O Designer Que Habita em Nós - Fabio Galeazzo

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DADOS DE ODINRIGHT

Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pela equipe eLivros e


seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da
obra, com o fim exclusivo de compra futura.

É expressamente proibida e totalmente repudíavel a


venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente
conteúdo.

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Fabio Galeazzo

O designer

que habita

em nós

Criatividade e
autoconhecimento
na decoração
Editora Senac São Paulo – São Paulo – 2024
Sumário

Nota do editor
Agradecimentos
Apresentação
Introdução

Parte I. O mundo

O mundo medieval
O mundo industrial
O mundo digital

Parte II. A casa

Chegou o momento de construir uma casa de dentro para


fora
Os sentidos e os símbolos
A experiência e o pertencimento
A criatividade e a reciprocidade
A ética e a estética

Parte III. A alma

Uma ponte entre os sentidos e o mundo


Design de interiores, um caminho
A casa e o cosmos

Referências
Índice geral
Sobre o autor
nota do editor

O significado do lugar que habitamos vem se modificando nos últimos


anos. Na pandemia, por exemplo, o isolamento levou muita gente a refletir
sobre a casa, percebendo-a como um lugar de afeto e conexão criativa com
o mundo. Na época, institutos de pesquisa e entidades do comércio
constataram aumento nas reformas e na compra de móveis e itens
domésticos. O gosto por decoração e design de interiores se ampliou e se
mantém, sustentado pela facilidade do acesso on-line a produtos e
informações.

Esses novos valores exigem que decoradores e designers de interiores


estejam mais preparados para fazer, dos clientes, “criadores da própria
morada”. Tal processo envolve aspectos estéticos e funcionais e requer a
construção de novos saberes, como a pedagogia do espaço e a ecologia da
casa.

Alinhado com as demandas da sociedade, o Senac São Paulo traz, com a


presente obra, reflexões e experiências alicerçadas em uma diversidade de
áreas do conhecimento, como antropologia, arte, arquitetura,
empreendedorismo, geografia, filosofia, história, marketing e psicologia.
Um conteúdo que mostra como, para além da metodologia do projeto, o
design de interiores pode aproximar os moradores dos benefícios da
experiência estética, levando-os a uma jornada de autoconhecimento e
criatividade com base no espaço onde vivem.
Agradecimentos Muitos colaboraram comigo na construção deste
livro. Em primeiro lugar, minha companheira, Dani, que também trouxe
seu talento para as ilustrações que agora habitam este livro, e meu filho,
Vini, que me inspirou a sonhar a “nossa” casa. Ambos pacientemente
foram fiéis ouvintes e incentivadores para que eu chegasse até aqui.
Gratidão por não desistirem de mim. Amo vocês.

Meu pai e minha mãe, Djalma e Walkyria, de quem eu herdei esse amor
pela casa e pela decoração. Acabei levando tão a sério seus ensinamentos
que os transformei em profissão. Eu honro vocês por meio daquilo que
faço melhor.

Também houve vários amigos, com suas palavras de apoio, leituras,


conversas e discussões, que sinalizaram que eu deveria seguir em frente.
Em meio a tantos nãos, cada um à sua forma fez que eu prosseguisse na
busca por um sim: Alécio Rossi Filho, Fernanda Florence dos Santos Pires,
Maria Beatriz da Silva Mattos, Marcia Dias e toda a equipe do Senac,
seguem meu carinho e meu reconhecimento pela força que me deram para
tornar este livro realidade.

A todos os clientes e amigos que abriram suas casas, suas vidas e seus
corações e sem os quais nada disto faria sentido. Obrigado, obrigado e
obrigado!

Mas este livro não resume dez anos da minha pesquisa apenas; ele também
resume a minha própria vida. Então, eu o dedico a todos que, de alguma
forma, plantaram luz no meu caminhar. Como tem sido uma longa
jornada, houve também aqueles que me fizeram ir em busca de reafirmar a
minha existência e o meu propósito de vida. Para todos vocês, dedico um
lugar em meu coração.

Agradeço à mãe Gaia e ao pai Cosmos, que nos tornam a todos irmãos.

Com amor, Fabio.


O conhecimento que

possuo não é só meu.

É de todas as pessoas.

MIGUEL ANGEL RUIZ, citado por Mary Carroll Nelson, Além do


medo.
Apresentação

Foi no ano de 2014, no longo voo de volta para o Brasil após uma palestra
em um congresso de design de interiores em Hangzhou, na China, para o
qual fui convidado, que nasceram as primeiras ideias do que trago neste
livro. Logo no início da viagem para lá, eu havia sido tomado pela emoção
de apresentar meus projetos em um território distante. Porém, ao chegar
na cidade chinesa, algo diferente aconteceu. Conforme as palestras iam
ocorrendo, e a plateia, interagindo, eu me peguei recordando fragmentos
da minha história que se misturavam com as histórias vividas com os
clientes na construção de suas moradas.

Em um primeiro momento, eram somente lembranças que me ocorriam


durante as palestras, e não dei tanta importância. Mas à noite, quando ia
me deitar, tudo se intensificava, e aqueles flashes de histórias que
aparentemente nada tinham em comum bailavam em minha cabeça,
capturando ainda mais minha atenção.

Foram dez dias de desafios intensos, divididos entre a cansativa viagem, o


contato com uma cultura nova na qual eu não era um turista à procura de
diversão e aventura, mas alguém que estava no foco das atenções em
auditórios repletos de alunos e profissionais, e as apresentações, nas quais
eu tinha de me expressar publicamente em um lugar desconhecido.
(Embora muitos digam que não, dentro de mim existe um Fabio
introspectivo e reservado.)
Talvez em razão de toda essa sobrecarga emocional, ao final da minha
última palestra, na véspera do retorno ao Brasil, passei por uma
experiência singular que mudaria meu modo de ver a casa, minha
profissão e a mim mesmo.

Diante de aproximadamente 200 estudantes, fui sabatinado por algumas


horas, durante as quais eles perguntaram detalhes de como eu fazia minhas
escolhas para chegar aos resultados estéticos que estavam sendo ali
apresentados. Eles não queriam saber de técnica nem de pensamento
projetivo; a informação que buscavam estava relacionada à espontaneidade
com a qual eu tomava as decisões, misturando estilos e brincando com
texturas e cores.

Mas como explicar conceitos tão subjetivos assim? Conforme eu


respondia, ia me conectando com aqueles projetos e seus moradores. Foi
assim que percebi a importância das histórias que esses clientes traziam
consigo e que nos levaram a tomar decisões, tirando partido da
criatividade. Percebi também que parte dessas histórias estava entremeada
com minha própria experiência nas casas onde morei e, pela primeira vez,
senti que existia um fio de meada que apontava para a existência de um
diálogo interno entre uma casa que habita dentro de

cada um de nós e o lugar onde moramos .

Foi com base nessa sensação de estranhamento por estar diante daquele
público e, ao mesmo tempo, conectado ao passado, revisitando histórias
que ainda estavam vivas dentro de mim, que emergiu a pergunta: por

que decoramos?

Afinal, o que nos faz investir tanto tempo, atenção e dinheiro na escolha
de cada objeto, cada peça de mobiliário, para formar aquilo que na
decoração denominamos “construção do acervo pessoal”?

O que poderia existir por trás desse diálogo com as paredes e os objetos a
ponto de transformar nossa casa em um espaço pulsante e cheio de vida?

Que poder é esse do design de interiores, o qual fez imagens do meu


trabalho gerarem um convite que me levou ao outro lado do mundo para
despertar emoções até então guardadas dentro de mim?

Foi com essa série de questionamentos que desembarquei no Brasil,


decidido a saber mais sobre a nossa relação com a casa e a possibilidade de
usar o design de interiores como ferramenta de autoconhecimento.

Em meu trabalho com alguns clientes, presenciei reações a uma série de


experiências estéticas que chamaram minha atenção. Nessas ocasiões, pude
perceber que, a cada etapa concluída, tanto na escolha dos acabamentos
quanto na compra de mobiliário, conforme essas casas iam tomando
forma, sincronicamente seus moradores passavam por processos
profundos nos quais se abriam para resgatar sonhos e revisitar histórias
vivenciadas na infância e na juventude. Apoiados nelas, elaboravam novas
histórias, encontrando na decoração a possibilidade de expressar sua
criatividade e, por meio dela, moldar ambientes que os tornavam
orgulhosos de si e, consequentemente, mais livres, bem­-humorados,
seguros e organizados na vida pessoal e no trabalho.

O contrário também ocorreu. Cansei de assistir a explosões de raiva


vindas daqueles que, assustados com a responsabilidade de rever seu
passado para reconstruir uma nova versão da sua própria história,‐ ­
promoveram uma autossabotagem, embarcando em rotas de fuga
consumista, quando não se punindo e se vitimando ao justificar que a
decoração tinha um custo alto e não era feita para eles. Esses me
ensinaram que a casa também pode ser fonte de repressão, distanciamento
e alienação em relação àquilo que somos.

Também presenciei pessoas que chegaram até mim completamente sem


referências. Essas eram órfãs da casa; carregavam consigo lembranças
tristes e doloridas de uma vida marcada por perdas, traumas e restrições.
Traziam um sonho e depositavam em mim a responsabilidade por ajudá-
las a sublimarem a dor para criar um lar onde acreditavam existir a
felicidade.

Ao sair à procura de explicações as quais justificassem experiências tão


distintas, encontrei três respostas para a pergunta “Por que decoramos?”,
base deste livro, que chamaram minha atenção e que trago logo de início
com a intenção de levar você ao ponto de partida, onde nascem e se
incorporam os fenômenos da decoração.

Antes de falar sobre essas respostas, achei necessário distinguir a história


da decoração, e/ou do design de interiores, da história da arquitetura, pois
elas vêm se confundindo ao longo do tempo.

Enquanto a arquitetura se desenvolveu na busca por expressar a posse do


homem sobre a terra (Rybczynski, 1996), oferecendo abrigo e segurança
contra perigos e intempéries, a decoração e, mais recentemente, o design
de interiores sempre enfrentaram uma série de barreiras e foram tratados,
em um primeiro momento, como algo secundário e complementar à
arquitetura.

Os interiores das casas só passaram a evoluir à medida que seus moradores


foram se conscientizando de suas próprias emoções e dando maior
importância às questões subjetivas que surgiam da relação com o espaço,
buscando conforto, intimidade, informalidade, domesticidade e expressão
criativa.

Você também deve ter percebido que, em algumas frases, eu uso o termo
“decoração” e, em outras, “design de interiores”, quando não os dois juntos,
na mesma frase.[1] Neste livro, vamos considerar como conceito de

decoração o resultado final de quem busca ambientar a

casa , em que o ato de decorar resume-se no envolvimento emocional


com o espaço – sentimentos que, ao serem explorados, são capazes de
transformá-lo em muito mais do que abrigo, proteção e satisfação,
tornando-o também uma expressão simbólica de quem somos por meio da
criatividade e que tem como resultado a harmonia e a beleza. Nesse
contexto, consideraremos o design de interiores uma

disciplina, uma metodologia da qual podemos nos apropriar para


organizar de forma racional o impulso natural de decorar que habita, em
maior ou menor intensidade, em cada um de nós.

Por que decoramos? – Uma busca

pela ascensão social

Socialmente, decoramos a casa para impressionar as pessoas com quem


nos relacionamos. Fazemos uso dos recursos estéticos, associando-os a um
certo cultivo da interioridade, elaborando ambientes pensados para criar
uma imagem de como gostaríamos de ser vistos. Assim, tiramos partido da
decoração para alimentar um lado narcisista mais aflorado, na busca por
chamar a atenção e nos impormos perante os demais.

Com o passar do tempo, a decoração pela busca social foi se confundindo


com a sua própria história, o que a tornou um recurso classificado por
muitos como um ato supérfluo e efêmero, relacionado às pessoas de
comportamento fútil.

A designer e pesquisadora Ingrid Fetell Lee (2021), em seu livro As formas


da alegria, traz uma ideia ampla de que a preocupação central de qualquer
organismo vivo consiste em encontrar energia para suas atividades, como
arranjar comida, procurar abrigo, lutar contra os predadores, ter relações
sexuais, criar filhos, jogar tênis, dançar rumba. E eu incluo aqui o cuidar
da casa.

Será esse instinto de sobrevivência, quando associado a aspectos da nossa


essência humana, como as nossas próprias histórias de vida, que se tornará
o responsável por nos impulsionar a buscar formas de expressão que nos
diferenciem, tornando-nos seres únicos, admirados pelo que realmente
somos.

A competição pela sobrevivência não mais precisa ser “Eu ganho, e você
perde”. Na contemporaneidade, a busca social está em plena
transformação, aliando-se à sustentabilidade e a outros temas inovadores,
tornando-se uma relação de colaboração, um modelo novo de organização
social cuja premissa é “Eu ganho, e você também pode ganhar”.

A decoração teve origem no século XVIII, no processo de industrialização


do mundo ocidental, quando ocorreram grandes mudanças no
comportamento humano em relação à produção de bens e serviços. Fomos
impulsionados a desenvolver novos hábitos, entre eles o de consumir
livremente e em larga escala. Ao nos tornarmos consumidores, o desejo de
decorar, assim como tantos outros, foi se desequilibrando à medida que
passamos a dar maior importância às questões do ter (nossas posses) em
relação às questões do ser (nossa essência).

Com o passar do tempo, o resultado do trabalho de quem decora


unicamente para satisfazer essa busca por chamar a atenção dos outros
tornou-se sinônimo de escapismo, distração e passatempo. Um recurso
que, nos tempos atuais, tem se mostrado cada vez mais perigoso, em razão
de seu caráter superficial, sedutor e poluidor.

Quando usamos a decoração somente pela busca da ascensão social,


facilmente cedemos ao excesso, ao consumo e ao modismo e, na ânsia
imediatista por deixar a casa pronta o mais rápido possível, acabamos por
decorar os ambientes sem nos darmos tempo de absorver as ideias e
ponderar sobre nossas escolhas.

Ao aceitarmos somente as influências que vêm de fora e que se impõem


por meio de estilos ou modismos, vamos nos distanciando da essência e
dos valores genuínos que moram em nós. Deixamos de ousar e de usar a
criatividade, não permitindo que a espontaneidade, que é natural em
todos, flua e ecoe por meio de escolhas. A consequência em quem busca se
aproximar do belo exclusivamente por meio do consumo é um efeito
rebote de repressão da beleza (Hillman, 1993), que, em vez de aproximar,
acaba por afastar seu papel curador em nossa vida.

A verdadeira beleza deve ser um bem comum, disponível a qualquer


pessoa. E o desafio está em aprender a reconhecê-la por meio das nossas
próprias histórias, de forma que o consumo se torne uma consequência
que registre esse encontro.

Por que decoramos? – Em nome do

progresso

Em nome do progresso, surgiram demandas de consumo que se tornaram


responsáveis pela evolução da casa: centenas de invenções pensadas com o
intuito de facilitar a vida cotidiana e seduzir o comprador, criando e
saciando os mais variados desejos e necessidades, mesmo aqueles que nem
sequer existiam até então. Como solução, a fim de manter as máquinas em
constante produção e estimular o consumo, adotou-se a estratégia da
obsolescência e da diminuição da vida útil dos produtos (Kazazian, 2005),
não em razão do desgaste natural devido ao uso, mas do progresso pelo
progresso, pensado para dar vazão a novos produtos.

Se na busca pela ascensão social a decoração se consolidou como um


recurso elitista, a decoração em nome do progresso foi transformada em
moda em um processo semelhante ao da indústria do vestiário: um
comportamento em busca do luxo, estabelecendo um desequilíbrio na
relação custo-benefício que, em um primeiro momento, privilegiou os
mais abastados. Mais tarde, consciente do desejo das massas em imitar os
nobres e aqueles que ditavam tendências, a indústria se apoderou desses
valores criando produtos com o intuito de colocá-los ao alcance do maior
número de pessoas. Conforme o historiador de arte Ernst Hans Gombrich
(2012) descreveu em seu livro O sentido de ordem, na casa, o gesso tomou o
lugar do mármore, o papel de parede fez as vezes da pintura, estênceis
imitaram o trabalho das tesouras, o vidro substituiu a pedra preciosa, o
papel-alumínio tomou o lugar do metal maciço e o verniz surgiu para
imitar o pórfiro.

A singularidade do artesanal deu lugar à linha de produção, surgindo a


réplica; e, desde então, a decoração passou a escrever sua história
transitando entre o status de arte, o bom design e a vulgarização do
consumo.

Nas últimas décadas, porém, com a globalização e a comunicação digital, o


progresso passou a caminhar, mesmo que em passos lentos, em busca do
desenvolvimento sustentável. Daqui para a frente, precisaremos ter
consciência, boa vontade e criatividade em relação à nossa casa e a tudo o
que nos cerca a partir dela.

Embora distintas, a decoração pela busca social e a em nome do progresso


são respostas que se encontram conectadas, pois se utilizaram do conceito
da beleza para nos cegar frente à destruição da natureza, à disseminação da
vulgaridade, à falta de sensibilidade (Hillman, 1993) e ao sedentarismo,
influenciando negativamente nossa personalidade e nosso brilho interior.
No livro O mundo codificado, o filósofo Vilém Flusser (2007) aponta que,
por meio do uso do design, nos desenvolvemos construindo um mundo
cada vez mais artificial, e o resultado disso é que hoje estamos vivendo as
consequências do distanciamento do que é natural em nós.
Por que decoramos? – O resgate da

interioridade

De repente meu coração disparou, e, em instantes, voltei no tempo,


experimentando a mesma emoção que senti durante minha última ­palestra
na China. Não havia dúvida de que toda aquela alteração emocional
apontava para uma descoberta que vinha ao encontro das informações que
eu estava buscando.

Decoramos como uma resposta ao nosso desejo de mudança, pelo simples


prazer interior de nos expressarmos criativamente com o mundo,
utilizando as nossas histórias como ponto de partida para entrar em
contato com a beleza, ou seja, por meio do belo, descobrir partes em nós
que fazem nos sentirmos mais conectados com o que somos e com o que
viemos fazer no mundo.

E foi assim que percebi um novo caminho para a decoração: o design de


interiores como uma metodologia usada para nos aproximarmos dos
benefícios da experiência estética, levando-nos a uma jornada interior que
vai além da cultura do viver bem, convidando-nos a mergulhar em um
processo espontâneo de autoconhecimento, ressignificação e
autorreconstrução baseando-se na relação com a própria casa. Uma busca
simbólica que guarda o poder de despertar partes adormecidas
responsáveis pelo nosso equilíbrio emocional, levando-nos a uma
aproximação com nossa essência humana, a ponte de conexão com a alma.

As histórias que trazemos conosco guardam imagens nutritivas, que


carregam o nosso corpo de memórias. Quando acessadas, essas memórias
são capazes de promover o encontro com a nossa alma e com tudo a que se
tem acesso por meio dela: sons, cheiros, toques, gostos e texturas. É
somente por essa experiência sensorial que poderemos ter acesso à
influência regeneradora e curativa que a beleza é capaz de nos dar.

Mas como falar da nossa alma em um mundo racional e materialista que


valoriza métricas, porcentagens e estatísticas em detrimento de valores
íntimos como o amor, o prazer interior, a vontade genuína, a verdade, a
justiça, a beleza, a bondade e a abundância?

Eis que se abre a oportunidade para o design de interiores ser visto como
um instrumento de aproximação desses valores essenciais. Ainda não nos
demos conta do protagonismo que a casa pode ter em nossa vida como um
espaço potencializador da criatividade e de resgate da identidade,
expressado por meio dos móveis, das cores e dos objetos que utilizamos
para decorá-la.

A casa, que nasceu essencialmente delimitada por paredes, transcendeu seu


espaço geométrico, tornando-se também extensão do nosso corpo. Ela é
parte de nós – o mundo no qual vivemos. Interiorizada, ela nos
acompanha em nosso caminho pela vida. Temos, finalmente, uma
tradução de lar, em que a razão e a emoção, o corpo e a alma, a casa-
mundo e o mundo da casa possam dialogar em um mesmo ambiente.

Este livro

Escrevi esta obra para que possa despertar reflexões em todos aqueles que
sentem o chamado da decoração. Antes de tudo, é preciso se encontrar
com a casa que habita dentro de você.
Para isso, na parte I será abordada a história do morar, reconhecendo
modos e hábitos que nos têm acompanhado através do tempo e que
necessitam de ressignificação. Na parte II será explorado o habitar.
Entraremos em contato com o campo das experiências, em que as
informações são processadas e transmutadas, para então, na parte III,
desembarcarmos nos domínios da alma e termos a possibilidade de, por
meio dela, transformar a casa em um espaço de força, conexão e
centramento.

Será um delicado exercício de encaixe de uma dimensão que é concreta em


direção a uma dimensão complementar mais leve e sutil. Como essa
elaboração não será uniforme e previsível, caminharemos em espiral,
dando voltas em torno da casa, desvelando suas camadas, explorando
sutilezas e nuances. Assim como na decoração, o acesso a uma nova
consciência se faz em camadas.

Para que essa construção se instale confortavelmente, recomendo que você


leia o livro na ordem em que os capítulos se apresentam. Cada um deles foi
pensado para estruturar o próximo. Ainda que a parte III, “A alma”, possa
despertar a sua curiosidade e o desejo de acelerar, não deixe de voltar para
ler o que eventualmente tiver “pulado”, de modo que os conceitos se
instalem e tudo faça maior sentido. Estou certo de que insights surgirão
quando você menos esperar.

Seja bem-vinda, seja bem-vindo, a casa é sua!


[1] A profissão de designer de interiores é reconhecida em todo o
território nacional por meio da Lei no 13.369/2016, que em seu artigo 2o
define que “designer de interiores e ambientes é o profissional que planeja
e projeta espaços internos, visando ao conforto, à estética, à saúde e à
segurança dos usuários, respeitadas as atribuições privativas de outras
profissões regulamentadas em lei” (Brasil, 2016). Existem cursos nos níveis
técnico, tecnólogo, bacharelado e pós-graduação. Para a atividade de
decorador ou decoradora não é necessário curso específico.
Introdução

Sabe aquela sensação de chegarmos em casa e nos percebermos relaxando,


ao mesmo tempo que vamos nos reconhecendo por meio do ambiente e
dos objetos ali distribuídos? Pouco nos damos conta da importância desse
momento diário de encontro com a nossa casa.

Esse é um fenômeno que nos conecta com a nossa instintiva noção de lar;
é uma experiência que nos acompanha desde a origem mais primitiva,
quando ainda vivíamos em cavernas e aprendemos a nos expressar com a
vida, deixando marcas da nossa personalidade e da nossa espiritualidade
pintadas na superfície das rochas.

Foi por meio dessa relação com o ambiente que nos descobrimos
pertencendo a um lugar e assumimos o papel de centro do mundo em
relação a tudo o que nos rodeia, dando forma e localização ao nosso corpo
e à nossa morada. Mediante nossas referências, memórias e imaginação,
fomos nos aprimorando e nos expressando por meio de uma profusão de
fenômenos estéticos, como as pinturas corporais, os códigos culinários, os
artesanatos, as músicas, as danças, as festas, os jogos e, claro, as formas de
habitar.

Com o passar do tempo, na busca por subsistência e influenciados pelo


clima e pelo modo de coletar alimentos e caçar, vimo-nos confrontados
com uma ampla escolha de materiais, como barro, gelo, peles de animais,
pedras, bambu, terra calcada, troncos de árvores e ervas do deserto, entre
outros.
Foi a partir de então, após longos intervalos de tempo, que fomos
abandonando o modo nômade de viver para buscar um território e nele
nos fixarmos a fim de construir uma casa, apropriando-nos da criatividade
para desenvolver instrumentos e processos que nos auxiliassem.

No livro Os olhos da pele, o arquiteto Juhani Pallasmaa (2011) traz a ideia de


que, assim como um passarinho dá forma a seu ninho movendo o seu
corpo contra ele, as construções vernaculares em culturas tradicionais
sempre foram desenvolvidas da mesma forma, sendo medidas pelos olhos
e moldadas por meio do corpo, em uma relação de integração entre a
individualidade e a natureza.

Os primeiros registros que demonstram essa preocupação humana em


organizar os espaços internos de uma casa datam do período Neolítico, há
aproximadamente cinco mil anos. Situada na Escócia, Skara Brae é uma
das estruturas residenciais mais antigas do planeta. Nesse conjunto de oito
a nove casas, pode-se notar como o homem desde tempos remotos
constituía seu espaço em busca de uma organização, fazendo uso da
criatividade, erguendo e organizando esses interiores usando materiais
encontrados aleatoriamente ao seu redor, o que mais tarde também se
pôde observar em outras culturas, como a babilônica, a egípcia, a grega e a
romana.

Não sabemos absolutamente nada sobre essas


pessoas – de onde vieram, que língua falavam e
o que as levou a se instalarem em um local tão
solitário, despido de árvores, nos limites
setentrionais da Europa, mas as evidências ali
indicam que Skara Brae desfrutou de 600 anos
ininterruptos de conforto e tranquilidade (Bryson,
2011, p. 44).

Quando o historiador de arte Ernst Hans Gombrich (2012) analisou as


antigas tatuagens como origem das aplicações de padrões ornamentais, ele
chegou à conclusão de que esses padrões que se repetem regularmente
demonstram uma vontade particular de cada um em se expressar,
sinalizando uma sobreposição da cultura em relação à natureza,
manifestada pelo contato com essa força criativa que existe em cada um de
nós, a qual busca criar um certo tipo de ordem no mundo e está
relacionada com o jeito próprio de cada um ver e interpretar as coisas.

Se os registros dessas manifestações cotidianas, facilmente encontrados em


museus e livros ou mesmo à venda em antiquários, servem para nos ajudar
a contar de onde viemos e nossa evolução, certamente os objetos que hoje
nos cercam também se tornarão responsáveis por contar sobre a nossa
história futura.

Então, surgem algumas interrogações: qual será a história que nossos


objetos e mobiliários de design contarão sobre nós? Tudo vai depender
daquilo em que acreditarmos e das nossas escolhas daqui para a frente.

Nas últimas décadas, com a evolução da tecnologia digital, estamos diante


de uma nova dimensão da vida. Se até então vivíamos a realidade de um
mundo finito de recursos naturais, que nos tem provocado a repensar
nossos hábitos, no campo virtual o mundo se tornou infinito, gerando
uma série de experiências inéditas que nos têm impulsionado a fazermos
mudanças na forma pela qual nos relacionamos com a vida.

Em resposta a essa nova organização, a casa tem se mostrado mais


orgânica, dinâmica e universal. Se ela nasceu e se desenvolveu como
sinônimo de abrigo e proteção, por meio dos computadores e gadgets ela
perdeu sua barreira física, tornando-se sinônimo de liberdade. O “lá fora”
agora também está “aqui dentro”, e caberá a nós, a partir dessa nova
consciência, transformá-la em um laboratório para viver o mundo em
segurança.

Nesse trajeto evolutivo, graças ao fácil acesso a informações sobre como


ter espaços decorados, pudemos ampliar nosso conhecimento cultural e
estético, fazendo que a decoração deixasse de ser um recurso superficial
para se tornar uma ferramenta no planejamento estético dos interiores;
que seus moradores, estimulados pelo desejo de viver em espaços belos e
harmônicos, tivessem condições de visualizar suas ideias e criações,
abrindo a possibilidade de se reinventarem por meio da morada.

Desde então, a busca por esse modo de vida mais integrado com o lugar
onde moramos tem aberto nossa mente ao desenvolvimento de novos
conhecimentos e habilidades para lidar com o espaço, construindo
aprendizados por meio do reconhecimento das texturas e das cores, de
diversos materiais e da iluminação.

Na onda maker, estamos nos descobrindo designers de nós mesmos e,


instintivamente, recorrendo à nossa origem primitiva, a fim de reaprender
a lidar com a linguagem dos símbolos e seu poder mobilizador de criar
uma forma do morar na qual possamos nos sentir mais inteiros e
integrados.
O design de interiores, por meio de ferramentas como blogs, sites, mídias
sociais, cursos e livros, tem se potencializado como uma metodologia
capaz de estimular a nossa essência criativa, o nosso vínculo estético e a
nossa ação autoral, para nos ajudar a criar lugares que sejam vivos,
representando uma nova consciência da expressão das nossas qualidades
humanas, que neste livro eu chamo de poderes da alma.

Pois será por meio das nossas escolhas cotidianas, aparentemente banais e
corriqueiras, que se esconderá a oportunidade de costurarmos valores
humanos profundos, que nos coloquem em contato com as forças
curativas que habitam em nós, como a beleza, o amor, a verdade e a paz,
transformando a casa em um lugar sagrado onde abundem a fecundidade e
a prosperidade, um lugar de reflexão, capaz de favorecer a nossa relação
com o mundo de uma forma mais confiante e organizada.
PARTE I.

O mundo

Tudo que acontece no mundo, criado por


alguém, descoberto e até disputado vai
acabar, de uma forma ou de outra na casa
das pessoas. As guerras, as fomes, a
Revolução Industrial – tudo isso está lá, no
seu sofá e na cômoda, escondido nas dobras
das cortinas, na maciez dos seus
travesseiros, na tinta das paredes, na água
das suas tubulações. Assim, a história da
vida doméstica não é apenas uma história de
camas, sofás, fogões como eu vagamente
supunha […]. As casas não são refúgios
contra a história. É nelas que os fatos
históricos vão desembocar.
Bill Bryson, Em casa: uma breve história da vida doméstica
Com o intuito de dar forma ao potencial transformador
que a casa guarda, nesta primeira parte do livro convido
você a trilharmos juntos a maneira pela qual ela se
desenvolveu, para entender como somos influenciados
por interesses externos a ela.
Procurei trazer referências significativas para esse
entendimento de como a casa foi concebida e construída
com base nos modos de vida e no despertar da
consciência dos seus moradores.
Nesse trajeto, será importante iniciarmos pelo
reconhecimento das heranças comportamentais e das
transformações funcionais e estéticas que estão
enraizadas em nós, muito mais do que poderíamos
imaginar, para então nos libertarmos das fórmulas e dos
formatos que nos têm sido impostos.
Antes de contar a nossa história, a casa conta a história
do seu desejo de existir, e torna-se fundamental ouvi-la
para reconhecer aquilo que é original e nos faz vibrar o
coração e aquilo que nos foi imposto e já não mais nos faz
sentido.
Segundo o professor de filosofia Nichan Dichtchekenian,
estudioso da fenomenologia, a casa é a parte do mundo
que recebemos para viver no mundo em paz.
Esse é um bom momento para se perguntar: qual a casa
que mora em você? Reconhecê-la como lugar da paz é o

primeiro passo para transformá-la em um lugar onde


pulsam e se manifestam a força criativa e o prazer
interior que habitam em todos nós.
Capítulo 1.

