Física de Partículas No Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Física de Partículas No Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Física de Partículas No Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
We present the second part of a series of papers proposing a novel teaching sequence for Particle Physics
in high school. The topic of the present work is Nuclear Physics. The goal of the sequence is to approach the
subject in a way as to stimulate scientific literacy, from a perspective involving Science, Technology, Society and
Environment (STSE). We evaluate the potentialities and effectiveness of the material proposed here, allied to
a dialogical approach by the teacher, by analyzing the presence of scientific literacy and engagement indicators
during interventions applied at a public school in Espírito Santo, Brazil.
Keywords: Particle physics, high school, scientific literacy, STSE, engagement.
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-3
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-4 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-5
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-6 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
notou que a passagem dessas partículas pelo ar produzia confinado em uma região de raio r ≲ 10−14 m teria uma
um fluxo de núcleos de hidrogênio detectados na chapa energia cinética da ordem de 20 MeV, muito acima da
de ZnS [18]. O efeito desaparecia quando o ar era energia típica dos elétrons emitidos em decaimentos β,
substituindo por gás oxigênio, O2 , ou por dióxido de da ordem de 1 a 5 MeV. Ademais, medições do momento
carbono, CO2 , mas era ainda mais notável para gás angular e momento magnético do núcleo de nitrogênio-
nitrogênio, N2 . Hoje, é sabido que Rutherford observara 14 indicam que ele deve ser constituído de um número
a reação nuclear par de partículas7 , em contradição com a expectativa de
14 prótons + 7 elétrons.
14
N + 4 He → 17
O + 1 H.
Essas contradições foram resolvidas em 1932, quando
A partir desses resultados, Rutherford postulou que o James Chadwick demonstrou experimentalmente a
núcleo de hidrogênio – o mais leve dentro todos os existência do nêutron: partícula eletricamente neutra
elementos – é um constituinte fundamental de todos os com massa muito semelhante à do próton. Assim,
núcleos atômicos [19], e que, no processo acima, um deles estabeleceu-se que um núcleo de carga Z e massa A é
é ejetado do nitrogênio pela colisão com a partícula α. composto de Z prótons e A − Z nêutrons. Um núcleo de
Com isso, Rutherford reavivou a tese proposta um século nitrogênio-14 é, portanto, constituído de 7 prótons + 7
antes por William Prout, que notara que as massas nêutrons, totalizando um número par de constituintes,
molares de vários elementos eram múltiplos inteiros da como requerido pelos experimentos. No ano seguinte,
massa molar do hidrogênio, e supôs ser esse o ele- em 1933, Enrico Fermi explicou o decaimento β sob
mento primordial do qual todos são constituídos6 . Prout essa nova perspectiva: o elétron emitido não existia
designou de prótil esse elemento primordial, enquanto anteriormente no núcleo, mas surgiu do decaimento de
Rutherford chamou de próton o núcleo de H (ambas um nêutron em um próton e um elétron – uma perspec-
palavras advindas do grego antigo protos, que significa tiva revolucionária de transmutação de partículas que
primeiro). inaugurou uma nova era na Física de Altas Energias.
A partir dessa descoberta de Rutherford, o átomo A descoberta dos nêutrons também possibilitou uma
passou a ser visto como constituído de prótons e elétrons. explicação simples à existência de isótopos. A natureza
Como a massa do elétron é ≈ 1800 vezes menor que a do de um elemento é definida pelo número de prótons que
próton, sua contribuição à massa atômica é desprezível, existem no núcleo – i.e. pela sua carga elétrica –, pois é
de modo que se supunha que toda a massa fosse devida isso que define a quantidade de elétrons na eletrosfera,
ao número de prótons no núcleo. Assim, um núcleo e portanto determina as suas possibilidades de ligações
com número de massa A (i.e. cuja massa é A vezes químicas, que nada mais são do que reminiscências da
a massa do H) era suposto composto de A prótons. interação eletromagnética. Por outro lado, a massa do
Mas, como explicar a observação de que a carga de elemento é determinada pela quantidade de prótons e
um núcleo é quase sempre menor do que a carga de A nêutrons no núcleo. Portanto é possível que um mesmo
prótons? Para isso, supunha-se que, além dos elétrons da elemento possua variantes com diferentes massas, dada
eletrosfera, havia também elétrons no interior do núcleo, pela diferença no número de nêutrons no núcleo.
tal que um núcleo de massa A e carga Z (em unidades Prótons e nêutrons são coletivamente denominados
da massa e carga do núcleo de H) era visto como núcleons, i.e. partículas do núcleo.
composto de A prótons e A − Z elétrons. Por um lado, a
existência de elétrons nucleares era uma hipótese bem- 2.3. O raio nuclear
vinda, pois ajudava a explicar decaimentos radioativos
que eram acompanhados pela emissão de elétrons – Qual é o tamanho do núcleo atômico? Os resultados
chamados decaimentos do tipo β, discutidos abaixo na do experimento de Geiger-Marsden, aliados à análise
seção 2.9.2. Por outro lado, a existência de elétrons no energética que resultou na equação (2) acima, já indicam
interior do núcleo atômico engendra várias contradições que prótons e nêutrons devem estar confinados em uma
com resultados experimentais. Por exemplo, o princípio região de dimensões ≲ 10−14 m. Mas essa estimativa
da incerteza de Heisenberg assegura que um elétron é apenas um limite superior. Uma determinação mais
precisa do raio nuclear pode ser obtida através de
6 A tese de Prout foi abandonada poucos anos depois de proposta, experimentos de espalhamento de elétrons altamente
ao se constatar a existência de vários elementos cujas massas energéticos incidentes sobre o núcleo – semelhantes ao
molares não são múltiplos inteiros da massa molar do H, como experimento de Geiger-Marsden, mas com elétrons ao
o cloro (massa molar 35.45 g). Hoje se sabe que essa divergência
é devida à existência de isótopos, i.e. variantes de um mesmo invés de partículas α.
elemento com massas diferentes. A massa de cada isótopo obedece,
em boa aproximação, a relação notada por Prout, mas a massa
molar do elemento é a média das massas dos diferentes isótopos, 7 Experimentos apontam que o 14 N tem momento angular inteiro
ponderada por suas abundâncias, podendo portanto resultar em (em unidades de ℏ), ao passo que o momento angular intrínseco
valores fracionários de massa. No entanto, a existência de isótopos de prótons e elétrons é semi-inteiro, igual a ℏ/2. O soma de um
de um mesmo elemento era desconhecida no século XIX, e a número ímpar de momentos angulares semi-inteiros é, também,
hipótese de Prout acabou não vingando, até ser revivida por semi-inteiro. Portanto, o 14 N deve ser constituído de um número
Rutherford. par de prótons e elétrons.
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-7
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-8 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Em um primeiro momento, os estudantes usualmente então, não é possível explicar a estabilidade do núcleo
levantam duas propostas para explicar a estabilidade atômico. O(a) docente pode, então, estimular os(as)
nuclear: estudantes a discutir soluções para esse impasse, em um
ótimo exercício de levantamento de hipóteses.
• A força gravitacional é atrativa e talvez possa Note que, nesse exercício, não há respostas erra-
manter o núcleo estável diante da repulsão ele- das. No desenvolvimento histórico-científico, em tais
trostática. No entanto – e aqui entra novamente situações de impasse, é comum se propor hipóteses que,
o valor da matemática para corroborar ou excluir embora hoje descartadas, ou até consideradas absurdas,
hipóteses físicas –, como já discutido na sequência levaram a importantes desenvolvimentos teóricos e expe-
anterior [1], a interação gravitacional é muito mais rimentais posteriores9 . O importante, nessa atividade, é
fraca do que a eletromagnética, e jamais seria que os(as) discentes exercitem sua criatividade e capaci-
suficiente para equilibrar a repulsão dos prótons. dade argumentativa na elaboração de suas teses e, indo
De fato, em um núcleo composto de Z prótons ainda além, que também se empenhem na elaboração de
e A − Z nêutrons, cada próton é submetido a possíveis maneiras de as testarem experimentalmente.
uma força repulsiva Fel devido às outras Z − 1 Por exemplo, um(a) estudante pode propor que a inte-
cargas positivas, e a uma atração gravitacional ração eletromagnética é modificada quando as partículas
Fgrav devido a A − 1 prótons e nêutrons, dadas estão a distâncias muito pequenas, da ordem do raio
por do núcleo atômico, de modo a abrandar a repulsão. Tal
hipótese poderia ser testada submetendo-se partículas
(Z − 1) e2 (A − 1) m2p
Fel ∼ k , Fgrav ∼ G , (11) carregadas à interação com prótons no interior do núcleo,
r2 r2 como ocorre no espalhamento de elétrons altamente
onde supomos que as massas dos prótons e nêu- energéticos, discutido na seção 2.3 acima. O fato de
trons são iguais – o que é válido em boa aproxima- os resultados se conformarem ao esperado para elétrons
ção –, e que a distância média de afastamento entre submetidos à interação coulombiana e ao fenômeno de
cada partícula é da mesma ordem de magnitude, difração – devido ao caráter ondulatório do feixe de
r ∼ 10−15 m. elétrons – atesta contra essa hipótese. Para outros testes
Substituindo valores numéricos, da validade da Lei de Coulomb vide ref. [25].
