CASA REDONDA (Artigo Colaborativo) Kinceler Damé Rosa e Lima
CASA REDONDA (Artigo Colaborativo) Kinceler Damé Rosa e Lima
CASA REDONDA (Artigo Colaborativo) Kinceler Damé Rosa e Lima
Key words: Processes Collaborative Creation, Radical Sustainability, Public Art Current
Introduo
A partir da dcada de 1990 se faz cada vez mais presente, na cena da arte
contempornea, uma gama de proposies artsticas que se utilizam de modos de fazer
colaborativos, que enfatizam a articulao entre artistas com grupos sociais, profissionais e
detentores de saberes de diferentes reas. So projetos marcados por transitarem pela trama
social de comunidades bastante especficas. Os acontecimentos que da resultam possibilitam
o encontro do artista e dos colaboradores com um pblico detentor de outros saberes, criando
uma nova forma para o campo da prpria arte atuando prxima aos limites entre arte e a vida.
A motivao que impulsiona tais projetos artsticos, portanto, parece ser o vislumbre de poder
atuar em uma dinmica suspensa daquela imposta pelo capitalismo cognitivo1. So intervalos
que buscam evidenciar sonhos e desejos e concretiz-los - ainda que de forma imprevisvel e
impermanente - por meio da arte.
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Segundo Suely ROLNIK (2006), capitalismo cognitivo trata-se de uma forma de capitalismo ps-industrial em que o foco
na produo de mercadorias migra para a criao de signos atravs da publicidade e dos meios da cultura de massas. Atravs
destas imagens de mundos que o consumidor vai se identificar e desejar aquelas mercadorias.
O tema que abordamos aqui neste artigo, a partir da constatao que o artista no atual
estado do jogo representacional da arte est mediando a construo de mundos possveis por
meio da realizao de ecologias culturais, est voltado ao adensamento das discusses, das
reflexes e das proposies possveis sobre as relaes existentes entre a arte contempornea
e a realidade rural, tendo como referente com a proposta artstica titulada Casa Redonda2.
Neste contexto, a questo que se estabelece de como fundar o processo criativo de forma
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O projeto Casa Redonda localiza-se em uma propriedade rural situada no interior de Encruzilhada do Sul/RS.
compartilhada no meio rural? Que tticas criativas podem funcionar, tendo como panorama
scio econmico cultural a situao de desamparo que a realidade cultural do campo atravessa
hoje? Como vivenciar o contexto rural pensando o uso da terra no apenas como um lugar de
trabalho, mas como um espao para o desenvolvimento da criatividade em suas mltiplas
potencialidades?
A Casa Redonda uma proposio artstica de Paulo Dam, que se lana a construir
uma casa, projeto iniciado em 2009 que teve como start a desconfortvel sensao de calor
pelo aumento da temperatura no final do ano de 2008. A partir de uma lembrana da infncia,
quando em um vero muito quente teve a sensao de conforto trmico na casa feita com terra
de um tio. A casa era construda em uma tcnica antes usada naquela regio, subia em paredes
de leiva3 e terminava em telhado de capim santa-f. Nesta poca veio a deciso de construir
uma casa com as prprias mos, levando em conta a recuperao de tradies eficientes de
construo, o reuso de materiais, a economia de energia, a sustentabilidade radical, tratamento
de esgoto, captao de gua da chuva e estar aberto a toda idia que viesse somar-se a este
pensamento do viver bem.
O primeiro passo para construir uma casa, dentro de uma tradio local era identificar
e fazer uma boa fonte de gua potvel e que no secasse durante as estiagens, o que foi feito
durante o vero de 2009, em um perodo longo sem chuvas. O estgio seguinte foi a escolha
do lugar da casa, tendo como principal critrio a chegada da gua at a casa por gravidade,
sem o auxilio de bomba eltrica. Conversas e pesquisas, se seguiram com diversas pessoas,
sobre mtodos de construo com terra, chegando-se a tcnica de superadobe4. Ao contrrio
do que esta tcnica sugere, o alicerce foi construdo de pedra e concreto de forma a suportar o
peso das paredes de terra. As pedras do alicerce e algumas madeiras antigas, usadas para os
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Para construir com leiva, so retirados retangulos de terra de aproximadamente 40 x40 centimetros com grama, o que ajuda
a fixar os pedaos de terra, que vo sendo colocados e compactados para levantar a parede.
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Superadobe, tcnica desenvolvida pelo arquiteto Iraniano Nader Kalili, que usa uma tcnica de guerra para fins pacficos.
Consiste em ensacar terra mida do lugar, sobrepondo os sacos na parede e apiloando para compactar. A forma circular da
casa confere mais estabilidade para parede.
marcos das aberturas, foram doadas da demolies de uma propriedade vizinha. A execuo
do alicerce foi com participao de mo de obra contratada.
