Guia Pratico de Ferramentas Institucionais

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GUIA PRÁTICO DE

FERRAMENTAS
INSTITUCIONAIS
SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Secretária de Comunicação Social
Presidente Cristine Genú
Ministra Rosa Weber Chefe da Seção de Comunicação Institucional
Corregedor Nacional de Justiça Stanlei Carvalho
Ministro Luis Felipe Salomão Revisão
Conselheiros Emmanuelle Lamounier Lemes
Ministro Vieira de Mello Filho Capa e diagramação
Mauro Martins Laianny Gonçalves Mangabeira
Salise Sanchotene
Jane Granzoto 2023
Richard Pae Kim
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Marcio Luiz Freitas
SAF SUL Quadra 2 Lotes 5/6 - CEP: 70070-600
Giovanni Olsson
Endereço eletrônico: www.cnj.jus.br
Sidney Pessoa Madruga
João Paulo Santos Schoucair
Marcos Vinícius Jardim
Marcello Terto e Silva
Mário Goulart Maia
Luiz Fernando Bandeira de Mello

Secretário-Geral
Gabriel da Silveira Matos
Secretário Especial de Programas,
Pesquisas e Gestão Estratégica
Ricardo Fioreze
Diretor-Geral
Johaness Eck

Equipe do Projeto
Dayse Starling Motta, patrocinadora do projeto, juíza
Auxiliar da Presidência – CNJ
Angela Maria dos Santos: gerente do projeto – CNJ
Karine Dias Rocha: colaboradora – CNJ
Raquel Rodrigues Barbosa de Souza: redatora – PNUD

Redação
Raquel Rodrigues Barbosa de Souza
CONTEÚDO

1. SUMÁRIO EXECUTIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2. INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

3. CAIXA DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3.1. DESCRIÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DE DEMANDAS COMPLEXAS: PROMOVER SO-


LUÇÕES CONSENSUAIS, SIMPLIFICAR TAREFAS, OBTER EQUILÍBRIO NA DISTRIBUIÇÃO DO
TRABALHO E EFICIÊNCIA NA RESOLUÇÃO ADEQUADA DO CONFLITO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3.2.1. CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA (CEJUSC) E ESTRUTU-


RAS DE COLABORAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3.2.2 UTILIZANDO OS MÉTODOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE DEMANDAS COMPLEXAS


ANTES DA RESPOSTA DO RÉU (ART. 334 CPC E RESOLUÇÃO CNJ N. 125/10). . . . . . . . . . . . . . . . . 12

3.2.3 UTILIZANDO OS MÉTODOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE DEMANDAS COMPLEXAS


NO CURSO DO PROCESSO (ART. 3º, §§ 2º E 3º CPC E A RESOLUÇÃO CNJ N. 125/10). . . . . . . . . . 12

3.2.4. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS (ART. 190 CPC E A RESOLUÇÃO CNJ N. 125/10). . 14

4. RESOLUÇÕES CNJ N. 385 E 398/2021 – NÚCLEOS DE JUSTIÇA 4.0; E RESOLUÇÃO CNJ N.


375/2021 – EQUIPES DE TRABALHO REMOTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

4.1. DESCRIÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

4.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DAS DEMANDAS COMPLEXAS: TRANSPOSIÇÃO


DE FRONTEIRAS TERRITORIAIS E COMPETÊNCIA ADEQUADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

4.2.1. NOVOS ARRANJOS DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E ESTRUTURAS DE COLABORAÇÃO . . 17

5. RESOLUÇÃO CNJ N. 350/2020 – COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

5.1. DESCRIÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

5.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DAS DEMANDAS COMPLEXAS: SINERGIA . . . . . . . 23

5.2.1. JUIZ(A) COLABORADOR(A), JUIZ(A) CONSULTOR(A), MUTIRÃO DE JUÍZES(AS), JUIZ(A)-


-AUXILIAR, GESTÃO DE TRANSIÇÃO DE JUÍZES(AS) E OUTRAS POSSIBILIDADES
CONSENS AIS DE COLABORAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

5.2.2. COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA E COMPETÊNCIA ADEQUADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

6. RESOLUÇÃO CNJ N. 349/2020: CENTROS DE INTELIGÊNCIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

6.1. DESCRIÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

6.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DAS DEMANDAS COMPLEXAS: GESTÃO PROCES-


SUAL, FORMAÇÃO DE EQUIPES DE TRABALHO REMOTO E EFICIÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
7. RESOLUÇÃO CNJ N. 395/2021: LABORATÓRIOS DE INOVAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

7.1. DESCRIÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

7.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DAS DEMANDAS COMPLEXAS: ESPAÇO INSTITU-


CIONAL DE EXPERIMENTAÇÃO A SERVIÇO DA CRIATIVIDADE DO(A) MAGISTRADO(A) . . . . 30

8. PORTARIA CONJUNTA CNJ/CNMP N. 1/2019 - OBSERVATÓRIO DE CAUSAS DE GRANDE


REPERCUSSÃO - “OBSERVATÓRIO” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
8.1. DESCRIÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

8.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DE DEMANDAS COMPLEXAS: OBSERVAÇÃO,


ACOMPANHAMENTO E COLABORAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

9. NOVA FERRAMENTA: PROPOSTA DE CRIAÇÃO DE COMISSÃO DE APOIO À SOLUÇÃO DE


DEMANDAS COMPLEXAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

10. CONCLUSÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

10.1. CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

10.2. RESUMO DAS FERRAMENTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40


1. SUMÁRIO EXECUTIVO

› O presente Guia Prático foi elaborado pela equipe do Projeto Demandas Complexas (Pro-
jeto) para mitigar a questão da solidão institucional, a qual foi definida pelo grupo focal de
magistrados(as) sob a percepção da falta de apoio institucional ao(à) juiz(a) que assume um
processo complexo. O Guia Prático deve ser visto como documento em aberto, pois as de-
mandas complexas inserem tanto o(a) magistrado(a) quanto o Poder Judiciário em cenário
desafiador e, ainda, sem respostas definitivas. Ademais, essa iniciativa encontra-se alinha-
da às diretrizes da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição
(Resolução CNJ n. 194/2014).

› O documento apresenta seis ferramentas institucionais atualmente vigentes, sugestões de


utilização associada a esses recursos, além da indicação de exemplos práticos selecionados
da revisão bibliográfica e também das pesquisas realizadas com o grupo focal de magistra-
do(a)s que auxiliam o Projeto. O Guia não determina uma fórmula padrão a ser seguida. A
escolha e o modo de utilização de uma ou mais ferramentas dependem da especificidade
do processo e da percepção do(a) magistrado(a) sobre os contornos do caso. As ferramentas
podem e devem ser utilizadas de modo conjugado.

Ferramenta 1:
Resolução CNJ n. 125/2010 – Meios Adequados de Solução de Conflitos
Além de promover soluções consensuais para a resolução adequada do conflito, oferece a pos-
sibilidade de cisão das partes menos complexas da demanda. Facilita, assim, a condução da
causa ao simplificar algumas tarefas ou atos processuais; auxilia no alcance de equilíbrio, em
relação à distribuição do trabalho; e permite que o(a) magistrado(a), responsável pela condução
do processo, atue de forma mais centrada e eficiente nos aspectos substanciais da demanda.

Ferramenta 2:
Resoluções CNJ n. 385 e 398/2021– Núcleos de Justiça 4.0; e Resolução CNJ n. 375/2021 –
Equipes de Trabalho Remoto
Os principais benefícios dessa ferramenta são: (i) flexibilidade – observadas as peculiaridades
e cautelas necessárias para criação de unidades judiciárias com enfoque na especialização,
sob a perspectiva de competência adequada;; aprimora a qualidade da prestação jurisdi-
cional; e (ii) utilização em casos sensíveis nos quais a segurança e a integridade física do(a)
magistrado(a) residente na comarca estejam ameaçadas.

Ferramenta 3:
Resolução CNJ n. 350/2020 – Cooperação Judiciária
É o “canivete suíço” das ferramentas. Possui grande sinergia com os demais recursos
institucionais do Guia. Viabiliza adoção de técnicas desburocratizadas; tem grande potencial
de auxiliar o(a) juiz(a) na demanda complexa na obtenção de força de apoio de outros(as) ju-
ízes(as); equilíbrio na distribuição de trabalho bem como na estruturação de equipe; e torna
possível o desempenho em rede na qual os(as) magistrados(as) das causas complexas atuam
de forma engajada em prol de um objetivo comum, melhorando a prestação jurisdicional.

Ferramenta 4:
Resolução CNJ n. 349/2020 – Centros de Inteligência
trata-se de ferramenta com vocação para incrementar a inteligência organizacional do juízo
da demanda complexa. Fornece informações gerenciais. Possibilita aos tribunais e magistra-
dos(as) de demandas complexas gestão processual cooperativa, via diálogo interinstitucional
em busca de soluções sistêmicas. É obrigatória consulta prévia aos Centros de Inteligência

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na formação de Equipes Remotas Virtuais, isto é, forças-tarefas virtuais de juízes(as) e servi-
dores(as), bem como atuação cooperativa entre tais equipes e os Centros (Resolução CNJ n.
375/2021).

Ferramenta 5:
Resolução CNJ n. 395/2021 – Laboratórios de Inovação
Terreno fértil para exercício da criatividade do(a) magistrado(a) responsável pela condução da
causa complexa. Espaço institucional de experimentação e sem hierarquias. Permite apresen-
tação de ideias de modo mais livre, aberta a críticas em diálogos multidisciplinares coopera-
tivos dentro e fora do Judiciário. Uma das linhas de atuação dos laboratórios é em relação a
questões/problemas sem soluções óbvias ou já previstas em leis ou regulamentos. Inovação
não é sinônimo de uso de tecnologias, pode ser relacionada a algum aspecto da demanda
complexa, do acervo, da organização/estrutura do gabinete ou da equipe de apoio do(a) ma-
gistrado(a).

Ferramenta 6:
Portaria Conjunta n. 1/2019 (CNMP/CNJ) - Observatório de Causas de Grande Repercussão
Possui vocação de facilitar a interação do Poder Judiciário com outros segmentos do Poder
Público, da sociedade civil e especialistas, ampliando os espectros de solução do litígio com-
plexo. Órgão macrogestor com grande capacidade de mobilização.

› Adicionalmente, o Guia recomenda criação, por parte dos tribunais, de nova ferramenta de-
nominada Comissão de Apoio à Solução de Demandas Complexas (CASDC), fornecendo pre-
missas básicas a serem observadas na elaboração do ato normativo.

› A maioria das resoluções examinadas no Guia é muito recente e sua utilização ainda está em
fluxo progressivo de construção. As respostas serão vivenciadas e amadurecidas ao longo do
tempo de modo que a própria configuração atual das ferramentas apresentadas poderá ser
ajustada e aperfeiçoada no futuro.

› Inobstante o caráter geral e uniforme dos recursos institucionais indicados no Guia, não se
pode desconsiderar o importante papel do(a) juiz(a) nas demandas complexas. A abordagem
contemporânea envolvendo tais processos implica em crescente posição relacionada à ativi-
dade e à criatividade do(a) magistrado(a) em abandono a posturas de mero(a) espectador(a).
Essas habilidades devem sempre acompanhar as balizas constitucionais e legais bem como
o compromisso com a imparcialidade, o contraditório, a cooperação e a igualdade entre as
partes.

› Melhor desempenho da atividade judicial mediante aplicação das ferramentas apresentadas


no Guia, em consonância com o art. 37 da Constituição Federal e o art. 8o do Código de Proces-
so Civil, fortalece as garantias fundamentais dos jurisdicionados e revigora a confiança da so-
ciedade com o Sistema de Justiça. Eficiência e justiça são princípios complementares entre si.

› Eficiência para esse tipo singular de demanda deve ser compreendida e mensurada de acor-
do com as nuances, as peculiaridades e as exigências específicas envolvendo os processos
complexos. Os exemplos práticos e as formas de utilização das ferramentas apresentadas no
Guia demonstram que outras variáveis devem ser consideradas a partir da avaliação da efici-
ência processual para tais litígios.

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2. INTRODUÇÃO

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Poder Judiciário tem recebido cada vez mais demandas estruturais da sociedade que, por
serem complexas, exigem organização diferenciada do Sistema de Justiça para respondê-las
de forma adequada. Essas demandas, por sua vez, envolvem conflitos de natureza plurifatorial
e policêntricos, não solucionáveis pelo processo civil tradicional, mais voltados à solução de
conflitos individuais, com forte índole adversarial. Assim, para a resolução dos litígios com-
plexos, faz-se necessário que o Sistema de Justiça atue de forma dialógica e colaborativa,
fomentando o aperfeiçoamento de instituições e políticas públicas capazes de concretizar os
direitos fundamentais.

Dentro desse quadro, o Projeto Demandas Complexas (Projeto) tem por objetivo estruturar o
Poder Judiciário e suas conexões com o Sistema de Justiça e as demais instituições públicas
para responder de forma cooperativa, célere e articulada tais litígios. O Projeto utiliza nova
metodologia de gestão de projetos fundamentada na entrega de benefícios, trabalhando em
ciclos curtos com ganhos rápidos. Nesse particular, foram definidos três principais benefícios:

1. Promover segurança aos magistrados e às equipes quando trabalharem com demandas


complexas;
2. Melhorar a percepção da sociedade de que o Judiciário está cumprindo seu papel em
relação às demandas complexas e que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um ator de
governança e integração com os demais atores nesse contexto, respondendo diretamente
ao objetivo estratégico 07 do Planejamento Estratégico do CNJ; e
3. Incrementar a eficiência (tempo e custo) no trâmite das demandas complexas, especial-
mente na fase de execução, respondendo diretamente aos macrodesafios da Estratégia
Nacional ao qual o projeto se subscreve, qual seja, agilidade e produtividade na prestação
jurisdicional.

A Etapa 1 do Projeto entregou diagnóstico sobre a percepção de magistrados(as), defen-


sores(as) e procuradores(as) acerca das principais questões que impactam o julgamento e
a execução dessas demandas. Ainda nessa etapa, os(as) magistrados(as) priorizaram duas
questões, entre as 15 apontadas no diagnóstico, como as mais relevantes para tratamento
imediato: (i) ausência de inspeções judiciais; e (ii) solidão institucional.

A Etapa 2 do Projeto iniciou os encaminhamentos para as duas questões priorizadas pelo gru-
po focal de magistrados(as). Em relação à ausência de inspeções judiciais, decidiu-se abordar
o tema com o auxílio do laboratório de inovação (iJusplab) do Tribunal Regional Federal da
3ª Região (TRF 3), – Ijusplab. Na Etapa 4 do Projeto, foram realizados webinários, oficinas e
outras dinâmicas ágeis, além de procedimentos que resultaram em três protótipos com foco
em solucionar a questão da ausência de inspeção judicial.

A solidão institucional, por sua vez, foi definida como percepção de falta de apoio institu-
cional ao(à) juiz(a) que assume um processo complexo; notadamente falta de apoio técnico/
administrativo/estratégico, incluindo ausência de estrutura na vara, equipe reduzida e falta
de apoio político para atuar de forma interinstitucional, considerando os diversos interesses
envolvidos bem como os múltiplos impactos no âmbito social, econômico e ambiental.

Considerando essa perspectiva, a equipe do Projeto propôs a utilização do que se denominou


“Caixa de Ferramentas”, a qual contém seis recursos institucionais disponíveis atualmente
aos(às) magistrados(as), além da sugestão de criação de uma nova ferramenta denominada
“Comissão de Apoio à Solução de Demandas Complexas” (CASDC). A partir dessa proposta,
iniciou-se a construção conjunta com os(as) magistrados(as) da equipe do Projeto do presen-
te Guia Prático, promovendo a revisão bibliográfica das ferramentas e consultas aos reposi-

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tórios na internet dos Tribunais e do CNJ. Assim, esse Guia apresenta as ferramentas e indica,
de modo meramente exemplificativo, possibilidades de utilização de tais recursos bem como
de alguns casos concretos no âmbito das demandas complexas. A amostra de casos con-
cretos mencionada neste documento, por sua vez, foi selecionada a partir da revisão biblio-
gráfica, assim como de relatos e documentos produzidos pelo grupo focal de magistrado(a)
s do Projeto. Ademais, a presente iniciativa tem como foco prioritário o aperfeiçoamento da
qualidade, celeridade, eficiência, eficácia e da efetividade dos serviços judiciários da primeira
instância dos tribunais no tocante aos processos complexos, em alinhamento com a Política
Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição (Resolução CNJ n. 194/2014).

