1320-Texto Do Artigo - 5449-1-10-20130603

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 16

Uso de Benzodiazepínicos

em Hipertensos e Diabéticos
de Passo Fundo, RS

Tatiane da Silva Dal Pizzol1,


Maristela Granza2,
Diego Coelho Bastos3

Resumo
O objetivo do estudo foi analisar a freqüência e adequação de uso de
benzodiazepínicos entre adultos e idosos que freqüentavam um programa de
apoio à hipertensos e diabéticos da Secretaria Municipal de Saúde de Passo
Fundo, RS. Os indivíduos elegíveis foram pacientes com 50 anos ou mais que
freqüentavam o grupo de apoio há, pelo menos, um mês. Os dados foram
coletados por meio de um questionário, previamente testado, incluindo ques-
tões sobre o uso de medicamentos nos últimos 15 dias e dados demográficos,
como sexo, idade, estado civil, nível de escolaridade e ocupação principal. Os
nomes dos medicamentos foram confirmados pela conferência das embala-
gens dos produtos ou receitas médicas, armazenadas nos domicílios. As en-
trevistas foram realizadas nos domicílios dos participantes, entre maio e julho
de 2001. De um total de 100 pacientes entrevistados, 16% declararam ter

1
Mestre, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade de Passo Fundo, Campus II.
2
Farmacêutica-Industrial, pela Universidade de Passo Fundo. Responsável Técnica por
Farmácia em Marau, RS.
3
Formando em Farmácia-Bioquímica, pela Universidade de Passo Fundo. Presidente da
Empresa-Júnior de Farmácia da Universidade de Passo Fundo.

REVISTA CONTEXTO & SAÚDE EDITORA UNIJUÍ Ano 03 nº 06 Jan./Jun. 2004 P. 27-42
utilizado benzodiazepínico nos últimos 15 dias. Desses, 81% relataram ter con-
sumido o medicamento todos os dias, nesse período. O tempo de uso dos
benzodiazepínicos foi de 6 meses ou mais para aproximadamente 90% dos
usuários.
Palavras-Chave: benzodiazepínicos, uso de medicamentos, uso crônico.

Benzodiazepine use in Hypertensives and Diabetics Patients of Passo Fundo, RS


Abstract: The objective of this study was to analyze the extent and appropriateness
of benzodiazepine use in adults assessed at a hypertensive and diabetic program
in the Municipal Health Office of Passo Fundo, Rio Grande of Sul. Subjects
eligible were aged = 50 attending in support program for, at least, one month.
Data were collected through questionnaire previously tested. The interviews
took place in participants’ home from May 2001 to July 2001. The questionnaire
included demographics characteristics, such as age, gender, marital status,
educational level and main lifetime occupation. Participants were asked whether,
in the past 2 weeks, they had used medications including both prescription and
over-the-counter drugs. The medications were registered and confirmed by
inspection of drug packages or prescription at home. Of the 100 subjects,
16% reported use of at least one benzodiazepine. Among these, 81% used all
days in the last 15 days. The period of reported use of benzodiazepines was six
months or more for nearly 90% of the users.
Keywords: benzodiazepines, drug utilization, long-term use.
USO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM HIPERTENSOS E DIABÉTICOS DE PASSO FUNDO, RS

Introdução

Desde a introdução do clordiazepóxido em 1960, os


benzodiazepínicos vem sendo largamente utilizados no tratamento da
ansiedade e insônia (Maczaj, 1993; Shader; Greenblatt, 1993). Utiliza-
dos de forma racional, apresentam valor terapêutico bem estabelecido
como hipnóticos e ansiolíticos. Entretanto, os elevados índices de pres-
crição e consumo de benzodiazepínicos, em nível mundial, associados
a sua propriedade de causar dependência, têm preocupado diversas
autoridades de saúde e outros organismos envolvidos com essa pro-
blemática (Woods, 1992; Chetley, 1995).
Apesar da dependência estar relacionada classicamente ao uso
prolongado de benzodiazepínicos, tratamentos tão curtos quanto duas
semanas podem causar sintomas de abstinência (Guimarães, 1999).
Embora doses elevadas provoquem sintomas de abstinência mais in-
tensos, doses terapêuticas também causam dependência, desde que
usadas por tempo suficiente (Dal Pizzol, 1997).
Dados epidemiológicos de consumo de fármacos psicoativos in-
dicam que o aumento da idade é um fator de risco importante não
apenas para o uso desses medicamentos, mas também para o uso
prolongado e dependência (Mellinger et al, 1984; Simon et al, 1996).
Estudo realizado nos Estados Unidos indica que 5 milhões de idosos
apresentam distúrbios do sono e que 35-40% de todas as prescrições de
hipnóticos são fornecidas a pessoas com mais de 60 anos (Gottlieb,
1990). Em outro estudo, Taylor et al (1998) verificaram uma forte
associação entre aumento da idade e uso de hipnóticos em um grupo
de 5.222 pacientes com 65 anos ou mais, provenientes de Liverpool,
Inglaterra. A partir de uma amostra de 140 pacientes atendidos em
um ambulatório de Psiquiatria, na Virgínia, Estados Unidos, Holroyd
e Duryee (1997) verificaram que a dependência aos benzodiazepínicos
era de 11,4%, índice maior que a dependência ao álcool (8,6%).

Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004 29


Tatiane da Silva Dal Pizzol – Maristela Granza – Diego Coelho Bastos

Além do risco de dependência, o uso de medicamentos psicoativos


aumenta as taxas de acidentes, quedas e fraturas (Ray, 1987) e há
evidências de que doses terapêuticas podem prejudicar as funções
cognitivas em idosos (Golombock et al, 1988), mesmo após a interrup-
ção do tratamento (Rummans et al, 1993).
Em um estudo multicêntrico realizado por Nappo e Carlini
(1995), foi verificado um elevado consumo de benzodiazepínicos nos
anos de 1988 e 1989 no Brasil. Outros estudos realizados em diferen-
tes localidades do país apontam para taxas de uso de 13% no último
mês (Wortmann et al, 1994) e 8% nas duas últimas semanas (De Lima,
1999). No entanto, poucos estudos epidemiológicos têm investigado o
uso de benzodiazepínicos na população idosa (Almeida et al, 1999; Huf
et al, 2000) ou portadora de doença crônica associada.
Este trabalho tem o propósito de avaliar o padrão de utilização
de benzodiazepínicos em uma população que apresenta riscos especiais:
doença crônica (hipertensão arterial sistêmica ou diabetes) e idade
igual ou superior a 50 anos.

Material e Método

Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal realiza-


do na área central de Passo Fundo, cidade com aproximadamente
170.000 habitantes, localizada no planalto médio do Rio Grande do
Sul. A população-alvo foi constituída por adultos e idosos com diabetes
e/ou hipertensão arterial residentes em bairros centrais de Passo
REVISTA CONTEXTO & SAÚDE

Fundo. Foram incluídas na amostra pessoas de ambos os sexos, com


50 anos ou mais, que estavam freqüentando há, pelo menos, um mês,
os grupos de apoio a pacientes diabéticos e hipertensos coordenados
pela Secretaria Municipal de Saúde de Passo Fundo. A partir das lis-
tas de pacientes cadastrados nos grupos de apoio a hipertensos e dia-
béticos, fornecidas pela Secretaria, foram selecionados aleatoriamen-
te 100 pacientes que preenchiam os critérios de inclusão, após exclu-
são daqueles pacientes com endereço incorreto ou inexistente.