O mundo medieval

Podemos descrever como as pessoas da Idade


Média comiam, se vestiam, mas nada disso vai
fazer muito sentido se não tentarmos entender
como elas pensavam.

Witold Rybczynski, Casa: pequena história de uma ideia

Nosso caminho em busca da casa se inicia na Baixa Idade Média (1300-


1500), especificamente no fim do período feudal, época de predomínio das
atividades agropastoris e marcada por seus grandes contrastes : a
religiosidade e a avareza, a delicadeza e a crueldade, a suntuosidade e a
imundície, o ascetismo e o erotismo, todos esses cenários coexistiam.
Os ambientes, a intimidade e a

falta de privacidade

No interior das casas, a falta de um sistema eficiente para a exaustão fazia


que se vivesse sob o temor dos incêndios e das intoxicações. Os ambientes
eram esfumaçados e careciam de um aquecimento para tornar melhor a
vida dentro delas.

O significado de intimidade resumia-se a um simples – e, na maioria das


vezes, carregado de culpa – diálogo com Deus, que nesse período estava no
centro de todas as explicações.

Nas moradias – a nobreza nos castelos, o clero nos mosteiros e a


burguesia, composta por ricos comerciantes –, adotou-se a arquitetura
como símbolo de austeridade e poder. Internamente, essas casas tinham
poucos móveis, a grande maioria deles portátil (daí a origem dos termos
“mobília”, “móvel”). Eram pensados para ser levados de um lado para o
outro ou, então, desmontados. O mesmo com as tapeçarias, que eram
utilizadas penduradas nas paredes ou sobre as mesas e deveriam ser fáceis
de enrolar, não apenas pelo uso diário na casa burguesa, que exigia uma
flexibilidade com o espaço, como também para atender à demanda das
viagens dos nobres, que possuíam várias residências e se deslocavam com
frequência.

Para a maioria da população, pobre, a moradia mantinha características


primitivas quanto ao uso de materiais. Muitas vezes, dormia-se no mesmo
ambiente que os animais, em espaços muito reduzidos, que mais se
adaptavam à vida do que representavam um lar ou mesmo uma casa.
Em meio a essa discrepância social para aqueles que moravam nos burgos,
pequenas cidades muradas, e, mais tarde, nas cidades propriamente ditas, a
casa funcionava como um ponto de encontro que, de certa forma, exercia
o papel de igualar a todos.

Como não existia a consciência da individualidade e da intimidade, as


famílias e seus criados viviam no mesmo espaço de maneira comunitária.
Não raramente se agrupavam até 25 pessoas para comer, trabalhar e
dormir. As camas eram tão grandes que poderiam acomodar várias
pessoas. E, embora já houvesse algumas regras de higiene, elas ainda eram
precárias. Além do número elevado de moradores e da coabitação com
animais, convivia-se com ratos, pulgas, percevejos e, consequentemente,
com infecções (Zabalbeascoa, 2013).

Pouco espaço e muita roupa

Nas casas mais abastadas e nos palácios, ao mesmo tempo que se dava
importância exagerada às regras sociais e às formalidades, fazendo que um
pomposo cumprimento levasse minutos, pouco se conhecia sobre questões
de privacidade; e a noção de conforto, apesar de existir desde a Grécia
Antiga, até esse momento não era tida como necessária. Seus habitantes
trajavam roupas suntuosas, ricamente adornadas, mas se sentavam em
bancos totalmente sem conforto. A cadeira, quando existia, só podia ser
utilizada por alguém importante, e mesmo assim raramente se recostava
nela. Assentos duros garantiam que fosse mantida uma postura ereta e
imponente, enquanto a grande maioria se apoiava nos móveis ou se
acomodava agachada pelos cantos (Rybczynski, 1996).
O clima geral era de algazarra; não havia uma preocupação com a
organização e a estética dos ambientes, que eram multifuncionais, sem
uma finalidade específica.

Em razão do alto adensamento das construções dentro das muralhas, a


maioria das casas burguesas tinha apenas dois ambientes, geralmente
longos e estreitos. Com o passar do tempo, algumas se expandiram,
assemelhando-se a prédios de apartamentos, com os andares superiores
utilizados para depósito ou para alugar, denunciando que já naquela época
havia pessoas que não trabalhavam e moravam na mesma cidade.

No andar térreo, o grande hall constituía o espaço mais próximo à rua,


onde todos se encontravam para realizar negócios ou simplesmente se
divertirem.

Como em um tabuleiro, as pessoas levavam consigo a escassa mobília,


adequando o cenário entre as horas de alimentação, trabalho e descanso. O
mesmo fogo que aquecia o ambiente era o que se utilizava para cozinhar.

A mesa constituía o lugar não apenas das refeições mas também dos
negócios. Durante à noite, fazia as vezes de cama, não só para uma pessoa
mas para várias, que ali se acomodavam para o pernoite. Baús serviam
como estoque, assentos e até como uma espécie de cama. As roupas dentro
deles transformavam-se em um improvisado e nada confortável colchão.

Os banheiros eram quase inexistentes. As pessoas utilizavam urinóis e,


quando precisavam defecar, criados traziam cadeiras que se assemelhavam
a caixas e que atendiam às necessidades dos senhores. A água suja e os
detritos eram despejados diretamente nas ruas ou nos rios próximos, um
hábito que originou pestes responsáveis por dizimar grande parte da
população da Europa. A lavagem das mãos se dava em tinas que se
espalhavam pela área externa, e o banho era considerado muito mais um
ritual do que um hábito de higiene: só ocorria em eventos especiais, como
casamentos, banquetes e afins. Calcula-se que nesse período as pessoas
tomavam, no máximo, seis banhos por ano (Zabalbeascoa, 2013).

A vida medieval e o design de

interiores

Se a vida medieval teve alguma contribuição para o design de interiores e


os interiores domésticos, pode-se dizer que foi graças à elite, composta
pela nobreza, pela nascente burguesia e pelo clero.

Arquitetos, escultores, pintores de afrescos e trabalhadores em metal eram


os responsáveis pela ornamentação dos ambientes, que estava muito mais
relacionada à arquitetura e deveria mostrar a pujança de seu proprietário
do que aos móveis, os quais, como dito antes, eram mais utilitários e
escassos. Por esse motivo, muito da criação dessa época esteve relacionado
a temas religiosos, influenciando também o estilo dos móveis que mais
tarde surgiriam nesses ambientes, como a mesa para refeições, o já citado
baú, o banco e a gaveta.

A historiadora Phyllis Bennett Oates (1991) descreve que somente por


volta do século XV, no Renascimento, com os estudos das formas e da
geometria, os artistas e arquitetos revisitaram a Grécia Antiga, fazendo
ressurgir o interesse pela arte e pela cultura clássicas. As cidades que mais
tarde formariam a Itália, por abrigarem a sede da Igreja católica e ricos
mercadores, tornaram-se as grandes financiadoras das artes e da artesania
renascentista, que se desenvolveram valorizando a austeridade, os traços
mais sólidos e cartesianos, e o equilíbrio e a harmonia das formas.

No século XVI, com a Igreja católica tendo seu domínio ameaçado pela
Reforma Protestante, o Renascentismo entrou em declínio para ser
substituído por um estilo menos rígido, reconhecido por seus apelos mais
decorativos, repleto de ornamentos e teatralidade, que pregava uma certa
espiritualidade ao mesmo tempo que se utilizava de todos os meios
materialistas para acentuar o apelo visual e emotivo e estimular a piedade e
a devoção (Gibbs, 2010).

Ao se impor como movimento artístico dominante (entre o final do século


XVI e o início do século XVIII), o barroco ultrapassou as fronteiras das
cidades que viriam a formar a Itália e aportou com seus ornamentos no sul
do território da atual Alemanha, na Áustria, na Espanha, na França e na
Inglaterra.

Eis que chega a luz sobre os hábitos

de uma época

Na passagem do século XVII para o XVIII, o pensamento teocêntrico –


segundo o qual Deus estava no centro de tudo – começou a perder a força
e ser sobreposto pelo antropocentrismo, marcando o início do
Iluminismo, que, com a Primeira Revolução Industrial, deu ênfase ao uso
da razão para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos.
Como palco dessas mudanças, a casa evoluiu para tornar-se mais sólida: a
madeira foi substituída pela pedra, e teve início o seu processo de
compartimentação. De um espaço único centralizado ao redor do fogo,
cresceu de tamanho e, por meio de tábuas e vigas no teto, ganhou uma
escada interna e um segundo andar, estabelecendo uma diferenciação
social entre seus moradores e a grande maioria, que habitava o térreo.

Com o avanço da tecnologia dos fornos e das lareiras, também foi possível
o aumento do número de ambientes, e os quartos, ainda sem uma função
preestabelecida, começaram a proliferar, permitindo que a casa deixasse de
ser pública para ganhar um certo caráter de intimidade, tornando-se,
paulatinamente, uma casa de família.

A cozinha foi levada a uma área adjacente, e os poucos banheiros que


existiam davam para fossas subterrâneas que, com o tempo, foram
contaminando as fontes de água e os rios, contribuindo para novos surtos
de pragas e doenças.

Em geral o primeiro passo era construir uma


grande sala no andar de cima, chamada “grande
câmara”, onde o senhor e sua família faziam tudo
o que antes faziam no saguão – comer, dormir,
descansar e se divertir –, mas sem tanta gente
em volta, descendo para o grande salão no andar
térreo apenas para banquetes e ocasiões
especiais. Os criados pararam de fazer parte da
família […]. A ideia de ter um espaço pessoal, hoje
tão natural para nós, foi uma revelação. As
pessoas queriam mais e mais privacidade. Logo,
não bastava viver separadamente dos inferiores;
também era preciso ter condições de viver
separadamente de seus iguais (Bryson, 2011, p. 76).
O iluminismo transformou e revolucionou os costumes da época,
despertando questões subjetivas em torno do morar até então
inexpressivas, como a privacidade e o prazer , os quais foram aos
poucos sendo associados ao bem-estar físico e à estética, passando a ter
maior importância. Foi o início de uma nova consciência que então
relacionaria o interior da mente das pessoas com os interiores domésticos.

Esse novo modo de pensar gerou mudanças que foram se espalhando por
vários países europeus e se adequando aos usos e costumes regionais de
cada um. Por volta do século XVII, nos Países Baixos, então o maior
centro financeiro e portuário da Europa, surgiram inovações na forma de
construir as casas, como consequência da adaptação, para a vida urbana, da
expertise naval de lidar com a umidade e as forças da natureza nas
embarcações.

Os neerlandeses eram habitantes das cidades – nem camponeses nem


aristocratas – e formavam uma grande camada intermediária na sociedade,
composta por artesãos, advogados, médicos, eruditos, arquitetos, clérigos,
mercadores e especuladores do comércio exterior, além, é claro, de
navegantes.
Guiados pelo fervor protestante, que pregava a ponderação, os
neerlandeses, por meio da arquitetura, instituíram modos familiares que se
assemelham aos modelos vividos até hoje, como a compartimentação dos
espaços, que afastava o núcleo familiar do núcleo de funcionários e tornava
o território da casa definitivamente íntimo e privado.

A privacidade e a domesticidade, as duas


grandes descobertas da era burguesa, surgiram
naturalmente nos Países Baixos. Até o século
XVIII, já haviam se espalhado pelo resto da
Europa setentrional – Inglaterra, França e os
estados alemães. A casa e seus moradores
haviam mudado, física e emocionalmente; ela
deixou de ser um lugar de trabalho, diminuíra em
tamanho e, o que é mais importante, tornara-se
menos pública (Rybczynski, 1996, p. 87).
Com o surgimento da área íntima, o trabalho foi aos poucos se
distanciando, ou seja, o homem passou a ficar mais tempo fora de casa,
dando espaço para a mulher, que ficou responsável pelos cuidados com a
moradia e seus filhos, consequentemente tornando o ambiente doméstico
mais feminino, limpo e com regras. Foi a partir de então que o conforto
adquiriu o sentido de bem-estar físico e de prazer.
Em um movimento paralelo no mesmo período, a França passou a chamar
a atenção para si, ditando tendências em termos de moda e estilo. A
professora e historiadora Joan DeJean (2012), no livro O século do conforto,
conta que a partir de 1670 morar confortavelmente tornou-se tão desejável
quanto possível em larga escala, fazendo que o conforto e a informalidade
passassem a ser apreciados como estilo e emergissem como prioridade na
arquitetura, na moda, no design de móveis e na decoração.

Luís XIV, o grande monarca da época, encomendou extraordinárias


intervenções a vários arquitetos, entre eles Charles Le Brun, reconhecido
como o primeiro profissional da história especializado em decoração. Com
isso, a decoração resultou em um estilo próprio francês, no qual os móveis
foram elevados ao nível de belas-artes como parte da decoração de
interiores. A disposição escassa e improvisada do mobiliário foi
substituída pelas regras de uma arrumação rígida, com a função de realçar
a arquitetura do local onde estivesse.

O elemento feminino e a revolução

dos interiores da casa

A partir desse período, o elemento feminino tornou-se um dos mais


importantes na revolução dos interiores da casa. As mulheres, como
organizadoras do núcleo familiar e como criadoras de possiblidades dos
usos e costumes, desempenharam um papel importante na história da
decoração. Somente graças a essa nova visão, casa e trabalho passaram a
ter o seu devido lugar, com suas especificidades cada vez mais definidas, e
se desenvolveu uma consciência interior que deu às casas um toque
especial nos aspectos físico e emocional e lhes conferiu ares mais

intimistas .

Se nos Países Baixos a casa ficou mais saudável e as mulheres puderam


organizar os seus interiores e cuidar deles, concomitantemente na França
elas desempenharam um papel importante no processo de trazer
feminilidade aos ambientes. Essa presença se deu por intermédio das
influentes anfitriãs e das amantes do rei, que interferiam na renovação dos
palácios e dariam início a um movimento que caminhou no sentido
oposto ao da rigidez e da formalidade características da decoração da
época. O toque feminino certamente teve consequências diferentes na
França em relação à domesticidade dos neerlandeses, mas foi um passo da
mesma importância para a evolução do lar.

O fim do domínio da austeridade nos usos e costumes ficou marcado por


uma revolução dentro do Palácio de Versalhes, quando a marquesa de
Montespan, então uma das amantes de Luís XIV, e um grupo de nobres
uniram forças para promover o rococó , o primeiro estilo desenvolvido
exclusivamente para os interiores, resultando em valorização do

conforto (Rybczynski, 1996). Os ambientes foram invadidos por uma


variedade de móveis que passaram a ser estofados, buscando uma
informalidade nunca vista até então e que se misturava ao ainda rígido
estilo barroco da época.
Com a morte de Luís XIV, a corte mudou-se de Versalhes para Paris,
influenciando os modos da alta burguesia, que passou a viver em mansões
individuais, também conhecidas pelo termo hôtel, decoradas com
ostentativo mobiliário luxuoso. Nesses espaços, os arquitetos priorizavam
as aparências e o conforto, embora os quartos ainda se mantivessem
interligados, sem corredores, comunicando-se através de portas
enfileiradas que ofereciam uma visão ampla e encarrilhada de um lado a
outro da casa.
Porém, mesmo com os interiores ainda carecendo de privacidade, a
decoração tomou importância, destacou-se e ganhou popularidade com os
cronistas culturais, que passaram a escrever sobre objetos e espaços
comuns que se tornavam repentinamente extraordinários, pois ganhavam
novas formas e projetos, radicalmente diferentes. Cadeiras, mesas, camas e
quartos passaram a ser assuntos amplamente comentados em cartas,
diários, jornais e até mesmo em guias de decoração.

Os móveis não eram mais um simples


equipamento, mas eram considerados posses
valiosas e começaram a ser parte da decoração
do cômodo. Geralmente eram feitos de nogueira
em vez de carvalho ou (se fosse mais caro) de
ébano (Rybczynski, 1996, p. 52).
Em consequência, os arquitetos deixaram de se concentrar em fachadas
imponentes, na grandiosidade externa das construções e em
deslumbrantes ambientes para recepções. O foco passou a ser o design de
interiores, os ambientes onde se vivia o cotidiano. As necessidades
particulares de seus clientes se tornaram prioridades para os projetistas e
artesãos, que se puseram a desenhar as casas em torno das demandas

da vida familiar , do descanso e da amizade.

Embora o estilo se mantivesse suntuoso, as formalidades foram


substituídas pela vivacidade, pela harmonia entre grandiosidade e
intimidade, fazendo que o conforto e a informalidade definitivamente
emergissem como prioridades em domínios que variavam da arquitetura e
da moda ao design de móveis e à decoração de interiores.

Em 1728, o jovem Luís XV, influenciado por sua amante, madame de


Pompadour, decidiu quebrar as maciças paredes de Versalhes para
construir banheiros com água encanada e espaços onde pudesse descansar.
Ao que parece, assim como ocorre em muitas reformas nos dias de hoje,
teve de repeti-la várias vezes até que o sistema funcionasse perfeitamente.
Assim, as palavras commodité (comodidade) e commode (conveniente)
entraram oficialmente para o vocabulário dos arquitetos, que, a partir de
então, promoveram uma revolução nos interiores.

Os mobiliários e os ambientes representavam os hábitos dessa época, um


período em que as pessoas buscavam a alegria, vivendo com prazer e
diversão. Os móveis, principalmente as cadeiras, deixaram de ter uma
função ritualística e passaram a exibir conforto e uma maneira de estar à
vontade, tornando-se um objeto decorativo que convidava a sentar, sendo
aprazível tanto aos olhos quanto às nádegas. Hábitos simples e prazerosos,
como sentar juntos para ouvir música, relaxar e jogar cartas, começaram a
ser aceitos no convívio público.

A crença na importância do design de interiores difundiu-se não apenas


nas camadas sociais mais altas. Se antes a arquitetura dos cômodos era a
arquitetura das fachadas, voltada para dentro, agora ela começava a ser
desenvolvida literalmente para o interior doméstico, realçando as casas
porta adentro e fazendo uma clara distinção entre a decoração de
interiores e a arquitetura.

Outra curiosidade herdada dessa época está no fato de que as casas eram
personificadas, batizadas com nomes próprios, assim como ocorre com
chácaras, sítios e fazendas nos dias de hoje. Hábito mantido por alguns
arquitetos e designers de interiores como uma forma de trazer mais
personalidade e intimidade ao projeto. A partir do século XX, com a
evolução da industrialização e com a casa tendo maior valor econômico do
que emocional, os números substituíram os nomes e essa prática foi
abandonada pela grande maioria dos seus moradores.
Capítulo 2.

O mundo industrial

A invenção da classe média injetou novos níveis


de demanda na sociedade. De repente surgiu um
enxame de pessoas com residências
esplêndidas, todas necessitando de decoração; e
de repente o mundo estava cheio de objetos
desejáveis para preenchê-las. Tapetes, espelhos,
cortinas, móveis estofados e bordados e mais
uma centena de coisas que raramente se
encontravam nas moradias antes de 1750 então
se tornavam comuns.

Bill Bryson, Em casa: uma breve história da vida doméstica


Com a Revolução Industrial, instaurou-se o domínio da economia
capitalista, promovendo uma grande mudança no modo de produzir e nas
relações comerciais, com consequências em quase todos os aspectos da
vida cotidiana. De acordo com o pensamento da Reforma Protestante,
ocorrida no século XVI, o lucro e os juros, condenados pela Igreja católica,
tornaram-se mecanismos moralmente liberados. A prosperidade
econômica começou a ser vista como o melhor exercício da dignidade,
impondo uma nova ética em que a honra, a disciplina e o trabalho duro
passaram a constituir valores a serem almejados.

Essa nova relação, pautada pelo avanço tecnológico das máquinas a vapor
e pelo uso de combustíveis fósseis, acelerou a vida, proporcionando uma
nova consciência que transformou rapidamente o modo de pensar da
sociedade da época. A aquisição e a acumulação de capital se tornaram
indícios de mérito individual.

A casa organizada de forma

tripartida

A França, que já tinha passado por sua famosa revolução em 1789, com rei
e rainha guilhotinados, continuava ditando tendências no mundo da
decoração, mantendo a valorização dos modos de morar e receber e
influenciando todo o mundo ocidental. O pensamento racional e os novos
hábitos, oriundos de uma vida apinhada nas cidades, exigiam novos
formatos arquitetônicos que melhorassem as condições de higiene, e assim
a casa passou a se organizar em uma configuração interna tripartida: área
social, destinada à família e à recepção de convidados; área íntima, onde
ficavam os quartos; e área de serviços, formada por cozinha e lavanderia,
então denominadas espaços de rejeição e cujo uso era destinado aos
serviçais.

O grande sucesso dessa nova configuração se deveu à invenção do

corredor , espaço estreito e comprido que não só permitia acessar os


quartos de dormir discretamente, garantindo a privacidade dos seus
moradores, como também possibilitava o aumento desses ambientes,
refletindo uma organização na qual os filhos não mais dormiam no mesmo
quarto que seus pais.

Ao conforto e à privacidade juntou-se o conceito do ambiente doméstico,


que buscou, por meio de sua origem etimológica – a palavra “domesticar”
–, unir o conjunto de emoções sentidas pelo lar a uma estruturação
familiar domesticada. Nessa estrutura, as mulheres deveriam se ocupar da
função e do cuidado com a casa e os filhos, enquanto os homens, além de
mantê-la economicamente, para ela retornariam ao final da jornada de
trabalho.

Internamente, aspectos tão diferentes como o estofamento e o


encanamento saíram da Idade da Pedra para a Modernidade. As casas
passaram a apresentar mais ambientes, surgiram os apartamentos
ampliados, com cinco ou mais cômodos, e cresceu a ideia de que, nos
interiores de uma moradia, não bastava que ela fosse bem arrumada; ela
também deveria ser decorada.

í
Início da vida moderna, eis que

surge a classe média

Por volta de 1745, na Inglaterra, que estava mais bem estruturada em


termos de riqueza, surgiu a expressão “classe média”, para identificar uma
classe socioeconômica que não existia antes como força participante na
sociedade e composta por pessoas com boas possibilidades ­financeiras,
como banqueiros, advogados, artistas, editores e comerciantes, entre
outras. Dotada de ambição e espírito criativo, essa classe se potencializou,
fazendo a diferença no mundo moderno e servindo não só aos muito ricos
mas, também, de forma ainda mais lucrativa, uns aos outros.

Em 1851, pleno fervor da era industrial, um censo realizado na Inglaterra e


no País de Gales apontou que um grande número de pessoas havia deixado
os campos para viver nas cidades. Surgiram as multidões urbanas em
escala nunca vista. As saídas para o trabalho e para a diversão passaram a
ser em massa, dado o grande contingente humano.

A Exposição Universal de Londres, realizada no Palácio de Cristal no


mesmo período, representou um marco para os avanços do convívio
social. Foi a primeira vez e foi o primeiro local em que classes sociais
diversas se reuniram e se misturaram em íntima proximidade para
conhecer uma série de avanços tecnológicos que marcariam
definitivamente o início da vida moderna, entre eles a invenção dos
banheiros tal qual conhecemos hoje.

A produção artesanal, que até então valorizava a detenção do


conhecimento por meio da cultura do fazer, viu-se fragmentada pela
indústria, que, sob o pretexto de transformar e melhorar as condições de
vida, afastou-se do objeto natural na tentativa de dominar e controlar o
mundo por meio do trabalho em forjas e minas.

A produção dos bens materiais, que mantinha uma relação harmônica e de


equilíbrio com a natureza, redundou em exploração dos recursos naturais
da Terra para atender a uma crescente parcela consumista, desenvolvendo-
se em um ritmo de hostilidade e dominação, com o objetivo de favorecer a
produção em detrimento da qualidade.

O valor da natureza perdeu seu aspecto passivo e contemplativo e passou a


ser mensurado pelos interesses humanos, como fonte de alimento,
matéria-prima ou diversão.

Esse período foi marcado por um design com uma forte referência na
ornamentação floral, que influenciou desde fachadas até objetos internos
domésticos, preenchendo espaços e decorando ambientes os quais, ao
mesmo tempo que enfeitavam o cotidiano, simbolizavam o início da perda
da relação que o homem mantivera com a natureza até então.

O progresso chegou impondo nova

ordem e critérios às habitações

O progresso se tornou um fim, uma busca frenética a ser conquistada a


qualquer preço. Com o avanço da tecnologia sobre os combustíveis, duas
invenções da época tornaram ainda mais desejável estar no ambiente
doméstico: o candeeiro a gás, que inicialmente iluminou as ruas e os
prédios públicos e aos poucos foi adentrando as residências, e a ventilação,
a qual tornou os ambientes menos esfumaçados e mais claros e arejados,
aumentando a consciência acerca da limpeza, tanto a pessoal quanto a da
casa.

Com o consumo massificado, houve um aumento da oferta de empregos.


Os empregados domésticos, em busca de uma vida melhor, migraram para
as indústrias, e em consequência da escassez de mão de obra surgiu a
necessidade de redução do tamanho das casas.

Os espaços domésticos foram se tornando mais funcionais , tanto


para o uso como para a limpeza. A cozinha, que ficava no porão ou do lado
de fora da casa, migrou para o andar térreo e ficou próxima à sala de
jantar, rivalizando com a sala de estar, o ponto focal da vida familiar.
Auxiliada pelos eletrodomésticos que facilitavam as tarefas e permitiam
economia de mão de obra, a dona de casa passaria a cuidar diretamente da
casa.

As paredes foram revestidas com papel lavável, e seu projeto passou a ser
cuidadosamente pensado segundo o mesmo raciocínio por trás das linhas
de montagem das fábricas. A mesa e todo o restante dos equipamentos,
além de terem uma altura padronizada, buscavam obedecer a uma ordem
que favorecesse condições de trabalho mais propícias e velocidade no
preparo dos alimentos.

Para que isso acontecesse, foi necessário que as tubulações também


evoluíssem, e com elas, assim como a cozinha, os banheiros começaram a
adentrar as construções. Primeiro, nos prédios comerciais, como os hotéis;
mais tarde, nas residências, só que agora não mais por uma influência
europeia, mas dos Estados Unidos, segundo a qual a cultura da
informalidade e a noção de igualdade agregaram novos valores à casa. A
bacia e o jarro presentes nos banheiros e utilizados para a lavagem das
mãos passaram a ser embutidos no tampo do gabinete, formando a cuba
com torneira tal qual como conhecemos nos dias de hoje.

Tomava-se banho em tinas de madeira – as “avós” das banheiras –, e o


chuveiro ainda era um item muito raro. Foi somente após 1930 que o
banho deixou de ser associado ao prazer e ao luxo e seu uso foi relacionado
à ideia de higiene e limpeza.

O século XX trouxe novos papéis à

mulher e ampliou o jeito de

morar

O século XX foi marcado pelas duas grandes guerras, e a mulher, até então
mais limitada aos serviços de mãe e esposa, na falta da mão de obra
masculina (que havia sido enviada para as trincheiras) atendeu ao chamado
da indústria, passando a compor o mercado de trabalho.

Com o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o contingente


feminino não retornou ao lar e continuou abrindo espaço não apenas na
indústria mas também no comércio. Entre as mulheres mais pobres, o
trabalho fora de casa era uma necessidade; entre as mais abastadas, uma
conquista de posição.

Dentro das residências, os corredores e os halls diminuíram de tamanho e,


em muitos casos, foram eliminados. Sob a influência do estilo de vida
prático dos Estados Unidos, os ambientes foram integrados pelo conceito
de cozinha americana, separada da sala por um balcão. Para agregar o
espaço do banheiro, parte da casa se estendeu para fora, em direção aos
pátios internos dos prédios, ou sacrificou um dos cômodos existentes. A
banheira teve seu tamanho reduzido e nela foi acoplado um chuveiro,
como resultado dos processos modulares desenvolvidos pela indústria
norte-americana para reduzir custos. Finalmente, o banheiro se tornou
mais popular.

Outra importante mudança no cotidiano familiar consistiu nos diversos


aparelhos criados para facilitar a vida doméstica e para o lazer, como o
rádio e a televisão. Segundo a historiadora Anatxu Zabalbeascoa (2013)
conta no livro Tudo sobre a casa, em 1958 havia mais televisores do que
banheiros nos Estados Unidos, e as pessoas estavam mais dispostas a
dividir o banheiro do que esse aparelho.

Em resposta a uma demanda crescente do mercado imobiliário e


atendendo à pressão industrial para acelerar e facilitar os processos
construtivos por meio de sistemas pré-fabricados, o estilo ­-

modernista ascendeu. Com esse estilo, que valorizava uma ­


arquitetura limpa , simples e prática, tornou-se possível construir
para um maior número de pessoas.

A recessão chegou, vestida de bege!

Mas essa felicidade durou pouco, e os anos de reconstrução e prosperidade


do pós-guerra terminaram com a primeira crise do petróleo. Depois da
Guerra dos Seis Dias (ou Terceira Guerra Árabe-Israelense, travada em
1967), as cotações do petróleo multiplicaram-se por quatro em um espaço
de três meses, atingindo duramente as economias ocidentais, dependentes
desse recurso para a produção de energia. A penúria repentina tornou-se
também a primeira concretização econômica acerca do limite dos recursos
naturais (Kazazian, 2005).