Importante destacar que as demandas complexas inserem o(a) magistrado(a) em terreno de-
safiador e ainda, sem respostas definitivas, pois muitas das especificidades desse tipo de pro-
cesso se fixam na fronteira do conhecimento jurídico, além de mudarem com o decorrer do
tempo. Isso, por sua vez, exige adaptabilidade e inovação por parte do(a) juiz(a) e do próprio
Poder Judiciário. Dentro desse contexto, o objetivo do presente Guia Prático é divulgar a “Cai-
xa de Ferramentas”, bem como apresentar sugestões gerais de utilização dos instrumentos
institucionais ali contidos no âmbito das demandas complexas, destacando alguns exemplos
concretos. Entende-se que as ferramentas institucionais contidas nesse documento minimi-
zem determinados aspectos associados à solidão institucional. Esses mecanismos indicados,
por sua vez, podem e devem ser utilizados de modo combinado, em sinergia, otimizando a
atividade jurisdicional e a eficiência nessas demandas específicas.

Ressalta-se que a abordagem contemporânea envolvendo processos complexos implica em


crescente posição de maior atividade e criatividade do(a) juiz(a) em abandono a posturas de
mero(a) espectador(a), visando – sem comprometer a imparcialidade, o contraditório, a coo-
peração e a igualdade entre as partes – a obtenção da pacificação social e da manutenção da
ordem jurídica. Assim, apesar de esse Guia Prático apresentar algumas diretivas, o presente
documento é aberto e dinâmico, sem pretensão de esgotar o tema, impor soluções nem in-
dicar exemplos concretos de modo exaustivo. Encoraja-se que os(as) juízes(as) atuantes em
demandas complexas tomem o Guia Prático como ponto de partida, adequando as sugestões
propostas às peculiaridades de cada caso concreto à realidade da região e do tribunal, man-
tendo diálogo constante com o CNJ.

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3. CAIXA DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS

Resolução CNJ n. 125/2010 - Meios Adequados de Solução de Conflitos

3.1. DESCRIÇÃO

A Resolução CNJ n. 125/2010 , por meio da qual foi instituída no Brasil política pública de
tratamento adequado aos conflitos jurídicos via soluções por autocomposição, dispõe no pa-
rágrafo único do art. 1º:

Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do Código de Pro-
cesso Civil de 2015, combinado com o art. 27 da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei de
Mediação), antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de
soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e
a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.

O Código de Processo Civil (CPC) valoriza expressamente a utilização de formas consensu-


ais de solução de conflitos e estabelec como norma fundamental do processo que a con-
ciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos devem ser esti-
mulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público,
inclusive no curso do processo judicial, ampliando o escopo para todo o Sistema de Justiça
(art. 3º, §§ 2º e 3º, CPC).

3.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DE DEMANDAS COMPLEXAS: PROMOVER SO-


LUÇÕES CONSENSUAIS, SIMPLIFICAR TAREFAS, OBTER EQUILÍBRIO NA DISTRIBUIÇÃO DO
TRABALHO E EFICIÊNCIA NA RESOLUÇÃO ADEQUADA DO CONFLITO

Além de promover soluções consensuais para a resolução adequada do conflito, a ferramenta


possibilita a cisão das partes menos complexas da demanda facilitando sua condução ao sim-
plificar algumas tarefas ou atos processuais; e auxilia igualmente na obtenção de equilíbrio
na distribuição do trabalho permitindo que o(a) magistrado(a) responsável pela condução
do processo atue de forma mais centrada e eficiente nos aspectos substanciais da causa. A
eficiência também pode ser obtida pela combinação das demais ferramentas institucionais,
como: cooperação judiciária, observatório de causas de grande repercussão e/ou laboratórios
de inovação, com negócios jurídicos processuais no curso da ação. Ressalte-se que os exem-
plos e as sugestões contempladas na presente seção, conforme destacado na introdução, não
esgotam o tema, podendo ser adaptadas e acrescidas pelo(a) magistrado(a) considerando as
peculiaridades do caso, a realidade da região e do tribunal.

3.2.1. CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA (CEJUSC) E ESTRU-


TURAS DE COLABORAÇÃO

A condução de demandas complexas e a utilização eficaz de métodos adequados de resolução


de conflitos exigem planejamento estratégico prévio. Essa estruturação inclui levantamento
e mapeamento, já na fase inicial, dos pontos mais controvertidos aos mais simples envol-
vendo a demanda, antecipação de possíveis problemas, organização das questões pautadas,
adequação do fluxo procedimental, organização das comunicações com as partes, identifi-
cação de necessidade de audiências públicas, dimensionamento da equipe e das estruturas
adequadas para atuação no caso, entre outros aspectos. Algumas dessas atividades podem
ser objeto de colaboração direta de representante do CEJUSC, em auxílio ao(à) magistra-
do(a) da causa complexa bem como em associação com a ferramenta cooperação judiciária
(vide item 3).

O auxílio de representante do CEJUSC, por exemplo, pode ocorrer em todas as fases do pro-
cesso complexo, inclusive, a depender da situação concreta na fase pré-processual, em asso-
ciação à ferramenta cooperação judiciária (vide item 3), além da mediação/conciliação em si,

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pois o envolvimento de representante do órgão no planejamento estratégico permite identifi-
car previamente e endereçar pontos viáveis para soluções mediante acordo. No momento do
planejamento estratégico inicial, é possível contar ainda com o apoio do(a) juiz(a) consultor(a)
externo(a) com experiência nesse tipo de demanda, também em conjunto com a ferramenta
cooperação judiciária, conforme previsto no art. 6o, XXI, da Resolução CNJ n. 350/2020 ou em
outros moldes permitidos na Resolução (vide item 3).

Esse planejamento inicial colaborativo permite que o(a) magistrado(a) da causa complexa
consiga mapear aspectos fático-jurídicos, antever possíveis problemas e dimensionar aspec-
tos organizacionais que demandem cooperação judiciária adicional em termos de compar-
tilhamento, de modo temporário, de infraestrutura e equipes de servidores(as), entre outros
arranjos consensuais, com objetivo de alcançar eficiência na prestação jurisdicional do caso
(art. 6o, Resolução CNJ n. 350/2020). Ressalte-se que a cooperação pode ocorrer entre juízos
de tribunais distintos, inclusive de ramos diferentes do Poder Judiciário, desde que devida-
mente informados aos respectivos tribunais para conhecimento (art. 11, § 5o, Resolução CNJ n.
350/2020). Há possibilidade também de cooperação interinstitucional “entre quaisquer insti-
tuições, do sistema de justiça ou fora dele, que possam contribuir para a execução da estra-
tégia nacional do Poder Judiciário, promover o aprimoramento da administração da justiça,
a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional” (art. 16, Resolução CNJ n. 350/2020).

Dentro desse quadro, há bastante sinergia com a ferramenta cooperação judiciária a qual per-
mite que o(a) juiz(a) condutor(a), em todas as fases do processo, conte com o auxílio de juiz(a)
colaborador, juiz(a) consultor(a) externo, mutirão de juízes, compartilhamento temporário de
infraestrutura e equipes de auxiliares de justiça, incluindo servidores(as), entre outros arran-
jos consensuais dentro do mesmo tribunal, em tribunais diferentes, ramos da justiça distintos,
além de colaboração interinstitucional (art. 6o, art. 11, §5º, art. 16 da Resolução CNJ n. 320/20).

Portanto, a ferramenta de cooperação judiciária pode ser utilizada de forma abrangente e,


em associação à ferramenta de mediação/conciliação, otimizando a distribuição de trabalhos
como a atuação do juiz(a) colaborador(a) nas mediações/conciliações; assessoria do juiz con-
sultor ao juiz condutor na viabilização de acordos; e a estruturação da equipe de apoio nas
várias rodadas de negociações, reuniões técnicas, mesas de autocomposição, na produção
de documentos e demais aspectos necessários para construção e finalização de acordo du-
rante o trâmite da demanda complexa. A título de exemplo, conforme relato de juiz federal
integrante do grupo focal de magistrados(as) do Projeto e, atualmente auxiliar da Presidência
do Tribunal Regional Federal da 3ª região (TRF 3), esse tribunal já utiliza a plataforma interins-
titucional prevista na ferramenta cooperação judiciária em mesas de autocomposição, em
matérias com tema ambiental, indígena e saúde.

Outra questão envolvendo associação dessas ferramentas, diz respeito à designação, pelo
Tribunal Regional Federal da 5ª região (TRF 5), de juiz consultor externo em demanda com-
plexa de execução fiscal, em trâmite na 6ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte;
a decisão permitiu que um segundo magistrado, lotado em outra seção judiciária e sem fun-
ção jurisdicional no processo, colaborasse com o juiz de primeira instância na construção de
soluções entre as partes. O juiz federal que estudou o caso sobre a mencionada ação, cons-
tatou três benefícios propiciados pela participação de juiz consultor externo no processo: 1)
o relativo distanciamento do juiz consultor possibilitou a identificação de oportunidades de
conciliação em que o juiz titular, por encontrar-se inserido no ambiente altamente conflituoso
da lide, não teria condições de visualizar facilmente sozinho; 2) o juiz consultor compartilhou
experiências prévias em ações similares e estratégias de sucesso utilizadas; e 3) o juiz consul-
tor serviu como “juiz de contenção” ao acompanhar os atos processuais e dialogar constante-
mente com o magistrado titular da ação, evitando que eventuais soluções arbitrárias fossem
adotadas em nome da flexibilidade procedimental necessária nas demandas complexas.

Vinculando ambas ferramentas à Resolução CNJ n. 375/2021 (vide item 2), é possível ainda
utilizar equipes de trabalho remotas, integradas por magistrados(as) e servidores(as) de tri-

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 10


bunais diversos, em forças-tarefas especializadas para auxiliar em determinado ponto con-
trovertido abrangendo a conciliação/mediação ou a demanda complexa e considerando,
nos próprios termos da referida Resolução que (i) “competências, talentos e expertises dos
recursos humanos que compõem o Poder Judiciário encontram-se, não raro, dispersas em
diferentes comarcas e unidades federativas”; (ii) “o trabalho remoto e as novas tecnologias
permitem a reunião e a integração de especialistas das mais diversas localidades”; e (iii) “a im-
portância do trabalho em equipe e da cooperação entre pessoas para a construção soluções
inovadoras e criativas”.

Assim, uma vez estruturado plano conjunto de ação e de execução, o CEJUSC tem potencial
de tornar-se órgão aliado ao(à) juiz(a) da causa complexa em mediações/conciliações, possi-
bilitando que o(a) mediador(a)/conciliador(a) ou juiz(a) responsável pelo CEJUSC atuem de
forma mais propositiva e decisória. Ademais, a relação estreita entre o(a) magistrado(a) e o
CEJUSC em demandas complexas permite também, dependendo das especificidades do
caso concreto e da avaliação do(a) juiz(a) responsável, que determinada decisão interlocutória
proferida no curso do processo sobre algum ponto específico aumente as chances de compo-
sição entre as partes.

Outra forma de utilização do CEJUSC como aliado do(a) juiz(a) da demanda complexa é va-
ler-se do órgão para realização de audiências e acordos em processos mais simples do acervo
do(a) magistrado(a). A atuação do CEJUSC nesses casos menos complicados é uma possibili-
dade adicional de colaboração do órgão para auxiliar o(a) magistrado(a) de demandas com-
plexas e também para o equilíbrio de tarefas, conferindo maior dedicação de tempo da vara
judiciária ao(s) processo(s) de alta complexidade. Exemplificando, conforme relato de juíza fe-
deral integrante do grupo focal de magistrados(as) do Projeto, a 7ª Vara Federal do Amazonas
utiliza o CEJUSC como local para audiências de acordos de não persecução penal e transação
penal, fato esse que permite às tentativas de conciliação em ações civis públicas e às suspen-
sões condicionais do processo permanecerem com a juíza responsável pela vara, em paralelo
às audiências de instrução de feitos cíveis e criminais.

A conjugação com a ferramenta “Laboratórios de Inovação” (vide item 5) também é possível,


especialmente se considerar que inovação não significa necessariamente tecnologia, poden-
do-se inovar, por exemplo, no fluxo de trabalho e organizacional da equipe de apoio do(a)
magistrado(a) para otimizar tempo e distribuição de tarefas ou automação de determina-
das rotinas do gabinete minimizando assim, aspectos relacionados à ausência de estrutu-
ra de equipe. Conforme explicação de juiz federal sobre inovação na Justiça Federal de São
Paulo, um dos papeis dos laboratórios é justamente examinar questões complexas para as
quais não existam respostas óbvias ou já regulamentadas em leis. 1 Trata-se, assim, de espaço
institucional de experimentação na base da tentativa, do erro e da aprendizagem- no qual
tanto problemas relacionados à mediação/conciliação da demanda em si ou outros podem
ser abordados quanto problemas organizacionais do gabinete, aperfeiçoando as rotinas. A
abordagem de questões sobre demanda complexa ou organizacionais do gabinete no espaço
multidisciplinar dos laboratórios, permite pensar em soluções de forma mais livre, interativa,
sem subordinação hierárquica entre os(as) participantes. O fato de os laboratórios serem am-
bientes de experimentação permite, ainda, testar as ideias, identificando e corrigindo erros
antes de definir a solução.2 Em outro exemplo, a juíza da 2ª Vara Federal de Porto Alegre, do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4), utilizou o Laboratório de Inovação da Justiça
Federal do Rio Grande do Sul (Inovatchê) para facilitar a construção coletiva de acordo, no

1. De Lima, Caio Moysés. Laboratórios de Inovação e Tecnologia In: Lunardi, F. C e Clementino, M. B. M (coord.). Inova-
ção Judicial: Fundamentos E Práticas Para Uma Jurisdição De Alto Impacto. Brasília: Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam. 2021, pp. 107-142

2. Ibidem.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 11


âmbito da demanda complexa, envolvendo direitos fundamentais da população em situação
de rua (vide item 5).

Há também a possibilidade de associação com a ferramenta: “Observatório de Causas de


Grande Repercussão” e “Observatório” (vide item 6). No caso “Mariana”, o Observatório promo-
veu capacitação de servidores do Judiciário em negociações de causas complexas, workshops
com foco em barragens3, além de estar atualmente auxiliando na repactuação do acordo
Rio Doce.

3.2.2 UTILIZANDO OS MÉTODOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE DEMANDAS COMPLEXAS


ANTES DA RESPOSTA DO RÉU (ART. 334 CPC E RESOLUÇÃO CNJ N. 125/10)

O levantamento e o mapeamento prévios dos pontos mais controvertidos e simples envolven-


do a demanda quando do planejamento estratégico (vide item 1.2.1), pode auxiliar nessa etapa
na qual a tentativa de mediação/conciliação ocorre antes do oferecimento da resposta do réu.
Em se tratando de processo complexo, há maior viabilidade de autocomposição, nessa fase,
sobre a parcela menos controvertida da demanda, questões periféricas ou específicas do pro-
cesso. O benefício é possibilitar a resolução dos pedidos mais simples por meio da autocom-
posição e do apoio do CEJUSC, resguardando o poder decisório do(a) magistrado(a) da causa
para as questões nas quais o acordo ainda não se mostrar viável naquele momento.

Conjugado à ferramenta “Laboratório de Inovação” (vide item 5), pode-se desenvolver, por
exemplo, instrumento que ao mesmo tempo: (i) identifique o processo como demanda com-
plexa estabelecendo tramitação prioritária e tratamento diferenciado, desde o início, dentro
do tribunal; e (ii) conforme destacado por juíza da 5ª Vara Federal de Belém, integrante do
grupo focal de magistrado(a)s do Projeto, a opção é que a ferramenta sugira, dentro da lógi-
ca de etiquetas presente em alguns sistemas informatizados como, por exemplo, Processo
Judicial Eletrônico (PJE), a mediação/conciliação no momento da distribuição da ação, neste
último caso, através de uma opção a ser selecionada pela parte. Caso haja alternativa pela
mediação/conciliação, o juiz, no momento do despacho inicial ou da apreciação da medida
liminar, determinaria a citação da parte contrária com advertência para que se manifeste
especificamente sobre o interesse em tentar a mediação/conciliação. Ao final do ato judicial,
deveria ser desabilitado o aviso/etiqueta sobre o requerimento de mediação, como atualmen-
te ocorre com pedidos de assistência judiciária/tutela de urgência.

3.2.3 UTILIZANDO OS MÉTODOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE DEMANDAS COM-


PLEXAS NO CURSO DO PROCESSO (ART. 3º, §§ 2º E 3º CPC E A RESOLUÇÃO CNJ
N. 125/10)

Mesmo nessa etapa, é interessante que o(a) magistrado(a) responsável pelo processo mante-
nha em aberto a possibilidade de alcançar, via mediação/conciliação, acordos de menor am-
plitude ou menos ambiciosos. Há, ainda, a possibilidade de associação com outras ferramen-
tas institucionais atualmente disponíveis, especialmente a cooperação judiciária, conforme
indicado no item 1.2.1 acima.

