FI104 JAB 1s2014 1-Introd
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2 de março de 2015
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Parte I
Introdução
O tema do nosso curso é a matéria condensada. Ele é vasto e considera uma ampla gama de
sistemas físicos condensados. No IFGW esse curso confundiu-se durante muito tempo com um
curso de Estado Sólido Avançado. Vamos aqui procurar sair dessa descrição e estabelecer um curso
mais próximo do que consideramos hoje um curso de matéria condensada no seu sentido mais geral.
O objetivo dessa introdução é apresentarmos uma discussão sobre o tema, o que entendemos por
matéria condensada, os esforços pela busca de uma descrição unicada, e como vamos organizar
o curso procurando oferecer uma formação que permita uma compreensão das diversas formas na
Como nota explicativa, que cará melhor compreendida no nal dessa introdução, ao longo
desse curso alguns textos básicos nos quais o curso se baseia serão utilizados amplamente. Para
velho dilema - hoje, talvez pacicado - da física: o reducionismo versus a emergência ou poderíamos
dizer a complexidade.
A tradição da física sempre foi de buscar uma descrição reducionista. Entendemos por isso
uma descrição simplicada dos fenômenos físicos, onde procuramos encontrar as leis fundamentais
2
que nos permitem descrever os sistemas complexos por meio de leis básicas simples. Podemos
associar esse objetivo (ou estratégia, se preferirmos) até mesmo a compreensão da matéria por
parte dos gregos antigos. Uma das proposições mais aceitas do chamado mundo antigo foi a ideia
na qual a matéria era organizada a partir de quatro formas fundamentais: a terra, a água, o
ar e o fogo (essa concepção é conhecida como pré-Socrática e atribuída a Empedocles - ca. 450
a.C.). Podemos sintetizar essa busca pela simplicidade como foi expresso por Einstein (citado
na p. ref. 3) The supreme test of the physicist is to arrive at those universal elementary laws
from which the cosmos can be built up by deduction. Uma das principais motivações e razões do
ou dimensão. Não é por outra razão que durante um certo tempo acreditou-se que o conhecimento
de todos os fenômenos da natureza, exceto, talvez, pela diculdade de calculá-los. Essa percepção,
errônea, iludiu muita gente no nal do século XIX. É atribuída a Lord Kelvin a frase "there
is nothing new to be discovered in physics now. All that remains is more and more precise
measurement." De fato, não é de estranharmos que essa ideia de termos um conjunto completo de
leis tenha sido desenvolvida. As características das leis físicas fazem com que a natureza organize-
físicas apropriadas aparecem partindo das propriedades fundamentais da escala anterior mas não
necessariamente reetindo essas leis. Embora alguns efeitos da(s) escala(s) inferior(es) possa ser
3
Figura 1: Estraticação do mundo físico em função da escala de comprimento e de energia. Figura
extraída de DG.
Essa situação ca mais evidente durante o século XX, quando, no seu primeiro quarto foram
desenvolvidos a relatividade especial e geral e a mecânica quântica. Com o advento desses dois
onde a relatividade geral desempenha o papel predominante e a física atômica, seguida da física
nuclear e física das partículas elementares, onde busca-se com grande intensidade uma descrição
fundamental das leis da natureza. Esta fora do escopo da nossa discussão mas devemos lembrar
que hoje essas duas áreas da física começam a inuenciar diretamente uma a outra com a busca
de uma explicação para a matéria escura e as possíveis partículas elementares além do modelo
desenvolvimento de uma outra área da física, que foi o estudo dos materiais sólidos, a física do
estado sólido. Na verdade, ela confunde-se, em várias situações, com a química e a ciência dos
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materiais. A física do estado sólido, em particular do estado sólido cristalino, com sua grande
síntese que é o descobrimento dos raios X (W.C. Roengten, 1901) e sua aplicação ao estudo da
estrutura atômica dos sólidos e consequente descobrimento das redes atômicas determinando a
estrutura dos sólidos cristalinos (M. von Laue, 1912) e o teorema de Bloch (F. Bloch, 1932)
do He em 1908 por K. Onnes que permite o estudo da matéria em seu estado menos excitado.
vai formar o mundo moderno. Gradativamente, outros sistemas sólidos ou complexos vão sendo
estudados, como os cristais líquidos, as membranas, polímeros entre outros. A física do estado
sólido começa a tornar-se mais abrangente, começamos a chamar, por volta dos anos 1970s de
É importante reconhecer que o esforço reducionista que associa-se a um esforço de síntese, teve
(e tem) grande sucesso. A primeira unicação na física pode ser identicada como a realizada
por Newton que consegue descrever com o mesmo conjunto de leis o comportamento de corpos tão
distintos como os objetos materiais na superfície da terra e o movimento dos planetas. Maxwell, no
século XIX, realiza a grande síntese das forças elétrica e magnética na sua teoria do o eletromag-
netismo. Nos anos 1930-1940 o eletromagnetismo incorporou-se a teoria quântica de campos dando
origem a eletrodinâmica quântica. Mais tarde, as interações fortes foram incorporadas formando
a cromodinâmica quântica. Nos anos 1960s Glashow, Weinberg e Salam unicaram a força fraca
com a força eletromagnética dando origem a força eletro-fraca. Com a teoria do modelo de quarks
para os nucleons, forma-se o modelo padrão da física das partículas. A unicação com a força
gravitacional permanece até hoje um tema de pesquisa. Essas diversas unicações formam teorias
que se aplicam nas diversas estraticações em escalas do estudo da física. A gura 2 representa
essa traticação das áreas da física e suas escalas de abrangência, as quais podemos associar as
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Figura 2: Áreas da física de acordo com sua estraticação em escalas de comprimento. Extraído
de DG.
O que parece hoje cada vez mais claro é que essa estraticação permite pensarmos cada escala
da física com suas leis próprias e que a busca de teorias mais fundamentais para descrever a natureza
não devem alterar (pelo menos não de forma signicativa) as leis válidas em cada um dos estratos
do mundo físico. Não esperamos que a unicação da força gravitacional com o modelo padrão, com
todas suas consequências que pode ter para a compreensão das leis fundamentais, alterará o que
conhecemos da estrutura dos materiais. Ou que as leis de Newton deixarão de serem aplicadas em
problemas macroscópicos aos quais estamos acostumados. Esse comportamento do mundo físico,
elusivo durante muito tempo, começa a ser compreendido com a teoria de grupo de renormalização
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para os fenômenos críticos. Essa teoria foi inicialmente proposta nos anos 1960s por Widom e
Kadano e foi desenvolvida plenamente no início dos anos 1970s por K.G. Wilson, onde cou claro
que a teoria de renormalização ia além de uma técnica de grande utilidade para ser uma forma
de reescalarmos as interações físicas e suas leis. Ela vai dar a estrutura teórica que justica as
ideias de universalidade e escalonamento dos fenômenos críticos. Em última análise, ela permite
compreendermos porque fenômenos em uma certa escala não alteram a física em outras escalas. Ou,
porque o desenvolvimento mais profundo da física das partículas elementares pouco acrescentará
Podemos sintetizar esse pensamento utilizando um diagrama simples proposto por Wilson (g.
interação. Essencialmente, o que temos é que, uma vez determinado uma certa escala de trabalho,
podemos desprezar interações fracas e de curto alcance (em relação a mencionada escala) como
sendo necessárias para descrevermos o sistema físico. Mesmo que essas interações existam, elas
não produzem efeitos mensuráveis na escala considerada. Para que um efeito seja observável, ele
deve ter pelo menos ou uma interação forte, para compensar o curto alcance ou ter longo alcance
para compensar a interação fraca. Na apresentação de Sean Carroll, esse esquema é aplicado para
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Figura 3: Fenômenos físicos de acordo com seu alcance e intensi-
dade de interação. Esquema de K. Wilson, extraído de Sean Carroll,
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Vrs-Azp0i3k).
Nesses termos, podemos dizer que a física da matéria condensada já possui a sua Teoria Fun-
damental (ou TOE - Theory of Everything ). A mecânica quântica e a física estatística, tendo
a força eletromagnética como única força efetiva e tendo os núcleos atômicos e os elétrons como
condensada ou a ciência dos materiais. Essa visão foi expressa, de forma geral, por Dirac, uma vez
a mecânica quântica estando estabelecida e já obtendo grande sucesso nas suas aplicações: the
general theory of quantum mechanics is now almost complete. ... The underlying physical laws
8
necessary for a large part of physics and the whole of chemistry are thus completely known, and
the diculty is only that the exact application of these laws leads to equations much too compli-
cated to be soluble. (citado p. 5-6, DG). Essa proposição pode ser representada pela solução da
equação
P~j2
N
X XM
p~2i X Zj Zj 0 e2 X e2 X −Zj e2
H= + + + + (1)
j=1 2Mj i=1 2m
~ ~
j 0 <j Rj − Rj 0
|~r − ~ri0 |
i0 <i i
~
i,j Rj − ~
ri
onde Mj , Zj e ~j
R são, respectivamente, a massa, o número atômico e a posição do j − ésimo
átomo (íon), m é a massa do elétron e ~ri a posição do i − ésimo életron. Na verdade, para termos
a solução correta, devemos incluir na solução da equação 1 a simetrização adequada para o estado
de N -partículas (ou melhor, no caso dos férmions, a anti-simetrização da função de onda total).
