percebidas antes. Caminhar no meio da mata nos colocava sobre o
mesmo chão por onde as tribos indígenas passavam e éramos convidadas a
encontrar vestígios que nos contassem sobre essa antiga ocupação. Mas esses
vestígios não são fáceis de serem encontrados, e isso se dá em toda a cidade. De
acordo com o último censo do Ipardes, 0,1% da população de Londrina é composta
por indígenas, seus habitantes originários, e a história da formação da cidade se
pautou na derrubada das matas para a criação de fazendas, o que provocou um
quase desaparecimento desse grupo étnico.
Nosso objetivo se tornou, então, resgatar a memória e propor o
reaparecimento dos povos indígenas, ainda que em uma temporalidade fugidia. As
pinturas irão se desfazer com a chuva no seu devido tempo, assim como os
antótipos perderão a sua nitidez e terão o tempo de vida que a natureza estipular
como possível.
Este é um ponto de contato entre a proposta contemporânea a arte indígena:
a maioria dos povos ameríndios não faz arte para que ela perdure no tempo. Não se
guardam peças, máscaras ou adornos depois de tê-las usado nos rituais. Entre os
Wayana, “máscaras, flautas e outros artefatos, após uso ritual, são amarrados e
pendurados nas vigas da casa cerimonial para se desintegrarem lentamente sob os
olhares da comunidade” (LAGROU, 2009, p.65). Nessa linha de raciocínio, a arte
indígena e a intervenção urbana refletem a valorização de uma arte não cumulativa,
que não entra na lógica de mercado e não funciona a partir da separação entre e a
vida cotidiano e arte.
O que propomos, como artistas, é provocar os passantes, sem que seja
necessário que eles cheguem às mesmas conclusões que nós. Visamos tornar os
espectadores em participantes ativos na construção de significados das obras, à
procura de possíveis chaves de leitura. Inclusive, quanto mais complexas e menos
evidentes as alusões a arte indígena presentes na intervenção mais espaço
concedemos à interpretação do observador. Assim como a arte indígena, o que
queremos produzir não serve somente para ser contemplado somente na beleza e
na harmonia das formas, mas procuramos materializar complexas redes de valores
e ideias, com um significado que não é fixo.
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3. MEMORIAL DESCRITIVO

2.1 ANTÓTIPOS

O primeiro método utilizado nesta intervenção urbana foi o antótipo. Consiste


em uma prática fotográfica que se baseia na utilização de pigmento vegetal para a
impressão da fotografia. É uma técnica usada há muitos anos, tendo o químico John
Herschel como pioneiro.
O processo de criação de um antótipo requer um papel de boa absorção,
para servir como suporte do vegetal fotossensível (flores, folhas, etc) que devem ser
maceradas para promover a emulsão dos pigmentos. Líquido este que será usado
como tinta para cobrir a superfície do papel. Cada tipo de pigmento tem coloração,
absorção e durabilidade diferentes.Dessa forma, os resultados obtidos serão únicos
e irreproduzíveis, dependendo do material utilizado. E sua durabilidade é sempre
limitada, já que o procedimento não utiliza um processo de fixação.
Após pintar o papel com a extração vegetal, utiliza-se um negativo impresso
em transparência sobre o papel pintado. Para finalizar, coloca-se um vidro sobre a
imagem, e uma madeira embaixo como suporte. Então impermeabiliza-se com
plástico, e deixa-o exposto ao sol em repouso. O tempo de impressão varia
conforme o substrato vegetal utilizado, indo de horas a dias. As imagens escolhidas
nesse projeto, de povos nativos brasileiros, têm uma relação direta com o
desaparecimento característico do antótipo, uma vez que houve a dizimação desses
povos e ainda hoje carece de representatividade indigena na arte brasileira.
Neste projeto foram utilizados os seguintes materiais:

Fig. 1: Suportes de madeiras retangulares de medidas 47x42 cm


7

Fig. 2: Pigmento de Ucurum (Bixa orellana)

