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FI-104 - Matéria Condensada I

Prof. José Antônio Brum


Sala 226 - DFMC, tel: 15476
e-mail: brum@i.unicamp.br

2 de março de 2015

1
Parte I

Introdução

O tema do nosso curso é a matéria condensada. Ele é vasto e considera uma ampla gama de

sistemas físicos condensados. No IFGW esse curso confundiu-se durante muito tempo com um

curso de Estado Sólido Avançado. Vamos aqui procurar sair dessa descrição e estabelecer um curso

mais próximo do que consideramos hoje um curso de matéria condensada no seu sentido mais geral.

O objetivo dessa introdução é apresentarmos uma discussão sobre o tema, o que entendemos por

matéria condensada, os esforços pela busca de uma descrição unicada, e como vamos organizar

o curso procurando oferecer uma formação que permita uma compreensão das diversas formas na

qual a matéria se organiza e como podemos entendê-la.

Como nota explicativa, que cará melhor compreendida no nal dessa introdução, ao longo

desse curso alguns textos básicos nos quais o curso se baseia serão utilizados amplamente. Para

simplicar a notação, vamos referenciá-los da seguinte forma:

CL: Chaikin e Lubenski, ref. 1

Mr: Marder, ref. 2

DG: Duan e Guojun, ref. 3

PA: Anderson, ref. 4

Wn: Wen, ref. 5.

1 Reducionismo versus Emergência


Antes de discutirmos a matéria condensada propriamente dita, vamos comentar brevemente um

velho dilema - hoje, talvez pacicado - da física: o reducionismo versus a emergência ou poderíamos

dizer a complexidade.

A tradição da física sempre foi de buscar uma descrição reducionista. Entendemos por isso

uma descrição simplicada dos fenômenos físicos, onde procuramos encontrar as leis fundamentais

2
que nos permitem descrever os sistemas complexos por meio de leis básicas simples. Podemos

associar esse objetivo (ou estratégia, se preferirmos) até mesmo a compreensão da matéria por

parte dos gregos antigos. Uma das proposições mais aceitas do chamado mundo antigo foi a ideia

na qual a matéria era organizada a partir de quatro formas fundamentais: a terra, a água, o

ar e o fogo (essa concepção é conhecida como pré-Socrática e atribuída a Empedocles - ca. 450

a.C.). Podemos sintetizar essa busca pela simplicidade como foi expresso por Einstein (citado

na p. ref. 3) The supreme test of the physicist is to arrive at those universal elementary laws

from which the cosmos can be built up by deduction. Uma das principais motivações e razões do

sucesso dessa empreitada está na estraticação da organização da natureza em escalas de energia

ou dimensão. Não é por outra razão que durante um certo tempo acreditou-se que o conhecimento

da eletrodinâmica clássica, da mecânica clássica e da física estatística permitiam a compreensão

de todos os fenômenos da natureza, exceto, talvez, pela diculdade de calculá-los. Essa percepção,

errônea, iludiu muita gente no nal do século XIX. É atribuída a Lord Kelvin a frase "there

is nothing new to be discovered in physics now. All that remains is more and more precise

measurement." De fato, não é de estranharmos que essa ideia de termos um conjunto completo de

leis tenha sido desenvolvida. As características das leis físicas fazem com que a natureza organize-

se em diferentes escalas, de distância ou energia, exemplicadas na gura 1. Em cada escala leis

físicas apropriadas aparecem partindo das propriedades fundamentais da escala anterior mas não

necessariamente reetindo essas leis. Embora alguns efeitos da(s) escala(s) inferior(es) possa ser

visível, a ciência se desenvolve quase que independentemente em cada camada física.

3
Figura 1: Estraticação do mundo físico em função da escala de comprimento e de energia. Figura
extraída de DG.

Essa situação ca mais evidente durante o século XX, quando, no seu primeiro quarto foram

desenvolvidos a relatividade especial e geral e a mecânica quântica. Com o advento desses dois

ramos da física, a pesquisa cientíca desenvolve-se ativamente em duas direções, a cosmologia,

onde a relatividade geral desempenha o papel predominante e a física atômica, seguida da física

nuclear e física das partículas elementares, onde busca-se com grande intensidade uma descrição

fundamental das leis da natureza. Esta fora do escopo da nossa discussão mas devemos lembrar

que hoje essas duas áreas da física começam a inuenciar diretamente uma a outra com a busca

de uma explicação para a matéria escura e as possíveis partículas elementares além do modelo

padrão. A associação da mecânica quântica com a física estatística permitiu, em paralelo, o

desenvolvimento de uma outra área da física, que foi o estudo dos materiais sólidos, a física do

estado sólido. Na verdade, ela confunde-se, em várias situações, com a química e a ciência dos

4
materiais. A física do estado sólido, em particular do estado sólido cristalino, com sua grande

síntese que é o descobrimento dos raios X (W.C. Roengten, 1901) e sua aplicação ao estudo da

estrutura atômica dos sólidos e consequente descobrimento das redes atômicas determinando a

estrutura dos sólidos cristalinos (M. von Laue, 1912) e o teorema de Bloch (F. Bloch, 1932)

que introduz paradigmaticamente o conceito de estrutura de bandas, permite compreender uma

grande variedade de materiais e suas propriedades, em particular, os metais como o cobre e os

semicondutores como o silício. Não devemos esquecer também o desenvolvimento da liquefação

do He em 1908 por K. Onnes que permite o estudo da matéria em seu estado menos excitado.

A compreensão desses materiais contribuiu enormemente para o desenvolvimento tecnológico que

vai formar o mundo moderno. Gradativamente, outros sistemas sólidos ou complexos vão sendo

estudados, como os cristais líquidos, as membranas, polímeros entre outros. A física do estado

sólido começa a tornar-se mais abrangente, começamos a chamar, por volta dos anos 1970s de

física da matéria condensada.

É importante reconhecer que o esforço reducionista que associa-se a um esforço de síntese, teve

(e tem) grande sucesso. A primeira unicação na física pode ser identicada como a realizada

por Newton que consegue descrever com o mesmo conjunto de leis o comportamento de corpos tão

distintos como os objetos materiais na superfície da terra e o movimento dos planetas. Maxwell, no

século XIX, realiza a grande síntese das forças elétrica e magnética na sua teoria do o eletromag-

netismo. Nos anos 1930-1940 o eletromagnetismo incorporou-se a teoria quântica de campos dando

origem a eletrodinâmica quântica. Mais tarde, as interações fortes foram incorporadas formando

a cromodinâmica quântica. Nos anos 1960s Glashow, Weinberg e Salam unicaram a força fraca

com a força eletromagnética dando origem a força eletro-fraca. Com a teoria do modelo de quarks

para os nucleons, forma-se o modelo padrão da física das partículas. A unicação com a força

gravitacional permanece até hoje um tema de pesquisa. Essas diversas unicações formam teorias

que se aplicam nas diversas estraticações em escalas do estudo da física. A gura 2 representa

essa traticação das áreas da física e suas escalas de abrangência, as quais podemos associar as

diferentes ordens de unicação da teoria física.

5
Figura 2: Áreas da física de acordo com sua estraticação em escalas de comprimento. Extraído
de DG.

O que parece hoje cada vez mais claro é que essa estraticação permite pensarmos cada escala

da física com suas leis próprias e que a busca de teorias mais fundamentais para descrever a natureza

não devem alterar (pelo menos não de forma signicativa) as leis válidas em cada um dos estratos

do mundo físico. Não esperamos que a unicação da força gravitacional com o modelo padrão, com

todas suas consequências que pode ter para a compreensão das leis fundamentais, alterará o que

conhecemos da estrutura dos materiais. Ou que as leis de Newton deixarão de serem aplicadas em

problemas macroscópicos aos quais estamos acostumados. Esse comportamento do mundo físico,

elusivo durante muito tempo, começa a ser compreendido com a teoria de grupo de renormalização

6
para os fenômenos críticos. Essa teoria foi inicialmente proposta nos anos 1960s por Widom e

Kadano e foi desenvolvida plenamente no início dos anos 1970s por K.G. Wilson, onde cou claro

que a teoria de renormalização ia além de uma técnica de grande utilidade para ser uma forma

de reescalarmos as interações físicas e suas leis. Ela vai dar a estrutura teórica que justica as

ideias de universalidade e escalonamento dos fenômenos críticos. Em última análise, ela permite

compreendermos porque fenômenos em uma certa escala não alteram a física em outras escalas. Ou,

porque o desenvolvimento mais profundo da física das partículas elementares pouco acrescentará

a física dos materias.

Podemos sintetizar esse pensamento utilizando um diagrama simples proposto por Wilson (g.

3). Nele, esquematizamos os fenômenos em duas grandes variáveis: alcance e intensidade de

interação. Essencialmente, o que temos é que, uma vez determinado uma certa escala de trabalho,

podemos desprezar interações fracas e de curto alcance (em relação a mencionada escala) como

sendo necessárias para descrevermos o sistema físico. Mesmo que essas interações existam, elas

não produzem efeitos mensuráveis na escala considerada. Para que um efeito seja observável, ele

deve ter pelo menos ou uma interação forte, para compensar o curto alcance ou ter longo alcance

para compensar a interação fraca. Na apresentação de Sean Carroll, esse esquema é aplicado para

o conjunto de conhecimentos da física como descrita na Teoria Quântica de Campos.

7
Figura 3: Fenômenos físicos de acordo com seu alcance e intensi-
dade de interação. Esquema de K. Wilson, extraído de Sean Carroll,
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Vrs-Azp0i3k).

Nesses termos, podemos dizer que a física da matéria condensada já possui a sua Teoria Fun-

damental (ou TOE - Theory of Everything ). A mecânica quântica e a física estatística, tendo

a força eletromagnética como única força efetiva e tendo os núcleos atômicos e os elétrons como

partículas fundamentais devem permitir compreendermos todos os fenômenos associados a matéria

condensada ou a ciência dos materiais. Essa visão foi expressa, de forma geral, por Dirac, uma vez

a mecânica quântica estando estabelecida e já obtendo grande sucesso nas suas aplicações: the

general theory of quantum mechanics is now almost complete. ... The underlying physical laws

8
necessary for a large part of physics and the whole of chemistry are thus completely known, and

the diculty is only that the exact application of these laws leads to equations much too compli-

cated to be soluble. (citado p. 5-6, DG). Essa proposição pode ser representada pela solução da

equação

P~j2
N
X XM
p~2i X Zj Zj 0 e2 X e2 X −Zj e2
H= + + + + (1)
j=1 2Mj i=1 2m
~ ~
j 0 <j Rj − Rj 0
|~r − ~ri0 |
i0 <i i
~
i,j Rj − ~
ri

onde Mj , Zj e ~j
R são, respectivamente, a massa, o número atômico e a posição do j − ésimo
átomo (íon), m é a massa do elétron e ~ri a posição do i − ésimo életron. Na verdade, para termos

a solução correta, devemos incluir na solução da equação 1 a simetrização adequada para o estado

de N -partículas (ou melhor, no caso dos férmions, a anti-simetrização da função de onda total).

Poderíamos esperar que com o desenvolvimento das técnicas numéricas e do poder computa-

cional de hoje em dia, a equação 1 pudesse ser resolvida e a expectativa de Dirac fosse atingida.