Poderíamos esperar que com o desenvolvimento das técnicas numéricas e do poder computa-
cional de hoje em dia, a equação 1 pudesse ser resolvida e a expectativa de Dirac fosse atingida.
Na prática, no entanto, isso não é possível. Seguindo a discussão de Wen (Wn), nos anos 1980s,
uma estação de trabalho com 32 Mbytes de RAM podia resolver o problema exatamente para onze
elétrons. Mais de vinte anos depois, com o poder computacional sendo multiplicado por um fator
cem, podemos apenas acrescentar dois elétrons ao sistema. Um sistema físico sólido ou condensado
é, geralmente (se deixarmos a importante área da nanociência um pouco de lado) composto por
composto por todos os átomos do universo não conseguiria nem mesmo armazenar um único vetor
desse sistema. Esse computador conseguiria resolver um sistema com cem elétrons apenas. Ainda
continuando Wen, mesmo que conseguíssemos calcular os estados do sistema físico, seria impossível
por duzentos elétrons com seus estados distribuídos em uma região de energia da ordem de 200 eV
(tipicamente uma banda de um sólido cristalino tem poucas dezenas de eV). Esse sistema possui
2200 ≈ 1060 níveis de energia. O intervalo de energia característico entre esses níveis é da ordem
de ∆e ≈ 200 eV /1060 ∼ 10−58 eV . Se realizarmos uma medida nesses sistema e a zermos durante
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energia com uma precisão limitada a ∆t ∼ 10−33 eV , ou seja, seria impossível conhecer a dinâmica
do sistema em todo o seu detalhe. Fica claro que é necessário termos uma outra estratégia para
atacarmos o problema. Na prática, isso signica buscarmos leis próprias para o problema na es-
cala (de energia ou comprimento) de interesse. Isso explica o sucesso da teoria para excitação de
baixa energia nos materiais, a qual pode ser desenvolvida sem ter nenhuma memória dos elétrons
e núcleos que compõem o material. Na verdade, a visão reducionista tem uma objeção mais fun-
damental, como expresso por Anderson em 1972 : The ability to reduce everything to simple
fundamental laws does not imply the ability to start from those laws an reconstruct the universe.
... The constructionist hypothesis breaks down when confronted by the twin diculties of scale
and complexity. The behavior of large and complex aggregates of elementary particles, it turns
out, is not to be understood in terms of a simple extrapolation of the properties of a few particles.
Instead, at each level of complexity entirely new properties appear, and the understanding of the
new behaviors requires research which I think is as fundamental in its nature as any other. (citado
na p. 5, DG). Ou ainda, como expresso por Kadano: Here I wish to argue against the reduction-
ist prejudice. It seems to me that considerable experience has been developed to show that there
are levels of aggregation that represent natural subject areas of dierent groups of scientists. Thus,
one group may study quarks (a variety of subnuclear particle), another, atomic nuclei, another,
atoms, another, molecular biology, and another genetics. In this list, each succeding part is made
up of objects from the preceding levels. Each level may be considered to be less fundamental than
the one preceding in the list. But at each level there are new and exciting valid generalizations
which could not in any natural way have been deduced from any more 'basic' sciences. Starting
from the 'least fundamental' and going backward on the list, we can enumerate, in succession,
representative and important conclusions from each of these sciences, as Mendelian inheritance,
the double helix, quantum mechanics, and nuclear ssion. Which is the most fundamental, the
most basic? Which was derived from which? From this example, it seems rather foolish to think
about a hiearchy of scientic knowledge. Rather, it would appear that grand ideas appear at any
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Certamente concordamos com a posição adotada por Anderson e Kadano. O objetivo do
região de validade da física clássica na nossa área de interesse e quando a mecânica quântica se faz
necessária.
tema físico sob o ponto de vista da mecânica clássica ou da mecânica quântica é o comprimento
de onda de de Broglie,
h h
λdeBroglie = = (2)
p mv
equipartição de energia,
1 D 2E 3
m v = kB T
2 2
D E 3kB T
⇒ v2 = (3)
m
Para que os efeitos quânticos sejam apreciáveis, o comprimento de onda de de Broglie deve ser
da ordem da distância interpartículas, λdeB ≈ a = h|~ri − ~rj |i. Podemos caracterizar então uma
ordem de
11
h2
T0 ≈ (4)
3mkB a2
T T0 → comportamento clássico
T ≤ T0 → comportamento quântico
Para exemplicar a situação, consideremos o caso dos sólidos e líquidos em geral, onde a ∼
0, 2 − 0, 3 nm. Para os átomos e íons, temos m ∼ A(no. atômico)×mp ∼ A × 10−24 g . Temos então
50
T0 ∼ K
A
depende da interação entre os átomos e íons, uma descrição clássica deve ser suciente para de-
screver o sistema físico. A exceção ocorre para átomos leves a baixas temperaturas, como o H e
H2 e apenas o He vai apresentar transições de fase a baixas temperaturas dominadas por efeitos
quânticos. Para os gases, a distância interatômica aumenta em várias ordens de grandeza e tipica-
T0 ∼ 105 K
Esses valores reetem também um dos paradigmas da física molecular e do estado sólido que é
elétrons e os núcleos e íons, eles propuseram a separação da dinâmica eletrônica da dinâmica dos
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átomos ou da rede (no caso cristalino). Essa separação é bem sucedida e permite discutir a física
dos estados eletrônicos independentemente dos efeitos da rede, com os elétrons sendo descritos,
A massa das partículas envolvidas é uma das grandezas fundamentais nessa caracterização
juntamente com a densidade das partículas. Por exemplo, se considerarmos os prótons e neutrons
no núcleo, T0 ∼ 1010 K , isso porque a distância entre as partículas é muito pequena, da ordem de
∼10−12 cm. Da mesma forma, estrelas de neutrons tem densidade similar a dos núcleos (da ordem
de 3 × 1017 kg/cm3 ) e possuem T0 da mesma ordem (obs.: a temperatura no núcleo de uma estrela
de neutrons recém formada é da ordem de 1011 − 1012 K mas rapidamente - alguns anos - decai
A primeira, podemos atribuir a visão do mundo antigo sobre a formação do mundo mate-
rial. Apoiada nos trabalhos de Empedocles (490 a.C. - 435 a.C.), Platão (429 a.C. - 348 a.C.) e
Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), ela tinha no pensamento rcionalisda, a lógica dedutiva, como sua
mental. A sua visão de mundo era baseada na existência de quatro elementos, terra, água, ar e
fogo que com suas diversas propriedades permitiam construir inclusive uma idéia da dinâmica da
transformação dos materiais. A segunda etapa podemos atribuir seu início com a contestação
veemente das idéias da antiguidade que podem ser representadas pelo pensamento de Robert Boyle
(1627 - 1691, ver The Sceptical Chymist, 1661) que critia a doutrina aristoteliana bem como a dout-
rina alquimista baseada nos três elementos alguimistas, sal (matéria básica), enxofre (espírito da
vida, ubíquo) e mercúrio (uido conectando o Alto e o Baixo (Paracélsio, 1943-1591). A base do
raciocíno de Boyle está na falta de uma base empírica no desenvolvimento das teorias: And there-
13
fore, if either of the two examin'd Opinions, or any other Theory of Elements, shall upon rational
and Experimental grounds be clearly made out to me(...) And (concludes Carneades (Boyle) smil-
ing) it were no great disparagement for a Sceptick to confess to you, that as unsatisfy'd as the past
discourse may have made you think me with Doctrines of the Peripateticks, and the Chymists,
about the Elements and Principles, I can yet so little discover what to acquiesce in, that
perchance the Enquiries of others have scarce been mor unsatisfactory to me, than
my own have been to myself. (The Sceptical Chymist) ou ainda And in this alos (pursues
Eleutherius ) methinks both you and theChymists may easily agree, that the sures way is to
Learn by particular Experiments, what diering parts particular Bodies do consist of, and
by what wayes (either Actual or potential re) they may best and most Conveniently be Sepa-
rated, as without relying too much upon the Fire alone, for the resolving of Bodies, so without
fruitlessly contending to force them into more Elements thatn Nature made Them up
of, or strip the server'd principles so naked, as by making Them Exquisitely Elemen-
tary to make them almost useless. (The Sceptical Chymist). A longa gestação da ciência
moderna clássica vai convergir no nal do século XIX para a mecânica clássica, eletromagnetismo
clássicos da matéria, gás, líquido e sólido. A terceira etapa podemos associar a primeira metade
do século XX, com o desenvolvimento da mecânica quântica, o descobrimento do átomo e seus
material adquire novos paradigmas e um outro nível de sosticação, com a teoria do estado sólido
cristalino representando essa etapa e, em paralelo, o estudo da matéria mole. Podemos nalmente
identicar uma quarta etapa na segunda metade do século XX, com o desenvolvimento da teoria
de campo quântico, a teoria de grupo de renormalização e a compreensão do papel da simetria
quisermos ousar um pouco, podemos imaginar que o início do século XXI vê uma nova etapa na
compreensão do mundo material com a extensão dos princípios básicos para materiais topológicos.
