Teoria Da Cor Aula 1

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TEORIA DA COR

AULA 1

Prof. Ed Marcos Sarro


CONVERSA INICIAL

Prezado aluno, nesta aula trabalharemos basicamente conteúdos


relativos a fundamentos gerais do estudo e do uso da cor. É importante que o
designer não só saiba como aplicar corretamente a cor em cada projeto, mas
também conheça o porquê desse uso. O designer é essencialmente um
profissional que trabalha com a geração de conceitos a partir de aspectos
simbólicos, estéticos, sensoriais, culturais e históricos, características também
inerentes à cor. Para tanto, é necessário estudar a cor a partir de seus aspectos
físicos, fisiológicos (quanto à sua percepção pela visão humana), e também suas
características culturais.

CONTEXTUALIZANDO

A cor é um elemento presente nas diversas atividades criativas inerentes


à vida humana associativa (do ponto de vista da sua produção material e
simbólica), tendo um papel importante na comunicação visual, na publicidade e
propaganda, na criação de marcas e logotipos, na concepção de ambientes
(inclusive virtuais), e no desenvolvimento de objetos, embalagens, roupas e
serviços. A cor tem significado, simbolismo e capacidade de gerar valor.
Dessa forma, no curso de Design, é importante que as bases teóricas da
cor sejam compreendidas, de modo que o futuro designer possa fazer um uso
adequado e efetivo desse elemento em seus projetos. Como veremos, a cor tem
várias facetas, que devem ser conhecidas para que o designer possa explorar
todo o potencial que ela tem para que seu trabalho seja mais expressivo e eficaz.
Primeiramente, é necessário entender em essência o que é a cor e como ela é
percebida pelo sentido da visão. Também veremos que a cor, apesar de não ser
um ente físico, tem características observáveis a partir de estudos e
experimentos, efetuados desde a Antiguidade até os dias de hoje, por diferentes
pesquisadores ao longo da História (como os gregos antigos, Leonardo Da Vinci,
Isaac Newton e Goethe). Essas pessoas construíram o conhecimento que temos
hoje sobre a cor, que é a base para o uso que fazemos dela.

TEMA 1 – O QUE É COR

Grosso modo, a cor é a sensação visual da vibração que a energia


luminosa exerce sobre os diferentes materiais e superfícies. A rigor, as coisas
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não têm cor de si mesmas; a cor que vemos em um objeto (explicando de forma
muito simples), é uma faixa do espectro da luz branca que não foi absorvida nem
refratada pelo material do objeto em questão, mas refletida para fora dele.
Essa energia luminosa é captada pelos órgãos da visão e transformada
em estímulos bioquímicos por meio de um complexo sistema de lentes
orgânicas, terminações nervosas e células com funções definidas (como
veremos mais à frente), que são decodificados por regiões especializadas do
cérebro, ganhando significado e simbolismo (Silveira, 2015).

1.1 Cor e luz

Toda a percepção visual depende basicamente da existência da luz e


consequentemente da cor. A consciência da cor depende basicamente da
presença da luz, porque sua ausência absoluta nos impede de ver qualquer
coisa. Entretanto, a construção de uma ideia de cor pode ser feita mesmo por
pessoas que têm baixa visão ou que são totalmente cegas, como veremos em
breve, no tocante à inclusão e à acessibilidade da pessoa com deficiência visual
ao universo da cor por meio do Design.

1.2 Cor e natureza

Assim, como a luz está por todo o lado na natureza, também está a cor.
A clorofila da maioria das plantas (que também dá o tom verde delas), por
exemplo, é o resultado da absorção a radiação das cores do espectro da luz
banca (vermelho, amarelo, azul e violeta), exceto o verde, que é refletido. A
clorofila (que é verde) é necessária para realizar a fotossíntese (Trsic, 2012).
Flores e frutas transformam o calor e a energia luminosa do sol em pigmentos
que lhes dão cor (Figura 1), mas que têm também funções protetoras contra a
incidência das radiações ambientais e também contra a ação de alguns minerais
do solo onde estão plantadas.

