Vulvvaginite
Vulvvaginite
Vulvvaginite
ISSN: 0100-2929
[email protected]
Faculdade de Medicina de Jundiaí
Brasil
Ferrian, Andréa Marta; Simões, Fernanda Cristina; Caruso, Paula Catarina; Cappi Maia, Edna Marina
Vulvovaginites em crianças e adolescentes: uma revisão qualitativa
Perspectivas Médicas, vol. 18, núm. 1, enero-junio, 2007, pp. 33-38
Faculdade de Medicina de Jundiaí
São Paulo, Brasil
REVISÃO
* Acadêmicas do 6º ano de Curso de Graduação em higiene urinária, fecal e informações específicas, que
Medicina da Faculdade de Medicina de Jundiaí, variam de acordo com o fator causador são
Jundiaí, São Paulo. fundamentais para o sucesso do tratamento das
**Professora Adjunta da Disciplina de Ginecologia da vulvovaginites.
Faculdade de Medicina de Jundiaí, Jundiaí, São Paulo.
ABSTRACT
Instituição e Contato: The vulvovaginitis is the most common gynecologic
Edna Marina Cappi Maia - Faculdade de Medicina de problem during childhood, although the exact
Jundiaí - Rua Francisco Telles, 250 – Vl. Arens. CEP incidence of the disease is unknown. The principal
13202-550 – Jundiaí, SP. Fone: (0XX11) 4587-1095 predisposing factors are poor local hygiene conditions,
a family history of gynecological disorders, infectious
Artigo ainda não publicado. focus, systemic diseases, anatomical abnormalities of
the genital system, intravaginal foreign bodies, and
RESUMO sexual abuse, as well as digestive, urinary, and
A vulvovaginite é um problema ginecológico cutaneous symptoms. The most common clinical
comum na infância e em garotas na pré-menarca symptoms are vaginal discharge, discomfort, pruritus,
embora sua incidência seja desconhecida. Os fatores hyperemia, local irritation, dysuria and bleeding. In
predisponentes mais comuns podem ser causados por order to investigate vulvovaginitis, the clinical history
hábitos de higiene inadequados, história familiar, focos should be taken from the parents and the child and a
infecciosos, doenças sistêmicas, sintomas digestivos, physical examination should be carried out. Thus, the
urinários, cutâneos, conformação anatômica dos aim of the present study was realized a review about
genitais, além de corpos estranhos intravaginais e da vulvovaginitis in the children and adolescents.
possibilidade da ocorrência de abuso sexual. Os Vulvovaginitis in childhood and adolescence can be
sintomas clínicos como corrimento vaginal, nonspecific or specific physiological etiology.
desconforto, dor, prurido, hiperemia, irritação local, Approximately, 70% of cases are of nonspecific
disúria e sangramento são os mais encontrados. Para etiology. Among adolescents leucorrhea is the most
a investigação de uma vulvovaginite a história clínica, common cause. In specific vulvovaginitis,
obtida pelos pais e pela criança além do exame físico, microorganisms such as Candida albicans, group A
deve ser realizada. Assim, o objetivo do presente estudo beta-hemolytic Streptococcus, Gardnerella vaginalis
foi realizar uma revisão qualitativa a respeito das nterobacteriaceae, and Trichomonas vaginalis can be
vulvovaginites na infância e adolescência. As found depending on changes in hormone levels, upper
vulvovaginites na infância e adolescência podem ser de airway infections, parasitosis, and the beginning of
etiologia fisiológica, inespecífica ou específica. Cerca sexual activity. Concluding, the knowledge about fecal,
de 70% são inespecíficas, sendo a leucorréia urinary hygiene and specific information, which
fisiológica a causa mais comum entre as adolescentes. pierced according to the factor causal, are fundamental
Na vulvovaginite específica, microorganismos como for the success of the treatment of the vulvovaginitis.