Essa etapa, no entanto, ainda não está consolidada e uma unicação conceitual ainda está em
14
gestação.
tendo três estados possíveis, gás, líquido e sólido, sendo posteriormente acrescentado um quarto
estado da matéria, o plasma. A título de curiosidade, é interessante observar que essa divisão
clássica lembra as ideias dos antigos gregos, já mencionada, com a natureza sendo formada por
quatro elementos fundamentais : ar, água, terra e fogo, aos quais podemos associar o gás, líquido,
sólido e plasma, respectivamente. Com essa associação, as ideias gregas, de mais de dois mil anos
atrás, não parecem tão ingênuas assim. Ao estado sólido, associamos várias propriedades, entre
as quais destacam-se a sua rigidez. Essa, classicamente, está associada a forte ligação química
entre os átomos/íons, mantendo esses em posições rígidas no espaço. Mais particularmente, sob
desenvolvimento do estado sólido cristalino. Isso ocorreu com o estudo das redes cristalinas, a es-
trutura periódica dos cristais, e a teoria de bandas dos sólidos cristalinos. A teoria de bandas
atinge seu grande sucesso permitindo explicar a diferença entre os metais e isolantes (e semicon-
cristalinos, caracterizados pela sua estrutura de banda e nível de Fermi. O desenvolvimento das
técnicas numéricas com a inclusão de efeitos de interação elétron-elétron bem como das técnicas
experimentais, permite hoje que se obtenha uma descrição teórica das bandas dos materiais com
alto grau de precisão, como pode ser observado na gura 6 (resultados obtidos em 1993 e 2002).
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Figura 4: Esquemas de bandas de energias para (a) metais, (b) isolantes e (c) semicondutores.
As linhas espessas representam estados eletrônicos ocupados e as linhas nas estados desocupados
a T=0 K. G representa o gap dos isolantes (∼ 0(5 eV) e g o gap dos semicondutores (≤ 1 eV).
Figura extraída da ref. 6.
16
Figura 5: Tipos de sólidos cristalinos representados pelas suas bandas e nível de Fermi no espaço
direto.
17
Figura 6: Cálculo da estrutura de banda com o método GW para o Ge (esquerda) e o Cu (direita)
comparado com dados experimentais (símbolos). Para o Cu está representado também o resultado
do cálculo DFT-LDA (density function theory - local density approximation ) (traços). Figura
extraída das refs. 7 e 8, citadas na ref. 9.
O sucesso dessa descrição permitiu explicar vários resultados experimentais enigmáticos, como
por exemplo, o sinal aparentemente contraditório, da carga responsável pelas propriedades elétricas
de alguns metais, o que foi possível com o estudo da superfície de Fermi dos metais. A gura 7
exemplica dois casos típicos onde a superfície de Fermi apresenta uma topologia bastante exótica.
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Seguindo o espírito da aproximação de Bohr-Oppenheimer, as propriedades mecânicas (vi-
brações mecânicas da rede) foram inicialmente calculadas classicamente por Born nos anos 1910s.
Podemos hoje (cálculos de 1991) obter resultados extremamente precisos da dispersão dos fônons,
Figura 8: Dispersão dos fônons para o Si (superior) e o Ge (inferior) comparado com dados
experimentais (símbolos). Figura extraída da ref. 10, citada na ref. 9.
Com essa estrutura teórica foi possível desenvolver toda uma teoria para o estado sólido cristal-
ino. A partir da descrição do estado fundamental do sólido a T=0 (fônons e estados eletrônicos),
bações do sistema. Essas podem ser consideradas como defeitos estruturais (deslocamentos, etc)
externas. Dessas últimas, extraímos as propriedades ópticas (sistema perturbado por uma onda
as partículas são consideradas e um grande esforço é feito para compreender o quanto da estrutura
de partícula não-interagente permanece válida. Com isso, estados como ferromagnéticos, super-
uído, supercondutores, são estudados. Em geral, esses estudos são realizados a partir da descrição
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paradigmática das bandas (elétrons) e das vibrações de rede (átomos e íons) dos sólidos cristal-
inos. Não nos alongaremos nessa descrição aqui, uma revisão rápida dessa progressão pode ser
Dessa forma, é frequente organizarmos o estudo do estado sólido partindo do estudo das sime-
trias das células unitárias dos cristais, a rede cristalina, seguindo pelo estudo das vibrações da
a supercondutividade são estudadas. Essa descrição suscinta (e supercial) pode ser a represen-
tação esquemática de um curso de estado sólido tradicional. Partindo do livro pioneiro de Seitz
(1a. edição em 1940, ref. 11), passando pelo mais popular que é, possivelmente, o livro do Kittel
(1a. edição em 1953, ref. 12) talvez o ponto alto (na minha opinião) possa ser o livro do Ashcroft e
Mermin (1a. edição em 1976, ref. 13). Um livro recente, que apresenta de forma um tanto suscinta
mas bastante completa é o livro do Mahan (2011, ref. 14). Inúmeros outros livros tratam desse
tema, com diferentes ênfases e certamente com contribuições importantes, que não mencionaremos
aqui (mas que, eventualmente, serão utilizados ao longo do curso). Um curso dessa natureza é
também para boa parte dos cursos de FI-104 no IFGW (inclusive quando ministrado por mim, de
1993-1995), razão pela qual zemos essa discussão. A proposta desse curso é um pouco diferente,
quais, muitas vezes, não permitiam uma visão aproximada partindo de desvios da cristalinidade.
20
Diversos sistemas como cristais líquidos, polímeros, vidros e sólidos amorfos, cristais líquidos, entre
outros, ganharam importância. Durante muito tempo consolidou-se uma visão de duas grandes
áreas, física do estado sólido e física da matéria mole. A medida que novos estados da matéria
entender como a matéria se organiza quando condensada. A primeira percepção que temos que ter,
já manifesta na física do estado sólido, é que estamos lidando essencialmente com um problema
entre suas partículas elementares , o que dominamos desde o início do século XX. Se excetuarmos
Ou seja, a descrição das trajetórias das partículas não é importante, mas sim o conhecimento
do sistema. Ainda, novamente deixando para uma análise posterior o caso dos nanosistemas, as
variáveis macroscópicas que caracterizam os estados físicos da matéria são em geral lentamente
variáveis no espaço. Isso signica que é possível descrevê-las por teorias de campo contínuo, ou
seja, podemos utilizar como ferramenta teórica para o estudo da física da matéria condensada a
A busca de uma teoria unicada para a matéria condensada apoia-se em duas teorias desenvolvi-
das por Landau: a teoria do líquido de Fermi e a teoria de quebra de simetria e parâmetro de ordem
desenvolvida para o caso do He4 e rapidamente generalizada. A primeira fornece uma justicativa
para construirmos um modelo de descrição de um sistema de muitos corpos interagente que permite
ainda trabalharmos no conceito de estados de quase partículas. Mais importante, ela nos sugere
por uma ocupação de estados que segue a ocupação de estados do sistema não-interagente. A
generalizada, principalmente por Anderson (PA), na busca uma descrição unicada para entender-
mos os estados da matéria. Essa é talvez uma das ideias mais importantes no estudo da matéria
21
condensada: as propriedades macroscópicas dos materiais são governadas por leis de conservação
e quebras de simetria. O caso mais simples para visualizarmos isso está na comparação entre um
gás de partículas e um sólido. Para uma partícula simples, momento e energia são conservadas.
certo ponto do espaço é independente da posição daquele ponto no espaço e da presença de outras
partículas na proximidade. Nessa situação, temos uma total simetria translacional e rotacional do
espaço livre. As propriedades dinâmicas do sistema sob baixas excitações, em frequências baixas,
podem ser descritas por equações hidrodinâmicas, as quais são determinadas pelas leis de simetria.
A situação muda drasticamente quando, a medida que a temperatura diminui, o sistema adquire
outros estados termodinamicamente estáveis a medida que condensa. Consequentemente, ele vai
perdendo sua simetria. Se o sistema assume o que poderíamos considerar o caso mais drástico, de
um sólido cristalino, a simetria translacional é quebrada, sendo substituída por uma simetria por
contínua do espaço livre. Da mesma forma, a simetria rotacional innitesimal do espaço livre é
substituída por um conjunto nito de rotações, mais identicado pelas simetrias do grupo pontual
que caracterizam a rede cristalina. Um dos aspectos fundamentais da quebra de simetria é que
não é possível fazer uma transição suave entre o estado com uma determinada simetria e o estado
da matéria quando essa simetria não está mais presente. A simetria ou está ou não está presente.
