Direitos Humanos Na Educação Superior - Filosofia - 153-168
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Direitos Humanos Na Educação Superior - Filosofia - 153-168
Marconi Pequeno
INTRODUÇÃO
A
ideia de sujeito é um legado da iloso ia moderna. Trata-se de
uma das noções fundadoras do humanismo ocidental. Embora
encontremos referências às faculdades e disposições do homem
(razão, paixões, vontades, desejos) ao longo dos pensamentos antigo e
medieval, é somente com René Descartes (1596-1650) que a noção de
sujeito é constituída sob a égide de uma iloso ia da consciência1. O sujeito
cartesiano emerge para a iloso ia como um composto de alma e corpo
(dualismo psico ísico), cuja atividade fundamental, o pensamento, edi ica
as bases de todo conhecimento possível. Com Descartes (2004) surge,
pois, a ideia de um sujeito cognoscente, cuja prerrogativa fundamental
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2 Nas Meditações metaϔísicas, Descartes demonstra que a sensação não é uma fonte
con iável de conhecimento, pois apenas o entendimento pode captar o caráter variável
das coisas e identi icar as leis que nelas atuam. A liberdade é a essência da vontade e
ser livre consiste em controlar ou combater a força deletéria de algumas inclinações
passionais. Conviver com as paixões exige o concurso da sabedoria, pois é esta a
única instância capaz de dosá-las e de refrear a desmesura que pode acompanhá-las.
A sabedoria, segundo Descartes, consiste em suplantar as paixões cujo im não visa
o bem do corpo. Assim, o atributo superior do sujeito é sempre o entendimento, pois
ele permite o acesso à verdade e a vitória contra as tentações do mundo sensível.
(DESCARTES, 2000).
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pois, que se levar em conta, como sugeria David Ross (2003), não apenas as obrigações
geradas pela instituição de direitos, mas, da mesma forma, o chamado dever prima
facie, ou seja, aquela obrigação que se deve cumprir a menos que ela entre em con lito
com um outro dever que lhe é superior. De qualquer forma, todo discurso sobre o
direito deve ensejar também uma discussão sobre a obrigação de se lhe cumprir.
6 A ideia de que o sujeito existe na identidade da consciência e na apreensão imediata
de si pelo exercício da re lexão não deixa de ser também objeto de uma crença. A inal,
por mais que tais atributos sejam evidentes ou possam ser comprovados, é discutível
se isso nos permite atestar a superioridade axiológica (moral) do indivíduo-humano-
sujeito sobre os demais seres vivos. Acerca da relação entre indivíduo e sujeito, ver
Elias (1994).
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O SUJEITO DE DIREITOS
7 Embora a ideia de direito natural remonte à Antiguidade Clássica, sua formulação ganha
mais nitidez e delineamento a partir do século XVII com o jusnaturalismo de Hobbes
(1998) e Locke (1978), bem como pela célebre ideia de Rousseau (1985), para quem
todos os homens nascem livres e iguais por natureza.
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8 A longa disputa teórica que opõe os jusnaturalistas aos positivistas do direito não será
por nos exposta nesse texto. Porém, cabe-nos ressaltar a importância desse debate,
cujos contornos e amplitude servem ainda hoje para balizar as discussões acerca
da incorporação dos direitos fundamentais pela ordem jurídica do Estado e de sua
exeqüibilidade no âmbito das sociedades contemporâneas. Acerca do referido tema, ver
Paine (1989).
9 Em geral, o jusnaturalismo considera que o direito antecede a formação do Estado
moderno já que ele é inato e constitutivo de cada ser humano (direito natural universal).
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10 Convém lembrar que a igura do sujeito de direitos está ligada à autonomia do sujeito e
não à natureza do ser vivo (Sève, 1987). Por isso, quando designamos um ser humano
de pessoa estamos nos referindo, em que pese a sua dimensão ísica, a algo de ordem
incorpórea. O problema, todavia, não reside no fato de a pessoa humana recusar uma
de inição, mas sim no fato de que existem múltiplas de inições possíveis, algumas
das quais incompatíveis, para designá-la. A própria expressão “ser uma pessoa” pode
revelar ambigüidades, haja vista que tanto pode implicar um fato real, quanto uma
postulação ou mesmo um valor. Ainda sobre o conceito de pessoa, ver English (1978) e
Hare (1996).
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11 Segundo Kant, todo ser humano é dotado de dignidade em virtude de sua natureza
racional, ou seja, cada ser humano tem um valor primordial independentemente de seu
caráter individual ou de sua posição social. Eis por que o homem é tomado como um
im em si mesmo. Esta ideia é anunciada na segunda fórmula do imperativo categórico
que manda que cada sujeito “jamais se trate a sim mesmo ou aos outros simplesmente
como meio, mas sempre simultaneamente como ins em si” (KANT, 1980, p. 139). A
respeito do conceito de dignidade e de sua importância para os direitos humanos, ver
Tugendhat (1977) e Villey (1994).
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ela existe como uma qualidade inata do sujeito, nem, tampouco, é preciso
compreender o seu signi icado para respeitar o ser humano ou defender
aqueles que têm sua condição negada e sua natureza ultrajada. O problema
surge quando transferimos essa categoria para além das fronteiras
humanas, ou seja, quando indagamos se é também cabível postular ou
conferir uma dignidade às plantas, aos outros animais, como querem
certos militantes ambientalistas. Assim, apesar de tal noção se referir
originalmente ao homem, há quem tente também conferir estatuto de
ser existente dotado de dignidade às espécies dos reinos animal, vegetal
ou mesmo mineral. Não obstante os embates gerados pela proposta de
extensão desse atributo aos demais seres, torna-se bastante di ícil deixar
de reconhecer o caráter fundamentalmente antropocêntrico assumido pelo
seu sentido.
É evidente que a resposta ao que seja a essência ou a humanidade
do homem pode nos enredar nas malhas da meta ísica, tornando ainda
mais obscuro e intangível a instância fundadora dos seus direitos. Não
obstante as inúmeras controvérsias ilosó icas geradas pela ideia de
dignidade, esta noção representa tradicionalmente aquilo que de ine
a essência da pessoa humana, ou ainda indica o valor que confere
humanidade ao sujeito. Portanto, a dignidade refere-se a uma qualidade
diretamente ligada à essência do homem, à sua natureza fundamental.
Trata-se daquilo que existe no ser humano pelo simples fato de ele
ser humano (RICOEUR, 1985). Todavia, por mais que se evidencie
o caráter difuso, intransparente e impreciso da noção de dignidade,
convém reconhecer que a mesma se oferece como uma inestimável ideia
reguladora destinada a orientar o agir, o sentir e o pensar do homem em
suas interações sociais12. Agir, sentir e pensar que não apenas de inem o
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Direitos Humanos (1948) a qual dispõe, em seu primeiro artigo, que “todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade”. É evidente que tal princípio não pode servir
como um imperativo aplicável a todos os casos que envolvem a proteção e garantia dos
direitos humanos. Todavia, é em função dessa ideia volátil de dignidade que podemos
perceber quando ela é negada, negligenciada, esquecida. Sobre as origens e natureza
dos direitos humanos, ver Cranston (1979).
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REFERÊNCIAS
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