Tintas PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

Artigo

As Formulaes de Tintas Expressivas Atravs da Histria


Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.*
Rev. Virtual Quim., 2012, 4 (1), 2-12. Data de publicao na Web: 5 de maro de 2012
http://www.uff.br/rvq

The Expressive Ink Formulations Through History


Abstract: This manuscript describes the main technological developments and their impact on the preparations
of paints. Initially, man used metal oxides and hydroxides to produce rock art, where colloquial scenes, such as
hunting, fishing, fruits recollection, fighting and sex, were described. When civilization started up techniques
were developed for the preparation of Watercolor, Gouache, China ink and Tempera, that together with new
synthetic pigments have been the raw materials for all artistic production for millennia. Approximately in the
XVth century the use of oils to prepare paints was the basis for renaissance art production. Finally, the
petrochemical revolution in the XXth century changed the artistic market, with special contribution of the acrylic
inks, which are now the mostly used by artists.

Keywords: Watercolor; Gouache; China ink; Tempera; Oil inks; acrylic inks.

Resumo
O artigo descreve os principais desenvolvimentos tecnolgicos e seus reflexos na formulao de tintas para
arte, conhecidas como tintas expressivas. Inicialmente o homem usou xidos e hidrxidos de metais em
pinturas rupestres relacionadas a atividades corriqueiras como a caa, pesca, coleta de frutos, guerras e sexo.
Posteriormente, com as primeiras civilizaes foram desenvolvidas as tintas Aquarela, Guache, Nanquim e
Tempera, que em conjunto com novos pigmentos sintticos foram a base da produo artstica por milnios. No
sculo XV, estudos com leos vegetais proporcionaram o desenvolvimento das primeiras Tintas a leo, que ao
serem assimiladas por pintores renascentistas foram importantes para a criao de grandes obras de arte. Com
o desenvolvimento da petroqumica no sculo XX houve uma revoluo no mercado de tintas, com o
surgimento das Tintas Acrlicas que passaram a ser muito usadas por um grande nmero de artistas.

Palavras-chave: Aquarela; Guache; Nanquim; Tempera; Tintas a leo; Tintas Acrlicas.

* Universidade de Braslia, Laboratrio de Materiais e Combustveis, Instituto de Qumica, P. Box. 4478, 70919-
970, Braslia, DF, Brasil. INCT-Catlise.
[email protected]
Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12| 2
Volume 4, Nmero 1 Janeiro-Fevereiro 2012

Revista Virtual de Qumica


ISSN 1984-6835

As Formulaes de Tintas Expressivas Atravs da Histria


Vinicius M. Mello, Paulo A. Z. Suarez*
Universidade de Braslia, Laboratrio de Materiais e Combustveis, Instituto de Qumica, P. Box. 4478, 70919-
970, Braslia, DF, Brasil. INCT-Catlise.
* [email protected]

Recebido em 4 de maro de 2012. Aceito para publicao em 5 de maro de 2012

1. O que so tintas?
2. A tinta na pr-histria: as pinturas rupestres
3. A tinta e o surgimento da civilizao: a contribuio dos egpcios e chineses
4. Os afrescos Greco-romanos e Bizantinos
5. O Renascimento e o desenvolvimento da tinta a leo
6. O Sculo XX e a revoluo das resinas sintticas da indstria petroqumica
7. Qual ser a tendncia para o Sculo XXI?

1. O que so tintas? finalidade do uso de uma tinta sobre uma superfcie


pode ser a proteo dessa superfcie ou o seu
embelezamento. A tinta tambm pode ser usada
como forma de expresso de ideias ou sentimentos,
Tinta uma mistura que quando aplicada sobre
seja na impresso de um texto ou na criao de obras
uma superfcie forma um filme, ou seja, uma fina
camada de material que recobre a regio onde foi de arte.
depositada, conforme ilustrado na Figura 1. A

Figura 1. Recobrimento de uma superfcie (em cinza) com tinta (veculo em amarelo-claro e pigmentos como
pontos vermelhos)

Geralmente identificam-se diferentes compostos aglutinados os demais constituintes. Outros


na composio de uma tinta, os quais tm funes componentes importantes so os pigmentos e os
especficas. O primeiro e mais importante o veculo corantes, cujas finalidades so fornecer cor tinta. A
ou binder, que o componente qumico que ir gerar diferena entre pigmentos e corantes se refere
um filme sobre a superfcie responsvel por proteg- solubilidade: enquanto os primeiros so slidos
la, alm de ser responsvel por manter dispersos e insolveis dispersos no veculo, os segundos so