A quebra de simetria introduz uma nova variável física, identicada com o parâmetro de ordem,
o qual só está presente naquela fase do material. Com isso, o estado do material adquire uma
característica que podemos identicar como uma rigidez do sistema. A recuperação da simetria
é feita por meio de modos dinâmicos, defeitos e distorções do estado com a simetria quebrada,
que permitem um caminho para restaurar a simetria. São esses modos e distorções que carac-
terizam o estado com a quebra de simetria. O caso do sólido cristalino é o mais simples para
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entendermos o conceito de rigidez. A quebra da simetria de translação innitesimal faz com que
o sólido possa ter sua posição absoluta no espaço ser determinada, o que não é possível para
um sistema com simetria translacional total. Um sólido pode sofrer torções de cisalhamento. A
energia dessas distorções é controlada por constantes elásticas, a qual é associada a uma rigidez
particular da simetria translacional que é quebrada. Com isso, temos no sólido cristalino modos
de som associados ao cisalhamento que não existem na fase isotrópica, encontrada no sistema a
altas temperaturas. Finalmente, defeitos também interrompem a ordem do cristal, ou, de forma
mais geral, a ordem introduzida na quebra de simetria na nova fase condensada do sistema físico.
da fase da matéria. A simetria já é bem conhecida e sua associação com leis de conservação e com a
impossibilidade de medirmos certas grandezas. A síntese dessa relação simetria - leis de conservação
pode ser encontrada no primeiro teorema de Noether (1915, 1918). Como já discutimos, a simetria
de conservação de momento. A simetria por rotação innitesimal implica que a direção absoluta
do sistema físico não é acessível e leva a lei de conservação do momento angular. A simetria por
inversão temporal impede uma medida absoluta do tempo e leva a lei de conservação de energia.
Outras simetrias são mais sutis. A simetria de calibre implica que as fases relativas entre dois
estados normais não é observável e leva a conservação do número de partículas. A Tabela 1 resume
23
Tabela 1: Simetrias na física da matéria condensada. Extraído de JG.
Nota sobre o teorema de Noether (baseado nas notas de Kleinert (ref. ): Podemos assim ex-
pressar o teorema de Noether em forma simplicada: Sempre que tivermos uma simetria contínua
Seja um sistema físico representado por coordenadas qi (t) e uma Lagrangiana L(qi (t), q̇i (t), t)
a ação é denida por
ˆ tb
A[qi ] = dtL(q(t)i , q̇i (t), t)
ta
O princípio de mínima ação estabelece a trajetória clássica. Ou seja, a condição para que a
24
anule-se para uma certa trajetória mantendo os pontos xos, i.e.,
∂L d ∂L
− =0
∂qi dt ∂ q̇i
∂L
Consideremos agora uma transformação contínua das variáveis cíclicas (i.e., para as quais
∂q i
=
0),
temos
" #
d ∂L
δs L = 0 ⇒ ∆(q, q̇, t) = 0
dt ∂ q̇(t)
25
Denindo a carga de Noether, Q(t), como
∂L
Q(t) ≡ ∆(q, q̇, t) ≡ carga de Noether
∂ q̇
temos
x0i = xi + i ⇒ δs xi (t) = i
A variação da lagrangiana é
! " # " #
∂L d ∂L d ∂L d ∂L i
δs L = i
− i
δs xi + i
δs xi =
∂x dt ∂ ẋ dt ∂ ẋ dt ∂ ẋi
de onde temos
∂L
⇒ pi = ≡ momento canônico ≡ constante de movimento
∂ ẋi
O sistema perde simetria na medida que a temperatura baixa. Enquanto que a altas temper-
aturas podemos, a priori, desprezar a interação entre as partículas (o gás expande-se indenida-
mente), na medida que a temperatura baixa, a interação - atrativa - entre as partículas leva a um
ordenamento das partículas, aumentando a correlação entre elas. No limite extremo de baixas tem-
peraturas deveríamos esperar que o maior empacotamento possível seja o estado de equilíbrio do
sistema. Isso para diminuir a sua energia interna U , devido a interação atrativa entre as partículas.
Para temperaturas intermediárias, temos uma competição entre a diminuição da energia interna
26
e o aumento da entropia. A maior correlação das partículas e, portanto, seu ordenamento, levam
também a uma diminuição da entropia. A fase de equilíbrio é uma competição entre esses dois
tem com o ambiente, i.e., reservatório, na nomenclatura da física estatística). Em geral, e quase
como regra, a energia livre favorece a diminuição da energia interna, portanto o maior empacota-
Obs.: Aqui cabe fazermos uma observação. Em alguns casos particulares, é possível termos or-
dem induzida pela entropia. Cilindros e bolas rídigas, mantendo a energia interna - ou temperatura
- constante, o aumento de entropia leva ao ordenamento. Esse mecanismo foi discutido por L. On-
sager (Prop. NY. Acad. Sci. 51 , 627 (1949)) no estudo da transição de fase líquido-cristal nos
anos 1940s. Mais recentemente, materia mole auto-formada apresenta esse mecanismo, quando
a energia interna pode ser desprezada. Uma revisão desse caso pode ser encontrada no artigo de
revisão de Daan Frenkel (Physica A 263 26-38 (1999)). Discutiremos explicitamente esse caso
mais tarde.
O ordenamento que aparece quando o sistema minimiza a energia livre leva a quebras de simetria
e o aparecimento de uma ordem que pode ser quanticada pelo parâmetro de ordem. Podemos
distinguir dois casos gerais, quando a ordem é posicional e quando a ordem ocorre no espaço de
momentos (ondas). No primeiro caso, da ordem posicional, temos um efeito clássico, tendo como
origem a interação entre as partículas. Alguns exemplos desse ordenamento são os cristais, cristais
líquidos, ligas, entre outros. A transição de fase entre o sistema ordenado e o desordenado ocorre
a temperaturas nitas, T > 0. É importante observar que sistemas quânticos também apresentam
ordem posicional, como no caso das ondas de densidade de carga (CDW - charge-density waves),
ondas de densidade de spin (SDW - spin-density waves), cristal de Wigner, entre outros. No caso
27
ocorre em geral para sistemas macroscópicos onde N → ∞. Entre os exemplos, podemos citar os
estrutura de camadas. As transições de fase podem ocorrer em temperaturas nitas, mesmo que a
transição de fase tenha natureza quântica. Essencialmente, isso signica que ela ocorre devido as
utuações térmicas clássicas. No outro caso, temos as transições de fase quânticas, que ocorrem
a T = 0K. Nesse caso, as utuações térmicas estão ausentes e o que temos são as utuações
Essa breve descrição exemplica a complexidade que podemos ter na medida que a matéria
se condensa. A questão que surge é como podemos descrever a matéria condensada partindo de
princípios gerais - mas de forma nenhuma restringentes. Para isso, vamos discutir um exemplo
6 O exemplo do H2O
A discussão do caso da água segue a proposta de CL. Sabemos que a molécula da água leva a
situações complexas, isso devido a não isotropicidade de sua molécula e a tendência de formar
pontes de hidrogênio. Um exemplo mais simples seria um gás nobre, como o argônio. No entanto,
a água é um dos sistemas mais estudado, inclusive recentemente, o que nos permite explorar melhor
as ideias.
Consideremos o sistema inicialmente a altas temperauras. Nesse caso, ele encontra-se completa-
mente desordenado. No caso da água, temos um estado conhecido como vapor de água. Basica-
mente, a energia cinética domina sobre a energia potencial ou a interação entre as moléculas. O
e rotacional completa. Uma de suas características fundamentais é que ele expande-se, ocupando
28
todo o espaço, ou seja, possui pouca ou nenhuma correlação entre as moléculas. No caso de um
gás ideal de partículas sem dimensão, as partículas não possuem nenhuma interação entre elas, ou
Uma das consequências disso é uma característica usual do vapor de água, presente no nosso
quotidiano e que não damos tanta atenção: nós não vemos o vapor de água. Há duas formas que
nos permitiria ver o vapor de água, a absorção ou o espalhamento da luz. O vapor de água não
possui nenhuma absorção na frequência do visível (nenhum nível de excitação nessa frequência).
Quanto ao espalhamento, é necessário que tenhamos uma variação no índice de refração em uma
certa distância. Como a densidade é constante, não há nenhuma variação e portanto nenhum
espalhamento. Aqui vale uma ressalva, que se aplica no curso todo, exceto quando explicitado: por
densidade constante estamos nos referindo a densidade média. Como sabemos da física estatística,
utuações devem ocorrer em uma escala de comprimento da ordem do comprimento da luz visível
(500 nm), o que não é o caso. A Figura 9 mostra esquematicamente o resultado de um experimento
de difração em um gás monoatômico, onde não esperamos nenhuma estrutura indicando correlação
entre as partículas.