30 Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004


USO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM HIPERTENSOS E DIABÉTICOS DE PASSO FUNDO, RS

Foi elaborado um questionário padronizado, adaptado do ins-


trumento utilizado por Huf et al (2000) em estudo sobre medicamen-
tos na terceira idade. Foi solicitada a permissão aos autores para a
utilização e adaptação do referido questionário, sendo concedida.
No estudo-piloto o questionário foi testado em cinco pessoas quan-
to à adequação das perguntas e à facilidade de aplicação. O instru-
mento definitivo foi aplicado por um único entrevistador, no domicílio
do paciente. A entrevista iniciava somente após a concordância por
escrito do paciente em participar da pesquisa, por meio do termo de
consentimento assinado. As perguntas eram lidas para o paciente na
mesma seqüência em que apareciam no questionário e as respostas
transcritas nos respectivos espaços. O questionário foi dividido em
três partes principais, sendo que a primeira continha perguntas relacio-
nadas a dados sócio-demográficos, a segunda sobre os medicamentos
utilizados na última quinzena e a terceira sobre o uso eventual de
outros medicamentos. O entrevistador solicitava a apresentação das
embalagens, receitas ou bulas dos medicamentos citados, a fim de
conferir o nome e forma farmacêutica dos mesmos.
Os entrevistados foram categorizados em usuários e não-usuários
de benzodiazepínicos, a partir do relato de uso nos últimos 15 dias. Os
dados obtidos foram pré-codificados antes de serem organizados em
banco de dados e analisados estatisticamente pelo conjunto de progra-
mas EPI-INFO versão 6.04 (Dean, 1998). A análise descritiva utilizada
no tratamento dos dados compreendeu medidas de distribuição (mé-
dia, desvio padrão e freqüência).
De acordo com a Resolução no 196/1996, publicada pelo Conse-
lho Nacional de Saúde, e com as Diretrizes Éticas Internacionais para
a Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, elaboradas pelo Council for
International Organizations of Medical Sciences, em colaboração com
a Organização Mundial da Saúde, as exigências éticas fundamentais
aplicáveis ao presente projeto foram atendidas por meio do termo de
consentimento informado, previamente aprovado pelo Comitê de Éti-
ca da Universidade de Passo Fundo (Conselho..., 1997; Council...,
1997).

Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004 31


Tatiane da Silva Dal Pizzol – Maristela Granza – Diego Coelho Bastos

Resultados

Foram entrevistados 100 pacientes com idade igual ou superior


a 50 anos, no período de 07 de maio a 05 de julho de 2001. A tabela 1
apresenta as principais características sócio-demográficas dos usuários
e não-usuários de benzodiazepínicos. A idade mínima verificada em
toda a amostra foi de 50 anos e a máxima 87, com uma média de 70
anos (+ 7,1). O sexo feminino foi predominante, tanto em usuários
quanto em não-usuários. Em relação ao grau de escolaridade, a maio-
ria relatou possuir primeiro grau incompleto. Quanto à renda por pes-
soa residente no domicílio do entrevistado, 56,25% dos usuários decla-
raram uma renda mensal igual ou inferior a 250 reais per capita, ao
passo que entre os não-usuários o índice foi de 80,7%. Questionados
sobre sua ocupação atual, a grande maioria revelou estar sem ativida-
de economicamente ativa.
De um total de 441 medicamentos utilizados pelos entrevista-
dos, 413 (94%) correspondiam a medicamentos consumidos nas duas
últimas semanas. Para 91% dos medicamentos foi apresentada ao
entrevistador a embalagem ou receita médica referente aos mesmos.
O consumo médio de medicamentos declarado foi de 4,7 medicamen-
tos, sendo que dois entrevistados afirmaram não consumir nenhum
medicamento, enquanto cinco declararam consumir 10 ou mais medi-
camentos regularmente.
Os medicamentos mais consumidos nos últimos 15 dias perten-
ciam a vários grupos terapêuticos relacionados com o tratamento do
diabetes e distúrbios cardiovasculares, como pode ser visto nas figura
REVISTA CONTEXTO & SAÚDE

1. Entre os medicamentos com maior tempo de uso, o diazepam aparece


em primeiro lugar, seguido do nadolol e da insulina regular (figura 2).
Dezesseis entrevistados declararam ter consumido
benzodiazepínico; destes 81,3% utilizaram o medicamento todos os dias,
nos últimos quinze dias; 12,5% de 3 a 7 dias e 6,3% menos de três dias.
O número diário de vezes em que o medicamento foi administrado foi
de uma vez para 81% dos usuários, e de duas vezes para o restante. Em

32 Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004


USO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM HIPERTENSOS E DIABÉTICOS DE PASSO FUNDO, RS

resposta à pergunta “Há quanto tempo o senhor usa o medicamento?”,


foi verificado que o uso de benzodiazepínicos era predominantemente
crônico, como pode ser observado na figura 3. Os benzodiazepínicos
utilizados foram: diazepam (n=7), bromazepam (n=3), clonazepam
(n=3), alprazolam (n=1), flunitrazepam (n=1) e lorazepam (n=1).
A fim de caracterizar a origem do uso do benzodiazepínico, os
participantes responderam à pergunta “Por quem foi recomendado ou
receitado o medicamento?”, e qual a indicação terapêutica, por meio da
questão “Para que este remédio foi usado?”. As respostas são apresenta-
das na tabela 2.