3 Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12|


Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

compostos que permanecem dissolvidos nele. acompanhando o desenvolvimento cultural, cientfico


Opcionalmente, as tintas podem conter outros e tecnolgico da sociedade que as empregava. Uma
elementos, tais como os solventes, cargas e aditivos. histria interessante a evoluo das tintas usadas
Os solventes so usados para diminurem a pelo homem para se expressar artisticamente,
viscosidade do material e facilitar a aplicao da tinta. conhecidas como Tintas Expressivas. Do uso de
As cargas so materiais que conferem caractersticas materiais disponveis na natureza at sofisticados
especficas tinta, como, por exemplo, nanopartculas polmeros oriundos da petroqumica, diversas
magnticas que tornam avies invisveis a radares. formulaes foram utilizadas para a preparao de
Finalmente, os aditivos so compostos usados para tintas.3 A seguir, feito um relato histrico do
auxiliar desde o processo de armazenamento at a desenvolvimento tecnolgico na formulao de tintas
formao do filme. Por exemplo, podem ser citados voltadas para as artes.
os biocidas, que auxiliam na preservao da tinta
durante a sua estocagem, ou catalisadores que
reduzem o tempo de formao do filme.1 2. A tinta na pr-histria: as pinturas
Os primeiros relatos do uso de tintas remontam a rupestres
perodos anteriores h 30.000 anos, geralmente
associadas a pinturas em paredes rochosas realizadas
por sociedades nmades primitivas, as quais so Em praticamente todos os lugares onde ocorreram
chamadas de pinturas rupestres.2 At hoje no se ocupaes humanas pr-histricas possvel
sabe exatamente o objetivo dessas pinturas, sendo encontrar pinturas rupestres. Nem sempre essas
muito provavelmente uma simples expresso pinturas encontraram condies que permitiram a sua
artstica. Posteriormente, o homem passou a usar as conservao at os tempos atuais. No entanto, so
tintas com a finalidade de proteo de superfcies. vastas as ocorrncias dessas pinturas que
Existem diversas evidencias que as civilizaes permaneceram preservadas at a atualidade. Nas
antigas, como a dos fencios, que comearam a mais antigas so representados animais e hbitos
proteger as suas embarcaes feitas de madeira com corriqueiros, tais como cenas de caa, de pesca, de
tintas, aumentando a sua durabilidade e melhorando guerra e de sexo. Em pinturas mais recentes,
o seu desempenho. Com o passar do tempo, a tinta posteriores a 10 mil anos atrs, as pinturas comeam
cada vez mais usada como proteo de superfcies, a conter desenhos geomtricos e de maior
do que, propriamente, como forma de expresso complexidade. No Brasil possvel encontrar arte
artstica. Atualmente a indstria de tintas est rupestre de norte a sul do pas, sendo as pinturas
praticamente voltada para a proteo e rupestres mais antigas encontradas no Parque
embelezamento de superfcies, sendo marginal a fatia Nacional da Serra da Capivara,4 que foram tombadas
de mercado destinada arte. pela UNESCO como patrimnio histrico da
Ao longo da historia da humanidade, diferentes humanidade, as quais so datadas em at 11.000
constituintes foram usados para a produo de tintas, anos,4 como a mostrada na Figura 2.

Figura 2. Pintura rupestre encontrada no Parque Nacional da Serra da Capivara


Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12| 4
Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