Restaurantes e estabelecimentos de entretenimento perceberam uma


redução no público noturno. Dentro de casa, a TV passou a transmitir
filmes, enquanto a vida fora dela era confrontada com mazelas diversas: a
guerra fria entre Estados Unidos e Rússia, a poluição sonora, a degradação
ambiental, a epidemia da então desconhecida aids, o surgimento do crack.

A casa transformou-se em fortaleza, munindo-se de trancas e grades e


fechando-se em prédios e condomínios. A indústria da moda, refletindo a
profunda mudança na maneira pela qual as pessoas estavam vivendo em tal
cenário de insegurança e incerteza, pouco a pouco substituiu as cores
vibrantes dos anos 1960 e 1970 pelo bege, a cor símbolo desse novo
momento.

No vestuário e na decoração, surgiu um estilo que propunha uma


sobreposição de peças em tons neutros, inspirada no mimetismo da
natureza e na camuflagem da guerra para reproduzir, na casa, um padrão
estético inibidor de qualquer registro de emoções.

A casa toda bege representou um marco na decoração contemporânea,


tornando-se hegemônica. É um estilo que se mantém almejado até os dias
atuais, associado à busca por paz e tranquilidade diante de um
mundo inóspito. Variações desse tom surgiram acompanhadas por um
estilo informal, que valorizava o modo de vida despojado. Mas o bege
também é a cor da neutralidade , que não permite saber
verdadeiramente o que pensa, do que gosta e a autêntica opinião de quem
vive ali. Seu poder neutralizador é tamanho que guarda a destreza de
esconder não só a sujeira como também a idade das peças e dos objetos que
se vestem nela.

Entramos nos tempos em que, para nos destacarmos e sermos aceitos em


círculos sociais, precisávamos nos tornar iguais. Pensar e emitir opiniões
de forma autêntica tornou-se perigoso.

Nos Estados Unidos, pressionados pelo repentino aumento dos valores


imobiliários e em busca de lugares baratos para viver, artistas
(relacionados em sua maioria à música, à arte e à arquitetura) ocuparam o
bairro do Soho, na cidade de Nova York, transformando uma área antes
industrial, caracterizada por fábricas e frigoríficos, em moradias e locais de
trabalho. A planta livre, os ambientes integrados com a presença do
mezanino, as janelas amplas valorizando a iluminação natural, as
tubulações hidráulicas, as estruturas aparentes, feitas de materiais rústicos
como o tijolo, o concreto estruturado por vigas e os pilares de aço e
madeira dos chamados lofts apontavam para uma nova forma criativa e
um jeito de morar e decorar nunca antes percebido. Com o ruir das
paredes, o modelo de casa tripartida, até então o ideal de moradia, passou a
ser confrontado por outras possibilidades e realidades. O desejo por um
estilo de vida mais jovem e, principalmente, mais barato tornou-se fonte
de inspiração para o restante do mundo.

A cultura do consumo e a finitude

do planeta… o problema é de
todos!

Nos meios de comunicação, começaram a surgir notícias de que o


consumo humano dos recursos naturais da Terra estava superando o que o
planeta era capaz de repor, em parte como consequência do modo de vida
herdado do padrão estadunidense e do aumento da população no
hemisfério sul, que adotou para si a cultura do consumo.

Teve início a demanda por produtos pensados para respeitar o meio


ambiente. Surgiram pesquisas científicas e livros que reforçaram a
gravidade do assunto, fazendo que a ecologia e a su
­ stentabilidade se
tornassem matéria escolar, coincidindo com a popularização dos
computadores no ambiente doméstico. As pessoas passaram a ter acesso a
novas fontes de notícias, e, com a perda do controle das informações, as
gerações mais novas começaram a buscar novos valores e a questionar o
sistema de produção.

As respostas encontradas deixaram claro que o problema era de todos. A


casa, fonte de segurança da vida, passou a carregar símbolos da

finitude do planeta em todos os ambientes: desde os potes e


embalagens dos alimentos até o mobiliário e os revestimentos dos pisos e
paredes, do combustível utilizado para ir ao trabalho e voltar dele até o
tingimento das roupas, tudo polui e destrói.

Jamais me esquecerei de uma cena que mexeu muito comigo. Quando


supervisionava a confecção de um deque de madeira que eu havia
projetado e que percorria toda a extensão externa de uma livraria na
cidade de São Paulo, em um momento minha atenção se deslocou para
uma criança que passava pela calçada enquanto questionava sua mãe: “De
onde veio essa árvore?”. No caso, a árvore era um pínus, madeira de
reflorestamento autoclavada, mas, diante daquela pergunta no canteiro de
obras, mesmo eu estando consciente de que estava tudo sob controle,
senti-me culpado perante a troca de olhares cúmplices vindos da equipe de
obras e dirigidos a mim.

A destruição do planeta tornou-se um assunto doméstico, e a mudança dos


hábitos, uma responsabilidade individual de cada um, um tipo de
interrogação que tem se oposto ao conceito de progresso herdado da
Revolução Industrial.

Os efeitos da tecnologia digital e o

modelo de casa alternativo

O mundo então se conecta, e, frente ao avanço digital, surgem opções de


mídias que levam para dentro das casas uma dimensão planetária jamais
vista. E, com ela, os dramas da degradação ambiental, como as alterações
climáticas, os acidentes nucleares e as chuvas ácidas, disseminando um
choque de realidade.

Ao mesmo tempo, descobrimos uma liberdade que deu início a um


estímulo de vida sem a ordem imposta socialmente. Tornamo-nos
responsáveis pela forma de realizar e viver nossos desejos, selecionando as
companhias, participando de grupos nas redes sociais e determinando
nosso comportamento frente aos desafios e à busca pelo prazer.
Ao mergulharmos nessa nova dimensão na qual o tempo acelera e
escasseia, passamos a conviver entre a finitude material e o hiperconsumo
que o mundo digital propiciou. Oprimidos pela velocidade e pela
simultaneidade, passamos a viver em um presente perpétuo que nos
alienou da dimensão de futuro, colocando-nos em uma busca por um
prazer instantâneo.

Surgiu um modelo de casa alternativa, que incorporou à decoração termos


e técnicas abominados pela elite, a grande propulsora do mercado do
design de interiores até então. Reaproveitamento, restauração, reciclagem,
upcycling, artesanato e improviso, heranças do movimento loft e da cultura
do faça você mesmo, espalharam-se pelo mundo da decoração,
impulsionadas pelas gerações mais novas, que, ao ficar mais tempo em
casa, procuraram transformá-la em um lugar de expressão que se
adequasse ao seu bolso e ao seu estilo de vida.

Ao romper alguns laços com o passado, passamos a ter um


comportamento mais atento e participativo no planejamento e na
ocupação dos espaços. Os serviços dos arquitetos e dos designers de
interiores popularizaram-se, visando à comodidade, à distribuição dos
espaços, à circulação, a luzes e cores que se conectam à variedade dos
materiais para construir, reformar e adornar, tornando os ambientes mais
confortáveis, intimistas e funcionais.

Século XXI – a queda das paredes

trouxe uma casa mais porosa


Começou, então, o exercício de queda das paredes em reformas, reflexo de
um mercado imobiliário desconectado dos novos comportamentos e de
um design de interiores atento e proeminente. Em alguns casos, o
banheiro se integrou ao quarto; em outras propostas, dormitórios e
banheiras invadiram a sala, que agora também podia dividir o espaço com
a garagem, um ateliê ou uma oficina. A cozinha resgatou sua importância
e seu poder simbólico, muitas vezes integrando-se com a sala e novamente
se tornando ponto de encontro.

A casa ficou mais porosa, não exigindo tantos acabamentos e


revestimentos que a deixassem impermeável e polida. Na busca pela ­
redução de custos , uma alternativa consistiu em recorrer aos
acabamentos industriais, que, além do visual jovem e provocativo, são
mais resistentes e fáceis de ser instalados.

Viu-se o início de um movimento em que a decoração passou a ser


utilizada como um exercício de espelhamento de quem somos, “aceitando-
se” um pouco imperfeita, deixando que suas cicatrizes e seu jeito próprio
de ser se consolidassem para se transformar em um estilo próprio de cada
um.

Objetos de decoração passaram a conviver em harmonia com pranchas de


surf, bicicletas, skates e máquinas de costura, entre outros diversos
objetos, no mesmo ambiente. Obras de arte dividem o espaço com os
desenhos e os brinquedos das crianças; quem cozinha passou a adotar
equipamentos profissionais ao estilo chef, ao mesmo tempo que aqueles
que não cozinhavam trocaram o fogão e a coifa pelo forno de micro-
ondas. No tempo da casa show, tudo é permitido.
Em nome da casa, tudo passou a fazer sentido. A decoração se tornou
menos arrogante, mais permissiva e bem-humorada. A casa decorada se
tornou um sinônimo de felicidade.

A partir de então, o design de interiores seguiu em sua história tensionado


entre dois modos de pensar a casa: o da busca pelo contato com a realidade
e o da fuga dele. De um lado, ambientes superelaborados, repletos de
preciosismos e preocupados em seguir fielmente tendências e modismos;
de outro, ambientes trabalhados com base em uma criatividade informal,
pensados de acordo com os desejos e hábitos de seus moradores,
proporcionando qualidade de vida nas ações cotidianas.

Mas isso basta?

Estes talvez sejam o maior perigo e o maior desafio da decoração em pleno


século XXI: criar cenários que nos aproximem de quem somos,
contenham a nossa história e nos direcionem a um futuro que seja bom
para toda a humanidade, e não um cenário escapista para os seus
moradores.

A casa medieval, sua sujeira, a algazarra e a desordem, o modelo de casa


burguesa que esconde o desejo de nobreza, a rigidez e o desconforto do
estilo barroco, a pompa e a fugacidade do rococó, a cultura do camuflado
em sua aura de sofisticação, assim como os diversos estilos que surgiram
da ideia da casa decorada, ainda habitam os sonhos e as idealizações da
mente humana, continuando a ser amplamente cultuados, desejados e
comercializados, porém a um alto custo para o planeta.
Embora muitas vezes seja mais fácil pensar, agir e morar como nos séculos
passados, a casa é feita de movimento e já não funciona nos modos rígidos
do passado, obedecendo a regras e modismos. Os hábitos mudaram e se
dissociaram das regras para que ela, a casa, seja resgatada como território
fértil, fonte de imprevistos e exercício de flexibilidade. Olhar para trás não
mais deverá ser saudosismo, uma forma nostálgica de conexão a uma
época na qual tudo parecia ser melhor, nem mesmo um estilo a ser
valorizado, mas uma ferramenta de autocrítica sobre quem nos tornamos.

A partir daí, “Eu tenho” deverá buscar o equilíbrio com “Quem eu

sou” .
Capítulo 3.

O mundo digital

Se a globalização leva à uniformização dos


espaços e dos modos de vida, simultaneamente
ela é acompanhada por um fortalecimento da
individuação, da capacidade de cada um de se
apropriar, de transformar sua vida cotidiana
conforme seus interesses, seus valores, sua
posição e suas estratégias na sociedade. O
indivíduo está envolvido em um vaivém
permanente entre o global e o local, com o qual
deve transitar constantemente para produzir sua
diferença. Hoje a questão de identidade se faz
cada vez mais viva, e a dimensão especial da sua
construção é permanentemente evocada.
Marion Segaud, Antropologia do espaço: habitar, fundar, distribuir,

transformar

O acesso ilimitado à web popularizou os temas relacionados à estética, que


ganharam as conversas do cotidiano. No mundo digital, a vida passou a se
desenvolver entre extremos, sob um contexto de transformações
ambivalentes: a velocidade e a lentidão, a ruptura e a continuidade.

Oriente e Ocidente, centro e periferia, tradicional e moderno, rural e


urbano tornaram-se referências que não mais se antagonizam, mas se
complementam e se definem mutuamente, e o design passou ser a
ferramenta de conciliação entre os extremos.

A celeridade da tecnologia versus

tempo e espaço

O avanço acelerado da tecnologia fez que a dimensão do tempo se


impusesse sobre a dimensão do espaço, e, desde então, cada um de nós tem
se adequado como pode para aprender a conviver em harmonia com as
possibilidades de comunicação, que agora se apresentam sob três formas: a
forma oral, com os meios audiovisuais, como o cinema e a televisão; a
forma escrita, seja ela impressa ou digital, que encontra no design gráfico
um “casamento” que une formas, conteúdo e imagens; e a das mídias
digitais, que, sem barreiras, corrompe fluidamente as dimensões do tempo
e do espaço por meio de computadores, smartphones e outros dispositivos.
Juntas, elas se complementam e evoluem de forma contínua e cumulativa,
oferecendo um extenso menu para atender às novas demandas que
surgem.

No campo do design e da decoração, graças aos avanços da indústria, a


beleza tornou-se disponível para as massas, com preço e produto acessíveis
a todos os tipos de bolso.

A arte, além de exercer seu papel questionador, tornou-se bem de


consumo, colidindo com as fronteiras que separavam o autêntico e a cópia,
o museu e o supermercado, o feito a mão e o digital, a pesquisa científica e
a publicidade. Uma confirmação da premonição feita pelo artista visual
Andy Warhol, que, na década de 1960, lançou seu olhar para o futuro,
dizendo que um dia todos teriam seus 15 minutos de fama.

Se por um lado a estética representa o mundo da liberdade das escolhas,


por outro ela abriu caminho ao engano e à manipulação. Nesse contexto se
viram surgir duas formas estéticas, que para Gilles Lipovetsky e Jean
Serroy (2015), no livro A estetização do mundo, não se excluem, mas se
desenvolvem simultaneamente: uma se traduz em fun morality, ou seja, o
divertimento e o consumo em massa frente à ludicidade das atividades, o
novo pelo novo. A outra tem relação com a busca pelo prazer, acessando
nosso lado emocional e sensitivo. Como afirmou Bauman (1998, p. 20), “a
nova ordem no mundo gerou uma nova ordem na casa”.

Da perda das fronteiras que o mundo digital proporcionou, uniformizando


os modos de vida e as diferenças culturais, também nasceu o oposto: um
fortalecimento da capacidade de cada um de se apropriar, de transformar
sua vida cotidiana conforme seus interesses, seus valores, sua posição e
suas estratégias na sociedade, favorecendo o desenvolvimento das
habilidades criativas. Essas habilidades passaram a nos motivar a uma
produção diferencial por meio da cultura da individualidade e da
necessidade de nos territorializarmos, para reforçar nossa origem e
acentuar as diferenças, valorizando hábitos que contem a nossa história
para, então, reconstruir a experiência de um mundo interior, no qual
deixamos de ser meros espectadores e nos assumimos como parte
indissolúvel dele. Entra em cena a casa no papel de

enraizamento .

A reorganização do espaço

doméstico

O universo doméstico se reorganizou de acordo com essa nova


espacialidade, agora física, emocional e virtual, em que passamos a ter
acesso aos mais variados assuntos em torno dos interiores domésticos e da
tecnologia da casa. Design, design de interiores, do it yourself, decoração,
estética, luminotécnica, automação, surround, tendências e estilos deixaram
de pertencer a especialistas e profissionais do design, indo povoar a mente
e o vocabulário de todos que buscam por esse novo modelo do morar.

A casa tornou-se protagonista, e a prova desse destque foi a explosão do


número de blogs e canais digitais sobre o assunto. Ironicamente, na
procura por uma identidade criativa, muitos passaram a querer expor
como a vida acontece na intimidade.
[…] você ganha alguma coisa e em troca perde
alguma outra coisa. Só que as perdas e ganhos
mudam de lugar: os homens e mulheres pós-
modernos trocaram um quinhão de suas
possibilidades de segurança por um quinhão de
felicidade (Bauman, 1998, p. 10).
O modelo familiar de pai, mãe e filhos ampliou-se, trazendo à tona uma
nova organização que contempla arranjos diversos: filhos de outras
uniões, uniões homoafetivas, solteiros com filhos, cônjuges que moram
cada um em seu endereço, recém-separados que retornam à vida de
solteiro, filhos adultos que moram com os pais, além do resgate da vida em
comunidades, em que as pessoas moram juntas com base em interesses em
comum. Sem esquecer o aumento da expectativa de vida, ressignificando o
conceito de velhice, que também passa a influenciar os códigos do morar.

Nesse contexto plural, a palavra de ordem passou a ser flexibilidade .


No lugar da planta tripartida e rígida típica do século XIX ou do espaço
loft, todo aberto, surgiu uma proposta maleável, que possibilita vários
arranjos, acompanhando as diversas transformações por que passam seus
moradores.

Ambientes idealizados para uma única função tendem a desaparecer, e a


nova casa, independentemente do seu tamanho, agora tem cômodos
polivalentes que se transformam de acordo com as necessidades de seus
moradores.
Algumas atividades antes realizadas em público passaram também a ser
feitas dentro de casa, que se torna academia, escola, loja, hospedagem, local
de trabalho.

Mesmo com a universalização da casa, seus interiores continuam a ser


influenciados pelos padrões norte-americanos: a sala de visitas é a de estar
ou living, e, no mesmo ambiente ou em um ambiente próximo, esse “estar”
agrega a sua versão de cinema, ou home theater.

Sob o nome de home office, áreas de trabalho foram definitivamente


associadas à sala, à cozinha, ao corredor, à varanda ou ao depósito, que
substituiu o antigo quarto de empregados. A cozinha, com a valorização da
gastronomia, manteve-se com o status de área nobre, dotada de
equipamentos cada vez mais especializados, redefinindo sua posição na
planta das casas e no afeto dos moradores. Algumas estenderam seus
limites em direção aos quintais e terraços, sob o nome de terraço gourmet,
resgatando o aprendizado sobre as benesses de cozinhar fora de casa que os
portugueses tiveram com os povos indígenas durante a colonização do
Brasil.

O banheiro, maior pivô do avanço da tecnologia e o último ambiente a


adentrar os domínios da casa, independentemente do seu tamanho, agora
é um spa de intimidade, onde muitos passam horas sentados, conectados a
seus celulares.

Ecocentrismo, biofilia e bem-

estar
A partir de então, novas pesquisas em torno do morar apareceram. Alguns
sociólogos tomaram como terreno de estudo a estética do habitante
(Segaud, 2016); fala-se de habitantes-paisagistas ou de selvagens da
arquitetura ou, ainda, dos adoradores das casas, ao se descreverem as
maneiras singulares desenvolvidas por certos habitantes para arrumar as
suas moradias. Questionando nosso afastamento da natureza, ao
movimento da sustentabilidade se juntam os conceitos de ecocentrismo
(sistema de valores centrado na natureza), biofilia (conexão dos espaços
com a natureza, promovendo bem-estar e conforto para seus ocupantes) e
urban farmer (fazendeiro urbano).

A biofilia sugere que os seres humanos têm uma conexão emocional com a
natureza, ressaltando a importância desse contato com as plantas, a água, a
luz solar e os animais para nosso bem-estar físico e mental.

O urban farm propõe a produção de alimentos para áreas urbanas


densamente povoadas, onde passamos a nos utilizar de pequenos espaços,
em menor escala, para a prática de agricultura, muitas vezes dentro de
edifícios, em vasos ou em telhados, ou mesmo em hortas comunitárias em
praças públicas, utilizando técnicas como hidroponia, aquaponia ou
agricultura vertical. O objetivo é proporcionar um senso de conexão com
a terra e a produção de alimentos, bem como com seus ciclos.

Esses movimentos, ancorados pela ética ecocêntrica, concebida pelo


filósofo ambiental Aldo Leopold e, mais tarde, aprimorada pelo sociólogo
Riley Dunlap, a partir de 2008, contrapõem-se à ideia moderna de
antropocentrismo (homem como centro de tudo), chamando atenção para
nossa interdependência com todos os seres vivos e nos inspirando a buscar
uma relação mais harmônica e consciente com o planeta.
A utilização de materiais sustentáveis torna-se um gosto cada vez
mais aceito e procurado.

Abre-te, sésamo!

A um simples comando de voz, abrem-se as portas, as luzes se acendem ou


se apagam, abrem-se e fecham-se cortinas, trocam-se os ritmos musicais,
desligam-se eletrodomésticos e tem-se acesso a todo tipo de informação.

Agora, seu morador busca um protagonismo criativo por meio do

prazer e da diversão para tornar-se designer da própria morada;


utiliza-se da pesquisa digital e da capacidade de aprender observando os
demais a fim de se apropriar de metodologias antes destinadas
estritamente aos arquitetos e designers de interiores.

Com o intuito de antecipar, planejar e fazer escolhas de uma forma mais


integrada, utilizam-se redes sociais, cursos, blogs, revistas ou mesmo a
contratação de um designer de interiores, que deixa seu protagonismo
autoral para assumir um papel mais colaborativo nessa construção.

Trocar conhecimentos de decoração passou a ser tema de encontros. Em


rodas de amigos, cada um expõe seu aprendizado levando em conta a
própria experiência. O aprendizado estético usa da liberdade para unir
sentimento e funcionalidade, definindo-se pelo nosso próprio jeito de
estar no mundo.
Se há 20 anos se comprava uma sala de estar,
uma sala de jantar, um quarto, hoje em dia
nossos lares são constituídos por móveis de
origens e estilos frequentemente muito
diferentes. Assim, um móvel não é mais um bem
patrimonial, mas um objeto encarregado de
refletir a personalidade do seu proprietário
(Kazazian, 2005, p. 122).

Sob o pretexto de expressarmos a liberdade e a criatividade, embarcamos


em uma onda de consumo desenfreado em que cada objeto e cada compra
que fazemos inconscientemente passa a ser rejeitado ou rejeitada a partir
da sua fabricação. Tudo já nasce com o estigma de se tornar lixo em prol
da satisfação pessoal, resultando em uma crise ideológica que se alia à crise
planetária. Como defender um discurso ecológico tendo uma atitude
contrária?

Para isso, é importante reconhecer que todos estamos em diferentes


estágios de consciência e compromisso com a sustentabilidade ambiental,
e cada um de nós pode estar enfrentando desafios ou limitações pessoais.
E, quando as ações não estão alinhadas com as convicções ecológicas, surge
uma oportunidade de reflexão e crescimento pessoal.

Nessa linha tênue entre superficialidade e compulsão, profundidade e afeto


pelo sentimento de lar, passamos a buscar maior sentido, e dessa
pluralidade de interesses surge uma nova versão de casa, que prioriza uma
vida com qualidades restauradoras e o respeito e a atenção aos sentimentos
que vêm de dentro.

No mundo digital surge o cinza,

um futuro de liberdade criativa

Se no mundo industrial o bege foi usado para camuflar as emoções, eis que
no mundo digital surge o cinza como símbolo de novos caminhos e novas
formas de pensar o morar. Aqui não falo de um cinza denso, resultado de
um branco que recebeu uma pequena proporção de preto, mas de um
cinza leve e estimulante, proveniente do zinco, metal alquímico, multiuso,
matéria-prima do branco, fonte de todas as cores e deflagrador da luz,
anunciando um futuro de liberdade criativa.

Ao experienciarmos a casa, ocorre um intercâmbio peculiar, no qual o seu


morador empresta emoções e associações ao lugar e a casa lhe retorna
cedendo a sua aura, incitando a percepções e pensamentos. Ou seja, a casa
passa a nos influenciar, desencadeando respostas que não são conhecidas
na mente consciente, mas sentidas pelas pessoas que vivem nela.

Dessa amplitude do raciocínio que oscila entre a razão e o afeto, nasce um


terceiro aprendizado, o dos imprevistos, das coisas que não saem como
projetamos, e que muitas vezes, para serem resolvidos, fazem que
exercitemos a frustração, o medo, a insegurança e a surpresa para, a partir
deles, impulsionar a criatividade, transformando o erro em um caminho
de acerto, um exercício de coragem e aventura até então não imaginado no
mundo da decoração.
Quando entramos nesse processo de realização de um projeto de interiores
e embarcamos em uma reforma ou mesmo em uma melhoria menos
invasiva dos ambientes, começamos por acessar um campo de energia
caótica, como se para organizar a casa tivéssemos, antes, de colocar tudo
para fora e de pernas para o ar. O processo é moroso e envolve uma
complexidade de saberes que se opõem à vontade de finalizar. É comum
surgir uma série de contratempos: o pedreiro que não aparece para
trabalhar, o revestimento que não fica bom, o fornecedor que não cumpre
o contratado e o dinheiro que por vezes falta são alguns dos ensinamentos
que surgem no meio do caminho.

A casa nos ensina que tudo bem sermos imperfeitos. Assim como a vida, a
decoração não é um fim, e tudo pode ser transformado . Basta ter
humor e paciência. Conviver com essa casa torna-se um lembrete de que a
vida é um processo em constante evolução e que devemos apreciar cada
etapa ao longo do caminho.

Então, decorar a casa está deixando de ser um hábito elitista e segregador


para se tornar um ideal artístico consolidado pela vontade de criar uma
forma harmônica ao mundo, de ser reconhecido pelo lugar onde se vive,
dando-lhe a sua identidade, permitindo que naturalmente se instale um
novo estado de consciência em que projetar e criar signifiquem aceitar
viver com paradoxos e contradições. Inicia-se o desejo de cultivar uma
interioridade que nos restaure frente às demandas da vida.

Ao mesmo tempo que o mundo digital nos levou a um consumo cultural


de massa e muitas oportunidades, podendo ser também uma fonte de
distração e influências superficiais, ele favorece o desenvolvimento das
habilidades criativas individuais que alinham tanto o morador quanto a
casa em um continuum de autoconhecimento e conexão entre alma e
mundo.

O resgate dessa linguagem simbólica por meio do design nos colocará em


contato com o conhecimento interior, abrindo-nos para a oportunidade
de uma nova forma de lidar com a realidade. A essa nova forma dá-se o
nome de amor.

Para Humberto Maturana (1998 apud Andrade; Pasini, 2022), o amor é a


emoção central presente na história evolutiva que nos dá origem. Para esse
autor, toda ação humana depende de uma emoção que a conceba. O amor
é, fundamentalmente, ação.

Casa, lar… qual a diferença?

O que diferencia uma casa de um lar é a consciência do amor e por tudo o


que ele representa, não como um símbolo de perfeição, mas de integração
e responsabilidade, em que as ilusões, as ambiguidades e as contradições
convivem e se aconchegam. Então, sentir o lar será flagrar-se
surpreendido, surpreendida, rindo à toa com a casa e pela casa.

O lar é o não espaço da casa. Ritualizado e


mítico, o lar é a alma da casa e o paraíso da nossa
individualidade privada. […] O lar caracteriza-se
por ser um espaço imaginário, simbólico; um
conjunto de práticas concretas e rituais
imaginários que fazem da minha casa algo sem
igual (Lemos, 2004, p. 121).
Ainda não sabemos aonde essas transformações vão nos levar e levar a
casa. Suas criações e recriações, continuidades e rupturas ainda estão por
se tornar novos paradigmas; ela está em plena reconstrução.

Ao aprender como ordenar o seu espaço de vida, seu morador ou sua


moradora atribuirá a ele qualidades físicas e simbólicas, desvelando uma
nova dimensão em nós. A dimensão do verdadeiro amor, não aquele amor
como estereótipo romântico, mas o amor que expressa a vontade
deliberada de nutrir o nosso crescimento espiritual, revelada por meio de
atos de confiança, compromisso, cuidado, respeito, conhecimento e
responsabilidade.
PARTE II.

A casa

O Iluminismo foi palco de vários tratados que


destacaram a necessidade de seguir os usos
e de considerar, na arquitetura, as práticas
da vida cotidiana e as diferenciações sociais,
nos levando atualmente a debates
inevitáveis, necessitando ser reavaliado,
para que um novo padrão de consciência
sobre o morar se adeque a um novo estilo de
vida que se revela.
Marion Segaud, Antropologia do espaço: habitar, fundar,
distribuir, transformar

Na parte I do livro, “O mundo”, percorremos uma


dimensão da casa que evoluiu em seu interior
influenciada, principalmente, por fatores sociais externos
a ela. Embora as questões emocionais tenham exercido
um importante papel, fazendo os interiores se
adequarem de acordo com as demandas vindas de seus
moradores, pode-se dizer que elas surgiram sempre
como uma espécie de resposta à arquitetura dos
espaços, que até então buscava estruturar a vida nas
cidades.
É certo que a razão trouxe grandes soluções quanto à
praticidade e à organização da casa e da vida em torno
dela. No entanto, esse modo de pensar também
representou um alto preço para seus moradores, à
medida que foram se distanciando das regras de
funcionamento do ecossistema, divorciando-se da
natureza.
Daí o fato de muitos de nós, em algum período da vida,
sob os efeitos da rotina, revezarmo-nos entre os
sentimentos de aprisionamento e rejeição pela nossa
morada. Quando estamos em seu interior, tornamo-nos
reféns e ficamos sem forças, alternando preguiça e
desânimo entre a cama e o sofá. Ao mesmo tempo,
quando estamos fora dela a rejeitamos, hesitando em
retornar.
Quando tratamos a casa como um dormitório, um lugar
de passagem, sem considerá-la um campo de expressão
das nossas emoções, do nosso propósito e do nosso
amor, pouca energia sobra para alimentar os domínios da
alma. Passamos a expressar sentimentos reprimidos, seja
por ignorarmos sua importância, seja por não dar tempo
para que elas nos retornem e nos preencham com
sentimentos de prazer, segurança e pertencimento,
predominando, ali, a fome dos sentidos.
Nessa casa, nós comemos, dormimos e tomamos banho,
porém ela não nos nutre, consumindo-nos por meio de
sentimentos que abafam nossa memória e, aos poucos,
apagam nosso entusiasmo. Quando menos percebemos,
tornamo-nos hóspedes da nossa própria casa e nos
comportamos como se ali estivéssemos de passagem,
sem comprometimento com o lugar, abandonado à
bagunça e ao acúmulo.
Até que um dia, perdidos em busca por sentido,
respondemos a um chamado interior de que precisamos
modificar nossa vida e, inocentemente, recorremos à
decoração para preencher esse vazio que se instala.
Intuitivamente, sabemos que nos falta algo; porém, sem
saber decifrar essa fome dos sentidos nem como a
suprimir, corremos o risco de nos entregarmos aos apelos
da curta felicidade do consumo.
O professor, arquiteto e filósofo alemão Otto Friedrich
Bollnow (2008) afirma que, assim como a desordem e o
desleixo, a decoração e a organização dos espaços podem
ter seu papel repressor, pois, ao criar uma ordem rígida,
em que tudo tem seu lugar, abstemo-nos do poder da
interação com o espaço e nos afastamos da possibilidade
de sermos influenciados por ele. Uma casa muito perfeita
nas aparências pode ter um custo emocional elevado
para seus moradores.
Nesta segunda parte do livro, vamos explorar as forças
interiores que existem em nós e que são responsáveis por
despertar a criatividade, o cuidado e o amor com a casa.
Capítulo 4.