Na prática, no entanto, isso não é possível. Seguindo a discussão de Wen (Wn), nos anos 1980s,

uma estação de trabalho com 32 Mbytes de RAM podia resolver o problema exatamente para onze

elétrons. Mais de vinte anos depois, com o poder computacional sendo multiplicado por um fator

cem, podemos apenas acrescentar dois elétrons ao sistema. Um sistema físico sólido ou condensado

é, geralmente (se deixarmos a importante área da nanociência um pouco de lado) composto por

1023 partículas. O cálculo de um sistema desses é totalmente impossível. Um computador clássico

composto por todos os átomos do universo não conseguiria nem mesmo armazenar um único vetor

desse sistema. Esse computador conseguiria resolver um sistema com cem elétrons apenas. Ainda

continuando Wen, mesmo que conseguíssemos calcular os estados do sistema físico, seria impossível

analisarmos o resultado. Podemos exemplicar essa situação considerando um sistema composto

por duzentos elétrons com seus estados distribuídos em uma região de energia da ordem de 200 eV

(tipicamente uma banda de um sólido cristalino tem poucas dezenas de eV). Esse sistema possui

2200 ≈ 1060 níveis de energia. O intervalo de energia característico entre esses níveis é da ordem

de ∆e ≈ 200 eV /1060 ∼ 10−58 eV . Se realizarmos uma medida nesses sistema e a zermos durante

todo o tempo de existência do Universo, devido ao princípio de incerteza, poderíamos medir a

9
energia com uma precisão limitada a ∆t ∼ 10−33 eV , ou seja, seria impossível conhecer a dinâmica

do sistema em todo o seu detalhe. Fica claro que é necessário termos uma outra estratégia para

atacarmos o problema. Na prática, isso signica buscarmos leis próprias para o problema na es-

cala (de energia ou comprimento) de interesse. Isso explica o sucesso da teoria para excitação de

baixa energia nos materiais, a qual pode ser desenvolvida sem ter nenhuma memória dos elétrons

e núcleos que compõem o material. Na verdade, a visão reducionista tem uma objeção mais fun-

damental, como expresso por Anderson em 1972 : The ability to reduce everything to simple

fundamental laws does not imply the ability to start from those laws an reconstruct the universe.

... The constructionist hypothesis breaks down when confronted by the twin diculties of scale

and complexity. The behavior of large and complex aggregates of elementary particles, it turns

out, is not to be understood in terms of a simple extrapolation of the properties of a few particles.

Instead, at each level of complexity entirely new properties appear, and the understanding of the

new behaviors requires research which I think is as fundamental in its nature as any other. (citado

na p. 5, DG). Ou ainda, como expresso por Kadano: Here I wish to argue against the reduction-

ist prejudice. It seems to me that considerable experience has been developed to show that there

are levels of aggregation that represent natural subject areas of dierent groups of scientists. Thus,

one group may study quarks (a variety of subnuclear particle), another, atomic nuclei, another,

atoms, another, molecular biology, and another genetics. In this list, each succeding part is made

up of objects from the preceding levels. Each level may be considered to be less fundamental than

the one preceding in the list. But at each level there are new and exciting valid generalizations

which could not in any natural way have been deduced from any more 'basic' sciences. Starting

from the 'least fundamental' and going backward on the list, we can enumerate, in succession,

representative and important conclusions from each of these sciences, as Mendelian inheritance,

the double helix, quantum mechanics, and nuclear ssion. Which is the most fundamental, the

most basic? Which was derived from which? From this example, it seems rather foolish to think

about a hiearchy of scientic knowledge. Rather, it would appear that grand ideas appear at any

levels of generalization. (citado na p. 5, DG).

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Certamente concordamos com a posição adotada por Anderson e Kadano. O objetivo do

nosso curso é encontrarmos e estudarmos as leis básicas e as generalizações que descrevem a

matéria condensada. Devido ao histórico do nosso Instituto, convém discutirmos as diferenças

entre a estrutura do conhecimento da física do estado sólido (cristalino) e da física da matéria

condensada. Antes, porém, é interessante discutirmos algumas grandezas físicas envolvidas e a

região de validade da física clássica na nossa área de interesse e quando a mecânica quântica se faz

necessária.

2 Física clássica versus física quântica


A grandeza fundamental que podemos considerar como paradigmática para examinarmos um sis-

tema físico sob o ponto de vista da mecânica clássica ou da mecânica quântica é o comprimento

de onda de de Broglie,

h h
λdeBroglie = = (2)
p mv

A velocidade média da partícula é da ordem de v ∝ T 1/2 . Mais precisamente, pelo teorema de

equipartição de energia,

1 D 2E 3
m v = kB T
2 2
D E 3kB T
⇒ v2 = (3)
m

Para que os efeitos quânticos sejam apreciáveis, o comprimento de onda de de Broglie deve ser

da ordem da distância interpartículas, λdeB ≈ a = h|~ri − ~rj |i. Podemos caracterizar então uma

temperatura T0 como sendo a temperatura característica da degenerescência quântica que é da

ordem de

11
h2
T0 ≈ (4)
3mkB a2

Podemos esperar, portanto, que

T  T0 → comportamento clássico

T ≤ T0 → comportamento quântico

Para exemplicar a situação, consideremos o caso dos sólidos e líquidos em geral, onde a ∼
0, 2 − 0, 3 nm. Para os átomos e íons, temos m ∼ A(no. atômico)×mp ∼ A × 10−24 g . Temos então

50
T0 ∼ K
A

e devemos esperar, em geral, um comportamento clássico. Ou seja, quando o estado da matéria

depende da interação entre os átomos e íons, uma descrição clássica deve ser suciente para de-

screver o sistema físico. A exceção ocorre para átomos leves a baixas temperaturas, como o H e

o He. Na prática, o H não tem um comportamento esperado devido a formação da molécula de

H2 e apenas o He vai apresentar transições de fase a baixas temperaturas dominadas por efeitos

quânticos. Para os gases, a distância interatômica aumenta em várias ordens de grandeza e tipica-

mente T0 ∼ sub − µK . No entanto, se considerarmos um sistema formado por um gás de elétrons,

nesse caso me ∼ 10−27 g e

T0 ∼ 105 K

e o sistema é degenerado, ou seja, deve ser descrito quanticamente.

Esses valores reetem também um dos paradigmas da física molecular e do estado sólido que é

a aproximação de Bohr-Oppenheimer. Essencialmente, inspirado pela diferença de massas entre os

elétrons e os núcleos e íons, eles propuseram a separação da dinâmica eletrônica da dinâmica dos

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átomos ou da rede (no caso cristalino). Essa separação é bem sucedida e permite discutir a física

dos estados eletrônicos independentemente dos efeitos da rede, com os elétrons sendo descritos,

em geral, quanticamente, e os fônons classicamente, excetuando, é claro, as situações em que a

interação entre elétrons e fônons é signicativa.

A massa das partículas envolvidas é uma das grandezas fundamentais nessa caracterização

juntamente com a densidade das partículas. Por exemplo, se considerarmos os prótons e neutrons

no núcleo, T0 ∼ 1010 K , isso porque a distância entre as partículas é muito pequena, da ordem de

∼10−12 cm. Da mesma forma, estrelas de neutrons tem densidade similar a dos núcleos (da ordem

de 3 × 1017 kg/cm3 ) e possuem T0 da mesma ordem (obs.: a temperatura no núcleo de uma estrela

de neutrons recém formada é da ordem de 1011 − 1012 K mas rapidamente - alguns anos - decai

para ∼ 106 K devido a emissão de neutrinos).

3 A evolução do estudo dos materiais


Podemos arbitrariamente separar em quatro grandes fases o estudo da matéria ou dos matérias.

A primeira, podemos atribuir a visão do mundo antigo sobre a formação do mundo mate-

rial. Apoiada nos trabalhos de Empedocles (490 a.C. - 435 a.C.), Platão (429 a.C. - 348 a.C.) e

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), ela tinha no pensamento rcionalisda, a lógica dedutiva, como sua

metodologia de investigação, sem nenhuma preocupação com o empiricismo ou o método experi-

mental. A sua visão de mundo era baseada na existência de quatro elementos, terra, água, ar e

fogo que com suas diversas propriedades permitiam construir inclusive uma idéia da dinâmica da

transformação dos materiais. A segunda etapa podemos atribuir seu início com a contestação

veemente das idéias da antiguidade que podem ser representadas pelo pensamento de Robert Boyle

(1627 - 1691, ver The Sceptical Chymist, 1661) que critia a doutrina aristoteliana bem como a dout-

rina alquimista baseada nos três elementos alguimistas, sal (matéria básica), enxofre (espírito da

vida, ubíquo) e mercúrio (uido conectando o Alto e o Baixo (Paracélsio, 1943-1591). A base do

raciocíno de Boyle está na falta de uma base empírica no desenvolvimento das teorias: And there-

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fore, if either of the two examin'd Opinions, or any other Theory of Elements, shall upon rational

and Experimental grounds be clearly made out to me(...) And (concludes Carneades (Boyle) smil-

ing) it were no great disparagement for a Sceptick to confess to you, that as unsatisfy'd as the past

discourse may have made you think me with Doctrines of the Peripateticks, and the Chymists,

about the Elements and Principles, I can yet so little discover what to acquiesce in, that
perchance the Enquiries of others have scarce been mor unsatisfactory to me, than
my own have been to myself. (The Sceptical Chymist) ou ainda And in this alos (pursues

Eleutherius ) methinks both you and theChymists may easily agree, that the sures way is to
Learn by particular Experiments, what diering parts particular Bodies do consist of, and

by what wayes (either Actual or potential re) they may best and most Conveniently be Sepa-

rated, as without relying too much upon the Fire alone, for the resolving of Bodies, so without
fruitlessly contending to force them into more Elements thatn Nature made Them up
of, or strip the server'd principles so naked, as by making Them Exquisitely Elemen-
tary to make them almost useless. (The Sceptical Chymist). A longa gestação da ciência

moderna clássica vai convergir no nal do século XIX para a mecânica clássica, eletromagnetismo

e termodinâmica-física estatística. A visão do mundo material é representada pelos três estados

clássicos da matéria, gás, líquido e sólido. A terceira etapa podemos associar a primeira metade
do século XX, com o desenvolvimento da mecânica quântica, o descobrimento do átomo e seus

constituintes e o desenvolvimento de inúmeras técnicas experimentais. A compreensão do mundo

material adquire novos paradigmas e um outro nível de sosticação, com a teoria do estado sólido

cristalino representando essa etapa e, em paralelo, o estudo da matéria mole. Podemos nalmente

identicar uma quarta etapa na segunda metade do século XX, com o desenvolvimento da teoria
de campo quântico, a teoria de grupo de renormalização e a compreensão do papel da simetria

e da quebra de simetria na estrutura do mundo material. É a época da matéria condensada. Se

quisermos ousar um pouco, podemos imaginar que o início do século XXI vê uma nova etapa na

compreensão do mundo material com a extensão dos princípios básicos para materiais topológicos.

Essa etapa, no entanto, ainda não está consolidada e uma unicação conceitual ainda está em

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gestação.

A seguir, vamos discutir um pouco mais em detalhe a terceira e quarta etapas.