Fig. 3: Papel A3 29,7 x 42,00 cm de 200g/cm²


8

Fig. 4: Transparência de 29,00 x 20,00 cm, com fotos impressas

Fig. 5: O vidro de 3cm de espessura e de medidas 51,00 x 42,00 cm


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Fig. 6: álcool 70% como emulsificador do urucum

Fig. 7: Fita adesiva de 4,5cm

Fig. 8: Sacola plástica transparente como impermeabilizante

O resultado final do antóptipo é geralmente uma imagem espectral, sem


contornos definidos. É justamente destes aspectos do antótipo que decorrem a
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potência da técnica. Abaixo, seguem alguns antótipos realizados na disciplina de


Fotografia I, sob a orientação do professor Edson Vieira.

Fig. 9: Helicônia, antótipo feito com urucum, 2021.

Fig. 10: Crianças na fazenda, antótipo feito com urucum, 2021.


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As fotografias escolhidas para este projeto são do acervo da família das


autoras, antigos slides da tia Lindéia Cardoso, que registram o período de cinco
anos em que ela viveu entre os indígenas da região amazônica e do Mato Grosso.
Sabemos que essas fotos foram tiradas entre 1969 e 1974, e que alguns dos antigos
slides foram revelados em Belém do Pará, enquanto outros contém referências ao
Parque Nacional do Xingu.

Fig. 11: Amostra de slides

Fig. 12: Detalhe dos slides


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Gostaríamos de saber mais precisamente a qual ano e a quais tribos essas


fotos se referem, mas não foi possível neste momento da pesquisa. Estamos em
contato com parentes que eram próximos a ela e acreditamos que algumas
informações podem estar nas cartas que ainda estão guardadas na casa da tia
Miriam.
Dentre as inúmeras fotos, escolhemos as oito que mais despertam afeto em
nós e que refletem, de modo expressivo, a cultura desses povos. Segue o registro
das fotografias utilizadas:

Fig. 13: Crianças no rio, digitalização da fotografia em slide.

A fotografia das crianças no rio denota a simplicidade de uma foto amadora


e a leveza das crianças, aspirando a vida e liberdade. Trata-se de um momento
espontâneo do cotidiano, que possui um lirismo.
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Fig.14: Dupla no rio, digitalização da fotografia em slide.

Dupla no rio é a minha foto preferida até o momento. A felicidade transcende


do sorriso da menina, o movimento da água refletindo tal sentimento e tranquilidade
no rosto do menino. É uma foto com a qual me identifico, e gostaria de tirar uma foto
parecida.

Fig 15: Luta tradicional, digitalização da fotografia em slide.


14

Luta tradicional é uma foto que foi revelada perto do Parque Nacional do
Xingu e, ao que tudo indica, trata-se da arte marcial huka-huka. De acordo com o
site da FUNAI, o huka-huka é um ritual tradicional para testar a força de jovens
índios, cujo “objetivo é tocar a coxa do adversário ou derrubá-lo segurando a sua
perna. Quem conseguir isso primeiro ganha” 1. Esta luta é praticada após o Quarup,
ritual Xingu de homenagem aos mortos. Os guerreiros passam a noite do Quarup
em claro, arranhando-se com espinhas de peixe, passando ervas sobre a pele e
pintando-se com urucum e jenipapo. Após o combate entre os adultos, grupos de
jovens também se enfrentam para provar sua virilidade.
Esta fotografia foi escolhida pela importância do registro cultural que
representa e pelo simbolismo de força, unicidade e tradição.

Fig 16: Mandioca, digitalização da fotografia em slide.

1
Disponível em http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/4990-kuarup-o-ritual-funebre-
que-expressa-a-riqueza-cultural-do-xingu
15

Mandioca sugere a espontaneidade de um sorriso sincero e alegre com a


colheita da tradicional mandioca. Sinto um sentimento de compartilhar essa
felicidade ao olhá-la, com um desprendimento de vaidade.

Fig 17: Trabalho, digitalização da fotografia em slide.