Nos estudos iniciais da construo ficou evidente que o vo livre do espao principal
da casa, possua um dimetro muito grande, dez metros, para fechar em abboda, como
possibilita a tcnica de superadobe. Para solucionar o problema foi criado uma estrutura de
madeira independente das paredes, para suportar um telhado verde, construda com postes de
eucaliptos que estavam mortos nos bosques da propriedade. Desde seu incio o projeto da
construo no era definitivo, cada etapa era decidida quando iniciada, guardando uma
flexibilidade para melhores solues que se apresentavam no fazer. Aps a concluso da
estrutura do telhado com mo de obra contratada, comeamos a pensar na construo da casa
como dispositivo relacional e que seria possvel constru-la de forma muito mais criativa e
eficiente, se realizada colaborativamente, pensando na participao da comunidade
universitria juntamente com a comunidade rural local.
Para prepara este trabalho colaborativo foram formalizados dois projetos de extenso
universitria, envolvendo a UFPel, UDESC e UFSC e a comunidade rural local. Na forma de
encontro os eventos junto a Casa Redonda, organizou-se em duas frentes, a manuteno do
grupo, alimentao, hospedagem e necessidades individuais e o trabalho coletivo em diversas
oficinas. O primeiro evento5 realizado em maio/2011 funcionou como uma preparao das
etapas que se seguiram. Neste momento se reuniram em uma permanncia de oito dias
realizando oficinas propostas pelos participantes, como construo de forno de po, oficina de
po caseiro, oficina de tirar leite, dirigir trator, oficina de preparo de chimarro, confeco de
petecas, entre outras. Entre participantes e visitantes estiveram presentes em torno de sessenta
pessoas6.
Este evento seguia proposta: Em Busca do Interior: Sete dias sem imagens. Na poca foi criado um blog para
compartilhamento entre os grupos envolvidos http://embuscadointerior.wordpress.com/
6
Vale ressaltar que parte dos envolvidos na proposta no tinham contato prximo com a paisagem e modo de vida rural onde
tarefas como cortar lenha para o fogo, tirar leite andar de trator, manejar bambu, na construo de um banheiro seco ou de
um forno para po, alm da prpria atividade de cuidar da alimentao do grupo, leva a um processo que associado ao um
processo de convvio intensificado altera profundamente as percepes e valores enraizados numa cultura de bens imediatos
que vivenciamos em reas urbanizadas.
nos improvisos musicas e poesias em torno fogueira no fim do dia. Como forma ldica
experimental; nos improvisos com utenslios da cozinha sons percussivos no galpo.
A construo est sendo desenvolvida sem antecipao das etapas, ou seja, utilizando
um mtodo mais orgnico, solucionando cada passo que se apresentava, desta forma foi de
fundamental importncia a contribuio dos colaboradores, que a partir de suas percepes e
experincias, foram discutindo e sugerindo alternativas para os problemas surgidos na
execuo.
Boff7 (1938), professor e conferencista nas reas de teologia, filosofia, tica, espiritualidade e
ecologia nos coloca da seguinte forma:
Quando 1982 o New York Times pediu a Isaac Asimov, grande cientista
russo que divulgava a cincia, astronomia, astrofisica, fsica quntica em
livrinhos populares (...) que fizesse um artigo sobre o legado do Sputnik, que
em 1957 fez a primeira volta ao redor do planeta terra, na primeira pgina do
NYT ele diz: "O Sputnik nos deu o seguinte legado: "1 - que vendo a terra de
fora da terra nos damos conta de que terra e humanidade formam uma
nica entidade (...) 2 - que essa viso desperta em ns uma conscincia
planetria" temos uma conscincia coletiva da nica casa comum. E 3:
"que vendo a terra de fora da terra pequenininha, dependurada no fundo
negro do universo como uma bola de natal brilhante, belssima,
masextremamente frgil e que temos que defende-la porque ela demonstra
vulnerabilidade."8
Da mesma forma quando este mesmo autor nos coloca "Se a terra est doente hoje
porque ns estamos doentes"9 enfatiza a responsabilidade nas relaes que cultivamos, com as
nossas moradas, ou casas, que simbolicamente abrange desde nosso corpo at uma viso
planetria se estendermos o entendimento. Neste sentido compreensvel o giro provocado
pelas prticas colaborativas. O artista contorna formas de arte j existentes e passa a habitar
outros campos culturais, neste nvel de criao no h limites ligados a disciplinas ou
categorias artsticas. Kwon sugere que hoje, como os artistas e tericos culturais so
informados por uma maior diversidade de disciplinas, tambm o nosso entendimento de site
mudou de uma localizao fsica para um espao constitudo de processos sociais,
econmicos, culturais e polticos10.