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Figura 1 – Cores na natureza

Crédito: Thuwanan Krueabudda/Shutterstock.

Nas flores, a cor serve ainda para atrair certos insetos, como as abelhas
(Figura 2), que são vetores importantes para a polinização e a reprodução de
algumas espécies (Seixas, 2019).

Figura 2 – Abelha sobre folha

Crédito: Ferran Pestaña, Barcelona, Espanha, 2006, CC BY-SA 2.0.

Em alguns animais, a cor funciona como camuflagem para confundir


potenciais predadores, como acontece com o camaleão, que inclusive troca de
cores de acordo com o ambiente. As cores podem ser também parte dos rituais
de acasalamento de certas espécies, quando normalmente um dos indivíduos
(macho ou fêmea) apresenta coloração mais chamativa e atraente para seduzir
o seu par (Seixas, 2019). Mesmo na espécie humana, a cor tem um papel
importante no jogo de sedução. Nas profundezas abissais do Pacífico, alguns
animais marinhos nem chegam a ter coloração, sendo alguns até mesmo
transparentes devido à total ausência de luz em seus habitats.
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No corpo humano, a hemoglobina é o pigmento que dá cor vermelha ao
sangue; temos também a melanina, que torna a pele mais escura. Nossos olhos
têm diferentes tons de cores: pretos, verdes, azuis, castanhos etc., podendo se
misturar ou prevalecer uma cor de uma geração a outra, dependendo da carga
genética (Figura 3).

Figura 3 – Olho do bebê humano

Crédito: Roman_P/Shutterstock.

1.3 Cor como alerta

A cor tem papel essencial na natureza, enquanto índice de segurança


quanto ao frescor ou não de alimentos, implicando na própria sobrevivência de
alguns seres vivos, dentre eles o próprio homem. Isso pode ter tanto aspectos
negativos quanto positivos: a presença de manchas de tons esverdeados ou
azuis no pão é um indicativo de que há bolor e risco para o consumo. Por outro
lado, as mesmas manchas em um queijo do tipo Rockfort podem indicar que ele
alcançou sua maturação e excelência.

Figura 4 – Queijo com manchas

Crédito: Leo Fernandes/Shutterstock.

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1.4 Cor e subjetividade

Apesar do caráter objetivo da cor na natureza e de suas relações com as


diversas formas de vida, do ponto vista humano, as cores nunca foram nem são
percebidas sempre do mesmo modo, nem significam as mesmas coisas para
todos, como veremos mais à frente (Silveira, 2015). Questões de caráter
geográfico e climático podem ter efeito sobre a leitura de mundo de uma pessoa
quanto à cor, bem como fatores históricos, culturais e ideológicos, os quais
podem influenciar o significado, a compreensão e mesmo o impacto da cor sobre
as emoções, os sentimentos e, em última instância, o comportamento de um
indivíduo no seu contexto. Fatores fisiológicos ou genéticos, ou mesmo lesões
ou doenças, também podem interferir na percepção da cor por um indivíduo.

TEMA 2 – COR E PERCEPÇÃO VISUAL

A cor é a característica mais eficiente em termos de percepção visual de


uma forma em relação ao contexto ou ao fundo contra o qual se projeta. Não é
possível ter certeza de que uma cor será percebida da mesma maneira por duas
pessoas diferentes, no entanto é correto afirmar que todas as pessoas têm
potencialmente as condições básicas para perceber cores: a presença da retina
e de sistema nervoso (Arnheim,1989), exceto nos casos em que os órgãos foram
danificados ou estão ausentes por conta de doença, formação congênita ou
trauma.
Apesar da aparente universalidade das cores, elas não são sentidas ou
compreendidas da mesma forma. A luz do sol e suas variações são responsáveis
pela maneira como vemos a cor, inclusive sendo influenciadas por aspectos
culturais, linguísticos e geográficos.