Chegou o momento de construir

uma casa de dentro para fora

A casa é uma das maiores forças de integração


dos pensamentos, das lembranças e dos sonhos
do homem […]. Nessa integração, o princípio que
faz a ligação é o devaneio. O passado, o presente
e o futuro dão à casa dinamismos diferentes,
dinamismos que frequentemente interferem
mutuamente […] A casa na vida do homem
elimina as contingências, multiplicando seus
conselhos de continuidade. Sem ela, o homem
seria um ser disperso. Ela mantém o homem
através das tempestades do céu e das
tempestades da vida. Ela é corpo e alma. É o
primeiro mundo do ser humano.

Gaston Bachelard, A poética do espaço

O que seria o habitar? Quando busquei no dicionário pelo seu


significado, fui surpreendido por uma resposta reduzida à ação de
simplesmente ocupar o espaço, morar.

Cheguei à conclusão de que, assim como o dicionário, muitos


desconhecem o que seja o habitar. O habitar não se faz por meio de um
simples morar nem mesmo se faz suficiente pelo fato de termos um teto
debaixo do qual repousamos, acompanhado por alguns metros quadrados à
nossa disposição.

Habitar uma casa verdadeiramente é se apropriar do espaço exercendo


domínio, controle e poder sobre ele, para então transformá-lo em
território e, tal qual um animal, construí-lo a partir do entorno tendo o
corpo como molde, seja um elaborado e tramado ninho, seja uma clareira
em meio à selva, defendidos com unhas e dentes.

Em nosso caso, o habitar nasce da vontade de nos relacionarmos


criativamente com o espaço, conferindo a ele qualidades que o
transformem em um lugar onde ocorram centramento, aprendizado,
identificação, afeto, pertencimento e amor. Um lugar onde possamos nos
enraizar e criar referências que vibrem quem somos nós. Pois será por
meio daquilo que irradiamos que o espaço se transformará em habitável
(Bollnow, 2008).
Sabe quando entramos em algumas casas e ficamos boquiabertos com os
revestimentos, a escolha do mobiliário e o clima de ordem e elaboração da
decoração? De darmos risadas, festejarmos e comemorarmos com os seus
proprietários e, ao sairmos desses espaços, ficarmos com uma sensação de
esvaziamento ou imaginarmos que felicidade e vida boa sejam privilégios
de alguns poucos.

Isso se deve ao fato de os moradores dessas casas não as habitarem de fato,


mas a ocuparem, usando a decoração como cosmética, uma espécie de
escudo, em que nada sai do lugar, escondendo as emoções por meio de
uma imagem idealizada de como gostariam de ser vistos. Moram em casas
com conceitos que são dos outros, e não de si mesmos. Tudo é perfeito,
porém nossos sentidos detectam que ali faltam verdade e emoções.

O contrário também é verdadeiro. Já entramos em casas onde existiam um


cuidado especial e um tipo de organização no seu interior que, de alguma
forma, chamaram a nossa atenção. Coisas simples: talvez o reflexo
desenhado pela luz do sol sobre o chão, o balançar das cortinas ao vento
ou, então, um tipo de decoração expressando quem de fato habitava aquele
lugar. Sentimos nosso coração acelerar e nossos olhos sorrirem.
Absorvemos o clima do lugar nos entregando à sede dos sentidos. Pouco
nos importamos com a origem e/ou o preço dos objetos e mobiliários ali
distribuídos. Apenas reconhecemos as marcas de uma vida viva , que se
renova o tempo todo.

Os nossos sentidos nos contam que tudo por ali foi selecionado e recebe
cuidado com respeito e amor. Existe uma harmonia particular, e o clima
do lugar nos faz perceber uma série de coisas que até então não havíamos
notado. A alma dos seus moradores estava ali, pulsando em cada canto,
disponível a qualquer um que estivesse disposto a senti-la.

Casa com vida é assim. Ela não nos dá abrigo apenas; ela nos inspira,
influencia o nosso pensar e nos constrói por meio dele. Naturalmente a
admiramos e saímos dela revigorados só por ter estado ali.

Lembro-me de uma história contada por um cliente, médico. Enquanto ele


estudava de manhã, pontualmente às seis horas, notava que a porta do
elevador se abria e a luz do hall se acendia. Segundo ele, essa ação se
repetiu por dias, até que, em um ato de coragem, ele abriu sorrateiramente
a porta e deu de cara com uma senhora. Ela, no susto, desculpou-se, sorriu
e confessou passar ali todas as manhãs antes de ir para o trabalho com o
objetivo de finalizar a maquiagem em frente ao espelho que ali havia. Ela
não sabia explicar o motivo, mas, sempre que passava naquele hall, sentia-
se mais bonita e mais disposta para os desafios do dia.

Era um hall desses bem pequenos, pintado em um tom roxo muito escuro,
quase preto, com uma iluminação suave e difusa e um espelho
estrategicamente instalado. A intenção era trazer um clima de caverna,
uma certa escuridão pensada para que os sentidos despertassem reações no
corpo, demarcando o chegar em casa e o sair dela. Um recurso
relativamente simples que, mais tarde, descobrimos que causava um certo
furor em toda a vizinhança, ao se tornar o hall mais visitado do prédio.

Quando a casa se torna o nosso

mundo
Desde o momento em que nascemos, passamos a entrar em contato com a
realidade da vida por meio da casa. É dessa relação de extrema
proximidade com o entorno que surgirá o sentimento de familiaridade e
nos descobriremos pertencentes ao mundo, ao mesmo tempo que o
mundo passará a nos pertencer.

A partir de então, vamos nos desenvolvendo, construindo nossa relação


com o mundo, brincando em casa. Dos 10 meses de idade em diante já
diferenciamos facilmente os lugares familiares dos desconhecidos, tendo
aprendido sobre uma vasta gama de ideias e conceitos abstratos,
associando-os a objetos, experiências e comportamentos familiares.

A nossa casa, então, torna-se o nosso mundo, e vice-versa, e as histórias


que desenvolveremos nos primeiros anos vividos em seu interior serão as
histórias que escreveremos e reescreveremos durante toda a nossa vida
(Goldhagen, 2017).

Se quisermos retornar a uma condição mais


saudável, devemos mesmo ser como crianças
pequenas ou selvagens; precisamos nos livrar do
adquirido e do artificial e retornar aos instintos
naturais, desenvolvendo-os (Gombrich, 2012, p. 52).
Conforme vamos crescendo, esse sentimento de familiaridade se expande
e vai se estruturando entre a nossa identificação com o mundo e o apego
com a casa, por meio de um jogo de forças opostas e ambivalentes no qual
o sentimento interno de pertencimento é invadido a todo momento pelo
desejo de expansão. Queremos a segurança, mas não abrimos mão da
brincadeira e da aventura. Saímos pelo mundo em busca de experiências
que familiarizem quem “eu sou” e retornamos à casa afetados por elas,
depositando ali, por meio da decoração, os símbolos que celebram esse
encontro. Ou pelo menos assim deveria ser.

Impulsos de estímulo e repressão, desejos e limites se alternam e se


combinam em um fluxo de negociação permanente, variando de acordo
com o nosso humor, a cultura e as fases da vida em que estamos inseridos e
os diferentes ambientes da casa.

Os limites são preestabelecidos por nosso sistema de crenças e, mesmo que


em um primeiro momento nos pareçam resistentes, são flexíveis e aptos a
se ampliarem. Deslocam-se pelo tempo e pelo espaço a partir de um desejo
que brota a todo instante, estimulando-nos a criar recursos e suporte para
expandi-los. Para aqueles que tentam transpô-los fazendo uso da
criatividade e do afeto, o limite se revela como um grande professor que
desperta ao aprendizado por meio das experiências.

Na decoração e no design de interiores, esses limites devem ser pensados


entre as barreiras físicas , vindas de cima (teto), dos lados (paredes,
muros, portas e janelas) e de baixo (piso e solo), e as barreiras

emocionais , representadas pelas histórias que trazemos conosco e,


principalmente, pela realidade na qual estamos inseridos.

Sejam de ordem concreta, sejam de ordem subjetiva, ambos se entremeiam


o tempo todo para nos dar contorno, margem e estrutura, a fim de que, a
partir deles, o desejo se expanda enraizado e se expresse, facilitando certas
experiências e reprimindo outras.
É da quantidade e da intensidade dessas experiências combinadas ao longo
do tempo que nasce e se amplia o sentimento de profundo pertencimento
pela morada. O pertencimento não poderá ser confundido com posse, pois
para que o pertencimento ocorra será preciso um envolvimento amplo e
integral. Será preciso deixar que, do nosso inconsciente, emerjam
conteúdos simbólicos que não poderão ser expressos somente por palavras
mas também pela ação e pela emoção.

São as variantes dessas forças sobre cada um de nós, mesmo que várias
pessoas morem sob o mesmo teto, que tornarão a experiência com a casa
particular e individual.

A casa deixa de ser pensada unicamente como lugar de pausa e repouso


para ser reconhecida também como lugar de movimento ,
estabelecido pelo nosso fazer, que a todo momento redimensiona as nossas
ações e o nosso olhar. Eis que nos surge a nova consciência de uma casa
viva, a qual, mesmo quando estamos dormindo, encontra-se em fluxo,
mudança e transformação.

Na prática, é dessa alternância entre pausa e movimento que surgem os


conflitos internos quando adentramos o mundo da decoração. Queremos a
mudança, mas resistimos a ela, mesmo tendo a consciência de que a
maioria dos objetos que nos cercam já não faz sentido para o momento da
nossa vida. Eles nos chamam a atenção para a necessidade da nossa
ressignificação, mas ao mesmo tempo estamos apegados ao que a maioria
deles significa e reagimos amedrontados, ameaçados pela possibilidade de
perdê-los frente ao limite do apego, o qual, por outro lado, está sempre
pronto a ser desafiado a se expandir e, assim, permitir que o movimento
do novo se instale.
Então, entramos no campo das dúvidas, vivenciando surtos de quero e não
quero. Arriscamo-nos comprando mobiliário sem experimentarmos se
nos é confortável, mudamos de opinião a cada palpite alheio. Seduzidos
por uma idealização da casa perfeita, compramos sem ponderação para
preencher um sonho por vezes de utopia.

O resultado é que mudamos de casa, mas não necessariamente avançamos


em nossos limites frente ao medo, à resistência e à insegurança que nos
vencem.

O design de interiores na

organização das emoções

Em minha experiência, o que percebi foi meu papel organizador das


emoções dos clientes por meio de gatilhos criativos. Conforme os
processos e as etapas do projeto iam sendo estabelecidos, eu lhes contava
histórias do mobiliário e dos objetos, particularidades e curiosidades do
mundo do design, assim como histórias da minha própria vivência nas
casas onde morei.

Essas histórias os relaxavam e os entretinham, ao mesmo tempo que


serviam para encorajá-los a exporem suas próprias histórias para
elaborarmos, juntos, caminhos de como integrá-las aos ambientes. Foi
dessa forma que balanços foram instalados no meio da sala e que sutis
tonalidades de um verde azulado presente na folha do eucalipto
distribuíram-se por meio das paredes pintadas. A garrafa de champanhe
do casamento foi tratada como obra de arte, envolta em uma caixa de
acrílico, enquanto outras paredes foram descascadas para deixar reviver o
tijolo que ali se escondia havia décadas. Teve até um muro de escalada que
foi parar no quintal de uma pequena casa de vila.

Acabei me tornando um facilitador da criatividade , descobrindo


com esses clientes o poder de cura e integração que existe no design.

Será da ação prática e efetiva da decoração, permeada e organizada por


meio da metodologia de design de interiores sobre o projeto, que brotará a
possibilidade de mergulharmos no campo da afetividade de forma mais
assertiva.

Enquanto a assertividade expressa por meio do projeto, de planilhas e de


memoriais é direcionada e busca a todo momento uma lógica racional, a
afetividade é associativa, conectando-nos ao mundo simbólico por meio da
imaginação, dos sonhos e da fantasia. Precisaremos da segurança e do
limite de uma para nos aventurarmos na expansão da outra.

No dia a dia com os clientes, fui percebendo que as histórias não deveriam
ser interpretadas ao pé da letra, mas, a todo momento, ressignificadas com
base nas emoções que despertavam, tendo como suporte o uso da luz, das
cores, dos aromas, das texturas e do próprio espaço em transformação.
Dessa forma, adentrávamos um caminho de aprendizado que nos facilitava
ir em direção à apropriação da casa, desvelando conhecimentos e saberes
adormecidos interiormente.

A casa da qual eu cuido agora

passa a cuidar de mim


No exercício da decoração, tornamo-nos exploradores das nossas emoções.
Descobrimos que somos mais uma cor do que a outra e que pouco
precisamos nos preocupar com a cor da moda; que as plantas são seres
vivos e pedem a nossa atenção; que arte é sentimento e não investimento;
que em determinadas estações do ano o sol incide de forma diferente nos
ambientes, criando desenhos pela casa. A casa da qual eu cuido passa a
cuidar de mim.

Cada ato manifestado pela casa, e na casa, torna-se um aprendizado

que se transformará em matéria-prima do habitar .O


objetivo não está na busca por um resultado da casa pronta e decorada,
mas, por meio da decoração, em vivenciar um processo de tomada de
consciência gradual e uma descoberta progressiva; um processo
espontâneo de encontro com a casa que mora em nós, deixando que ela se
instale.

Essa é a grande magia da decoração quando tratada como experiência de


autoconhecimento e consciência de integração com a natureza. A todo
instante ela nos possibilita avançar os limites para construirmos o nosso
futuro no tempo presente, recuando e readequando-o às rotas sempre que
se fizer necessário.

A esse fenômeno eu chamei de exerc ício do prazer interior , um


conceito criado pelo pesquisador suíço Ernst Götsch que eu estendi para
os domínios da casa na busca por um pensamento o qual nos ajude a
entender o que significa viver de uma forma mais integrada com a
natureza.

Segundo Götsch, todo ser vivo nasce com uma determinada função
perante a natureza, e ao fato de exercê-la dá-se o nome de prazer interior.
Esse prazer não guarda relação com um desejo hedonista ou a busca do
próprio bem-estar, mas com o sentimento de realização criativa perante a
vida, impulsionado no exercício do nosso propósito (Andrade; Pasini,
2022). Assim como a lagarta se transforma em borboleta, o prazer interior
age em nós.

Afeto e encontro na construção do

acervo interior

Quando fui pela primeira vez à casa da Alloma, uma cliente, dei de cara
com diferentes versões de miniaturas da Torre Eiffel que contracenavam
com gueixas e pandas, ao mesmo tempo que remos havaianos apoiavam-se
sobre jangadas nordestinas as quais, por sua vez, flutuavam sobre um
oceano de golfinhos vindos de Miami. E isso era só o começo.

Depois de mostrar a casa toda, com algum constrangimento Alloma


chamou a minha atenção para aquele desafio, dizendo que daria um jeito
de pôr fim à famosa coleção caso fosse necessário e explicando que a mãe
viajava muito e tinha o hábito de trazer lembranças de cada destino
visitado.

Solto, tudo aquilo ficava perdido. Por mais que eles contassem a história da
mãe da Alloma, nada contavam sobre quem ali morava. Mais poluíam o
visual do que transmitiam graça e beleza, tornando todo o ambiente de
gosto muito duvidoso.
Mas eis que a mãe fez uma surpresa, aparecendo na reunião especialmente
para me conhecer. Conforme nossa conversa fluía e as risadas cresciam,
ficava claro o quanto ela estava presente na vida daquela família e que, do
jeito dela, aqueles objetos simbolizavam esse amor. Então surgiu a ideia de
homenageá-la, ressignificando todos esses gifts dentro de uma única
vitrine, posicionada logo na entrada da casa, dando boas-vindas a quem
chegasse. E, assim, aqueles objetos que mais agrediam e incomodavam, ao
serem ressignificados, passaram a contar uma história de puro afeto.

De um jeito bem-humorado, a mãe entendeu que aquele hábito estava um


pouco exagerado, e o próprio armário exerceria um limite sobre aquela
compulsão de formar uma coleção na casa da filha. Ao mesmo tempo, toda
a família se divertiu com a ideia criativa e afetuosa que emergiu daquele
encontro. Aquele móvel contendo as miniaturas se tornou a peça-chave da
decoração que surgiria dali em diante.

E foi com base em histórias como essa que passei a criar os meus projetos
tendo um pensamento mais aberto, para que, no meio do caminho,
ajustes, mudanças e readequações se manifestassem naturalmente e
provocassem a expansão criativa de seus moradores. O que, mais tarde, eu
viria a transformar em uma das regras no meu trabalho: na decoração, não
há um estilo, um desejo ou mesmo um gosto a ser considerado errado. Em
tudo mora uma boa intenção, uma oportunidade de criar algo. Serão
necessários criatividade e propósito para que as ideias se instalem.

Quando buscamos um propósito, um desejo de realizar algo maior, o


ponto de partida sempre se dará pelas histórias que queremos valorizar, e,
então, tudo passará a ser uma experiência singular, capaz de nos colocar
em direção ao prazer interior.
Considerando as demandas criativas que aos poucos iam aparecendo,
também surgiram ideias como de prever, nos projetos, alguns espaços nos
ambientes, espaços que ficariam vazios de forma intencional. Paredes,
cantos e nichos eram cuidadosamente pensados com a função de guardar
espaço para um novo achado que pudesse surgir proveniente de uma
viagem ou de outra experiência que marcasse um encontro com a vida. O
espaço intencionalmente vago, na verdade, de vazio não tinha nada, pois
despertava a criatividade e, com ela, a responsabilidade para a busca de
algo que os fizesse transcender. É muito importante que não tentemos usar
a decoração para controlar a casa preenchendo totalmente os ambientes;
devemos deixar espaço para que ela se manifeste e nos surpreenda. É
quando a casa fala conosco.

Aos poucos também fui incentivando a compra de pequenos móveis, como


banquetas, mesas de apoio e cadeiras, com o intuito de que fossem
remanejados pelos ambientes, dando vazão a essa necessidade de
movimento contínuo que a casa nos pede. Mas não bastava serem leves e
de fácil circulação; eles também deveriam ser achados em barganhas,
liquidações ou bazares de segunda mão, fossem eles de design assinado ou
velharias esquisitas. É preciso cuidar do humor, e, para aqueles que se
dizem sem talento, nada como começar com pequenos exerc ícios de

ousadia .

E, por último, passei a sugerir investir em acervos, ou seja, passei a pensar


no mobiliário como extensões de seus moradores, acompanhando-os pela
vida durante possíveis mudanças que surgiriam ao longo de suas histórias.
O que justificaria comprar menos e com mais investimento. Esse é o lado
ecológico da decoração: pensá-la a longo prazo .
Umas das primeiras lições para quem está começando a decorar é sair em
busca de móveis e peças usados entre os familiares, pois essa é uma das
maneiras mais rápidas de irmos ao encontro das nossas histórias. Então,
pareceu-me natural pensar ao contrário, justificando a importância do
investimento nas peças, ancorando-as no bom desenho e no papel estético
que exerceriam ao longo da vida daquela família, criando histórias futuras.

Tanto almejamos e valorizamos um mundo com alma, e pouco nos damos


conta de que ela pulsa o tempo todo à nossa frente, manifestando-se por
meio das cores, das formas, das texturas e dos reflexos que despertam a
nossa percepção.

Então, descobrimos que cada objeto, além de prestar o testemunho de si na


imagem que oferece, guarda uma profundidade a ser descoberta, admirada
e ressignificada por meio de cada escolha que fazemos e das histórias que
vinculamos a ele. Essa é uma das intenções deste livro: fazer-nos refletir
sobre o mistério desse processo em habitar para nos dispormos a
construir, pensar e decorar a casa a nosso favor.

Quando a decoração considera as

dimensões da alma…

Eu me identifico com as ideias do psicólogo James Hillman (1993) quando


ele escreve que o habitar se faz pela conexão entre a intimidade da nossa
mente e a intimidade da nossa casa, de modo que os atributos da alma se
reflitam no interior das casas por meio da forma como vivemos, dos
nossos gostos, das nossas escolhas – elementos os quais transformam a
nossa morada em um lugar personalizado.

Quanto mais sabemos sobre a nossa casa, mais nos apropriamos dos
nossos hábitos para, por meio deles, estabelecermos novos limites e, a
partir de então, sairmos em busca de um novo conhecimento daquilo que
se faz necessário para nutrir nossos poderes de alma, percebendo a casa
como um jogo no qual cada escolha, cada descoberta nos preenche e nos
amplia, alimentando a sede dos sentidos e nos convidando a avançar para
uma nova fase, uma nova descoberta sobre nós mesmos.

Hillman (1993), em seu memorável livro Cidade & alma, ainda sugere que o
habitar se constrói ao nosso redor com um único propósito: o de nos fazer
alcançar a espiritualidade.

Para os autores Veríssimo e Bittar (1999), a casa é um ­espelho que


reflete comportamentos e sentimentos que transcendem o espaço
geométrico da sua arquitetura. Podemos encontrar vestígios de
aprendizados e experiências, signos e significados de uma casa que antes se
constrói com base nos sonhos que guardamos por ela, desde o dia em que
nascemos.

Cada canto guarda o poder de evidenciar o nosso


potencial criativo, manifestado por meio das
escolhas e da representatividade de quem
somos, tornando--se, então, conforme afirmou
o historiador Mario Praz ao descrever a própria
morada, não só uma expressão mas também uma
expansão do nosso eu. “A casa é para o dono. E o
dono, para a casa” (Praz, 1964 apud Zabalbeascoa, 2013, p.
17).

Ao se questionar sobre o significado do habitar, o filósofo alemão Martin


Heidegger (2005) foi além. Estudando sua etimologia, descobriu que tem a
mesma origem da palavra “construir”, a qual agrega outros significados,
como proteger e cultivar. Essa investigação fez que ele chegasse à
conclusão de que nós só podemos habitar verdadeiramente aquilo que nos
propomos a construir, cuidando do seu crescimento para dar tempo aos
seus frutos. E esse foi meu grande insight! Se o habitar, o construir, o
proteger e o cultivar de Heidegger são faces de uma mesma moeda,
pareceu-me coerente que o design de interiores fosse agregado como
ferramenta de aproximação em direção a esse habitar, pois Heidegger
também ensina que nós só podemos aprender e aprimorar sobre quem
somos por meio daquilo que fazemos.

Logo, habitar uma casa, ocupá-la ou, simplesmente, morar passam a se


fazer presentes pela sincronia entre nossas ações e nossas intenções. Tal
ideia sugere, a quem está decorando uma casa – mesmo que com o auxílio
de um designer de interiores –, que, para que ocorra o habitar, faz-se
necessário o protagonismo de seu morador . Um protagonismo
que se relaciona com a decoração por meio do sentimento de
responsabilidade pela morada.
Decoração e design de interiores passivos, que obedecem exclusivamente a
ideias prontas, estilos e modismos, em um primeiro momento podem ser
sedutores aos nossos olhos e nos encher de entusiasmo, pois nos
surpreendem pela evolução da tecnologia e pelos padrões estéticos que
surgem dessa expansão, mas correm o risco de rapidamente nos distanciar
da experiência do habitar, tornando-se passageiros por não estarem
ancorados em nossa essência.

Nosso amor pelo lar é, por sua vez, um


reconhecimento do quanto a nossa identidade
não é autodeterminada. Precisamos de um lar no
sentido psicológico tanto quanto no sentido
físico para compensar a nossa vulnerabilidade.
Precisamos de um refúgio para proteger nossos
estados mentais, porque o mundo em grande
parte se opõe às nossas convicções (Botton, 2007, p.
107).

Na relação com os clientes, pude observar que muitos deles, na primeira


reunião, tinham como objetivo uma casa decorada, com uma noção muito
tímida do que isso poderia significar em sua vida.

Alguns traziam recortes de revistas, pois haviam alcançado novos


patamares financeiros e buscavam ajuda para morar melhor. Porém,
conforme o projeto ia se desenvolvendo, afloravam questões emocionais,
lembranças, memórias e histórias que, embora nem sempre estivessem
relacionadas a questões estéticas e organizacionais da casa, não poderiam
ser ignoradas.

Aos poucos, então, ficava perceptível que havia ali uma vontade, um
desejo natural em organizar seu entorno com base em uma demanda
interna que nem sempre estava clara na busca inicial e que, a cada reunião,
tomava forma e evoluía, tornando-se cada vez mais desejada e perceptível
no sorriso, no brilho dos olhos e na aceleração com as palavras.

Quando o projeto se iniciava, eu percebia que os clientes, ao serem


estimulados com perguntas específicas, realizavam um questionamento
interno que os levava a buscarem mais informações sobre suas próprias
histórias, suas origens, suas experiências para o encontro seguinte comigo.
Era como se de alguma forma eles fossem liberados para sonhar. A casa da
avó, a infância no interior, uma tia distante, brincadeiras ao redor da casa,
uma viagem na adolescência, entre tantas histórias. Tudo era ponto de
partida e fonte de inspiração.

Foi assim que aprendi que um bom projeto de interiores não se faz
somente tomando-se por base a lista de desejos dos clientes, mas,
principalmente, as histórias que eles guardam consigo. Histórias as quais
ficaram largadas e banalizadas desde a infância e que sempre estão prontas
para ser resgatadas e ressignificadas.

Conforme evoluíamos sobre a disposição dos ambientes, a escolha dos


materiais e das cores, a distribuição de móveis no espaço, emergiam
sentimentos de pertencimento tão intensos que passavam a influenciar
fortemente as escolhas seguintes. Depois de terminado e implantado o
projeto de interiores, era comum alguns se intitularem “criadores da
própria morada”. O que, em um primeiro momento, chamou bastante a
atenção sobre o meu papel nesse processo, fazendo-me entender que,
quando o cliente assumia a autoria da própria morada, era sinônimo de
um projeto bem-sucedido.

Com o tempo, os clientes com esse perfil foram aumentando e essas


experiências se intensificaram a tal ponto que, naturalmente, tornaram-se
uma metodologia e um jeito próprio de trabalhar e enxergar a decoração e
o design de interiores.

O que aprendi nessas vivências e que estudos da neurociência têm


abordado é que existe uma casa genuína em cada um de nós, pronta a ser
expressa. Se a tratamos com responsabilidade, ela responderá com a
energia da ordem e do equilíbrio. Segundo Goldhagen (2017), a partir
dessa relação de responsabilidade pelo habitar, poderemos nos tornar mais
saudáveis e motivados. Para que isso ocorra, é essencial prestar atenção e
praticar novas escolhas, deixando de lado as formas negligentes pela quais
tratamos as nossas próprias emoções, o bloqueio oriundo do medo, o
preconceito contra mudanças e a submissão ao excesso de informações que
nos chegam a todo momento.
Capítulo 5.

Os sentidos e os símbolos

[…] nada poderia entrar em nossa mente a não


ser pelos órgãos dos sentidos. Apenas quando
essas “impressões sensoriais” são associadas na
mente podemos construir uma imagem do
mundo exterior. Não há “ideias inatas”, o homem
não tem outro professor além da experiência.

Ernst Hans Gombrich, O sentido de ordem

Nossos olhos, ouvidos, nariz, mãos, boca e pés são responsáveis por
importantes interações nossas com o nosso entorno. Com a visão
apreciamos formas e movimentos; com a audição ouvimos sons e vozes;
com o olfato percebemos cheiros, identificamos aromas e até
reconhecemos pessoas, objetos e lugares; com o paladar distinguimos
sabores e identificamos alimentos; com o tato, vêm texturas, temperaturas
e outras sensações; com os pés, buscamos estabilidade, caminhamos,
dançamos e fazemos movimentos em diferentes superfícies e equilíbrios, e
assim por diante (Goldhagen, 2017). Os sentidos colaboram com os
sistemas sensorial, motor, perceptivo e cognitivo, permitindo-nos
perceber e aprender sobre uma série de informações e vivências. Por meio
deles, também entramos em contato com a linguagem dos símbolos,
trazendo um significado particular para tudo aquilo que está à nossa volta.

Isso significa que nenhum de nós conhece o mundo “diretamente”, toda


realidade na qual vivemos sempre parte de uma interpretação; ou seja,
nossa percepção é sempre mediada pelos nossos sentidos. Quando
ativados, eles trabalham e interagem uns com os outros, funcionando
como lentes que captam e trocam informações do e com o meio ambiente,
buscando maneiras de manter e nutrir o nosso equilíbrio biopsíquico-
espiritual.