difcil de precisar com exatido a formulao das ilustrada na Figura 3. Estes povos foram os primeiros
tintas utilizadas. Acredita-se que os nossos a descobrir que os minerais podem mudar sua
antepassados usassem como pigmentos partculas colorao ao serem calcinados, desenvolvendo assim
inorgnicas minerais finamente modas. Por exemplo, os primeiros pigmentos sintticos. Por exemplo, estes
para a colorao vermelha era usada a hematita dois povos desenvolveram pigmentos sintticos de
(Fe2O3), para a colorao amarelo a Goethita cor azul. O Azul do Egito (CaCuSi2O6) foi obtido pela
[FeO(OH)], para a colorao branca a caulinita calcinao de uma mistura de slica, xidos de cobre e
[Al2Si2O5(OH)4] e para a colorao preta a Pirolusita sais de clcio. J os chineses desenvolveram o Azul de
(MnO2).5,6 Para conseguir cores intermedirias, muitas Han (BaCuSi2O6) a partir da calcinao de uma mistura
vezes eram usadas misturas desses minerais, como a de slica, xidos de cobre e sais de brio.8 Outros
hematita e o caulim para atingir a cor cinza. Foram pigmentos encontrados foram a hematita para o
tambm encontradas pinturas que utilizavam vermelho, uma mistura de hematita e calcita (CaCO3)
pigmentos orgnicos para a colorao preta, tais para a cor rosa, o ouropigmento (As2S3) no caso do
como carvo vegetal ou mineral. importante amarelo e carvo como pigmento preto. A cor laranja
ressaltar que os pesquisadores no descartam o uso foi preparada misturando-se hematita com
de corantes. No entanto, estes materiais, que sero ouropigmento ou, ento, usando massicote e litargrio
discutidos mais adiante, se decompem rapidamente, (PbO ortorrmbico e tetragonal, respectivamente).9
e no teriam chegado preservados at os dias atuais.1
Ambos os povos utilizavam como veculo a goma
J em relao ao veculo, no h um consenso sobre
arbica ou a gema ou a clara de ovo. A goma arbica
qual o material utilizado. Acredita-se que possam ter
uma resina obtida de rvores das espcies das
sido utilizadas seivas ou resinas de rvores ou
accias. uma mistura de polissacardeos (polmero
arbustos; ceras, leos ou gorduras de animais ou
da sacarose com outros acares) e glicoprotenas. A
vegetais; gemas e/ou clara de ovos; ou at mesmo
clara do ovo constituda praticamente por gua e
sangue, fezes ou urina de animais. No entanto, a
protenas conhecidas como albuminas, enquanto que
natureza orgnica destes materiais no permitiu que
a gema de ovo constituda por protenas (15 %),
chegassem aos nossos dias com integridade suficiente
gorduras (35 %), gua e diversos nutrientes em
para uma determinao precisa de sua composio.2
pequenas quantidades. A mistura de pigmentos com
goma arbica conhecida como aquarela, ou como
guache dependendo das propores entre veculo,
3. A tinta e o surgimento da civilizao: a solvente e pigmento. J no caso do uso de clara ou da
contribuio dos egpcios e chineses gema de ovo, a tinta conhecida como tmpera.3
Outro exemplo do desenvolvimento tecnolgico
ocorrido nas culturas egpcia e chinesa foi a obteno
Somente aps o estabelecimento de centros do que hoje chamamos tinta nanquim. Esta tinta foi
urbanos e o desenvolvimento das culturas antigas foi desenvolvida inicialmente atravs da disperso de
que as tintas sofreram novas modificaes. Dentre as partculas de carbono em gua. Hoje em dia o
civilizaes da antiguidade que mais contriburam nanquim preparado com nanopartculas de carbono
para o desenvolvimento das tintas podemos destacar esferoidais, conhecidas como negro de fumo, que
a cultura Egpcia e a Chinesa, as quais desenvolveram sero discutidas mais a frente. Para se evitar a
de forma independente tcnicas bastante similares. agregao das partculas de carbono e estabilizar a
Tanto no Egito quanto na China, as tintas foram suspenso era utilizada a goma arbica.3
amplamente utilizadas para a realizao de pinturas
decorativas em templos, palcios ou tumbas, como a