No exemplo relativo ao processo complexo envolvendo a migração de população em busca


de atendimento oncológico no sistema público de saúde, a juíza federal da 5ª Vara da Seção
Judiciária do Piauí, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1), viabilizou a construção
participada da solução do litígio mediante o seguinte procedimento diferenciado: (i) designa-
ção de audiência inicial para identificação de posicionamentos, possibilidades e dificuldades

3. Relatório de Atividades, Conselho Nacional do Ministério Público, 2019. Disponível em https://www.cnmp.mp.br/


portal/images/Relatrio-de-Atividades_CNMP_Observatrio-Nacional.pdf Acesso em 07/07/2023.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 12


das partes para resolver o problema; (ii) fixação de cronograma com ações conjugadas a se-
rem adotadas pelas partes, visando atingir o objetivo da demanda; (iii) realização de audiên-
cias para o acompanhamento contínuo da implementação gradativa das providências fixadas
no calendário comum; (iv) intervenção judicial forçada no caso de eventual descumprimento
das ações acordadas no cronograma e/ou ausência de disposição das partes na construção de
decisão participada; e (v) enfrentamento das causas do conflito.4

A partir do resultado positivo obtido nesse processo, foi criado, por meio da Portaria n. 180/2016-DI-
REF, o Círculo de Conciliação em Políticas Públicas da Justiça Federal do Piauí como uma linha
de atuação do CEJUSC no qual demandas envolvendo políticas públicas são conduzidas em
espaço próprio e com modus operandi diferenciado. As atividades do Círculo de Conciliação são
norteadas pelos princípios da construção participada da solução, esgotamento do conflito, res-
peito às considerações técnicas, enfrentamento das causas do problema, abertura para cons-
trução de soluções alternativas, gradatividade de atuação e acompanhamento de resultados
(art. 4º, Portaria n. 180/2016-DIREF). 5

A depender das especificidades do processo, a ferramenta “Observatório” (vide item 6) tam-


bém pode ser utilizada em conjugação com a mediação/conciliação. No caso “Mariana”, por
exemplo, o Observatório foi acionado pelo juiz federal responsável pela causa para repactua-
ção com todas as partes envolvidas do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta firma-
do anteriormente, em 2016. A partir do requerimento do juiz federal, o Observatório fez amplo
mapeamento da situação, firmou com todas as partes envolvidas carta de premissas conten-
do as diretivas para renegociação das medidas de reparação e, deu início a novas rodadas
de negociação para repactuação do Acordo do Rio Doce.6 O Observatório também realizou
reuniões periódicas no CNJ com o juiz federal da demanda, “com a finalidade de identificar
mecanismos para incluir o processo no PJe e estabelecer a classificação por eixos prioritários”,
visando facilitar a execução do acordo inicialmente firmado. 7
O Observatório também possibilitou que o CNJ tivesse participação ativa na mediação de
acordo no caso Pinheiro, onde 14 mil imóveis foram desocupados em razão de afundamento
do solo causado pela mineração no estado de Alagoas.8 Além disso, a associação com a fer-
ramenta Observatório também pode facilitar o diálogo interinstitucional com outros poderes
permitindo construção conjunta de soluções e auxílio técnico, além de ser ferramenta adicio-
nal para capacitação da equipe atuante no caso.

Assim, percebe-se que a reunião de órgãos variados na mesma mesa, com presença de diver-
sos atores do Sistema de Justiça, conjugada com a cooperação judiciária, possibilita encontrar
soluções pragmáticas e mais eficientes para melhor dirimir um litígio complexo e abrangen-
te, em vez de aguardar a via mais estreita da sentença judicial.

4. Mendes, Marina Rocha Cavalcante Barros e Carnaúba, César Augusto Martins. Mediação Judicial em Casos Com-
plexos: Estudo de Casos no Judiciário Brasileiro, in: Franco, Marcelo Veiga; Yarshell, Flávio Luiz; e da Costa, Susana
Henriques (Coord). Acesso à Justiça, Direito e Sociedade: Estudos em homenagem ao Professor Marc Galanter, São
Paulo: Quartier Latin, 2022, pp. 670 a 673.
5. Disponível em https://portal.trf1.jus.br/data/files/C0/90/3A/60/2F3C7510BE58FA75052809C2/Portaria%20180%20
2016-DIREF%20-%20aprova%20regulamento%20do%20c_rculo%20de%20concilia__o.pdf. Acesso em 11/08/2023.

6. Disponível em https://www.cnj.jus.br/repactuacao-do-rio-doce-cnj-mediara-novas-negociacoes-em-fevereiro/ Acesso em


07/07/2023.

7. Desastre da Barragem de Fundão: caso Mariana / Conselho Nacional de Justiça; Coordenadora Maria Tereza Uille Gomes; Comissão
Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. – Brasília: CNJ, 2021, p. 34. Os prin-
cipais acordos envolvendo o caso encontram-se nas pp. 16 a 18 desse documento. Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/
uploads/2021/06/ODS-11-Caso-Mariana-Barragens_17_06_21.pdfh. Acesso em 10/08/2023.

8. Disponível em https://www.cnj.jus.br/acordo-busca-amenizar-angustia-de-moradores-de-bairros-que-afundam-em-maceio-al/
Acesso em 08/07/2023.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 13


3.2.4. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS (ART. 190 CPC E A RESOLUÇÃO CNJ N. 125/10)

Ainda sob a perspectiva dessa ferramenta conciliatória e, considerando as peculiaridades en-


volvendo demandas complexas, a cláusula geral de negociação prevista no CPC – observados
os limites da lei e da Constituição Federal – também pode contribuir para a otimização bem
como para a adaptabilidade nesse tipo de processo. Cite-se, como exemplo, acordo proces-
sual firmado em sede de ação civil pública, em trâmite na primeira instância do TRF 5, na
qual as partes convencionaram redistribuir a demanda complexa para o acervo do juiz federal
substituto da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará que tinha atuado ativamente des-
de o início da lide, ao invés de manterem o feito no acervo do juiz titular da Vara. Conforme
estudo do juiz federal sobre a referida ação, as partes consideraram que a familiaridade do
magistrado substituto com os diversos detalhes do processo complexo (fatos, sujeitos, provas,
mapeamento sobre caminhos viáveis para a autocomposiçãoetc.) o tornariam, desde o início,
mais adequado para a prestação jurisdicional em prazo razoável. O juiz federal substituto, por
sua vez, homologou o acordo consentindo que o processo complexo fosse redistribuído para
o seu acervo, de modo a permanecer na condução da causa.9

Mencione-se que, nesse caso específico, a ação civil pública foi primeiramente distribuída por
sorteio eletrônico ao acervo do juiz federal titular que, na época, estava auxiliando outra vara
federal. Sendo assim,o processo foi conduzido inicialmente pelo juiz federal substituto nos
termos da Lei 5.010/1966 e da Resolução CJF n. 001/2008. O juiz federal substituto deu anda-
mento ao feito praticando diversos atos, prolatando decisões e realizando audiência(s). Ao se-
rem informadas do retorno do juiz federal titular e da iminente saída do juiz federal substituto
da ação civil pública, as partes propuseram negócio jurídico para permitir que o magistrado
substituto continuasse à frente do processo.10
Conforme mencionado na introdução do Guia Prático, as demandas complexas inserem os(as)
magistrados(as) em terrenos desafiadores, seja por tratar-se de algo desconhecido ou por es-
tar, ainda, na fronteira do conhecimento. Isso é percebido no modelo concreto no qual, tendo
em vista contexto específico e os contornos excepcionais da causa, houve (re)delineamento
da competência do juízo para preservar o capital de cognição obtido durante o curso do pro-
cesso e, assim, possibilitar maior celeridade e eficiência na solução da demanda complexa.

A temática do mencionado negócio jurídico processual é, atualmente, objeto de crescentes


debates envolvendo releituras contemporâneas sobre o paradigma tradicional do juiz natu-
ral e as discussões sobre a competência adequada no âmbito dos litígios complexos. Dessa
forma, há propostas atuais sobre a reorganização do sistema de competências considerada a
exigência constitucional da eficiência jurídico-processual, a qual requer mais flexibilidade e
dinamismo em demandas complexas. Dentro desse importante debate que busca conjugar
os princípios constitucionais da garantia de proteção do juiz natural e da eficiência, o para-
digma tradicional de “quem decide” seria substituído para “quem decide melhor”. Assim, em
linhas gerais, o juiz natural das demandas complexas seria o juízo mais adequado, sempre em
observância aos limites constitucionais, ao núcleo essencial do princípio do juiz natural, ao
exercício responsável da competência e respectivos parâmetros de controle.11

9. Borges, Fabrício de Lima. Litígios Estruturais, Negócios Processuais e o Princípio do Juiz Natural: o caso da Ação Civil Pública sobre
a Fila de Espera do Hospital do Coração do Cariri In: Bocheneck, A.C (coord.). Demandas Estruturais e Litígios Complexos:
Casos Práticos Analisados no Mestrado da Enfam. Brasília: Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Ma-
gistrados – Enfam. 2022, p. 285.

10. Ibidem, p. 282.

11. Cabral, Antonio do Passo. Juiz Natural e Eficiência Processual: flexibilização, delegação e coordenação de competências no processo
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters Brasil, 2021

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 14


Em relação à competência adequada em litígios complexos, destaque-se, como exemplo, o
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Conflito de Competência n. 144.922/
MG, caso “Mariana” no qual o dano ambiental, com efeitos regionais, ocorreu em cidade no in-
terior de Minas Gerais, mas a Corte fixou a competência da 12ª Vara Federal localizada em Belo
Horizonte por entender que esse juízo seria o mais adequado para atuar na referida demanda
complexa nos seguintes termos: “(...) a 12ª Vara Federal da Secção Judiciária de Minas Gerais
possui melhores condições de dirimir as controvérsias aqui postas, decorrentes do acidente
ambiental de Mariana, pois além de ser a Capital de um dos Estados mais atingidos pela
tragédia, já tem sob sua análise processos outros, visando não só a reparação ambiental
stricto sensu, mas também a distribuição de água à população dos Municípios atingidos,
entre outras providências, o que lhe propiciará, diante de uma visão macroscópica dos da-
nos ocasionados pelo desastre ambiental do rompimento da barragem de Fundão e do con-
junto de imposições judiciais já direcionadas à empresa Samarco, tomar medidas dotadas
de mais efetividade, que não corram o risco de ser neutralizadas por outras decisões judiciais
provenientes de juízos distintos, além de contemplar o maior número de atingidos” (grifamos). 12

Registre-se que o propósito desse Guia Prático não é desenvolver nem validar tese jurídica a
respeito dos temas acima, mas tão somente mostrar modelo concreto e específico no qual
o negócio jurídico processual foi utilizado com resultados positivos em demanda complexa.

12. Conflito de Competência 144.922/MG, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. DIVA MALERBI DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF
3ª REGIÃO, disponível em https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&-
termo=CC%20144922, acessado em 07/07/2023

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4. RESOLUÇÕES CNJ N. 385 E 398/2021 – NÚCLEOS DE JUSTIÇA 4.0; E RESOLUÇÃO CNJ N.
375/2021 – EQUIPES DE TRABALHO REMOTO

4.1. DESCRIÇÃO

As Resoluções n. 385 e 398/2021 dispõem sobre a criação e atuação dos Núcleos de Justiça 4.0
(Núcleos 4.0), respectivamente, em apoio às unidades judiciais. Em resumo, nos Núcleos de
Justiça 4.0 tramitam apenas nos processos em conformidade com o Juízo 100% digital, admi-
tindo, em determinadas situações, prática de atos presenciais fundamentais à demanda que
serão posteriormente digitalizados e juntados ao processo:

Resolução CNJ n. 345/2020 – com redação da Resolução CNJ n. 378/2021, Juízo


100% digital, art. 1º:

(...)

§2º Inviabilizada a produção de meios de prova ou de outros atos processuais de


forma virtual, a sua realização de modo presencial não impedirá a tramitação do
processo no âmbito do “Juízo 100% Digital”.

§ 3º O “Juízo 100% Digital” poderá se valer também de serviços prestados


presencialmente por outros órgãos do Tribunal, como os de solução adequada
de conflitos, de cumprimento de mandados, centrais de cálculos, tutoria dentre
outros, desde que os atos processuais possam ser convertidos em eletrônicos.

O Núcleo é formado pelo(a) magistrado(a) coordenador(a) e, pelo menos, por mais dois(duas)
juízes(as), além de servidores(as). Os processos são distribuídos livremente entre os magis-
trados integrantes do Núcleo. Sua estrutura bem como seu funcionamento são definidos por
cada tribunal e, a atuação da equipe pode ser com ou sem prejuízo da jurisdição (Resolução
CNJ n. 385/2021):

Art. 1º Os tribunais poderão instituir “Núcleos de Justiça 4.0” especializados em


razão de uma mesma matéria e com competência sobre toda a área territorial
situada dentro dos limites da jurisdição do tribunal.

§ 1º Os “Núcleos de Justiça 4.0” também poderão abranger apenas uma ou mais


regiões administrativas do tribunal.
(...)

Art. 3º Ato do Tribunal definirá a estrutura de funcionamento dos “Núcleos de


Justiça 4.0”, de acordo com seu volume processual, bem como providenciará
a designação de servidores para atuarem na unidade, o que poderá ocorrer
cumulativamente às atividades desenvolvidas na sua lotação de origem ou com
exclusividade no núcleo, observado, neste caso, o disposto na Resolução CNJ nº
227/2016, do Conselho Nacional de Justiça.

A Resolução CNJ n. 398/2021 lista os tipos de processos nos quais o Núcleo pode atuar (art.
1º), entre eles, processos que abarquem questões especializadas em razão de sua comple-
xidade, de pessoa ou de fase processual. Acrescente-se, ainda, o disposto na Resolução CNJ
n. 375/2021, que alterou a Resolução CNJ n. 227/2016 sobre o teletrabalho, para possibilitar
a criação de equipes para expediente remoto que podem ser constituídas por juízes(as) e
servidores(as) lotados em diversas comarcas geograficamente dispersas e/ou vinculados a
tribunais distintos, sem prejuízo da atividade exercida na unidade de origem, para “consti-
tuição de grupos de trabalho ou forças-tarefas especializadas para o desenvolvimento de
teses jurídicas, soluções teóricas, pesquisas empíricas e estudos de questões complexas.”

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(art. 12-A, §1º).13(grifamos e destacamos)

Além disso, a Resolução CNJ n. 375/2021 conjuga a constituição dessas equipes com a fer-
ramenta Centro de Inteligência (vide item 4) ao dispor, nos termos dos § 2º do art. 12-A: “no
âmbito do tratamento adequado de demandas estratégicas ou repetitivas e de massa, a
criação de Equipes de Trabalho Remoto deverá ser precedida de consulta aos Centros de
Inteligência dos Tribunais envolvidos e, uma vez instituídas, deverão atuar de forma sinér-
gica e em cooperação com estes.” (grifamos e destacamos)

Registre-se, ainda, que o Preâmbulo da Resolução CNJ n. 375/2021, estabelece que essa foi edi-
tada no seguinte contexto: (i) importância do princípio constitucional da eficiência a pautar as
ações da Administração Pública, devendo o “Poder Judiciário trabalhar pelo aprimoramento
contínuo da qualidade dos serviços jurisdicionais”; (ii) constatação de que “as competências,
talentos e expertises dos recursos humanos que compõem o Poder Judiciário encontram-se,
não raro, dispersas em diferentes comarcas e unidades federativas, o que dificulta a atuação
em conjunto visando à troca de saberes e experiências.”; (iii) constatação de que “o trabalho
remoto e as novas tecnologias permitem a reunião e a integração de especialistas das mais
diversas localidades”; e (iv) reconhecimento da “importância do trabalho em equipe e da co-
operação entre pessoas para a construção soluções inovadoras e criativas”.

4.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DAS DEMANDAS COMPLEXAS: TRANSPOSIÇÃO


DE FRONTEIRAS TERRITORIAIS E COMPETÊNCIA ADEQUADA

A transformação digital com a instituição dos Núcleos de Justiça 4.0 e a inexistência de fron-
teiras no ambiente virtual, podem auxiliar o estabelecimento de novos contornos na compe-
tência para processar e julgar demandas complexas. Os principais benefícios dessa ferramen-
ta são: (i) flexibilidade, observadas as peculiaridades e cautelas necessárias para a criação
de unidades judiciárias com enfoque na especialização, sob a perspectiva de competência
adequada, aprimorando a qualidade da prestação jurisdicional; e (ii) utilização em casos sen-
síveis nos quais a segurança e a integridade física do(a) magistrado(a) residente na comarca
estejam ameaçadas. Além disso, a conjugação com as ferramentas de cooperação judiciária,
além das forças-tarefas virtuais previstas na Resolução CNJ n. 375/2021, minimiza aspectos
relacionados à organização das forças de trabalho, distribuição de tarefas e equipe de apoio.