4 A estrutura temática do estado sólido


Durante muito tempo a organização da matéria podia ser vista de forma simples, clássica, como

tendo três estados possíveis, gás, líquido e sólido, sendo posteriormente acrescentado um quarto

estado da matéria, o plasma. A título de curiosidade, é interessante observar que essa divisão

clássica lembra as ideias dos antigos gregos, já mencionada, com a natureza sendo formada por

quatro elementos fundamentais : ar, água, terra e fogo, aos quais podemos associar o gás, líquido,

sólido e plasma, respectivamente. Com essa associação, as ideias gregas, de mais de dois mil anos

atrás, não parecem tão ingênuas assim. Ao estado sólido, associamos várias propriedades, entre

as quais destacam-se a sua rigidez. Essa, classicamente, está associada a forte ligação química

entre os átomos/íons, mantendo esses em posições rígidas no espaço. Mais particularmente, sob

condições adequadas, os materiais buscam um estado de minimização de energia, assumindo uma

forma cristalina. Como já mencionamos aqui, o desenvolvimento da difração de raios X, a capaci-

dade de realizar experimentos a baixas temperaturas e o teorema de Bloch, permitiram um enorme

desenvolvimento do estado sólido cristalino. Isso ocorreu com o estudo das redes cristalinas, a es-

trutura periódica dos cristais, e a teoria de bandas dos sólidos cristalinos. A teoria de bandas

atinge seu grande sucesso permitindo explicar a diferença entre os metais e isolantes (e semicon-

dutores). A gura 4 exemplica a estrutura de banda no espaço recíproco e a caracterização dos

metais, isolantes e semicondutores. A gura 5 exemplica a diferença entre os tipos de sólidos

cristalinos, caracterizados pela sua estrutura de banda e nível de Fermi. O desenvolvimento das

técnicas numéricas com a inclusão de efeitos de interação elétron-elétron bem como das técnicas

experimentais, permite hoje que se obtenha uma descrição teórica das bandas dos materiais com

alto grau de precisão, como pode ser observado na gura 6 (resultados obtidos em 1993 e 2002).

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Figura 4: Esquemas de bandas de energias para (a) metais, (b) isolantes e (c) semicondutores.
As linhas espessas representam estados eletrônicos ocupados e as linhas nas estados desocupados
a T=0 K. G representa o gap dos isolantes (∼ 0(5 eV) e g o gap dos semicondutores (≤ 1 eV).
Figura extraída da ref. 6.

16
Figura 5: Tipos de sólidos cristalinos representados pelas suas bandas e nível de Fermi no espaço
direto.

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Figura 6: Cálculo da estrutura de banda com o método GW para o Ge (esquerda) e o Cu (direita)
comparado com dados experimentais (símbolos). Para o Cu está representado também o resultado
do cálculo DFT-LDA (density function theory - local density approximation ) (traços). Figura
extraída das refs. 7 e 8, citadas na ref. 9.

O sucesso dessa descrição permitiu explicar vários resultados experimentais enigmáticos, como

por exemplo, o sinal aparentemente contraditório, da carga responsável pelas propriedades elétricas

de alguns metais, o que foi possível com o estudo da superfície de Fermi dos metais. A gura 7

exemplica dois casos típicos onde a superfície de Fermi apresenta uma topologia bastante exótica.

Figura 7: Superfície de Fermi do alumínio (esquerda) e do tungstênio (direita).

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Seguindo o espírito da aproximação de Bohr-Oppenheimer, as propriedades mecânicas (vi-

brações mecânicas da rede) foram inicialmente calculadas classicamente por Born nos anos 1910s.

Podemos hoje (cálculos de 1991) obter resultados extremamente precisos da dispersão dos fônons,

comparados com os dados experimentais, como demonstra a gura 8.

Figura 8: Dispersão dos fônons para o Si (superior) e o Ge (inferior) comparado com dados
experimentais (símbolos). Figura extraída da ref. 10, citada na ref. 9.

Com essa estrutura teórica foi possível desenvolver toda uma teoria para o estado sólido cristal-

ino. A partir da descrição do estado fundamental do sólido a T=0 (fônons e estados eletrônicos),

foi possível considerar, perturbativamente ou em algum outro nível de aproximação, as pertur-

bações do sistema. Essas podem ser consideradas como defeitos estruturais (deslocamentos, etc)

ou impurezas (defeitos profundos, dopagem em semicondutores, ligas, etc) ou como perturbações

externas. Dessas últimas, extraímos as propriedades ópticas (sistema perturbado por uma onda

eletromagnética externa) e de transporte (perturbado por um campo elétrico). As interações entre

as partículas são consideradas e um grande esforço é feito para compreender o quanto da estrutura

de partícula não-interagente permanece válida. Com isso, estados como ferromagnéticos, super-

uído, supercondutores, são estudados. Em geral, esses estudos são realizados a partir da descrição

19
paradigmática das bandas (elétrons) e das vibrações de rede (átomos e íons) dos sólidos cristal-

inos. Não nos alongaremos nessa descrição aqui, uma revisão rápida dessa progressão pode ser

encontrada no artigo de W. Kohn (ref. 6).

Dessa forma, é frequente organizarmos o estudo do estado sólido partindo do estudo das sime-

trias das células unitárias dos cristais, a rede cristalina, seguindo pelo estudo das vibrações da

rede e da estrutura de bandas. De posse desses estados, consideramos os desvios da cristalinidade

na forma de defeitos e impurezas (eventualmente, considerando também desvios mais radicais da

cristalinidade). Seguimos com o estudo da pertubação da cristalinidade por campos externos,

eletromagnético e eletrostático, com isso estudando as propriedades ópticas e de transporte dos

materiais. Finalmente, interações elétron-elétron são consideradas e as propriedades magnéticas e

a supercondutividade são estudadas. Essa descrição suscinta (e supercial) pode ser a represen-

tação esquemática de um curso de estado sólido tradicional. Partindo do livro pioneiro de Seitz

(1a. edição em 1940, ref. 11), passando pelo mais popular que é, possivelmente, o livro do Kittel

(1a. edição em 1953, ref. 12) talvez o ponto alto (na minha opinião) possa ser o livro do Ashcroft e

Mermin (1a. edição em 1976, ref. 13). Um livro recente, que apresenta de forma um tanto suscinta

mas bastante completa é o livro do Mahan (2011, ref. 14). Inúmeros outros livros tratam desse

tema, com diferentes ênfases e certamente com contribuições importantes, que não mencionaremos

aqui (mas que, eventualmente, serão utilizados ao longo do curso). Um curso dessa natureza é

importante e é, em geral, oferecido em nível de graduação. Tradicionalmente, essa estrutura serviu

também para boa parte dos cursos de FI-104 no IFGW (inclusive quando ministrado por mim, de

1993-1995), razão pela qual zemos essa discussão. A proposta desse curso é um pouco diferente,

como começaremos a ver na próxima seção.

5 A estrutura temática da matéria condensada


Ao longo do século XX, materiais não cristalinos foram sendo sistematicamente estudados, os

quais, muitas vezes, não permitiam uma visão aproximada partindo de desvios da cristalinidade.

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Diversos sistemas como cristais líquidos, polímeros, vidros e sólidos amorfos, cristais líquidos, entre

outros, ganharam importância. Durante muito tempo consolidou-se uma visão de duas grandes

áreas, física do estado sólido e física da matéria mole. A medida que novos estados da matéria

começam a serem descobertos, há a necessidade de buscarmos uma outra forma de procurarmos

entender como a matéria se organiza quando condensada. A primeira percepção que temos que ter,

já manifesta na física do estado sólido, é que estamos lidando essencialmente com um problema

de muitos corpos interagentes. Como já discutimos, precisamos do conhecimento das interações

entre suas partículas elementares , o que dominamos desde o início do século XX. Se excetuarmos

a - importante - área de nanociência, estamos lidando em geral com propriedades macroscópicas.

Ou seja, a descrição das trajetórias das partículas não é importante, mas sim o conhecimento

de diversos tipos de médias sobre o sistema, ou seja, a termodinâmica e a mecânica estatística

do sistema. Ainda, novamente deixando para uma análise posterior o caso dos nanosistemas, as

variáveis macroscópicas que caracterizam os estados físicos da matéria são em geral lentamente

variáveis no espaço. Isso signica que é possível descrevê-las por teorias de campo contínuo, ou

seja, podemos utilizar como ferramenta teórica para o estudo da física da matéria condensada a

teoria (quântica) de campo.

A busca de uma teoria unicada para a matéria condensada apoia-se em duas teorias desenvolvi-

das por Landau: a teoria do líquido de Fermi e a teoria de quebra de simetria e parâmetro de ordem

desenvolvida para o caso do He4 e rapidamente generalizada. A primeira fornece uma justicativa

para construirmos um modelo de descrição de um sistema de muitos corpos interagente que permite

ainda trabalharmos no conceito de estados de quase partículas. Mais importante, ela nos sugere

o conceito de aproximação adiabática. Essencialmente, ela considera um sistema não-interagente

e ligamos as interações adiabaticamente. No nal, temos um sistema interagente mas descrito

por uma ocupação de estados que segue a ocupação de estados do sistema não-interagente. A

segunda, embora introduzida para compreendermos as transições de fase de segunda ordem, é

generalizada, principalmente por Anderson (PA), na busca uma descrição unicada para entender-

mos os estados da matéria. Essa é talvez uma das ideias mais importantes no estudo da matéria

21
condensada: as propriedades macroscópicas dos materiais são governadas por leis de conservação

e quebras de simetria. O caso mais simples para visualizarmos isso está na comparação entre um

gás de partículas e um sólido. Para uma partícula simples, momento e energia são conservadas.

Quando consideramos um sistema de partículas, o número de partículas bem como a energia e o

momento são conservados. Se considerarmos o sistema a altas temperaturas, no estado gasoso,

o sistema é desordenado e não-correlacionado, resultando em uma uniformidade e isotropicidade

quando considerado seus valores médios. A probabilidade de encontrarmos uma partícula em um

certo ponto do espaço é independente da posição daquele ponto no espaço e da presença de outras

partículas na proximidade. Nessa situação, temos uma total simetria translacional e rotacional do

espaço livre. As propriedades dinâmicas do sistema sob baixas excitações, em frequências baixas,

podem ser descritas por equações hidrodinâmicas, as quais são determinadas pelas leis de simetria.

A situação muda drasticamente quando, a medida que a temperatura diminui, o sistema adquire

outros estados termodinamicamente estáveis a medida que condensa. Consequentemente, ele vai

perdendo sua simetria. Se o sistema assume o que poderíamos considerar o caso mais drástico, de

um sólido cristalino, a simetria translacional é quebrada, sendo substituída por uma simetria por

translação para um conjunto discreto, e periódico, de pontos, no lugar da simetria translacional

contínua do espaço livre. Da mesma forma, a simetria rotacional innitesimal do espaço livre é

substituída por um conjunto nito de rotações, mais identicado pelas simetrias do grupo pontual

que caracterizam a rede cristalina. Um dos aspectos fundamentais da quebra de simetria é que

não é possível fazer uma transição suave entre o estado com uma determinada simetria e o estado

da matéria quando essa simetria não está mais presente. A simetria ou está ou não está presente.