5 Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12|


Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

Figura 3. Pintura em templo no Vale dos Reis, Egito

4. Os afrescos Greco-romanos e muitas das quais chegaram a atualidade em bom


estado de conservao.3
Bizantinos
Alm disso, esses povos tambm desenvolveram
tcnicas de uso de corantes, principalmente para
Os gregos e romanos herdaram as tradies de tingir tecidos. Por exemplo, os romanos se tornaram
produo de tintas dos egpcios. No entanto, a tcnica exmios extratores de corantes de cor prpura
de misturar pigmento com protenas, principalmente provenientes de moluscos do mediterrneo. Deve-se
derivadas de ovos, atingiu o seu maior destacar que esta tcnica havia sido exaustivamente
desenvolvimento tcnico com estes povos. Esta tinta usada pelos fencios, entretanto foram os romanos
permitiu a estes povos desenvolverem tcnicas que aprimoraram tanto a tcnica de criao em
artsticas inovadoras, como a noo de perspectiva cativeiro dos moluscos como a extrao e preparao
que at ento no existia. Infelizmente, o clima mido do corante. Este processo realizado pela coleta de
do mediterrneo favoreceu a proliferao de micro- uma secreo branca de moluscos como o Murex
organismos, que acabaram por impedir que essas brandaris e o Purpura haemostoma. Aps secagem ao
obras de arte fossem conservadas e chegassem at os sol, a cor prpura aparecia, sendo o corante
dias atuais. conhecido como prpura Imperial.10 A tecnologia de
produo do Prpura Imperial foi guardada em
Outra tcnica muito usada neste perodo foi o segredo durante centenas de anos, tendo o
afresco. Diferentemente da tmpera, esta tcnica no Imperador Romano Nero decretado pena de morte
utiliza um veculo orgnico, o que permitiu que para pessoas que a utilizavam sem a devida
imponentes obras de decorao de murais chegassem autorizao. Com a queda de Constantinopla, hoje
at os dias atuais, como o os afrescos do palcio de Istambul, a capital da Turquia, o segredo desta tcnica
Knossos na Ilha de Creta, Grcia. A diferena entre a foi perdido, intrigando historiadores durante sculos,
tmpera e o afresco, que o segundo utiliza como sendo redescoberto, somente em 1998, pelo cientista
veculo uma espcie de argamassa de constituio ingls John Edmonds.11 Outro exemplo de emprego
inorgnica para dispersar os pigmentos. A principal pelos Romanos de corante foi a utilizao do Anil do
tecnologia usada para a obteno de argamassa foi ndigo, importado da ndia por comerciantes rabes.
misturar cal (CaO obtido pela calcinao de CaCO3), Basicamente, era obtido de plantas do gnero
areia (principalmente SiO2) e gua. Ento, com esta Indigofera. O extrato possua o composto qumico
argamassa ainda fresca eram misturados os indoxil, que ao ser oxidado pelo oxignio provocava a
pigmentos, essencialmente os mesmos usados pelos dimerizao desta molcula com a formao do
egpcios, e o produto aplicado diretamente sobre ndigo. Este pigmento foi um dos principais produtos
paredes, colunas, esttuas, etc. A evaporao da gua das grandes navegaes, passando a ser obtido de
gerava uma camada dura que guardava a colorao, forma sinttica somente em 1903. O desenvolvimento
Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12| 6
Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

do processo industrial de sntese do ndigo pelos 5. O Renascimento e o desenvolvimento


qumicos da companhia Farbwerke Hoechst12
considerado por muitos historiadores como o
da tinta a leo
primeiro projeto de big-science. Quimicamente o
ndigo e o Prpura Imperial so muito semelhantes,
diferenciando-se apenas pela presena de um tomo Esta estagnao que se seguiu a queda do Imprio
de bromo na estrutura do ltimo, conforme ilustrado Romano perdurou at o incio do Renascimento. A
na Figura 4. primeira inovao na rea de tintas surge com os
primeiros relatos da utilizao de leos vegetais na
produo de vernizes e tintas, os quais substituam as
protenas como veculo. Esta descoberta geralmente
atribuda aos irmos Hubert (1366-1426) e a Jan Van
Eyck (1390-1441), os quais difundiram a tcnica.
Porm, no h consenso sobre esta descoberta.13
Para a formulao da chamada Tinta a leo, fazia-se a
disperso dos pigmentos em leo vegetal e se usava
como solvente um extrato de pinheiros conhecida
como terebentina. Deve-se destacar que a tinta a leo
conviveu muito tempo com tmpera, porm suas
qualidades superiores fizeram com que se
estabelecesse como o principal veculo para a
produo de tintas no Renascimento europeu, como
na obra de Leonardo da Vinci, reproduzida na Figura
Figura 4. Estruturas qumicas dos corantes Prpura 6. Este novo material proporcionou uma excelente
Imperial e ndigo estabilidade qumica frente umidade e demais
intempries, e melhorou a qualidade das pinturas
obtidas.
Aps a queda de Roma, houve uma estagnao no
desenvolvimento de tecnologias para a produo de
tintas. Durante toda a Idade Mdia a tmpera e o
afresco dominaram a arte, com maior destaque para
as pinturas desenvolvidas no imprio bizantino, como
o painel da Catedral Bizantina de Santa Sofia (Figura
5).