Candida albicans, Estreptococo beta hemolítico A,
Enterobactérias Gardnerella vaginalis, e Trichomonas INTRODUÇÃO
vaginalis, podem ser encontradas de acordo com As vulvovaginites são comuns na infância e na
alterações nos níveis hormonais, infecções de vias adolescência, embora a sua incidência seja
aéreas superiores ou parasitoses e com a iniciação da desconhecida(1,2,3,4). Vulvovaginite é uma inflamação da
atividade sexual. Concluindo, o conhecimento sobre vulva e do tecido vaginal (5). A vaginite é caracterizada
de uma condição inflamatória no trato genital inferior Pele vulvar fina e sensível a trauma e irritações
pH entre 6,5 e 7,5
feminino(4). Diminuição de mecanismos imunes locais
A epidemiologia e a apresentação da vulvovaginite Hábitos e higiene Limpeza na direção anal-vulvar
diferem na infância e adolescência. Nas primeiras, a Banhos espumantes
infecção começa na vulva e depois se espalha para a Inadequada lavagem das mãos após brincar em locais sujos
Roupas apertadas e tecidos pouco ventilados
vagina; nas adolescentes está associada
Roupas úmidas
particularmente após o primeiro intercurso sexual, Corpo estranho intra-vaginal
envolvendo primeiramente a vagina(1,3). A genitália Abuso e relação sexual
Etiologia Enurese
Sintomas cutâneos Dermatoses extra genitais de localização vulvar
Leucorréia fisiológica
O primeiro episódio de leucorréia fisiológica pode
ocorrer ainda no recém-nascido do gênero feminino, corrimento típico neste caso é escasso, não purulento,
enquanto os níveis de estrogênios maternos ainda mucóide e inodoro.
estiverem presentes. Sendo o corrimento acinzentado e Alguns casos de vulvovaginite não específica
gelatinoso, podendo também apresentar sangue. A podem ser precedidos de infecções do sistema
impregnação hormonal se traduz pelas modificações respiratório ou do tegumento. As mãos contaminadas,
anatômicas (turgescência mamária e dos grandes geralmente com Estreptococos, Enterococos ou
lábios) e cutâneas (pele brilhante e seborréia). Este Proteus, levam estes germes até os genitais. A infecção
período, dura de dois a três meses, podendo haver urinária também pode desencadear a inflamação dos
infecção por Candida albicans(7). tecidos da vulva e da vagina devido ao refluxo de urina
Nas adolescentes a leucorréia fisiológica é o durante a micção.
corrimento vaginal mais comum e não é acompanhado O Haemophilus influenzae é outro responsável por
de outros sintomas. O estrogênio estimula a telarca, parte dos quadros inespecíficos, e a vacinação para a
produção de muco cervical e secreção vaginal cerca de gripe tem diminuído esse achado. A secreção neste caso
6 a 12 meses antes da menarca. A vulva não se inflama, é mucopurulenta ou mucóide, amarelada e sem odor,
não há odor e a secreção não é irritante, geralmente apresentando prurido, disúria, eritema e dor
desaparece quando o ciclo menstrual se normaliza (7). vulvar (1,7,8).
Para as pacientes jovens que têm corrimento mal
Vulvovaginite inespecífica cheiroso, purulento e muitas vezes com sangue, deve-se
Cerca de 70% das vulvovaginites na infância e pensar na presença de corpos estranhos, como papel
adolescência são inespecíficas, sendo resultado de má higiênico e brinquedos. Nas adolescentes, o corpo
higiene, limpeza inadequada, roupas apertadas ou estranho mais comumente encontrado é o absorvente
irritação por banhos espumantes ou sabonetes. Fatores higiênico. A retirada destes objetos pode requerer
como a falta do pH ácido, de ácido lático, de estrogênio, sedação(1,3,6).
de lactobacilos, além do epitélio vaginal afinado estão Alergias também são causa comum de
relacionados a este quadro clínico (Quadro 1). O vulvovaginite inespecífica, tendo Garcia-Aviles et al.
observado um caso de alergia genital ao ácaro durante a infância e adolescência, podendo ser isolada
doméstico em menina de 9 anos de idade(5). em amostras de secreções vaginais de crianças sadias
Vulvovaginites específicas assintomáticas (9) . Deve-se sempre pensar na
É definida como a infecção vulvovaginal por possibilidade do contato sexual quando feito este
microorganismos conhecidos, que podem ser isolados. diagnóstico.