Discussão

A partir de uma amostra de 100 pacientes, foi verificado que,


excluindo os medicamentos antidiabéticos e cardiovasculares, os me-
dicamentos ansiolíticos e/ou hipnóticos destacam-se como os mais uti-
lizados, sendo todos derivados benzodiazepínicos. Estudos norte-ame-
ricanos, ingleses e brasileiros que investigaram a questão do uso de
benzodiazepínicos, aplicaram metodologias diferentes, dificultando a
comparação dos resultados. A partir de 240.946 registros informatizados
de prescrições, obtidos em farmácias do estado de Washington, nos
Estados Unidos, Simon et al (1996) verificaram que 3,8% da amostra
receberam no mínimo uma prescrição de benzodiazepínico durante o
período de janeiro de 1992 a junho de 1992, dos quais 1,04 % referia-se
ao uso diário, nos últimos 60 dias. Em outro estudo, Gleason et al
(1998) encontraram uma prevalência de uso de benzodiazepínicos de
9,9% entre 5181 indivíduos com 65 anos ou mais, moradores de quatro
localidades diferentes nos Estados Unidos, entrevistados em seus do-
micílios entre 1989 e 1990 (Gleason et al, 1998). Taxas semelhantes
foram verificadas por Taylor et al (1998), em dois levantamentos lon-
gitudinais realizados no Reino Unido, com idosos (12,8% no período
de 1982 a 1983 e 10,8% no período de 1989 a 1991).

Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004 33


Tatiane da Silva Dal Pizzol – Maristela Granza – Diego Coelho Bastos

Em relação ao tipo de benzodiazepínico mais utilizado, o diazepam


aparece em primeiro lugar, em conformidade com resultados de ou-
tros estudos realizados no Brasil (Wortmann et al, 1994; Almeida et al,
1999). Esse achado já era esperado, tendo em vista que o diazepam
está incluído na lista de medicamentos básicos da Secretaria de Saú-
de do Município de Passo Fundo, os quais são fornecidos gratuitamen-
te à população. Vale ressaltar que o diazepam é um dos representantes
benzodiazepínicos com tempo de meia-vida mais longo, característica
especialmente indesejável quando utilizado em idosos, já que estes
estão mais propensos aos efeitos tóxicos gerados pelo acúmulo do
fármaco e do seu metabólito ativo, nordazepam (Dal Pizzol, 1997).
A longo prazo, o uso de benzodiazepínicos pode apresentar vários
inconvenientes, dos quais a dependência é o mais importante. No pre-
sente estudo, foi verificado que quase 90% dos usuários relataram usar
o medicamento há mais de 6 meses, dos quais a maioria (aproximada-
mente 80%) declarou ter utilizado o medicamento todos os dias, nos
últimos 15 dias, achado que caracteriza uma utilização crônica bas-
tante preocupante. Outros estudos, alguns com seguimento longitudi-
nal, encontraram resultados semelhantes (Isacson et al, 1992; Nappo;
Carlini, 1995; Huf et al, 2000).
Entre os motivos de uso dos benzodiazepínicos relatados pelos
entrevistados, foi citada a depressão por dois pacientes (12,5%). Se,
por um lado, os benzodiazepínicos são comprovadamente eficazes no
tratamento da ansiedade e da insônia, por outro lado, a aplicação tera-
pêutica no tratamento da depressão é controversa e limitada a aparen-
te eficácia do alprazolam (Dal Pizzol, 1997). No entanto, não se pode
REVISTA CONTEXTO & SAÚDE

descartar, neste caso, um possível viés de aferição, em que o paciente


desconhecia a verdadeira indicação do medicamento prescrito, situa-
ção relativamente comum entre pacientes idosos em uso continuado
de múltiplos medicamentos.
Há ainda que destacar a ocorrência de uma parcela expressiva
de usuários de benzodiazepínicos com 65 anos ou mais, na amostra
analisada. A utilização de medicamentos psicoativos em geriatria exi-