Figura 6. A Monalisa de Leonardo da Vinci

Os manuscritos originais sugeriam o uso do leo da


semente do linho (Linum usitatissimum), hoje
conhecida como linhaa, ou de cnhamo (Cannabis
ruderalis). O processo consistia no aquecimento do
leo por vrios dias na presena de ZnSO4 em contato
com o ar. Durante este processo, o leo tornava-se
pastoso, sendo diludo em terebentina e, ento,
misturados os pigmentos.
Figura 5. Painel da catedral bizantina de Santa Sofia
O processo qumico envolvido bastante
complexo. Os leos vegetais so constitudos em sua
maioria de steres de cidos graxos de cadeia longa
com glicerina, onde os cidos graxos podem conter
7 Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12|
Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

quantidades variadas de ligaes duplas.14 Com o Inicialmente h um perodo de induo em que se


aquecimento ao ar ocorre um processo de consomem os antioxidantes naturais presentes no
polimerizao oxidativa do leo. Neste processo, as leo. A etapa de formao e decomposio de
ligaes duplas presentes nas cadeias dos hidroperxidos inicia-se com a abstrao de
triacilglicerdeos polimerizam em contato com o hidrognios radicalares presentes nos carbonos sp3
oxignio atmosfrico.15,16 Hoje se sabe que a entre ligaes duplas. A maior quantidade de ligaes
necessidade de uso de sulfato de zinco era, na duplas na cadeia carbnica possibilita uma
realidade, devido presena de mangans como concentrao maior de radicais, alm de estabilizar
impureza, a qual agia como catalisador.3 melhor o radical devido presena do efeito de
ressonncia. O radical reage com oxignio presente
O mecanismo de polimerizao bastante
no ar, iniciando assim a etapa de oxidao em que h
complexo, mas se sabe que envolve uma etapa de
a formao de hidroperxidos.18,19 As reaes da
formao e decomposio de hidroperxidos e outra
primeira etapa podem ser observadas na Figura 7.
envolvendo a formao das ligaes intercruzadas,
em que ocorre a polimerizao propriamente dita.17

Figura 7. Esquema das etapas de formao dos hidroperxidos

A reao de abstrao do hidrognio bisallico caminhos est relacionado com a decomposio


ocorre devido a baixa energia de dissociao da homoltica, gerando a possibilidade de formao de
ligao C-H, que encontra-se prxima a 313 kJ.mol-1, diversos grupos funcionais, como aldedos, teres,
energia muito mais baixa do que a necessria para a cetonas, alcois e perxidos (C-O-O-C). Entretanto, os
abstrao de H de outras ligaes C-H sp3. As perxidos se decompem rapidamente formando
formaes dos perxidos ocorrem preferencialmente novos radicais. O segundo mecanismo esta
nos carbonos das adjacentes, o ataque preferencial relacionado com a oxidao induzida da cadeia,
nestas posies devido formao de duas ligaes formando cidos graxos como resultado da clivagem
duplas conjugadas, que tendem a reduzir a energia do da cadeia carbnica.20 Esta reao ocorre geralmente
sistema. a baixas temperaturas. Ambos os mecanismos de
decomposio dos hidroperxidos podem ser
Os hidroperxidos podem sofrer decomposio
observados na Figura 8.
seguindo dois caminhos diferentes. O primeiro

Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12| 8


Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

Figura 8. Caminhos de decomposio dos hidroperxidos

A reao de polimerizao propriamente dita ou 6. O Sculo XX e a revoluo das resinas


terminao a etapa final do processo, na qual ocorre
um aumento da cadeia e, consequentemente, do
sintticas da indstria petroqumica
peso molecular atravs da formao de uma rede
tridimensional. Nessa etapa ocorre a recombinao
dos radicais complexos formados em toda a etapa de A revoluo industrial ocorrida no Sculo XIX
oxidao. Esse processo o responsvel pelo trouxe consigo um gradual abandono do uso de
endurecimento da resina (ver Figura 9). Catalisadores derivados da biomassa em todas as reas, havendo
tambm podem ser aplicados para aumentar a uma substituio por insumos fsseis de carbono
velocidade nessa etapa do processo.14,18 (carvo mineral, petrleo e gs natural). Baseadas no
florescimento das reas de qumica, fsica e
engenharias, novos materiais com propriedades
superiores as j existentes comearam a ser
sintetizados e produzidos utilizando carbono fssil.
Com a virada para o Sculo XX a indstria do petrleo
e a petroqumica se difundiram rapidamente.
Derivados do petrleo comeam a ser desenvolvidos
com caractersticas nicas e preos baixos, e como
Figura 9. Etapa de polimerizao propriamente dita, consequncia comeam rapidamente a substituir os
formao de perxidos, alquil e grupos ter derivados de biomassa. Obviamente, o setor de tintas
no ficou imune a este processo, havendo uma
invaso no mercado de tintas expressivas que utilizam
Para que a formao da pelcula ocorra no tempo como veculos novas resinas sintticas e como
desejado geralmente so utilizados catalisadores nos solventes compostos derivados de petrleo.
leos, os quais so geralmente compostos de metais O incio do uso de produtos sintticos na rea de
de transio como o cobalto e o mangans, e podem tintas tem como marco inicial a sntese de um
ser considerados como aditivos. Em muitos casos, corante, em 1856, por William Henry Perkin, que
utilizam-se catalisadores ativos na primeira etapa e apontado como o grande incentivador de novas
ativos na segunda etapa da polimerizao.14,21 pesquisas por demonstrar a possibilidade de
O solvente usado desde os primrdios para a tinta fabricao de novos materiais. Este pesquisador,
leo terebentina, que uma mistura de tentando produzir a quinina a partir da oxidao da
hidrocarbonetos obtida pela destilao de resinas de aliltoluidina (C10H12N) conseguiu obter um corante de
pinheiros. Os hidrocarbonetos so essencialmente cor prpura, conhecido por prpura de anilina, o qual
uma mistura de terpenos (oligmeros do isopreno) passou rapidamente a ser produzido em larga escala.
com composio varivel de acordo com a espcie de A partir dessa descoberta novas pesquisas passaram a
pinheiro, sendo o principal componente o pineno. ser desenvolvidas para a substituio dos pigmentos a
Estes terpenos podem evaporar ou simplesmente base de metais pesados de alta toxicidade, tais como
participarem do processo de polimerizao oxidativa, o Vermelho de Chumbo (Pb3O4), Cinbrio (HgS),
sendo incorporados total ou parcialmente no Amarelo de Npoles [Pb3(SbO4)2] e o Branco de Prata
polmero formado. (2PbCO3.Pb(OH)2). Deve-se salientar que a presena
desses metais pesados nos pigmentos fazia com que
profissionais relacionados com a pintura
9 Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12|
Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

apresentassem elevada incidncia de doenas levou a sua rpida difuso no mercado. Os anos
crnicas. Por exemplo, em 1920 foi possvel viabilizar posteriores geraram novas opes de veculos com
a produo industrial do Branco de Titnio (TiO2), que propriedades no pensadas at o incio do sculo XX,
por sua baixa toxicidade e sua reflexo da luz que comearam a ser usados em formulaes de
superior, conseguiu substituir o Branco de Prata. tintas com caractersticas especficas. Assim, surgiram
Outro exemplo a cor preta, que at ento era obtida as tintas usando como veculo resinas epxi, acrlicas,
do carvo, passou a ser produzida sinteticamente a alqudicas, vinlicas, celulsicas, poliuretanas,
partir de 1870 atravs da combusto parcial de polisteres, poliamidas, silicones, perfluorados, etc.1
compostos orgnicos como o acetileno (C2H2) e o No entanto, a maioria dessas tintas se restringe ao
metano (CH4). Assim surgiu o Negro de Fumo, que mercado de revestimentos de superfcies,
constitudo por nanoesferas de estruturas coloidais de principalmente no ramo de tintas imobilirias e tintas
carbono, sendo comercializados cerca de 50 tipos veiculares.
diferentes de negro de fumo classificados a partir do
Em relao s tintas expressivas, a grande
dimetro das partculas (variaes entre 5 e 500
contribuio da indstria de petroqumica sem
nm).22 Hoje em dia, uma base de dados da Society of
dvida alguma os polmeros base de cidos acrlicos
Dyers and Colourists, que comeou a ser organizada
ou seus derivados acrilatos, conhecidas como Tintas
em 1925, tem catalogado mais de 78 mil compostos
Acrlicas. A grande vantagem desta classe de tintas
qumicos diferentes, com aplicaes como pigmentos
manter as cores originais depois de seca, o que no
ou corantes.
acontece com a aquarela ou a tmpera. Alm disso,
J no caso dos veculos das tintas, a grande ela apresenta uma durabilidade similar tinta a leo,
transformao comeou em 1907 quando Baekeland com a vantagem de ter uma secagem muito mais
desenvolveu uma grande variedade de resinas rpida do que esta ltima e de usar gua como
fenlicas. Estas resinas, quando comparadas com solvente, sendo de baixa toxicidade.3 Na Figura 10
materiais derivados da biomassa, apresentavam aparece a reproduo de uma obra de arte feita com
maior resistncia frente gua e lcalis, reduo do tinta acrlica.
tempo de secagem e uma dureza superior, o que