Interconexão dos sentidos

Essas vivências por meio dos sentidos sempre variaram em função do tipo,
da intensidade e da qualidade da relação que desenvolvemos com os
ambientes, de forma que duas ou mais pessoas podem conviver em uma
mesma casa e senti-la de modos diferentes. Tudo vai depender das
perspectivas, histórias e bagagens pessoais de cada uma, ou seja, os
sentidos por si só não são uma garantia de que vai ocorrer uma boa leitura
do mundo, mas o modo como os utilizamos, sim. São eles que nos
aproximam dos ambientes da casa, possibilitando decorá-la como um
lugar de acolhimento e liberdade de expressão.
Por isso, prestar atenção na forma pela qual nos relacionamos com as
coisas e com as pessoas à nossa volta é fundamental para a nossa
compreensão e a adaptação ao local onde moramos, a fim de criarmos uma
casa que não seja somente um lugar de refúgio e proteção, mas um
vórtice de simbologias que nos inspirem a viver o nosso

melhor e expressem ao mundo aquilo que somos. E, cá entre nós, somos


muitas coisas ao mesmo tempo!

O monopólio da visão
O arquiteto Juhani Pallasmaa (2011) afirma que, em razão da
predominância da visão sobre os outros sentidos, deixamos que um
confronto com o próprio mundo nos leve. Como resultado,
desenvolvemos uma espécie de ódio velado ao corpo, na medida em que
passamos a sabotar aspectos da nossa interioridade, priorizando o
pensamento em detrimento do corpo e de nossas emoções.

Na arquitetura, a visão vem nos oferecendo construções imponentes e


instigantes, porém essas não têm promovido a necessária conexão humana
com o mundo, deixando desabrigados nossos demais sentidos e, com isso,
o nosso corpo, a nossa memória, a imaginação e os nossos sonhos.
Pallasmaa (2011) defende a importância de uma abordagem mais holística
da realidade, levando em conta uma profunda conexão entre nós e o
mundo, de forma que a arquitetura passe a ser projetada envolvendo todos
os sentidos e criando experiências sensoriais ricas e estimulantes que
promovam uma maior interação entre nós, o meio ambiente e o próprio
ambiente construído.
Pallasma (2011) sustenta que na decoração houve um enfraquecimento na
relação com as nossas capacidades sensoriais conforme fomos criando
ambientes cada vez mais artificiais, que surgiram a partir da proliferação
de uma série de superfícies sintéticas que, embora buscassem imitar os
elementos da natureza, não tinham a mesma densidade, a mesma textura e
o mesmo cheiro, alimentando os nossos sentidos com experiências
empobrecidas com o espaço.

Segundo o designer Victor Papanek (2014), a indústria do design, aliada à


da construção civil, ignorou nariz, ouvido, boca, mãos, dedos e pés,
desenvolvendo imitações que dissessem respeito somente aos nossos
olhos.

Ainda conforme Papanek (2014), o glamour da tecnologia a partir da


racionalização da vida no século XVII, ao mesmo tempo que propiciou
avanço e evolução, abalou a conexão com a natureza, relegando-a ao status
de coisa a ser dominada e explorada, e, ao reconhecê-la de forma passiva e
disponível, agrediu a nossa sensorialidade como um todo. Ou seja,
ganhamos em conveniência e eficácia, porém perdemos elementos
sensoriais fundamentais, tornando os espaços cada vez mais herméticos e
desprovidos de harmonia, prazer e saúde.

Segundo a designer e pesquisadora Ingrid Fetell Lee (2021), excesso ou


falta de luz e ventilação, íons, serotonina, melatonina, ergonomia, a
ressonância e o modo como os materiais absorvem a temperatura dos
ambientes foram afetados, influenciando a maneira pela qual nos
relacionamos com as pessoas, as percepções com o espaço e a expressão da
nossa sensualidade, bem como a receptividade aos estímulos, levando a
desequilíbrio nas funções orgânicas.
Pallasmaa (2011) acrescenta que, nas últimas décadas, o mundo digital não
apenas manteve o privilégio histórico da visão como também nos
possibilitou lançarmos um olhar simultâneo para lados opostos do globo
terrestre, fundindo, por meio da velocidade, as experiências entre o tempo
e o espaço. Ao exacerbar a visão a um limite por vezes sobre-humano,
reforçou a desconexão entre a natureza, as emoções e o corpo,
favorecendo o surgimento de uma enxurrada de patologias emocionais
que têm sido responsáveis por induzirem as pessoas a comportamentos
cada vez mais distantes, frívolos e superficiais.

Mas isso não significa que tenhamos de tratar a visão como vilã. O ponto
aqui está no reducionismo da nossa realidade a partir da valorização de um
único sentido. Ao nos isolarmos, suprimindo os demais sentidos,
restringimos as nossas experiências.

Diferentemente dos nossos ancestrais, a maior guerra enfrentada nos


tempos atuais não é contra o rei de outro país, é contra a nossa
consciência, nossas limitações humanas e nossa percepção distorcida da
relação com a natureza (Lipton; Bhaerman, 2013). Nossa guerra é contra a
aceleração do tempo, para que possamos voltar a cultivar momentos de
introspecção, de contemplação e de conexão, buscando uma harmonia
maior entre o nosso corpo, a nossa mente, com as pessoas, com o
ambiente em que vivemos, com o mundo e, consequentemente, com a
nossa alma.

A exacerbação do foco no olhar levou à necessidade de sairmos em busca


de uma vida que faça mais sentido. Embora ainda arraigados às velhas
crenças, estamos buscando resgatar o prazer e o cuidado com a nossa vida
e entrando em contato com os sentidos negligenciados, entendendo que
somente por meio deles se originam as experiências, que são a fonte de
aprendizado e de resgate das emoções. Os sentidos, por meio das
experiências, ajudam a dar forma à nossa realidade, interagindo com os
ambientes ao nosso redor de forma prazerosa.

O tato e a liberdade para sentir


Pelo tato, vêm as habilidades de manusear as coisas, examiná-las, fazer
escolhas, tornando-nos altamente reflexivos por meio dessas percepções.
Calor, frio, toque, pressão e dor intermedeiam uma série de funções
sensoriais que variam entre si. É a experiência direta da resistência sobre a
superfície que nos oferece um sem-número de informações a respeito da
realidade à nossa frente. Os movimentos variados das mãos conferem
liberdade para sentir, e por meio delas temos controle tátil, o que
influencia nossa maneira de pensar e sentir (Sennett, 2009). Pelo toque, o
tato nos conecta emocionalmente uns aos outros, em uma comunicação
não verbal.

No design de interiores, as mãos são como os nossos olhos ; elas


conectam o nosso coração (emoção) com a nossa cabeça (razão),
proporcionando prazer, satisfazendo a uma necessidade integrativa por
meio da criatividade e do fazer. Para Heidegger (2005), as mãos são os
órgãos do pensamento, pois cada movimento que se dá em meio às tarefas
ocorre por meio do pensamento e do aprendizado, e é assim que cada
toque de mão permanece naquele objeto.
O tato tem a incrível capacidade de ler a textura, o peso, a densidade e a
temperatura de cada superfície e de cada objeto. Na casa, ele conecta o
tempo e o espaço com as nossas memórias e o nosso fazer criativo. Quer
um exemplo? A maçaneta da porta que tocamos ao chegar em casa e sair
dela, um movimento tão simples de empunhadura que pode ser um prazer
(ou não) para as mãos, não apenas por sua forma lisa e suave mas porque
ela integra e expressa toda a relação com a nossa morada.

Todos os dias, ao chegarmos em casa, fazemos uma espécie de ritual:


vindos da rua para adentrar esse território particular por excelência,
atravessamos alguma espécie de portal, que pode ser a porta da frente ou a
porta dos fundos, até mesmo um portão reforçado, vigiado com câmeras.
Pelas suas características de separação, abertura e fechamento, lugar de
trânsito e passagem, mais alguns componentes, como a campainha e,
talvez, um olho mágico, tudo isso possibilita discriminar quem chega, sem
nos esquecermos da sua fechadura, que, ao trancar e destrancar a porta,
passa uma série de informações ao corpo na mesma intensidade que seu
movimento oposto, o partir.

Já para quem está dentro da casa, a maçaneta representa uma experiência


de “receber”, de deixar entrar, ou seja, envolve uma atitude mais passiva do
que a envolvida na chegada. Eis que uma simples maçaneta pode nos
colocar na fronteira do contato com a casa, em que a experiência tem seu
lugar.

E, indo além da maçaneta, depois desse “portal”, o que estará reservado aos
demais objetos que repousam nos seus interiores?

Pouco nos damos conta da relação dos pés. Veja como os sentidos vão
ampliando a conexão com o ambiente. Por meio dos pés sentimos as
superfícies e percebemos seus contrastes, suas inclinações, seus degraus – e
suas densidades, a terra, o assoalho, os sintéticos e os naturais. A todo
momento, experienciamos a gravidade pelas solas dos pés. Ficando em pé
e sem calçados sobre o chão, podemos explorar com intimidade e sentir a
temperatura do piso, sendo essa uma experiência das mais revigorantes, o
que justifica ser esse um dos primeiros e mais importantes revestimentos
da nossa escolha quando pensamos no habitar.

Andar sem calçados sobre o piso da casa pode nos conectar com o que a
casa tem de melhor: a representação simbólica do solo e sua energia vital,
nosso grounding, em que enraizamos quem somos . Ou seja, o tato
dos pés torna-se tão importante quanto o das mãos na experiência de
habitar um espaço.

A integração dos sentidos


Os ouvidos acompanham sonoramente todos esses passos, como se o som
fosse ritmado, assim como podemos usar os pés para nos aproximarmos
dos cheiros, sabores e demais sentidos, criando experiências profundas e
particulares. Pés e ouvidos, juntos, conectam e integram os batimentos do
nosso coração com o ritmo da casa. O som faz os olhos se lembrarem,
associando memória e imaginação enquanto os pés nos levam ao
encontro.

Eu sozinho, nas minhas lembranças de outro


século, consigo abrir o armário profundo que
ainda retém só para mim aquele odor único, o
aroma de passas de uva secando sobre uma
bandeja de vime. O aroma das passas de uva! É
um odor indescritível, que exige muita
imaginação para que possa ser sentido (Bachelard,
1969, p. 13 apud Pallasmaa, 2011, p. 51).

Trabalhando juntos, cada sentido oferece informações únicas e


importantes que, combinadas, criam experiências ricas e complexas as
quais se conectam umas às outras em múltiplas combinações. Dessa
conexão e dessa integração entre todos brotarão a nossa imaginação e a
nossa curiosidade, que suscitarão vontades e uma série de estímulos que
nos levarão aos portais de acesso da criatividade, impulsionando-nos a
entrar em contato com as nossas dimensões simbólicas e, claro, com as
nossas emoções.

Será por meio dos símbolos e do significado que damos a cada um deles
que transcenderemos o significado de cada coisa, ampliando e dando
forma aos nossos conteúdos internos.

Por esse motivo, não é somente a aparência visual que conta na hora de
criar um projeto de design de interiores mas também – ou sobretudo – a
sensorialidade e o despertar simbólico que cada descoberta pode nos
possibilitar.

Ao escolher um tecido que atrai nossos olhos, por exemplo, é natural


levarmos a mão ao seu encontro, em busca da maciez ao toque que nos
questiona sobre as nossas memórias simbólicas relacionadas ao conforto,
de ser abraçado ou abraçada e sentir proteção. Muitas vezes, é comum
instintivamente passarmos as mãos sobre um serviço realizado, para
averiguar a qualidade da sua execução, ou sentarmos em uma poltrona e
testarmos, por meio do tato, se ela nos é confortável, avaliando com o
corpo a qualidade dos materiais, a textura, a densidade e a delicadeza dos
acabamentos. O olho vê, mas o tato é que dá o veredicto.

A experiência estética e o

autoconhecimento

Nesse contexto de autodescoberta, a experiência estética torna-se


fundamental para a construção da identidade e do autoconhecimento. Ela
nos permite perceber e apreciar a beleza ao nosso redor, conectando-nos
com nossos sentimentos mais profundos. Por meio das nossas escolhas
estéticas, podemos criar conexões com o mundo e refletir sobre nossas
emoções e nossos pensamentos, expressando nossa individualidade. Os
sons, os cheiros, enfim, toda essa construção simbólica que nasce a partir
dos sentidos contribui para que possamos “intuir com a vida”, pois essa
forma de organização plástica afeta nosso corpo e nossa mente, sendo
fundamental para o bem-estar emocional, a criatividade e o crescimento
pessoal.

O design de interiores, como metodologia, nesse ponto vem para


materializar o processo criativo que surge dessa experiência de integração
entre os sentidos, pois abre a possibilidade de mediar, articular e integrar o
eu (self)[1] de cada um ao mundo, unindo histórias vividas com a própria
vida que ali se constitui.

E, se nesse contexto de busca estética, as mãos passam a contribuir para os


olhos, é justo que os olhos também assumam seu papel tátil, passando a
colaborar com o corpo e os demais sentidos. Enquanto o olho distancia,
separa, analisa, controla e investiga, o tato é o sentido da intimidade e da
afeição; ele aproxima, acaricia, por meio dele retemos o conhecimento
sensorial. Tato e visão são sentidos complementares que trabalham juntos
para nos ajudar a entendermos o todo e termos uma experiência estética
mais integrada.

A dobradinha entre ambos, em conjunto com os demais sentidos, tem nos


auxiliado no surgimento das novas experiências simbióticas entre o corpo,
a mente e a casa, abrindo-nos a novas maneiras de ver e pensar a casa, bem
como provocando uma ruptura com a forma racional de ver, como se
fôssemos meros espectadores da vida.

Na decoração, a memória tátil trabalha em parceria com o olhar para nos


trazer experiências de profundidade e materialidade. A visão revela aquilo
que o tato já sabe, enquanto nossos olhos acariciam superfícies, curvas e
bordas, e a sensação tátil nos sinaliza se a experiência será prazerosa ou
não. Assim, a escolha de texturas dos materiais de revestimento nos
exigirá tanta atenção e importância quanto a escolha das cores e formas
para a criação de um ambiente agradável e acolhedor.

No dia a dia, em meu escritório, dedico muito mais atenção e tempo a essa
fase do projeto – escolha e combinações de texturas –, pois a seleção das
texturas é que determinará a perenidade do projeto, tornando sustentável
o alto investimento na decoração.
As texturas e a matéria-prima da qual se constituem falam por si só,
sendo responsáveis por realçar a forma, a profundidade e a acústica do
espaço, fazendo da percepção do corpo e da imagem do mundo por meio
da morada uma experiência contínua . Nosso corpo passa a habitar o
mundo (Pallasmaa, 2011) como o coração está em nosso organismo; ele
sopra a vida para dentro da casa, e ela nos sustenta de dentro para fora.
Assim, teremos experiências que irão além do visual, possibilitando que se
crie um campo de energia que nos nutra ao mesmo tempo que nos acolha,
pois a relação simbólica traz consigo o poder da beleza, da harmonia e até
de cura.

Àqueles que se sentem tocados pelo que escrevo e entendem o poder que
nos aguarda nessa forma de criar a casa, eu recomendo, para que possam
perceber a delicadeza com que a alma se manifesta a partir do que é belo e
bem-intencionado, que a decoração seja pensada tendo como ponto de
partida o amor que essa espiritualidade evoca. Mas é claro que não estou
falando aqui daquele tipo de amor romântico e autocentrado, restrito a
alguns momentos e lugares em que relaxamos no fim de semana ou
mesmo nas férias ao lado das pessoas que nos são próximas e íntimas.

Eu falo de outro tipo de sentimento, que, embora venha do mesmo


coração, manifesta-se e faz morada em nós por meio do reconhecimento
daquilo que nos é essencial.

A decoração também pode se

tornar um ato de amor


Quando estamos amando algo ou alguém, é natural nos declararmos uno
com o objeto amado. É aquela relação em que o “meu eu” e o “eu do outro”
nos tornamos um. No entanto, para desenvolvermos uma relação que vá
em busca de um equilíbrio com a natureza, símbolo máximo da expressão
da vida, faz-se necessário ampliar esse contexto para além dos nossos
caprichos e das nossas relações, a fim de que o “outro” se torne o próprio
planeta Terra, com todo o sistema de organismos que abrange (Roszak;
Gomes; Kanner, 1995).

O amor nos acessa com facilidade porque somos afeitos a ele. Essa
familiaridade, no entanto, faz que essa ideia se acomode com rapidez em
uma cama de repertórios já existentes dentro de nós e que nem sempre são
os mais apropriados, pois guardam a sua origem alicerçada na ideia de o
homem é o centro – um tipo de crença que, no avanço do tempo, tem se
tornado responsável por muitos dos equívocos sociais e ecológicos que
estamos vivendo atualmente (Andrade; Pasini, 2022).

Essa visão antropocêntrica nos levou a uma interpretação egoísta e


limitada do conceito de amor, criando uma forte dependência em nós,
exatamente como uma droga. Daí a importância de lembrarmos que o
amor também pode ser uma força que nos conecta com o mundo além de
nós mesmos.

Quero dizer que, para aqueles em busca da decoração como


autoconhecimento, exercício em direção ao prazer interior e ao encontro
com o propósito, é fato que esse amor deverá colocar o símbolo máximo
da vida no centro da vida, trocando a antiga visão antropocêntrica de que
a natureza deve exclusivamente servir ao homem por uma nova visão,
conhecida por ecocêntrica, menos destrutiva e mais responsável perante o
ecossistema.

Ou seja, a atenção pela casa e pela vida não se volta única e exclusivamente
para nós, mas para a realização de uma tarefa cujo resultado não seja
somente uma casa decorada mas uma casa decorada que nos reconecte; que
seja algo maior que o controle do olhar e as limitações do entender,
auxiliando-nos em nossa capacidade de entrar em sintonia e harmonia,
integrando a consciência essencial daquilo que somos com o bem maior, a
natureza e o planeta na sua inteireza. A decoração também pode se tornar
um ato de amor, consciente de cuidado, respeitando os princípios da
sustentabilidade, antes de tudo, com nós mesmos.

A casa conta muitas histórias, e em cada uma delas há uma construção


simbólica que nos permite vê-la e senti-la em dimensões que vão além de
sua forma e sua função. Sua memória é sempre muito viva, pois é por
nossa jornada pessoal que ela guarda o próprio existir: no planeta, na
memória de nossos ancestrais, na evolução da tecnologia, em nossos
sonhos e em nossa imaginação. Nela estão contidos muitos saberes, ideias,
conceitos e tradições os quais já conhecemos e vivenciamos de alguma
forma (Batalha, 2016); ela é um espelho da nossa jornada pessoal. Tudo
nela fica registrado, de forma que essa integração com a natureza e o
planeta deverá partir de um aprofundamento sobre a nossa própria
dimensão humana, pois, na visão ecocêntrica, nada pode ser e/ou estar
separado: a natureza que está fora é parte da mesma natureza que está
dentro de nós, assim como o contrário também é verdadeiro. Ela é uma
extensão da nossa identidade e das nossas relações internas e externas com
o mundo. Todos fazemos parte de uma mesma realidade.
A ética ecocêntrica lembra-nos da nossa interdependência com todos os
seres vivos e nos inspira a buscar uma relação mais harmônica e
consciente com o planeta. E, para mim, entendendo que o que está fora é o
que está dentro, a decoração da casa deve ser pensada como uma potente
forma de expressar essa conexão e essa intenção.

Cuidar da natureza, portanto, passa a ser sinônimo de cuidar de nós


mesmos, e decorar a casa, um exercício de aprender a ver, ouvir, saborear,
cheirar, tocar os elementos que a constituem – a água, a terra, o fogo e o ar
–, nossos ancestrais anímicos, responsáveis pela nossa longevidade, por
estruturar nosso corpo e nossa saúde psíquica e mental, gerando um
padrão vibratório de harmonia por meio dos materiais que escolhemos e
de suas respectivas simbologias, para compor nossa paisagem interior em
sintonia com a paisagem exterior. Afinal, ao não acessamos a dimensão da
nossa alma por meio das nossas escolhas, corremos o risco de nos
tornamos insensíveis.

Para ressignificar os equívocos criados em torno do amor a que nos


deixamos domesticar, precisamos tomar a responsabilidade pelo nosso
próprio processo de cura e transformação, entendendo que, quando
agimos na casa, agimos sobre nós e sobre o planeta. Seja por meio de atos
mínimos, como a decisão de limpar uma gaveta ou arrumar um armário,
seja por grandes intervenções, como quebrar as paredes para uma reforma
maior, estamos agindo em nós e em nossa realidade (Batalha, 2016).

Aventura externa e aventura

interna
A vida moderna nos abstraiu das nossas relações com o chão, das nossas
raízes, em que nossas casas estão implantadas, e do teto e dos telhados
como representações da nossa integração com o céu e o cosmos. Também
nos alienou do fato de que os revestimentos ou mesmo os metais e
torneiras que usamos pela casa estão diretamente relacionados com os
ciclos da água e dos nutrientes, assim como o dos recursos naturais que
nesse momento estão sendo esgotados.

Como saber onde nos assentamos e que espaço ocupamos no mundo?


Como tomamos posse do nosso espaço no chão da vida? Ele é duro, mole,
compacto, flexível, maleável? Carl G. Jung, em O livro vermelho, escreveu
que “quando não te acontece nenhuma aventura externa, também não
acontece nenhuma interna” (2018, p. 202).

É importante atentar que, antes de decorar, há o terreno simbólico das


intenções a serem cultivadas, o que significa que, antes de nos
aprofundarmos nessa experiência com a casa, deveremos cultivar um
terreno favorável para que ela emerja repleta de símbolos de abundância e
prosperidade. A nossa qualidade de vida, o nosso tão almejado sucesso, a
consciência de quem somos dependem desse reconhecimento simbólico.

Ao nos inteirarmos da importância desse reconhecimento simbólico


adormecido e de como queremos ativá-lo, certamente encontraremos as
pistas para que isso ocorra, acessando as nossas histórias enquanto
desenvolvemos layouts e escolhemos cores e revestimentos.

Acredito que muitos de nós já nos deparamos com a frase “a mudança


começa em nós”. Eu a complementaria com “tudo começa em casa”, pois
nada está separado de nada e tudo faz parte do todo e se estende a partir do
mundo ao nosso redor. Ou seja, a mudança da realidade planetária com
que tanto sonhamos pode começar por nós, por meio de coisas simples e
cotidianas, como a relação que desenvolvemos com o entorno.

Estar intencionado com a decoração da casa é abrir-se para o potencial


sensorial, estruturando o mundo ao nosso redor a fim de que esse lugar se
torne nosso lugar de centramento, de poder e de

sustentabilidade com nossos sentimentos.

A partir do momento em que tomamos consciência do que queremos


vibrar e do campo de intenção pretendido para a casa, passamos a
construir nossos símbolos, podendo pintá-los, moldá-los e criá-los,
despertando a persona do designer que habita em cada um de nós.

Sim, acredite, conscientemente ou não, dentro de cada um de nós existe


uma persona,[2] um personagem que habita em nós, no papel de um
designer interior, que está sempre pronto a expressar a “nossa” natureza
criativa, praticando escolhas e assumindo riscos na busca pelo que faça
sentido.

De perfil inventivo, construtivo, curioso, empático aos momentos de


encontro com as emoções, esse designer que habita em nós é o nosso ser
criativo que tem acesso à nossa criança interior, manifestando-se
livremente, estando sempre pronto a fazer, escalar, cavar e explorar
ativamente as riquezas infinitas que estão ao nosso redor. Ele é sensível
aos momentos certos e procura se manifestar buscando dar forma aos
nossos sentimentos, fazendo-nos questionar a todo momento sobre as
coisas que são invisíveis e, assim, dando vida a elas. Quando nos
permitirmos explorar nosso lado criativo, conectamo-nos a esse designer,
despertando nossa criatividade, e a um potencial infinito de transformação
e realização pessoal.
Sua atuação por meio da decoração da casa não está ancorada pela
exploração do mundo com base na razão, mas pela simples vontade do
aprendizado criativo com a vida, encontrando e harmonizando formas
simbólicas que tenham uma reciprocidade afetiva por meio do amor, da
beleza e de sua representação estética.

A partir de então, o que deve ser aprendido não tem fim, e, assim como a
vida, seu espelho, a casa vai se apresentando toda feita de pistas, em que,
muito embora a casa seja sempre a mesma, a cada movimento nosso ela vai
se mostrando mais do que antes. A decoração torna-se, portanto, o
registro dessa jornada de aprendizado e interpretação em que sempre
haverá mais a descobrir, explorar e expressar para revelar a casa, um
espaço vivo que se transforma, assim como nós nos transformamos.

Em busca dos sentidos da alma

De acordo com a filosofia oriental, para cada um dos sentidos (visão,


paladar, audição, tato e olfato), temos de considerar que existem seus pares
correspondentes interiormente, os sentidos da alma, assim denominados
desde a Antiguidade pelo teólogo Orígenes de Alexandria.

Os sentidos da alma serão as ferramentas do designer que habita em nós,


manifestando nossos dons no plano invisível, para exercer a magia da

visão, a qual nos convida a um aprofundamento sobre nós mesmos,


permitindo-nos enxergar além das fronteiras do olhar; o místico da

audição , que capta as vozes que ecoam da nossa interioridade, fazendo-


nos perceber a natureza como estando imersa em música divina; o
instinto do olfato , o mesmo que vincula a mãe ao bebê para todo o
sempre e se deixa salivar pela imaginação, bem como seu poderoso
impacto psicológico, o qual registra e celebra cada ritual com a vida; a
essência do paladar , elixir da vida, fonte de endorfinas, manifestando
a vitalidade, a euforia, o êxtase e a crença da perpetuidade espiritual, e a
sutileza do tato , do ser tocado, que se encanta profundamente com o
tocar de cada nova descoberta, do sentir o Verbo da vida integrando não só
o corpo mas também as relações com o outro e com todo o universo em
meio a uma grande teia divina.

Os sentidos da alma me trazem a lembrança de minha tia Etelvina, uma


mulher do campo que muito raramente visitava a cidade. Descendente de
italianos que vieram para o Brasil fugindo da fome deixada pela guerra,
tinha uma origem muito simples, e provavelmente, tal qual o do meu pai,
seu aprendizado escolar não devia ter passado do primário (o
correspondente ao ensino fundamental I de hoje). Sua sabedoria com a
vida vinha de uma profunda conexão com os sentidos, e foi por meio da
sensibilidade dela que eu aprendi a perceber o mundo pelos sentidos da
alma. Mas é claro que precisei de algum tempo, uma viagem à China e
muitos livros para entender mais a respeito dessa sabedoria interior que
está disponível dentro de nós.

Repleta de obrigações, tia Etelvina acordava sempre de madrugada para


preparar o café para os filhos, que dividiam com meu tio a
responsabilidade pelo sustento da família, ordenhando as vacas, cuidando
da plantação e comercializando o leite e os frutos da terra. Seus dias se
resumiam em cuidar dessa família, transformando o leite em queijo, e o
porco abatido, em linguiça; utilizando a banha derretida para cozinhar e
fazer sabão; pegando ovos e, por vezes, sacrificando algumas galinhas para
o almoço do domingo; colhendo as flores, frutas e verduras cultivadas ao
redor da casa, transformando-as em geleias e complemento do almoço,
sem se esquecer, em meio a isso tudo, de manter o fogo do fogão a lenha
sempre atiçado.

Além da doçura e da delicadeza que a tornavam uma tia tão especial, duas
coisas sempre me chamavam a atenção diante daquela infinidade de
afazeres: seu zeloso e extremo cuidado com a casa e sua profunda conexão
com a natureza.

Nessa casa, onde passei boa parte das férias da minha infância, tudo era

muito simples e, ao mesmo tempo, extremamente belo ,


arrumado e limpo. Foi nessa casa que vim a ter alguns princípios de
decoração que utilizo até hoje. O ponto alto era a cozinha, onde tudo se
dava ao redor do fogo. Sobre o fogão, a chaleira sempre aquecida e pronta
para o café; ao alto, as linguiças contorcidas aguardavam o tempo da cura.
Enquanto os cheiros da lenha e da banha derretida se espalhavam pelo
ambiente, os estalos do fogo criavam seu ritmo, anunciando que, embora
todos ali tivessem horário a cumprir, o tempo se fazia com paciência e
presença. No centro, ficava a imensa mesa de refeições, e ao seu redor se
distribuía mais de uma dezena de cadeiras de modelos e tamanhos
diferentes.

Habituado de que ali, naquela mesa, cada um tinha o seu lugar, e no


silêncio de uma criança curiosa que gostava de ouvir os adultos, foi assim,
sem querer, que aprendi a diferenciar e associar os humores e as
personalidades dos móveis de acordo com o perfil de quem os ocupava, o
que mais tarde se tornou uma habilidade e um estilo no meu modo de
trabalhar.
Na realidade, as cadeiras diferentes que ali se encontravam eram resquícios
de todas as cadeiras que um dia ali estiveram. Conforme iam se quebrando,
as que sobravam eram agregadas ao novo conjunto que chegava. Porém a
tia, enquanto conversava com cada uma delas, tinha um jeito próprio de
arrumá-las, identificando-as de acordo com o nome de quem gostava de ali
se sentar. Atento, eu observava aquela conversa e, quando dei por mim,
havia aprendido a conversar com as paredes e com os móveis da casa por
meio dos sentidos da alma.

Mais tarde, quando me tornei um pesquisador, observei que, assim como


eu, a maioria das pessoas guarda referências estéticas ocorridas com a casa
desde a infância, um conteúdo que está sempre pronto a emergir para
entrar em ação. Descobri também que todos têm a sua tia Etelvina, que
por vezes se revela na figura de uma vizinha, uma avó, um amigo ou até
mesmo alguém desconhecido que nos chama atenção durante um passeio
ou uma história que tenha sido contada e que trazemos conosco na
memória, inspirando a consciência pelo despertar da nossa jornada
estética.

Eis o poder contagiante da beleza que nos alerta em relação à nossa


responsabilidade estética perante as crianças, que, por não estarem
domesticadas nem contaminadas com as mazelas adultas, percebem a
beleza em tudo, facilmente transformando imaginação em realidade, e
vice-versa.