A quebra de simetria introduz uma nova variável física, identicada com o parâmetro de ordem,

o qual só está presente naquela fase do material. Com isso, o estado do material adquire uma

característica que podemos identicar como uma rigidez do sistema. A recuperação da simetria

é feita por meio de modos dinâmicos, defeitos e distorções do estado com a simetria quebrada,

que permitem um caminho para restaurar a simetria. São esses modos e distorções que carac-

terizam o estado com a quebra de simetria. O caso do sólido cristalino é o mais simples para

22
entendermos o conceito de rigidez. A quebra da simetria de translação innitesimal faz com que

o sólido possa ter sua posição absoluta no espaço ser determinada, o que não é possível para

um sistema com simetria translacional total. Um sólido pode sofrer torções de cisalhamento. A

energia dessas distorções é controlada por constantes elásticas, a qual é associada a uma rigidez

particular da simetria translacional que é quebrada. Com isso, temos no sólido cristalino modos

de som associados ao cisalhamento que não existem na fase isotrópica, encontrada no sistema a

altas temperaturas. Finalmente, defeitos também interrompem a ordem do cristal, ou, de forma

mais geral, a ordem introduzida na quebra de simetria na nova fase condensada do sistema físico.

Essencialmente, podemos dizer que as simetrias e a quebra de simetria regem as propriedades

da fase da matéria. A simetria já é bem conhecida e sua associação com leis de conservação e com a

impossibilidade de medirmos certas grandezas. A síntese dessa relação simetria - leis de conservação

pode ser encontrada no primeiro teorema de Noether (1915, 1918). Como já discutimos, a simetria

de translação leva a impossibilidade de medirmos a posição absoluta no espaço do sistema e a lei

de conservação de momento. A simetria por rotação innitesimal implica que a direção absoluta

do sistema físico não é acessível e leva a lei de conservação do momento angular. A simetria por

inversão temporal impede uma medida absoluta do tempo e leva a lei de conservação de energia.

Outras simetrias são mais sutis. A simetria de calibre implica que as fases relativas entre dois

estados normais não é observável e leva a conservação do número de partículas. A Tabela 1 resume

algumas das simetrias, suas leis de conservação e suas grandezas não-observáveis.

23
Tabela 1: Simetrias na física da matéria condensada. Extraído de JG.

Nota sobre o teorema de Noether (baseado nas notas de Kleinert (ref. ): Podemos assim ex-

pressar o teorema de Noether em forma simplicada: Sempre que tivermos uma simetria contínua

na Lagrangiana, existe uma lei de conservação associada a ela.

Seja um sistema físico representado por coordenadas qi (t) e uma Lagrangiana L(qi (t), q̇i (t), t)
a ação é denida por

ˆ tb
A[qi ] = dtL(q(t)i , q̇i (t), t)
ta

O princípio de mínima ação estabelece a trajetória clássica. Ou seja, a condição para que a

variação da ação, δA[qi ]

δA[qi ] = {A[qi + δqi ] − A[qi ]

24
anule-se para uma certa trajetória mantendo os pontos xos, i.e.,

δA[qi ]|qi =qicl (t) = 0

para δqi (ta ) = δqi (tb ) = 0

nos leva a equação dinâmica, a equação de Euler-Lagrange:

∂L d ∂L
− =0
∂qi dt ∂ q̇i

∂L
Consideremos agora uma transformação contínua das variáveis cíclicas (i.e., para as quais
∂q i
=
0),

q(t) → q 0 (t) = f (q(t), q̇(t))

onde f (q(t), q̇(t)) é a fransformação de sitmetria. Para uma transformação innitesimal,

δs q(t) ≡ q 0 (t) − q(t) → δs q(t) = ∆(q(t), q̇(t), t)

temos

δs L = L(q + δs q, q̇ + δs q̇) − L(q, q̇)


" # " #
∂L d ∂L d ∂L
= − δs q(t) + δs q(t) = 0
∂qi dt ∂ q̇i dt ∂ q̇(t)

Da invariância por simetria (e da eq. de Euler), temos

" #
d ∂L
δs L = 0 ⇒  ∆(q, q̇, t) = 0
dt ∂ q̇(t)

25
Denindo a carga de Noether, Q(t), como

∂L
Q(t) ≡ ∆(q, q̇, t) ≡ carga de Noether
∂ q̇

temos

Q(t) = Q = constante de movimento

Exemplo : invariância por translação no espaço e conservação do momento linear.

Consideremos a simetria por translação no espaço,

x0i = xi + i ⇒ δs xi (t) = i

A variação da lagrangiana é

! " # " #
∂L d ∂L d ∂L d ∂L i
δs L = i
− i
δs xi + i
δs xi = 
∂x dt ∂ ẋ dt ∂ ẋ dt ∂ ẋi

de onde temos

∂L
⇒ pi = ≡ momento canônico ≡ constante de movimento
∂ ẋi

O sistema perde simetria na medida que a temperatura baixa. Enquanto que a altas temper-

aturas podemos, a priori, desprezar a interação entre as partículas (o gás expande-se indenida-

mente), na medida que a temperatura baixa, a interação - atrativa - entre as partículas leva a um

ordenamento das partículas, aumentando a correlação entre elas. No limite extremo de baixas tem-

peraturas deveríamos esperar que o maior empacotamento possível seja o estado de equilíbrio do

sistema. Isso para diminuir a sua energia interna U , devido a interação atrativa entre as partículas.
Para temperaturas intermediárias, temos uma competição entre a diminuição da energia interna

26
e o aumento da entropia. A maior correlação das partículas e, portanto, seu ordenamento, levam

também a uma diminuição da entropia. A fase de equilíbrio é uma competição entre esses dois

fatores, representado pela diminuição da energia livre de Helmholtz, F = U − TS ou de Gibbs,

G = U − TS + PV , dependendo de como o sistema encontra-se (isto é, que tipo de contato ele

tem com o ambiente, i.e., reservatório, na nomenclatura da física estatística). Em geral, e quase

como regra, a energia livre favorece a diminuição da energia interna, portanto o maior empacota-

mento/ordenamento possível das partículas enquanto que a entropia favorece a desordem.

Obs.: Aqui cabe fazermos uma observação. Em alguns casos particulares, é possível termos or-

dem induzida pela entropia. Cilindros e bolas rídigas, mantendo a energia interna - ou temperatura

- constante, o aumento de entropia leva ao ordenamento. Esse mecanismo foi discutido por L. On-

sager (Prop. NY. Acad. Sci. 51 , 627 (1949)) no estudo da transição de fase líquido-cristal nos

anos 1940s. Mais recentemente, materia mole auto-formada apresenta esse mecanismo, quando

a energia interna pode ser desprezada. Uma revisão desse caso pode ser encontrada no artigo de

revisão de Daan Frenkel (Physica A 263 26-38 (1999)). Discutiremos explicitamente esse caso

mais tarde.

O ordenamento que aparece quando o sistema minimiza a energia livre leva a quebras de simetria

e o aparecimento de uma ordem que pode ser quanticada pelo parâmetro de ordem. Podemos

distinguir dois casos gerais, quando a ordem é posicional e quando a ordem ocorre no espaço de

momentos (ondas). No primeiro caso, da ordem posicional, temos um efeito clássico, tendo como

origem a interação entre as partículas. Alguns exemplos desse ordenamento são os cristais, cristais

líquidos, ligas, entre outros. A transição de fase entre o sistema ordenado e o desordenado ocorre

a temperaturas nitas, T > 0. É importante observar que sistemas quânticos também apresentam

ordem posicional, como no caso das ondas de densidade de carga (CDW - charge-density waves),

ondas de densidade de spin (SDW - spin-density waves), cristal de Wigner, entre outros. No caso

do ordenamento ocorrer no espaço de momentos, nós temos um efeito quântico. O ordenamento

27
ocorre em geral para sistemas macroscópicos onde N → ∞. Entre os exemplos, podemos citar os

líquidos de Fermi, os condensados de Bose-Einstein, supercondutores, etc. Para N nito o efeito do

ordenamento se reete na presença de potenciais de connamento. Essencialmente, isso nos leva a

estrutura de camadas. As transições de fase podem ocorrer em temperaturas nitas, mesmo que a

transição de fase tenha natureza quântica. Essencialmente, isso signica que ela ocorre devido as

utuações térmicas clássicas. No outro caso, temos as transições de fase quânticas, que ocorrem

a T = 0K. Nesse caso, as utuações térmicas estão ausentes e o que temos são as utuações

quânticas, de origem no princípio de incerteza de Heisenberg.

Essa breve descrição exemplica a complexidade que podemos ter na medida que a matéria

se condensa. A questão que surge é como podemos descrever a matéria condensada partindo de

princípios gerais - mas de forma nenhuma restringentes. Para isso, vamos discutir um exemplo

ilustrativo, que servirá de paradigma.

6 O exemplo do H2O
A discussão do caso da água segue a proposta de CL. Sabemos que a molécula da água leva a

situações complexas, isso devido a não isotropicidade de sua molécula e a tendência de formar

pontes de hidrogênio. Um exemplo mais simples seria um gás nobre, como o argônio. No entanto,

a água é um dos sistemas mais estudado, inclusive recentemente, o que nos permite explorar melhor

as ideias.

6.1 Vapor de água ou gás

Consideremos o sistema inicialmente a altas temperauras. Nesse caso, ele encontra-se completa-

mente desordenado. No caso da água, temos um estado conhecido como vapor de água. Basica-

mente, a energia cinética domina sobre a energia potencial ou a interação entre as moléculas. O

sistema é homogêneo e isotrópico. A densidade é constante e o sistema possui simetria translacional

e rotacional completa. Uma de suas características fundamentais é que ele expande-se, ocupando

28
todo o espaço, ou seja, possui pouca ou nenhuma correlação entre as moléculas. No caso de um

gás ideal de partículas sem dimensão, as partículas não possuem nenhuma interação entre elas, ou

seja, ignoram completamente a presença uma da outra.

Uma das consequências disso é uma característica usual do vapor de água, presente no nosso

quotidiano e que não damos tanta atenção: nós não vemos o vapor de água. Há duas formas que

nos permitiria ver o vapor de água, a absorção ou o espalhamento da luz. O vapor de água não

possui nenhuma absorção na frequência do visível (nenhum nível de excitação nessa frequência).

Quanto ao espalhamento, é necessário que tenhamos uma variação no índice de refração em uma

certa distância. Como a densidade é constante, não há nenhuma variação e portanto nenhum

espalhamento. Aqui vale uma ressalva, que se aplica no curso todo, exceto quando explicitado: por

densidade constante estamos nos referindo a densidade média. Como sabemos da física estatística,

sempre temos utuações na densidade. No entanto, para haver um espalhamento observável, as

utuações devem ocorrer em uma escala de comprimento da ordem do comprimento da luz visível

(500 nm), o que não é o caso. A Figura 9 mostra esquematicamente o resultado de um experimento

de difração em um gás monoatômico, onde não esperamos nenhuma estrutura indicando correlação

entre as partículas.

Figura 9: Difração em um gás monoatômico.