2.1 Dando nomes às cores

A percepção das cores parece ser influenciada pelo desenvolvimento


cultural, linguístico e tecnológico de um grupo humano. É possível que, por
questões diversas, pessoas de diferentes grupos atribuam nomes específicos às
mesmas cores, por suscitarem sensações distintas em função de contexto
cultural, repertório coletivo e individual, história de vida, geografia etc. Pesquisas
antropológicas mostraram que a diferenciação entre cores acontece muito em
função da relevância que algumas delas têm em relação a outras, ao
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expressarem aspectos importantes da cultura material, das atividades produtivas
e do ambiente de determinada comunidade (Arnheim,1989).
Na maioria das línguas, as cores têm aproximadamente os mesmos
nomes e se referem aos mesmos matizes, variando um pouco em função dos
fatores já citados. Também são sempre classificadas como claras ou escuras.
Às vezes, um nome de cor, como o vermelho, pode se referir à toda uma gama
de matizes, dos vermelhos aos violetas, passando por alaranjados, amarelos e
tons de magenta. Algumas culturas não distinguem cores próximas, como tons
de verde e azul.

2.2 Cor e luz ambiental

Outro aspecto da percepção da cor é a sua dimensão ambiental quanto à


luz: na França do século XIX, artistas impressionistas, como Renoir, Degas,
Manet, Cézanne e Monet, resolveram sair dos seus ateliês com cavaletes, tintas
e telas e pintar, ao ar livre, no campo, de modo a explorar com mais profundidade
as “impressões” da luz sobre a percepção das cores (Cunha, 2016).
No filme de 2003 Moça com brinco de pérola (Figura 5), de Peter Weber,
com Collin Firth e Scarlett Johansson, baseado em romance de ficção homônimo
de Tracy Chevalier (que especula sobre a identidade da mulher jovem retratada
por Johannes Vermeer, pintor holandês do século XVII), há uma sequência em
que Griet, a criada de Vermeer (interpretada por Scarlett Johansson) recebe
ordens da esposa para que limpe as janelas do ateliê do artista.

Figura 5 – Moça com brinco de pérola

Crédito: Jan Vermeer Van Delf, The Girl With The Pearl Earring, (1632-1675).

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A criada, apesar de limitados conhecimentos, começava a se interessar
por arte e, com certa perspicácia, argumenta com a patroa: “Com relação ao
ateliê, senhora, quer que eu limpe as janelas [...] é que pode mudar a luz” (e
consequentemente as cores dos quadros de Vermeer, conhecido exatamente
como o “mestre da luz”).

2.3 A geografia da cor

Pessoas que vivem em regiões muito frias do globo, como os esquimós


no Ártico, tendem a ter uma percepção maior do branco e de seus tons, devido
à grande exposição a essa, cor por conta da abundância de materiais na cor
branca, como a neve e o gelo. Há diferentes palavras para designar a cor branca,
de acordo com sua relação de materialidade: o branco da neve que caiu pela
manhã, o branco da água salgada congelada em comparação com o da água
doce, o tom de branco do pelo do urso polar etc. Cada um vê (e designa) o que
conhece (Perigo, 2016).
Pessoas que vivem mais ao norte da América do Norte, na Europa ou
mesmo em partes mais meridionais da América do Sul, têm convivência maior
com uma gama limitada de cores e com tons mais pasteis, com maior incidência
de cores frias, como o cinza, o ocre, o amarelo pálido e o azul celeste.
Por outro lado, nas regiões tropicais do planeta, por conta do calor e da
umidade, a profusão de cores vivas e quentes é tal que impressionou
profundamente os primeiros exploradores europeus que chegaram a essas
partes do mundo, como no caso do Brasil (Figura 6).

Figura 6 – Paisagem de Olinda

Crédito: Frans Post. Olinda, Brazil, 1662.