Para que aconteça esse resgate do designer que habita em nós, é


fundamental entendermos a casa como uma mandala que se organiza por
meio do amor e da beleza, sensibilizando-nos com as memórias,
reconstruindo e afirmando as nossas relações com a vida, conectando-nos
ao mundo, gerando sementes de prosperidade, harmonia e felicidade,
exercendo seu protagonismo na vida no planeta, e não mais como a
coadjuvante passiva da história. A partir de então, cada ação nos coloca em
contato com uma nova compreensão da casa, modificando a forma de
contar nossas próprias experiências de vida.

Para o biólogo Bruce H. Lipton (2007), os símbolos representam a força


que mora em tudo o que vemos, sentimos e tocamos. Eles representam
ideias, conceitos e emoções que estão presentes em nosso inconsciente
coletivo. Por meio deles, podemos acessar informações físicas e
energéticas que nos conectam com a força da vontade que nos impulsiona
a transformar o nosso redor.

O ar que respiramos, os alimentos que ingerimos, o ato de tocarmos


outras pessoas, os móveis da casa, seus objetos, suas paredes e seu teto, até
mesmo as notícias que ouvimos ativam essa conexão simbólica (para o
bem e para o mal), tornando o nosso corpo e seu espelho, a nossa casa,
campo de referência, memória e integração de novas descobertas e
aprendizados.

Seja observando uma pintura, deixando que ela nos remeta para o mundo
da imaginação, seja quando estamos diante de uma poltrona, uma cadeira
ou um sofá e, de repente, pegamo-nos sonhando com o conforto do corpo
e até quando assistimos a bons filmes e séries, deixando nossa vida cheia de
novas histórias e dramas (Goldhagen, 2017). Assim como as nossas
experiências na casa alcançaram a nossa percepção do mundo, também é
possível utilizar a arte, os objetos e a decoração para transformar a nossa
percepção e criar histórias, tornando-nos mais criativos, inspirados e
conectados à experiência dos sentidos.
Note que aqui existe uma sutileza à qual é necessário prestar atenção.
Nossas histórias não mudarão, mas, a partir do amor e da atenção que
temos por elas, mudaremos a forma de contá-las, criando simbologias.
Será esse novo jeito de contar nossas histórias que inspirará outras pessoas
a se conectarem com suas casas de uma forma mais consciente e
responsável, gerando, a partir desse núcleo criativo, uma mudança positiva
no mundo. Eu presencio essa experiência em alguns projetos e pergunto:
por que não pensar assim?

Mergulhando na simbologia dos

quatro elementos

A terra, a água, o fogo e o ar podem ser vistos como forças que,


condensadas, manifestam-se na matéria como fenômenos físicos. Mas,
enquanto princípios, eles atuam em nível psíquico. Juntos, fenômenos
(matéria) e princípios (espiritual) são estados complementares entre si e
merecem ser estudados como matéria-prima dessa nova forma de pensar a
casa.

Carl G. Jung preconizou que nós não temos a capacidade de percepção ou


entendimento das realidades por completo, pois somos dependentes dos
nossos sentidos e dos nossos conteúdos internos, sejam esses conscientes
ou inconscientes. A nossa realidade, então, dependerá de como somos
afetados pelo que vemos, sentimos, escutamos, cheiramos e tocamos. Esses
conceitos, embora os conheçamos bem, estão fora da nossa capacidade de
compreensão e precisam ser simbolicamente representados, de maneira a
serem respeitados ou seguidos (Mantovani; Monteiro, 2022).

A partir disso, Jung desenvolveu a sua teoria dos tipos psicológicos,


definidos por introversão (pessoas que focam a atenção em suas emoções e
seus pensamentos; pensam antes de agir) e extroversão (pessoas que focam
a atenção nos acontecimentos sociais e em pessoas; confiam no encontro
com o externo). Esses tipos se diferenciam por meio de quatro funções
psíquicas distintas e complementares e que estão associadas aos elementos
da natureza: sensação (terra), pensamento (ar), sentimento (água) e
intuição (fogo).

Assim como na psicologia, cada um de nós, na busca pela casa decorada,


tende a ser o resultado da mistura de duas ou, às vezes, até três funções,
enquanto as funções ausentes ou a parte negativa das manifestadas devem
ser analisadas como meta complementar a ser buscada no
desenvolvimento e na implementação do projeto. A função, aqui, é
podermos enxergar as partes as quais não conseguimos ver com clareza e
nos abrirmos a um pensamento autocrítico, assim como encontrar um
caminho que nos ajude a buscar novas referências simbólicas que nos
direcionem ao mundo interior, ao nosso inconsciente e a todo o seu vasto
potencial para crescimento.

Mas o simbolismo dos elementos não para aí; ele é ainda mais complexo,
permeando a história da humanidade. Está na base do taoismo, do
hinduísmo, do budismo e da umbanda (Mantovani; Monteiro, 2022). Na
roda da vida, dentro do xamanismo, eles representam o movimento cíclico
das etapas da vida, assim como em outras culturas primitivas eles se
relacionam com os pontos cardeais. No design de interiores, estão
relacionados aos princípios de atuação do nosso espelhamento com a casa
e, neste livro, foram utilizados para nos inspirar a sair em busca de
caminhos que nos despertem a interagir com a casa.

O elemento fogo (norte; intuição)


Simbolicamente, o fogo representa o nosso nascimento, o trazer à luz e o
sol nascente. Assim, está ligado ao começo do contato com a intuição da
qual vêm a inspiração e a motivação para um novo ciclo de experiências
que se inicia com um sonho, um projeto, um desejo (Mantovani;
Monteiro, 2022).

No design de interiores, o fogo representa o começo de cada

projeto, e todo início requer ousadia, coragem e

combatividade diante dos desafios. A intuição ativará tanto a nossa


criatividade quanto a nossa imaginação, guiando-nos por meio da força de
vontade e pelo acesso às nossas memórias. Será preciso ir em busca dos
sonhos pela casa, pois todos os sonhos são como sementes as quais
devemos acolher e regar, da mesma forma que é preciso cuidar de uma
criança que nasce e amá-la.

Na decoração, aqueles de perfil mais intuitivo são altamente sensíveis à


atmosfera e ao fluxo da energia. Essas pessoas estão sempre interessadas
nas técnicas e nas formas de criação e purificação do espaço (feng shui,
vastu shastra, radiestesia e geobiologia, entre outras), bem como no
próprio início do projeto com o uso de tais técnicas.
Geralmente, o nosso lado intuitivo é criativo e ousado. Ele nos provoca
para que saiamos do lugar comum por meio de mudanças radicais,
resultando em uma mistura de estilos, épocas e influências. Nessa casa, a
profusão de ideias é grande, de forma que todo ambiente pode ser algo a
mais. Por exemplo, uma cozinha pode ser um ateliê com peças de
artesanato em plena produção, ou um escritório com os projetos
espalhados sobre a mesa, ou mesmo uma estufa de plantas na qual a
geladeira talvez esteja escondida sob alguma folhagem.

O complementar da intuição é a sensação, ligada a pessoas práticas,


organizadas e realistas. Isso porque a fragilidade dos intuitivos é não
pensar na manutenção e na facilidade da limpeza, pois raramente se
preocupam em trocar itens inúteis por outros de maior praticidade
(Alexander, 2001). A espontaneidade e o pouco senso prático relacionados
à intuição podem se tornar grandes desafios, ao não se dar importância
para a fase projetual do trabalho.

Meu conselho para os momentos de intuição é: busque inspiração na


função sensação, respire, dê tempo ao tempo, olhe para o projeto de uma
forma mais ampla e, principalmente, não perca a mão quando a compulsão
do consumo se instalar. Simplesmente, pare o que está fazendo e saia, dê
uma volta, visite uma exposição ou mesmo tome um sorvete para “gelar as
ideias”. Rememorar os motivos que levaram a querer decorar sempre
ajuda na hora de colocar os pés no chão antes de uma decisão ser tomada.

O elemento água (sul; sentimento)


Está ligado à infância, ao começo do desenvolvimento da consciência, e é
simbolizado pela semente. É quando não há formas ainda definidas. O sul
representa o encontro com aquela parte de nós que, no futuro, trataremos
como a criança interior, da mesma forma que representa o encontro com
o grande feminino, em que podemos nos banhar nas águas de nossos
sentimentos, aprendendo a confiar na correnteza da vida, a qual, com
fluidez e flexibilidade, contorna obstáculos e segue seu caminho em
direção ao mar (Mantovani; Monteiro, 2022).

No design de interiores, os sentimentais tendem a se tornar os melhores


estudantes sobre a casa, procurando informações, percebendo como o
mercado funciona, descobrindo tudo ou “quase tudo” sobre
estilos, móveis, cores, tons, automação, etc. Mas, mesmo com toda a
meticulosidade envolvida, o excesso de opções exige que as informações
sejam organizadas, para descobrirmos se elas nos são agradáveis de fato ou
assim parecem porque alguém nos tenha sugerido.

Na decoração, os sentimentais não apreciam o trabalho solitário e sempre


buscam ajuda externa, pois a parte boa de tanto saber é poder
compartilhar. O risco, aqui, é esquecer as nossas próprias histórias e, em
algum momento, preterir a criança interior em prol das histórias alheias,
ou, então, enganar-se por histórias inventadas. Não há nada de errado em
inventar histórias; o que não é bem-vindo é o afastamento da nossa
criatividade, aquela que nos levou a ir em busca de uma nova forma de
morar. As novas informações e as descobertas devem ser gatilhos
criativos, e não o alvo da nossa mira, pois, embora seja imprescindível a
elegância dos ambientes, esses de nada servirão se não forem confortáveis
e abraçarem todos que ali convivam.
O ponto fraco na decoração pode ser a frieza, já que nada pode estar fora
do lugar, assim como um certo esnobismo, pois os sentimentais se
ofendem com aqueles que não admiram o que seu esmero criou
(Alexander, 2001). Um caminho para o equilíbrio é buscar a sua função
complementar, o pensamento (relacionado aos atos de discriminar e
classificar uma coisa em relação a outra sem levar em conta o valor
afetivo).

Meu conselho aos sentimentais é: confiem mais em vocês; não sejam tão
preciosistas. Uma certa bagunça é necessária, além de deixar a casa “com
cara” de casa.

O elemento terra (leste; sensação)


Simbolicamente, o broto, que era maleável e frágil, transforma-se em uma
árvore, e passamos a ocupar nosso espaço na vida adulta. A criança
interior finca fundo suas raízes na terra, manifestando-se no aqui e no
agora, apoiando-se no amor e em sua criatividade, manifestada na persona
do designer que habita em nós, passando a buscar a beleza, seu prazer
interior e o contato com a alma.

No design de interiores, a sensação nos diz que, além de todo o


conhecimento adquirido e das informações organizadas, algo mais existe e
precisa ser mudado em nós ou por meio de nós, pois há um apego e uma
“inocência” em sempre acreditar nas coisas como elas se apresentam,
buscando, além da beleza, a função das coisas. É hora de colocar os pés

no chão e pensar na vida como ela é; em como transformar esse projeto


em algo factível. Também é um bom momento para pensar no
funcionamento da casa – por exemplo, como serão os
eletrodomésticos, os eletrônicos, a distribuição dos armários e dos móveis,
suas prateleiras e gavetas.

Na decoração, é importante perceber que a simplicidade pode ser uma


grande amiga, pois os excessos tendem a nos escravizar. Também é um
momento de consciência; de comprar algo novo só se estivermos
realmente precisando. A sensação nos chama a atenção para o aqui e o
agora. Já criamos, já imaginamos, já pesquisamos e nos instruímos, e
chegou a hora de lidar com a realidade. É também preciso pensar na
manutenção de tudo o que está largado pela casa, cuidar dos vazamentos,
verificar lâmpadas a serem trocadas, ter utilitários, talheres e ferramentas
sempre à mão e prontos para serem usados. Decoração também é
sinônimo de organização.

A simplicidade, porém, quando em excesso pode se tornar um ponto fraco,


acarretando falta de criatividade e uma certa avareza consigo mesmo. Uma
coisa é ser econômico, e essa qualidade é sempre bem-vinda; outra coisa é
viver sem conforto e qualidade de vida (Alexander, 2001).

Meu conselho: conecte-se à sua intuição, a sua função complementar, e


busque dentro de si a criatividade. A perenidade da casa deve ser
compensada com bons investimentos. Assim, justifica-se investir em
menos peças e de melhor qualidade, entendendo o dinheiro como
expressão do sagrado da matéria. Acima de tudo, você merece.

O elemento ar (oeste; pensamento)


É simbolicamente representado pela sabedoria extraída de tudo o que foi
vivenciado e pode ser comunicado e ensinado. A criança do sul quer
evoluir no oeste como designer de si mesmo. Agora, o norte torna-se o
ancião, aquele que encontrou sua alma e por meio dela vislumbra
horizontes, encontrando leis gerais para os fenômenos que observa
(Mantovani; Monteiro, 2022).

No design de interiores, é a hora de nos munirmos de planilhas,


memoriais, orçamentos e tudo o mais que traga segurança e visão futura.
Durante a implantação do projeto, errar é uma condição humana; persistir
no erro, uma autossabotagem. Assim como a chama é suportada pelo
pavio, a alma requer um corpo e uma mente atenta. Como designer de nós
mesmos, o caminho do meio é sempre a melhor escolha na ponderação
entre o que queremos e o que podemos ter .

Na decoração, é importante o discernimento entre o que é

efêmero e o que é funcional , entendendo que ambos são


necessários. É desse escaneamento do ambiente que surgirá a nossa
identidade, o que só na prática é possível alcançar. Se não arregaçou as
mangas até agora, está na hora de começar. O medo faz parte, e seguir
adiante é preciso.

O ponto fraco dos pensadores é preferir a bagunça e o acúmulo,


negligenciando a organização e a ordem. Quando decoram, são aqueles
que compram um objeto novo, mas se esquecem de tirar a etiqueta do
produto (Alexander, 2001).

Meu conselho: priorize tudo o que é prático . Isso é importante a


você, para que a decoração passe a fazer sentido.
[1] No âmbito da psicologia analítica de Carl G. Jung, “o self – também
denominado de si mesmo – é o centro organizador não só do inconsciente
(pessoal e coletivo) mas, também, de toda a psique” (Ramos, 2005, p. 196).
(N. E.)

[2] Esse termo tem origem no teatro grego antigo e significa máscara.
Segundo a psicologia analítica de Jung, é um “arquétipo associado ao
comportamento de contato com o mundo exterior necessário à adaptação
do indivíduo às exigências do meio social onde vive” (Ramos, 2005, p.
197). (N.E.)
Capítulo 6.

A experiência e o

pertencimento

[…] fazer uma experiência com algo significa que


algo nos acontece, nos alcança; que se apodera
de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando
falamos em “fazer” uma experiência, isso não
significa precisamente que nós a façamos
acontecer, ‘fazer’ significa aqui: sofrer, padecer,
tomar o que nos alcança receptivamente,
aceitar, à medida que nos submetemos a algo.
Fazer uma experiência quer dizer, portanto,
deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos
interpela, entrando e submetendo-nos a isso.
Podemos ser assim transformados por tais
experiências, de um dia para o outro ou no
transcurso do tempo.

Martin Heidegger, La esencia del habla

E se todas as supostas verdades que aprendemos sobre o mundo não forem


verdade? E se tivermos entendido tudo errado? Estamos sempre correndo
para chegar a algum lugar que não nos permite ver as nuances e a
delicadeza da vida. E se a cooperação, e não a competição, for a chave para
a sobrevivência? (Lipton, 2007).

Essa é uma reflexão importante e atual que nos convida a rever nossas
crenças, mesmo quando se contrapõem à realidade. É muito comum
ficarmos presos em nossas próprias perspectivas e acreditarmos que temos
todas as respostas, mas a verdade é que somos limitados pelo nosso

próprio ponto de vista , e, assim como acontece na vida,

acontece na casa : nos fixamos a tudo que está ali e vamos nos
engessando perante as experiências, até que deixamos de senti-las.

O que une os sentidos aos símbolos são as experiências, e isso significa


que, embora tenhamos a capacidade de nos apegarmos a algumas crenças e
à simbologia que ela nos representa a ponto de defendê-las como verdades
com unhas e dentes, as histórias que temos contado sobre nós mesmos – a
realidade e o nosso lugar nela – precisarão ser ressignificadas segundo uma
dimensão saudável da consciência. Para isso, precisaremos estar abertos a
questionar nossos valores e, sobretudo, dispostos a ressignificar nossa
história e nossa relação simbólica com o mundo, por meio de experiências
que proporcionem significados de amor, felicidade, solidariedade e
tranquilidade, entre outros, pois experienciar, antes de tudo, significa
mover-se, sair do lugar. Assim, a decoração não deverá ser pensada como
algo que vem a nós pacificamente, mas como uma conquista , algo a
ser buscado.

Nós somos parte do mundo, portanto somos cocriadores da evolução da


vida no mundo. Temos o livre-arbítrio de como construí-lo, e o sucesso
dessa construção dependerá das nossas escolhas. Essas, por sua vez,
dependerão da nossa consciência, e não da conta no banco ou do nosso
status perante um grupo.

A vida e a casa são alicerçadas por

nossas histórias

Pensar os ambientes da casa com base em um mundo que enalteceu uma


única dimensão da realidade pode ter feito de nós seres cultos e evoluídos
sob o ponto de vista racional. Essa unidimensionalidade, no entanto,
resultou em uma relação grosseira e impessoal com a casa. A consequência
desse relacionamento superficial é que ela se tornou apática, sem toque,
sem sabor, sem gosto, sem cheiro e sem som. Uma casa para ver, dormir,
comer e nada sentir. Na decoração, estilos, moda, gostos e achismos a
ocuparam, e, para compensar as experiências que ficaram contidas na
infância, nós passamos a encher a casa de adjetivos, e não de
envolvimento.

Parece-me que o nosso papel como designers de nós mesmos é reaprender


a aprender, fazendo, amando e sendo gentis com nós mesmos,
desenvolvendo essas qualidades essenciais. Para isso, nossas crenças e
nossos comportamentos em relação à realidade em que vivemos precisarão
ser reavaliados a fim de que um novo padrão de consciência emerja.

Daí o fato de muitos de nós, por vezes, sentirmos tédio com os objetos e
detalhes perfeitos dispostos em prateleiras. Em um primeiro momento,
eles nos empolgam e nos surpreendem por sua forma, sua cor e seu
acabamento, mas, levados para casa, perdem-se em meio a um vazio que
ali habita, tornando-se apenas mais um objeto. Essas fórmulas prontas,
calcadas no consumo, estão perdendo força, e eis que o nosso jeito de fazer
por meio da experiência precisa ser valorizado.

Que histórias temos criado?

No processo de aprendizado por meio do design de interiores, a


experiência é contínua, e sempre há mais possibilidades a descobrir e a
explorar. Quando aplicado à decoração de uma casa, isso significa que cada
objeto e cada ambiente escolhido pode ser uma oportunidade para
aprender mais sobre si mesmo, sobre si mesma, e se expressar de maneiras
únicas e significativas.

Diariamente, experienciamos a casa por meio do nosso corpo – as pernas


medem o comprimento e a largura dos ambientes; os olhos,
inconscientemente, projetam nosso corpo nas paredes, perambulando
sobre cada móvel e objeto, molduras e curvas, sentindo o tamanho dos
recuos e projeções. Esses são encontros que interagem com nossa
memória. Ao tocarmos algo, nosso peso encontra a massa do objeto
tocado, convidando-nos a mergulhar em nosso mundo interior para
acessar histórias, lembranças e sonhos (Pallasmaa, 2011).

Na decoração, nós nos experimentamos por meio da casa, para que ela
possa existir a partir da experiência estético-corporal. Assim, nossa

casa e nosso corpo se complementam e se definem, ampliando


nosso imaginário, trazendo à tona memórias que serão acolhidas e
exploradas dentro dos ambientes.

Assim, a decoração deve ser pensada como uma extensão da natureza,


fornecendo as bases para a percepção e o horizonte para a experimentação
de um encontro que funde volumes, superfícies, texturas e cores, até
mesmo os aromas e sons, em uma cascata de associações. A decoração não
mais poderá ser tratada como uma coletânea de imagens, objetos e moveis
aleatórios, criada baseando-se em uma arquitetura muitas vezes pensada
para nos isolar do restante do mundo. Muito pelo contrário, o design de
interiores deverá ser pensado para auxiliar e direcionar a horizontes mais
amplos, nos quais espaço, matéria e tempo se fundirão em uma dimensão
única: a dimensão do tempo vivido, em que abundam experiências
afetivas.

Toda experiência afetiva é

multissensorial
Para que ocorra o aprendizado estético, juntam-se as experiências que
temos nos processos de escolha e definição de materiais e a cognição que,
tendo a percepção e os órgãos dos sentidos como mediadores, organiza,
armazena e faz o conhecimento acontecer e se ampliar por meio de novas
experiências sensoriais a partir da nossa interação com o espaço e tudo à
sua volta.

Será por meio do processo cognitivo que conseguiremos desenvolver


capacidades intelectuais e emocionais relacionadas ao aprendizado da
nossa linguagem estética, influenciando nossa forma de pensar,
memorizar, raciocinar, compreender e perceber a casa no processo da
decoração.

É esse todo que complementa o nosso eu, de modo a formar nossa própria
identidade estética. Ou seja, a cada um de nós é conferido um poder de
escolha simbólica, demandado por nossas necessidades, nossa vontade,
nossos sentimentos e nosso conhecimento. Quando esses sentimentos não
estão alinhados com aquilo que de fato pode nos individualizar, é gerada
uma leitura equivocada da casa, a qual passa a não nos representar.

O que os estudos em neurociência têm apontado é que, por meio da


cognição, tanto a construção de um ambiente quanto o seu projeto são
muito mais importantes do que podemos imaginar. Nossas casas são como
espelhos que nos mostram o mundo que criamos. Por meio do que
observamos à nossa volta, ilustram-se claramente as maneiras de refazer
nossos mundos, para que sejamos menos mortíferos e mais vivos perante
nosso próprio corpo, nossa mente e nossos semelhantes. Assim, a
aplicação e o uso do design de interiores tornam-se uma poderosa
ferramenta transformadora da vida (Goldhagen, 2017).

ê
Experiência ambivalente

Quando os ambientes decorados falam algo sobre nós, eles o fazem de


diversas formas, criando associações e despertando lembranças. A
experiência é ambivalente, acontecendo ao mesmo tempo com o ambiente
e em nosso interior, em um processo complexo e multifacetado.

Diariamente, quando nos lançamos ao mundo em busca de aventuras,


reconhecemo-nos simbolicamente pelos objetos e pelas histórias
vivenciadas, criando aprendizados e, a partir deles, novas consciências. Ao
final dessa aventura, ao voltarmos para casa, nela simbolizamos, por meio
da arrumação e da decoração, esse encontro com a vida.

Contemplamos, tocamos, ouvimos e medimos o mundo com toda a nossa


existência corporal; o mundo que experimentamos se torna organizado e
articulado a partir do nosso corpo, por meio de nossas memórias e nossa
identidade. Um caminho de ida que se complementa com o de volta, e em
meio a esse fluxo se apresenta a casa, eixo que articula o mundo, o

homem e a sua alma .

A designer de interiores Ilse Crawford (2000) defende que uma boa


decoração é sempre muito mais do que a forma pela qual as coisas parecem
distribuídas no espaço. Trata-se de ter certeza da importância da
experiência humana, do exercício do prazer interior em busca do amor, da
felicidade e do bem-estar, tornando a vida mais criativa.

Por meio das experiências é que a casa deixa de ser um espaço físico para
se constituir em um espaço de encontro simbólico com valores genuínos,
transcendendo a geometria e a mensurabilidade.
Para Roberto Crema (2018), todo encontro é o pressuposto de cuidado,
integração e harmonia entre os opostos, e o cuidado com a casa passa a
representar esse encontro entre a viagem e a chegada, o descanso e o
movimento, o sagrado e o mundano, o público e o íntimo, o familiar e o
comunitário, dentro e fora, lazer e trabalho, feminino e masculino,
coração e mente, ser e tornar-se, um lugar ideal, onde nascem e se
enraízam os princípios da cooperação, da regeneração e da nutrição.

O designer que habita em nós

Ao assumirmos nosso impulso criativo como designers de nós mesmos e


nos envolvermos com o trabalho, seja buscando um projeto de design de
interiores, seja escolhendo acabamentos, seja restaurando ou reciclando
um móvel para a casa, sentiremos a liberdade de nos conectarmos
profundamente com aquilo que estamos criando. Não importa a extensão
do movimento feito, e sim a sua qualidade.

Ser designer significa ser curioso e investigativo, aprendendo a lidar

com o medo, a ambiguidade e a incerteza como principais


desafios, que de certa forma estão se tornando cada vez menos desafiadores
como consequência de toda a informação disponível na internet.

Esse designer que habita em nós se envolve no trabalho, em si e por si


mesmo. A satisfação e o envolvimento com a decoração da casa
transformam-se em recompensa emocional e contentamento interior. É
dessa forma que o trabalho realizado vai ganhando alma, pelo conjunto de
experiências que passam a ser uma realidade personalizada, refletindo a
estética e a ética de quem vive ali.

Começamos fazendo esboços, depois traçamos


um desenho e em seguida fazemos um modelo,
para então chegar à realidade – vamos ao
espaço em questão, voltando mais uma vez ao
desenho e à concretização e de volta novamente
ao desenho (Sennett, 2009, p. 52).
Uma vez que a experiência é, em primeiro lugar, um encontro, é preciso
dar tempo e atenção aos sentidos para que eles expressem seus
significados, pois o processo de decorar a casa deve ter o seu próprio
timing. Ao darmos tempo para que nossas ações se instalem e surtam
efeitos, ocorre um intercâmbio curioso no qual imprimimos nossas
emoções por meio da decoração, a fim de que a casa imprima, em nós, sua
autoridade e sua alma. Quando menos percebemos, em determinado
momento nos encontramos na casa.

No âmbito do design de interiores, o fazer ocorre por camadas, por temas


e potenciais a serem trabalhados. Com essa forma hierárquica e sequencial,
é possível perceber gradativamente como essas ações mudam a nossa vida
à medida que interagimos com o espaço.

As camadas são representadas por seis elementos ambientais que


influem nas experiências com a casa, experiências essas que constituem o
aprendizado por meio do design de interiores. Os seis elementos
ambientais são espaço, luz, textura, cor, som e aroma (Cavalcante; Elali,
2011).

Espaço
O espaço será a base da qual partiremos para a nossa busca

estética . Ele se mostra ambivalente na medida em que pode agir sobre


nós como agente estimulador e/ou repressor, variando de indivíduo para
indivíduo conforme a constituição, o sistema de crenças e o humor.

Podemos observar e sentir o espaço com base em sua forma e suas escalas,
mas também por seus reflexos, texturas e cores e pela passagem do tempo.
Por sua vez, o modo como nos colocamos e interagimos com o espaço é
influenciado por diversos fatores, como cultura, experiências de vida e
personalidade. Esses são os motivos que fazem do espaço da casa um ponto
central em nossa vida, pois é o local onde podemos nos expressar pela
maneira como o organizamos e decoramos. O espaço é o vazio; caberão, a
quem for preenchê-lo, o discernimento e a ponderação.

Ao nascermos, chegamos ao mundo abrindo os olhos, sensibilizados pela


luz, e, da mesma forma, quero acreditar que estamos abrindo os olhos e a
mente para a construção de uma casa decorada, que guarda em seu
simbolismo a ideia de renascimento para uma nova consciência, na qual a
geometria da natureza que existe no inconsciente poderá agora ser
refletida na geometria de cada ambiente, a fim de que lar e prazer interior
se transformem em uma construção indissociável entre o ser e o estar
pelas mãos do designer interior.
Luz
Em qualquer ambiente, a luz pode ser direta, indireta ou difusa .
No caso da luz solar, ela é muito importante para nós, regulando as
funções fisiológicas, como o ciclo circadiano, a absorção de cálcio, o
crescimento corporal e a imunidade. Ela também projeta sombras fortes e
oferece contrastes de vários portes no matiz e na temperatura, podendo,
inclusive, ofuscar ao incidir diretamente no espaço através de uma janela.

A luz indireta reflete-se como um ricochetear de superfícies, dentro ou


fora dos ambientes, podendo interferir na quantidade e na qualidade das
cores e, consequentemente, no resultado de um ambiente.

A luz difusa, ao atravessar barreiras como persianas, cortinas, painéis,


tijolos de vidro, etc., cria uma variação de efeitos que confere texturas,
cores e formas as quais propiciam efeitos infinitos e prazerosos ao olhar.

No design de interiores, a luz também pode ser provocada por meio do


fogo, evocando sua origem mais primitiva. Seja artificial, seja natural, a luz
faz emergir imagens da memória, das fantasias e dos sonhos, permitindo-
nos acessar um segmento de saberes e surpresas sensoriais – segurança,
êxtase, tranquilidade, romantismo, calor emocional, físico e psíquico.
Além disso, serve para cozinhar, aquecer e promover o convívio, de
diversas maneiras.

A luz toma o espaço e o modela , fazendo-nos perceber as novas


dimensões em cada ambiente da casa. Ela também nos convida a entrar em
contato com a dimensão da escuridão e, junto dela, com a intimidade e seu
potente poder de introspecção e regeneração, que ficou reduzido às poucas
horas de sono e aos fugazes encontros entre os amantes. Entre tantos
aprendizados que emergem, o convívio com a sombra e a escuridão
tornou-se desafiador em um mundo que se organiza para ser cada vez mais
iluminado. A sombra e a escuridão reduzem a precisão da visão, deixando
que a profundidade e a distância se tornem ambíguas, ativando nossa
imaginação e nossa fantasia.