34 Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004


USO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM HIPERTENSOS E DIABÉTICOS DE PASSO FUNDO, RS

ge cuidados redobrados, tendo em vista que as taxas de metabolização


de vários benzodiazepínicos declina com a idade, tornando os idosos
mais sensíveis aos efeitos adversos, particularmente os decorrentes
do acúmulo do fármaco no organismo (Asthon, 1994; Guimarães, 1999).
Como conseqüência, os benzodiazepínicos têm sido associados a um
aumento dos efeitos adversos relacionados com atividades psicomotoras
(aumento do risco de quedas, por exemplo), de memória e de aprendi-
zagem no idoso (Golombock et al, 1988; Rummans et al, 1993).
Além disso, a presença de diabete e/ou hipertensão arterial nos
usuários de benzodiazepínicos, eleva o número de medicamentos uti-
lizados de forma contínua, aumentando o risco de reações adversas e
de interações farmacocinéticas e farmacodinâmicas entre os medica-
mentos anti-hipertensivos/antidiabéticos e os benzodiazepínicos.
Dado o pequeno tamanho da amostra estudada, não foi possível
inferir estatisticamente sobre a influência das características sócio-
demográficas e de outras variáveis no padrão de uso dos
benzodiazepínicos, como havia sido proposto inicialmente. Apesar dis-
so, é possível verificar uma tendência de maior uso desses medica-
mentos pelas mulheres, associação já descrita em estudos anteriores
(Wortmann et al, 1994; Fourrier et al, 2001).
Se, por um lado, a utilização de medicamentos comumente de-
nominados de tranqüilizantes representam, na atualidade, um recur-
so valioso no manejo de distúrbios psicológicos e psiquiátricos relacio-
nados com ansiedade e insônia, por outro, representa um dos exem-
plos mais alarmantes de emprego indevido de medicamentos pela po-
pulação. Os benzodiazepínicos, grupo terapêutico de inquestionável
efetividade hipnótica e ansiolítica, foram introduzidos no mercado há
mais de 40 anos, em substituição aos barbitúricos, e permanecem, até
hoje, como os fármacos de primeira escolha para a maioria dos casos
clínicos de distúrbios da ansiedade e do sono. Talvez essa excelência
terapêutica constitua, infortunadamente, um dos fatores que mais con-
tribuem para o seu uso indiscriminado. A facilidade de aquisição de
benzodiazepínicos em algumas farmácias e drogarias brasileiras,

Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004 35


Tatiane da Silva Dal Pizzol – Maristela Granza – Diego Coelho Bastos

mesmo que esses medicamentos pertençam às listas de medicamen-


tos sujeitos a controle especial, de acordo com a Portaria Ministerial
nº 344, de 12/05/1998, constitui fator importante para a utilização ina-
dequada e muitas vezes excessiva de benzodiazepínicos. Outro fator é
a prescrição por profissionais não especialistas em distúrbios psiquiá-
tricos, procurados por pacientes que se dirigem ao consultório com a
única finalidade de solicitar uma receita de benzodiazepínico, obten-
do-a, muitas vezes, sem a avaliação adequada do problema.
Diante do exposto fica evidente que a utilização de
benzodiazepínicos em pacientes com doenças crônicas concomitantes
precisa ser mais profundamente estudada quanto à sua relação risco-
benefício, com especial atenção às conseqüências do uso a longo pra-
zo em idosos.

Referências

ALMEIDA, O. P. et al. Fatores preditores e consequências clínicas do uso de


múltiplas medicações entre idosos atendidos em um serviço ambulatorial de
saúde mental. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 152-
157, 1999.
ASTHON, H. Guidelines for the rational use of benzodiazepines. When and
what to use. New York: Drugs, v. 48, n.1, p. 25-40, 1994.
CHETLEY, A. Psicotrópicos. In: Medicamentos Problema. 2. ed. Chimbote:
AIS, 1995. p. 45-56.
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Diretrizes e normas regulamentadoras
de pesquisas envolvendo seres humanos. In: GOLDIM, J. R. Pesquisa em
REVISTA CONTEXTO & SAÚDE

saúde: leis, normas e diretrizes, 3. ed. Porto Alegre: Hospital de Clínicas de


Porto Alegre, 1997. p. 11-28.
COUNCIL FOR INTERNATIONAL ORGANIZATIONS OF MEDICAL
SCIENCES. Diretrizes éticas internacionais para a pesquisa envolvendo seres
humanos. In: GOLDIM, J. R. Pesquisa em saúde: leis, normas e diretrizes, 3.
ed. Porto Alegre: Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 1997. p. 34-66.
DAL PIZZOL, F. et al. Benzodiazepínicos: farmacologia e uso clínico. Revista
AMRIGS, 41 (4): 218-227, 1997.