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2.4 Percepção da cor na cor

Como veremos mais adiante, independentemente dos fatores subjetivos


expostos nos tópicos anteriores, também a proximidade entre diferentes cores
pode influenciar a maneira como percebemos uma cor isoladamente, em relação
à cor de fundo, ou em relação a matizes contíguos: uma cor pode parecer mais
“quente” ou mais “fria” dependendo da cor que lhe faz contraste, mesmo que ela
seja fria ou quente em si mesma. Outras cores podem se destacar entre si ou se
completar de forma harmoniosa (Mazzarotto, 2018).
Essa dinâmica na interação entre cores pode ser muito útil na criação de
marcas e tipografia, na organização de elementos no layout de uma peça gráfica
e mesmo na percepção de objetos em um espaço. Veremos mais sobre isso
brevemente.

TEMA 3 – PROPRIEDADES FÍSICAS DA COR

A importância do estudo da cor enquanto fenômeno da Física está na


associação entre a forma material de objetos e de espaços físicos e as
características da cor que se pretende para eles. Como vimos, os objetos de
nossa percepção não têm cor, mas a luz, ao incidir sobre as substâncias que
constituem esses objetos, interage com os seus átomos a partir de uma dinâmica
que pode ser de absorção, refração ou reflexão das cores do espectro da cor
branca.

Figura 7 – Cadeira Rietveld

Crédito: Picturepartners/Shutterstock.

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Conhecer o comportamento da cor no tocante às relações de tamanho,
extensão e configuração ou estrutura da superfície sobre a qual ela repousa
(independentemente do significado cultural, estético ou simbólico), pode ser útil
no desenvolvimento de um projeto de produto (Figura 7) ou de um ambiente
construído (Silveira, 2015). Por exemplo: pintar uma grande extensão de parede
de vermelho ou um objeto muito pequeno de preto pode influenciar na percepção
de ambos, por conta da maior ou menor intensidade de exposição à cor em si.

3.1 Materialidade da cor

Os aspectos físicos da cor estão relacionados a conhecimentos


construídos a partir da observação da trajetória da luz de sua fonte até o objeto
e dele para nossos olhos. Esses aspectos físicos tratam da manifestação da cor
no espaço e no tempo, ainda sem a mediação humana, ou seja, sem a incidência
de um julgamento ou da interpretação pelo homem (Silveira,2015).
Do ponto de vista físico, a cor acontece porque ondas ou partículas
luminosas (podemos classificar a luz como ondas, quando se tratar da óptica
física, mas também como partículas, quando se tratar da óptica quântica)
refletem no objeto a faixa do espectro por ele não absorvida ou não refratada,
sensibilizando a visão do observador; ou quando o objeto emana luz de si
mesmo (Silveira, 2015).

3.3 Cor e densidade

Outro fator a ser considerado é a densidade dos materiais dos quais são
feitos os objetos que recebem cores, porque ela influencia e, alguns casos,
determina a maneira como a cor se manifesta e se comporta: um copo de cristal,
a água límpida (Figura 8) e os isótopos de um átomo, por exemplo, são
atravessados pela luz sem no entanto interagirem com ela, de modo que
permanecem praticamente incolores (De Grandis,1985).
A concentração de material também pode influenciar a percepção da cor.
Refrigerantes a base de cola ou café têm um tom vermelho-rubiáceo quando
vistos em pequena quantidade, mas parecem pretos dentro da garrafa ou na
cafeteira de vidro. Isso acontece porque o volume de material dificulta a
penetração da luz. Quando olhamos uma montanha ao longe, temos a impressão
de que ela é ligeiramente azulada ou acinzentada. Quanto mais distante ela

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estiver de nós, mais intensos serão esses tons. Isso acontece porque a
espessura da camada de ar existente entre nós e a montanha observada tem
essa coloração. A esse fenômeno dá-se o nome de perspectiva tonal,
perspectiva atmosférica ou perspectiva aérea, que foi conceituada inclusive
por Leonardo da Vinci, como veremos à frente (Vaz; Silva, 2016).