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Desde 1995 a proposta A Quietude da Terra (The Quiet in the Land)15, desenvolvida
pela curadora independente France Morin articula grupo de artistas de diferentes etnias com
comunidades bastante especficas, vemos a noo de tempo dilatar-se em um convvio
duradouro. Este convvio opera como uma espcie de gatilho para acessar a potencialidade da
arte em criar uma nova viso sobre as fragilidades de uma determinada realidade que so
alvos das investidas de um capitalismo globalizado, centrado no consumo. Neste processo,
todos os envolvidos, artistas, comunidades, estudantes, colaboradores, passam a transformar
suas vidas sob um novo ponto de vista, a partir da pausa existente entre suas diferenas
culturais e que sob uma atitude receptiva, geram novas formas de contaminao mtua. Sob
esta perspectiva, os projetos articulam arte e aprendizado de maneira interdisciplinar e
dialgica por meio de prticas cotidianas onde se encontram contidas a dimenso espiritual,
esta dimenso representa a fonte de capacitao de cada indivduo naquele contexto e
permeiam tambm as concepes de cada projeto. No ltimo projeto desenvolvido na
comunidade do Lao, a noo de impermanncia inerente ao pensamento budista em relao
vida, por exemplo, passou a ser um dos norteadores filosficos do projeto. Nas palavras do
zen budista ThichNhatHanh e citadas na introduo do projeto (MORIN,F.):
Sem a impermanncia a vida no possvel. Como podemos transformar
nosso sofrimento se as coisas no so impermanentes? Como pode nossa
filha se transformar numa bela jovem? Como pode a situao do mundo
melhorar? Precisamos da impermanncia para a justia social e para a
esperana... Com a impermanncia toda a porta est aberta para a
mudana...Impermanncia um instrumento para a nossa liberao.
Concluso
O desenvolvimento de projetos colaborativos indicam processos de criao que se
distanciam da carga simblica e das formas de representao artsticas j legitimadas pela
arte, estabelecendo um lugar praticado, um laboratrio de troca e vivncias mltiplas. Neste
convvio, o qual a proposta Casa Redonda est realizando, busca-se o reinventar das
subjetividades e o ambiente scio cultural no qual se atua. Estamos num territrio onde as
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A Quietude da Terra desenvolvida na Comunidade Shaker nos EUA(1995-1998) que contou com a participao de 10
artistas. A Quietude da Terra e o Projeto Ax em Salvador, Brasil (1997-2000) com a participao de 17 artistas e A
Quietude da Terra Laos em LuangPrabang Lao PDR (2003-2008) com 14 artistas. (Verhttp://www.thequietintheland.org/)
REFERNCIAS
BLANCO, P. Explorando el terreno. In:BLANCO, P.; CARRILLO, J.;
CLARAMONTE, J.; EXPSITO, M. (Orgs.) Modos de Hacer, Arte Crtico,
Esfera Pblica y Accin Directa. Salamanca/Espanha: Ediciones Universidad
de Salamanca, 2001.
LADAGGA, Reinaldo. Esttica da Emergencia. So Paulo: Editora: Matins Fontes
HOLMES, Brian. El dispositivo artstico, o la articulacin de enunciaciones coletivas. Brumaria.
n. 7, Editorial Virus. s/d.
Autores
Jos Luiz Kinceler - Graduado em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal de Santa Catarina
(1984). Doutorado em Escultura como prctica y lmite - Universidad del Pas Vasco (2001). PsDoutorado em Arte Pblica pela UFF-RJ (2010). Professor associado do Departamento de Artes
Visuais do Centro de Artes - UDESC. Tem experincia na rea de Artes Visuais com nfase em
processos criativos complexos.
Paulo Dam - Professor de Escultura e Cermica na Universidade Federal de Pelotas/RS, desde 1993.
Mestre em Artes Visuais, PPGAV/UDESC/Ceart, 2007, Doutorando, em Processos Artsticos
Contemporneos, PPGAV/UDESC/Ceart, 2014, cuja tese foca a construo da Casa Redonda por
meio de um processo colaborativo dentro da lgica da Sustentabilidade Radical.
Leonardo Lima Mestrando no Programa de Ps-Graduao em Artes Visuais do Centro de Artes da
Universidade do Estado de Santa Catarina CEART/UDESC, instituio onde concluiu em 2013 o
curso de Bacharel em Artes Visuais. Atua no campo das prticas artsticas transitando entre as
linguagens da msica, vdeo, fotografia, com interesse prtico e terico na investigao de projetos
que envolvem iniciativas colaborativas em arte.
Tatiana da Rosa - Mestra em Artes Visuais, PPGAV/UDESC/Ceart, 2007. Doutoranda em Processos
Artsticos Contemporneos do PPGAV/UDESC/Ceart, 2014. Atua no campo das prticas artsticas
que envolvem iniciativas colaborativas em arte pblica de novo gnero. Colabora com o grupo de
pesquisa Literatura Infanto Juvenil produzida em SC coordenada pela professora doutora Eliane
Debus Centro de Educao da Universidade Federal de SC.