29
6.2 Água líquida
A medida que a temperatura baixa, não podemos mais ignorar as interações - atrativas - entre as
partículas. A atração entre as partículas reforça as utuações de densidade. Uma molécula prefere
car numa região onde encontram-se outras moléculas e não onde há poucas moléculas. Como
a crescer em amplitude e demoram mais para decair, mantendo-se presentes por um tempo mais
longo. Em outras palavras, maiores são as utuações, mais tempo elas levam para se desenvolverem
e mais tempo levam para decair: a sua dinâmica torna-se mais lenta. Ainda podemos recuperar a
densidade uniforme esperada para o gás mas para isso temos que realizar medias sobre distâncias
maiores. O resultado desse processo é a formação de uma outra fase uida, a fase líquida, que
Consideremos o caso especíco de um recipiente com vapor de água a densidade de 0, 322 g/cm3 .
A medida que a temperatura diminui, as utuações de densidade aumentam e persistem por um
tempo maior. O sistema não tem mais uma aparência homogênea. Há regiões com maior e menor
densidade. Quando essas regiões adquirem o tamanho do comprimento de onda do visível, a luz
(visível) espalha-se nessas utuações e o sistema parece leitoso (o nome origina-se no fato que o
leite possui gotas de gordura da ordem de um micron, que é comparável com o comprimento de
vez mais. No entanto, é importante ressaltar, que sobrevivem utuações de todos os tamanhos,
fazendo com que a opalescência, uma vez surgindo, ela permaneça. Com o aumento do tempo de
vida das utuações, elas têm tempo para deslocarem-se devido a gravidade: as regiões mais densas
vão para a parte inferior do recipiente e as menos densas para a parte superior, com as duas fases
separando-se. Com essa separação de fases, estas cam homogêneas e não espalham mais a luz.
A diferença no índice de refração entre as duas fases, no entanto, faz com que ela espalhe a luz,
Aqui temos que fazer duas observações. Primeiro, essa mudança de fase, gás-líquido, é diferente
da maior parte das mudanças de fase que discutiremos. Nesse caso, a simetria das duas fases é a
30
mesma, não havendo nenhuma quebra de simetria nem, consequentemente, surgindo um parâmetro
de ordem. Isso é bem conhecido da física estatística e reete-se no diagrama de fase da água
apresentado na g. 22. Essencialmente, a linha de separação entre a fase líquida e a gasosa termina
em um ponto (ponto crítico). Isso permite que possamos passar de uma fase para outro seguindo
um caminho contínuo, sem cruzar a linha de transição de fase. Isso caracteriza as chamadas
transições de fase de primeira ordem. Por quê então temos uma mudança de fase? A diferença
entre cada uma dessas fases, gás (vapor) e líquido, é nítida e intuitiva. Resta entendermos do
que a temperatura diminui, temos uma mudança descontínua no estado estável termodinâmico
na medida que a linha de transição de fase gás-líquido é cruzada. O que acontece é que algumas
31
utuações, raras inicialmente, dão origem a formação de gotas da fase líquida. A medida que a
temperatura diminui, essas gotas crescem embora não sobrevivam muito tempo. Quando a linha de
transição de fase é cruzada, essas gotas crescem e aumentam seu tempo de duração. Quando elas
atingem um certo tamanho crítico, elas não decaem mas começam a absorver outras gotas menores
e também moléculas de gás, aumentando de tamanho. O tamanho dessas gotas é determinado pela
cinética e pela velocidade na qual as moléculas podem difundir para dentro e para fora da superfície
da gota. Essas gotas, em geral, nucleiam-se em torno de partículas de pó ou moléculas de sal. Aqui,
novamente, quando as gotas adquirem tamanho comparável com o comprimento de onda da luz,
essa espalha-se e o sistema adquire um aspecto leitoso. Essa é a razão pela qual as nuvens tem
a coloração esbranquiçada que conhecemos. Embora o efeito nal seja semelhante, não temos
aqui o efeito de opalescência do ponto crítico. As gotas crescem mais rapidamente que as
utuações do ponto crítico. Essa é uma das diferenças importantes entre as transições de fase
crítico da gota. Para uma discussão mais detalhada, ver o capítulo 11 do livro do Sethna (ref. 17).
O que acontece com as propriedades físicas durante a transição de fase? Sabemos, e é intuitivo,
que se aplicamos pressão em um gás, sua densidade muda facilmente, o gás é compressível. A
situação é bem diferente no líquido, o qual é quase incompressível. No ponto crítico, as duas fases,
gás e líquido, estão em equilíbrio. Uma pequena variação de pressão transforma uma quantidade
de gás em líquido sem custo energético. Ou seja, uma pequena pressão provoca uma grande
seja a compressibilidade (β ≡ −(1/V )∂V /∂p) é divergente. Essa é uma das características
que determinam as transições de fase contínuas: uma grandeza física, generalizada
por susceptibilidade (aqui, a compressibilidade), é divergente na temperatura crítica.
A observação dessa divergência é a opalescência crítica e é uma outra manifestação associada a
32
Figura 11: Esquerda: Esquema da formação de gota. Direita: relação do tamanho da gota com sua
estabilidade. G é a energia livre de Gibbs, R o raio da gota, σ a tensão supercial, ρ a densidade
da água líquida e Tc a temperatura crítica. Extraído do Sethna (ref. 17).
A fase líquida apresenta forte correlação entre as partículas (moléculas, no caso da água). Aqui
não é apenas a interação atrativa que domina. Com as moléculas cando cada vez mais próximas,
a parte repulsiva começa a desempenhar um papel importante. Essa repulsão tem sua origem na
penetração dos orbitais de moléculas diferentes, levando a repulsão eletrostática entre os núcleos
mas principalmente a repulsão devido ao princípio de exclusão de Pauli, que impede que partículas
de mesmo spin ocupem o mesmo estado. A atração entre moléculas em geral é do tipo dipolo-
dipolo e, como discutimos, no caso da água, a polarização da molécula tende a formar pontes
de hidrogênio, ou seja, o átomo de oxigênio adquire uma densidade de carga negativa devido aos
dois orbitais que não participam das ligações o qual é atraído ao hidrogênio positivo da molécula
vizinha. Se deixarmos esse aspecto de lado, o qual é de extrema importância para as características
da água, e pensarmos em um modelo simples que mais se aproxima do caso do argônio, o potencial
repulsivo pode ser simulado por um potencial de esferas rígidas. Esse modelo simples é suciente
para descrever muitas das características mais importantes dos sistemas líquidos e sólidos. A parte
atrativa procura aproximar o máximo possível as partículas uma das outras. A repulsão tipo esfera
inicial, das partículas formarem triângulos e depois tetraédros e nalmente preencher as faces
33
triangulares dos tetraédros para formar clusters de grandes dimensões. Dois fatos importantes
impedem a formação desses clusters (de grandes dimensões). O primeiro, que sempre estará
presente, é a temperatura nita. O sistema não se estabiliza com a menor energia interna mas
sim com a menor energia livre. Ou seja, o movimento das partículas com a temperatura nita
desestabiliza a formação da ordem local. O outro aspecto, que terá grande importância em muitos
sistemas, está no fato que o empacotamento mais denso possível formando tetraédros com todas as
faces triangulares não pode crescer indenidamente sem apresentar vacâncias. Em outras palavras,
o empacotamento mais denso obedecendo as condições de atração local não é compatível com as
condições exigidas para um empacotamento mais denso em grande alcance. Nessas condições
ocorre o que costumamos chamar de frustração. A competição entre a parte atrativa da interação
e a parte repulsiva pode ser mensurada se olharmos para uma grandeza física que é a correlação
próxima de outra partícula, considerada como origem. Deniremos melhor essa grandeza mais
tarde. Vamos visualizá-la agora apenas qualitativamente. A gura 12, extraída do CL, mostra
a função de distribuição radial G(r) ou g(r) para a água líquida medida por difração de raios
◦ ◦
X para diferentes temperaturas, entre 4 C e 200 C utilizando como fonte de raios X a linha
monocromática do MoKα. O resultado mostra uma depressão após a primeira molécula voltando
a ter forte correlação em torno da distância intermolecular quando volta a ter uma depressão,
oscilando depois. Essa estrutura mostra a correlação existente entre as moléculas da água, simulada
no modelo utilizado para o cálculo teórico. O modelo que melhor se adaptou mostra uma estrutura
da água baseada na rede do gelo-I com os átomos de O formando uma estrutura tetraédrica com
outros átomos de O, mantendo a estrutura hexagonal do gelo, por simplicidade. Resultado mais
recentes foram obtidos utilizando como fonte de raios X a emissão sincrotrônica do ALS (Advanced
Light Source, linha de luz 7.3.3). As gs. 13-15 mostram os resultados obtidos. Aqui temos uma
difração em função do vetor de onda e a função de correlação no espaço real era obtida diretamente
34
a partir desses dados. Assim foram obtidos os dados da g. 12. Hura e colaboradores (ref. 19)
trabalharam na reprodução teórica dos dados experimentais diretamente. Isso porque as incertezas
diretamente dos dados experimentais com a precisão necessária. A partir do modelo que melhor
reproduziu os dados de difração, as funções de correlação foram obtidas. O modelo utiliza a teoria
água. Esses modelos, como no caso das refs. 18 e 20, partem das diferentes estruturas do gelo,
sendo a mais comum a já descrita, com estruturas tetraédricas nas ligações dos oxigênios, formando
do momento Q, comparando os resultados de 2003 no ALS com os dados obtidos por Narten e
colaboradores em 1971. A comparação mostra a melhor denição e precisão dos dados atuais.