Figura 8 – Copo de água

Crédito: Manuel Giovanditti/Shutterstock.

TEMA 4 – ASPECTOS HISTÓRICOS DA COR

Para o homem pré-histórico, e mesmo em culturas contemporâneas em


estágio análogo à pré-história (como algumas tribos indígenas que têm pouco ou
nenhum contato com a civilização), a percepção e o acesso à cor se dá
basicamente pela interação com a natureza e com as substâncias dela extraídas
(Figura 9).

Figura 9 – Pintura rupestre no Chad

Crédito: David Stanley, Nanaimo, Canada. CC BY 2.0.

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Na arte primitiva, por exemplo, a obtenção das cores verde e amarela se
dava por meio de resinas extraídas de plantas e flores; o preto e o cinza eram
extraídos da queima de materiais; tons de ocre e marrom vinham da terra; e o
vermelho do sangue (Lopera et al., 1995). As cores estavam presentes também
na decoração dos primeiros utensílios e do espaço habitado, nas máscaras e
nas pinturas rituais e corporais.

4.1 A cor na Antiguidade

Na tradição Ocidental, os estudos referentes à luz e à visão (e


consequentemente à cor) surgem a partir do próprio desenvolvimento do
conceito de Ciência, ainda sob influência da Filosofia, especificamente a grega.
A noção de alguns fenômenos físicos ainda se dava pela observação empírica e
pela dedução lógica, mas com pouquíssimos instrumentos (quase sempre
imprecisos), métodos não muito consistentes e uma boa dose de subjetividade.
Filósofos gregos, como Euclides, o Geômetra, autor da obra Elementos,
acreditavam que a visão era decorrente de raios luminosos que saíam dos olhos
da pessoa e captavam as imagens das coisas, havendo aqui ainda pouca
consciência do papel externo da luz (Silveira, 2015).
Os gregos antigos também não tinham a mesma percepção da cor que
nós temos hoje. Algumas cores eram praticamente inexistentes para eles, como
o azul: no poema épico A Odisseia, de Homero, o mar (Figura 10) é descrito
como tendo “a cor de vinho escuro” (Romanzoti, citado por Vaz; Silva, 2016).

Figura 10 – Mar mediterrâneo

Crédito: Photoff/Shutterstock.

Em algumas culturas, como a hebraica, por exemplo, não havia muita


distinção entre tons de vermelho, amarelo, castanho e roxo. O livro da Bíblia de
12
I Samuel, no capítulo 16 e verso 12, descreve o jovem Davi (futuro rei de Israel),
como sendo “ruivo, de belos olhos e de boa aparência” (Nova Versão
Internacional). Em outras línguas, como no italiano, “ruivo” foi traduzido por
“loiro”; e numa versão contemporânea, em inglês, “ruivo” foi traduzido por
“brilhante”. Como vimos anteriormente, isso se deve a questões linguísticas:
talvez no original a palavra em hebraico para ruivo significasse mais de uma ideia
em termos de cor.

4.2 Um mundo mais colorido do que se pensava

Escavações em Pompeia e Herculano, cidades no sul da Itália (região que


pertenceu ao Império Romano), que foram cobertas pelas cinzas da erupção do
Vesúvio em 70 d.C., trouxeram à luz reproduções de obras da Antiguidade
Clássica. Como os romanos copiavam muitas coisas dos gregos em termos de
arte, foi possível ter acesso às cores utilizadas por eles no seu tempo (Arnold,
2008).

Figura 11 – Postal representando arte grega em cores

Crédito: Blackmac/Shutterstock.

Ao contrário do que imaginamos hoje, as estátuas, templos e outros


monumentos gregos eram coloridos (Figura 12), e só apresentam o tom pálido
de pedra que vemos hoje por conta da ação do tempo. Em 2003, uma exibição
no museu Glyptothek, em Munique, organizada pelo arqueólogo alemão Vinzenz
Brinkmann, buscou reproduzir as cores de monumentos e obras de arte gregas
como teriam sido na época deles (Talbot, 2018).