Na figura 17 consta um momento em grupo rumo ao trabalho, mostrando a


coletividade da tribo e sua divisão social do trabalho.

SeFig 18: Hino, digitalização da fotografia em slide.


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A fotografia Hino foi selecionada, a princípio, em razão da proeminência do


cocar. Por meio deste registro podemos apreciar a arte plumária tanto no cocar
quanto nos pulsos do sujeito. Posteriormente, constatamos a camiseta branca do
indígena em primeiro plano e a pose que ele e as figuras ao fundo estão fazendo,
que remetem a estudantes uniformizados cantando o hino nacional. A forma contida
do gesto e o vestuário se distanciam do padrão das tradições indígenas, cujos
cantos geralmente são acompanhados de danças e percussão corporal.
Trata-se da fotografia que mais evoca a temática do intercâmbio entre as
tradições originárias e a política indigenista do Estado brasileiro durante a ditadura
militar. Simbolicamente, o registro permanece como um exemplo do etnocentrismo
europeu e colonialista, que reside na tentativa de construção de uma identidade
nacional que se pretendia hegemônica. Esse processo de construção identitária
pressupõe a dominação da alteridade, através de sua negação e da assimilação dos
costumes ocidentais.

Fig 19: Homenagem, digitalização da fotografia em slide.


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Homenagem mantém pontos de contato com a fotografia anterior, Hino, o


que leva a crer que foram tiradas na mesma ocasião. Nesta fotografia, no entanto,
trata-se de um menino mais jovem, que caminha carregando um tronco, de olhos
fechados e com a mão no rosto. Os troncos de madeira são recorrentes em
tradições de vários povos indígenas e podem ser utilizados como instrumentos
musicais ou conter finalidades ritualísticas, como no Quarup, em que cada tronco de
árvore simboliza um falecido, homenageado no ritual. A delicadeza do encontro da
mão com o rosto e os olhos fechados do menino remetem à subjetividade do rapaz,
atento às questões do mundo interior.

Fig 20: Colo, digitalização da fotografia em slide

A última fotografia utilizada no experimento é aquela em que a tia Déia


aparece. Ela está segurando uma criança no colo e eles têm duas flechas nas mãos,
enquanto no fundo, podemos ver as construções da aldeia.
Até o presente momento, todos os antótipos foram montados e estão
expostos ao sol. No entanto, as semanas que antecederam a redação deste texto
foram de chuva intensa e havia o risco de entrar umidade no experimento. Portanto,
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optamos por adiar esta etapa do processo e o resultado final estará registrado no dia
18 de junho.
Quando revelados os antótipos, eles serão dispostos na trilha do vale do
rubi, pendurados com sisal no tronco dos eucaliptos e intercalados com as pinturas
de pigmentos naturais.

2.2 PINTURAS

A escolha da técnica, dos materiais e dos suportes para a intervenção


urbana de pintura partiu do local específico que foi selecionado para a proposta, o
vale do Rubi. Por ser um espaço natural, procuramos uma proposta que fosse
cuidadosa com a mudança provocada no ambiente e que não causasse impacto
negativo na natureza.
Além disso, o fio condutor do projeto foi a herança dos povos originários, de
modo que optamos por realizar a pintura com pigmentos naturais. Caminhamos pelo
vale e elegemos o eucalipto como suporte para pintura, por ser uma árvore mais
clara e mais lisa.
A escolha inicial para o pigmento foi o urucum e o jenipapo, pigmentos
utilizados nas pinturas corporais indígenas. Em seguida, ampliamos a proposta com
a inclusão de pigmentos utilizados nas pinturas pré-históricas, como terras coloridas
e carvão.
Preparamos, então, as seguintes misturas: urucum em infusão no álcool,
terra avermelhada misturada com água, terra amarelada e terra acinzentada,
também diluídas em água. Como primeiro teste, aplicamos um pouco de cada
pigmento preparado em uma árvore.
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Fig. 21: Pigmentos aplicados no eucalipto. Em sequência da esquerda para a direita: terra
avermelhada, terra acinzentada, urucum e terra amarelada.