Biologicamente, a luz e a escuridão são essenciais para a saúde; já sabemos


que algumas glândulas são ativadas sob seus efeitos. O nascer e o pôr do sol
nos mostram uma vida em ciclos, ensinando-nos que os opostos são
complementares. Além disso, elas nos educam para lidarmos com as
adversidades e encontrar equilíbrio entre os antagônicos. O branco e o
preto, o macio e o áspero, o liso e o rugoso, o artesanal e o industrial,
entre outros exemplos, passam a conviver lado a lado, revelando uma
conexão sedutora, prazerosa e integrada.

Na prática, ao explorar o uso da luz e de suas variações na decoração,


passamos a enxergar a casa nas suas camadas e na profundidade dos seus
limites. Nessa paleta de intensidades, somos convidados a explorá-la com o
nosso corpo, que se ajusta e se modela a cada instante, estimulando a nossa
sensualidade, para que possamos pensar de uma forma mais criativa e
menos pragmática.

Devo confessar que, mesmo depois de anos trabalhando como designer de


interiores, ainda me emociono todas as vezes que as luzes se acendem,
revelando cada detalhe do que ali está. Iluminar já não é uma questão de
substituir o sol de modo que o dia se estenda noite afora, mas de
controlar a intensidade da luz para dar forma e vida aos

sonhos e aos objetos.


Textura
As texturas referem-se à maneira pela qual estão arranjadas as partículas
que compõem os materiais, afetando a aparência e a sensação que
experimentamos. Quando bem trabalhadas, podem gerar es
­ tímulos
positivos , reduzir o estresse e promover sensações de segurança e bem-
estar.

Tudo no mundo da produção em massa tem sido construído com linhas,


círculos, curvas, retângulos e triângulos bem-acabados, em contraponto às
formas e aos modelos na natureza, que é composta por formas e texturas
irregulares, como o granulado, o enovelado, o craquelado, o delgado, o
enrugado, etc.

Não é à toa que a indústria da construção civil esteja investindo em


tecnologia, não apenas para se apropriar das referências da natureza com
intuito da criação de objetos e revestimentos, como também para elaborar
produtos que reproduzam a própria geometria fractal. Isso porque as
texturas inspiradas na natureza e na mão de obra

artesanal têm o poder mágico de “encantar” , como a terra, a


areia, a pedra, o tijolo, a madeira, o concreto e a metamorfose da cor
desgastada pelo tempo. Esses elementos chamam a atenção e despertam
a sensorialidade , provocando sentimentos transcendentes que
remetem ao mais sutil dos mundos. São materiais artísticos que ativam
ideias e sensações, bem como o experimentar, o imaginar, o expressar-se,
o olhar, o mexer, o fazer e o relacionar-se com o mundo.

As texturas naturais são espontâneas e facilmente coexistem com o


restante ao seu redor. Elas não precisam de documentação de origem,
assinatura, reafirmação de seu status nem validação do mercado cultural.
Elas simplesmente são e, na sua presença, nos convidam a ser.

Esses materiais nos emocionam, na medida em que nos fazem resgatar os


aspectos simbólicos da natureza que somos. Somos claro e escuro, sol e
lua, aspereza e lisura. Os materiais naturais trazem de volta o equilíbrio à
arte de viver, pois permitem que a visão penetre em sua superfície,
trazendo cura aos nossos olhos ao nos convencer da sua veracidade para
nos contar sobre a nossa própria origem e a história humana através dos
tempos.

Ao entrarmos em contato com essa realidade mais flexível e natural,


chegamos a um mundo mais orgânico e enriquecedor, em que o tempo já
não nos foge.

Cor
Estamos acostumados a ver a cor de forma plana. Mas a cor, com suas
características de tonalidade, brilho e intensidade, é outro caso. Ela é
formada pela luz e se tornou um importante recurso no design de
interiores em razão de seu alto poder de influência sobre a nossa
percepção, constituindo-se em um rico material simbólico e

representativo das nossas emoções . Entretanto, o erro mais


comum no uso da cor nos ambientes é não respeitar a hierarquia das
camadas que a antecedem, ou seja, ignorar o espaço, a luz e as texturas.

Vários autores já escreveram sobre as cores, e existem inúmeros estudos a


seu respeito. As interpretações de significados associados a elas podem
variar tanto na cultura universal quanto de pessoa para pessoa. Enquanto a
luz é, de certa forma, uma experiência mais passiva, a cor por ela revelada
pode ser vista como uma atitude mais ativa de interferir na decoração.

As cores variam de tonalidade entre o dia e a noite, ou seja, não são as


mesmas sob o sol ou quando passa uma nuvem no céu. Elas mudam o
tempo todo, variando de intensidade de acordo com nossas
movimentações pela casa.

Quando experienciadas sensorialmente, funcionam como um filtro, uma


forma de olhar o mundo através de cada cor. Elas nos personificam,
estabelecendo uma conexão com aquilo que queremos que entre em nossa
vida, tornando-se matéria-prima fundamental para uma decoração que
busca a afetividade. Assim, a pintura não se resume a uma escolha de cor,
mas a um ritual de preparo e receptividade para a mudança que ali
ocorrerá.

Som
Toda escuta é uma resposta a uma busca e nos exige atenção. Escutar
requer tempo, discernimento e aprofundamento. A escuta pode nos
conectar com a consciência divina por meio dos sons da natureza, dos sons
da intimidade, da presença das plantas, dos materiais que se dilatam e se
retraem conforme a mudança da temperatura.

A experiência auditiva mais fundamental a ser criada na decoração da casa


é a tranquilidade e o silêncio . Ela foca nossa própria existência,
permitindo que nos conectemos com nossa essência mais profunda,
tornando-nos reflexivos de nossa solidão original.

Aroma
Quando a nossa casa nos fala, ela o faz usando citações – isto é, fazendo
associações, despertando lembranças e fazendo referências a histórias que
estão enraizadas em nós. É como ser remetido a alguma situação
vivenciada e a tantas outras situações a partir dela. Pode vir do cheiro da
cera, do couro que reveste uma poltrona, do aroma de café que aciona
nossa memória gustativa, fazendo que brotem lembranças dos ângulos
formados pelas paredes, pelo piso e pelo teto de um ambiente. Uma
tradição silenciosa, passada de geração para geração.

A experiência não é o que acontece,

mas o que nos acontece

Essas experiências, aparentemente banais, representam a nossa


necessidade criativa para transformar o invisível em visível, mostrando-
nos que, enquanto a vida é empírica e por vezes parece desgovernada e
sem controle, viver passa a ser um ciclo evolutivo que nos organiza de
dentro para fora; é buscar conhecer o visível a partir do invisível,
resultando em um processo de conhecimento e crescimento e um ganho
da consciência em si.
Se a experiência não é o que acontece, mas o
que nos acontece, duas pessoas, ainda que
enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem
a mesma experiência. O acontecimento é
comum, mas a experiência é para cada qual sua,
singular e de alguma maneira impossível de ser
repetida (Bondía, 2002, p. 27).
Certa noite, fui recebido pela Doris e pelo Alcir, que formavam um casal
cuja demanda principal vinha do desejo dela de presenteá-lo com uma
adega. Alcir, por sua vez, estava tão ansioso com o presente que pouco lhe
importava a decoração do restante da casa, contanto que ele estivesse
acompanhado por seus charutos e vinhos.

É engraçado, pois, por mais que as pessoas estejam certas do que desejam,
os ambientes – por meio de seus ritmos, suas rotinas e tudo o que está
distribuído neles – dizem o contrário. Era o caso naquela noite, e minha
intuição me deixou em estado de alerta. Embora aos poucos as ideias
fossem convergindo para a criação de um espaço fechado, climatizado e
exclusivamente destinado aos vinhos e aos charutos, algo dentro de mim
sinalizava o contrário.

Nossa reunião ocorria próximo à hora do jantar, e, pouco a pouco, éramos


interrompidos pelos filhos que saíam dos seus quartos ou chegavam da rua
e passavam por mim seguindo para a sala de refeições. Como em um piscar
de olhos, eu me vi cercado pelo pré-adolescente, pela garota vestibulanda e
por um recém-advogado. Descobri que outros ali moravam. Era uma casa
alegre e movimentada, e, diante de tantos encontros, entendi que se
tratava de uma família grande. Sob o mesmo teto habitavam os filhos dele,
os filhos dela e o filho deles.

Em poucos minutos, tudo o que havia sido conversado para o projeto da


tal adega caiu por terra. Ao saber sobre os filhos e os fluxos naquela
residência, percebi que aquele pai ficava pouquíssimo tempo em casa, logo
não fazia o menor sentido, nas poucas horas de descanso, confiná-lo no ar-
condicionado entre charutos e garrafas.

Aprofundando um pouco mais a conversa, descobri que o desejo por um


espaço de adega que fosse privado era fruto das propagandas e do
modismo que, com imagens, vendiam essa solução como a ideal.

Foi a partir desse encontro que emergiu um novo pensamento de projetar


a casa. Tirei partido da criatividade, utilizando os móveis, as cores e as
texturas para integrar seus moradores. Para aqueles que vestiam terno,
escolhi tecidos listrados em tons de ocre que lembravam alfaiataria; para os
românticos, tecidos florais com bordados suaves em tons de rosa; para os
baladeiros, pequenos toques de prata envelhecida. Em relação aos móveis,
adotou-se um mix de peças de design moderno, que já pertenciam ao
acervo da família, integradas a itens novos e usados, comprados em lojas
de modernariato, também conhecidos na decoração como peças vintage.

Em vez de se erguerem paredes e segregar os ambientes, as poucas paredes


que havia ali foram demolidas, surgindo a ideia de uma adega integrada à
área social, e aquele espaço inicialmente destinado a apenas uma pessoa
tornou-se um ponto de encontro e celebração entre as diversas gerações
que habitavam sob um mesmo teto.
Somente anos mais tarde relacionei esse estilo de decorar com as minhas
vivências quando criança, em torno da mesa da cozinha da tia Etelvina, na
qual as cadeiras se misturavam, diferentes umas das outras. Propor essa
mesma organização foi uma proposta transgressora às regras da decoração
que naquela época valorizavam a simetria e a rigidez das formas e dos
volumes. Diante daquela família, descobri que as regras da decoração não
faziam sentido, pois, em vez de integrar as gerações que ali habitavam,
acabariam por segregá-las.
Capítulo 7.

A criatividade e a

reciprocidade

O trabalho criativo exige uma identificação


corporal e mental, empatia e compaixão.

Juhani Pallasmaa, Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos

A criatividade sempre me fascinou, afinal, como é que do nada uma ideia


pode nos saltar do inconsciente em determinado momento? Por quê, ao
decorarmos nossa casa, podemos sentir tanto prazer com as ideias que nos
surgem? Por exemplo, o entusiasmo que experimentamos quando as
paredes são cobertas por cores, quando as luzes se acendem, quando
sentimos odores, quando nos reconhecemos diante de uma obra de arte e
decidimos levá-la para casa, quando passamos a tarde inteira lixando um
móvel velho para ressignificá-lo. Porém, antes de mergulharmos na
criatividade, é necessário explorar o contexto em que ela está inserida.
Idolatrada por muitos, altamente valorizada no mercado de trabalho e, ao
mesmo tempo, misteriosa para a grande maioria por causa de seu caráter
extremamente prático que a todo momento nos convoca para a ação, a

criatividade é uma reação emocional à realidade , sempre se


manifestando em direção a uma construção estética, orgânica e
harmoniosa. Se no passado foi restringida aos temas que tratavam das
manifestações artísticas, no mundo digital ela se tornou uma poderosa
ferramenta relacionada à adaptação e à sobrevivência da espécie. E, para
entendermos sua importância na construção da casa como reflexo de uma
nova realidade, precisaremos, antes de tudo, olhar para a realidade.

Estamos vivendo o fim de uma época, e a nova era ainda está em


formação. Tudo à nossa volta é prova disso: a aceleração do tempo pela
tecnologia, a extinção de muitas profissões, o aflorar de novas
possibilidade até então nunca imaginadas, as mudanças em quase todos os
aspectos da vida. Além de tudo isso, os problemas ambientais e a violência,
que alcançam patamares cada vez mais desafiadores. Há de haver coragem
para viver nesse mundo (May, 1982).

Diante dessa realidade, nós podemos escolher nos abstrair em fuga,


mergulhados em nossos celulares, apáticos, “empurrando com a barriga” a
oportunidade de participar da formação de um novo mundo, mais justo,
sustentável e seguro. Ou será que devemos lançar mão de toda a coragem
necessária para preservar nossos sentimentos, nossa consciência e nossa
responsabilidade, fazendo mudanças ao nosso redor, em busca de uma
nova realidade?

Quero acreditar que, nesse cenário de mudanças profundas, estamos sendo


convidados a realizar algo, a penetrar em um mundo novo, ainda sem
fórmulas, municiados apenas pelo que somos, e, para que essa mudança
ocorra com sucesso, uma coisa se faz necessária: reconhecer o imenso e
potente mistério do amor.

O amor gera uma energia criativa benigna, resultando em grandes


benefícios para nossa saúde mental e nosso bem-estar. Quando essa
necessidade é pervertida ou frustrada, surgem as dificuldades em nossa
vida emocional.

Para combater essas dificuldades emocionais e fortalecermos nossa


essência, precisaremos aprender a expressar nossas ideias originais
criativamente, dando ouvidos ao nosso designer interior, caso contrário
mais uma vez trairemos a nós mesmos por não contribuir para os aspectos
da natureza que nos habitam.

Isso significará darmos um salto para o desconhecido, exigindo-nos muita


coragem, principalmente a coragem de exercitar nossa capacidade de
seguir em frente, apesar do medo.

A dimensão das coisas criadas

A principal ferramenta dessa coragem, quando associada ao amor, é a


criatividade, que nasce do nosso interior, proveniente de um desejo de
busca por significado pela vida. Quando nos abrimos para histórias que
sejam alicerçadas por estados positivos de consciência, é natural que novas
simbologias se tornem conscientes em nós, e será dessa atenção aos nossos
sentimentos que o campo do amor se manifestará.
Nesse contexto, faz sentido dizer que a decoração da casa não deve ser
almejada como um objetivo a ser alcançado, pois nesse caso, ao chegar ao
final, a casa tenderia a se tornar estática e predestinada a ficar parada em
seu tempo. A busca dessa construção pela identidade estética deve partir
do princípio de que, assim como a vida, a casa é dinâmica e deverá ser
pensada para se adequar a cada vivência ao longo da vida, sendo nutrida
por nosso investimento emocional, visto que buscamos, por meio do
design de interiores, construir conhecimento para dar vazão às nossas
satisfações e aos desejos por prazer, conforto, segurança e
autoconhecimento.

No campo da experiência, a criatividade forma uma ­tríade com

os sentidos e os símbolos , e os três juntos, por uma regra básica da


geometria espacial, definirão um plano de atuação. Esse plano trabalhará
transformando em realidade nossas subjetividades, de início na mente (na
qual as imagens e ideias que surgem poderão ser questionadas,
amadurecidas e lapidadas), para, em um momento seguinte, tornarem-se
factíveis e reais.

Todos nós costumamos ser muitas coisas ao longo do tempo, construindo


uma diversidade interna. Nesse contexto, a casa, ao lidar com a dimensão
do tempo, chama a atenção para a impermanência do nosso ser frente à
dimensão do espaço, que guarda a função de dar limite e nos conter. O que
os une é a criatividade, que integra a ambos para se manifestar no tempo
presente.

Na casa, as dimensões do espaço podem ser comprimento, largura e


altura – ou, quem sabe, comprimento, largura, altura, espessura e
circunferência.
Já a dimensão do tempo se desenvolveu de maneira linear,
envolvendo-nos em um processo de fazer sem limites, de busca pela
produtividade a qualquer preço, deixando que tudo ao nosso redor vá
ficando perdido, solto e sem sentido. Nessa dimensão, embora as horas
sirvam para nos indicar inícios, intervalos e términos, não existem
conclusões nem fechamentos, pois mal terminamos uma tarefa e já
estamos envolvidos em outra, faltando-nos a conexão com o prazer e o
amor frente às nossas ações. Na decoração, a dimensão do tempo atua
supervalorizando as regras, as normas, os códigos e as técnicas, porém,
como vimos, esses fatores não dão vazão aos nossos aspectos emocionais.
Nessa casa feita pelas rígidas regras do tempo, dispersamo-nos de quem
somos e até podemos adoecer.

Mas na casa há também outra dimensão a ser explorada, a dimensão das

coisas criadas , a dimensão da vibração, na qual nada se encontra


parado e tudo se movimenta, vibra e se manifesta em ciclos: entre o dia e a
noite, nas fases da lua, nas mudanças que ocorrem entre as estações do ano
e nos encontros que ocorrem entre o nascer e o morrer. Essa é uma
dimensão mais rica a ser explorada, na medida em que não dá ênfase aos
acontecimentos que vêm do mundo externo a nós, permitindo-nos viver
as nuances de quem somos por meio de nosso corpo e na presença da
nossa casa.

A dimensão das coisas criadas envolve nossa interação criativa com

a casa , conectando-nos com os ambientes em um nível profundo e


significativo. De início, essa dimensão pode parecer estranha e
incompreensível, uma vez que não estamos acostumados a nos relacionar
com o nosso lado sutil. Ela está relacionada com a imaginação, com
sentimentos e com acontecimentos afetivos que nos elevam. Em razão
disso, tem uma força própria que age a partir do nosso interior,
manifestando-se de maneira cíclica tendo nosso corpo como centro. Por
meio dela, nosso movimento no espaço torna-se amplo e mais consciente.

Na dimensão do tempo vivemos entre o passado e o futuro, como


espectadores. Na dimensão das coisas criadas, como o próprio nome já diz,
somos criadores em tempo presente, e os movimentos partem do eixo do
nosso corpo. O à frente e o atrás; o à direita e o à esquerda; o abaixo, que
nos interioriza, e o acima, que nos convida a expandir e a transcender.
Lembrando que, a qualquer momento, podemos nos virar e voltar a um
ponto arbitrário, mudando as definições de à frente e atrás, à direita e à
esquerda, abaixo e acima.

Nessa dimensão existem começo, fim e recomeço.

Nós vivemos em função dos rituais e seus ciclos: há fases em que não
conseguimos ver nada fora do lugar, assim como existem fases nas quais
queremos saber de nada. Há fases nas quais ativamos nossa capacidade de
decorar a casa, ler seus símbolos e organizá-la, e há momentos em que não
queremos nada disso. Na dimensão das coisas criadas, aceitam-se e se
equilibram essas experiências totalmente paradoxais, mas que fazem parte
de uma mesma vida. Há conclusões, ou seja, aquilo que não deu para fazer
dessa vez pode ser feito mais adiante. É possível planejar, sonhar e
imaginar, e nada precisa ser finalizado antes de ser aperfeiçoado ou mesmo
transformado, pois existe um fio condutor a nosso favor e que nos permite
aprender com as falhas, utilizando as experiências para nos tornarmos
mais fortes, sábios e experientes.

ã é ã
Decoração periférica e decoração

interiorizada

Na dimensão das coisas criadas, existem dois níveis de decoração: uma,


que chamo de periférica, e outra, que denomino interiorizada. A
decoração periférica, como o nome sugere, é mais superficial. Sofre grande
influência do tempo e surge da nossa consciência intelectual, como fruto
da necessidade por nos diferenciarmos e sermos notados. É um tipo de
decoração que, apesar do nome, não é necessariamente vivenciada como
negativa. Pelo contrário: é frequentemente prazeroso criar sob sua
influência. Na maioria dos casos, ela está relacionada ao primeiro contato
que temos com a decoração, quando decidimos sair em busca das
informações que estão disponíveis no mercado sobre o que significa uma
casa decorada.

Seu aspecto negativo é o fato de trabalhar na linha do tempo,


considerando início, meio e fim. Espera por reconhecimento e apoio dos
outros e, portanto, alimenta-se do medo de não os receber. Por necessitar
de gratificação imediata, pode ser caprichosa e ditatorial, levando em
consideração apenas o aspecto estético-visual, e não os processos e
envolvimentos oriundos da essência de quem a cria.

Como em tudo que é superficial, seus símbolos tendem a se tornar fracos,


não gerando energia suficiente para nos nutrir emocionalmente. A solução
para aqueles que se veem em meio a esse processo é o discernimento. Para
descobrirmos qual caminho seguir, será preciso ter uma atitude honesta e
atenta, além de um cuidadoso raciocínio. Simplesmente, olhar para os
motivos pelos quais decidimos decorar e ver se a principal força
propulsora em nós é o genuíno amor.

Aqueles que se descobrem sob a força propulsora do amor e resolvem


seguir nesse processo de autoconhecimento, em um determinado
momento, permeados por descobertas, aprendizados e insights, notarão a
persona do designer que habita em nós, que se manifestará os estimulando
a trabalhar as próprias ideias, significando que a decoração periférica
passou a se retroalimentar pelo amor, pelas histórias e por seus símbolos,
levando a caminhos para uma decoração mais interiorizada.

Quando interiorizada, a decoração torna-se mais afetiva e perene, e menos


distorcida pela influência externa. Assim, ela permite que nos
identifiquemos com as novidades tecnológicas, as tendências, os modismos
e as soluções que o mercado nos apresenta sem que sejamos subjugados
pelo desejo do consumo. Tudo passa a ser informação, e não obrigação.
Por nem sempre depender de respostas que venham do ambiente externo
e não se apoiar no reconhecimento de outras pessoas, esse tipo de
decoração é desafiante e autogerador, pois, embora exista a presença do
medo, da insegurança e da ambiguidade, que a todo momento tentam nos
colocar limites frente às informações novas que surgem, a criatividade
vem do nosso interior como um ato de coragem, tirando-nos da inércia e
nos levando à ação.

É um tipo de decoração que tende a nos libertar, pois cada escolha nos
direciona a um caminho novo que envolve e colabora com os próximos
passos do projeto, estendendo-se corajosamente para o encontro
surpreendente que o desconhecido nos traz.
É valioso reconhecer que os dois modelos – o periférico e o interiorizado –
coexistem em nós, alternadamente, em diferentes proporções. Além disso,
para alguns, o simples fato de aprender a decorar, mesmo que
superficialmente em um primeiro momento, pode ser uma preciosa
conquista. O engano será estagnar nesse modo de criar a decoração.

Entretanto, seria um erro enorme estabelecer uma dualidade entre uma


forma de criar a decoração e a outra. Primeiro, porque no mundo digital
nenhuma maneira de pensar ou trabalhar pode ser fechada e conclusiva.
Estamos em tempos nos quais tudo passou a ser questionável, reflexivo,
mutável e infinito, e não é possível restringir a criatividade e a decoração a
apenas duas formas. Mesmo a decoração periférica não pode ser
interpretada como oposta à interiorizada, pois, ao nos entendermos como
seres reflexivos, por vezes vivemos a decoração periférica – ou seja, a
superficial – como etapa de um desenvolvimento maior, para então tomar
a consciência e migrar para outra forma de pensá-la.

Desse modo, é mais realístico e “pé no chão” olhar para a ­d ecoração

superficial como a criatividade em processo de expansão e


refinamento de si mesma; perceber como ela pode ser, algumas vezes,
extraordinariamente bonita, evocando deslumbrantes fogos de artifício de
emoção dentro de nós. Como é o caso de quando visitamos mostras de
decoração, lojas, blogs e exposições, ou mesmo quando visitamos a casa
dos outros. Como uma matrix, mergulhamos em um oceano de beleza
visual, em que buscamos referências e emoções para analisar e amadurecer
suas possibilidades até cairmos em nossa própria realidade e praticarmos
uma decoração mais centrada naquilo que somos, absorvendo e adequando
as ideias e os insights gerados por cada mergulho.

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Criar o mundo é também criar-se

e recriar-se continuamente

Em suas manifestações, a decoração, quando interiorizada, torna-se o


alicerce que suporta e torna reais todas as outras virtudes e todos os
valores do design de interiores, pois olha ao mesmo tempo para a
integralidade do ambiente, para o objeto criado e o seu criador.

Nesse exercício da criatividade, entramos em contato com uma


inteligência estética que nos ajuda a olhar o passado revisitando nossas
histórias, para a partir de então criar um futuro preenchido de coragem. A
coragem de sermos nós mesmos, ressignificando nossos valores, nossas
crenças e nosso propósito com atenção ao tempo presente.

A palavra coragem tem a mesma raiz que a


palavra francesa cœur, que significa coração.
Assim como o coração irriga braços, pernas e
cérebro fazendo funcionar todos os outros
órgãos, a coragem torna possíveis todas as
virtudes psicológicas. Sem ela os outros valores
fenecem, transformando-se em arremedo de
virtude (May, 1982, p. 62).
Para isso, precisaremos de um novo tipo de coragem, que expresse nossas
escolhas com base não em símbolos de violência, inveja, competição e
poder, mas de abundância, liberdade, harmonia, diversão, surpresa,
transcendência, celebração e renovação (Lee, 2021). Uma coragem em que
o uso do corpo seja sinônimo de cultivo da sensibilidade, desenvolvendo a
capacidade de utilizarmos os sentidos de maneira integrada, para deixar de
criar ambientes munidos de sedução visual e passarmos a projetar
significados do que nos é essencial, como os afetos.

Para que o design de interiores tenha um papel de cura em nossa vida, será
preciso conscientizar-se de que cada escolha que fizermos para a decoração
da casa vibrará a simbologia daquilo que somos e em que acreditamos.
Para tal, precisaremos reaprender a explorar essa intimidade sensorial com
base em novas fronteiras cognitivas, a serem experimentadas pelo viés da
criatividade e da reciprocidade afetiva.

Afetividade e criatividade trabalharão juntas, deixando vir à tona


aprendizados que por vezes os sentidos por si só não podem alcançar,
corrigindo-os, melhorando-os e adaptando-os, transformando os

erros em acertos, filtrando as ilusões , ensinando-nos a proceder


com mais cuidado para alcançar realidades mais sólidas, que nos
estruturem e nos expandam.

À medida que desenvolvemos nossas habilidades ­


c riativas,

também estamos nos desenvolvendo como ­indivíduos . Cada


novo insight, cada criação, cada novo projeto nos quais nos envolvemos
nos permitem explorar diferentes aspectos, trazendo à luz habilidades e
limitações que nos ensinam com nossos erros e sucessos. Por meio desse
processo de criação, também somos capazes de nos recriarmos,
transformando-nos em versões melhores e mais completas de nós
mesmos.
Mas de onde surge essa tal

criatividade?

Segundo o pediatra e psicanalista Donald Woods Winnicott (2005),


quando nascemos e ainda bebês, nossa compreensão do mundo não vai
além da relação com a nossa mãe, com quem havia nove meses já nos
relacionávamos integralmente, dentro de uma zona de conforto e
dependência total. Assim que nascemos, logo nas primeiras fases do
desenvolvimento, sentimos a face da nossa mãe como uma projeção da
nossa própria face. Com essa identificação, nosso corpo se organiza em
relação a como a nossa mãe nos percebe, estabelecendo-se uma
experiência afetivo-existencial entre a mãe e o bebê.

A partir dessa simbiose, em que mãe e bebê são unos em estado de amor,
nosso primeiro ato criativo passa a ser simbolizado pela mama materna,
que surge à nossa frente pela experiência daquilo que nos é ofertado.
Paradoxalmente, cria-se em nós a ilusão de que esse peito faz parte de nós,
em uma experiência que une ficção, ilusão, construção e realidade, de
modo que, a partir de então, passamos a evoluir e nos tornar aquilo que
criamos. Para aqueles que não conheceram suas mães biológicas ou mesmo
não tiveram a mama como primeira imagem de criação, nosso organismo
é generoso e transfere a figura da mãe para uma outra figura de poder que
atue em seu lugar, assim como o peito é substituído por um objeto de
transferência.

Conforme vamos nos desenvolvendo, surge a percepção de um mundo que


evolui e se amplia à nossa volta. Entre tantas novas descobertas que se
instalam, naturalmente vamos nos desidentificando da simbiose com a
nossa mãe, passando a percebê-la externamente, assumindo o papel do
outro. Entre essa ruptura gerada pela desilusão da separação e o “suposto”
distanciamento da união entre mãe e bebê, forma-se um espaço psíquico
chamado de espaço potencial, também conhecido por nós como campo

da criatividade , o qual passará a ser preenchido por todas as


experiências vivenciadas e “criadas” por nós.

Será por meio dessa tríade (mãe, bebê e espaço criativo) que a mãe passará
a representar a realidade externa na figura do outro, fazendo que aflorem
noções de interioridade em nós. A partir de então, a fim de que possamos
tolerar a frustração gerada por essa ausência gradativa, caminharemos em
busca de um sentido de vida, preenchendo esse campo da criatividade –
em um primeiro momento, por meio do afeto aos objetos, denominados
por Winnicott como objetos de transferência que nos serão ofertados (por
exemplo, a chupeta, o paninho, os brinquedos) e que, mais tarde, cederão
lugar à própria construção cultural de cada um.

Ou seja, a ausência da nossa mãe passará a ser sentida por meio da


presença desses objetos de transferência, utilizados para gerar sentido e
apaziguar o distanciamento, dando início ao nosso potencial criativo e
imaginativo. Nessa fase, começamos a “criar” os objetos que surgem ao
nosso redor. O processo de descoberta é por vezes confuso, mas de total
liberdade criativa e repleto de experiências que alimentam nosso
crescimento e nossa capacidade de “brincar” com os símbolos, dando-nos o
entendimento de que, apesar de ausente, nossa mãe está viva. Conforme
vamos crescendo e interagindo com a casa, essa se transforma em campo
de “eterna representação uterina da mãe”.
Conforme amadurecermos, os objetos de transferência (mamadeira,
paninho, brinquedos) vão sendo substituídos pelo brincar, na relação do
habitar e da própria concepção da casa como lugar de origem, e, mais
adiante, pela nossa vivência cultural, que vamos desenvolvendo na busca
por criarmos a nossa identidade.

A nossa existência, então, compõe-se a partir das experiências estéticas e


dos objetos que resultam delas, e assim vamos nos construindo e
constituindo o nosso mundo em meio a esse conjunto de experiências que
se cruzam, entremeando e tecendo a vida. É esse encadeamento criativo
que dá sentido à nossa busca por continuidade.