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4.3 A cor na Idade Média e no Renascimento

A Idade Média foi prolífica no uso da cor, principalmente na arte religiosa


e na produção dos vitrais das catedrais góticas. Um nome a destacar nesse
período, já na sua fase tardia, é do italiano Leon Battista Alberti (1404-1472).
Arquiteto, teórico de arte e humanista, foi o primeiro a citar a existência de quatro
cores básicas na natureza, a partir da Teoria dos Quatro Elementos: água, terra,
fogo e ar (Silveira, 2015).
No Renascimento, período que se seguiu ao medieval, diversos fatores
contribuíram para o estabelecimento de pesquisas no universo da cor, dentre
eles o resgate da herança clássica nas artes e o desenvolvimento de métodos
de pesquisa de fato científicos. Artistas renascentistas, como Leonardo da Vinci
(Figura 12), buscaram aliar ciência e arte (Cunha, 2016).

Figura 12 – Leonardo da Vinci

Crédito: Everett Historical/Shutterstock.

Leonardo da Vinci (1452-1519) foi um gênio de talentos múltiplos, tendo


se interessado por diferentes áreas do saber, além da conhecida produção
artística no desenho e na pintura. Atribui-se a ele projetos de engenharia civil e
militar, urbanismo, arquitetura e mecânica e pesquisas de física, óptica e
anatomia, dentre outros campos.

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O trabalho de Leonardo foi particularmente importante para o estudo da
cor porque, ao dissecar olhos de cadáveres, ele entendeu a dinâmica interna da
visão humana. O conjunto de escritos produzidos por ele é de grande relevância
para o estudo da cor. Eles foram, posteriormente, organizados na forma de livro
por algum dos seus discípulos, chegando ao que ficou conhecido por Trattato
della Pittura. Em seu livro, Leonardo aborda diversos temas ligados à arte, dando
conselhos sobre como executar trabalhos de desenho e pintura, incluindo a
abordagem da cor em diferentes contextos e usos, com instruções sobre os tipos
de pigmentos e as quantidades de tinta para cada tipo de representação de luz
e de cor. Leonardo foi o primeiro a formular de fato uma Teoria da Cor. Cópias
dos seus escritos circulavam pelos ateliês de artistas italianos, sendo um
importante instrumento didático (Silveira, 2015).
Leonardo foi também o primeiro a descrever o fenômeno da perspectiva
atmosférica (já citada), tendo sido utilizada por ele na tela “A Virgem e o Menino
com Santa Ana” (Figura 13), por exemplo, onde as montanhas ao fundo do
quadro são representadas com tons azulados (Silveira, 2015).

Figura 13 – A Virgem e o Menino com Santa Ana (1508-1513)

Crédito: Leonardo Da Vinci, The Virgin And Child With St. Anne, 1519, Musée Du Louvre, França.

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4.4 Newton e uma ciência da cor

Na Era Moderna, a principal contribuição ao estudo da cor foi dada por Sir
Isaac Newton (1643-1727) nascido na Inglaterra. Ele foi astrônomo, filósofo
natural, teólogo e cientista; porém, ficou mais conhecido como físico e
matemático (Figura 14).

Figura 14 – Retrato de Isaac Newton

Crédito: Georgios Kollidas/Shutterstock.

Também conhecido como descobridor da Lei da Gravidade (tornada


célebre pela anedota da maçã que lhe teria caído sobre a cabeça), baseando-se
nas premissas de Leonardo e nas de outros pesquisadores contemporâneos e
posteriores a ele, Newton foi quem de fato formulou primeiramente uma Ciência
da Cor, a partir de observações sistemáticas e de análises matemáticas.
Em 1666, Newton fez experimentos em um quarto escuro (camera
oscura), fazendo passar por um prisma de vidro triangular um facho de luz
branca, de modo que ela fosse decomposta num feixe de luzes com as sete
cores do arco-íris: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul claro, azul anil (ou
índigo) e violeta (Figura 15). Por meio de outro prisma, ele conseguia isolar essas
luzes coloridas.