Ainda outra hipótese possivelmente levantada seria
k ≈ 8.98 × 109 N · m2 /C2 , uma modificação da gravitação nessas escalas de dis-
G ≈ 6.67 × 10−11 N · m2 /kg2 , tância. Entretanto, é difícil testar a gravitação nessas
situações.
e ≈ 1.6 × 10−19 C,
mp ≈ 1.67 × 10−27 kg,
9
vem que a condição de equilíbrio entre essas forças Exemplos abundam. Em 1917, ao notar que sua teoria da
gravitação previa um Universo em constante contração, portanto
requer dinâmico, Einstein alterou suas equações ad hoc, introduzindo um
termo chamado constante cosmológica que levasse à predição de
ke2 um Universo estático. Alguns anos depois, Hubble mostrou que o
A − 1 ∼ (Z − 1) =⇒ A ∼ 1036 Z, (12) Universo está em expansão – e o próprio Einstein afirmou, então,
Gm2p
que introduzir esse termo em suas equações foi o maior erro de
sua vida profissional. Hoje se sabe, contudo, que essa constante
ou seja, seria necessário um número imensamente cosmológica, embora proposta a partir de uma suposição incorreta,
maior de nêutrons do que de prótons, ao passo que é considerada essencial para explicar o fato (descoberto posterior-
o núcleo mais pesado observado na Natureza – i.e. mente) de a expansão ser acelerada. Outro exemplo é a relutância
não produzido artificialmente – é o 23892 U, para o
de Einstein em aceitar a interpretação de Copenhagen da mecânica
quântica, levando-o a postular a existência de “variáveis ocultas”,
qual A ≈ 2.6 Z. hipótese que deu origem ao importante teorema de Bell e a vários
• Os elétrons na eletrosfera atraem os prótons experimentos que visavam testá-lo. Ainda digno de menção é o
no núcleo. No entanto, mesmo que houvesse uma impasse relativo à energia dos elétrons emitidos em decaimentos
tal força efetiva8 , ela tenderia a desestabilizar o β: a conservação de energia-momento previa que os elétrons fossem
emitidos com determinada energia cinética, mas a observação não
núcleo ainda mais, pois atrai os prótons em direção condizia com a previsão. Niels Bohr chegou a supor que a própria
à eletrosfera, para fora do núcleo. conservação de energia fosse violada em nível quântico – uma
hipótese hoje tida como ousada, até absurda –, enquanto Wolfgang
Pauli propôs a existência de uma nova partícula que não era
2.4.2. Discussão e levantamento de hipóteses detectada no decaimento, e que carregava parte da energia. A
hipótese de Pauli foi posteriormente verificada experimentalmente,
A conclusão que a turma deve ser capaz de alcançar, salvaguardando o princípio da conservação da energia. E nos
nesse momento, é que, com as interações conhecidas até problemas descritos acima, quanto à existência de elétrons no
interior do núcleo de 14 N, tampouco faltavam propostas exóticas
antes da descoberta dos nêutrons, como a suposição de que elétrons
8 Como os elétrons estão em órbita em torno do núcleo, em média no interior do núcleo não contribuem ao momento angular e
essa força se anula. momento magnético total do núcleo, por motivos incógnitos.
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-9
• fissão nuclear e suas aplicações bélicas e pacíficas; A diferença entre a massa de um nuclídeo coeso e a de
• fusão nuclear como fonte de energia do Sol, e sua seus constituintes é denominada déficit de massa.
importância para o desenvolvimento da vida na A Figura 11 mostra a energia de ligação média por
Terra; núcleon – a razão da energia de ligação pelo número de
• a formação da maioria dos elementos em processos massa A – para vários nuclídeos. Trata-se de uma medida
de fusão no interior das estrelas, e por que “somos do quanto cada núcleon está ligado a seus vizinhos,
poeira das estrelas”; em média. Muita física pode ser discutida a partir
• a matriz energética no Brasil e no mundo: diversas dessa figura, que promove uma excelente oportunidade
fontes de energia e seus impactos ambientais; de desenvolvimento de interpretação de gráficos e da
• decaimentos radioativos e aplicações. intuição física dos(as) discentes (ver apêndice 4).
De imediato, nota-se que a escala de energia associada
2.5.1. Energia de ligação nuclear à física nuclear – por exemplo, a energia para dissociar
Como existe uma força nuclear atrativa que tende a
11 A palavra “núcleo” sempre requer um predicado – núcleo do
manter o núcleo coeso, qualquer tentativa de desintegrá-
quê? –, de modo que seu uso já pressupõe a existência de um outro
lo, separando os prótons e nêutrons uns dos outros, objeto maior, como o átomo, do qual esse “núcleo” constitui apenas
a parte central. No entanto, em Física Nuclear, lidamos com esses
10 No terceiro artigo desta sequência discutiremos como esse entes – prótons e nêutrons ligados por uma força nuclear – à
curto alcance da interação nuclear se deve ao fato de a partícula parte de qualquer contexto atômico, em uma situação em que
mediadora da interação (o análogo do fóton na interação eletro- sequer estão circundados por uma eletrosfera. Nesse caso, é comum
magnética) ser massiva. referir-se a esses objetos como nuclídeos.
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-10 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-11
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-12 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-13
matéria e energia estavam contidas em uma região muito muito maior que a atômica. Por isso, requer-se temperaturas muito
maiores para dissociar um nuclídeo do que um átomo. Ou seja,
menor do que ocupam atualmente, o que significa que
na história de resfriamento do Universo, os nuclídeos formam-se
as temperaturas deviam ser altíssimas – basta lembrar- primeiro, já nos primeiros minutos dessa história, e só após ∼ 380
se que um gás contraído adiabaticamente se aquece. Ou mil anos a temperatura atinge níveis suficientemente baixos para
seja, o Universo primordial era muito quente, e à medida que os elétrons capturados por esses nuclídeos não sejam mais
dissociados, formando assim átomos neutros.
que evolui e se expande, ele se resfria. 21 A Figura 11 mostra que a energia de ligação do 2 H por núcleon é
Altas temperaturas significam alto poder dissociativo, aproximadamente 1.1 MeV. Como o dêuteron possui dois núcleons,
ou seja, quanto maior a temperatura, mais difícil é a energia de ligação total é duas vezes esse valor.
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-14 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-15
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-16 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
autossustentável de fusão, porque o combustível deve possa ser mais benéfica do que o conhecimento? Poderia
ser mantido a temperaturas e densidades altíssimas, ser essa ignorância um meio eficiente e desejável de se
para que os nuclídeos possam superar a barreira de evitar catástrofes humanitárias?
repulsão coulombiana, como já discutido anteriormente. Esse debate não se limita à Física. Atualmente há
A manutenção dessas condições é custosa e tecnicamente amplas discussões no meio científico, e na sociedade
complexa, o que faz com que a extração controlada de civil em geral, sobre dilemas éticos envolvendo a en-
energia por meio de fusão ainda seja um problema em genharia genética, e os limites que se poderia ou se
aberto na Física Nuclear. deveria impôr ao desenvolvimento dessas técnicas de
Também é possível produzir armamentos baseados na manipulação gênica.
fusão nuclear. Um tal dispositivo é denominado bomba Portanto essa atividade ofereceria uma excelente opor-
de hidrogênio (bomba-H) ou arma termonuclear. Nesse tunidade de diálogo e interdisciplinaridade envolvendo
caso, as altas temperaturas requeridas para realização também os(as) docentes de Filosofia, História, Sociologia
da fusão são fornecidas ao combustível por uma prévia e Biologia do centro de ensino em que atua o(a) docente
detonação de uma bomba de fissão. de Física.
2.8. Energia nuclear: uma aula de CTSA 2.8.3. Matrizes energéticas e impactos
ambientais
Toda a discussão anterior culmina em uma oportunidade
de se realizar um amplo debate com os(as) estudantes Em diálogo com a Geografia, pode-se levantar a dis-
sobre os impactos socioambientais da energia nuclear. cussão sobre as vantagens e os problemas associados à
energia nuclear, especialmente quando comparados aos
2.8.1. Armas nucleares impactos gerados por outras fontes de energia.
Em colaboração com o(a) professor(a) de história de seu • Primeiramente, é relevante e interessante comparar
centro de ensino, o(a) docente pode discutir o contexto a taxa de geração de energia por cada grama
e as consequências do lançamento das bombas nucleares de combustível consumido em usinas nucleares e
sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki em 1945 – na queima de combustíveis fósseis. Já estimamos
até hoje os únicos casos de uso militar de armamentos anteriormente, na subseção 2.7.3, que a fissão de
nucleares na história –, bem como a corrida arma- 1 g de 235 U produz cerca de 8 × 1010 J. No entanto,
mentista subsequente que levou à proliferação desses uma estimativa realista da eficiência de uma usina
artefatos, e os atuais acordos e negociações almejando nuclear deve levar em conta fatores como o grau
a não-proliferação e o desmantelamento dos mísseis de enriquecimento do urânio, especificidades do
existentes. Imagens ilustrando o poder destrutivo desse funcionamento do reator, bem como a perda de
tipo de armamentos, incluindo comparações das cidades energia por calor, resultando finalmente em valores
japonesas atingidas, antes e depois da destruição, podem entre 5−500×108 J/g de energia elétrica por grama
ser encontradas em [33–35]. de combustível consumido [29, 36]. Por sua vez, o
poder calorífico dos combustíveis fósseis (carvão,
gás, óleo, etc.) é da ordem de 4 × 104 J/g [29, 36].
2.8.2. Ciência e Ética
Ou seja, uma usina nuclear é de 10 mil a 1 milhão
Não é incomum, na história humana, que resultados de de vezes mais eficiente na conversão de combus-
pesquisas científicas sejam utilizados para servir fins be- tível em energia – corroborando a expectativa já
licistas ou até mesmo propósitos genocidas. E, embora o apontada ao fim da subseção 2.5.1.
senso-comum contemporâneo não hesite em trivialmente Isso significa que se requer menos usinas nuclea-
atribuir toda a responsabilidade aos políticos, fato é que res para produzir a mesma quantidade de energia
nenhum desses projetos poderia ser bem sucedido se atualmente advinda de combustíveis fósseis, além
não fosse pela participação de cientistas extremamente de haver uma redução de gastos (e de consequentes
competentes. Por outro lado, essas mesmas linhas de impactos ambientais) relativos ao transporte do
pesquisa frequentemente originam aplicações indiscuti- combustível desde a mina até a usina.
velmente benéficas à humanidade, como aprimoramento • A reação de fissão resulta em liberação de energia
de técnicas medicinais e farmacológicas. Nesse contexto, na forma de radiação e calor. Nas especificações
o(a) docente pode levantar uma salutar discussão inter- técnicas de um reator, a potência produzida nessa
disciplinar com algumas das questões: como a ciência forma é medida em MWt, ou megawatts-térmicos.