4.2.1. NOVOS ARRANJOS DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E ESTRUTURAS DE COLABORA-


ÇÃO

Os Núcleos 4.0 permitem a criação de novos arranjos de organização e administração judici-


ária, com foco na especialização em demandas complexas o que, por sua vez, tem o condão
de estabelecer práticas e modelos de atuação customizados às peculiaridades desse tipo de
litígio. A criação de Núcleos 4.0 especializados em demandas complexas, com magistrado(as)
e servidores(as) designados em regime de exclusividade, incrementa o conhecimento de
juízes(as) e equipe nesse tipo de causa, contribuindo para maior qualidade e eficiência na
prestação jurisdicional.

Ademais, o fato de o Núcleo atuar em ambiente virtual possibilita a expansão dos limites
geográficos dentro da área de jurisdição do tribunal, com a consequente adequação e redefi-
nição dos tradicionais conceitos de comarca e seção judiciária, flexibilizando critérios exclusi-
vamente territoriais, aspecto esse objeto de crescentes debates em relação a tais núcleos e es-

13. Art. 12-A Fica autorizada a criação de Equipe de Trabalho Remoto para constituição de grupos de trabalho ou forças-tarefas espe-
cializadas para o desenvolvimento de teses jurídicas, soluções teóricas, pesquisas empíricas e estudos de questões complexas. § 1o
A Equipe de Trabalho Remoto poderá ser composta por magistrados e servidores lotados em quaisquer unidades jurisdicionais ou
administrativas, inclusive pertencentes a tribunais diversos, que deverão atuar em teletrabalho na equipe, sem qualquer prejuízo da
atividade exercida na unidade de origem. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/files/original12414020210303603f840466f11.pdf. Acesso
em 12/08/2023.

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trutura administrativa do Judiciário.14 Em relação à flexibilização do critério de territorialidade,
registre-se que, mesmo antes das Resoluções sobre os Núcleos 4.0, o Tribunal de Justiça
da Bahia (TJBA) previa a existência de “Varas de Substituição” as quais não possuem sede
física e são compostas por juízes(as) titulares com jurisdição plena, que podem ser designa-
dos(as) pelo(a) presidente do tribunal para “auxiliar em Varas da Comarca de Salvador, quan-
do dividirão com o respectivo titular, mediante sorteio e por classe, os processos em cur-
so e os que se iniciarem”, além de suprirem afastamentos de outros juízos titulares (art. 89,
Lei Estadual 10.845/2007).15

A experiência internacional também tem sido válida no sentido de estabelecer critérios de


competência mais flexíveis em novo modelo de governança judiciária.16 Exemplificando, na
Holanda e na Bélgica, após a reforma judiciária nos anos de 1998 e 2014, respectivamente,
houve enfoque na mobilidade do(a)s magistrados(as). De acordo com o sistema judiciário
holandês, é possível que juiz(a) titular em determinado tribunal seja designado(a), com base
em sua expertise, para atuar como substituto(a) em outras Cortes de Justiça de mesmo grau
de jurisdição.17 Conforme o atual sistema belga, também há (i) mobilidade interna na qual o(a)
juiz(a) possui lotação primária em determinada comarca do tribunal e lotação secundária em
outra(s), podendo ser chamado(a) para atuar na(s) vara(s) de lotação secundária do tribunal;
e (ii) mobilidade externa horizontal e vertical que permitem mediante a concordância do(a)
juiz(a), atuação do(a) magistrado(a) em outros tribunais (mobilidade externa horizontal) e/ou
Cortes de apelação (mobilidade externa vertical).18 Há outros exemplos de mobilidade de ma-
gistrado(a)s também na França, na Inglaterra e no País de Gales e, nesses dois últimos países,
inclusive, são consideradas qualificações específicas do(a)s juízes(as) para fins de mobilidade,
tal como treinamento e experiência em determinado assunto.19

No tocante à mobilidade horizontal de magistrado(a)s, o CNJ editou a Resolução CNJ n.


441/2021, a qual instituiu o Programa Nacional “Visão Global do Poder Judiciário”, que permite
aos(às) magistrados(as) nacionais atuarem, com mudança temporária de lotação pelo prazo
máximo de seis meses, em órgãos do Poder Judiciário diversos do tribunal de origem, desde
que resguardados o ramo e a especialidade (art. 2º, § 1º).20Este Conselho também prevê mobi-
lidade vertical na Resolução CNJ n. 72/2009 que regula a convocação de juízes(as) de primeiro
grau para, excepcionalmente, substituir ou auxiliar em segundo grau de jurisdição, “quando
exigido pelo interesse público ou pelo justificado acúmulo de serviço” (art. 5º).21 Com efeito,

14. Dos Santos Rodrigues, M. A.; Watkins, C. Núcleos de Justiça 4.0: o declínio da territorialidade e os novos horizontes
da especialização. Revista CNJ, Brasília, v. 6, n. 2, p. 107–116, 2022. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/ojs/revista-cnj/
article/view/387. Acesso em: 28 jul. 2023

15. Disponível em http://www.tj.ba.gov.br/ipraj/Lei10845.pdf . Acesso em 28 jul 2023.

16. Cabral, A.P. Idem. Capítulo 4, item 4.5.3

17. Fabri, Marco; Langbroek, Philip M. Is there a right judge for each case? A comparative study of case assignment in six European
countries. European Journal of Legal Studies, vol.1, nº 2, 2007, p. 12. Disponível em https://cadmus.eui.eu/bitstream/handle/1814/7713/
EJLS_2007_1_2_12_FAB_EN.pdf?sequence=1. Acesso em 28/07/2023

18. “The new reform foresees two systems of judicial mobility: internal and external mobility. Internal mobility means that a judge who
is appointed primarily in a judicial canton or district, is appointed subsidiarily in another canton or district. He or she can, after being
heard by the president of the canton or district to which he or she primarily belongs, be called in to work in the other canton or district.
The consent of the judge is not needed. (...) External mobility implies that a judge is asked to work in a court in which he or she is not
appointed primarily or subsidiarily. Here, the consent of the judge concerned is required. The external mobility can be horizontal or
vertical. For example, a Justice of the Peace can be asked to work in a Police Court of the judicial district to which his or her judicial
canton belongs, or in a Justice of Peace of another judicial district of the judicial area (= horizontal mobility). A judge in the Court of
First Instance can be asked to work in the Court of Appeal of the judicial area to which his or her own judicial district belongs (= vertical
mobility).” Voet, Stefaan. Belgium’s new specialized Judiciary. Russian Law Journal, vol.II, n.4, 2014, p. 140, disponível em https://www.
russianlawjournal.org/index.php/journal/article/view/251/250. Acesso em 28/07/2023]

19. Fabri, Marco; Langbroek, Philip M. Ibidem. P.12

20. Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/01/resolucao-cnj-441-2021-07012022.pdf. Acesso em 09/08/2023.

21. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/files/compilado14492920230607648098f96b66e.pdf. Acesso em 12/08/2023.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 18


de acordo com o art. 2º da Resolução CNJ n. 72/2009, a atuação de magistrados de primeiro
grau em segunda instância poderá decorrer: “I - do exercício do cargo de juiz substituto em
segundo grau, de acordo com previsão legal específica, cujo provimento respeite as exigên-
cias constitucionais correspondentes; II - da convocação para fins de substituição, de acordo
com o art. 118 da LOMAN; III - da convocação para fins de auxílio.”

Registre-se, ainda, conforme relato de juíza federal integrante do Projeto, a realidade práti-
ca do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) cuja jurisdição engloba a Amazônia Le-
gal, onde há muitos litígios complexos em matéria ambiental e indígena. Como ocorre pouca
interiorização da Justiça Federal na região, o(a) juiz(a) que recebe o processo em distribui-
ção territorial não possui necessariamente conhecimento da área litigiosa. Nesse particular,
o distanciamento territorial do(a) juiz(a) em relação à demanda complexa pode e deve ser
resolvido mediante inspeções judiciais. Além disso, ocorrem situações inversas nas quais a
residência do(a) juiz(a), em determinada localidade geográfica, implica risco à sua segurança
e integridade física, situação essa que pode igualmente comprometer a imparcialidade do(a)
magistrado(a) no julgamento da causa complexa.

Dentro desse contexto e, em consonância com a tendência mundial, a ferramenta ora exami-
nada permite delineamento mais maleável de competências e perfil diferenciado de Núcleos
4.0 em demandas complexas onde outros fatores, além da territorialidade, devem ser con-
siderados podendo-se incluir no seu desenho, por exemplo, mobilidade funcional dos ma-
gistrados(as). Dessa forma, o tribunal pode avaliar, em associação com a ferramenta Centros
de Inteligência (vide item 4), a quantidade e a frequência das demandas complexas em sua
jurisdição. A doutrina especializada, ao balancear os critérios de territorialidade e especiali-
dade na alocação de competências, costuma avaliar a natureza dos processos (simples ou
complexos, sendo a territorialidade indicada aos processos simples) bem como a frequên-
cia (processos recorrentes ou esporádicos), dividindo-os em quatro grupos: 1) Processos Sim-
ples e Frequentes; 2) Processos Simples e Esporádicos; 3) Processos Complexos e Frequentes;
e 4) Processos Complexos e Esporádicos.22 Portanto, entende-se que litígios “complexos e
recorrentes” tendem a ser “mais bem decididos por cortes especializadas, mas espalhadas
territorialmente, sem exclusividade ou concentração”. Por outro lado, casos “complexos e es-
porádicos” tendem a ser “mais bem decididos por um pequeno número de juízos fixos espe-
cializados (concentração) ou juízes volantes especializados (coordenação)”.23

Exemplificando, o tribunal pode previamente identificar magistrados(as) com experiência


em ações complexas e criar lista de experts nessas causas.24Essa listagem de experts pode

22.“(…)the balancing of territoriality and functionality depends on two factors: i) the nature of cases: territorial jurisdiction is indicated
for decision-making in relatively simple cases, functional jurisdiction allows for specialization and thus better serves decision-making
in complex cases; ii) the occurrence of cases: often occurring types of cases can be dealt with most efficiently through territorial ju-
risdiction, while cases regarding infrequently occurring legal questions are most optimally dealt with through functional jurisdiction.
When combining these factors, the following forms and levels of territorial distribution and functional specialization of courts emerge:
i) simple and often occurring cases, e.g. general contract disputes and simple criminal cases, are dealt with by general and terri-
torially distributed courts (the courts of first instance); ii) complex and often occurring cases, e.g. labour law cases and commercial
law cases, are dealt with by ‘justices of the peace’ (the Dutch municipal court sections of the district courts), or other specialized
but territorially distributed courts (conseils des prud’hommes, Arbeitsgerichte); iii) simple and sporadically occurring cases, e.g.
‘mass collective actions’ and big criminal law cases (‘megazaken’), are dealt with by a specific court with general jurisdiction; iv)
complex and sporadically occurring cases, e.g. business law cases and intellectual property law cases, are dealt with by a small
number of specialized courts (the Companies and Business Court).” (grifamos e destacamos). Mak, Elaine. Balancing territoriality
and functionality: specialization as a tool for reforming area in the Netherlands, France and Germany. International Journal for Court
Administration, out. 2008. P. 5 “Disponível em https://storage.googleapis.com/jnl-up-j-ijca-files/journals/1/articles/97/submission/
proof/97-1-208-1-10-20131025.pdf . Acesso em 31/07/2023.

23. Cabral, A.P. Idem. Capítulo 4, item 4.7.4.4

24. A título de registro, o MPF, mediante Portaria n. 136/2023 e Instrução de Serviço MPF 3/2017, instituiu Grupo de Apoio ao Tribunal do
Júri, composto por 15 Procuradores(as) com aptidão, vocação e expertise na investigação, persecução e acompanhamento de causas
referentes a crimes dolosos contra a vida. A partir de requerimento do(a) procurador(a) natural da causa, com relato do caso e envio
das principais peças, são designados um ou mais integrantes do Grupo de Apoio para atuar no processo e nos respectivos desdobra-
mentos, em auxílio ao procurador natural, em todas as instâncias, em todas as fases do processo, até o trânsito em julgado da causa.
Disponível em: https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/legislacao-e-regulamentos/instrucoes-de-servico/is-3-gatj-31-07-17.pdf
. Acesso em: 25 de ago. 2023.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 19


ter como critérios processos julgados ou em julgamento com resultados satisfatórios, além
de conter áreas temáticas de especialização dos(as) juízes(as) tal como direito indígena, di-
reito ambiental, direito fundiário etc., entre outros aspectos que o tribunal entenda relevan-
tes. O Núcleo 4.0 Especializado em Demandas Complexas, por sua vez, pode ser composto a
partir de magistrados(as) selecionados(as) dessa lista de experts. De todo modo, quaisquer
que sejam os critérios adotados na alocação de competências e delineamento dos Núcleos
4.0 Especializados em Demandas Complexas, devem ser constituídos de modo organizado
e transparente.

De igual modo, a levando em conta maior amadurecimento dos Núcleos 4.0 e a alta rotativi-
dade de juízes(as) em determinadas localidades, pode-se permitir que o(a) magistrado(a) da
causa permaneça no processo complexo, ainda que removido(a) para outra região, com vistas
a aproveitar o seu capital cognitivo da causa, conforme exemplo do TRF5 indicado no item
1.2.4 acima. Ademais, dependendo da avaliação e realidade do tribunal, o Núcleo 4.0 de de-
manda complexa pode ser criado pela conversão de unidade judiciária, criação de estrutura
própria ou mesmo agregando-se à unidade judiciária já existente. Essa nova estrutura institu-
cional judiciária, por sua vez, poderia atuar também em caráter pré-processual, mobilizando
os demais atores envolvidos de modo a buscar soluções consensuais.

Ademais, a conjugação desse instrumento com a ferramenta de cooperação judiciária de


modo virtual e, portanto, mais amplo territorialmente, permite que o(a) juiz(a) da demanda
complexa do Núcleo compartilhe estrutura, tecnologia e equipes de forma pontual e/ou espo-
rádica para atuação em determinadas fases do processo ou realização de alguns atos, além
do auxílio de magistrado(a) colaborador(a), consultor(a) na realização de mutirões de forma
remota, expandindo possibilidades de colaboração no processo (vide item 3 e item 1.2.1). A
título de exemplo, o(a) juiz(a) da causa complexa do Núcleo 4.0, removido(a) para outra loca-
lidade, poderia atuar no processo como juiz(a) consultor(a) ou juiz(a) colaborador. Associando,
ainda à Resolução CNJ n. 375/2021, há viabilidade de criação de grupos de trabalho e forças-ta-
refas virtuais e temporárias, com juízes(as) e servidores(as) de outros tribunais, para colaborar
com o(a) magistrado(a) em aspectos mais complexos da causa.

Em sentido inverso, Núcleos 4.0 podem ser criados para atuar como órgãos de apoio nas uni-
dades judiciais físicas onde tramitam demandas complexas, auxiliando tanto na demanda
complexa em si quanto na parte quantitativa do acervo do(a) magistrado(a). Tais possibili-
dades foram expressamente previstas pelo Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1), via Reso-
lução PRESI n. 47/2021, que instituiu no art. 8º o “Núcleo de Justiça 4.0 – Apoio” para auxiliar
unidades judiciais em processos que “I-abarquem questões especializadas em razão da sua
complexidade, de pessoa ou de fase processual; II- abranjam temas repetitivos ou direitos
individuais homogêneos; III- envolvam questões afetadas por precedentes obrigatórios, em
especial definidos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV- estejam em
situação de descumprimento de metas nacionais do Poder Judiciário; e V- encontrem-se com
elevado prazo para a realização de audiência ou sessão de julgamento ou com elevado prazo
de conclusão para sentença ou voto.”25 (grifamos)

É possível, ainda, que os tribunais, ao editarem atos normativos sobre o Núcleo 4.0 em de-
mandas complexas, conjuguem no texto duas ou mais ferramentas institucionais, tal como
Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2), ao criar o primeiro Núcleo de Justiça 4.0 em
matéria de saúde, no ano de 2021. Por meio da Resolução TRF2-RSP-2021/00035, o tribunal
inseriu a cooperação judiciária no desenho do Núcleo permitindo critérios mais flexíveis e
adequados de distribuição dos processos, a saber: “Art. 1, § 5º. A distribuição dos processos

25. Disponível em https://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/comunicacao-social/imprensa/avisos/regulamentada-a-implantacao-de-nucleos-


-de-justica-4-0-e-de-nucleos-de-justica-4-0-apoio-no-ambito-da-justica-federal-da-1-regiao.htm. Acesso em 07/07/2023.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 20


de competência do “Núcleo de Justiça 4.0”, entre os juízes que o integram, far-se-á automa-
ticamente pelo sistema processual, de forma equânime e aleatória, sem prejuízo da adoção
de outros critérios a título de cooperação judiciária, para emprestar maior eficiência ao
procedimento, sobretudo em caso de ampliação da composição do “Núcleo de Justiça 4.0”
superveniente à sua instalação.”26 (grifamos e destacamos).