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Figura 15 – Experimento do prisma

Crédito: Sascha Grusche, Own Work, 2015.

Newton percebeu que a decomposição da luz branca em luzes coloridas


era também efeito da angulação e da geometria da superfície sobre a qual ela
se projetava (Figura 16), por conta do fenômeno da refração (Silveira, 2015).

Figura 16 – Luzes coloridas em refração

O experimento de Newton deu origem a um dos sistemas da cor que


conhecemos hoje por cor-luz, presente principalmente no mundo digital.
Veremos mais sobre isso futuramente.

4.5 Goethe e sua Doutrina das Cores (Farbenlehre)

Conhecido mais como poeta, além de estadista do Sacro Império


Romano-Germânico, o escritor Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)
também se interessou por ciências naturais, particularmente pela cor, tendo se
iniciado na pintura e no desenho (Figura 17). Apesar de controversas (por conta
de falhas nos métodos de observação que utilizou), suas contribuições para o
estudo da cor são muito importantes, tendo influenciado o curriculum da
Bauhaus, famosa escola alemã de arquitetura e design (Barros, 2006)

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Figura 17 – Johann Wolfgang von Goethe

Crédito: Georgios Kollidas/Shutterstock,

Em sua Doutrina das Cores, de 1810 (a partir de alguns anos de


observações feitas após uma viagem à Itália, entre 1786 e 1790), Goethe
discorda das ideias de Newton quanto à composição da luz branca: para ele, a
luz era a entidade mais simples da Natureza, e a luz colorida seria sempre mais
escura que a luz branca; pela sua lógica, uma não poderia estar contida na outra
(Barros, 2006; Silveira, 2015).
Ao passo que as observações de Newton estavam no campo da Física
pura, feitas de acordo com o rigor científico mecanicista, de modo que a luz fosse
analisada de forma isolada, Goethe via a percepção da cor como sendo
influenciada por aspectos fisiológicos da visão cromática humana (Silveira,
2015).
Ao contrário de Newton, Goethe acreditava que a cor não era apenas um
fenômeno luminoso, mas também fisiológico, não estando dissociado da
materialidade. Ele dividia as cores em: fisiológicas, físicas e químicas
(pigmentos); diferentemente de Newton, ele não entendia o verde como sendo
uma cor “simples” (primária, posto que oriunda do espectro da luz branca), mas
sim como uma mistura de amarelo e azul.
Ele chega a demonstrar isso no seu disco cromático (Figura 18), em que
o verde, o amarelo, o azul e o púrpura aparecem como cores primárias, dando
origem às demais cores (Silveira, 2015).

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Figura 18 – Disco cromático de Goethe

Crédito: Luestling, Johann Wolfgang Von Goethe, Frankfurter Goethe-Museum.

TEMA 5 – SÍNTESE DA COR: LUZ E PIGMENTO, NEWTON E GOETHE

Na verdade, tanto as contribuições de Newton quanto as Goethe são


consideradas corretas, posto que cada um observou a cor a partir de um ponto
de vista válido. Enquanto Newton considerou a cor a partir do fenômeno físico
da luz isoladamente, a partir de uma síntese aditiva da cor, Goethe fixou-se
mais na dinâmica da cor enquanto fenômeno fisiológico da percepção visual e
das suas associações psicológicas e seus significados, bem como das
qualidades estéticas da cor. Isso se deve ao fato de Goethe estar inserido num
contexto cultural influenciado pela Filosofia da Natureza, e ao fato de as relações
que faz entre cor e a pintura, a partir da mistura de pigmentos, fazerem
referência à síntese subtrativa da cor (Barros, 2006).
Ambos os pontos de vista são importantes, hoje porque abrangem os
principais sistemas de síntese da cor que utilizamos no Design: cor-luz e cor-
pigmento, como veremos mais à frente.