e a sociedade civil poderiam/deveriam lidar com po- Para converter essa energia em eletricidade, usa-
tenciais conflitos éticos advindos de uma determinada se um material refrigerador – geralmente, mas não
pesquisa científica? Como deve se portar o(a) cientista exclusivamente, água. A água circula em torno do
diante desses supostos dilemas? Há situações em que é reator, absorve o calor e se vaporiza. O vapor então
desejável impor limites à nossa capacidade de exploração gira uma turbina que, por indução eletromagné-
científica? Ou seja, existem casos em que a ignorância tica, produz uma corrente. Ou seja, o processo de
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-17
produção de eletricidade, em uma usina nuclear, Existem, também, estudos comparando o nú-
é o mesmo que em hidrelétricas, termelétricas ou mero de mortes provocadas pela produção de
usinas eólicas: a rotação de uma turbina. O que energia por diversas fontes, levando em conta tanto
varia é a fonte primária da energia. A potência os acidentes durante o processo de produção de
elétrica produzida pela usina é medida em MWe, energia (incluindo mineração e o trabalho nas
ou megawatts-elétricos. usinas) quanto a poluição emitida. Os resultados
O refrigerador também desempenha o impor- mostram que, para cada terawatt-hora de energia
tante papel de manter o núcleo do reator a tem- produzida, a queima de combustíveis fósseis causa
peraturas moderadas, de modo que os materiais cerca de 78 perdas de vidas humanas, enquanto a
envolvidos não derretam, o que interromperia o energia nuclear está associada a 0.07 mortes [42].
funcionamento adequado da usina e provocaria Quanto à preocupação de contaminação ambi-
sérios acidentes. ental, é importante mencionar que usinas nuclea-
Outros componentes de um reator já foram men- res não são a única fonte energética que produz
cionados anteriormente. O material moderador – resíduos radioativos. As rochas extraídas na mi-
normalmente água ou grafite – tem a função de neração do carvão contêm, também, pequenas
absorver parte da energia cinética dos nêutrons concentrações de elementos radioativos. Durante
resultantes das fissões, tornando-os nêutrons len- a queima desse minério em usinas termelétricas,
tos, o que aumenta a probabilidade de promoverem esses resíduos radioativos são lançados ao ar junto
a fissão do 235 U. E as barras de controle são com as cinzas, e contaminam o solo onde se
constituídas de elementos com alta probabilidade depositam, sendo posteriormente absorvidos por
de absorção dos nêutrons, controlando a taxa de plantas e ingeridos na cadeia alimentar. A dosagem
fissões ocorrendo no reator e evitando assim um radioativa recebida por habitantes nos arredores de
aumento exponencial e descontrolado da energia uma usina termelétrica é usualmente maior do que
liberada (i.e. uma reação supercrítica como na nas proximidades de uma usina nuclear – embora
Figura 15), o que causaria possíveis derretimentos em ambos os casos os números costumam estar
do núcleo do reator ou explosões que destruiriam a abaixo dos limites de segurança impostos pelas
usina e potencialmente lançaria material radioativo agências reguladoras [43].
ao ambiente29 . Mais detalhes sobre os elementos Em geral, no quesito segurança, um ponto favo-
constituintes e o funcionamento de reatores nucle- rável à energia nuclear é justamente o fato de haver
ares podem ser encontrados na ref. [37]. forte conscientização quanto aos riscos envolvidos,
• A energia nuclear é vista pela opinião pública o que faz com que não faltem estudos e investimen-
como perigosa e danosa ao meio ambiente e ao ser tos voltados a garantir a maior segurança em todos
humano. Entretanto, várias pesquisas indicam que os processos de produção, desde a extração do
essa percepção não coaduna com os fatos. mineral até a reciclagem ou descarte dos resíduos
Em primeiro lugar, nota-se que a produção de pós-produção.
energia nuclear incorre em níveis baixíssimos de • O maior problema associado às tecnologias atuais
emissão de gases de efeito estufa, 100 vezes menos para produção de energia nuclear é a coprodução
do que a queima de carvão e gás, e em quan- de resíduos altamente tóxicos no processo de fis-
tidade comparável às emissões por fontes eólica, são – o chamado “lixo nuclear”. Um componente
hidráulica e solar [38]. Essa drástica discrepância é desse lixo são os nuclídeos resultantes da fissão
ainda mais significativa ao notarmos que cerca de do combustível, como alguns exemplificados na
60% das emissões atuais de CO2 advêm do setor Figura 15, que são altamente radioativos (e assim
energético [39]. Portanto, aumentar a fatia nuclear permanecem por muitos séculos ou até milênios),
na matriz energética mundial contribuiria signi- apresentando alto risco de contaminação a seres
ficativamente para a superação do desequilíbrio vivos e ao meio ambiente, caso não sejam descarta-
climático ocasionado pela emissão massiva de gases dos adequadamente. Ademais, os muitos nêutrons
de efeito estufa, sem comprometer a produção resultantes da reação em cadeia, ao incidirem nos
energética em níveis capazes de satisfazer à cres- materiais que circundam o reator, podem também
cente demanda. De fato, vários estudos comprovam torná-los fonte de radioatividade, que precisam
essa correlação entre o aumento do uso de fontes ser tratados com igual cautela. Não é exagero
nucleares de energia e a consequente redução dos dizer que, até o momento, não existe uma solução
níveis de poluição [40, 41]. totalmente satisfatória para lidar com esse material
tóxico. Uma parte poderia ser reprocessada e reuti-
29 Note que, devido ao baixo nível de enriquecimento do urânio lizada na usina, ou transmutada, por meio de bom-
usado em reatores, é impossível ocorrer uma explosão similar ao de bardeamentos radioativos, em outros elementos de
uma bomba nuclear, mesmo nos acidentes em que a reação escapa menor toxicidade [44]. Quanto ao restante, uma
de controle. As explosões de reatores, nesses casos, decorrem da
elevada pressão de vapor que é produzida em quantidade maior do prática comum é simplesmente enterrá-lo em depó-
que a usina foi desenhada para suportar. sitos nas profundezas do subsolo, fora da biosfera,
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-18 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
em uma região com baixo risco de contaminação O acidente de Fukushima deveu-se a um tsu-
de aquíferos, e lá deixá-los até que decaiam com- nami que destruiu os sistemas de refrigeração
pletamente, mantendo constante monitoramento dos reatores, causando superaquecimento e con-
da situação. Entretanto, em caso de aumento da sequente derretimento do combustível radioativo,
contribuição da energia nuclear à matriz energética contaminando a água e o solo da região [48]. É
mundial, haveria aumento drástico na produção de curioso notar que a usina comportou-se de maneira
lixo radioativo, o que requereria depósitos cada vez extremamente robusta frente ao terremoto que
maiores. Para uma discussão mais detalhada, vide precedeu o tsunami, tendo os reatores sido desa-
ref. [45]. tivados por sistemas de segurança diante da detec-
• Há, ainda, outro fator importante na discussão so- ção dos tremores. Entretanto, um reator nuclear
bre impactos ambientais da produção de energia: o continua liberando calor por algum tempo após
quanto de água precisa ser desviada ou consumida seu desligamento, e infelizmente os engenheiros
no processo. No caso de usinas nucleares, assim negligenciaram o risco de tsunamis subsequentes
como nas usinas de queima de carvão e biomassa, aos tremores de terra, que acabaram causando
grandes quantidades de água precisam circular pela a catástrofe. Ainda assim, a resiliência da usina
usina para resfriar o reator e evitar superaqueci- diante do terremoto mostra como é possível reduzir
mento. Parte desses recursos hídricos é perdida por as possibilidades de acidentes drásticos quando os
evaporação, e outra parte retorna à fonte inicial riscos são devidamente acessados.
(lagos ou mares) a temperaturas mais elevadas, o A respeito de acidentes em usinas nucleares, é
que também impacta negativamente o ecossistema importante ressaltar que a explosão resultante da
local. Um estudo realizado nos Estados Unidos30 reação supercrítica em reatores não possui poder
mostra que, nesse quesito: (i) as hidrelétricas têm de destruição comparável ao de um armamento
tipicamente o maior impacto, pela própria natu- nuclear, porque a concentração de material fissi-
reza de seu funcionamento: uma imensa quantidade onável é muito inferior nos reatores do que nos
de recursos hídricos é desviada para constituir o armamentos (i.e. o nível de enriquecimento do
reservatório, e há grande perda devido à evapo- combustível é baixo, como dito na seção 2.6). O
ração; (ii) os impactos das usinas nucleares são maior problema, em acidentes nucleares, não é
comparáveis às de combustíveis fósseis e biomassa, a explosão em si, mas o vazamento de material
mas elas desviam/consomem muito mais recursos radioativo que a explosão provoca.
hídricos do que fontes renováveis de energia como
• Os problemas citados acima, associados à produção
as usinas eólicas e solares (fotovoltaicas) [46].
de energia por fissão nuclear, não ocorrem na extra-
• Outra ressalva comum do público à produção de
ção de energia por fusão. Por um lado, os nuclídeos
energia nuclear advém do receio de acidentes ca-
envolvidos na fusão são leves e os subprodutos são
tastróficos, com imensa contaminação do solo e da
muito menos radioativos do que os resultantes da
água, e consequente exposição da população a altís-
fissão (ou seja, decaem muito mais rapidamente,
simas doses de radiação, como o caso dos acidentes
então o tempo de armazenamento e cautela é
de Chernobyl e Fukushima. O problema advém
menor). Ademais, o risco de acidentes similares aos
da possibilidade de um reator tornar-se supercrí-
supracitados inexiste: ao contrário da fissão, em
tico – e liberar uma quantidade descontrolada de
que o desafio é controlar a reação em cadeia para
energia – caso haja falha em algum mecanismo
que ela não se torne supercrítica, na fusão o desafio
de controle e de segurança. Mais especificamente,
é manter a reação ocorrendo. A manutenção de
a eficácia de um reator depende de um balanço
uma reação de fusão autossustentável requer um
tênue entre a taxa de absorção e de moderação
dos nêutrons, para que a quantidade de nêutrons ajuste tão fino de condições de temperatura e
termais no reator não seja nem demasiadamente densidade do plasma que, havendo qualquer even-
baixa – o que interromperia a reação e a geração tualidade que ocasione a perda de controle sobre
contínua de energia – nem muito elevada – o qualquer etapa da cadeia produtiva (como um
que causaria uma reação supercrítica como na terremoto nas proximidades da usina), o processo
Figura 15. inteiro seria automaticamente interrompido.