29
6.2 Água líquida

A medida que a temperatura baixa, não podemos mais ignorar as interações - atrativas - entre as

partículas. A atração entre as partículas reforça as utuações de densidade. Uma molécula prefere

car numa região onde encontram-se outras moléculas e não onde há poucas moléculas. Como

consequência, começa a formação de clusters. Diminuindo a temperatura, esses clusters tendem

a crescer em amplitude e demoram mais para decair, mantendo-se presentes por um tempo mais

longo. Em outras palavras, maiores são as utuações, mais tempo elas levam para se desenvolverem

e mais tempo levam para decair: a sua dinâmica torna-se mais lenta. Ainda podemos recuperar a

densidade uniforme esperada para o gás mas para isso temos que realizar medias sobre distâncias

maiores. O resultado desse processo é a formação de uma outra fase uida, a fase líquida, que

distingue-se da fase gasosa principalmente pela densidade, que é muito maior.

Consideremos o caso especíco de um recipiente com vapor de água a densidade de 0, 322 g/cm3 .
A medida que a temperatura diminui, as utuações de densidade aumentam e persistem por um

tempo maior. O sistema não tem mais uma aparência homogênea. Há regiões com maior e menor

densidade. Quando essas regiões adquirem o tamanho do comprimento de onda do visível, a luz

(visível) espalha-se nessas utuações e o sistema parece leitoso (o nome origina-se no fato que o

leite possui gotas de gordura da ordem de um micron, que é comparável com o comprimento de

onda do visível, ∼ 0, 5 µm). Continuando a diminuir a temperatura, as utuações aumentam cada

vez mais. No entanto, é importante ressaltar, que sobrevivem utuações de todos os tamanhos,

fazendo com que a opalescência, uma vez surgindo, ela permaneça. Com o aumento do tempo de

vida das utuações, elas têm tempo para deslocarem-se devido a gravidade: as regiões mais densas

vão para a parte inferior do recipiente e as menos densas para a parte superior, com as duas fases

separando-se. Com essa separação de fases, estas cam homogêneas e não espalham mais a luz.

A diferença no índice de refração entre as duas fases, no entanto, faz com que ela espalhe a luz,

tornando a separação entre as fases visível.

Aqui temos que fazer duas observações. Primeiro, essa mudança de fase, gás-líquido, é diferente

da maior parte das mudanças de fase que discutiremos. Nesse caso, a simetria das duas fases é a

30
mesma, não havendo nenhuma quebra de simetria nem, consequentemente, surgindo um parâmetro

de ordem. Isso é bem conhecido da física estatística e reete-se no diagrama de fase da água

apresentado na g. 22. Essencialmente, a linha de separação entre a fase líquida e a gasosa termina

em um ponto (ponto crítico). Isso permite que possamos passar de uma fase para outro seguindo

um caminho contínuo, sem cruzar a linha de transição de fase. Isso caracteriza as chamadas

transições de fase de primeira ordem. Por quê então temos uma mudança de fase? A diferença

entre cada uma dessas fases, gás (vapor) e líquido, é nítida e intuitiva. Resta entendermos do

ponto de vista microscópico. É certo que as correlações desempenham um fator fundamental e

alteram qualitativamente o comportamento macroscópico. Retornaremos a esse ponto logo mais.

Antes, vamos a nossa segunda observação.

Figura 10: Diagrama de fase da água. Extraído de CL.

A discussão que zemos da transição de fase considerou a água na densidade crítica em um

recipiente fechado. Se estivermos em outra condição, o comportamento é diferente. A medida

que a temperatura diminui, temos uma mudança descontínua no estado estável termodinâmico

na medida que a linha de transição de fase gás-líquido é cruzada. O que acontece é que algumas

31
utuações, raras inicialmente, dão origem a formação de gotas da fase líquida. A medida que a

temperatura diminui, essas gotas crescem embora não sobrevivam muito tempo. Quando a linha de

transição de fase é cruzada, essas gotas crescem e aumentam seu tempo de duração. Quando elas

atingem um certo tamanho crítico, elas não decaem mas começam a absorver outras gotas menores

e também moléculas de gás, aumentando de tamanho. O tamanho dessas gotas é determinado pela

cinética e pela velocidade na qual as moléculas podem difundir para dentro e para fora da superfície

da gota. Essas gotas, em geral, nucleiam-se em torno de partículas de pó ou moléculas de sal. Aqui,

novamente, quando as gotas adquirem tamanho comparável com o comprimento de onda da luz,

essa espalha-se e o sistema adquire um aspecto leitoso. Essa é a razão pela qual as nuvens tem

a coloração esbranquiçada que conhecemos. Embora o efeito nal seja semelhante, não temos

aqui o efeito de opalescência do ponto crítico. As gotas crescem mais rapidamente que as
utuações do ponto crítico. Essa é uma das diferenças importantes entre as transições de fase

de primeira ordem ou descontínuas ou ainda abruptas e as transições de fase de segunda ordem

ou contínuas. A gura 11 mostra esquematicamente a formação das gotas e a relação de tamanho

crítico da gota. Para uma discussão mais detalhada, ver o capítulo 11 do livro do Sethna (ref. 17).

O que acontece com as propriedades físicas durante a transição de fase? Sabemos, e é intuitivo,

que se aplicamos pressão em um gás, sua densidade muda facilmente, o gás é compressível. A

situação é bem diferente no líquido, o qual é quase incompressível. No ponto crítico, as duas fases,

gás e líquido, estão em equilíbrio. Uma pequena variação de pressão transforma uma quantidade

de gás em líquido sem custo energético. Ou seja, uma pequena pressão provoca uma grande

mudança na densidade. Há uma divergência na taxa de variação da densidade com a pressão, ou

seja a compressibilidade (β ≡ −(1/V )∂V /∂p) é divergente. Essa é uma das características
que determinam as transições de fase contínuas: uma grandeza física, generalizada
por susceptibilidade (aqui, a compressibilidade), é divergente na temperatura crítica.
A observação dessa divergência é a opalescência crítica e é uma outra manifestação associada a

divergência de tamanho e redução da dinâmica das utuações.

32
Figura 11: Esquerda: Esquema da formação de gota. Direita: relação do tamanho da gota com sua
estabilidade. G é a energia livre de Gibbs, R o raio da gota, σ a tensão supercial, ρ a densidade
da água líquida e Tc a temperatura crítica. Extraído do Sethna (ref. 17).

A fase líquida apresenta forte correlação entre as partículas (moléculas, no caso da água). Aqui

não é apenas a interação atrativa que domina. Com as moléculas cando cada vez mais próximas,

a parte repulsiva começa a desempenhar um papel importante. Essa repulsão tem sua origem na

penetração dos orbitais de moléculas diferentes, levando a repulsão eletrostática entre os núcleos

mas principalmente a repulsão devido ao princípio de exclusão de Pauli, que impede que partículas

de mesmo spin ocupem o mesmo estado. A atração entre moléculas em geral é do tipo dipolo-

dipolo e, como discutimos, no caso da água, a polarização da molécula tende a formar pontes

de hidrogênio, ou seja, o átomo de oxigênio adquire uma densidade de carga negativa devido aos

dois orbitais que não participam das ligações o qual é atraído ao hidrogênio positivo da molécula

vizinha. Se deixarmos esse aspecto de lado, o qual é de extrema importância para as características

da água, e pensarmos em um modelo simples que mais se aproxima do caso do argônio, o potencial

repulsivo pode ser simulado por um potencial de esferas rígidas. Esse modelo simples é suciente

para descrever muitas das características mais importantes dos sistemas líquidos e sólidos. A parte

atrativa procura aproximar o máximo possível as partículas uma das outras. A repulsão tipo esfera

rígida determina as congurações da distribuição das partículas. A consequência é a tendência,

inicial, das partículas formarem triângulos e depois tetraédros e nalmente preencher as faces

33
triangulares dos tetraédros para formar clusters de grandes dimensões. Dois fatos importantes

impedem a formação desses clusters (de grandes dimensões). O primeiro, que sempre estará

presente, é a temperatura nita. O sistema não se estabiliza com a menor energia interna mas

sim com a menor energia livre. Ou seja, o movimento das partículas com a temperatura nita

desestabiliza a formação da ordem local. O outro aspecto, que terá grande importância em muitos

sistemas, está no fato que o empacotamento mais denso possível formando tetraédros com todas as

faces triangulares não pode crescer indenidamente sem apresentar vacâncias. Em outras palavras,

o empacotamento mais denso obedecendo as condições de atração local não é compatível com as

condições exigidas para um empacotamento mais denso em grande alcance. Nessas condições

ocorre o que costumamos chamar de frustração. A competição entre a parte atrativa da interação

e a parte repulsiva pode ser mensurada se olharmos para uma grandeza física que é a correlação

entre as partículas. Basicamente, medimos a probabilidade de encontrarmos uma outra partícula

próxima de outra partícula, considerada como origem. Deniremos melhor essa grandeza mais

tarde. Vamos visualizá-la agora apenas qualitativamente. A gura 12, extraída do CL, mostra

a função de distribuição radial G(r) ou g(r) para a água líquida medida por difração de raios

◦ ◦
X para diferentes temperaturas, entre 4 C e 200 C utilizando como fonte de raios X a linha

monocromática do MoKα. O resultado mostra uma depressão após a primeira molécula voltando

a ter forte correlação em torno da distância intermolecular quando volta a ter uma depressão,

oscilando depois. Essa estrutura mostra a correlação existente entre as moléculas da água, simulada

no modelo utilizado para o cálculo teórico. O modelo que melhor se adaptou mostra uma estrutura

da água baseada na rede do gelo-I com os átomos de O formando uma estrutura tetraédrica com

outros átomos de O, mantendo a estrutura hexagonal do gelo, por simplicidade. Resultado mais

recentes foram obtidos utilizando como fonte de raios X a emissão sincrotrônica do ALS (Advanced

Light Source, linha de luz 7.3.3). As gs. 13-15 mostram os resultados obtidos. Aqui temos uma

diferença importante na metodologia de modelar os resultados experimentais. Tradicionalmente,

os resultados eram discutidos diretamente a partir dos dados experimentais da intensidade da

difração em função do vetor de onda e a função de correlação no espaço real era obtida diretamente

34
a partir desses dados. Assim foram obtidos os dados da g. 12. Hura e colaboradores (ref. 19)

trabalharam na reprodução teórica dos dados experimentais diretamente. Isso porque as incertezas

experimentais, a diculdade de precisar os pesos das contribuições das correlações OO, OH e HH

e o truncamento experimental no valor do momento, impedem obter as funções de correlação

diretamente dos dados experimentais com a precisão necessária. A partir do modelo que melhor

reproduziu os dados de difração, as funções de correlação foram obtidas. O modelo utiliza a teoria

do funcional de densidade baseado em funções no espaço de congurações e modelos clássicos da

água. Esses modelos, como no caso das refs. 18 e 20, partem das diferentes estruturas do gelo,

sendo a mais comum a já descrita, com estruturas tetraédricas nas ligações dos oxigênios, formando

anéis hexagonais conectados. Na gura 14 vemos o padrão de intensidade da difração em função

do momento Q, comparando os resultados de 2003 no ALS com os dados obtidos por Narten e

colaboradores em 1971. A comparação mostra a melhor denição e precisão dos dados atuais.