Figura 10. Pintura feita base de tinta acrlica sobre tela do artista plstico brasileiro Adir Sodr

Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12| 10


Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

O cido acrlico e o cido metacrlico, assim como temperatura (400 a 500 C). Na Figura 11 ilustrado o
seus derivados, podem ser obtidos seguindo diversos esquema de produo industrial do cido acrlico, que
protocolos. Industrialmente, a rota preferida a feito a partir do propeno, tendo a acrolena como
oxidao do propileno ou outras olefinas. Neste intermedirio de reao. J os acrilatos de metila e
processo, a reao feita em uma nica etapa etila, assim como os metacrilatos de etila e metila,
passando-se uma mistura da olefina (10 %), ar (50 %) podem ser obtidos atravs da esterificao dos
e vapor de gua (40 %) por um leito fixo de respectivos cidos com metanol e etanol.1
catalisador de cobalto e molibdnio a alta

Figura 11. Esquema do processo industrial de produo do cido acrlico

A partir de cido acrlico ou metacrlicos, ou de tintas, e, consequentemente, o de tintas expressivas,


seus steres, realiza-se uma polimerizao para a venha ao encontro dessa tendncia.
obteno das resinas acrlicas. Esta polimerizao
De fato, j possvel encontrar na literatura
feita a uma temperatura variando entre 90 a 110 C
relatos de contribuies tanto na academia quanto na
por via radicalar, usando perxidos (usualmente
indstria visando o desenvolvimento de processos
perxido de benzola) como iniciadores, e tolueno ou
para produo de solventes e veculos de tintas
cetonas como solventes. Pode ser utilizado um
derivados de biomassa. Um exemplo so tintas para
copolmero de metacrilato de metila com o acrilato de
impresso feitas a base de uma resina produzida por
butila, pois o segundo atribui uma boa fexibilidade e
leos vegetais virgens24 ou residuais,25 a qual j
evita o trincamento da tinta, fato que pode ocorrer
comeam a ser usadas para imprimir jornais e
quando se utiliza somente o poli(metacrilato de
revistas. Outro exemplo promissor est relacionado
metila).1
com projetos de multinacionais para instalao no
Brasil de unidades para produo de acetato de etila,
importante solvente na indstria de tintas, e outros
7. Qual ser a tendncia para o Sculo insumos a partir de lcool de cana de acar.26
XXI?

Agradecimentos
Hoje em dia todas as tintas desenvolvidas ao longo
da histria da humanidade so usadas pelos artistas
plsticos de acordo com as suas necessidades de Os autores agradecem ao CNPq pelas bolsas de
expresso artstica. Aps muita experimentao e pesquisa e Embrapa pelo apoio financeiro dado a
estudos relacionados ao desempenho das infinitas pesquisas em tintas a partir de leos vegetais.
formulaes j testadas, fica muito difcil de precisar o
que poder acontecer nas prximas dcadas para
inovar o mercado de tintas expressivas. No entanto, Referncias Bibliogrficas
verifica-se a partir da dcada de 1990 uma tendncia
tanto na academia quanto na indstria em se
1
desenvolver processos tecnolgicos utilizando Fazenda, J. M. R.; Tintas: Cincia e Tecnologia, So
recursos renovveis, principalmente oriundos da Paulo: Editora Blucher, 4 Ed., 2009.
biomassa. Essa busca por tecnologias que substituam 2
Pessis, A. M.; Guidon, N. Adoranten 2009, 1, 49.
as matrias-primas de origem fssil est acontecendo
[Link]
em todas as reas da indstria, de combustveis a
3
polmeros. Assim, possvel supor que o mercado de Hofmann, G. T.; Castro, R. A. C.; Oliveira, D.;
Materiais em Artes - Manual para a manufatura e
11 Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12|
Mello, V. M.; Suarez, P. A. Z.