Em Chernobyl, uma falha no desenho do reator, Em outras palavras, a fusão nuclear tem o
aliado a uma série de incidentes operacionais, fez potencial de constituir uma fonte de energia muito
com que o reator se tornasse supercrítico, produ- mais limpa do que a queima de carvão e a fissão
zindo mais vapor do que a construção suportava, nuclear. Infelizmente, justamente por ser tão difícil
causando uma explosão do núcleo e expondo tone- manter a fusão autossustentável, a extração de
ladas de material radioativo à atmosfera [47]. energia por essa fonte é extremamente desafiadora
e ainda um problema sem solução. Entretanto,
30 Os números exatos podem variar muito, a depender da região é essencial que haja contínuos investimentos em
geográfica em que se encontra a usina em questão. pesquisa nessa área, especialmente considerando
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-19
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-20 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
2.9.1. Decaimento α
O decaimento α ocorre para nuclídeos muito pesados,
sobretudo para aqueles que têm mais de ≈ 150 núcleons,
e consiste na emissão de um núcleo de hélio-4, como
ilustrado na Figura 21. Nesse contexto, o nuclídeo de
4
He é também chamado de partícula α.
Trata-se de uma maneira eficiente de fazer um nu-
clídeo pesado reduzir a repulsão coulombiana – por
emitir dois prótons – e também reduzir o seu tamanho,
Figura 20: Distribuição de nuclídeos por número de nêutrons fazendo com que todos núcleons fiquem, em média,
(N ) e número de prótons (Z), coloridos de acordo com o mais próximos uns dos outros, aumentando a energia
principal tipo de decaimento observado para cada um deles. Os de ligação média (pois a força nuclear é mais intensa
pontos pretos representam nuclídeos estáveis, que não decaem. a menores distâncias). O decaimento α se explica,
Nuclídeos acima desses pontos têm um excesso de nêutrons e portanto, pela repulsão eletrostática entre partículas no
decaem por decaimento β − (convertendo um nêutron em um
interior do nuclídeo – uma explicação bastante acessível
próton, pontos azuis), ou pela emissão de um nêutron (pontos
a estudantes de nível médio32 .
lilás). Abaixo dos pontos de estabilidade ocorre o oposto: os
nuclídeos têm um excesso de prótons e tendem a decair por β + A maior estabilidade do nuclídeo-filha pode ser vista
(convertendo um próton em nêutron, pontos laranjas) ou, em também da Figura 11. Os nuclídeos que decaem por
casos extremos, por emissão de um próton (pontos vermelhos). α estão à direita do 56 Fe, onde a curva é descendente.
Para nuclídeos mais pesados (sobretudo os que contêm mais que Os resultados desses decaimentos, i.e. os nuclídeos-filha,
≃ 150 núcleons) o excesso de prótons pode ser aliviado também estão sempre à esquerda dos nuclídeos-mãe nesta curva
com decaimento α, que frequentemente é seguido de um
decaimento β + . Note que não há nuclídeos estáveis com mais
que 82 prótons e 126 nêutrons, que corresponde ao elemento
chumbo (208 Pb). A maior parte dos elementos nessa região
decai por emissão de partículas α, e alguns até sofrem fissão
espontânea – ambos processos reduzem o número de prótons e
nêutrons, aliviando a repulsão coulombiana e diminuindo o raio
do nuclídeo, aumentando a intensidade média da força nuclear Figura 21: Decaimento do tipo α, em que um nuclídeo de 4 He
atrativa entre núcleons, pois passam a estar mutuamente mais (2 prótons e 2 nêutrons) é emitido pelo nuclídeo mãe devido
próximos. As linhas verticais e horizontais correspondem aos à repulsão coulombiana. Fonte: Chemistry LibreTexts [26], sob
chamados “números mágicos”. Nuclídeos que possuem número licença Creative Commons BY-NC-SA 3.0 [27].
de prótons e/ou nêutrons igual(is) a 6, 14, 28, 50, 82 ou
126 são excepcionalmente estáveis, por possuírem camadas 32 Mais precisamente, o processo envolve o tunelamento quântico
nucleares completas (da mesma forma que os gases nobres
de uma partícula α através da barreira produzida pela atração
são quimicamente estáveis por possuírem orbitais eletrônicos nuclear e a repulsão coulombiana. Ou seja, nesse modelo a
completamente preenchidos). Vários comportamentos ilustrados partícula α é vista como pré-existente e confinada no interior do
na figura são explicados por esses números mágicos. Vide, por nuclídeo, rebatendo em suas “paredes” até eventualmente tunelar.
ex., discussão no apêndice 4. Fonte: Wikimedia Commons, sob Esses detalhes esclarecem o caráter quântico do fenômeno –
licença CC-BY-SA 3.0 [54]. Um gráfico interativo e atualizado não se trata de uma repulsão clássica, até porque o evento é
pode ser encontrado em [55]. probabilístico. No entanto – e esse é o ponto central dessa série
de artigos – a simples compreensão do mecanismo central por
trás do decaimento α, como uma disputa entre as interações
nuclear e eletrostática, já fundamenta uma compreensão sólida do
fenômeno, além de fomentar o uso da intuição física por parte do(a)
Nesse caso ocorrerá um processo de transmutação, discente, demonstrando a aplicabilidade de conceitos simples,
em que esse excesso será aliviado de alguma forma, como a repulsão eletrostática, na compreensão de fenômenos da
com tendência a transformar aquele nuclídeo em uma Física Contemporânea.
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-21
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-22 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-23
em média, para que metade dos nuclídeos em uma aproximadamente 10 meias-vidas do radiocarbono, e a
amostra36 tenha decaído. A situação é análoga ao do fração desse elemento na amostra já é 1/210 ∼ 0.1%
lançamento de uma moeda: se lançarmos uma a cada da concentração original. É claro que detectores mais
segundo, é impossível saber qual será o resultado de precisos permitem extrapolar um pouco esse limite
cada lançamento, mas sabemos que precisaremos esperar superior, mas não muito mais do que isso.
aproximadamente 1000 segundos para obtermos 500 ca- Isso significa que fósseis de dinossauros não podem
ras ou 500 coroas (e essa estimativa é tanto mais precisa, ser datados por radiocarbono, (i) porque um fóssil de
quanto maior o número de lançamentos envolvidos). dinossauro não é matéria orgânica, mas material rochoso
Esse tempo para que metade da amostra tenha que se sedimentou sobre os ossos do animal (ou seja, um
decaído é chamado de tempo de meia-vida, e cada fóssil é uma rocha), e (ii) porque dinossauros foram ex-
elemento radioativo possui uma meia-vida característica. tintos há cerca de 65 milhões de anos, portanto qualquer
Por exemplo, o tempo de meia-vida do carbono-14 é vestígio de carbono-14 no fóssil já teria desaparecido
5730 anos. Isso significa que, se temos inicialmente uma completamente após esse período.
amostra de 1 g de 14 C, após 5730 anos essa amostra Isso não quer dizer que não se pode fazer datação
conterá apenas 0.5 g desse elemento, e após outros 5730 de rochas por meio de decaimentos radioativos. Ao
anos conterá apenas 0.25 g, e assim sucessivamente. contrário, essas datações são possíveis, desde que se use
De todo carbono presente na atmosfera terrestre, o decaimento de outros elementos como “régua”, como
uma pequena fração37 está na forma de carbono-14, o rubídio-87, que decai via
também chamado de radiocarbono. Enquanto um or-
ganismo está vivo, respirando e se alimentando (seja
87
Rb → 87
Sr + e− + ν̄e , (23)
realizando fotossíntese, produzindo açúcares a partir
com meia-vida 4.9 × 1010 anos. O método é essencial-
de gás carbônico absorvido da atmosfera, seja fazendo
mente o mesmo descrito acima, mas com algumas dife-
parte de uma cadeia alimentar em cuja base estão esses
renças. Nesse caso não se conhece a abundância inicial
organismos realizadores de fotossíntese), os átomos de
de rubídio-87 na amostra inicial, então mede-se também
carbono de seu corpo são constantemente “reciclados”,
a abundância do elemento-filha desse decaimento, o
substituídos por novos oriundos da atmosfera, e parte
estrôncio-87, e também o outro isótopo estrôncio-86 (que
desses átomos são do isótopo carbono-14. Isso significa
é estável). Com essas informações é possível determinar
que a concentração de carbono-14 em um organismo vivo
a idade de meteoros e, a partir daí, inferir a idade
é a mesma que na atmosfera. Quando o organismo morre,
do Sistema Solar (e, portanto, do planeta Terra) como
o carbono-14 deixa de ser reposto, e sua concentração
4.5 × 109 anos [56, 57].
de radiocarbono apenas diminui devido ao decaimento.
É importante mencionar que a datação radioativa não
Assim, se medirmos a concentração38 de radiocarbono
é a única forma de se datar um artefato, e nem sempre
em uma amostra de um organismo que já foi vivo,
é a mais precisa. Na arqueologia, o mais comum é datar
podemos determinar quanto tempo transcorreu desde
um objeto com base em outros itens encontrados em uma
sua morte.
mesma escavação, como moedas, evidências textuais (em
Como se vê, uma aula sobre datação por radiocarbono
lápides ou cerâmicas), práticas culturais (por ex. a forma
é uma excelente oportunidade para trazer a interdisci-
como o objeto foi fabricado ou o material utilizado), e
plinaridade à sala de aula, discutindo ciclo de carbono
outros indícios que apontem para o contexto histórico
na biosfera, fotossíntese e cadeia alimentar.
do objeto desenterrado. Ainda outra forma de datação
É importante ressaltar que a datação por radiocar-
muito precisa é a chamada dendrocronologia 39 , tão pre-
bono só pode ser usada para datar matéria orgânica –
cisa a ponto de ser usada para calibrar a datação feita
por exemplo, ossos, restos de plantas, ou até artefatos
por métodos radioativos descritos acima! Esse método
arqueológicos, como cerâmicas enriquecidas por matéria
baseia-se no fato de que os troncos das árvores são
orgânica. Ademais, não é possível datar com radiocar-
formados por vários anéis (vide Figura 25), produzidos
bono materiais com mais do que ∼ 50 mil anos de
(em média) um por ano, e cuja espessura, coloração e
idade. Isso porque, após esse tempo, já transcorreram
outras características dependem das condições climáti-
36 Lembrando que uma amostra com 1 mol da substância tem
cas e ambientais da região onde a árvore se desenvolveu.
cerca de 1023 nuclídeos, que é um número imenso.