A gura 15 mostra as funções de correlação OO (gOO (r)) e OH (gOH (r)) obtidas para diferentes
temperaturas. Fica claro que a medida que a temperatura diminui a correlação aumenta. No
caso OO, observamos um forte pico a 3 , basicamente o diâmetro do átomo de O. A medida que
a distância aumenta, a correlação diminui, mas podemos ainda observar o que seria os segundos
basicamente a distância entre o oxigênio e o hidrogênio da mesma molécula. Uma forte depressão
se segue e uma forte correlação aparece novamente com os hidrogênios das primeiras moléculas
vizinhas.
35
Figura 12: Função de correlação da água obtida por difração de raios X por Narten et al em 1967
(ref. 18) e modelo da água utilizado nos cálculos. Extraído de CL.
36
Figura 13: Esquerda: aparato experimental para o espalhamento de raios X. Direita: padrão de
espalhamento de raios X da água obtido com raios X de 12,8 keV (ref. 19).
Figura 14: Resultados experimentais obtidos no ALS (cinza) para diferentes temperaturas com-
parados com os resultados obtidos por Narten (ref. 20)(vermelho) para diferentes temperaturas:
(esquerda) 2 C, (centro) 44 C e (direita) 77 C. As temperaturas das medidas de Narten et al são
4 C, 50 C e 75 C, respectivamente. Extraído de CL.
37
Figura 15: Funções de distribuição no espaço real calculadas teoricamente a partir do modelo que
melhor reproduziu os dados da gura . Direita: Oxigênio-Oxigênio (gOO (r)). Esquerda: Oxigênio-
Hidrogênio (gOH (r)). Temperaturas: 2 C (vermelho), 44 C (cinza cheia) e 77 C (preta tracejada).
Ref. 19.
A medida que a temperatura diminui, a água torna-se gelo. A primeira observação que todos pode-
mos fazer é que a água deixa de ser uida e adquire uma rigidez mecânica. Na escala microscópico
a diferença é fundamental: as moléculas do gelo apresentam uma estrutura uniforme, com uma
repetição periódica de um padrão. A g. 19 mostra a estrutura molecular do gelo, com uma es-
trutura hexagonal mantendo um arranjo quase tetraédrico localmente. A estrutura hexagonal tem
de todo cristal, e a simetria de rotação sêxtupla dos cristais de gelo que podem ser observadas em
ocos de neve (g. 16). A estrutura cristalina ca caracterizada pela difração de raios X. Varshney
por difração de raios X no Advanced Photon Source, Argonne National Laboratory (EUA) (g.
17). O que nos interessa aqui é a formação clara dos picos de difração de Bragg, característicos
da estrutura cristalina, com periodicidade em toda a amostra, contrário do caso da água onde a
correlação acontece apenas localmente. Vale comentar aqui que o resultado estudado mostra a
38
Figura 16: Foto de um oco de neve. National Geographic.
gura 18 mostra o resultado de modelagem dos picos de difração de raios X, onde uma tensão da
da água, onde podemos observar a correlação de curto alcance da água, que lembra a estrutura do
gelo.
39
Figura 17: Difração de raios X do gelo. Ref. 21.
40
Figura 18: Modelagem da difração de raios X do gelo. Ref. 21.
41
6.4 Linha de Frenkel e linha de Widom
Embora não seja objeto da nossa discussão introdutória, vamos mencionar aqui alguns esforços na
tentativa de entender o que acontece na continuação do ponto crítico da água. Nessa região não
temos mais uma transição entre gás e líquido mas a existência de uma única fase normalmente
denominada uído supercrítico. Durante muito tempo foram feitos esforços para entender o que
atravessa o diagrama de fase (P,T). A extensão do ponto crítico é conhecida como a linha de Widom.
Ela está associada a existência de um máximo no calor especíco a pressão constante do uido.
de raios X (IXS - inelastic X rays scattering ) em argônio líquido associados com resultados de
de ondas acústicas nanométricas quando medido acima e abaixo da linha de Widom. A gura 20
mostra a mudança qualitativa na dispersão da velocidade do som como medida por Simeoni e
e pressões mais altas. O importante a salientar aqui é que o que observamos é uma modicação
Mais recentemente, Brazhkin e colaboradores (ref. 24) discutem a existência do que eles vão
chamar de uma linha de Frenkel. Essa linha estende também o ponto crítico dividindo o uido
tam que essa linha diferencia-se da linha de Widom em vários aspectos. Fundamentalmente, ela
é uma linha que diferencia o comportamento dinâmico do uido. A gura 22 mostra a linha de
Frenkel como proposta por eles e a gura 23 mostra resultados de simulação que exemplicam o
comportamento distinto nas duas regiões. A grandeza física proposta é o tempo de relaxação do
líquido τ, que é o tempo medio entre dois saltos atômicos consecutivos no líquido em um certo
ponto do espaço. Cada salto pode ser visualizado aproximadamente como um salto de um átomo
42
de sua região onde está connado para uma nova posição com subsequente relaxação da região de
connamento. Esse tempo de relaxação determina as propriedades uidas do líquido, como sua
aturas, o movimento tipo sólido desaparece sendo dominado pelo movimento balístico enquanto
que a baixas temperaturas domina a dinâmica tipo sólido. Essa mudança qualitativa de compor-
tamento caracteriza a transição da linha de Frenkel. A gura 24 com dados obtidos de simulação
de Frenkel não pode ser confundida com a linha de Widom também porque a linha de Frenkel
existe mesmo em sistemas onde não há ponto crítico (ver g. 22). Além disso, a linha de Widom
não é bem denida, dependendo da grandeza termodinâmica para a qual ela é considerada e não
pode ser estendida para altas pressões e temperaturas como a linha de Frenkel (ver g. 24).
Widom (termodinâmica) como na linha de Frenkel (dinâmica), não há uma transição de fase no
sistema. A natureza desse comportamento, o claro signicado das linhas de Widom e de Frenkel, e
suas implicações na compreensão dos estados da matéria condensada, ainda permanecem a serem
estabelecidos.
43
Figura 20: Dispersão do som em função da pressão para o uido argônio a 573 K medida por
espalhamento inelástico de raios X (símbolos cheios) e simulação de dinâmica molecular (símbolos
vazios). A linha pontilhada representa a linha de Widom. Ref. 23.
Figura 21: Diagrama P/Pc × T /Tc para vários uídos. A linha cheia representa a linha de co-
existência media líquido-vapor para o argônio, neônio, nitrogênio e oxigênio. A linha vermelha é
a linha de Widom para o argônio como obtido por meio de dados do NIST até a maior temper-
atura onde o máximo de CP × P pode ser identicado (T = 470 K; T /Tc = 3, 12) (ver inset) e
extrapolado a partir dessa temperatura (pontos vermelhos). Ref. 23.
44
Figura 22: Diagrama de fase P −T para (a) substância normal e (b) sistema sem a linha de fervura
e sem ponto crítico líquido-gás. Ref. 24.
45
Figura 23: (a) Exemplos de trajetórias de partículas (em coordenada x) para o líquido de Lennard-
Jones em diferentes condições (ρc = 0, 314, Tc = 1, 31).(b)-(e) mostra diferentes fragmentos de (a).
(b) e (c) correspondem a estados rígidos onde as vibrações estão presentes e (d) e (e) correspondem
a movimento com colisões em estados não-rígidos. Ref. 24.
46
Figura 24: Diagramas de fase T −P e T − ρ para um líquido de Lennard-Jones (simulação), a linha
de Frenkel e os pontos calculados de máximos da expansão térmica α, utuações ζ e da capacidade
térmica isobárica cP . Os dados experimentais para o Ar e o Ne são mostrados na gura (a). Ref.
24.
A principal diferença entre o líquido e o gelo cristalino está na correlação das partículas que re-
etem a simetria da distribuição das mesmas. No líquido, temos uma correlação de curto alcance.