A gura 15 mostra as funções de correlação OO (gOO (r)) e OH (gOH (r)) obtidas para diferentes

temperaturas. Fica claro que a medida que a temperatura diminui a correlação aumenta. No

caso OO, observamos um forte pico a 3 , basicamente o diâmetro do átomo de O. A medida que

a distância aumenta, a correlação diminui, mas podemos ainda observar o que seria os segundos

e terceiros vizinhos das moléculas de água. A grandes distâncias a tendência é recuperarmos a

homogeneidade do líquido. No caso OH observamos a forte correlação a pequenas distâncias,

basicamente a distância entre o oxigênio e o hidrogênio da mesma molécula. Uma forte depressão

se segue e uma forte correlação aparece novamente com os hidrogênios das primeiras moléculas

vizinhas.

35
Figura 12: Função de correlação da água obtida por difração de raios X por Narten et al em 1967
(ref. 18) e modelo da água utilizado nos cálculos. Extraído de CL.

36
Figura 13: Esquerda: aparato experimental para o espalhamento de raios X. Direita: padrão de
espalhamento de raios X da água obtido com raios X de 12,8 keV (ref. 19).

Figura 14: Resultados experimentais obtidos no ALS (cinza) para diferentes temperaturas com-
parados com os resultados obtidos por Narten (ref. 20)(vermelho) para diferentes temperaturas:
(esquerda) 2 C, (centro) 44 C e (direita) 77 C. As temperaturas das medidas de Narten et al são
4 C, 50 C e 75 C, respectivamente. Extraído de CL.

37
Figura 15: Funções de distribuição no espaço real calculadas teoricamente a partir do modelo que
melhor reproduziu os dados da gura . Direita: Oxigênio-Oxigênio (gOO (r)). Esquerda: Oxigênio-
Hidrogênio (gOH (r)). Temperaturas: 2 C (vermelho), 44 C (cinza cheia) e 77 C (preta tracejada).
Ref. 19.

6.3 Água cristalizada: gelo

A medida que a temperatura diminui, a água torna-se gelo. A primeira observação que todos pode-

mos fazer é que a água deixa de ser uida e adquire uma rigidez mecânica. Na escala microscópico

a diferença é fundamental: as moléculas do gelo apresentam uma estrutura uniforme, com uma

repetição periódica de um padrão. A g. 19 mostra a estrutura molecular do gelo, com uma es-

trutura hexagonal mantendo um arranjo quase tetraédrico localmente. A estrutura hexagonal tem

consequências que são observáveis macroscopicamente: as facetas planas do gelo, características

de todo cristal, e a simetria de rotação sêxtupla dos cristais de gelo que podem ser observadas em

ocos de neve (g. 16). A estrutura cristalina ca caracterizada pela difração de raios X. Varshney

e colaboradores (ref. 21) estudaram a difração do gelo em condições de congelamento, medidos

por difração de raios X no Advanced Photon Source, Argonne National Laboratory (EUA) (g.

17). O que nos interessa aqui é a formação clara dos picos de difração de Bragg, característicos

da estrutura cristalina, com periodicidade em toda a amostra, contrário do caso da água onde a

correlação acontece apenas localmente. Vale comentar aqui que o resultado estudado mostra a

existência de uma pressão no gelo, possivelmente característico do processo de congelamento. A

38
Figura 16: Foto de um oco de neve. National Geographic.

gura 18 mostra o resultado de modelagem dos picos de difração de raios X, onde uma tensão da

ordem de 2-3 kbar é necessária para melhor reproduzir os dados experimentais.

Finalmente, para comparação, mostramos esquematicamente a estrutura molecular do gelo e

da água, onde podemos observar a correlação de curto alcance da água, que lembra a estrutura do

gelo.

39
Figura 17: Difração de raios X do gelo. Ref. 21.

40
Figura 18: Modelagem da difração de raios X do gelo. Ref. 21.

Figura 19: Comparação de modelo para a água (esquerda) e o gelo (direita).

41
6.4 Linha de Frenkel e linha de Widom

Embora não seja objeto da nossa discussão introdutória, vamos mencionar aqui alguns esforços na

tentativa de entender o que acontece na continuação do ponto crítico da água. Nessa região não

temos mais uma transição entre gás e líquido mas a existência de uma única fase normalmente

denominada uído supercrítico. Durante muito tempo foram feitos esforços para entender o que

acontece nessa região e se há alguma modicação no comportamento do uído na medida que se

atravessa o diagrama de fase (P,T). A extensão do ponto crítico é conhecida como a linha de Widom.

Ela está associada a existência de um máximo no calor especíco a pressão constante do uido.

Recentemente, Simeoni e colaboradores (ref. 23) apresentaram dados de espalhamento inelástico

de raios X (IXS - inelastic X rays scattering ) em argônio líquido associados com resultados de

simulação de dinâmica molecular mostrando que há um comportamento diferenciado na velocidade

de ondas acústicas nanométricas quando medido acima e abaixo da linha de Widom. A gura 20

mostra a mudança qualitativa na dispersão da velocidade do som como medida por Simeoni e

colaboradores. A gura 21 mostra resultados do calor especíco a pressão constante e resultados

de simulações indicando a existência da linha de Widom e sua extrapolação para temperaturas

e pressões mais altas. O importante a salientar aqui é que o que observamos é uma modicação

no comportamento de grandezas termodinâmicas sugerindo uma transição qualitativa no uido

quando cruzamos a linha de Widom de uido tipo-líquido para uido tipo-gás.

Mais recentemente, Brazhkin e colaboradores (ref. 24) discutem a existência do que eles vão

chamar de uma linha de Frenkel. Essa linha estende também o ponto crítico dividindo o uido

supercrítico em dois comportamentos, tipo-líquido e tipo-gás. Brazhkin e colaboradores argumen-

tam que essa linha diferencia-se da linha de Widom em vários aspectos. Fundamentalmente, ela

é uma linha que diferencia o comportamento dinâmico do uido. A gura 22 mostra a linha de

Frenkel como proposta por eles e a gura 23 mostra resultados de simulação que exemplicam o

comportamento distinto nas duas regiões. A grandeza física proposta é o tempo de relaxação do

líquido τ, que é o tempo medio entre dois saltos atômicos consecutivos no líquido em um certo

ponto do espaço. Cada salto pode ser visualizado aproximadamente como um salto de um átomo

42
de sua região onde está connado para uma nova posição com subsequente relaxação da região de

connamento. Esse tempo de relaxação determina as propriedades uidas do líquido, como sua

viscosidade η e o coeciente de difusão D. A dinâmica proposta para o líquido é uma combinação

entre vibrações do tipo-sólido e um movimento balístico característico de um gás. A altas temper-

aturas, o movimento tipo sólido desaparece sendo dominado pelo movimento balístico enquanto

que a baixas temperaturas domina a dinâmica tipo sólido. Essa mudança qualitativa de compor-

tamento caracteriza a transição da linha de Frenkel. A gura 24 com dados obtidos de simulação

numérica exemplica esses comportamentos. Brazhkin e colaboradores argumentam que a linha

de Frenkel não pode ser confundida com a linha de Widom também porque a linha de Frenkel

existe mesmo em sistemas onde não há ponto crítico (ver g. 22). Além disso, a linha de Widom

não é bem denida, dependendo da grandeza termodinâmica para a qual ela é considerada e não

pode ser estendida para altas pressões e temperaturas como a linha de Frenkel (ver g. 24).

Apesar da diferença qualitativa no comportamento do uido supercrítico, tanto na linha de

Widom (termodinâmica) como na linha de Frenkel (dinâmica), não há uma transição de fase no

sistema. A natureza desse comportamento, o claro signicado das linhas de Widom e de Frenkel, e

suas implicações na compreensão dos estados da matéria condensada, ainda permanecem a serem

estabelecidos.

43
Figura 20: Dispersão do som em função da pressão para o uido argônio a 573 K medida por
espalhamento inelástico de raios X (símbolos cheios) e simulação de dinâmica molecular (símbolos
vazios). A linha pontilhada representa a linha de Widom. Ref. 23.

Figura 21: Diagrama P/Pc × T /Tc para vários uídos. A linha cheia representa a linha de co-
existência media líquido-vapor para o argônio, neônio, nitrogênio e oxigênio. A linha vermelha é
a linha de Widom para o argônio como obtido por meio de dados do NIST até a maior temper-
atura onde o máximo de CP × P pode ser identicado (T = 470 K; T /Tc = 3, 12) (ver inset) e
extrapolado a partir dessa temperatura (pontos vermelhos). Ref. 23.

44
Figura 22: Diagrama de fase P −T para (a) substância normal e (b) sistema sem a linha de fervura
e sem ponto crítico líquido-gás. Ref. 24.

45
Figura 23: (a) Exemplos de trajetórias de partículas (em coordenada x) para o líquido de Lennard-
Jones em diferentes condições (ρc = 0, 314, Tc = 1, 31).(b)-(e) mostra diferentes fragmentos de (a).
(b) e (c) correspondem a estados rígidos onde as vibrações estão presentes e (d) e (e) correspondem
a movimento com colisões em estados não-rígidos. Ref. 24.

46
Figura 24: Diagramas de fase T −P e T − ρ para um líquido de Lennard-Jones (simulação), a linha
de Frenkel e os pontos calculados de máximos da expansão térmica α, utuações ζ e da capacidade
térmica isobárica cP . Os dados experimentais para o Ar e o Ne são mostrados na gura (a). Ref.
24.

6.5 Quebra de Simetria e rigidez

A principal diferença entre o líquido e o gelo cristalino está na correlação das partículas que re-

etem a simetria da distribuição das mesmas. No líquido, temos uma correlação de curto alcance.

Mas, uma vez que nos deslocamos para qualquer ponto do espaço (no líquido), encontramos a

mesma correlação. Ou seja, o líquido possui simetria isotrópica e homogênea. No cristal isso difere

radicalmente. Se zermos uma translação no espaço por um valor inteiro dos vetores que caracter-

izam a rede cristalina, recuperamos a mesma correlação. No entanto, se zermos a translação por

um valor menor que os vetores fundamentais, a correlação encontrada é completamente diferente

e o sistema físico não tem a mesma aparência. A forma de medirmos isso é o espalhamento de

raios X, cujos resultados discutimos nas sub-seções anteriores. Basicamente, o espalhamento mede
D E
a transformada de Fourier do elemento de matriz ~k |amostra| ~k 0 . Isso porque o espalhamento

entre a onda incidente |~k > e a onda espalhada |~k 0 > nada mais é que a transformada de Fourier

47
da perturbação realizada na amostra calculada em ~k − ~k 0 . A formação dos picos de Bragg só são

possíveis devido a superposição (quase) innita da difração nos diversos planos atômicos. É a

existência da simetria de longo alcance que permite a formação desses picos.