O teste revelou como as terras amarelada e acinzentada ficaram com


tonalidades muito próximas. O pigmento da terra avermelhada ficou vibrante e
destacado, enquanto o urucum ficou um marrom levemente avermelhado e muito
diluído, mesmo preparado de forma concentrada.
Assim, elegemos a terra avermelhada como o principal pigmento natural.
Mais tarde, acrescentamos o açafrão para obter o amarelo e o carvão para desenhar
as linhas.

Fig. 22: Pigmentos utilizados para a confecção das tintas naturais: carvão, terra e açafrão.
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O próximo passo foi a pesquisa sobre os temas da pintura. O ponto de


partida foi o estudo sobre a padronagem da cestaria Kaingang, sem que isso
significasse uma reprodução exata das padronagens, tarefa essa que seria
impossível diante da grande variedade de padrões e estilos. Optei, por esta razão,
por outra estratégia de construção das composições que é a de produzir uma pintura
autoral que visa realçar o que a arte indígena possui de específico e de fascinante.
A primeira pintura pode ser considerada um experimento, no qual
procuramos captar e fabricar as imagens geométricas da pintura indígena. A figura
se formou ao serem desenhados vários “x” em sequência e, posteriormente,
descobrimos que se parecia com o motivo Kempiro, que se refere à cobra mais
venenosa que existe, segundo a tradição Ashaninka.

Fig. 23: Pintura Kempiro, terra e carvão sobre tronco de eucalipto. 120 cm x 35 cm

Gostaríamos que o material utilizado, carvão e terra, fossem o mais brutos


possíveis, de modo que escolhemos um carvão vegetal de churrasqueira. No
entanto, o pigmento não aderia com facilidade à arvore e estava provocando marcas
na casca, o que vai no sentido contrário da proposta. Substituímos por um carvão
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para desenho, que era mais macio e o resultado pode ser observado nas fotos
acima.
No dia em que realizamos esta pintura, parte da tinta escorreu e formou
várias linhas verticais, que tentamos limpar com um pano umedecido, sem sucesso.
Fomos até a árvore onde realizamos o teste das tintas e constatamos que a chuva
intensa das últimas semanas não foi capaz de remover os pigmentos, pintados há
quase 20 dias. Além disso, as linhas que se formaram lembram os fios da tecelagem
e acreditamos que o acidente de execução se incorporou ao resultado final de forma
satisfatória.
Durante as leituras para esse trabalho percebemos como é evidente a figura
da anaconda ou jiboia como origem de todos os motivos decorativos usados na
pintura corporal, no tecido e na cestaria. Encontramos diferentes mitos de origem do
desenho, e também textos que tratam de modos distintos de obtenção dessa
padronagem como derivação da pele da cobra. De acordo com Lagrou, “O fato de
existir, em todas estas culturas, uma associação entre desenho e a sucuri, mostra
que se trata de algo mais do que uma simbologia idiossincrática de uma cultura
particular, trata-se de um dado transcultural amazônico, um símbolo-chave da
região” (LAGROU, 2009, p. 77).
22

Fig. 24: Cobra, terra, açafrão e carvão sobre tronco de eucalipto. 210 cm x 15 cm

Os testes que foram feitos antes da pintura na árvore se mostraram muito


diferentes da prática, afinal, o tronco é um suporte que exige uma gestualidade
completamente diferente, as dimensões são muito maiores e as manchas na casca
da árvore, aleatórias e orgânicas, são incorporadas ao desenho sem uma
previsibilidade.
A terceira pintura foi composta a partir da figuração da lua crescente e da
flor, que foram incluídas a partir das reflexões sobre a fertilidade. O olho na parte
inferior da lua e as pétalas que decoram o seu contorno decorrem do interesse na
exploração da linha curva.
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Fig. 25: Lua, terra, açafrão e carvão sobre tronco de eucalipto. 180 cm x 50 cm

Durante a produção dessas pinturas, várias pessoas caminhavam na pista


de corrida do vale e olhavam curiosas para o que estava acontecendo. Algumas
pessoas, geralmente mais velhas, paravam para conversar, perguntavam o que
estávamos fazendo e elogiavam a iniciativa. Descobrimos na intervenção uma forma
de estabelecer diálogo com a paisagem e com as pessoas que passavam.
Percebemos que essas interações não aconteceriam se não fosse pela iniciativa de
realizar a intervenção.