Mas, uma vez que nos deslocamos para qualquer ponto do espaço (no líquido), encontramos a
mesma correlação. Ou seja, o líquido possui simetria isotrópica e homogênea. No cristal isso difere
radicalmente. Se zermos uma translação no espaço por um valor inteiro dos vetores que caracter-
izam a rede cristalina, recuperamos a mesma correlação. No entanto, se zermos a translação por
e o sistema físico não tem a mesma aparência. A forma de medirmos isso é o espalhamento de
raios X, cujos resultados discutimos nas sub-seções anteriores. Basicamente, o espalhamento mede
D E
a transformada de Fourier do elemento de matriz ~k |amostra| ~k 0 . Isso porque o espalhamento
entre a onda incidente |~k > e a onda espalhada |~k 0 > nada mais é que a transformada de Fourier
47
da perturbação realizada na amostra calculada em ~k − ~k 0 . A formação dos picos de Bragg só são
possíveis devido a superposição (quase) innita da difração nos diversos planos atômicos. É a
mento da amostra inteira, nada vai se alterar. No entanto, devemos esperar utuações térmicas
das moléculas em torno da sua posição cristalina. No limite (de baixas temperaturas) temos
também as utuações quânticas. Podemos estimar essas utuações a uma certa temperatura se
zermos uma aproximação contínua para o gelo. Ou seja, vamos considerá-lo como um meio elás-
uma distorção da célula unitária descrita pela deformação x/a onde a é o parâmetro de rede car-
direção-x pelo valor x em relação a célula unitária vizinha; a deformação é denida como o valor
relativo dessa deformação em relação a distância inicial entre as células vizinhas. Aqui é impor-
uma variável contínua, x, está diretamente associado ao fato que na transição da fase líquida para
a fase cristalina/gelo houve a quebra de uma simetria contínua. A tensão, ou força por unidade
de área para criar essa deformação é Gx/a, onde G é o módulo elástico (tanto para expansão como
compressão) que mede a rigidez do sistema físico. A força na célula unitária é −a2 Gx/a ≡ −kx,
onde denimos a constante de mola k ≡ Ga. O teorema de equipartição estabelece que a ener-
de Bragg são destruídos. De onde podemos armar que a rigidez é uma condição necessária para
a existência da periodicidade. Esse resultado pode ser generalizado para qualquer fase que quebra
uma simetria contínua. Sempre que isso ocorrer, vai aparecer uma nova rigidez a qual está asso-
ciado uma constante elástica (no limite contínuo) a qual impede que as utuações térmicas (ou
48
A água (ou gás) apresenta densidade homogênea. Ou seja, qualquer ponto que consideremos,
xas uma em relação as outras. É certo que podemos deslocar o cristal como um todo sem alterar a
energia do sistema (rigidez). Mas uma vez escolhendo a posição de uma molécula, todas as outras
cam determinadas. Não há, no entanto, nenhuma preferência, a priori, sobre qual a posição inicial
a ser escolhida. Deve haver um mecanismo que permita restaurar a simetria quebrada. A energia
relativo das moléculas. Como associamos a energia de deformação a uma deformação elástica,
devemos imaginar que os modos dinâmicos do sistema sejam ondas elásticas. Ondas de som devido
a compressão do meio existem tanto no gelo como na água. A diferença entre os dois sistemas
está na existência de ondas de som de cisalhamento, que só existem no gelo, justamente devido a
rigidez de cisalhamento existente nessa fase. Esses modos têm frequência ω que varia linearmente
comprimentos de onda, a frequência ou energia do modo tende a zero. Ou seja, não há força
restauradora contra o deslocamento de grandes comprimentos de onda. Isso pode ser visualizado
uniforme do sólido não custa nenhuma energia. A origem da rede cristalina do gelo pode estar em
qualquer lugar. Mas uma vez que a determinamos, as demais posições moleculares estão xadas.
O estudo desse modo em grandes comprimentos de onda é conhecido como modo hidrodinâmico
Uma outra propriedade que é visualmente observável no gelo é que ele desliza. Embora não temos,
no Brasil, a experiência direta, sabemos que o deslizamento nos glaciais é comum. A deformação
que discutimos na seção anterior está associada aos modos elásticos. Uma vez que a tensão aplicada
49
é relaxada, o sistema retorna a situação inicial. Isso, no entanto, só ocorre se a tensão aplicada for
fraca. Se a tensão for forte o suciente, o sistema se deforma permanentemente. Enquanto que no
primeiro caso tínhamos uma deformação elástica, agora temos uma deformação plástica.
A primeira descrição que nos vem a mente para esse efeito é que a tensão permite a quebra
o outro. Essa tensão pode ser obtida por meio do módulo de cisalhamento. No entanto, o que
observamos é que o deslizamento ocorre para energias muito menores, até cinco ordens de grandeza
inferiores. A possível descrição para isso é que apenas as ligações associadas a uma linha nita
são necessárias serem quebradas, como exemplicado na gura 25. Essencialmente, se cortarmos
metade das ligações no plano, movermos o plano um parâmetro de rede e então re-ligarmos as
ligações, nós teremos movido o plano mas a um custo energético menor. Podemos então mover
esse defeito linear, conhecido como deslocamento, mais ecientemente uma vez que ele consiste em
quebrar uma linha de ligações e religá-las um sítio depois. Com isso, o plano desloca-se um pouco.
plano. O resultado energético é o custo de uma linha de ligações mais uma certa quantia de energia
deslocamentos que mantém a energia do sólido inalterada. Isso caracteriza um defeito topológico.
Os defeitos topológicos são também uma característica da quebra de uma simetria contínua.
50
Figura 25: Deslocamento de borda no gelo. Ref. 22, extraído de CL.
da matéria condensada. Vamos tentar alinhavar os principais pontos. Em primeiro lugar, temos
uma competição entre a energia cinética (temperatura) e a correlação das partículas. Diminuindo
a temperatura, temos transições de fase para estados onde as correlações são mais importantes.
No caso, observamos dois tipos de transições de fase: contínuas como no caso da transição líquido-
51
transições contínuas caracterizam-se pela divergência de várias grandezas físicas como o tempo
a mais baixas temperaturas, temos um outro tipo de transição de fase, de segunda ordem, onde
há quebra de simetria. No caso da transição água-gelo temos a quebra de uma simetria contínua
(translação). Com isso, uma nova ordem no sistema aparece, a periodicidade do cristal, a qual
reete a existência de uma rigidez, no caso o módulo elástico do gelo, e os modos dinâmicos de
baixa frequência, que são as ondas de som de cisalhamento. Esses últimos permitem o sistema
retornar a simetria anterior. No entanto, essas excitações elementares podem ser muito suaves
para alterar a rigidez. Defeitos topológicos se fazem presente e podem quebrar a rigidez da nova
fase.
A complexidade que a água apresenta nos faz retomar a tentativa de resolvermos a equação 1
exatamente e o inevitável fracasso dessa tentativa. Para isso, podemos novamente citar Anderson
(PA, p. 30):
...The error into which one must not fall is to attempt to calculate the properties of one state
of matter by methods suitable only to another. Between the two there must invariably exist a
discontinuity if the system is large enough, and there is therefore no reason to expect convergence
But the most sever abuse by far of this principle has been the growth of the quantum chem-
istry approach to condensed matter physics: 'If I can just compute the electronic state of some
large but nite cluster of electrons and atoms, at absolute zero, with giant machines, that is all
that I need to do.' Such a calculation, however, will in general not demonstrate the existence or
not of a broken symmetry, which in principle is ascertainable only in the N →∞ limit. Clearly,
em mente a observação acima de Anderson, podemos propor uma metodologia para entendermos
os estados da matéria condensada. Antes, porém, vamos mencionar um outro exemplo. O caso da
52
água não apresenta a quebra de simetria discreta. Um exemplo tradicional para essa situação é o
mas cada sítio possui um spin que pode assumir um de dois valores: spin up ou spin down.
A correlação entre os spins ocorre apenas entre os primeiros vizinhos. A altas temperaturas
magnetização media é nula. A medida que a temperatura baixa as correlações começam a dominar.
A temperatura tendendo a zero temos dois estados fundamentais possíveis: todos os spins up ou
todos os spins down. No entanto, não há excitações de baixa energia que levem o sistema de
um estado fundamental para o outro. As excitações elementares são as paredes de domínios que
separam as regiões de spin up e down. Nesse caso, portanto, não temos as excitações de baixa
Temos ainda um outro tipo de classicação de simetria que é importante considerar, a qual
depende da localização da operação de simetria. A simetria pode ser global, isto é, a operação
de simetria altera igualmente todo o ponto do espaço ou tempo ou ela pode ser local, quando as
operações de simetria afetam cada ponto independentemente. A simetria de calibre pode ser tanto
local quanto global, por exemplo. A tabela 1 exemplica algumas das simetrias e as propriedades
sistemas físicos associados e modos elásticos (tabelas equivalentes mas mais completas podem ser
encontradas em PA e DG).
53
Tabela 2: Exemplos de algumas fases com quebra de simetria e suas propriedades. Extraído de
CL.