A transformada de Fourier depende apenas das posições relativas. Se zermos um desloca-

mento da amostra inteira, nada vai se alterar. No entanto, devemos esperar utuações térmicas

das moléculas em torno da sua posição cristalina. No limite (de baixas temperaturas) temos

também as utuações quânticas. Podemos estimar essas utuações a uma certa temperatura se

zermos uma aproximação contínua para o gelo. Ou seja, vamos considerá-lo como um meio elás-

tico e utilizarmos o teorema de equipartição de energia. Sendo um meio elástico, consideramos

uma distorção da célula unitária descrita pela deformação x/a onde a é o parâmetro de rede car-

acterístico (simplicamos a discussão a uma dimensão). Ou seja, a célula unitária é deformada na

direção-x pelo valor x em relação a célula unitária vizinha; a deformação é denida como o valor

relativo dessa deformação em relação a distância inicial entre as células vizinhas. Aqui é impor-

tante fazer a seguinte observação: a existência de um contínuo de deformações, caracterizadas por

uma variável contínua, x, está diretamente associado ao fato que na transição da fase líquida para

a fase cristalina/gelo houve a quebra de uma simetria contínua. A tensão, ou força por unidade

de área para criar essa deformação é Gx/a, onde G é o módulo elástico (tanto para expansão como

compressão) que mede a rigidez do sistema físico. A força na célula unitária é −a2 Gx/a ≡ −kx,
onde denimos a constante de mola k ≡ Ga. O teorema de equipartição estabelece que a ener-

gia potencial média de um oscilador harmônico a temperatura T é k hx2 i /2 = kB T /2, ou seja,

o deslocamento quadrático médio é hx2 i ∝ kB T /Ga. Se o modo elástico é nulo, o deslocamento

quadrático diverge. Se o deslocamento quadrático for da ordem da constante da rede a, os picos

de Bragg são destruídos. De onde podemos armar que a rigidez é uma condição necessária para

a existência da periodicidade. Esse resultado pode ser generalizado para qualquer fase que quebra

uma simetria contínua. Sempre que isso ocorrer, vai aparecer uma nova rigidez a qual está asso-

ciado uma constante elástica (no limite contínuo) a qual impede que as utuações térmicas (ou

quânticas) destruam o novo estado.

48
A água (ou gás) apresenta densidade homogênea. Ou seja, qualquer ponto que consideremos,

apresentará a mesma probabilidade de encontrarmos uma molécula. Essa situação, novamente, é

completamente diferente no cristal. As moléculas apresentam posições (relativamente, como vimos)

xas uma em relação as outras. É certo que podemos deslocar o cristal como um todo sem alterar a

energia do sistema (rigidez). Mas uma vez escolhendo a posição de uma molécula, todas as outras

cam determinadas. Não há, no entanto, nenhuma preferência, a priori, sobre qual a posição inicial

a ser escolhida. Deve haver um mecanismo que permita restaurar a simetria quebrada. A energia

relacionada com a distorção da célula ou da periodicidade do sistema depende do deslocamento

relativo das moléculas. Como associamos a energia de deformação a uma deformação elástica,

devemos imaginar que os modos dinâmicos do sistema sejam ondas elásticas. Ondas de som devido

a compressão do meio existem tanto no gelo como na água. A diferença entre os dois sistemas

está na existência de ondas de som de cisalhamento, que só existem no gelo, justamente devido a

rigidez de cisalhamento existente nessa fase. Esses modos têm frequência ω que varia linearmente

com o vetor de onda, ω = vs q , onde vs é a velocidade do som e q = 2π/λ. No limite de grandes

comprimentos de onda, a frequência ou energia do modo tende a zero. Ou seja, não há força

restauradora contra o deslocamento de grandes comprimentos de onda. Isso pode ser visualizado

como sendo um deslocamento innitesimal do comprimento de ligação das moléculas estendendo-se

por um grande número de moléculas ou ligações químicas. Ou ainda, o deslocamento de translação

uniforme do sólido não custa nenhuma energia. A origem da rede cristalina do gelo pode estar em

qualquer lugar. Mas uma vez que a determinamos, as demais posições moleculares estão xadas.

O estudo desse modo em grandes comprimentos de onda é conhecido como modo hidrodinâmico

com frequência nula. Ele é outra manifestação da quebra de simetria contínua.

6.6 Deslocamentos - defeitos topológicos

Uma outra propriedade que é visualmente observável no gelo é que ele desliza. Embora não temos,

no Brasil, a experiência direta, sabemos que o deslizamento nos glaciais é comum. A deformação

que discutimos na seção anterior está associada aos modos elásticos. Uma vez que a tensão aplicada

49
é relaxada, o sistema retorna a situação inicial. Isso, no entanto, só ocorre se a tensão aplicada for

fraca. Se a tensão for forte o suciente, o sistema se deforma permanentemente. Enquanto que no

primeiro caso tínhamos uma deformação elástica, agora temos uma deformação plástica.

A primeira descrição que nos vem a mente para esse efeito é que a tensão permite a quebra

de todas as ligações químicas no plano do cristal, permitindo o deslizamento de um plano sobre

o outro. Essa tensão pode ser obtida por meio do módulo de cisalhamento. No entanto, o que

observamos é que o deslizamento ocorre para energias muito menores, até cinco ordens de grandeza

inferiores. A possível descrição para isso é que apenas as ligações associadas a uma linha nita

são necessárias serem quebradas, como exemplicado na gura 25. Essencialmente, se cortarmos

metade das ligações no plano, movermos o plano um parâmetro de rede e então re-ligarmos as

ligações, nós teremos movido o plano mas a um custo energético menor. Podemos então mover

esse defeito linear, conhecido como deslocamento, mais ecientemente uma vez que ele consiste em

quebrar uma linha de ligações e religá-las um sítio depois. Com isso, o plano desloca-se um pouco.

O resultado é um movimento de deslocamento. É o que permite o gelo deslizar acima e abaixo do

plano. O resultado energético é o custo de uma linha de ligações mais uma certa quantia de energia

de deformação. O deslocamento criado é determinado pela natureza e topologia da variedade de

deslocamentos que mantém a energia do sólido inalterada. Isso caracteriza um defeito topológico.

Os defeitos topológicos são também uma característica da quebra de uma simetria contínua.

50
Figura 25: Deslocamento de borda no gelo. Ref. 22, extraído de CL.

7 Universalidade do exemplo da água e um programa para


o estudo das fases condensadas
O exemplo da água é bastante útil para reetirmos sobre um programa de estudo das diversas fases

da matéria condensada. Vamos tentar alinhavar os principais pontos. Em primeiro lugar, temos

uma competição entre a energia cinética (temperatura) e a correlação das partículas. Diminuindo

a temperatura, temos transições de fase para estados onde as correlações são mais importantes.

No caso, observamos dois tipos de transições de fase: contínuas como no caso da transição líquido-

gás na densidade crítica ou descontínuas como no caso da água na temperatura de ebulição. As

51
transições contínuas caracterizam-se pela divergência de várias grandezas físicas como o tempo

de relaxação, susceptibilidades e comprimentos característicos do sistema. No caso das transições

descontínuas, o fenômeno de nucleação (formação de gotas) domina. Ainda no nosso exemplo,

a mais baixas temperaturas, temos um outro tipo de transição de fase, de segunda ordem, onde

há quebra de simetria. No caso da transição água-gelo temos a quebra de uma simetria contínua

(translação). Com isso, uma nova ordem no sistema aparece, a periodicidade do cristal, a qual

reete a existência de uma rigidez, no caso o módulo elástico do gelo, e os modos dinâmicos de

baixa frequência, que são as ondas de som de cisalhamento. Esses últimos permitem o sistema

retornar a simetria anterior. No entanto, essas excitações elementares podem ser muito suaves

para alterar a rigidez. Defeitos topológicos se fazem presente e podem quebrar a rigidez da nova

fase.

A complexidade que a água apresenta nos faz retomar a tentativa de resolvermos a equação 1

exatamente e o inevitável fracasso dessa tentativa. Para isso, podemos novamente citar Anderson

(PA, p. 30):

...The error into which one must not fall is to attempt to calculate the properties of one state

of matter by methods suitable only to another. Between the two there must invariably exist a

discontinuity if the system is large enough, and there is therefore no reason to expect convergence

of the right method in the wrong domain....

But the most sever abuse by far of this principle has been the growth of the quantum chem-

istry approach to condensed matter physics: 'If I can just compute the electronic state of some

large but nite cluster of electrons and atoms, at absolute zero, with giant machines, that is all

that I need to do.' Such a calculation, however, will in general not demonstrate the existence or

not of a broken symmetry, which in principle is ascertainable only in the N →∞ limit. Clearly,

computation must come after understanding, not before.

O destaque sublinhado é de minha parte. Partindo do exemplo da água e, tendo fortemente

em mente a observação acima de Anderson, podemos propor uma metodologia para entendermos

os estados da matéria condensada. Antes, porém, vamos mencionar um outro exemplo. O caso da

52
água não apresenta a quebra de simetria discreta. Um exemplo tradicional para essa situação é o

modelo de Ising. Essencialmente, nesse modelo, a cristalinidade do sistema permanece inalterada

mas cada sítio possui um spin que pode assumir um de dois valores: spin up ou spin down.

A correlação entre os spins ocorre apenas entre os primeiros vizinhos. A altas temperaturas

a correlação não é importante e todos os spins encontram-se não alinhados aleatoriamente. A

magnetização media é nula. A medida que a temperatura baixa as correlações começam a dominar.

A temperatura tendendo a zero temos dois estados fundamentais possíveis: todos os spins up ou

todos os spins down. No entanto, não há excitações de baixa energia que levem o sistema de

um estado fundamental para o outro. As excitações elementares são as paredes de domínios que

separam as regiões de spin up e down. Nesse caso, portanto, não temos as excitações de baixa

energia caracterizadas pela rigidez ou modos hidrodinâmicos de baixa frequência.

Temos ainda um outro tipo de classicação de simetria que é importante considerar, a qual

depende da localização da operação de simetria. A simetria pode ser global, isto é, a operação

de simetria altera igualmente todo o ponto do espaço ou tempo ou ela pode ser local, quando as

operações de simetria afetam cada ponto independentemente. A simetria de calibre pode ser tanto

local quanto global, por exemplo. A tabela 1 exemplica algumas das simetrias e as propriedades

físicas associadas. A tabela 2mostra algumas simetrias e a consequência da quebra de simetria, os

sistemas físicos associados e modos elásticos (tabelas equivalentes mas mais completas podem ser

encontradas em PA e DG).

53
Tabela 2: Exemplos de algumas fases com quebra de simetria e suas propriedades. Extraído de
CL.

Quebra de ergodicidade O exemplo da água trás também uma transição de fase onde não

temos uma quebra de simetria. Embora seja nítida a diferença entre o líquido e o gás, inclusive

intuitivamente, não há nenhuma diferença de simetria nos dois sistemas. Ambos possuem completa

simetria espacial, tanto translacional como rotacional. Outros exemplos que se enquadram nessa

situação são as transições líquido-vidro e paramagnético-vidro de spin. Aqui devemos recuperar o

conceito de ergodicidade da mecânica estatística. Está claro que quando há quebra de simetria o

sistema quebra a ergodicidade e só podemos considerar esse conceito se excluirmos do espaço de

fase todos os pontos relacionados com as leis de conservação que o sistema possui. Esse mesmo

conceito é importante no caso das transições de fase onde não há quebra de simetria. A ergodicidade

pode ser quebrada pela compartimentalização do espaço de fase, de tal forma que algumas partes

do espaço de fase cam inacessíveis (quando há quebra de simetria) ou somente acessíveis com

muita diculdade (quando não há quebra de simetria mas há mudança de fase). As transições

para os líquidos, vidros e vidros de spin são exemplos de quebra de ergodicidade no espaço real.