Assim, fazendo um estudo de diversas árvores de uma
37 Há aproximadamente 1 átomo de radiocarbono para cada 1 região em várias épocas diferentes, podemos fazer uma
trilhão de átomos de carbono na atmosfera. tabela de quais anos calendáricos correspondem a quais
38 Na verdade não se mede diretamente a concentração de
características de anéis. Tendo essa correspondência em
radiocarbono, e sim a quantidade de decaimentos por cada grama
de todo o carbono presente na amostra. Como a quantidade de
mãos, ao encontrarmos um pedaço de madeira com uma
decaimentos é obviamente proporcional à quantidade de átomos determinada sequência de anéis, podemos inferir a época
presentes, as duas medições são equivalentes. Em um organismo em que a árvore viveu (e, consequentemente, inferir a
vivo, há cerca de 0.226 decaimentos por segundo e por cada
grama de carbono da amostra. Então, se uma amostra tem 0.113
decaimentos por segundo e por grama de carbono, isso significa 39 Da palavra grega δϵ́νδρoν (“árvore”), ou seja, cronologia
que o organismo morreu há 5730 anos. (através) das árvores.
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-24 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-25
eliminar microorganismos) e também na conservação de deado poderia excitar um núcleo atômico presente no alimento,
alimentos, eliminando-se bactérias, fungos, larvas, inse- executando o processo inverso ao descrito na Figura 24 (direita).
Esse nuclídeo excitado tenderia a decair com nova emissão de γ,
tos e demais agentes biológicos indesejáveis. Além disso, que, se ocorresse dentro de nosso corpo, poderia ser danoso às
através da irradiação pode-se postergar a maturação nossas células. Ocorre que o fóton incidente só pode ser absorvido
desses alimentos, fazendo com que durem mais tempo se sua energia for exatamente igual à diferença de energia entre
e possam ser transportados por maiores distâncias sem dois níveis nucleares mostrados na figura. Então o fóton só seria
absorvido por um nuclídeo que tenha níveis com a mesma diferença
que estraguem. de energia dos níveis do cobalto-60 ou do césio-137. Mas as energias
No Brasil, a irradiação de alimentos é uma técnica dos níveis nucleares servem como a “impressão digital” do núcleo, e
reconhecida e regulamentada pela ANVISA [61]43 . De cada elemento tem níveis com espaçamentos característicos. Então
acordo com essa regulação, a radiação permitida para a radiação γ emitida pelo cobalto-60 não seria absorvida por um
núcleo de carbono, nitrogênio, oxigênio, ou outros elementos que
encontramos na matéria orgânica.
43 A regulamentação atual vigora desde o ano de 2001, mas uma 47 A redução dos níveis de vitamina são menores quando a
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-26 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-27
totalizou uma carga horária de dez horas de atividades aula foi de breve revisão da terceira aula da sequência.
de Física de Partículas desenvolvidas com os discentes. Na terceira aula, tópicos introdutórios de Mecânica
A sequência foi ministrada por um dos autores a uma Quântica foram abordados para a construção dialógica
turma mista com, no máximo, quatorze estudantes das da dualidade onda-partícula, do fóton como mediador da
1a , 2a e 3a séries do ensino médio do Centro Estadual interação eletromagnética e do conceito de antipartícula
de Ensino Médio em Tempo Integral (CEEMTI) Profa ou antimatéria a partir do pósitron, finalizando com um
Maura Abaurre, no município de Vila Velha, no estado debate sobre aplicações na Medicina, como nos raios-X e
do Espírito Santo. A organização local foi realizada na tomografia PET-scan. Mais detalhes sobre a terceira
pelo professor-coordenador da área de Física na escola. aula da sequência didática podem ser encontrados em [1].
Alguns participantes integravam um grupo com interesse Os principais tópicos abordados em sala no restante da
prévio em Física, que já era acompanhado e orientado quarta e da quinta aulas, com as respectivas subseções
durante o ano pelo professor-coordenador de Física da discutidas detalhadamente na seção 2 acima, encontram-
escola. No entanto, no decorrer da sequência outros se listados nas Tabelas 1 e 2.
estudantes se juntaram ao grupo, frequentemente a Em trabalho anterior [1] ressaltamos o caráter dia-
convite dos demais que já participavam das aulas. lógico do professor com os estudantes em detrimento
a uma postura meramente expositiva, a partir do
3.2. Das aulas qual vários momentos surgiram de forma orgânica das
conversas, das interrogações dos próprios estudantes e
Na seção 2 apresentamos propostas de momentos di- de propostas de debates. Por exemplo, no início da
dáticos para introduzir a temática de Física Nuclear, quarta aula, após o momento 3, quando o professor
organizados de maneira fluida em continuidade à pri- relembrou o átomo de Thomson e comentou sobre como
meira parte da sequência didática, cujo foco foi a Rutherford teve a ideia de um experimento que pudesse
introdução à Física de Partículas e a Eletrodinâmica testar a composição do átomo de Thomson, e que foi
Quântica [1]. Da mesma forma que na primeira parte implementada por Geiger e Marsden, um dos estudantes
desta sequência didática, os conceitos relevantes à temá- em sala de aula trouxe a informação à turma, com
tica eram construídos em conjunto aos discentes a partir autonomia, de que uma das partículas alfa lançadas ao
de conexões com seus conhecimentos prévios, de forma átomo teria desviado muito mais do que o esperado. As-
que o engajamento dos estudantes presentes nas aulas foi sim, o professor aproveitou para aliar os conhecimentos
mantido ou aumentou consideravelmente, como veremos prévios dos estudantes sobre energia cinética e potencial
na seção 3.5. para obter, em conjuntos a esses mesmos estudantes,
Na intervenção realizada na CEEMTI Profa Maura a velocidade final esperada das partículas alfa caso
Abaurre, o conteúdo apresentado neste trabalho, com o modelo de Thomson fosse uma descrição adequada
foco na Física Nuclear, serviu como base para a elabora- para o átomo. Além disso, o professor aproveitou para
ção da segunda parte da sequência didática sobre Física introduzir a curva esperada do número de partículas alfa
de Partículas. Por sua vez, tal parte foi dividida em duas desviadas a diversos ângulos para o átomo de Thomson,
aulas, a quarta e quinta aulas, ministradas nos dias 7 e bem como os pontos experimentais obtidos pelos alunos
10 de outubro do ano de 2019, com duração de 52 e 65 de Rutherford, e abordou como a discrepância entre a
minutos, respectivamente. curva esperada para o átomo de Thomson e a curva
A primeira aula do bloco de aulas sobre Física Nuclear, dos pontos experimentais obtidos mostrou que algo não
em análise neste trabalho, foi a quarta aula da sequência estava correto na descrição do átomo por Thomson, o
didática de dez aulas48 . O primeiro momento da quarta que levou ao debate em sala de aula sobre um dos pilares
da ciência: o teste de hipóteses. Quando as previsões
48 Ressaltamos que as três primeiras aulas da sequência didática de um modelo baseadas em determinadas hipóteses
versaram sobre uma introdução à Física de Partículas e a interação
eletromagnética, cujo material e análise podem ser consultados no não condizem com as observações, cientistas devem
primeiro artigo desta série [1]. repensar as hipóteses iniciais e perspectivas com relação
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-28 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
à situação investigada. Com o auxílio do professor, o mo- frutífero, pois assim os estudantes percebem como a ci-
mento de discussão sobre o desenvolvimento da ciência ência não é um apanhado de blocos temáticos desconexos
foi aprofundado: os estudantes construíram a percepção entre si mas, sim, que pode e deve explorar relações
de que os cientistas buscam, a todo momento, criar das mais diversas, assim como com tudo o que eles
soluções para os problemas em aberto e, quando essas vêm e percebem do mundo, ampliando suas estruturas
soluções aparecem e se mostram eficazes, coerentes com cognitivas e visões sobre o próprio mundo que os cerca.
as observações, surgem ainda outros novos problemas Além disso, houve uma breve introdução ao conceito
para os quais novas soluções devem ser buscadas. Tal dos píons e a menção ao brasileiro envolvido na sua
momento foi guiado pela percepção de que a existência descoberta, César Lattes. Neste momento, partindo do
da interação forte resolveu o problema da coesão do próprio interesse dos alunos, houve uma discussão crítica
núcleo atômico, mas deixou um problema em aberto sobre as complexidades de se fazer ciência no Brasil e
que seria abordado em aulas futuras: o fato de que não sobre a hierarquia científica acadêmica e internacional
percebemos essa interação no nosso dia a dia. a partir da informação de que o Lattes não recebeu o
Outros exemplos vêm dos momentos 7 e 8 da aula prêmio Nobel por seu envolvimento na descoberta, o que
4, quando os estudantes foram estimulados a ir além demonstra interesse por parte dos próprios alunos em
do átomo de Rutherford e levantaram hipóteses so- compreender as relações sociais mundiais que envolvem
bre a existência de subestruturas do núcleo, que fo- a ciência.
ram devidamente introduzidas pelo professor, como os Na quinta aula, destacamos os momentos sobre a
prótons e os nêutrons. Em seguida, foi proposto um fissão nuclear e a radioatividade como os mais dialógicos
desafio aos estudantes: pensar como o núcleo não se da aula. Os estudantes trazem informações da série de
desintegra, uma vez que os nêutrons são neutros e os TV “Chernobyl” [67] para a aula, formulam diversas
prótons, de carga elétrica positiva, tendem a se repelir. perguntas sobre os acontecimentos nela mostrados, e
Os estudantes expuseram seus pensamentos sobre a ainda trazem novas informações sobre o acidente. Houve
situação, considerando elétrons que orbitam o núcleo perguntas sobre a nuvem tóxica formada, que quase se
e as distâncias envolvidas, até um aluno levantar a espalhou por toda a Europa, sobre a formação do câncer
hipótese de que o núcleo seria formado por ainda outras nas vítimas do acidente e sobre como máquinas ficam
partículas, menores do que os prótons e os nêutrons, e destruídas com a radiação ionizante. Foi um momento
que deveríamos olhar para as cargas dessas partículas. de bastante descontração, mas que não ficou somente
Dessa forma, o professor constrói, junto aos alunos, a na surpresa com as informações. Pelo contrário, elas
necessidade da existência de uma outra interação, que foram discutidas sistematicamente pelo professor para
eles ainda desconheciam, além da eletromagnética e da se aproximar o mais possível de um real aprendizado
gravitacional, para vencer a repulsão eletromagnética e dos conceitos envolvidos e não permanecer apenas na
que seria fundamental para a atração das partículas do falsa percepção de aprendizado pelo fantástico [68].