Quebra de ergodicidade O exemplo da água trás também uma transição de fase onde não
temos uma quebra de simetria. Embora seja nítida a diferença entre o líquido e o gás, inclusive
intuitivamente, não há nenhuma diferença de simetria nos dois sistemas. Ambos possuem completa
simetria espacial, tanto translacional como rotacional. Outros exemplos que se enquadram nessa
conceito de ergodicidade da mecânica estatística. Está claro que quando há quebra de simetria o
fase todos os pontos relacionados com as leis de conservação que o sistema possui. Esse mesmo
conceito é importante no caso das transições de fase onde não há quebra de simetria. A ergodicidade
pode ser quebrada pela compartimentalização do espaço de fase, de tal forma que algumas partes
do espaço de fase cam inacessíveis (quando há quebra de simetria) ou somente acessíveis com
muita diculdade (quando não há quebra de simetria mas há mudança de fase). As transições
para os líquidos, vidros e vidros de spin são exemplos de quebra de ergodicidade no espaço real.
Em todos esses casos, há uma quebra de ergodicidade embora a simetria do sistema permaneça
ergodicidade, ou seja, uma assimetria na distribuição no espaço de fase. No entanto, essa é uma
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área ainda está em desenvolvimento.
de ordem. O primeiro caso é o Efeito Hall Quântico Fracionário (FQHE- Fractional Quantum Hall
Eect ). Esse efeito, descoberto em 1982 por Tsui e colaboradores (ref. 25), tem características
tos para sua compreensão. Um dos aspectos fundamentais e que nos interessa aqui é que o FQHE
apresenta muitas fases diferentes a temperatura nula as quais possuem a mesma simetria. Ou seja,
a teoria de quebra de simetria não permite descrever a situação física. Entre os novos desenvolvi-
mentos introduzidos para lidar com esse problema, o que nos interessa mais no nosso programa
físicos apresentam uma ordem topológica e têm sido objeto de intensa investigação (refs. 26 e 27).
Podemos sintetizar agora uma metodologia para estudar a matéria condensada ou, pelo menos,
boa parte dela, baseado no conceito de quebra de simetria e tendo o exemplo da água como
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Tabela 3: Diagrama dos estados de energia da matéria condensada esquematizados em função do
conceito de quebra de simetria. Extraído de DG.
8 Modelos e aproximações
O estudo da matéria condensada requer resolvermos um sistema de muitas partículas correla-
as suas excitações elementares ou seus estados excitados, pode ser uma tarefa intransponível. É
necessário encontrarmos formas de nos aproximarmos da solução mantendo um certo grau de con-
trole nas aproximações. A teoria do líquido de Fermi, introduzida por Landau, é uma primeira
aproximação que nos permite considerar sistemas de muitas partículas interagentes. Essencial-
teoria de Landau nos diz que podemos fazer uma associação um-a-um entre os estados do sistema
não-interagente e os novos estados após considerarmos a interação. Esses novos estados são quase-
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partículas com a característica interessante de serem pouco interagentes e, portanto, no limite
podem ser considerados como um gás livre de quase-partículas ou tratar suas interações (fracas)
perturbativamente.
em geral, podem ser desprezadas e podemos aplicar o que se convencionou chamar de teoria do
campo medio. Esse modelo basicamente trata o sistema físico como um contínuo e será de grande
importância para nós. Em geral, ele permite uma descrição adequada do sistema físico nas fases a
baixas e altas temperaturas. A situação muda quando consideramos as regiões críticas, de transição
teorias de campo medio não são mais sucientes. Leis de escala e universalidades tornam-se
sistema. Quanto maior a dimensão, menos importante são as utuações. No limite extremo de
uma dimensão, as utuações destroem todas as ordens de longo alcance e as transições de fase.
Para um sistema innitamente longo, qualquer utuação interrompe o uxo da informação. A única
ordem possível, portanto, é a zero Kelvin, quando não há nenhuma utuação térmica (pensando
uxo de informação, embora menos do que em três dimensões. As utuações são sucientemente
fortes para destruir a ordem de longo alcance em duas dimensões mas não o suciente para impedir
as transições de fase. Ainda, as utuações não destroem a ordem de longo alcance para sistemas
57
9 Um pouco de história
Como já comentado, o estudo da matéria sólida ou, mais amplamente, a matéria em estado con-
densado, foi uma área de grande aplicação da mecânica quântica. Por muitos anos, ela foi vista
apenas como uma área de aplicação dos princípios físicos. Foi somente mais adiante que ela ganha
o status de uma área de pesquisa própria. Nos anos 1930-1940 ela ganha o status de uma área de
pesquisa própria, com a descrição dos sólidos (cristalinos) por meio de bandas e com isso expli-
cando a diferença entre os isolantes e os condutores. Em 1940, F. Seitz publica um dos primeiros
livros fundamentais na área, Modern Theory of Solids. Finalmente, podemos simbolizar o novo
status da física do estado sólido com a criação da Divisão da Física de Estado Sólido pela So-
ciedade Americana de Física (American Physical Society - APS) em 1947. Com o crescimento do
estudo de outros sistemas, como metais líquidos, helio líquido, cristais líquidos e polímeros, por
exemplo, essa denominação passa a ser muito restritiva. Em particular, com o desenvolvimento de
uma nova forma, mais abrangente, de estudarmos a matéria não líquida (nem gasosa), a matéria
condensada, começa a consolidar-se o estudo da matéria condensada nos anos 70-80. Uma das
primeiras sínteses no assunto é feita por P.W. Anderson nos anos 60 com o livro Concepts in
Solids e, posteriormente, em 1985 com o livro Basic Notions of Condensed Matter Physics. Em
1978 a APS muda o nome dessa divisão para Divisão da Física da Matéria Condensada. Por cu-
riosidade, vale mencionar que o Departamento de Física do Estado Sólido e Ciência dos Materiais
2001.
10 Programa do curso
O objetivo do nosso curso é desenvolver um conhecimento sobre a matéria condensada partindo dos
princípios mais gerais. O curso difere do tradicional curso de Estado Sólido. Parte-se da premissa
estudante formado em física. Notas de aula sobre um curso desse tipo encontram-se disponíveis
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na página para consulta/estudo caso se faça necessário. Como a tradição até hoje do curso de
manter um contato com a descrição microscópica e a teoria de bandas sempre que for conveniente.
Mais importante, é nossa intenção buscar construir um curso que consiga mesclar uma descrição
simetria de Landau e uma descrição microscópica. Ainda, como é o primeiro ano que o curso é
oferecido com essa estrutura, o curso poderá sofrer modicações ao longo do ano (pensando em
Feita essa observação, vamos a proposta do nosso curso. O livro que mais se aproxima do livro
texto é o CL. Ele será a principal referência do curso. Após essa introdução, vamos discutir as
diferentes interações entre as partículas. Daremos sequência com um capítulo sobre estruturas,
serão discutidas. A correlação entre as partículas, grandeza fundamental, será discutida e a forma
de medirmos, i.e., o espalhamento, será abordada. Incluiremos aqui uma breve discussão sobre
topologia, embora isso será objeto mais detalhado no curso II. No capítulo seguinte discutiremos
as bases teóricas que serão trabalhadas. Uma revisão da mecânica estatística será feita, seguido
de uma rápida introdução de segunda quantização. A seguir a teoria de líquido de Fermi será
discutida. O capítulo seguinte será dedicado a discussão sobre quebra de simetria e parâmetro
de ordem. A teoria de campo médio será introduzida a seguir onde algumas transições de fase
serão discutidas. Nesse capítulo faremos uma discussão de vários sistemas físicos a partir do
ponto de vista microscópico. Isso servirá para retomar parte dos conceitos introduzidos em um
curso tradicional de Estado Sólido mas, principalmente, para fazer uma ligação entre a teoria
microscópica e a teoria macroscópica media que estamos adotando, de forma geral, para a matéria
teoria de campo medio e, em particular, o aparecimento da rigidez e dos modos elásticos associados
a ela. O capítulo seguinte discute as utuações térmicas dos modos elásticos e suas consequências.
Possivelmente o curso I encerra aqui. A sequência, curso II, começaria pela discussão dos fenômenos
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dinâmicos, função resposta e, essencialmente, como o sistema responde a uma perturbação externa.
simetria. Aqui, novamente, procuraremos incluir uma conexão entre a descrição microscópica e a
particular, discutiremos o caso dos vidros de spin e a ordem topológica, incluindo o efeito Hall
60
Programa
PARTE I (Curso I)
Capítulo 1 - Introdução
Capítulo 2 - Interações na matéria condensada
Capítulo 3 - Estrutura e espalhamento
3.1 - Estruturas: cristais, uidos, quase-cristais, cristais líquidos, amorfos, ...
3.2 - Correlações
3.3 - Espalhamento
14.2 Supercondutividade
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Capítulo 15 - Outros tipos de ordem
15.1 - Quebra de ergodicidade: vidros de spin
62
Referências
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63
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Scopigno, The Widom line as the crossover between liquid-like and gas-like behaviour
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