O aspecto de distribuição associado à cooperação judiciária em sede de Núcleo 4.0 de de-


mandas complexas, para além da questão da eficiência, pode ser utilizado também em situ-
ações sensíveis envolvendo segurança nas quais o juiz(a) responsável pelo litígio complexo,
residente em determinada localidade, estiver com a integridade física ameaçada. Nessas si-
tuações específicas, nas quais forem necessárias proteger a vida e a integridade do(a) ma-
gistrado(a) e da família, pode-se, a partir do maior amadurecimento da ferramenta, cogitar
também estabelecer no desenho do Núcleo 4.0, em associação às ferramentas de cooperação
judiciária (vide item 3) e/ou Comissão de Apoio (videm item 7), atuação temporária de Comitê
parecido/adaptado ao permitido pela Lei 12.694/2012 para crimes praticados por organizações
criminosas, conforme o modelo internacional “Justiça sem Rosto”:

“Art. 1º Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes pratica-


dos por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegia-
do para a prática de qualquer ato processual, especialmente:
(...)
§ 1º O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias
que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual
será dado conhecimento ao órgão correicional.
(...)
§ 3º A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado.
(...)
§ 5º A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diver-
sas poderá ser feita pela via eletrônica.” (grifamos e destacamos)

Apesar do presente Guia não pretender sugerir a criação de modelo único de Núcleo 4.0 em
demandas complexas, cabendo a cada tribunal definir sua forma de organização e funciona-
mento, entende-se que a adoção de algumas premissas é importante no momento do deline-
amento desse tipo de órgão, tais como:

i. alcance de maior eficiência caso os(as) magistrados(as) e servidores(as) do Núcleo atuem em dedicação exclu-
siva, sem acúmulo de funções;
ii. adequação da estrutura do Núcleo para tratar esse tipo de demanda, isto é, evitar que a mesma equipe de
magistrado(a) e servidor(a) atenda simultaneamente vara física generalista e vara virtual especializada em
demandas complexas;
iii. estímulo ao estabelecimento de critérios flexíveis e adequados na distribuição dos processos do Núcleo como o
adotado pelo TRF 2, na Resolução TRF2-RSP-2021/00035 (art. 1, § 5º);
iv. incentivo ao balanceamento adequado entre os critérios da especialidade e da territorialidade no desenho da
competência do Núcleo, conforme as peculiaridades das demandas complexas identificadas pelo tribunal na
sua área de jurisdição, entre elas,quantidade e frequência de litígios complexos;
v. instigar a mobilidade funcional;
vi. encorajar que o delineamento do Núcleo enderece também situações sensíveis envolvendo a segurança e a
integridade física do juiz(a) responsável pelo litígio complexo; e
vii. outros aspectos identificados pelo tribunal.

Por fim, conforme exemplos indicados no item 1, as ferramentas “Laboratório de Inova-


ção” (vide item 5) e “Observatório” (vide item 6) podem ser conjugadas com o Núcleo 4.0,
otimizando a atuação do(a) magistrado(a).

26. Disponível em https://www.jfes.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/RESOLUCAO-NUCLEO-4.0-TRF2-RSP-202100035.pdf. Acesso em


10/07/2023.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 21


5. RESOLUÇÃO CNJ N. 350/2020 – COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA

5.1. DESCRIÇÃO

Essa Resolução estabelece diretrizes e procedimentos sobre a cooperação judiciárianacional


entre os órgãos do Poder Judiciário e outras instituições e entidades, trazendo possibilidades
dessa cooperação para qualquer ato processual entre as diferentes esferas do Poder Judici-
ário, bem como, a interlocução interinstitucional, preservados os limites legais e constitucio-
nais.

Reproduzido diretamente do texto da Resolução:

Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre a cooperação judiciária nacional, para a reali-
zação de atividades administrativas e para o exercício das funções jurisdicionais,
abrangendo as seguintes dimensões: (redação dada pela Resolução n. 436, de
28.10.2021)
I – a cooperação ativa, passiva e simultânea entre os órgãos do Poder Judiciário,
no âmbito das respectivas competências, observados o princípio do juiz natural
e as atribuições administrativas (arts. 67 a 69, CPC); e
II – a cooperação interinstitucional entre os órgãos do Poder Judiciário e outras
instituições e entidades, integrantes ou não do sistema de justiça, que possam,
direta ou indiretamente, contribuir para a administração da justiça.

Art. 3o Os juízos poderão formular entre si pedido de cooperação para a prática


de qualquer ato processual, intimando-se as partes do processo
(...)
Art. 5º A cooperação judiciária nacional:
I – pode ser realizada entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder
Judiciário;
II – pode ser instrumentalizada por auxílio direto, atos concertados, atos conjun-
tos e outros instrumentos adequados;
III – deve ser documentada nos autos, observadas as garantias fundamentais do
processo;
IV – deve ser realizada de forma fundamentada, objetiva e imparcial; e
V – deve ser comunicada às partes do processo.

Art. 6o Além de outros definidos consensualmente, os atos de cooperação po-


derão consistir:
(...)
V – na definição do juízo competente para a decisão sobre questão comum
ou questões semelhantes ou de algum modo relacionadas, respeitadas as
regras constantes nos artigos 62 e 63 do Código de Processo Civil ;
(...)
XVIII – no compartilhamento temporário de equipe de auxiliares da justiça,
inclusive de servidores públicos;
(...)
XX – no compartilhamento de infraestrutura, tecnologia e informação, res-
peitada a legislação de proteção de dados pessoais;
(...)
XXI – na formulação de consulta dirigida a outro magistrado ou órgão do
Poder Judiciário (incluindo comitês, comissões e grupos de trabalho insti-
tuídos em seu âmbito) ou, ainda, no caso de cooperação interinstitucional,
a pessoa, órgão, instituição ou entidade externa ao Judiciário, solicitando
manifestação ou opinião em resposta, facultada a participação do consultor
no processo, a critério do juízo consulente.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 22


(...)
Art. 16. A cooperação interinstitucional poderá ser realizada entre quaisquer
instituições, do sistema de justiça ou fora dele, que possam contribuir para a
execução da estratégia nacional do Poder Judiciário, promover o aprimora-
mento da administração da justiça, a celeridade e a efetividade da prestação
jurisdicional, dentre as quais:

I – Ministério Público;
II – Ordem dos Advogados do Brasil;
III – Defensoria Pública;
IV – Procuradorias Públicas;
V – Administração Pública; e
VI – Tribunais arbitrais e árbitros(as)” (grifamos e destacamos)

O art. 7º da Resolução regulamenta a “Rede Nacional de Cooperação Judiciária” composta


por Comitê Executivo, juízes de cooperação e Núcleos de Cooperação Judiciária em cada tri-
bunal. Os Núcleos de Cooperação, por sua vez, têm a “função de sugerir diretrizes gerais, har-
monizar rotinas e procedimentos de cooperação, consolidar os dados e as boas práticas junto
ao respectivo tribunal” (art. 17).

Os atos de cooperação podem ser solicitados em qualquer momento do processo, devem ser
documentados e fundamentados, permitindo às partes se manifestarem quanto ao ato, o que
vai ao encontro da transparência processual e da acessibilidade.

5.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DAS DEMANDAS COMPLEXAS: SINERGIA

Incialmente, tem-se que essa ferramenta possui fundamento legal nos artigos 67 a 69 do CPC
e, além de autorizarem atuação de mais de um(a) magistrado(a) nos processos em que haja
alguma prática de cooperação, estabelecem dever legal de cooperação judiciária recíproca.
Conforme visto no item 3.1, o texto do art. 3º da Resolução CNJ n. 350/2020 prevê possibilida-
de de cooperação judiciária para qualquer ato processual, repetindo o disposto no art. 68 do
CPC, ao passo que o art. 6º corrobora essa atipicidade ao estabelecer rol exemplificativo com
possibilidades de cooperação judiciária, permitindo arranjos consensuais dentro do tribunal,
entre outros do mesmo ramo, ou de setores diferentes da Justiça. Registre-se que, apesar
dessa atipicidade, a Resolução CNJ n. 350/2020 exige publicidade, transparência e documen-
tação dos atos de cooperação. Ademais, a depender da complexidade da matéria, os juízos
cooperantes poderão intimar as partes a se manifestarem acerca do ato de cooperação a ser
praticado (arts. 9, 10 e 11). Nesse particular, quanto mais se oportunizar o diálogo entre as par-
tes, maior a capacidade de êxito no modelo cooperativo, mitigando o risco de impugnações
judiciais sobre os atos concertados.27 Além disso, o art. 16 amplia a cooperação para o âmbito
interinstitucional.

Por esse motivo, tem-se que a referida resolução é o “canivete suíço” das ferramentas apre-
sentadas neste Guia, podendo ser utilizada de forma conjugada com diversas outras como já
indicado nos itens 1 e 2 acima. Essa sinergia é o principal benefício da ferramenta e tem gran-
de potencial de auxiliar o(a) juiz(a) da demanda complexa na obtenção de apoio de outros(as)
juízes(as), equilíbrio na distribuição de trabalho bem como na estruturação da equipe. Desse
modo, a cooperação judiciária torna possível atuação em rede, de forma que os(as) magis-
trados(as) das causas complexas atuem de modo engajado em prol do objetivo comum de
melhorar a prestação jurisdicional para esse tipo de litígio.

27. Ferreira, Gabriela Macedo. O ato concertado entre juízes cooperantes: esboço de uma teoria para o Direito brasileiro. Civil Proce-
dure Review, [S. l.], v. 10, n. 3, 2019, p.32. Disponível em: https://www.civilprocedurereview.com/revista/article/view/193. Acesso em: 15
ago. 2023

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 23


Observado o disposto no CPC e na ferramenta ora apresentada, tem-se que as articulações
consensuais entre juízos em demandas complexas podem viabilizar o exercício combinado
de competências em tais litígios. Com isso, há potencial de se mitigar o dogma em torno da
figura do(a) magistrado(a) como sujeito solitário(a) no processo e na respectiva interface com
a questão da solidão institucional, em direção a modelo mais cooperativo de decisão judicial
nos litígios complexos, com menos isolamento do(a) magistrado(a).

Dentro desse contexto, a conjugação das técnicas autorizadas na presente ferramenta com
o recurso daComissão de Apoio (vide item 7) e a Resolução CNJ n. 375/2021 (vide item 2), abre
possibilidade de criação de Comitês compostos por juízes(as) em auxílio ao(à) magistrado(a)
do litígio complexo, observados parâmetros constitucionais, legais e normativos, notadamen-
te, os critérios da objetividade, impessoalidade, invariância e de controle, para preservar o
núcleo essencial do princípio do juiz natural. Essa atuação pode, ainda, ser maximizada em
conjugação com a ferramenta “Observatório” (vide item 6).

Percebe-se, assim, que a cooperação judiciária constitui-se ferramenta contemporânea e


desburocratizada para viabilizar a adoção de técnicas envolvendo tanto atos de “gestão de
processos” (natureza administrativa) quanto atos de “gestão dos processos” (natureza jurisdi-
cional).28 Na gestão de processos, está em curso a cooperação administrativa judiciária para
organizar a vara, gerir o acervo e a equipe de apoio na prestação da jurisdição como serviço
público. No que diz respeito à gestão dos processos, a cooperação está ligada à prática de atos
processuais específicos na demanda para a solução do conflito, em direção a uma prestação
jurisdicional adequada.29

A seguir, serão reiterados alguns exemplos das seções anteriores e apresentados outros, sem
esgotarno entanto, todas as possibilidades de cooperação judiciária permitidas na Resolução
uma vez que a ferramenta pode ser utilizada, observados limites constitucionais e legais, de
forma ampla e criativa nas demandas complexas, sem lógica estática.

5.2.1. JUIZ(A) COLABORADOR(A), JUIZ(A) CONSULTOR(A), MUTIRÃO DE JUÍZES(AS), JUI-


Z(A)-AUXILIAR, GESTÃO DE TRANSIÇÃO DE JUÍZES(AS) E OUTRAS POSSIBILIDADES CON-
SENSUAIS DE COLABORAÇÃO

Além da figura do juiz(a) consultor externo, o(a) magistrado(a) lotado(a) em outra seção judi-
ciária, em colaboração ao juiz titular da demanda complexa nos moldes utilizados pelo TRF 5
(vide item 1.2.1), alguns tribunais como o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO) e o
Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), têm se valido também do(a) do(a) Juiz(a) Colabo-
rador(a) para apoiar, voluntariamente e sem prejuízo das funções em sua unidade judiciária, a
força de trabalho e, assim, promover prestação jurisdicional mais célere e eficiente. No TJTO,
o(a) juiz(a) colaborador(a) auxilia outro(a) magistrado(a) por meio de prolação de sentenças,
decisões, realização de audiências, entre outros atos judiciais, preferencialmente de forma
remota, com anotação da atividade de colaboração no prontuário para fins de carreira (art. 3º,
§ 1º, art. 4º, Portaria TJTO 3720/2015).30 No caso do TJES, as decisões e sentenças proferidas por
juiz(a) em razão da atividade de colaboração são computadas em dobro para fins de aferição
de produtividade (art. 3º, Resolução TJES 14/2006).31 Desse modo, há abertura para o(a) juiz(a)

28. Ferreira, Gabriela Macedo. Ibidem, p. 19.

29. Avelino, Murilo Teixeira. Disposição De Competência Decisória Por Ato Concertado Entre Juízes Cooperantes, In: DIDER JR., Fredie;
CABRAL, Antonio do Passo. Coleção Grandes Temas do novo CPC – vol. 16 – Cooperação Judiciária Nacional. Salvador: JusPodivm, 2021.
P. 4. Disponível emhttps://www.academia.edu/50284284/DISPOSI%C3%87%C3%83O_DE_COMPET%C3%8ANCIA_DECIS%C3%93RIA_
POR_ATO_CONCERTADO_ENTRE_JU%C3%8DZES_COOPERANTES. Acesso em 15/08/2023

30. Disponível em http://wwa.tjto.jus.br/elegis/Home/Imprimir/1044 . Acesso em 11/07/2023

31. Disponível em http://www.tjes.jus.br/corregedoria/2017/01/25/resolucao-no-0142006-publ-em-05042006/ Acesso em 11/07/2023.

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da causa complexa contar com o apoio de juiz(a) colaborador(a) nos processos repetitivos
e/ou não-complexos do acervo, possibilitando equilíbrio na divisão do trabalho bem como
maior dedicação e aprofundamento do(a) magistrado(a) nos diversos aspectos envolvendo a
demanda complexa. Quanto ao exemplo das “Varas de Substituição” do TJBA (vide item 2.2.1
acima), compostas por juízes(as) titulares com jurisdição plena, e que podem ser designa-
dos(as) pelo(a) presidente do tribunal para auxiliar em processos de outras Varas, também é
um modelo cooperativo interessante.

Outra prática de cooperação judiciária muito utilizada pelos tribunais é o mutirão de juízes(as)
que permite, em ação conjunta, a realização de audiências e julgamentos em esforço con-
centrado para agilizar determinados processos. Todas essas modalidades de cooperação ju-
diciária, entre outras diversas, podem ser utilizadas pelo(a) juiz(a) da demanda complexa, seja
para atuação em determinados aspectos do processo complexo em si (realização de algum
ato processual específico), seja para auxílio em demais ações do acervo, concordando com as
ferramentas de mediação/conciliação e Núcleo 4.0.

Destaque-se, ainda, que a cooperação pode ser efetivada por intermédio de juízes-auxiliares.
A Resolução CNJ n. 72/2009, autoriza convocação temporária em caráter excepcional de juí-
zes de primeiro grau, para auxiliarem nas jurisdições de segundo grau quando exigido pelo
interesse público ou pelo justificado acúmulo de serviço (art. 5º). Tal colaboração, por sua vez,
poderá ser tanto para o exercício de atividade jurisdicional quanto para atividade administra-
tiva por delegação da Presidência, Vice-Presidência ou Corregedoria do Tribunal (art. 5º, §1º).