36 Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004


USO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM HIPERTENSOS E DIABÉTICOS DE PASSO FUNDO, RS

DEAN, A. G. EpiInfo, version 6.04: a word-processing, database, and statistical


program for epidemiology on micro-computers. Centers for Disease Control,
Atlanta, Georgia, USA, 1998.
DE LIMA, M. S. et al. Psychiatry disorder and the use of benzodiazepine: an
example of the inverse care law from Brazil. Social Psychiatry and Psychiatric
Epidemiology, v. 34, n. 6, p. 316-322, 1999.
FOURRIER, A. et al. Benzodiazepine use in an elderly community-dwelling
population. Characteristics of users and factors associated with subsequent
use. European Journal of Clinical Pharmacology, v. 57, p. 419-425, 2001
GLEASON, P. P. et al. Correlates and prevalence of benzodiazepines use in
community-dwelling elderly. Journal of General Internal Medicine, Philadelphia,
v. 13, p. 243-250, 1998.
GOTTLIEB, G. L. Sleep disorders and their management. Special
considerations in the elderly. American Journal of Medicine, New York, v. 88,
n. suppl 3A, p. 29S-33S, 1990.
GOLOMBOCK, S.; MOODLEY, P.; LADER, M. Cognitive impairment in long
term benzodiazepines users. Psychological Medicine, London, 18: 365-374,
1988.
GUIMARÃES, F.S. Hipnóticos e ansiolíticos. In: FUCHS, F. D.;
WANNMACHER, L. (Eds.). Farmacologia Clínica. 2. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1999. p. 360-370.
HOLROYD, S.; DURYEE, J. J. Substance use disorders in a geriatric psychiatry
outpatient clinic: prevalence and epidemiologic characteristics. Journal of
Nervous and Mental Disease, Baltimore, v. 185, n. 10, p. 627-632, 1997.
HUF, G.; LOPES, C. S.; ROZENFELD, S. O uso prolongado de
benzodiazepínicos em mulheres de um centro de convivência para idosos.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16, n.2, p. 351-362, 2000.
ISACSON, D. et al. Long-term use of benzodiazepines in a Swedish Community:
na eight-year follow-up. Journal of Clinical Epidemiology, Oxford, v. 45, n. 4, p.
429-436, 1992.
MACZAJ, M. Pharmacological treatment of insomnia. New York: Drugs, v. 45,
n. 1, p. 44-55, 1993.
MELLINGER, G. D.; BALTER, M. B.; UHLENHUT, H. Prevalence and
correlates of the long-term regular use of anxiolytics. Journal of the American
Medical Association, Chicago, v. 251, p. 375-379, 1984.

Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004 37


Tatiane da Silva Dal Pizzol – Maristela Granza – Diego Coelho Bastos

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa de Saúde do Idoso. Disponível em: <http:/


/www.saude.gov.br/>. Acesso em: 14 de outubro de 2000.
NAPPO, S. A.; CARLINI, E. A. Benzodiazepínicos no Brasil: um perfil do con-
sumo nos anos de 1988 e 1989. In: CARLINI EA. Medicamentos, Drogas e
Saúde. São Paulo: Hucitec-Sobravime, 1995. p. 119-129.
RAY, W. A. et al. Psycotropic drug use and the risk of hip fracture. New England
Journal of Medicine, Boston, v. 316, p. 363-369, 1987.
RUMMANS, T. A.; DAVIS, L. J.; MORSE, M. Learning and memory impairment
in older, detoxified, benzodiazepine-dependent patients. Mayo Clinic
Proceedings, Rochester, v. 68, p. 731-737, 1993.
SHADER; R. I.; GREENBLATT, D. J. Use of benzodiazepine in anxiety
disorders. New England Journal of Medicine, Boston, v. 328, n. 19, p. 1398-
1405, 1993.
SIMON, G. E.; VONKORFF, M.; BARLOW, W. Predictors of chronic
benzodiazepine use in a health maintenance organization sample. Journal of
Clinical Epidemiology, Oxford, v. 49, p. 1067-1073, 1996.
TAYLOR, S. et al. Extent and appropriateness of benzodiazepine use. British
Journal of Psychiatry, London, v. 173, p. 433-438, 1998.
WOODS, J. H.; KATZ, J.; WINGER, G. Benzodiazepines: Use, abuse and
consequences. Pharmacological Reviews, Baltimore, v. 44, p. 151-347, 1992.
WORTMANN, A.C. et al. Consumo de benzodiazepínicos em Porto Alegre.
Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 265-270,
1994.
REVISTA CONTEXTO & SAÚDE