núcleo a fim de mantê-lo coeso. Após abordar com extensão as desvantagens da energia
No último momento da aula 4 houve uma comparação nuclear, houve interesse dos alunos por uma discussão
entre a nova interação elaborada durante a aula – sobre suas vantagens e questões políticas que envolvem o
a interação forte – com as interações gravitacional e seu uso, como o enriquecimento do urânio. Foi abordado
eletromagnética, focos da primeira parte da sequência como as emissões de gases do efeito estufa, que aceleram
didática [1]. Estimular tal pensamento relacional entre o aquecimento global, são baixíssimas no caso da energia
os tópicos abordados em sala de aula é sempre muito nuclear. Outra vantagem é que há muito menos impacto
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-29
ambiental em termos de área que deve ser empregada Para manter o sigilo e preservar suas identidades,
para a construção de uma usina nuclear, quando compa- optamos por adotar nomes fictícios para os estudantes,
rada, por exemplo, à região utilizada para construir usi- de cientistas que atuaram na área da Física de Partículas
nas hidrelétricas. Um dos estudantes, inclusive, trouxe e/ou contribuíram para o seu desenvolvimento.
com autonomia várias informações para essa discussão:
o desmatamento considerável na região próxima aos rios 3.4. Os indicadores de alfabetização científica e
e a retirada de residentes locais para a criação dos de engajamento
reservatórios e das barragens das hidrelétricas, ao que o
docente ainda mencionou o risco de rompimento dessas A análise da viabilidade e da efetividade da sequência
barragens. Os alunos perceberam a complexidade da didática aplicada, bem como das potencialidades da
temática sobre o uso de energia nuclear, refletindo para inclusão da temática de Física de Partículas em salas
além do básico. No início da discussão foram abordadas de aula do ensino médio brasileiro, considerou a inci-
apenas as desvantagens de seu uso, mas, aos poucos, a dência de indicadores de alfabetização científica e de
partir de interações entre colegas e professor, a percepção engajamento demonstrado pelos estudantes ao longo das
final foi a de que há diversas vantagens e pouca chance aulas e suas atividades. Ressaltamos que as intervenções
de ocorrer um acidente. Contudo, houve o consenso de incorporaram uma postura amplamente dialógica do
que, caso ele ocorra, certamente será um acidente crítico professor e acreditamos que sua combinação com uma
e, sem definir um posicionamento, concluíram a favor da temática mais contemporânea da Física, a Física de
necessidade de mais investimentos em mecanismos de Partículas, favoreceu a viabilidade e a efetividade de
segurança para as usinas nucleares. nossa proposta.
Uma análise preliminar das narrativas presentes em Os indicadores de alfabetização científica utilizados se
sala de aula, considerando as participações dos estudan- alicerçam na perspectiva freireana que destaca o(a) al-
tes, as trocas com o professor e colegas, e diversas outras fabetizado(a) cientificamente como aquele(a) que: com-
observações sobre todas as aulas da sequência didática preende as relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade
pode ser encontrada em [69], e será publicada com mais e Meio-Ambiente; compreende a natureza da ciência;
detalhes em trabalho futuro dos autores. compreende a ética que envolve o trabalho de um(a)
cientista; e possui conhecimentos básicos sobre as ciên-
cias para atuar no mundo [73, 74]. De acordo com [75],
3.3. Metodologia e coleta de dados
em qualquer processo de ensino-aprendizagem voltado
Em nossa análise adotamos um percurso metodológico à alfabetização científica identificam-se indicadores que
de cunho qualitativo e caráter de estudo de caso. A demonstram o desenvolvimento de habilidades e conhe-
pesquisa qualitativa considera todos os sujeitos envol- cimentos associados ao trabalho de cientistas a partir de
vidos, os significados e os pontos de vista atribuídos às ações que: envolvem o trabalho com os dados obtidos
situações a partir de dados coletados diretamente no am- em uma investigação, que estruturam o pensamento
biente natural de ação [70]. A Secretaria de Educação do científico e que buscam o entendimento da situação
Estado do Espírito Santo e a diretoria da escola onde as analisada. Cada conjunto de ações resume uma série
intervenções foram aplicadas autorizaram a observação de elementos do fazer científico, como a seriação, a
das intervenções e anotações sobre as interações entre organização e a classificação de informações; o uso do
os discentes, seus níveis de interesse e de atenção, as raciocínio lógico e/ou proporcional; o levantamento e
perguntas realizadas, e demais reações. Para isso, cons- o teste de hipóteses; a previsão; entre outros. Tais ele-
truímos um diário de campo considerando aspectos des- mentos do fazer científico foram considerados em nossa
critivos e reflexivos dos sujeitos envolvidos, dos objetos, análise como indicadores de alfabetização científica e
do espaço, das atividades e dos acontecimentos [70, 71], são resumidos na Tabela 3. Cada um desses indicadores
bem como reflexões após as intervenções propriamente é independente dos demais e eles podem, inclusive,
ditas sobre as possíveis relações entre tais aspectos, aparecer concomitantemente. Para mais detalhes sobre
sobre as atividades para casa e interações imediatamente o referencial teórico e considerações sobre os indicadores
anteriores e posteriores às intervenções. A metodologia de alfabetização científica adotados, recomendamos a
de estudo de caso partiu da vivência com o local onde leitura do primeiro artigo desta série sobre Física de
as ações se desenvolveram, ou seja, em sala de aula, Partículas no ensino médio [1] (ver também [69]).
onde consideramos as perspectivas de significados dos Apesar da natureza multifacetada que reflete a com-
sujeitos e a identificação de relações causais e padrões em plexa interação social do estudante com o ambiente
contextos complexos que não permitem a utilização de escolar, as situações vivenciadas e os outros sujeitos
levantamentos e experimentos [72]. Os dados coletados desse espaço, a literatura sobre engajamento escolar
focam na compreensão de conceitos-chave e suas relações contempla três tipos de engajamento: o comportamental,
com tecnologia, sociedade e meio-ambiente, avaliando o o emocional e o cognitivo [76–89]. Todos se relacionam de
surgimento de indicadores de alfabetização científica e forma dinâmica e não ocorrem em processos isolados. A
de engajamento ao longo das aulas, bem como relações partir desse referencial teórico, consideramos os indica-
entre esses indicadores. dores de engajamento listados na Tabela 4 para avaliar a
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-30 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
viabilidade, a efetividade e as potencialidades de inserir similar de todos os três indicadores: seriação de infor-
a temática de Física de Partículas em salas de aula do mações, organização de informações e classificação de in-
ensino médio brasileiro. Para mais detalhes, novamente formações. No entanto, quando comparado ao resultado
indicamos o primeiro artigo desta série sobre Física de do primeiro bloco de aulas (as três primeiras aulas da
Partículas no ensino médio [1] (ver também [69]). sequência didática [1]), percebemos um aumento de, no
mínimo, duas vezes nas incidências de organização e clas-
sificação de informações, o que é natural pois, à medida
3.5. Resultados que os alunos se deparam com novos conhecimentos, há
Nesta seção apresentamos os resultados referentes à uma maior necessidade de arranjá-los em suas estruturas
incidência, durante a quarta e quinta aulas da sequência cognitivas e estabelecer relações entre eles.
didática, dos indicadores de alfabetização científica e Com relação às ações que estruturam o pensamento
de engajamento, apresentados na seção 3.4 acima. Uma científico percebemos uma leve queda no raciocínio pro-
publicação à parte aprofundará na análise da incidência porcional quando comparado ao resultado do primeiro
desses indicadores ao longo de toda a sequência. bloco de aulas. Esse elemento do fazer científico foi
A incidência dos indicadores de alfabetização científica estimulado nos momentos 4 e 5 da quarta aula, sobre
durante a quarta e quinta aula são apresentados na o experimento de Rutherford-Geiger-Marsden e durante
Figura 30. a discussão sobre teste de hipóteses na ciência (ver
Entre as ações que envolvem o trabalho com os dados Tabela 1). No entanto, a incidência foi menor do que
obtidos em uma investigação, houve uma incidência nos momentos sobre as semelhanças e diferenças entre as
leis de Coulomb e a da Gravitação, e sobre as equações
de Maxwell do primeiro bloco de aulas da sequência
didática [1].
Com relação às ações que buscam o entendimento da
situação analisada, observamos um aumento de quase
100% na incidência dos indicadores de justificativa e
de explicação quando comparada à incidência desses
mesmos indicadores no primeiro bloco de aulas [1].
Tal resultado foi devido, principalmente, à quinta aula
pois, nela, os estudantes foram não só estimulados a
incorporar ideias durante todas as discussões em sala
de aula, fortalecendo com argumentação os aspectos
abordados mas, também, os estudantes agiram com
Figura 30: Incidência dos indicadores de alfabetização científica autonomia para trazer novas informações e fontes para
durante a quarta e quinta aulas sobre Física Nuclear. A legenda as discussões. Inclusive, o indicador de explicação reúne
está ordenada no sentido anti-horário do gráfico a partir de uma série de ações do fazer científico e não foi mera
“seriação de informações” (azul escuro, 14,45%). coincidência obter sua maior incidência na quinta aula,
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-31
4. Conclusões
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-32 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
também a Geide Rosa Coelho, por sugestões e comen- Essa fissão não ocorre sempre da mesma maneira, ou
tários relevantes à análise das intervenções. O presente seja, o par de nuclídeos resultantes de uma fissão varia
trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de a cada vez que for realizada (vide Figura 15)49 . Mas
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil podemos estimar a energia liberada em média, supondo
(Capes) – Código de Financiamento 001. que o resultado serão dois nuclídeos idênticos, com
número de massa ≈ 118. Da figura vê-se que a energia
Apêndice A: Propostas de Atividades de ligação média para tal nuclídeo é ≈ 8.5 MeV, então
Eliberada ≈ 235 × (8.5 − 7.6) MeV ≈ 211 MeV.
Seção 2.5
Seção 2.9
Um bom exercício, tanto para consolidar o conceito
de energia de ligação nuclear, quanto para incentivar De acordo com a Base Nacional Comum Curricular
cálculos simples e com aplicação prática em discussões (BNCC) [10], uma habilidade que se almeja desenvolver
sobre energia nuclear, é usar a Figura 11 para determinar com os estudantes no âmbito das ciências exatas é
a quantidade de energia liberada em uma determinada a análise e interpretação de dados em gráficos. Para
reação nuclear. esse propósito, uma atividade com base na Figura 20
Por exemplo, conforme discutido na seção 2.7.3, uma mostra-se apropriada. A figura é simples, mas possui
das principais reações que poderiam ser usadas na uma riqueza de informações que o(a) docente pode
geração de energia nuclear por fusão é a produção de explorar em inúmeras atividades, que também servem
hélio-4 por fusão de um deutério e um trítio, para consolidar o conceito e os tipos de decaimentos
nucleares.