A cooperação permite, ainda, organizar a gestão de transição de juízes(as) para que não com-
prometa o andamento da demanda complexa. Tendo como exemplo, o TRF 5 utilizou esse
mecanismo quando o juiz federal responsável por determinada demanda complexa foi con-
vocado para auxiliar a presidência do tribunal pelo período de dois anos. Nesse caso, conforme
relatado pelo juiz responsável, a Corregedoria Regional organizou a estrutura da cooperação
judiciária durante o intervalo de afastamento da seguinte forma: (i) designação de juiz subs-
tituto para atuar exclusivamente na ação complexa; e (ii) designação de juíza para cumprir
o restante do acervo da vara judiciária. Ademais, o juiz consultor externo permaneceu auxi-
liando no processo complexo. Adicionalmente, instituiu-se grupo para troca de mensagens
instantâneas, por meio do aplicativo WhatsApp, integrado pelo juiz titular da vara, pelo juiz
designado para responder pela ação durante o período de convocação e pelo juiz “consultor
externo”. Esse canal possibilitou diálogo permanente entre os magistrados, assim como es-
clarecimento de dúvidas sobre aspectos específicos da ação.32 Ressalte-se que esse modelo
de transição faz parte do projeto “Passando o Martelo Adiante: Sucessão de Juízes em Litígios
de Alta Complexidade e Gestão de Transição”, elaborado por juíza e juiz federais da 5ª região,
finalistas da 16ª edição do Prêmio Innovare, na categoria juiz.33

Registre-se, ainda, a possibilidade de partilha de infraestrutura e compartilhamento tempo-


rário de auxiliares de justiça, incluindo servidores, o que permite mitigar deficiências na es-
trutura da equipe, além de colaborar para diminuição de sobrecarga de trabalho. Além disso,
atos concertados podem ser realizados, por exemplo, entre o juízo e o CEJUSC, como mencio-
nado no item 1.2.1, bem como troca de informações relevantes para solução do processo (a
forma de condução de processos semelhantes, as estratégias de comunicação adotadas em
ações similares etc. promovendo, assim, a construção e a disseminação de boas práticas.

Combinando as técnicas dessa ferramenta com a Comissão de Apoio (vide item 7), a Reso-
lução CNJ n. 375/2021 (vide item 2), e dispositivos do CPC (arts 67 a 69), observa-se que o
exercício cooperativo e combinado sobre competências em demandas complexas permite,

32. Martins, L. R. Idem. P. 24.

33. Disponível em https://www.cnj.jus.br/projeto-cria-estrategias-para-garantir-continuidade-de-processos-complexos/. Acesso em


11/07/2023

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ainda, a atuação em Comitês. Sendo assim, o Comitê de magistrado(a)s poderia operar me-
diante técnica de descentralização com respectiva divisão de tarefas no âmbito do processo
complexo, por exemplo: determinado juízo ficaria encarregado por conduzir as audiências
públicas, outro juízo conduziria as rodadas de negociação para obtenção de acordos e outro
magistrado(a) presidiria as audiências para a inquirição de testemunhas ou seria responsável
pela inspeção judicial). O Comitê também poderia atuar de forma centralizada, conjunta e
temporária no curso da demanda como no tocante à produção de provas.

Outra questão abrangendo cooperação judiciária, é quando ocorre ação civil pública na esfera
federal e vários processos individuais relacionados na esfera estadual, nos quais é necessária
atuação estratégica para controle da situação como provas, perícias, laudos técnicos que se
aplicam de forma coletiva, entre outros aspectos. Nessa situação, a ferramenta de coopera-
ção pode ser empregada em associação às demais utilizadas pelo Laboratório de Inovação
(vide item 5) e pelos Centros de Inteligência (vide item 4), por meio das quais podem ser cria-
dos mecanismos para mapear rapidamente esse tipo de situação, propiciando tratamento
adequado, uniforme, estratégico e colaborativo. A depender das peculiaridades da demanda,
todas essas ferramentas podem ser combinadas com recurso de mediação/conciliação (vide
item 1), possibilitando que as varas federais e estaduais atuem conjuntamente na construção
de acordos. A cooperação e conjugação das mencionadas ferramentas podem ocorrer, ainda,
em sede de ações civis públicas que se relacionam em diferentes esferas do Poder Judiciário.

Adicionalmente, processos complexos exigem atuação estratégica envolvendo muitas vezes


a participação direta dos órgãos do sistema de Justiça e de outros Poderes. A Resolução que
dispõe sobre a cooperação prevê essas parcerias, além de instituir colegiados que facilitam
atuação colaborativa como a Rede Nacional, os núcleos nos tribunais, comitês estaduais de
cooperação e o Comitê Executivo da Rede de Cooperação Judiciária que conta com a coor-
denação do CNJ. A rede de cooperação é forma igualmente interessante para apoio técnico e
administrativo ao(à) juiz(a) na condução de um processo complexo, podendo ser associada às
ferramentas: “Observatório” (vide item 6) e “Comissão de Apoio” (vide item 7), com objetivo de
minimizar a solidão institucional e o isolamento do(a) magistrado(a).

Por fim, viu-se que a Resolução CNJ n. 350/2020 amplia a possibilidade de cooperação para a
esfera interinstitucional, viabilizando diálogo e estratégias conjuntas, inclusive pré-processu-
ais, a exemplo das Agências Reguladoras e de outras entidades, algo que pode ser maximiza-
do se utilizado conjuntamente com as ferramentas: “Observatório” (vide item 6) e “Comissão
de Apoio” (vide item 7). A título de exemplo, o TRF 5 se valeu, além de atos concertados com
a Justiça Trabalhista, de cooperação com o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do
Norte, a Caixa Econômica Federal e com a Secretaria do Município de Natal para adequado
tratamento de demanda complexa.34

5.2.2. COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA E COMPETÊNCIA ADEQUADA

Outro aspecto que merece destaque é a viabilidade conferida pelo art. 6º, V, da Resolução
CNJ n. 350/2020, para que os atos de cooperação sejam utilizados para definição do juízo
competente na decisão sobre questão comum, semelhante, ou de algum modo relacionada,
respeitadas as regras constantes nos artigos 62 e 63 do CPC. Alguns tribunais têm utilizado
o permissivo, em associação com a ferramenta mediação/conciliação (vide item 1) para – via
ato concertado e negócio jurídico processual – centralizar processos individuais envolvendo
o conceito de estado inconstitucional de coisas a demandar tratamento diferenciado/estru-
tural.

Essa solução foi adotada pelo TRF 5, em caso relacionado a mais de 200 ações individuais
envolvendo crianças autistas, conforme explicado em estudo promovido por Desembarga-

34. Martins, L. R. Idem. P. 20.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 26


dor do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE). O Juízo da 6ª Vara Federal de
Fortaleza, para quem foram inicialmente distribuídas 19 ações, ao perceber necessidade de
tratamento diferenciado, realizou audiência com as partes na qual celebrou negócio jurídico
processual para reunir e coletivizar as 19 demandas individuais, alterando a classe processual
para ação coletiva. Na mesma oportunidade, o magistrado expediu ofício às varas federais
cíveis de Fortaleza comunicando a coletivização das demandas e sugerindo o envio dos pro-
cessos para aquela unidade judiciária.35

Assim o juízo da 6ª Vara Federal de Fortaleza, em ato de cooperação judiciária para centrali-
zação de processos individuais e julgamento conjunto, recebeu quase 200 ações que passa-
ram a integrar – em consenso com as partes – referida coletivização e a receber tratamento
uniforme/diferenciado de demanda complexa. Ainda conforme relato do Desembargador,
a reunião desses processos individuais por meio de negócio jurídico processual com todas
as partes evitou interposição de recursos, facilitando a coletivização. Desse modo, apesar da
utilização do negócio jurídico processual, nesse exemplo, ser dispensável para reunião dos
processos, considerado o disposto no art. 55, § 3º, do CPC, o uso do referido instrumento neu-
tralizou possíveis inconformismos das partes no que se refere à interposição de recursos e/ou
suscitação de conflito de competência. Houve, então, exercício coordenado de competência
em benefício da celeridade, economia processual e eficiência na prestação jurisdicional, com
a utilização simultânea das ferramentas mediação/conciliação/negócio processual e coopera-
ção judiciária.36

35. Filho, Sílvio Neves Baptista. Coletivização De Demandas E Tratamento Estrutural. Negócio Jurídico Processual E Cooperação Judi-
ciária: O Caso Da Fundação Casa Da Esperança. In: Bocheneck, A.C (coord.). Demandas Estruturais e Litígios Complexos: Casos Práticos
Analisados no Mestrado da Enfam. Brasília: Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam. 2022. pp. 35-36

36. Ibidem. P. 39

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6. RESOLUÇÃO CNJ N. 349/2020: CENTROS DE INTELIGÊNCIA

6.1. DESCRIÇÃO

A Resolução CNJ n. 349/2020, dispõe sobre a criação dos Centros de Inteligência e tem como
propósito o monitoramento das demandas judiciais para prevenção de litígios na origem,
gestão de demandas repetitivas bem como o gerenciamento de precedentes. Dessa forma,
a atuação dos Centros de Inteligência é voltada para a celeridade dos processos, buscando
identificar soluções comuns em causas semelhantes que se repetem nos milhares de pro-
cessos em tramitação. A estrutura dos Centros é direcionada à construção de respostas para
causas repetitivas, padronizando a atuação dos magistrados.

6.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DAS DEMANDAS COMPLEXAS: GESTÃO PROCES-


SUAL, FORMAÇÃO DE EQUIPES DE TRABALHO REMOTO E EFICIÊNCIA

Os Centros de Inteligência possibilitam aos tribunais e magistrados(as) de demandas comple-


xas, gestão processual cooperativa, em rede, por meio do diálogo interinstitucional em busca
de soluções sistêmicas. De acordo com relatos da Juíza Federal do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região (TRF 1) e do Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territó-
rios (TJDFT), em publicação temática da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados (Enfam) sobre Inovação Judicial, a colaboração é pressuposto lógico do fluxo
procedimental dos Centros de Inteligência e tem como fundamento a abertura do diálogo,
a inclusão, a transparência e a segurança.37 Além disso, trata-se de mecanismo com vocação
para incrementar a inteligência organizacional do juízo da demanda complexa, fornecendo
informações gerenciais que permitam “(...) buscar caminhos e subsidiar tomadas de decisão,
no sentido de identificar, mapear e resolver os conflitos com uma perspectiva macro, de for-
ma extrajudicial se possível, como alternativas à solução judicial fragmentada.”38

Conforme indicado no item 2.2.1 acima, os Centros de Inteligência podem ser associados à
ferramenta Núcleo 4.0, dando auxílio aos tribunais no desenho dos Núcleos em Demandas
Complexas, na identificação da quantidade e da frequência desse tipo de litígio na jurisdição
do tribunal. Ademais, é obrigatória consulta prévia aos Centros de Inteligência na formação
de Equipes Remotas Virtuais (forças-tarefas de juízes(as) e servidores(as)) e atuação coopera-
tiva entre tais equipes e os Centros, conforme determinado no § 2º do art. 12-A da Resolução
CNJ n. 375/2021: “no âmbito do tratamento adequado de demandas estratégicas ou repetiti-
vas e de massa, a criação de Equipes de Trabalho Remoto deverá ser precedida de consulta
aos Centros de Inteligência dos Tribunais envolvidos e, uma vez instituídas, deverão atuar
de forma sinérgica e em cooperação com estes” (grifamos e destacamos).

Os Centros de Inteligência também podem ser utilizados para mapeamento das demandas
de massa do acervo do(a) magistrado(a) da causa complexa, além de, em conjugação com a

37. De Moraes, Vânila Cardoso André. Centros De Inteligência Da Justiça Federal: Um Design Organizacional Que Deu Certo In: Lunar-
di, F. C e Clementino, M. B. M (coord.). Inovação Judicial: Fundamentos E Práticas Para Uma Jurisdição De Alto Impacto. Brasília: Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam. 2021, p.476

38. Lunardi, Fabrício Castagna. Inteligência Organizacional E Inovação No Poder Judiciário: A Experiência Do Centro De Inteligência
Da Justiça Do Distrito Federal, In: Lunardi, F. C e Clementino, M. B. M (coord.). Inovação Judicial: Fundamentos E Práticas Para Uma
Jurisdição De Alto Impacto. Brasília: Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam. 2021, p. 489.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 28


ferramenta Laboratório de Inteligência (vide item 5), permitir traçar o perfil dessas demandas
de massa e dos grandes litigantes do acervo do(a) juiz(a). Tal diagnóstico, por sua vez, fornece
elementos para elaboração de plano de gestão do acervo; esse planejamento pode incluir, _
em associação às ferramentas da cooperação judiciária (vide item 3), do Núcleo 4.0 (vide item
2), e da mediação/conciliação (vide item 1), estratégia envolvendo juiz(a) colaborador(a) ou
mutirão de juízes(as), o Núcleo 4.0 de apoio ou utilização do CEJUSC para solucionar de forma
consensual, o estoque de processos de massa ou menos complexos do gabinete. Em resumo,
a conjugação das informações produzidas pelo Centro de Inteligência com as ferramentas
cooperação judiciária, do Núcleo 4.0 de apoio e da mediação/conciliação mitiga o impacto
de tais demandas no acervo do(a) magistrado(a) diminuindo a sobrecarga de trabalho, o que
permitiria ao(à) juiz(a) maior tempo para se dedicar à(s) especificidades das causas(s) com-
plexa(s) sob sua responsabilidade, as quais requerem atuação diferenciada.

Do mesmo modo, o plano de gestão do acervo – embasado no diagnóstico do Centro de Inte-


ligência – pode, dependendo da avaliação do(a) juiz(a) e, em associação com as ferramentas
de mediação/conciliação (vide item 1), bem como a de cooperação judiciária (vide item 3) –,
incluir a coletivização de demandas individuais e a centralização de processos repetitivos que
possuam como pano de fundo estado inconstitucional de coisas a exigir abordagem particu-
larizada e/ou estrutural, nos moldes do exemplo indicado no item 3.2.2 acima.

Outra forma de utilização, conforme mencionado no item 3.2.1 acima, é combinar com a fer-
ramenta Laboratório de Inovação (vide item 5), a fim de identificar com rapidez processos
individuais relacionados à demanda complexa em trâmite em outro ramo da Justiça, a exem-
plo da ação civil pública complexa conduzida em vara federal e de diversas demandas indi-
viduais relacionadas, em curso, na vara estadual. Essa conjugação, aliada às ferramentas de
cooperação judiciária e/ou mediação/conciliação, tem a aptidão de promover, com celeridade,
estratégia e tratamento macroscópico dos litígios incrementando a eficiência na prestação
jurisdicional.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 29


7. RESOLUÇÃO CNJ N. 395/2021: LABORATÓRIOS DE INOVAÇÃO

7.1. DESCRIÇÃO

Os Laboratórios de Inovação foram instituídos pela Resolução CNJ n. 395/2021, com o objetivo
de fomentar a criatividade, a experimentação e a inovação com vista a solucionar problemas
cujas respostas não sejam facilmente identificáveis na lei ou em regulamentos. Isso é feito
sem subordinação hierárquica mediante utilização de metodologias ativas bem como cocria-
ção. Pretende-se assim – em espaço institucional, multidisciplinar e de experimentação – dar
efetividade ao Poder Judiciário por meio de projetos focados em solucionar questões intrin-
cadas que podem envolver aspectos de determinado processo, área do tribunal, rotinas orga-
nizacionais, acervo, sistemas, entre outros. Inovação, nos termos do art. 2º, caput, da referida
Resolução, é definida como “a implementação de ideias que criam uma forma de atuação e
geram valor para o Poder Judiciário, seja por meio de novos produtos, serviços, processos de
trabalho, ou uma maneira diferente e eficaz de solucionar problemas complexos encontrados
no desenvolvimento das atividades que lhe são afetas.” (grifamos)

Conforme explicado em estudo de Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região


(TRF 3): “(...) no lugar de planejar uma solução em gabinete e implantá-la de ‘cima para baixo’,
o grupo envolvido no projeto discute as soluções de forma horizontal, ou seja, deixando de
lado qualquer nível de subordinação hierárquica existente entre seus membros, e trata as
referidas soluções não como decisões já tomadas, mas sim como hipóteses a serem testadas
e validadas pelos usuários. O grupo, em seguida, implementa modelos simplificados dessas
soluções, por meio de protótipos ou produtos de viabilidade mínima, registra os pontos posi-
tivos e negativos a partir dos testes realizados com os usuários, e prossegue desse modo em
ciclos semelhantes, até que uma solução mais robusta e adequada emerja dessa atividade.”39

7.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DAS DEMANDAS COMPLEXAS: ESPAÇO INSTITU-


CIONAL DE EXPERIMENTAÇÃO A SERVIÇO DA CRIATIVIDADE DO(A) MAGISTRADO(A)

Os Laboratórios são espaços institucionais e multidisciplinares, com estrutura enriquecedora


para o Judiciário e que trazem inovação na busca colaborativa de soluções. Atuam a partir da
identificação de um problema ou de uma questão relacionado(a) a algum ponto da deman-
da complexa, do aspecto específico do acervo, da organização/estrutura do gabinete ou da
equipe de apoio do(a) magistrado(a). Importante reforçar que inovação não implica neces-
sariamente no uso de tecnologias, pois pode ocorrer também na organização otimizada e
na gestão do acervo de processos do(a) magistrado(a), assim como no aperfeiçoamento da
rotina da equipe de apoio do(a) magistrado(a) ou inovação para lidar com problemas tanto de
falta quanto de alta rotatividade de servidores(as) na vara.