Já a transição metal-isolante está associada a quebra de ergodicidade no espaço de momentos.

Em todos esses casos, há uma quebra de ergodicidade embora a simetria do sistema permaneça

a mesma. É possível generalizarmos o conceito de quebra de simetria para incluir a quebra de

ergodicidade, ou seja, uma assimetria na distribuição no espaço de fase. No entanto, essa é uma

54
área ainda está em desenvolvimento.

Finalmente, temos que considerar os últimos desenvolvimentos e o surgimento de um novo tipo

de ordem. O primeiro caso é o Efeito Hall Quântico Fracionário (FQHE- Fractional Quantum Hall

Eect ). Esse efeito, descoberto em 1982 por Tsui e colaboradores (ref. 25), tem características

diferentes do que costumávamos considerar na matéria condensada e exigiu novos desenvolvimen-

tos para sua compreensão. Um dos aspectos fundamentais e que nos interessa aqui é que o FQHE

apresenta muitas fases diferentes a temperatura nula as quais possuem a mesma simetria. Ou seja,

a teoria de quebra de simetria não permite descrever a situação física. Entre os novos desenvolvi-

mentos introduzidos para lidar com esse problema, o que nos interessa mais no nosso programa

de estudo é a introdução de uma ordem quântica/topológica. Mais recentemente, novos sistemas

físicos apresentam uma ordem topológica e têm sido objeto de intensa investigação (refs. 26 e 27).

Podemos sintetizar agora uma metodologia para estudar a matéria condensada ou, pelo menos,

boa parte dela, baseado no conceito de quebra de simetria e tendo o exemplo da água como

inspiração/paradigma. A tabela 3 sintetiza a ideia básica do curso.

55
Tabela 3: Diagrama dos estados de energia da matéria condensada esquematizados em função do
conceito de quebra de simetria. Extraído de DG.

8 Modelos e aproximações
O estudo da matéria condensada requer resolvermos um sistema de muitas partículas correla-

cionadas. Encontrar o estado fundamental desse sistema é um trabalho considerável. Encontrar

as suas excitações elementares ou seus estados excitados, pode ser uma tarefa intransponível. É

necessário encontrarmos formas de nos aproximarmos da solução mantendo um certo grau de con-

trole nas aproximações. A teoria do líquido de Fermi, introduzida por Landau, é uma primeira

aproximação que nos permite considerar sistemas de muitas partículas interagentes. Essencial-

mente, partimos do gás de partículas não interagentes e ligamos a interação adiabaticamente. A

teoria de Landau nos diz que podemos fazer uma associação um-a-um entre os estados do sistema

não-interagente e os novos estados após considerarmos a interação. Esses novos estados são quase-

56
partículas com a característica interessante de serem pouco interagentes e, portanto, no limite

podem ser considerados como um gás livre de quase-partículas ou tratar suas interações (fracas)

perturbativamente.

A forma mais simples de tratarmos problemas de muitas partículas interagentes é quando

estamos interessados em medias em grandes comprimentos de onda. Nesse caso, as utuações,

em geral, podem ser desprezadas e podemos aplicar o que se convencionou chamar de teoria do

campo medio. Esse modelo basicamente trata o sistema físico como um contínuo e será de grande

importância para nós. Em geral, ele permite uma descrição adequada do sistema físico nas fases a

baixas e altas temperaturas. A situação muda quando consideramos as regiões críticas, de transição

de fase, no entanto, as utuações tornam-se importantes, na verdade fundamentais. Nesse caso,

teorias de campo medio não são mais sucientes. Leis de escala e universalidades tornam-se

importantes. Mais precisamente, a teoria de grupo de renormalização será fundamental.

Devemos salientar que a importância das utuações depende crucialmente da dimensão do

sistema. Quanto maior a dimensão, menos importante são as utuações. No limite extremo de

uma dimensão, as utuações destroem todas as ordens de longo alcance e as transições de fase.

O problema aqui é simplesmente uma questão de conectividade. Em uma dimensão só é possível

passar a informação de um extremo a outro do sistema se não há nenhuma ruptura no caminho.

Para um sistema innitamente longo, qualquer utuação interrompe o uxo da informação. A única

ordem possível, portanto, é a zero Kelvin, quando não há nenhuma utuação térmica (pensando

no sistema classicamente). Em duas dimensões, no entanto, há outros caminhos possíveis para o

uxo de informação, embora menos do que em três dimensões. As utuações são sucientemente

fortes para destruir a ordem de longo alcance em duas dimensões mas não o suciente para impedir

as transições de fase. Ainda, as utuações não destroem a ordem de longo alcance para sistemas

que quebram simetrias discretas.

57
9 Um pouco de história
Como já comentado, o estudo da matéria sólida ou, mais amplamente, a matéria em estado con-

densado, foi uma área de grande aplicação da mecânica quântica. Por muitos anos, ela foi vista

apenas como uma área de aplicação dos princípios físicos. Foi somente mais adiante que ela ganha

o status de uma área de pesquisa própria. Nos anos 1930-1940 ela ganha o status de uma área de

pesquisa própria, com a descrição dos sólidos (cristalinos) por meio de bandas e com isso expli-

cando a diferença entre os isolantes e os condutores. Em 1940, F. Seitz publica um dos primeiros

livros fundamentais na área, Modern Theory of Solids. Finalmente, podemos simbolizar o novo

status da física do estado sólido com a criação da Divisão da Física de Estado Sólido pela So-

ciedade Americana de Física (American Physical Society - APS) em 1947. Com o crescimento do

estudo de outros sistemas, como metais líquidos, helio líquido, cristais líquidos e polímeros, por

exemplo, essa denominação passa a ser muito restritiva. Em particular, com o desenvolvimento de

uma nova forma, mais abrangente, de estudarmos a matéria não líquida (nem gasosa), a matéria

condensada, começa a consolidar-se o estudo da matéria condensada nos anos 70-80. Uma das

primeiras sínteses no assunto é feita por P.W. Anderson nos anos 60 com o livro Concepts in

Solids e, posteriormente, em 1985 com o livro Basic Notions of Condensed Matter Physics. Em

1978 a APS muda o nome dessa divisão para Divisão da Física da Matéria Condensada. Por cu-

riosidade, vale mencionar que o Departamento de Física do Estado Sólido e Ciência dos Materiais

do IFGW-Unicamp alterou seu nome para Departamento de Física da Matéria Condensada em

2001.

10 Programa do curso
O objetivo do nosso curso é desenvolver um conhecimento sobre a matéria condensada partindo dos

princípios mais gerais. O curso difere do tradicional curso de Estado Sólido. Parte-se da premissa

que um curso de Introdução à Física do Estado Sólido, ou similar, é parte do conhecimento de um

estudante formado em física. Notas de aula sobre um curso desse tipo encontram-se disponíveis

58
na página para consulta/estudo caso se faça necessário. Como a tradição até hoje do curso de

Matéria Condensada I e II no IFGW foi similar a um curso de Estado Sólido, procuraremos

manter um contato com a descrição microscópica e a teoria de bandas sempre que for conveniente.

Mais importante, é nossa intenção buscar construir um curso que consiga mesclar uma descrição

da matéria condensada partindo da proposta de Anderson (PA), baseada na teoria de quebra de

simetria de Landau e uma descrição microscópica. Ainda, como é o primeiro ano que o curso é

oferecido com essa estrutura, o curso poderá sofrer modicações ao longo do ano (pensando em

um curso em duas partes ou dois semestres).

Feita essa observação, vamos a proposta do nosso curso. O livro que mais se aproxima do livro

texto é o CL. Ele será a principal referência do curso. Após essa introdução, vamos discutir as

diferentes interações entre as partículas. Daremos sequência com um capítulo sobre estruturas,

simetrias, espalhamento e correlações. Basicamente, as simetrias e estruturas dos sistemas físicos

serão discutidas. A correlação entre as partículas, grandeza fundamental, será discutida e a forma

de medirmos, i.e., o espalhamento, será abordada. Incluiremos aqui uma breve discussão sobre

topologia, embora isso será objeto mais detalhado no curso II. No capítulo seguinte discutiremos

as bases teóricas que serão trabalhadas. Uma revisão da mecânica estatística será feita, seguido

de uma rápida introdução de segunda quantização. A seguir a teoria de líquido de Fermi será

discutida. O capítulo seguinte será dedicado a discussão sobre quebra de simetria e parâmetro

de ordem. A teoria de campo médio será introduzida a seguir onde algumas transições de fase

serão discutidas. Nesse capítulo faremos uma discussão de vários sistemas físicos a partir do

ponto de vista microscópico. Isso servirá para retomar parte dos conceitos introduzidos em um

curso tradicional de Estado Sólido mas, principalmente, para fazer uma ligação entre a teoria

microscópica e a teoria macroscópica media que estamos adotando, de forma geral, para a matéria

condensada. No capítulo seguinte discutiremos como as utuações modicam os resultados da

teoria de campo medio e, em particular, o aparecimento da rigidez e dos modos elásticos associados

a ela. O capítulo seguinte discute as utuações térmicas dos modos elásticos e suas consequências.

Possivelmente o curso I encerra aqui. A sequência, curso II, começaria pela discussão dos fenômenos

59
dinâmicos, função resposta e, essencialmente, como o sistema responde a uma perturbação externa.

No capítulo seguinte consideramos as equações hidrodinâmicas do sistema, oriundas da quebra de

simetria. Aqui, novamente, procuraremos incluir uma conexão entre a descrição microscópica e a

descrição macroscópica. No capítulo seguinte consideramos os defeitos topológicos, incluindo as

paredes de domínios. Finalmente, no último capítulo consideramos outras formas de ordem. Em

particular, discutiremos o caso dos vidros de spin e a ordem topológica, incluindo o efeito Hall

quântico e os isolantes topológicos.

60
Programa

PARTE I (Curso I)
Capítulo 1 - Introdução
Capítulo 2 - Interações na matéria condensada
Capítulo 3 - Estrutura e espalhamento
3.1 - Estruturas: cristais, uidos, quase-cristais, cristais líquidos, amorfos, ...

3.2 - Correlações

3.3 - Espalhamento

3.4 - Simetrias e Topologia

Capítulo 4 - Termodinâmica e Física Estatística (Revisão)


Capítulo 5 -Quebra de Simetria e parâmetro de ordem
Capítulo 6 - Teoria de Campo Médio
Capítulo 7 - Universalidade e escalonamento
Capítulo 8 - Teoria de Grupo de Renormalização
Capítulo9 - Teoria generalizada de elasticidade
Capítulo 10 - Defeitos topológicos e paredes de domínio

PARTE II (Curso II)


Capítulo 11 - Correlação e função resposta
Capítulo 12 - Hidrodinâmica
Capítulo 13 - Modelos microscópicos e continuidade macroscópica
13.1 Teoria do líquido de Fermi

13.2 Teoria do funcional de densidade

Capítulo 14 - Modelos microscópicos


14.1 Magnetismo

14.2 Supercondutividade

14.3 Sistemas nanométricos

61
Capítulo 15 - Outros tipos de ordem
15.1 - Quebra de ergodicidade: vidros de spin

15.2 - Ordem topológica: efeito Hall quântico, isolantes topológicos

Capítulo 16 - Estados quânticos da matéria

62
Referências
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