2
H + 3 H → 4 He + n + Eliberada . (24) Algumas das questões que podem ser discutidas com
base nesse gráfico são:
A energia liberada é dada pela diferença entre a energia
de repouso dos reagentes e do produto, 1. Por que o “vale de estabilidade”, mostrado nos
pontos pretos, desvia da curva Z = N ? E por
Eliberada = (m2 H + m3 H − m4 He − mn ) c2 . (25) que esse desvio é tanto maior, quanto maior for o
número de massa dos nuclídeos (i.e. quanto mais
Mas, pela equação (13), a massa do nuclídeo é a diferença à direita do gráfico o nuclídeo estiver)?
da massa dos seus constituintes e de sua energia de
ligação, A resposta, como já discutido no corpo principal do
texto (ver seção 2.9), é que nuclídeos mais pesados
m2 H c2 = (mp + mn ) c2 − E(2 H), precisam de um ligeiro excesso de nêutrons sobre
prótons, para que a atração nuclear compense a
m3 H c2 = (mp + 2mn ) c2 − E(3 H), (26)
repulsão coulombiana.
m4 He c = (2mp + 2mn ) c − E( He),
2 2 4
2. Por que a maioria dos pontos acima do vale de
estabilidade são azuis (decaem por β − ) e os pontos
de modo que
abaixo são, em sua maioria, laranjas (decaem por
Eliberada = E(4 He) − E(2 H) − E(3 H). (27) β + )?
Pontos acima da curva de estabilidade possuem um
Os valores das energias de ligação podem ser lidos da excesso de nêutrons sobre prótons. O decaimento
Figura 11, lembrando que a figura dá a energia de ligação β − alivia esse excesso ao converter um nêutron em
por núcleon. Dessa figura podemos ver que um próton. O oposto ocorre abaixo da curva, em
E(4 He) que β + converte um próton em um nêutron.
≈ 7.1 MeV, 3. Por que os pontos amarelos se tornam predomi-
4
nantes para nuclídeos muito pesados?
E(3 H)
≈ 2.8 MeV, (28) Nesses casos a estabilidade do nuclídeo é prejudi-
3 cada tanto pela repulsão coulombiana, quanto pelo
E(2 H) tamanho do nuclídeo, que faz com que os núcleons
≈ 1.1 MeV,
2 estejam mutuamente afastados (em média), o que
resultando em Eliberada ≈ 17.8 MeV para cada reação, reduz a energia de ligação média por núcleon.
um valor muito próximo a ≈ 17.59 MeV calculado com O decaimento α resolve esses dois problemas si-
valores tabelados para as energias de ligação. multaneamente, pois reduz o número de prótons e
Da mesma forma é possível estimar, da Figura 11, a o número de massa (e portanto o raio do nuclídeo).
quantidade de energia liberada em uma fissão de 235 U. 49 Como o processo é quântico, existe uma probabilidade de a
Para esse nuclídeo tem-se, da figura, fissão ocorrer de uma determinada maneira. Não é possível deter-
minar, de antemão, qual será o resultado da fissão. Mesmo que
E(235 U) repliquemos o experimento exatamente sob as mesmas condições,
≈ 7.6 MeV. (29) o resultado da fissão em cada caso vai variar.
235
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-33
4. A maior parte dos decaimentos α ocorre para [3] W. Bybee, Science Education 71, 667 (1987).
nuclídeos mais pesados que o 126 Pb (o último [4] J.L.L. López e J.A.L. Cerezo, em: Ciencia, tecnologia y
nuclídeo estável), ou para nuclídeos muito à direita sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia
do vale de estabilidade (ou seja, com muito mais y la tecnologia, editado por M.I.G. García, J.L.L. López
prótons do que seria a quantidade ótima para e J.A.L. Cerezo. (Editorial Tecnos S. A., Madrid, 1996).
a estabilidade). Contudo, existem alguns pontos [5] M. Krasilchik, O professor e o currículo (São Paulo,
amarelos na Figura 20 que estão bastante próximos EDUSP, 1987).
do vale de estabilidade, ou até mesmo bem no meio [6] W.L.P. dos Santos e E.F. Mortimer, Ciência e Educação
7, 95 (2001).
desse vale. Por exemplo, o neodímio-144, 144 60 Nd,
[7] W.L.P. dos Santos e E.F. Mortimer, Ensaio: Pesquisa
aparece na figura como um ponto amarelo bem em
em Educação em Ciências 2, 110 (2002).
meio a pontos pretos que denotam outros isótopos
[8] L.H. Sasseron e A.M.P. Carvalho, Investigações em
estáveis do mesmo elemento. Por que isso ocorre?
Ensino de Ciências 16, 59 (2011).
Se o 144 Nd decair por emissão de α, transformar- [9] L.J. Waks, em: Ciencia, tecnología y sociedad: estudios
se-á no cério-140, que possui 58 prótons e 82 nêu- interdisciplinares en la universidad, en la educación
trons. O número “82” é um dos chamados números y la gestión pública, editado por M.M.E. Aibar e J.
mágicos na física nuclear (por isso aparecem na Sanmartín (Anthropos Editorial, Barcelona, 1990).
Figura 20 como linhas verticais e horizontais), [10] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Base Nacional Co-
porque um nuclídeo que possui 82 prótons (como mum Curricular, disponível em: http://basenacional
o chumbo) ou 82 nêutrons (como o cério-140 já comum.mec.gov.br, acesso em 21/06/2023.
citado) é excepcionalmente estável. Isso porque [11] J.J. Thomson, Philosophical Magazine 7, 237 (1904).
uma das camadas nucleares fica totalmente pre- [12] H. Geiger, Roy. Soc. Proc. A 83, 492 (1910).
enchida com esse número de núcleons (analoga- [13] H. Geiger e E. Marsden, Philosophical Magazine 25, 604
mente ao que ocorre com os gases nobres, que (1913).
são quimicamente estáveis porque possuem uma [14] R. Nave, The Thomson model of the atom, disponível
em: http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/Nucl
camada eletrônica totalmente preenchida). Assim,
ear/rutsca3.html, acesso em 21/06/2023.
é mais vantajoso ao 144 Nd decair por α para chegar
[15] CREATIVE COMMONS, Licença Attribution-Share
a esse estado mais estável. Note que o mesmo Alike 4.0 (BY-SA 4.0), disponível em: https://creati
não acontece para o 145 Nd ou 143 Nd. Nesses casos vecommons.org/licenses/by-sa/4.0/deed.en, acesso em
o decaimento α não levaria a uma configuração 21/06/2023.
com número mágico de nêutrons, e por isso esses [16] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica (Ed. Campus,
decaimentos não são favorecidos, e esses nuclídeos Rio de Janeiro, 1979).
são estáveis, como se vê na figura. [17] E. Rutherford, Philosophical Magazine 21, 669 (1911).
Vários outros pontos amarelos na vizinhança da [18] E. Rutherford, Philosophical Magazine 37, 581 (1919).
curva de estabilidade levam a uma sequência de [19] E. Rutherford, Roy. Soc. Proc. A, 97, 374 (1920).
decaimentos que resulta, ao final, em um nuclídeo [20] E.S. Lopes, E o elétron? É onda ou é partícula? –
com número mágico de nêutrons. Para ver isso, Uma proposta para promover a ocorrência da alfabeti-
basta notar que, se um ponto amarelo da figura zação científica de física moderna e contemporânea em
estudantes do ensino médio. Dissertação de Mestrado,
decair por α, o nuclídeo-filha estará dois pontos à
Universidade de São Paulo, São Paulo (2013).
esquerda e dois pontos abaixo da posição inicial.
[21] PPlato/FLAP (Flexible Learning Approach to Physics),
Seguindo-se a linha de decaimentos, vê-se que,
PHYS 6.4: Optical instruments. Disponível em: http://
para vários deles, a sequência termina na curva www.met.reading.ac.uk/pplato2/h-flap/phys6_4.html,
de estabilidade após um único decaimento (o que acesso em 21 de junho de 2023.
faz com que o decaimento α seja mais vantajoso [22] I. Angeli e K. Marinova, Atomic Data and Nuclear Data
que outra forma de decaimento), ou segue uma Tables 99, 69 (2013).
sequência de decaimentos que termina em um [23] H.F. Ehrenberg, R. Hofstadter, U. Meyer-Berkhout,
nuclídeo com 82 nêutrons. Vide, por exemplo, o D.G. Ravenhall e S.E. Sobottka, Phys. Rev. 113, 666
caso (1959).
α α α [24] K. Krane, Introductory Nuclear Physics (Ed. John Wiley
66 Dy 64 Gd 62 Sm 60 Nd.
154 150 146 142
−→ −→ −→ & Sons, Nova Jersey, 1988).
O resultado final é estável, com 82 nêutrons. [25] L.C. Tu e J. Luo, Metrologia 41, S136 (2004).
[26] Chemistry LibreTexts, General Chemistry, Ch. 24: Nu-
clear Chemistry, disponível em https://chem.libretexts.
Referências org/Courses/Howard_University/General_Chemistry
%3A_An_Atoms_First_Approach/Unit_8%3A__M
[1] G.C. Dorsch e T.C. da C. Guio, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, aterials/Chapter_24%3A_Nuclear_Chemistry, acesso
e20210083 (2021). em 21/06/2023.
[2] C. Sagan, As ligações cósmicas: uma perspectiva extra- [27] CREATIVE COMMONS, Licença Attribution-Non-
terrestre (Ed. Gradiva, Lisboa, 2001). Commercial-ShareAlike 3.0 Unported (CC BY-NC-SA
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023
e20230067-34 Física de Partículas no Ensino Médio Parte II: Física Nuclear
3.0), disponível em: https://creativecommons.org/li [46] J. Macknick, R. Newmark, G. Heath e K.C. Hallet,
censes/by-nc-sa/3.0, acesso em 21/06/2023. Environmental Research Letters 7, 045802 (2012).