16
prtica. Secretaria de Estado de Cultura do DF, Fundo Suarez, P. A. Z.; Meneghetti, S. M. P.; Meneghetti,
da Arte e da Cultura: Braslia, 2007. M. R.; Wolf, C. R. Quim. Nova 2007, 30, 667.
4 [CrossRef]
Pessis, A. M.; Imagens da pr-histria: Parque
17
Nacional Serra da Capivara, FUMDHAM/Petrobrs: Mallegol, J.; Lemaire, J.; Gardette, J. L. Prog. Org.
So Paulo, 2003. Coat. 2000, 39, 107. [CrossRef]
5 18
Guidon, N.; Pessis, A. M.; Parenti, F.; Gurin, C.; Buono, F. J.; Feldman, M. L, Kirk-Othmer
Peyre, E.; Santos, G. M. Athena Rev. 2002, 3, 42. [Link] Encyclopedia of Chemical Technology, 3a. Ed., John
6 Wiley: New York, 1978.
Chalmin, E.; Menu, M.; Vignaud, C. Meas. Sci.
19
Technol. 2003, 14, 1590. [CrossRef] Muizebelt, W. J.; Hubert, J. C.; Venderbosh, R. A.
7 M. Prog. Org. Coat. 1994, 24, 263. [CrossRef]
Gaspar, M.; A arte rupestre no Brasil, Jorge Zahar
20
Ed.: Rio de Janeiro, 2003. Tuman, S. J.; Chamberlain, D.; Scholsky, K. M.;
8 Soucek, M. D. Prog. Org. Coat. 1996, 28, 251.
Berke, H. Chem. Soc. Rev. 2007, 36, 15. [CrossRef]
[CrossRef]
9
Riederer, J. Archaeoletry 1974, 16, 102. [CrossRef] 21
Middlemiss, R. G.; Olszanski, D. J. Am. Paint Coating
10
McGovern, P. E.; Michel, R. H. Anal. Chem. 1985, J. 1993, 78, 35. [Link]
57, 1514A. [CrossRef] 22
Atkins, J. H. Carbon 1965, 3, 299. [CrossRef]
11
Edmonds, J.; Historic Dye Series, 2000No 7, ISBN 0 23
Solomon, D. H. J. Polym. Sci. Part A: Polym. Chem.,
9534133 65, 41. Disponvel em:
1968, 6, 253. [CrossRef]
<http://www.imperial-purple.com/dyes7.html>.
24
Acesso em: 5 maro 2012. Erhan, S. Z.; Bagby, M. J. Am. Oil Chem. Soc. 1991,
12 68, 635. [CrossRef]
Bumler, E.; Um Sculo de Qumica, Econ-Verlag,
25
Dsseldorf, R. F. A, Traduo de Guenther Petersen, Panizzi, M. C. C.; Mandarino, J. M. G.; Suarez, P. A.
1963. Z.; Mello, V. M.; de Oliveira, G. V.; Processo de
13 Polimerizao Trmica de leos e Gorduras. N
Cennini, D. C.; The Craftsmans Handbook: The
Provisrio INPI: 012110000484, Depsito 17/06/2011.
Italian Il Libro Dell Arte, 1960. [Link]
26
14 Stio da Brasil@gro. Disponvel em:
Gunstone, F.; Fatty acid & lipid chemistry, Chapman
<http://www.brasilagro.com.br/index.php?noticias/vi
& Hall: New York, 1996.
sualizar_impressao/12/41713>. Acesso em: 2 maro
15
Swern, O.; Bailey's Industrial Oil and Fat Products. 2012.
1, John Wiley & Sons: New York, 4a. ed., 2005.

Rev. Virtual Quim. |Vol 4| |No. 1| |2-12| 12

Você também pode gostar