38 Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004


USO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM HIPERTENSOS E DIABÉTICOS DE PASSO FUNDO, RS

Tabela 1 – Características sócio-demográficas entre os não-usuários e os


usuários de benzodiazepínicos (n=100).
Característica Não-usuários Usuários
% %
n=84* n=16

Idade, em anos
50 a 64 31,0 43,8
65 a 79 65,0 56,2
> 80 4,0 -

Sexo
Feminino 60,7 87,5
Masculino 39,3 12,5

Estado Civil
7,1 6,25
Solteiro 64,3 56,25
Casado
25,0 31,25
Viúvo
3,6 6,25
Divorciado

Escolaridade
18,1 18,75
Não estudou /1a série incompleta 44,6 18,75
1a a 4a série do ensino fundamental
25,3 50,00
5a a 8a série do ensino fundamental
12,0 12,50
1a a 3a série do ensino médio

Ocupação
50,0 7,50
Aposentado
21,4 12,50
Dona de Casa 17,9 6,25
Pensionista
10,7 6,25
Outros

Renda mensal per capita, em reais


80,7 56,25
0 --| 250
15,7 31,25
250 --| 500
3,6 12,50
500 --| 1000

* n = 83 para as categorias escolaridade e renda mensal, devido a dados


não-informados

Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004 39


Tatiane da Silva Dal Pizzol – Maristela Granza – Diego Coelho Bastos

Figura 1 – Distribuição dos grupos terapêuticos mais freqüentemente


utilizados nos últimos 15 dias na amostra analisada (n=380)

20

15 15,5
16
14,2
12,9

12
9,7
7,9
8 6,1 5,3
4,2
3,4 2,9 2,9
4

0
A

o
qu cio

re o
o

ta vo
or
co

s
as
EC

tic
ic

i
tic
tic

ro
ór
ip Ca ead

i
i d é ti

in
ss
ôn
a b Cá

ut

ii n i ol

at
da

m
b

tic i ot

O
iu

m
In d ia

s
r C om

de

ep
or

A An
D

fla
n ó rd
lo

Vi
i

al

id
nt

o/
d o tit
ib

an

nt
A

ea An

nt
et

A
B

H
qu
lo
B
REVISTA CONTEXTO & SAÚDE

40 Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004


USO DE BENZODIAZEPÍNICOS EM HIPERTENSOS E DIABÉTICOS DE PASSO FUNDO, RS

Figura 2 – Distribuição das substâncias ativas mais freqüentemente


utilizados na amostra analisada, por tempo de uso (n=272)

20

16

12,7
12 11 10,7
9,8
% 9,4 9,4

8
6,1 5,8 5,7 5,4
5,3
3,8
4
2,6 2,3

0
ol

ve tina

il
am

po lofe a
rid il

ita co
ol

ss da

is da

o
flu ida
op lar

od a
lo opr
di pam

n
ol

ic
fu am

ni azid

liv na
di ipi
iso emi

bi
ep

u
su nad

ín
am

n
g

or
ox

m
ra
az

i
cl a re

ti
ro

m
ro
di

pi

c
pr
lin
or

oc
dr
in

hi

Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004 41


Tatiane da Silva Dal Pizzol – Maristela Granza – Diego Coelho Bastos

Tabela 2 – Origem do uso do benzodiazepínico, de acordo com a


especialidade médica e com a indicação declaradas pelos entrevistados
(n=16)

Especialidade médica
Clínica geral
Cardiologia
Figura 3 – Tempo de utilização do benzodiazepínico Psiquiatria
declarado pelos
entrevistados (n=16). Neurologia
Gastroenterologia
50
37,5
REVISTA CONTEXTO & SAÚDE

40 Indicação terapêutica
31,25
30 Insônia
% 18,75
20 12,5 Ansiedade
10 Depressão
0 Não respondeu
m enos de 6 6 a 12 m eses 2 a 5 anos 6 a 25 anos
m eses

42 Ano 3 • n. 6 • Jan./Jun. • 2004

Você também pode gostar