[28] World Nuclear Association, Fast Neutrons Reactors, [47] World Nuclear Association, Chernobyl Accident 1986,
disponível em: https://www.world- nuclear.org/info disponível em: https://www.world- nuclear.org/info
rmation-library/current-and-future-generation/fast-n rmation-library/safety-and-security/safety-of-plants/c
eutron-reactors.aspx, acesso em 21/06/2023. hernobyl-accident.aspx, acesso em 21/06/2023.
[29] I.H. Lacy, Nuclear energy in the 21st century (Ed. [48] World Nuclear Association, Fukushima Daiichi Acci-
Academic Press, Londres, 2007). dent, disponível em: https://www.world-nuclear.org/
[30] S. Dodelson, Modern Cosmology (Ed. Elsevier, Holanda, information- library/safety- and- security/safety- of-
2003). plants/f ukushima- daiichi- accident.aspx, acesso em
[31] A. Liddle, An Introduction to Modern Cosmology (Ed. 21/06/2023.
John Wiley & Sons, Chichester, 2003). [49] World Nuclear Association, Information Library, dispo-
[32] K. Lodders, The Astrophysical Journal 591, 1220 nível em: https://www.world-nuclear.org/information-
(2003). library.aspx, acesso em 21/06/2023.
[33] BBC News, In pictures: Hiroshima, the first atomic [50] E.M. Cardoso. A energia nuclear (Apostila educativa).
bomb, disponível em: https://www.bbc.com/news/in-pi 3.ed. – Rio de Janeiro: CNEN, 2012. Disponível em: http:
ctures-33787169, acesso em 21/06/2023. //antigo.cnen.gov.br/images/cnen/documentos/educ
[34] Nuclear Darkness, Global Climate Change & Nuclear ativo/apostila- educativa- aplicacoes.pdf, acesso em
Famine, Hiroshima, disponível em: http://www.nuclea 21/06/2023.
rdarkness.org/hiroshima/, acesso em 21/06/2023. [51] R.P. de Carvalho e S.M.V. de Oliveira, Aplicações da
[35] I. Dickinson, 33 Photos of the Hiroshima aftermath that energia nuclear na saúde, disponível em: https://www.
reveal the bombing’s true devastation, disponível em: ht gov.br/cnen/pt-br/material-divulgacao-videos-imagens
tps://allthatsinteresting.com/hiroshima-aftermath-pict -publicacoes/publicacoes-1/aplicacoesenergianuclearn
ures, acesso em 21/06/2023. asaude.pdf, acesso em 21/06/2023.
[36] World Nuclear Association, Heat Values of Various [52] Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), dispo-
Fuels, disponível em: https://www.world- nuclear.or nível em: https://www.gov.br/aneel/pt- br/centrai
g/information-library/facts-and-figures/heat-values-of- s- de- conteudos/relatorios- e- indicadores, acesso em
various-fuels.aspx, acesso em 21/06/2023. 21/06/2023.
[37] World Nuclear Association, Nuclear Power Reactors, [53] Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Anuário Esta-
disponível em: https://www.world-nuclear.org/inform tístico de Energia Elétrica, disponível em: http://www.
ation-library/nuclear-fuel-cycle/nuclear-power-reactor epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoe
s/nuclear-power-reactors.aspx, acesso em 21/06/2023. s/anuario-estatistico-de-energia-eletrica, acesso em
[38] World Nuclear Association, CO2 Implications of Electri- 21/06/2023.
city Generation, disponível em: https://www.world-nu [54] CREATIVE COMMONS, Licença Attribution-Share
clear.org/information-library/energy-and-the-environ Alike 3.0 (BY-SA 3.0), disponível em: https://creati
ment/co2-implications-of -electricity-generation.aspx, vecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.en, acesso em
acesso em 21/06/2023. 21/06/2023.
[39] H. Ritchie e M. Roser, CO2 and greenhouse gas emissi- [55] International Atomic Energy Agency, Live Chart of
ons, disponível em: https://ourworldindata.org/co2-a Nuclides, disponível em: https://www- nds.iaea.org
nd-other-greenhouse-gas-emissions, acesso em 21/06/ /relnsd/vcharthtml/VChartHTML.html, acesso em
2023. 21/06/2023.
[40] K. Menyah e Y.W. Rufael, Energy Policy 38, 2911 [56] W.M. White, Geochemistry (Ed. John Wiley & Sons,
(2010). Chichester, 2013).
[41] N. Apergis, J.E. Payne, K. Menyah e Y.W. Rufael, [57] R. Bowen, Isotopes in the earth sciences (Ed. Chapman
Ecological Economics 69, 2255 (2010). & Hall, Londres, 1994).
[42] H. Ritchie, What are the safest sources of energy?, [58] A. Klotz, Physics Forums Insights, disponível em: www.
disponível em: https://ourworldindata.org/saf est-so physicsforums.com/insights/basics-positron-emission-
urces-of-energy, acesso em 21/06/2023. tomography-pet, acesso em 21/06/2023.
[43] M. Hvistendahl, Coal Ash Is More Radioactive Than [59] OpenStax College, College Physics, disponível em: https:
Nuclear Waste, disponível em: https://www.scientif ic //openstax.org/books/college-physics/pages/32-introd
american.com/article/coal-ash-is-more-radioactive-th uction-to-applications-of-nuclear-physics, acesso em
an-nuclear-waste/, acesso em 21/06/2023. 21/06/2023.
[44] World Nuclear Association, Radioactive Waste – Myths [60] CREATIVE COMMONS, Licença Attribution 4.0 Inter-
and Realities, disponível em: https://www.world-nucl national (BY 4.0), disponível em: https://creativecomm
ear.org/information-library/nuclear-fuel-cycle/nuclear ons.org/licenses/by/4.0/, acesso em 21/06/2023.
-wastes/radioactive-wastes-myths-and-realities.aspx, [61] Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
acesso em 21/06/2023. Resolução da Diretoria Colegiada no. 21 de 26 de
[45] P.W. Beck, Annual Review of Energy and the Environ- novembro de 2001, disponível em: http://antigo.anv
ment 24, 113 (1999). isa.gov.br/legislacao#/visualizar/26672, acesso em
21/06/2023.
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067
Guio e Dorsch e20230067-35
[62] Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), [82] K.E. Voelkl, American Journal of Education 105, 294
Agenda Regulatória 2021/2023 (Projeto 3.12), disponí- (1997).
vel em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/r [83] D. Stipek, em Development of achievement motivation:
egulamentacao/agenda-regulatoria/agenda-2021-2023, a volume in Educational Psychology, editado por A.
acesso em 21/06/2023. Wigfield e J. S. Eccles (Academic Press, San Diego,
[63] Organização Mundial da Saúde, Safety and nutritional 2002).
adequacy of irradiated food, disponível em: https:// [84] J.P. Connell e J.G. Wellborn, em Minnesota Symposium
apps.who.int/iris/handle/10665/39463, acesso em on Child Psychology 23 Self processes and development,
21/06/2023. editado por M.R. Gunnar e L.A. Sroufe (University of
[64] Organização Mundial da Saúde, High-dose irradiation: Chicago Press, Chicago, 1991).
wholesomeness of food irradiated with doses above 10 [85] J.E. Brophy, em Advances in motivation and achieve-
kGy: report of a Joint FAO/IAEA/WHO study group, ment: enhancing motivation, editado por M.L. Maehr e
disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665 D.A. Kleiber (JAI Press, Greenwich, 1987).
/42203, acesso em 21/06/2023. [86] C. Ames, Journal of Educational Psychology 84, 261
[65] Núcleo Cosmo-UFES, Projeto Universo na Escola, dis- (1992).
ponível em: http://www.cosmo-ufes.org/universo-na-e [87] C.S. Dweck e E.L. Legget, Psychological Review 95, 256
scola.html, acesso em 21/06/2023. (1988).
[66] CREATIVE COMMONS, Licença Attribution- [88] S. Harter, Development Psychology 17, 300 (1981).
ShareAlike 2.0 Generic (BY-SA 2.0), disponível [89] L. Corno e E.B. Madinach, Educational Psychologist 18,
em: https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/d 88 (1983).
eed.en, acesso em 21/06/2023.
[67] J. Renck e S. Wohlenberg, Chernobyl (HBO Home
Entertainment, Nova Iorque, 2019).
[68] G. Bachelard, A formação fo espírito científico: con-
tribuição para uma psicanálise do conhecimento (Ed.
Contraponto, Rio de Janeiro, 2005).
[69] T. C. da C. Guio, Uma sequência didática para o ensino
de Física de Partículas no ensino médio: indícios de
alfabetização científica e engajamento de estudantes. Mo-
nografia (Licenciatura em Física). Universidade Federal
do Espírito Santo, Vitória, 2020. Disponível em: https:
//labec.ufes.br/sites/labec.ufes.br/files/field/anexo/l
abec_thaisaguio01corrigida.pdf, acesso em 21/06/2023.
[70] M. Lüdke e M.E.D.A. André, Pesquisa em educação:
abordagens qualitativas (EPU, São Paulo, 1986).
[71] R.C.M. de Oliveira, Revista Brasileira de Educação de
Jovens e Adultos 2, 69 (2014).
[72] V.R.A. de Moraes e J.A. Taziri, Investigações em Ensino
de Ciências 24, 72 (2019).
[73] P. Freire, Educação como prática da liberdade (Paz e
Terra, São Paulo, 2000).
[74] P. Freire, A importância do ato de ler – em três artigos
que se completam (Cortez, São Paulo, 1989).
[75] L.H. Sasseron e A.M.P. Carvalho, Investigações em
Ensino de Ciências 13, 333 (2008).
[76] J.A. Fredericks, P.C. Blumenfeld e A.H. Paris, Review
of Educacional Reseach 74, 59 (2004).
[77] G.R. Coelho, A evolução do entendimento dos estu-
dantes em eletricidade: um estudo longitudinal. Tese de
Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte (2011).
[78] O. Borges, J.M. Júlio e G.R. Coelho, in Atas do V
ENPEC (ENPEC, Bauru, 2005).
[79] L.H. Sasseron e T.N. de Souza, Investigações em Ensino
de Ciências 24, 139 (2019).
[80] A.F. Faria e A.M. Vaz, Ensaio: Pesquisa em Educação
em Ciências 21, e10545 (2019).
[81] J.D. Finn, School engagement and students at risk
(National Center for Education Statistics, Washington,
1993).
DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2023-0067 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 45, e20230067, 2023