Pode ser causada por bactérias não sexualmente
transmissíveis, bactérias sexualmente transmissíveis Infecção por Trichomonas vaginalis
ou enterobactérias. Sua incidência estimada é de cerca de 3% das
infecções genitais e possivelmente relacionada à
Vulvovaginites por bactérias não-sexualmente produção de estrogênio, assim como a presença de
transmissíveis: infecção transmitida verticalmente(9). É rara a
transmissão indireta como em piscinas, sendo seu
Candidíase período de incubação de 30 dias. A paciente refere
A Candida albicans geralmente não é isolada nas corrimento vaginal amarelo-esverdeado, espumoso e
garotas pré-púberes, pois sua aparição é dependende fétido, disúria e prurido vulvar. O eritema dos genitais
de estrogênio, tendo sua maior freqüência a partir do algumas vezes é acompanhado de hemorragias
início da adolescência. O patógeno também pode ser puntiformes da vagina e cérvice(1). O diagnóstico é feito
encontrado em meninas com fatores predisponentes, pelo exame microscópico da secreção, apresentando
como o uso recente de antibióticos, uso de microorganismos móveis, flagelados e em forma de
anticoncepcionais ou de corticóides, diabetes melittus, lágrima.
imunodeficiência e uso de fraldas(6,7). Ao exame físico, o
achado é o eritema, edema de vulva e mucosa vaginal, Gonorréia
com corrimento branco aderido, grumoso, inodoro e Causada pela Neisseria gonorrhoeae apresenta
ácido. Em muitos casos, fissuras e escoriações secreção abundante, purulenta, meato vaginal e vulva
causadas pelo intenso prurido podem ser encontradas. com sinais inflamatórios. A doença se dá por atividade
Nas garotas mais jovens o eritema perineal com lesões sexual ou pela transmissão ascendente e através do
satélites também é comum (1,7). canal de parto. Mais raramente que as mulheres
adultas, as meninas podem ser portadoras desta
Vulvovaginite por Streptococcus do grupo A e doença. Os sintomas mais comuns são corrimentos
Staphylococcus aureus vaginais abundantes e amarelo-esverdeados, disúria,
A incidência do Estreptoco beta-hemolítico do sangramento inter-menstrual e metrorragia nas
grupo A é de 8 a 47% e vários estudos sugerem que esta adolescentes(1).
infecção provém do trato respiratório ou de origem
epitelial(6). Este patógeno acomete preferencialmente Parasitose
as pré-púberes, ocorrendo leucorréia profusa clara, A Chlamydia trachomatis é um parasita
acometimento inflamatório da vulva e vestíbulo, sendo intracelular obrigatório que foi subdividido em
uma manifestação regional freqüente a anite linfogranuloma venéreo e tracoma, responsável por
eritematosa (2,3,7) . O Staphylococcus aureus é um agente doenças oculogenitais humanas. As infecções são
pouco comum, e não promove vasta sintomatologia (2). agudas, com uma leucorréia purulenta ou serosa. Após
um episódio agudo é possível um longo período
É importante ressaltar que as doenças assintomático. As dores abdominais podem indicar
sexualmente transmissíveis são incomuns nestas infecção ascendente, responsável por danos tubários e
faixas etárias, seu aparecimento leva a pensar em início peritonite subaguda. A infecção por Clamydia
de atividade sexual ou mesmo de abuso e são: confirma o diagnóstico de abuso sexual, quando a
infecção não ocorreu por via perinatal (1).
Gardenerella vaginalis
Desenvolve-se no meio vaginal sem impregnação Herpes genital
estrogênica e com pH elevado. Além do aparecimento Os vírus Herpes simplex também podem causar a
em pré-púberes pode ser encontrada em mulheres no doença genital. Pode ocorrer a transmissão pela via
climatério. É considerada como saprófita que habita o materno-fetal ou perinatal, mas a principal causa dessa
meio vaginal com poucos labtobacilos. Apresenta moléstia é a atividade sexual. As pacientes apresentam
corrimento cinzento, espumoso, com mau odor. No teste prurido vaginal, disúria e dor local. Podem ser
do potássio (“whiff test”) apresenta odor desagradável observadas as vesículas agrupadas e eritematosas, com
característico, pela liberação de putrefinas e dor e erosões. A cultura do vírus confirma o
cadaverinas(7,9). Raramente causa sintomas clínicos diagnóstico (1).