4. PROPOSTA DE MEDIAÇÃO EDUCATIVA


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Como proposta de mediação educativa, objetiva-se que os alunos saiam dos


muros da escola, observem o bairro e seu entorno, investiguem o Vale do Rubi e lá
façam pesquisas, coletas de dados e experimentações estéticas.
Espera-se que os estudantes tenham contato com a intervenção urbana lá
realizada, que seja feita uma mediação entre os alunos e as obras de arte e que
este seja o início de um projeto interdisciplinar que culmine na execução de uma
intervenção urbana feita pelos próprios alunos.
Almejamos que esta aprendizagem seja mais efetiva justamente pela
vivência prática, pela aquisição de conhecimento como pesquisa, permitindo ao
aluno o poder de decisão, de crítica, reflexão e de escolha neste processo.

4.1 Ponto de partida: O Vale do Rubi

O Vale do Rubi é um parque ecológico localizado no bairro Champagnat, em


Londrina-PR. Nas proximidades do vale, encontram-se os seguintes espaços
escolares:

● Colégio Estadual Dr. Gabriel Carneiro Martins, R. Dep. Nilson Ribas, 520 -

Bancários, Londrina - PR, 86062-090, a 190 metros do vale. Trata-se de uma


escola com Ensino Fundamental e Médio.

● Colégio Navegantes, R. Manoel Joaquim Gregório, 99 - Bancários, Londrina -

PR, 86062-060, localizado nas margens do vale. Trata-se de uma escola


privada, de Ensino Fundamental.

● Colégio Marista Londrina, Av. Maringá, 78 - Jardim dos Bancarios, Londrina -

PR, 86060-000, localizado a 900 metros do Vale. Trata-se de uma escola com
educação infantil, ensino fundamental e médio.
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Fig. 26: Vista aérea do Vale do Rubi, disponível no google maps.

A partir destas possibilidades, elegemos o Colégio Estadual Dr. Gabriel


Carneiro Martins como espaço escolar para a proposta de mediação educativa. Este
projeto será destinado aos alunos da segunda série do Ensino Médio e envolverá o
ensino das disciplinas de Arte, História, Química e Biologia.

4.2 Integração entre espaço educativo escolar e não escolar

Existem diversas estratégias de ensino que podem ser empregadas para


aprender e ensinar conteúdos de formas significativas, dentre elas a utilização de
espaços não formais de aprendizagem. É preciso considerar o entorno da escola,
como potencialmente carregado de formas de ensino e de aprendizagem e conceder
que muitos de nossos conhecimentos adquiridos não foram necessariamente
adquiridos no ambiente escolar e sim em espaços não formais. Neste projeto, os
esforços se somam para que os estudantes tenham uma aprendizagem significativa,
para que relacionem seus conhecimentos prévios aos novos conceitos trabalhados,
e ainda, que o façam por meio da aprendizagem por descoberta, com maior
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autonomia no processo de internalização. O aprendiz será o centro do projeto e terá


um papel ativo na busca por conhecimento.

4.3 Objetivos do projeto

O objetivo geral é integrar ambiente não escolar com a educação formal


para o ensino das disciplinas de Arte, História, Química e Biologia.
Os objetivos específicos são:

● Experimentar a criação em artes visuais de modo individual e colaborativo,

explorando o espaço do Vale do Rubi.

● Dialogar com a arte indígena através da pintura ao ar livre com pigmentos

naturais, atento aos repertórios imagéticos e às proposições temáticas da ate


indígena.