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TROCANDO IDEIAS

Veja o filme Moça com brinco de pérola e observe um pouco como era o
trabalho com a cor no período artístico chamado de Barroco Holandês. Na sua
região, existe alguma cor que recebe um nome diferente do convencional? Você
sabe dizer por quê?

NA PRÁTICA

Para fixarmos melhor os conteúdos que vimos até aqui, faça os exercícios
que se seguem:

1. Recolha amostras de flores, folhas, frutas ou legumes (como a beterraba),


além de pequenas porções de terra de cores variadas (ou mesmo
pedaços de carvão ou de madeira queimada), e esfregue em pedaços de
papel (Canson ou offset). Observe como os pigmentos produzem cores
variadas. Pense em algo que você pode fazer (um desenho, uma pintura
etc.) usando esses pigmentos e experimente produzi-lo.
2. A seguir, você verá uma escultura que pertence ao período clássico da
arte grega. Que cores você usaria para colorir essa escultura? Use o
Photoshop e seja criativo.

Crédito: Iz Stock Works/Shutterstock.

3. Observe a foto a seguir e identifique a representação da perspectiva área,


ambiental ou atmosférica. Quando você estiver em uma região de
montanhas, tente observar o mesmo fenômeno. Registre em fotos, se
possível.

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Crédito: Brutuxu/Shutterstock.

4. Pegue um CD comum e posicione sua superfície não impressa em ângulo


com alguma fonte de luz, preferencialmente a do sol. Você verá as cores
do arco-íris refletidas nele, mais ou menos como Newton viu ao passar a
luz branca por seu prisma de vidro.

Crédito: Angelbandala/Shutterstock.

5. Imprima o círculo cromático abaixo, cole em um papelão ou papel grosso


e recorte. Faça um pequeno orifício no centro e passe um lápis por ele de
modo que fique justo. Depois, usando as duas mãos, faça girar
vigorosamente o círculo e veja o que acontece com as cores.

Crédito: Angelbandala/Shutterstock.

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FINALIZANDO

Como vimos, o assunto cor é mais complexo do que imaginávamos, e vai


além de nossas simples preferências pessoais. Aprendemos o que é a cor em
linhas gerais, sua relação com a luz, suas características e sua importância para
o trabalho do designer em diversos campos de atuação. Vimos como se dá a
percepção visual da cor, do ponto de vista da cultura. Conhecemos suas
propriedades físicas e estudamos a trajetória histórica da cor, que nos remete à
época das cavernas, passando pela Antiguidade, Idade Média, Renascimento e
Era Moderna. Dentro desse recorte histórico, vimos como dois homens, Isaac
Newton e Goethe, estabeleceram as bases para os dois sistemas de cor mais
importantes para o Design: cor-luz e cor-pigmento.

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REFERÊNCIAS

ARNHEIM, R. Arte e percepção visual. São Paulo: Pioneira, 1989.

ARNOLD, D. Introdução à história da arte. São Paulo: Ática, 2008.

BARROS, L. R. M. A cor no processo criativo. São Paulo: Senac, 2006.

CUNHA, A. S. T. Ateliê de artes visuais: pintura. Curitiba: InterSaberes, 2016.

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1995.

MAZZAROTTO, M. Design gráfico aplicado à publicidade. Curitiba:


InterSaberes, 2018.

PERIGO, K. Artes visuais, história e sociedade: diálogos entre Europa e


América. Curitiba: InterSaberes, 2016.

SEIXAS, C. F. B. Cores na natureza: camuflar, atrair parceiros, afastar inimigos.


Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/biologia/cores-na-
natureza-camuflar-atrair-parceiros-afastar-inimigos.htm>. Acesso em: 28 mar.
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