Mesmo naquelas inovações que porventura envolvam soluções tecnológicas como automa-
ção ou uso de inteligência artificial em determinadas rotinas do gabinete, a sugestão pode
partir do(a) próprio(a) juiz(a) ao invés de aguardar a área técnica. , a . exemplo do juízo da
1ª Vara de Execução Fiscal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT). O magistrado
desenvolveu projeto de automação e inteligência artificial para tarefas de natureza judicial
e cartorária. Conforme seu relato, considerado o disposto em leis distritais que permitiram a
extinção de diversas execuções fiscais, a vara propôs a simplificação de procedimentos refe-
rentes à juntada da petição de desistência e da sentença homologatória, bem como dos atos
subsequentes até o arquivamento definitivo dos autos, o que possibilitou sentenciar, com o
mínimo de intervenção humana mais de 35 mil processos em um mês. Essas ações foram
posteriormente arquivadas em definitivo.40

39. De Lima, Caio Moysés. Idem. P. 114

40. Cavalcante, Weiss Webber Araújo Automação E Inteligência Artificial: Experiências Da Vara De Execução Fiscal Do Distrito Federal
In: In: Lunardi, F. C e Clementino, M. B. M (coord.). Inovação Judicial: Fundamentos E Práticas Para Uma Jurisdição De Alto Impacto.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 30


Outro benefício dos laboratórios consiste no fato de serem espaço de experimentação e
sem hierarquias, o que permite apresentação de ideias de modo mais livre, aberto a críticas,
em diálogos multidisciplinares dentro e fora do Judiciário. Esse ambiente de construção de
soluções cooperativas possibilita, ainda, testar propostas a fim de identificar e corrigir erros
e, a partir daí, implementar a solução. Trata-se, portanto, de terreno fértil para o exercício
da criatividade do(a) magistrado(a), responsável pela condução da causa complexa especial-
mente se for considerado que uma das linhas de atuação dos laboratórios é sobre questões/
problemas sem soluções óbvias ou já previstas em leis ou regulamentos.

Registre-se tambémque o Laboratório de Inovação do TRF 3 (Ijusplab) auxiliou o Projeto no


tocante às inspeções judiciais nos processos complexos, as quais são importantes compo-
nentes da instrução probatória, aspecto intrincado nesse tipo de demanda. Assim, foram re-
alizadas oficinas com dois grupos, compostos por 10 participantes, cada um integrado por
(i) magistrados(as), procuradores(as), defensores(as) e servidores(as) atuantes no Projeto; e
(ii) magistrado(as) e servidores(as) que não possuíam contato prévio com o Projeto. Os dois
grupos produziram protótipos consistentes em propostas de projetos/ações para atuar na so-
lução acerca da inspeção judicial. Vale destacar, ainda, que, de acordo com o Juiz Federal da
3ª região, o laboratório da Seção Judiciária de São Paulo atua de modo coordenado com a
área de Tecnologia da Informação (TI) do tribunal em quatro frentes principais: 1) experiência
do(a) usuário(a) a qual engloba tanto inovação organizacional quanto inovação tecnológica;
2) criação de modelos simplificados de sistemas, quando o laboratório desenvolve esses mo-
delos com o propósito de comunicar de modo claro as características da solução pretendida,
deixando para a TI a incumbência de decidir pela implantação ao final do projeto e concluir o
desenvolvimento, se necessário; 3) gestão de dados na qual o laboratório subsidia a tomada
de decisões gerenciais, aprimorando, por exemplo, fluxos organizacionais de trabalho; e 4)
inteligência artificial.

Em outra situação, a juíza da 2ª Vara Federal de Porto Alegre, do Tribunal Regional Federal da
4ª Região (TRF 4) utilizou o Laboratório de Inovação da Justiça Federal do Rio Grande do Sul
(Inovatchê) de forma associada à ferramenta mediação/conciliação (vide item 1) em sede de
demanda complexa, envolvendo direitos fundamentais da população em situação de rua, no
município de Porto Alegre (Projeto PentaPop).41 O Laboratório possibilitou espaço inovador de
diálogo com as partes, entre eles, representante da população em situação de rua, da socie-
dade civil e outros atores interessados. Além disso, as dinâmicas conduzidas no Laboratório
como escuta dos interessados, visitas in loco à região etc., permitiram olhar diferenciado e
humanizado sobre a população de rua da região (perfil, sonhos, desejos). Essa abordagem
criativa no âmbito do processo complexo, por sua vez, facilitou a construção coletiva de acor-
do entre as partes para o estabelecimento de ações integradas e humanizadas na resolução
do caso.

Brasília: Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam. 2021, p.293.

41. Disponível em https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=4430. Acesso em 07/08/2023.

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8. PORTARIA CONJUNTA CNJ/CNMP N. 1/2019 - OBSERVATÓRIO DE CAUSAS DE GRANDE
REPERCUSSÃO - “OBSERVATÓRIO”

8.1. DESCRIÇÃO

O Observatório foi criado com o objetivo de propiciar atuação conjunta e representativa do


Poder Judiciário e do Ministério Público, nas vias judicial e extrajudicial, para enfrentar situa-
ções concretas de alta complexidade, grande impacto e elevada repercussão social, econômi-
ca e ambiental, nos termos da Portaria Conjunta CNJ/CNMP n. 1/2019, com redação dada pela
Portaria Conjunta CNJ/CNMP n. 4/2023:

Art. 1º Fica instituído o Observatório de Causas de Grande Repercussão, em ca-


ráter nacional e permanente, e com atribuição de promover integração insti-
tucional, elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento
do sistema nacional de justiça, nas vias extrajudicial e judicial, para enfrentar
situações concretas de alta complexidade, grande impacto e elevada repercus-
são ambiental, econômica e social. (grifamos)

O objetivo é unir forças para dar respostas mais efetivas e céleres sobre processos complexos
de grande repercussão, tais como os casos: Mariana, Brumadinho, Pinheiro, Boate Kiss e a
chacina de Unaí. Recentemente, o Observatório incluiu o acompanhamento de processos de
transfobia e casos de crimes dolosos cometidos contra jornalistas. A competência do Observa-
tório encontra-se indicada nos incisos I a IX do art. 2o da Portaria, destacando, entre outras: (a)
propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos extraju-
diciais com o reforço à efetividade dos processos judiciais relativos a fatos de grande impacto
e repercussão, incluindo a implantação e modernização de rotinas, prioridades, organização,
especialização e estruturação dos órgãos competentes do Poder Judiciário e do Ministério
Público; (b) organizar a integração entre membros do Poder Judiciário e do Ministério Público
com a participação de outros segmentos do poder público, da sociedade civil, das comuni-
dades e de outros interessados em debater temas inseridos nas atividades do Observatório;
(c) manter intercâmbio, dentro dos limites de sua finalidade, com instituições e especialistas,
inclusive acadêmicas e organizações da sociedade civil, do país e do exterior, que atuem na
referida temática; e (d) promover cooperação judicial e institucional com tribunais, órgãos do
Ministério Público e outras instituições nacionais ou internacionais.

Critérios de atuação do Observatório estabelecidos no art. 2o-A:

Art. 2º-A O Observatório atuará em questões de grande complexidade, observa-


dos os seguintes critérios:
I – demanda posta em juízo ou procedimentalizada no âmbito do Ministério Pú-
blico: o Observatório atuará apenas em demandas individualizadas perante o
Poder Judiciário ou procedimentalizadas no âmbito do Ministério Público Bra-
sileiro;
II – diversidade da matéria: deve-se buscar a atuação em processos específicos
e procedimentos com matérias variadas, de modo a contemplar assuntos que
sejam relevantes para a sociedade brasileira;
III – simbolismo da causa: os processos e procedimentos contemplados, ainda
que não tenham repercussão nacional, devem representar simbolicamente a
matéria a ser acompanhada pelo Observatório.

Além disso, a atuação do Observatório ocorre em três níveis (art. 2o-B):

I – Nível I – Observação: toda questão selecionada pelo Observatório será auto-


maticamente inserida no nível I de atuação, o que importar na observação, com
a notícia da respectiva inclusão;
II – Nível II – Acompanhamento: questões dotadas de maior complexidade, seja
do ponto de vista procedimental ou material, serão elencadas no nível: Acompa-

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nhamento, acritério do colegiado do Observatório, importando solicitações de
informações periódicas às autoridades competentes; e
III – Nível III – Colaboração: questões dotadas de extrema complexidade pro-
cedimental ou material, bem como de externalidades negativas que possam
atrapalhar a celeridade do procedimento, serão alocadas no nível: Colaboração,
a critério do colegiado do Observatório, que utilizará mecanismos de apoio e
cooperação para o deslinde da questão.
Parágrafo único. Em todos os níveis relacionados à atuação, o Observatório exer-
cerá sua atribuição pelo prazo de um ano, renovável por igual período.

8.2. FORMAS DE UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DE DEMANDAS COMPLEXAS: OBSERVAÇÃO,


ACOMPANHAMENTO E COLABORAÇÃO

O(A) magistrado(a) que recebe demanda complexa pode requisitar a avaliação do caso pelo
Observatório e, a depender do contexto e de suas necessidades, conseguir apoio em ações
interinstitucionais na busca por cooperação e no estreitamento das relações e dos diálogos
entre as partes envolvidas, além do monitoramento do caso, conforme classificação do ní-
vel de atuação do Observatório no feito (art. 2o-B, incisos I, II, III). De acordo com o art. 2o-B
da Portaria Conjunta CNJ/CNMP n. 1/2019, todo processo selecionado pelo Observatório é
automaticamente inserido no nível I, independente de qual seja observação; e isso, por si só,
já insere o processo complexo em radar diferenciado no tribunal em que tramita.

Registre-se ainda que além de ser composto por integrantes do Judiciário e do Ministério Pú-
blico, o Observatório conta com a participação, na condição de observadores, do Advogado-
-Geral da União, do Defensor Público-Geral Federal e do Presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil (art. 3o-A). Considerando essa composição, com as atribuições do Observatório no
sentido de manter intercâmbio, integração e cooperação com instituições nacionais/interna-
cionais, tem-se que tal ferramenta possui vocação de facilitar a interação do Poder Judiciário
com outros segmentos do Poder Público, da sociedade civil e especialistas. Essa atuação por
meio do Observatório, por sua vez, amplia os espectros de solução do litígio, notadamente
pela grande capacidade de mobilização desse órgão macrogestor. Com isso, o Observatório
pode contribuir para respostas mais efetivas do Sistema de Justiça em relação às deman-
das complexas. Ainda dentro desse quadro, essa ferramenta pode ser associada à ferramenta
Comissão de Apoio(vide item 7), maximizando atuação cooperativa no âmbito do litígio em
auxílio ao juízo natural da causa.

No caso Mariana, o Observatório viabilizou articulação conjunta do CNJ com o Tribunal Regio-
nal Federal da 6ª Região para apoiar o trabalho das equipes das varas que atuam no processo,
com o objetivo de conferir celeridade processual. Também conforme indicado nos itens 1.2.1 e
1.2.3 acima, o Observatório promoveu capacitação de servidores do Judiciário em negociações
de causas complexas, workshop com foco em barragens, além de, atualmente, auxiliar na re-
pactuação de acordo no caso. O trabalho do Observatório nas novas rodadas de negociação,
em busca de repactuar o acordo inicialmente firmado em 2016, ocorreu a partir da solicitação
do juiz federal responsável pela causa, considerada a magnitude da demanda. Registre-se,
ainda, conforme relatório temático elaborado pela Comissão Permanente de Acompanha-
mento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, outras atuações do
Observatório no caso Mariana: 42
1. Integração e apoio aos(as) magistrados(as) responsáveis pelo caso nas diversas esferas (i.e TJMG, TJES, TRF1, TRF2

42 Desastre da Barragem de Fundão: caso Mariana / Conselho Nacional de Justiça; Coordenadora Maria Tereza Uille Gomes; Comis-
são Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. – Brasília: CNJ, 2021, disponí-
vel em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/ODS-11-Caso-Mariana-Barragens_17_06_21.pdf. Acesso em 12/08/2023

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 33


e TRT17), de forma a organizar as demandas dos atingidos e buscar tratamento adequado;
2. Determinação do Ministro Presidente do CNJ à Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégi-
ca (SEP) para alteração da Tabela Processual Unificada (TPU), incluindo o assunto: “12470 Mariana”, para que os
processos sejam previamente cadastrados a fim de facilitar a extração de dados estatísticos e promover o acom-
panhamento da razoável duração do processo;
3. Transparência à atuação jurisdicional e sistematização, por meio de painel de BI, de mais de 88 mil processos
relacionados ao caso _ realizado pela primeira vez pelo CNJ nessa magnitude, unificando dados da Justiça Esta-
tual, Federal e do Trabalho _, permitindo visão estratégica do impacto processual no Poder Judiciário nacional;
4. Atenção às demandas das vítimas indiretas da tragédia ambiental como os pescadores do Rio Doce; e
5. Digitalização dos autos.

Ademais, conforme indicado no item 1.2.3, o Observatório também possibilitou que o CNJ
mediasse acordo no caso Pinheiro, onde 14 mil imóveis foram desocupados em razão de afun-
damento do solo causado pela mineração, no estado de Alagoas.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 34


9. NOVA FERRAMENTA: PROPOSTA DE CRIAÇÃO DE COMISSÃO DE APOIO À SOLUÇÃO DE
DEMANDAS COMPLEXAS

As seções anteriores desse Guia Prático demonstraram necessidade de atuações e respostas


diferenciadas para eficiente prestação jurisdicional nesse tipo de processo, o que inclui rede
permanente de cooperação. Dentro desse contexto e também considerando o feedback do(s)
juízes(as) participantes do grupo central do Projeto, entende-se salutar que os tribunais esta-
beleçam, por meio de ato normativo, Comissão de Apoio à Solução de Demandas Complexas
(Comissão de Apoio), com objetivo de propiciar articulação integrada, além de concentrar
esforços do Poder Judiciário de modo a obter soluções mais eficientes e céleres aos jurisdi-
cionados.

Essa Comissão de Apoio, por sua vez, seria designada por ato do(a) presidente do tribunal e
teria uma estrutura geral, “guarda-chuva”, também definida pela própria Corte. A Comissão
atuaria sempre a partir de requerimento prévio do(a) juiz(a) natural da demanda complexa,
em qualquer fase do processo, quando necessário maior suporte na causa. O(a) juiz(a) natural
da demanda, como titular da causa, deve permanecer na condução do feito, não havendo
transferência de responsabilidade do juízo natural à Comissão de Apoio.

No delineamento da Comissão de Apoio, é possível conjugar uma ou mais ferramentas des-


te Guia na própria redação do ato normativo, a exemplo do efetivado pelo TRF 2. O tribunal
inseriu a ferramenta cooperação judiciária no texto da Resolução sobre o Núcleo 4.0, permi-
tindo critérios mais flexíveis e adequados de distribuição dos processos. Outro modelo dessa
associação de ferramentas dentro do próprio ato normativo, é a Resolução CNJ n. 375/2021,
que inseriu a ferramenta Centros de Inteligência no texto relacionado às equipes remotas de
trabalho (vide itens 2.1 e 2.1.1 acima).

Assim, sempre a partir de requerimento prévio do juízo natural, um dos possíveis escopos da
Comissão pode ser a de organizar equipe de apoio técnico e administrativo para atuar nos
aspectos operacionais da demanda complexa. Outro eixo de atividade da Comissão pode
ser facilitar o diálogo entre o(a) magistrado(a) da demanda complexa, os órgãos do Poder
Judiciário (apoio institucional) e órgãos de instituições distintas (apoio interinstitucional). Ou-
tra possível atribuição da Comissão, seria agir em situações nas quais haja ameaça à vida e/ou
à integridade física do(a) magistrado(a) da demanda complexa. A atuação da Comissão pode
ocorrer, ainda, de forma associada à ferramenta Observatório (vide item 6), aperfeiçoando a
rede de cooperação ao juízo natural do litígio complexo e minimizando a solidão institucional.
É possível, por fim, que a configuração da Comissão inclua aspectos similares aos das Comis-
sões de Conflitos Fundiários determinados na ADPF 828. Outra sugestão, é inserir a ferra-
menta cooperação judiciária no ato normativo da Comissão para viabilizar, sempre a partir de
requerimento do(a) juiz(a) da causa, a designação de Comitês de magistrado(a)s para auxílio
e atuação conjunta com o juízo natural do processo complexo, conforme a necessidade es-
pecífica de cada demanda em modelo cooperativo (vide item 3). A seleção dos(as) magistra-
dos(as) integrantes desses Comitês, por sua vez, pode ser feita a partir da listagem de experts
acima indicada ou levar em conta critérios objetivos, tais como: experiência em demandas
complexas, processos complexos julgados ou em julgamento com resultados satisfatórios,
especialização quanto a determinado tema, entre outros. Ressalte-se, novamente, que o juízo
natural é o titular da causa e deve permanecer na condução do processo complexo.