● Analisar os elementos constitutivos das artes visuais (ponto, linha, forma,

direção, cor, tom, escala, dimensão, espaço, movimento etc.)

● Experimentar a criação de antótipos com pigmentos naturais.

● Conhecer a história do Paraná e as rotas dos povos indígenas.

● Discutir a importância da preservação e conservação da biodiversidade do Vale

do Rubi, considerando parâmetros bioquímicos.

● Avaliar os efeitos da ação humana e das políticas ambientais para a garantia da

área de preservação ambiental.

● Avaliar os benefícios e os riscos à saúde e ao ambiente, considerando a

composição, a toxicidade e a reatividade de diferentes materiais e produtos,


como também o nível de exposição a eles, posicionando-se criticamente e
propondo soluções individuais e/ou coletivas para seus usos e descartes
responsáveis.
27

4.4 Procedimentos metodológicos do projeto:

O início do projeto se dará com uma aula itinerante pelo Vale do Rubi. Os
alunos farão a trilha do vale, acompanhados pelos professores, e entrarão em
contato com as intervenções artísticas feitas pelas autoras. Nessa ocasião, eles
terão tempo de observar as intervenções livremente e, depois, será feita uma roda
de conversa.
Algumas perguntas norteadoras poderão ser feitas para promover uma
discussão de aquecimento sobre o tema e levantar os conhecimentos prévios dos
alunos. É importante que o mediador deixe que eles apresentem respostas livres às
questões, individualmente ou em grupo.

1. Do que você mais gostou nessas imagens?


2. Que sensações ou emoções essas obras despertam?
3. Quais materiais vocês acreditam que foram utilizados para a confecção da
pintura? E as imagens fotográficas, como podem ter sido realizadas?
4. Que elementos da pintura transmitem a sensação de movimento?
5. Quais personagens foram retratados nas obras fotográficas?
nessa cena?
6. Em sua opinião, quais as intenções das artistas ao escolherem essa
temática para intervenção urbana?

O mediador pode promover a discussão sobre os pigmentos utilizados na


pintura corporal indígena e na pintura sobre o eucalipto, apontando as similaridades
e diferenças encontradas. Também pode abordar a relação entre figuração e
abstração na padronagem indígena e a abordagem dos mitos a partir da figura da
serpente e da lua, presente na intervenção.
É importante que o mediador investigue se os alunos já ouviram falar da
técnica do antótipo e se estão familiarizados com os procedimentos analógicos de
revelação da fotografia. Nesse contexto, é possível sanar as dúvidas sobre a técnica
do antótipo, explicar o método de confecção e apresentar a origem das fotografias
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utilizadas. Cabe também ao mediador apresentar o caráter efêmero da técnica e a


relação intencional que a artista estabelece com a poética do desaparecimento.
Após a discussão, serão lançados questionamentos, que cada grupo de
aluno deverá responder ao final do projeto:

1. O Vale do Rubi está preservado em termos de biodiversidade?


2. Qual a relação entre o modo de viver das tribos originárias e a
preservação ambiental?
3. A herança indígena desapareceu da produção artística brasileira?

O objetivo de iniciar o projeto interdisciplinar com perguntas é que a


aprendizagem se dê por descoberta. Segundo Ausubel, a aprendizagem por
descoberta se baseia em conteúdos que não são dados, mas que “devem ser
descobertos pelo aluno antes que possa ser significativamente incorporado à sua
estrutura cognitiva” (AUSUBEL et.al., 1980, p.20).
Para viabilizar a aprendizagem por descoberta neste projeto interdisciplinar,
é fundamental o trabalho em grupo como estratégia pedagógica. O trabalho em
grupo permite que os alunos se engajem nas tarefas, além de despertar interesse e
curiosidade em relação aos temas trabalhados. Por meio da ação coletiva, os
estudantes desenvolvem pensamento crítico, criatividade, curiosidade, empatia,
capacidade de resolução de problemas etc.
Portanto, sugere-se que os alunos sejam divididos em pequenos grupos de
cinco integrantes, que deverão ser mistos quanto ao gênero, desempenho
acadêmico e afinidades com as disciplinas. Este grupo deverá ser o mesmo até o
final do projeto, que tem um duração projetada de oito meses, mas que pode se
estender ou encerrar antes, de acordo com as demandas da turma.
Para que o trabalho em grupo funcione, é importante que as demandas
sejam claras e que cada integrante desempenhe um papel específico. Portanto, em
cada etapa do trabalho, o grupo deve dividir as funções entre si, baseados na
seguinte predefinição:
1. Monitor do tempo (responsável por garantir que atividade seja concluída no tempo
previsto);
29

2. Monitor de recursos (responsável por separar, distribuir e devolver os materiais e


ferramentas que serão utilizados);
3. Facilitador (mediará os conflitos, garantirá que todos tenham sua opinião
considerada e elaborará um relatório sobre a dinâmica do grupo);
4. Relator (organiza o relatório do grupo); 5. Fotógrafo (fará os registros gráficos da
atividade).
É interessante que seja feito um rodízio de papéis de modo que todos os
membros do grupo venham a desempenhar todos os papéis ao longo do projeto.
Na disciplina de história, os alunos do primeiro ano do Ensino Médio
aprenderão sobre as comunidades pré-cabralinas e, a partir do projeto
interdisciplinar, investigarão quais as tribos indígenas habitavam a região do Paraná
e quais ainda habitam. Ao final da investigação, os alunos devem ser capazes de
descrever as características culturais, sociais e geopolíticas desses povos e
hipotetizar sobre os principais fatores que levaram à decorada de determinadas
tribos indígenas.
Na disciplina de biologia, o projeto se enveredará por dois caminhos: na
primeira etapa, será discutida a fotossensibilidade, ao mesmo tempo em que na
disciplina de arte experimentam a confecção de tintas naturais e do antótipo. Em um
segundo momento, será trabalhada a biodiversidade e os alunos farão uma nova
aula itinerante ao vale, na qual deverão fazer um levantamento das espécies de
animais, insetos e plantas encontrados. As espécies poderão ser fotografadas e
amostras podem ser coletadas em pequenos sacos. Espera-se também que a
presença do eucalipto no bosque seja discutida estabelecendo-se um nexo entre
plantas invasoras e a biodiversidade.
Acompanhados pelo professor de química, os alunos farão o levantamento
dos indicadores de qualidade da água do vale, medindo a temperatura, o PH, o peso
e a quantidade de coliformes termotolerantes.
Ao final destas etapas, cada grupo produzirá um relatório das informações
levantadas nas disciplinas de biologia e química, e confeccionarão um banner com
informações, gráficos e a conclusão do grupo sobre o estado de preservação do
Vale do Rubi.
30

Para o encerramento do projeto, os grupos atuarão como coletivos artísticos e


produzirão uma proposta de intervenção urbana no Vale do Rubi que dialogue com a
preservação ambiental do espaço.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA. R. I. R. de. Utilização de espaços não formais de educação como


estratégia para a promoção de aprendizagens significativas sobre evolução
biológica. 2011.

AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D.; e HANESIAN, H. Psicologia Educacional. Rio De


Janeiro, Interamericana, 1980.

LAGROU, Els. Arte indígena no Brasil: agência, alteridade e relação. Belo Horizonte:
c/ arte, 2009.

COHEN, Elizabeth G. Planejando o trabalho em grupo. Porto Alegre: Penso, 2017.

Sugestões da banca
Ione performance https://drive.google.com/file/d/1TZfdJQe-
v91vNYB0gNEHT7hWkds2Keax/view
Fernanda Magalhães dançando no ouro verde
Rosangela rennó https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10376/rosangela-
renno
https://www.facebook.com/cmckaingang/
kleber Kronun de Almeida
https://www.facebook.com/festivalrectyty/posts/134128398765930/
Mariana Silva Franzim20:21
Aníbal Quijano
31

Walter Mignolo
Cleber kronun de Almeida fotógrafo Kaingang do TI do Apucaraninha

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