A sugestão de inserção da ferramenta cooperação judiciária quando do delineamento norma-


tivo sobre a Comissão de Apoio para operacionalizar mediante requerimento do juízo natural
colaboração dos próprios pares, em formato de Comitês, tem como perspectiva modelo de
atuação menos solitário do(a) juiz(a). Tal associação de ferramentas no desenho da Comissão
de Apoio, além de mitigar a solidão institucional, abre caminho para prestação jurisdicional
mais cooperativa e adequada a esse tipo específico de demanda. Por fim, registre-se que a
doutrina pátria sugere, ainda, criação de “grupos volantes de juízes especializados” para atu-
ação organizada na solução de processos complexos, tendo em vista lógica mais flexível de

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 35


estrutura judiciária em modelo compatível ao sugerido no presente Guia Prático.43

Além disso, outras possíveis linhas de atuação da Comissão de Apoio podem incluir o acom-
panhamento dos litígios complexos, o compartilhamento de práticas exitosas nesses proces-
sos, a elaboração de manuais práticos etc. Assim, a Comissão de Apoio teria configuração
mais genérica, “guarda-chuva”. O ato normativo, além de estabelecer missão institucional e
estrutural da Comissão de Apoio, indicaria os critérios objetivos para definição das demandas
complexas abarcadas, designação mediante requerimento prévio do juízo natural e por ato
do presidente do tribunal, atribuições da Comissão, formas de implementação dos Comitês
de magistrados(as), respectivos critérios de seleção do(a)s juízes(as) integrantes, hipóteses,
prazos e formas de atuação dos Comitês, entre outros aspectos.

Considerado o exposto, entende-se adequado que o tribunal considere as seguintes premis-


sas no ato normativo referente à Comissão de Apoio à Solução de Demandas Complexas:

i. estabelecimento da missão e do objetivo da Comissão de Apoio à Solução de Demandas Complexas;


ii. definição de demanda complexa para o fim de atuação da Comissão de Apoio à Solução de Demandas Comple-
xas;
iii. estabelecimento de critérios objetivos para identificação de demanda complexa;
iv. requerimento prévio do juízo natural da demanda complexa em qualquer fase do processo. O juízo natural é o
titular da causa e deve permanecer na condução do processo complexo;
v. designação da Comissão de Apoio à Solução de Demandas Complexas por ato do presidente do tribunal;
vi. composição e estrutura da Comissão de Apoio, recomendando-se que haja representante da Corregedoria Geral
do Tribunal e do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), com competência para condu-
zir mediação de demandas estruturantes;
vii. definição de atribuições e eixos de atuação da Comissão de Apoio, tais como: (a) organizar equipe de apoio técni-
co e administrativo para atuar nos aspectos operacionais da demanda complexa; (b) facilitar o diálogo entre o(a)
magistrado(a) da demanda complexa,órgãos do Poder Judiciário (apoio institucional) e de outras instituições
(apoio interinstitucional); (c) atuação da CASDC em situações nas quais haja ameaça à vida e/ou integridade fí-
sica do(a) magistrado(a) da demanda complexa; (d) identificar magistrados(as) com experiência em ações com-
plexas e criar listagem de experts ; (e) em associação à ferramenta cooperação judiciária, designar Comitês de
magistrado(a)s para auxílio, em caráter temporário, ao juízo natural do processo complexo; (f) estabelecer crité-
rios objetivos e imparciais na seleção do(as) magistrado(a)s integrantes do Comitê; (g) incentivar odiálogo, assim
como as soluções consensuais, além da utilização das ferramentas institucionais apresentadas no presente Guia
Prático; (h) convidar o CNJ para avaliar o apoio na solução da demanda por meio do Observatório de Causas de
Grande Repercussão; (i) interagir com outras CASDC instituídas pelos demais tribunais; (j) acompanhamento dos
litígios complexos, compartilhamento de práticas exitosas nesses processos, elaboração de manuais práticos; e
(k) entre outros eixos de atuação/atribuições.

43 Cabral, Antonio do Passo. Ibidem. Item 4.7.4.2

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 36


10. CONCLUSÃO

10.1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente Guia Prático abordou seis ferramentas institucionais atualmente vigentes, além
de possíveis formas de utilização associada desses recursos no âmbito de demandas comple-
xas. Indicou-se também alguns exemplos práticos selecionados da literatura e das pesquisas
realizadas com o grupo focal de magistrados(as) que auxiliam no Projeto. Adicionalmente,
o Guia recomenda a criação, por parte dos tribunais, de nova ferramenta denominada Co-
missão de Apoio à Solução de Demandas Complexas, fornecendo premissas básicas a serem
observadas na elaboração do ato normativo.

A análise das ferramentas, por sua vez, corroborou o indicado na introdução: as demandas
complexas inserem o(a) juiz(a) e o Poder Judiciário em cenário desafiador. Com efeito, a maio-
ria das resoluções examinadas nesse documento é muito recente e a utilização dessas me-
didas ainda está em fluxo progressivo de construção. Isso significa que as respostas serão
vivenciadas e amadurecidas ao longo do tempo de modo que a própria configuração atual
das ferramentas poderá ser ajustada e aperfeiçoada no futuro. Por esse motivo, reforce-se que
este Guia Prático deve ser visto como documento em aberto e, apesar de oferecer sugestões
de utilização das ferramentas institucionais no âmbito de demandas complexas, não apresen-
ta soluções definitivas.

Mesmo que as ferramentas apresentadas neste documento facilitem uma abordagem mais
uniforme e integrada no tratamento de demandas complexas, registre-se que o Guia não
determina fórmula padrão a ser seguida. A escolha e o modo de operação de uma ou mais
ferramentas dependem da especificidade do processo e, principalmente, da percepção do(a)
magistrado(a) sobre os contornos do caso. Assim, inobstante o caráter geral e homogêneo
dos recursos institucionais apresentados, não se pode desconsiderar o papel do(a) juiz(a) em
tal tipo de processo. Sobre esse último aspecto, vale o registro da pesquisa qualitativa reali-
zada com magistrado(a)s australianos 44cujo objetivo foi averiguar como tais juízes(as) con-
ciliam os princípios da justiça e da eficiência ao decidir processos complexos.45 No estudo,
foram realizadas entrevistas aprofundadas com grupo de juízes(as) seniores com experiência
em casos complexos. 46 Pretendeu-se compreender detalhes referentes à subjetividade das
pessoas responsáveis por julgar tais processos, dando oportunidade para que esses(as) juí-
zes(as) refletissem sobre suas atuações, além da tarefa de conciliar justiça e eficiência sobre
as demandas complexas.

A partir disso, o exame qualitativo conseguiu mapear o perfil e identificar quatro caracterís-
ticas comuns desses magistrados(as) denominados(as) “mega-litigation judges”: (i) são ati-
vos(as) na condução do caso; (ii) criativos(as) em achar novas formas de lidar com litígios
complexos; (iii) flexíveis na abordagem do procedimento; e (iv) justos. Essas características,
por sua vez, teriam significativa contribuição na condução eficiente desse tipo específico de
demanda. Envolvimento e imaginação ao invés da mera aplicação passiva de regras, são os
traços marcantes desses(as) juízes(as) que, ao abarcarem novas soluções para os desafios
envolvendo demandas complexas, visam melhorar a eficiência sem comprometer a justiça.
Ainda de acordo com a autora da pesquisa, o(a) magistrado(a) com experiência em litígio
complexo, mas sem visão criativa, ativa e flexível, tem menor propensão a atuar de forma

44 Olijnyk, Anna. Justice and Efficiency in Mega-Litigation, Australia, 2014, 299 pp. Tese de doutorado disponível em https://digital.
library.adelaide.edu.au/dspace/bitstream/2440/91442/3/02whole.pdf. Acesso em 11/08/2023.

45 O estudo mencionado foca em casos complexos empresariais definidos como ‘mega-litigation’ por envolverem múltiplas par-
tes, alto risco, complexidade jurídica e fática, grande volume de documentação e tempo prolongado de audiência. Ibidem, pp. 25-39.

46 De acordo com a autora, a amostragem da pesquisa qualitativa foi de 16 juízes(as). O objetivo da amostragem, por sua vez, não
foi obter dados estatísticos para generalização, mas possibilitar investigação aprofundada e detalhada sobre a subjetividade e visões
filosóficas das pessoas responsáveis por julgar processos complexos. Ibidem, pp. 251-253.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 37


eficiente na causa.47

Outro ponto relevante do presente Guia Prático, é a perspectiva de que justiça e eficiência são
princípios complementares não excludentes entre si. Assim, o melhor desempenho da ativi-
dade judicial mediante aplicação das ferramentas ora apresentadas, em consonância com
o art. 37 da Constituição Federal e o art. 8o do CPC, fortalece as garantias fundamentais não
apenas das partes litigantes, mas também dos jurisdicionados, considerado o impacto social
das demandas complexas e respectivas repercussões no próprio Sistema Judiciário. Ao adotar
a eficiência como uma das diretrizes para o cumprimento da missão constitucional do Poder
Judiciário, revigora-se a confiança da sociedade com as instituições judiciais e consequente
percepção do Sistema de Justiça como espaço adequado à tutela dos direitos fundamentais
da população.

Eficiência no âmbito de demandas complexas, contudo, não significa mera deliberação quan-
titativa de processos. Com efeito, os exemplos práticos e as formas de utilização das ferramen-
tas apresentadas no presente Guia demonstram que outras variáveis devem ser consideradas
quanto à avaliação da eficiência processual para tais litígios. Consequentemente, competên-
cia para esse tipo singular de demanda deve ser compreendida e mensurada de acordo com
as nuances, as peculiaridades e as exigências específicas envolvendo processos complexos. 48

47 “The mega-litigation judge is highly active participant in the preparation and presentation of the case; is creative in finding new
ways in dealing with mega-litigation; is flexible in their approach to procedure; and places high priority on fairness. (…) I conclude that
these personal factors make a significant – and inescapable – contribution in the way in which judges deal with mega-litigation (…)
A judge who comes to the bench with experience in complex litigation, but without the creative, active, flexible outlook explored in
this chapter is not likely to manage the mega-litigation in an efficient manner. (…) Mega-Litigation judges are highly engaged par-
ticipants in litigation from its earliest stages; they mould procedures to suit the needs of each case (…) Involvement and imagination,
rather than the passive application of the rules, are the hallmarks of the mega-litigation judge. (…) By embracing novel solutions to
the challenges of mega-litigation, judges look for ways of improving efficiency without compromising justice between the parties.”
(Ibidem, p. 131 e p. 155. Ênfase no original)

48. Considerando esse enfoque, o CNJ, mediante a Portaria Presidência n. 102/2023, instituiu Comitê Técnico destinado a promover
estudos com vistas à construção de indicadores de metas de produtividade aderentes às especificidades desse tipo de demanda.
Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/compilado12163920230529647497a763a3f.pdf. Acesso em 18/08/2023.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 38


10.2. RESUMO DAS FERRAMENTAS

Ferramenta 1: Resolução CNJ n. 125/2010 – Meios Adequados de Solução de Conflitos

• Mapear as questões pautadas no processo;


Cisão das questões mais simples, questões periféricas e questões passíveis de solução consensual;
• Colaboração contínua com o CEJUSC para apoio tanto em negociações conduzidas pelo juízo con-
dutor quanto pelo mediador(a) ou juiz(a) responsável no CEJUSC;
Cooperação com juiz(a) colaborador(a), juiz(a) consultor(a) externo(a), mutirão de juízes(as);
• Combinação entre as ferramentas: laboratório de inovação, cooperação judiciária e observatório de
causas de grande repercussão;
• Alinhamentos necessários à condução das negociações, periodicamente, entre a vara e o CEJUSC;
e
• Negócios Jurídicos Processuais.

Ferramenta 2: Resoluções CNJ n. 385 e 398/2021 – Núcleos de Justiça 4.0; e Resolução CNJ
n. 375/2021 – Equipes de Trabalho Remoto

• Transposição de fronteiras territoriais;


• Balanceamento adequado entre os critérios da especialidade e da territorialidade no desenho da
competência do núcleo, conforme as peculiaridades das demandas complexas identificadas pelo
tribunal na sua área de jurisdição, por exemplo, quantidade e frequência de litígios complexos;
• Possibilidade de estabelecimento de critérios flexíveis e adequados na distribuição dos processos
do núcleo;
• Mobilidade funcional e segurança de magistrados(as);
• Alcance de maior eficiência caso magistrado(a)s e servidores(as) do núcleo atuarem em dedicação
exclusiva, sem acúmulo de funções;
• Formação de equipes remotas;
• Elaboração de documentos e desenvolvimento de boas práticas para auxiliar tribunais e varas judi-
ciárias na atuação/tramitação de processos complexos; e
• Conciliação das ferramentas: cooperação judiciária, centros de inteligência e laboratório de inova-
ção.

Ferramenta 3: Resolução CNJ n. 350/2020 – Cooperação Judiciária

• Ampla sinergia com as demais ferramentas;


• Possibilidade de utilização abrangente e inovadora, observados os limites legais e constitucionais;
• Juiz(a) consultor(a) externo(a), juiz(a) colaborador(a), mutirão de juízes(as), juiz(a) auxiliar, gestão de
transição de magistrados e outras formas de colaboração;
• Possibilidade de mitigação da atuação solitária do(a) juiz(a) em direção ao modelo cooperativo de
decisão judicial nos processos complexos;
• Disseminação de boas práticas; e
• Rede de Cooperação Judiciária.

Ferramenta 4: Resolução CNJ n. 349/2020 – Centros de Inteligência

• Possibilitar o mapeamento e fornecimento de elementos para gestão processual do acervo;


• Consulta prévia obrigatória aos Centros de Inteligência na formação de Equipes Remotas Virtuais,

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 39


bem como posterior atuação cooperativa (art. 12-A, § 2º, da Resolução CNJ n. 375/2021);
• Possibilidade de auxiliar os tribunais no desenho dos Núcleos 4.0 em Demandas Complexas ao iden-
tificar a quantidade e a frequência desse tipo de litígio na jurisdição do tribunal; e
• Conjugação com as demais ferramentas dependendo da estratégia adotada na gestão do acervo.

Ferramenta 5: Resolução CNJ n. 395/2021 – Laboratórios de Inovação

• Fomentar, em espaço institucional multidisciplinar, a criatividade, a experimentação e a inovação na


busca colaborativa de soluções de problemas cujas respostas não sejam facilmente identificáveis na
lei ou em regulamentos;
• Utilização de metodologias ativas bem como cocriação;
• Ausência de subordinação hierárquica, apresentação de ideias de modo mais livre, aberta a críticas,
em diálogos multidisciplinares dentro e fora do Judiciário; e
• Conjugação com as demais ferramentas, com incremento de resultados.

Ferramenta 6: Portaria Conjunta CNJ/CNMP n. 1/2019 - Observatório de Causas de Grande


Repercussão - “Observatório”

• Órgão macrogestor com maior capacidade de mobilização, ampliando os espectros de solução do


litígio;
• Intercâmbio, integração e cooperação interinstitucionais em âmbito nacional e internacional;
• Observação, acompanhamento e colaboração com o(a) magistrado(a); e
• Conjugação com as demais ferramentas, com acréscimo de resultados.

Nova Ferramenta: Proposta de Criação de Comissão de Apoio à Solução de Demandas


Complexas

• Acionada mediante requerimento prévio do juízo natural da demanda complexa em qualquer fase
do processo. O(a) juiz(a) natural da demanda, como titular da causa, deve permanecer na condução
do feito, sem transferência de responsabilidade do juízo natural à Comissão de Apoio;
• Designada por ato do presidente do tribunal;
• Possibilidade de atuação na organização das equipes de apoio técnico e administrativo em relação
aos aspectos operacionais da demanda complexa;
• Perspectiva de apoio institucional e interinstitucional ao(à) magistrado(a) da causa;
• Possível identificação de magistrados(as) com experiência em ações complexas e criação de lista-
gem de experts com base em critérios objetivos;
• Probabilidade de designar, em associação à ferramenta cooperação judiciária, equipes de trabalho
em formato de Comitês de magistrados(as) para auxílio e atuação conjunta com o(a) magistrado(a)
natural do processo complexo, conforme a necessidade específica de cada demanda, em modelo
cooperativo;
• Possibilidade de atuar em situações nas quais haja ameaça à vida e/ou à integridade física do(a)
magistrado(a) da demanda complexa;
• Outras atribuições ou eixos de atuação a serem definidos pelo tribunal; e
• Conjugação com as demais ferramentas, incluindo resultados.

GUIA PRÁTICO DE FERRAMENTAS INSTITUCIONAIS 40


11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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