O viés da criatividade, entre o real

e o imaginário

Assim, a relação com a casa passa a guardar a representação da herança


mais primitiva que habita o ser humano, o continuum da relação mãe-bebê.
Essa experiência infantil corrobora o pensamento de que precisamos
resgatar nossa criança interior. Essa noção é saudável e produtiva, pois nos
liberta daquilo que é artificial, para valorizarmos nosso instinto natural,
nosso lado lúdico, espontâneo e criativo, ou seja, nossa verdade essencial,
quem realmente somos (Gombrich, 2012).

Decorar pode, então, significar brincar? Eis que surge um novo paradigma
a ser experienciado pelo viés da criatividade.
A partir de então, faz todo o sentido utilizar o design de interiores para
buscar uma reconstrução simbólica da nossa identidade, em que
poderemos escolher em qual parte e com qual intensidade entre o real e o
imaginário queremos estar na vida.

Como diz a socióloga Marion Segaud (2016) no livro Antropologia do


espaço, as formas também formam . Isso significa que há um
campo simbólico nessa construção de nós mesmos, que já nasce conosco a
partir do primeiro contato com a natureza e é capaz de despertar nosso
lado sensorial, mapeando nosso mundo, aprimorando, evoluindo,
ganhando vozes e espaços.

Gosto de pensar que o design de interiores vem para, por meio das nossas
histórias, viabilizar novas formas, novas simbologias e novos padrões que
surgem dessa experiência, pois a todo momento, por meio das nossas
escolhas, ele interage, questionando-nos, mediando, articulando e
integrando o que somos com o lugar onde queremos morar.

Ao nos permitirmos ser criativos, estamos nos abrindo para o novo. Para
que essa experiência se instale, viver um certo risco será inevitável, pois é
impossível sabermos, logo no início desse processo, como despertaremos
o afeto pela nossa casa. Será preciso ter disposição para nos aventurarmos,
saindo da zona de conforto, arriscando-nos a experimentar novas ideias,
novos caminhos, novas possibilidades.

Antes de qualquer técnica, os processos de dar forma, fazer e construir


habitam nossa mente, mesmo quando não temos consciência deles. A
criatividade nos permitirá enfrentar o medo do desconhecido e confiar em
nossa intuição, na capacidade de estabelecer algo novo e único.
Capítulo 8.

A ética e a estética

Casa e lar são termos bem diferentes que


determinam o mesmo lugar. Trata-se de um
processo de transformação do primeiro termo no
segundo por meio de múltiplos elementos ao
mesmo tempo culturais e antropológicos.
Podemos entender essa passagem para o nível
da vida cotidiana observando a significação e a
localização dos objetos e móveis no cômodo, ou
acompanhando as mais simples atividades
domésticas, como o preparo e o consumo de
alimentos ou a maneira de cuidar das roupas ou
da arrumação. Devemos começar questionando
em qual momento ou o porquê da aparição de
cada objeto em nossa vida.

Marion Segaud, Antropologia do espaço: habitar, fundar, distribuir,

transformar

Em nossa casa, as formas e a aparência da decoração devem refletir nossos


valores, e a beleza, por meio da ornamentação dos ambientes, é a
responsável por acessarmos o prazer dos sentidos, o magnetismo dos
símbolos, a criatividade em ação e, consequentemente, o contato com a
alma.

Mas o equívoco é que essa decoração não foi criada com o fim de que a
encontremos bela. As formas dos objetos e sua disposição em um
ambiente não são, por si só, uma finalidade; será a vivência por meio deles
que permitirá que os chamemos de belos. Para que isso aconteça, os
objetos devem ter em si qualidades simbólicas capazes de nos provocarem
essa experiência.

A beleza não está nas coisas, está no homem. É


ele que empresta às coisas o belo. E, como a
natureza humana é mais ou menos homogênea
em todos os homens, estes podem sentir
igualmente a beleza quando a imaginação se
harmoniza com o entendimento. Então
chamamos esse objeto, que consegue provocar
tal estado, de belo (Santos, 2018, p. 265).
O que nos une à experiência é a emoção com que somos afetados ao
experienciar. A cada nova vivência surge um aprendizado, o qual se funde
às experiências anteriores, dando-nos a oportunidade de transformar e
ressignificar nossa história a todo momento. Juntas, todas representam
uma nova realidade, que passa a ser vista a partir de uma ordem – ética
em seu modo de conduzir e estética em seu estilo de fazer

–, compondo um saber que nos permite fazer escolhas mais bem


alicerçadas. Embora ambas sejam vividas cronologicamente juntas, elas
não se expressam ordenadamente, mas em um agir de forma espontânea a
partir da força da nossa paixão pelos símbolos que as impulsionam.

Portanto, torna-se fundamental compreender a origem (ética) das nossas


referências e a influência (estética) desses símbolos que temos carregado
ao longo da nossa história, pois, em geral, de um modo inconsciente e com
frequência, nós os temos usado de maneiras não construtivas e até
perniciosas e, para que haja uma ressignificação da vida por meio da casa,
precisaremos aprender sobre novas simbologias.

No design de interiores, os símbolos devem ser pensados para conectar a


ética com a natureza buscando uma qualidade sustentável, com nossa
essência estética baseada em nossos vínculos afetivos. Esse é o papel da
criatividade, não só como forma de manifestação estética mas também
como uma proposta para um novo desenvolvimento ético em torno do
design de interiores.

í
Os símbolos possuem valor de

integração em si mesmos

A função dos símbolos é atrair energias psicológicas, armazená-las e


transformá-las, para depois serem utilizadas para diversos fins. Sobretudo
no caso da decoração, eles devem ser buscados com o intuito de integrar a
casa e a natureza com a nossa mente, de forma consciente e inconsciente.

Se, por exemplo, decorarmos a casa com as forças da inveja, do poder, da


competição e da ostentação, o que ocorrerá, pela analogia simbólica, é que
a casa ficará reverberando esse tipo de energia, podendo desestabilizar
emocionalmente seus moradores. O contrário também é verdadeiro:
símbolos de harmonia atraem mais harmonia, e assim por diante.

Agindo diretamente sobre nosso inconsciente, os símbolos desencadeiam


processos psicológicos que trazem à tona nossos afetos, histórias,
lembranças e emoções, possibilitando que sejam transformados em
matéria-prima do design de interiores.

É muito comum, ao visitarmos uma feira de antiguidades, encontrarmos


peças que nos remetam à nossa infância, fazendo-nos recordar uma série
de acontecimentos que até então estavam guardados ou mesmo
esquecidos. Mas esse reconhecimento não se restringe aos objetos antigos.
Pelas leis da Gestalt, todos nós somos providos de um sistema de leitura
visual capaz de reconhecer formas e volumes por semelhança,
proximidade, continuidade e unidade, entre outros fatores, podendo
associá-los a uma série de conteúdos simbólicos que já se encontram
guardados em nós.
Segundo a designer e pesquisadora Ingrid Fetell Lee (2021), a
neurociência, ao estudar essa sensação prazerosa do “a-ha!” que temos‐ ­
quando nos deparamos com algo que nos surpreende, sugere que os
processos cerebrais para identificar os objetos podem estar
intrinsecamente ligados aos mecanismos de recompensa do sistema
límbico. A relação de êxtase frente à experiência estética torna-se

uma recompensa para o cérebro.

Quando esses estímulos são associados a um valor estético elevado (afeto),


seus efeitos se multiplicam, gerando uma poderosa e penetrante influência
cuja força curativa pode afetar as profundezas do nosso ser.

Deve-se a esse fenômeno a importância de relacionarmos os símbolos com


a nossa realidade interior, ou seja, a partir do momento em que
mergulharmos no mundo da decoração, entendendo as benesses de viver
em ambientes harmonizados, caberá a cada um de nós nos questionarmos
sobre quais símbolos nos despertam prosperidade, harmonia, calma e
prazer, para transformá-los em realidade estética.

Nós somos seres contadores de histórias, e a boa notícia é que, se não


gostarmos das histórias que temos contado sobre nós, por sermos seus
autores, poderemos recriá-las. E o único jeito de fazê-lo é mudando o que
acreditamos sobre nós, ressignificando nossa relação simbólica com os
objetos em nosso entorno.

Antes de haver estética, há de

haver a ética
Assim como somos contadores de histórias, somos seres sociais e não
podemos viver isolados dos nossos semelhantes, pois viver não é só feito
de experiências. Então, viver sob a ética também passa pelo apoio mútuo,
antes de tudo por uma questão biológica, e por que não estender a uma
necessidade ecológica? Ambas estão relacionas ao princípio de
sobrevivência da espécie, entendendo o planeta Terra como um sistema
complexo de coevolução, com enorme potencial para alterar de forma
significativa nossa perspectiva e nossas atitudes éticas e estéticas (Andrade;
Pasini, 2022).

A maior parte das decisões do nosso cotidiano tem implicações éticas ou


particularmente morais. Entender ética tomando como princípio relações
estruturadas por uma forma de pensar ecocêntrica, interagindo por meio
da cooperação e do amor, pode nos parecer uma ideia exigente demais
com relação ao vício pela competição para o qual fomos treinados. O
pensamento ecocêntrico nos convida a praticar uma ética consciente, com
um pé no futuro, o que nos sugere, em um primeiro momento, pensar de
uma forma menos idealizada (“apaixonada”) e mais responsável
(“amorosa’’) acerca do que criamos a partir do momento em que passamos
a nos questionar sobre por que decoramos e as eventuais

consequências que as nossas criações podem ter.

Contemporaneamente, a estética tem ressurgido como uma fabulação da


imaginação, criação que não se limita à arte, mas materializa estilos,
inclusive estilos de vida, em que a escolha se dá pela experimentação, tanto
na ausência de estilos como na multiplicidade deles. A estética ressurge
como uma relação na qual o homem prova o mundo e o aprova e/ou
reprova em partes ou totalmente, possibilitando novos caminhos
criativos.

é
Estética, um acontecimento que

nos move e nos envolve

O poder da estética pelo viés da beleza reside no fato de falar diretamente


com nosso inconsciente, despertando em nós a transcendência e, com ela,
nossas qualidades espirituais, contribuindo para a mudança das nossas
atitudes e do nosso comportamento.

Na história da decoração, tornou-se um objetivo estético o desejo de


disciplinar a natureza criando ambientes a serviço exclusivamente dos
humanos, a exemplo de uma pintura ou escultura que muitas vezes, em um
primeiro momento, são voltadas somente para a forma, dissociadas de
uma função ou um propósito, constituindo um cenário intocável
composto por objetos que não permitem o envolvimento sobre o
ambiente.

Dá-se por esse equívoco a necessidade urgente de repensar a ética a partir


do poder que a estética exerce sobre cada um de nós. Assim, a ética no

design de interiores deverá levar em consideração dois fatores


principais: a ecologia e a cultura, bem como seus potenciais impactos,
utilizando-se de todos os recursos disponíveis e da liberdade criativa como
instrumento de beleza para transformar os ambientes em objeto de
valorização e admiração, despertando nossa origem como natureza ao
mesmo tempo que considere uma relação de maior equilíbrio com o
ecossistema.

é
Falar sobre a beleza é uma tarefa

propulsora e relevante

Quando o encontro com a beleza de fato ocorre, ninguém sabe exatamente


o que aconteceu, e poucos conseguem expressá-lo em palavras.

É por isso que penso que falar sobre a beleza é uma tarefa vitalmente
propulsora e diretamente relevante para as nossas possibilidades de
sobrevivência, pois por meio dela é que pode surgir o impulso para
manter um estado de ordem e equilíbrio ético e estético, cada vez mais
essencial para a saúde mental e, consequentemente, do planeta.

O primeiro efeito que devemos considerar quando em contato com a


beleza é a sua influência regeneradora e curativa. Todos sabemos, por
experiencia própria (apesar de podermos nos esquecer desse fato), quanto
uma paisagem natural pode ser suavizadora para o olhar, que certa música
nos eleva, que uma peça, poema ou pintura pode exercer um efeito
animador sobre nós (Ferrucci, 2001).

Não precisamos pesquisar para saber que a magnificência de uma rosácea


de catedral, uma flor plenamente desabrochada ou uma arquitetura antiga
não nos deixa impassíveis. No momento em que nos deixamos tocar pela
beleza, aquela parte em nós que está seriamente machucada ou mesmo
despedaçada pelos eventos da vida pode começar a se revitalizar.

E, quando nos dedicamos a perceber a beleza, tornamo-nos mais do que


somos, e esse deve ser o vórtice norteador de um projeto de

interiores : proporcionar, por meio da beleza e da harmonia, ambientes


que gerem saúde psicológica, elaborando espaços pensados para se
tornarem um escudo contra as pressões que a vida inevitavelmente nos
traz.

Isso, porém, não é tudo, pois todos os estímulos – belos ou feios –


mergulham no inconsciente, no qual sua influência se torna menos
imediata, porém mais poderosa e penetrante, transformando-se em
linguagem simbólica.

Boa parte do nosso inconsciente já se encontra impresso como uma


fotografia, pelos inúmeros estímulos que nos bombardeiam através dos
anos, mas a boa nova é que uma outra parte está virgem e disponível para
novas impressões, e, assim que essa parte é atingida por um novo
estímulo, leva-o mais a sério do que a nossa distraída mente superficial
geralmente faz. O inconsciente recebe esse novo estímulo e o combina
com outros estímulos preexistentes, assimilando e elaborando seu
conteúdo psicológico, fazendo surgir novas conexões simbólicas capazes
de se impor e se integrar com as que estão armazenadas.

Assim, buscar a beleza é uma responsabilidade de cada um de nós, pois ela


guarda em si a promessa de um futuro, e, mesmo sabendo que nenhum
objeto pode trazer gratificação permanente, a beleza frequentemente tem
o poder de nos instigar a sair do asfixiante mundo das preocupações em
direção à vitalidade e à harmonia.

Ela tem a capacidade de nos retirar da nossa esfera individual, facilitando o


contato com algo que é maior e universal, pois seu aspecto transcendente
está intimamente ligado ao seu poder revelador. Por meio dela, revelam-se
mundos desconhecidos e possibilidades que poderiam escapar a uma
inteligência puramente racional e concreta.
Mas, como tudo, a beleza tem mais algumas particularidades, pois a
dificuldade que alguns têm de apreciá-la não se pode reduzir à impaciência
ou à incapacidade de assimilá-la. Mais uma vez, aqui nos colocamos diante
do medo, nosso fiel sabotador, o qual faz que não nos sintamos
merecedores da graça que a beleza pode nos ser. Pois, ao nos sentirmos
feios por dentro, tememos experimentar a dolorosa discrepância entre nós
e a beleza. Ou, então, só nos permitimos sentir a beleza por alguém a quem
amamos; contatá-la quando estamos a sós evoca um pungente sentimento
de rejeição.

Todos nós, contudo, temos alguma vivência do belo e podemos


desenvolver nossa habilidade de entrar em contato com a dimensão
estética. Alguns podem estar se perguntando: como podemos ampliar
nossa aptidão na arte de apreciar beleza? Simplesmente e tão somente
aprendendo a estar disponível para ela, pois qualquer imagem poderá nos
falar se deixarmos que ela o faça. No entanto, será preciso uma atitude
aberta para calmamente dedicarmos um tempo para desfrutá-la.

O design de interiores nos permite assumir uma posição mais ativa e


intencional na busca pela beleza quando nos dispomos a criar uma história
simbólica. Deparamo-nos com ela quando menos imaginamos: em uma
cadeira e seu belo pé, que desperta nossa imaginação, remetendo-nos a
formas registradas em nossa infância, em uma parede recoberta por cores
e texturas que nos passa a sensação de já ter sido vista antes, ou mesmo em
um utilitário. Cada item da casa pode nos despertar essa beleza, pois, como
sabemos, ela está em qualquer lugar, inclusive em coisas aparentemente
feias, distorcidas e desfiguradas, visto que qualquer sentimento de beleza
que leve em consideração a feiura arrisca-se a se tornar sentimental.
Por meio das experiências, também poderemos notar a beleza além da
concretude da forma, no subjetivo, apreciando as atitudes nas pessoas,
assim como por nossas próprias histórias, quando algo tem a capacidade
de nos regenerar e nos levar adiante em nosso crescimento, estimulando
nossa capacidade de apreciação.

Ao nos abrirmos para interagir com o mundo e com as pessoas ao nosso


redor buscando uma construção simbólica, estamos criando nossa própria
identidade estética, e assim a beleza passa a representar a

qualidade e as escolhas que fazemos a cada encontro. Ao


tomarmos essa consciência, passamos a nos expressar com maior
segurança e força emocional, tanto na casa como em tudo à nossa volta.

Buscamos formas doces e suaves para narrar nossas histórias de vida,


embora essas sejam feitas de resistência e luta. A partir da consciência
sobre esse cuidado e essa doçura, tornamo-nos disponíveis para a
transformação. É possível dizer que essa disponibilidade nos permite
superar obstáculos e alcançar objetivos com mais facilidade. Nesse sentido,
o design de interiores pode fazer do espaço uma oportunidade de
aprendizado que abrange o conhecer, o fazer, o conviver e o ser.

A seguir, vamos adentrar nos domínios da alma, o elo entre a casa e o


mundo por meio do nosso fazer, que se constitui a partir de uma ética
inclusiva que caminha ao lado de uma estética afetiva.
PARTE III.

A alma

Como gás, a alma tende a ocupar a


totalidade do espaço que lhe é concedido. A
graça preenche, mas ela não pode entrar
senão onde existe um vazio para receber, e é
ela que constrói esse vazio.
Simone Weil, A gravidade e a graça

Segundo o biólogo Bruce Lipton, estamos em tempos de


provações da alma, (Lipton; Bhaerman, 2013). Existe um
vazio interior a nos questionar a todo instante. Na visão
do psicólogo James Hillman (1993), esse vazio aponta para
questões sociais mais amplas: baixa produtividade, baixa
qualidade, vícios, depressão e ansiedade, entre outras.
Mas seria raso acreditar que esses aspectos têm apenas
impactos econômicos. Hillman (1993) sustenta que uma
vida harmoniosa passa pelos nossos valores de alma, e,
para que isso ocorra, o primeiro passo é desenvolvermos
habilidades para lidar com a repressão que vivemos. Para
ele, a repressão está em toda parte: família, escola,
trabalho, festas e nossa própria casa. Ela é consequência
do excesso de informações às quais nos temos
submetido. Como defesa, nosso organismo nos coloca em
estado de entorpecimento psíquico, fruto do estado de
normose[1] que se instala.
Podemos dizer, então, que a repressão é o que nos tem
paralisado frente ao chamado da alma para entrarmos em
ação. Dentro de casa, essa alienação pode estar projetada
no que nos cerca: teto, paredes, portas, móveis e objetos
os quais se espalham como testemunhas simbólicas de
desgostos e ultrajes vividos.
Para o designer Victor Papanek (2014), o que pode ser o
início do caminho àqueles que buscam um design
“almado” – com alma – está na intenção, tanto em

quem cria como no que é criado, em uma relação íntima


entre a cabeça e a mão. Ao exercermos nossa criatividade
e nossa perícia, aquilo que fizermos dará forma ao que
somos e ao que nos tornamos.
De uma forma ou de outra, todos queremos consertar o
mundo, tendo ou não consciência disso. Em nível
consciente, desejamos salvar o planeta por razões éticas
ou altruístas. Em nível inconsciente, nossa motivação
vem do instinto de sobrevivência. Não faz sentido querer
ter uma vida equilibrada dentro de casa em um mundo
desequilibrado. E você deve estar questionando: “Por
onde eu começo?”.
O contato com a alma, estabelecido pelo fazer, pode
envolver outras áreas do conhecimento e outros saberes
ao design de interiores.
Por exemplo, segundo a geometria fractal, os padrões de
organização da natureza se encontram em diversos níveis
de estrutura do universo, como é possível ver no padrão
de distribuição dos galhos de uma árvore que se repete
nos desenhos cravados pelos rios sobre a terra, nas raízes
das plantas ou mesmo nos vasos sanguíneos do nosso
sistema circulatório. A geometria fractal tem sido
utilizada na criação de projetos de arquitetura e de design
de interiores e explorada por meio do design biofílico.
Além disso, novos estudos com base na arquitetura
vernacular buscam promover a conexão com a natureza e
criar espaços mais harmoniosos.
A epigenética é considerada no design de interiores na
medida em que afirma que influências ambientais afetam
a expressão de genes. Se escolhas e exposições
ambientais podem influenciar a saúde e o bem-estar, um
bom projeto também poderia ser elaborado com esse fim.
Já a psicologia, quando aplicada ao design de interiores,
torna-se uma ferramenta para ajudar na transformação
do sistema de crenças, que envolvem repressões e
medos. Será também a psicologia, em colaboração com a
ecologia (por meio da ecopsicologia e da ecologia
profunda), que nos auxiliará a ir em busca do restauro da
alma, por meio do restauro da relação com a natureza.
[1] Normose é tida como a patologia da normalidade.
Segundo o antropólogo e psicólogo Roberto Crema (Weil;
Leloup; Crema, 2011), uma pessoa normótica se adapta a
um contexto e a um sistema doentes, agindo como a
maioria. Para o psicólogo e filósofo Jean-Yves Leloup
(idem), a busca pela conformidade que caracteriza a
normose impede o encaminhamento do desejo no
interior de cada um, interrompendo o fluxo evolutivo e
gerando estagnação. (N. E.)
Capítulo 9.

Uma ponte entre os sentidos e o

mundo

Sarvan Annam […] é um conceito hindu de que


tudo é alimento […] não só o alimento que a
gente come […], mas aquilo que eu ouço, o que
eu vejo, o que eu sinto, nas formas, e isso inclui a
nossa casa, o nosso bairro, a nossa cidade, as
cores, aquilo que é harmonioso, a música, e de
toda uma ideia com a qual entramos em contato.

Alice Bailey, Um tratado sobre magia branca: o caminho do discípulo

Neste momento, você que está lendo este livro pode estar sentindo tensões
em algum local no corpo – face, pernas, abdômen, ombros – que
provavelmente são desnecessárias.

Essas tensões inúteis, essa energia que nos incomoda, mostram como
estamos desorganizados emocionalmente. Poderíamos usar isso tudo para
estar na vida, mas sem nos deixar ser tragados ou tragadas por ela.

A relação com nossos pares também ficou superficial. Agimos como se


fôssemos mentes destituídas de corpos, sem nos darmos conta do
extraordinário que somos. Ao não reconhecermos nossas capacidades
transpessoais, desgastamos nosso corpo muito além do necessário.

O que seria a decoração senão o exercício de aprender a nos


relacionarmos, percebendo o corpo, os sentidos, as emoções e, com isso,
descobrir o poder que essas práticas guardam?

Então, a decoração seria o exercício de dividir nossa atenção entre o que


está fora e o que está dentro de nós, percebendo, por meio dessa relação
com o próprio corpo, seu espelhamento pela casa.

Para o filósofo e místico George I. Gurdjieff (2006), somos constituídos de


duas naturezas bem distintas: a personalidade e a essência. A
personalidade é a parte da natureza que foi criada para nos adaptarmos
à vida; ela tem a ver com nossa nacionalidade, a língua que falamos, nossos
costumes, nossa religião e nossa ambição. No mundo da razão, deixamos a
personalidade ser dominada pelo ego , o qual reforça nossos
sentimentos de competição, controle e medo, escolhendo a sexualidade
como único viés para amar. No transcorrer do dia, podemos perceber a
manifestação da personalidade por meio da nossa mente tagarela, que fica
a repetir historinhas que nos prendem a ela – a mente – utilizando-se da
raiva e do medo. Tudo aquilo que ficamos “ruminando” em pensamento é
ação da personalidade.

Já a essência é o que trazemos de outras recorrências, outras


experiências; é a parte de nós que contribui para o planeta e se apresenta
como a criança interior perdida e abandonada, que chama nossa
atenção para um outro lugar em nós, a ser buscado e no qual acreditar.
Buscar a natureza em nós é permitir, a essa criança, crescer e se expressar
com seu humor e sua espontaneidade fluidamente.

O sociólogo e historiador Richard Sennett (2009) ressalta que todos temos


a capacidade de fazer bem algum trabalho manual. Segundo ele, existe um
artesão inteligente na maioria de nós, pronto a se expressar. Para ser um
bom artesão, não é importante ter talento; a motivação é sempre mais
importante.

Na dimensão da essência há humor, um olhar lúdico pelas coisas, um jeito


próprio de se expressar e fazer. Eu me inspirei na criança que necessita
crescer, de Gurdjieff (2006), e na destreza do artífice relatado por Sennett
(2009) para criar, neste livro, a persona do designer que habita em nós em
seu furor criador. Não imagino outra forma de fazer essa criança interior
crescer senão como um adulto que aprendeu a dialogar entre as sintonias
da razão e da emoção.

Quando estamos conectados a esse designer interior, agimos com a


honestidade dos nossos sentimentos e pensamos: “Quero defender aquilo
que sou”, “Será que faço diferença para alguém?” (Goswami, 2018, p. 90).

ã
No coração guardamos a chave

para aniquilar a repressão e

praticar a beleza

Reconhecer e honrar o que faz nosso coração pulsar de emoção é uma


maneira de combater a repressão exercida por nossa personalidade.
Praticar a beleza é buscar o melhor da nossa essência, pela apreciação e
pela criação de um ambiente agradável ou por qualquer outra atividade
que desperte um senso de admiração e gratidão, trazendo harmonia,
inspiração e encanto para nossa vida cotidiana.

No mundo antigo, o órgão da percepção era o coração. A ele se associavam


as coisas dos sentidos. A palavra em grego para percepção ou sensação era
aisthesis, que significa inspirar ou conduzir o mundo para dentro por meio
da respiração entrecortada – aquela exclamação diante de uma surpresa,
um susto ou um espanto como uma reação estética à imagem apresentada.

À medida que começamos a dar vazão às formas de sentir e perceber, essas


duas ações (ou efeitos) metaforicamente passam a se conectar com o
coração. Assim, o coração, além de um órgão humano, tornou-se símbolo
das nossas emoções, quando ligadas ao sentimento. Dentro desse
simbolismo, podemos agir ou reagir com o coração, que percebe tanto
sentindo como imaginando (Hillman, 1993).

Hoje, as pesquisas em neurocardiologia apontam que o cérebro e o coração


trabalham juntos. De acordo com essas pesquisas, o cérebro influencia o
coração, e o coração, mesmo não sendo o centro dos pensamentos,
trabalha enviando mensagens para áreas específicas do cérebro, exercendo
grande influência sobre ele. Se um dos dois adoece ou falha, o outro pode
ser afetado.

O que está sendo apontado é que coração tem uma rede neural própria,
também conhecida como o “cérebro do coração”, em que se concentram
neurotransmissores, proteínas e células de apoio que guardam memórias
de curto e longo prazos, podendo operar independentemente dos
comandos do sistema nervoso central provenientes do cérebro.

Para a psicologia, segundo Hillman (1993), nós nos distanciamos da alma a


partir do momento em que nos distanciamos do coração (e de sua conexão
com a imaginação e com a beleza), tratando-o apenas como um órgão do
corpo. Para ele, os acontecimentos aceleraram-se proporcionalmente ao
fato de não serem apreciados pelo coração, e, por esse motivo, passamos a
buscar acontecimentos cada vez mais intensos, pois, ao nos afastarmos do
reconhecimento estético do coração, ficamos anestesiados em relação aos
fatos.

A tarefa cognitiva passará de compreensão do sentido a uma sensibilização


para os detalhes, pois o trabalho invisível de criar com a alma encontrará
suas analogias pela visibilidade das coisas bem-feitas.

Aqui, porém, não se pode resumir a estética ao embelezamento, à música


de fundo suave, aos jardins bem cuidados, às visitas a museus e galerias, a
plantar árvores ou mesmo a decorar a casa, entre outras ações. A essência
estética da beleza é simplesmente sua manifestação; é como ela nos toca,
seu cheiro, seu som, falar para e por meio do nosso coração, respondendo
a olhares, linguagens, sons e gestos das coisas por entre as quais nos
movemos e que são responsáveis por personificar nossa alma.
Esse é o desafio do design de interiores: criar espaços que integrem

a personalidade à essência , trazendo consciência para o poder das


nossas ações, a fim de que dessa forma sejam pensados como ambientes
sagrados e nos proporcionem o resgate da nossa alma.

Alguns já disseram que a casa não mente , e eu confirmo. Nas muitas


histórias que conta, em cada uma delas há um sentido a descobrir. Como
significado dos acontecimentos, das tristezas ou do prazer que habitam
algumas de suas partes. A casa dá forma à nossa subjetividade, a memória
arcaica do corpo. Os acontecimentos, as doenças do corpo e da alma, o
prazer que anima alguns de seus ambientes. Nela, nada é esquecido. Cada
acontecimento vivido, da primeira infância à vida adulta, deixa suas
marcas profundas. Sua memória torna-se viva, e vivê-las é uma forma de
reverenciar a alma.

Design – substantivo, verbo,

técnica, arte, propósito… e o que

mais?

Em inglês, a palavra design funciona como substantivo e como verbo.


Como substantivo pode significar, entre outras coisas, plano, intenção,
meta, conspiração, forma, estrutura básica, propósito. Como verbo – to
design –, significa tramar algo, simular, configurar, proceder de modo
estratégico, projetar.
Mas como é que o termo “design” adquiriu seu significado atual,
reconhecido internacionalmente?

Em um amplo estudo, que pode ser mais bem compreendido no livro O


mundo codificado, o filósofo Vilém Flusser (2007), ao se aprofundar na
origem da palavra “design”, encontrou-a inter-relacionada a outras, como
“máquina”, “técnica”, “arte” e “poder”. No entanto, essa origem esteve
negada durante séculos a partir da cultura moderna, quando foi feita uma
separação brusca entre o mundo das técnicas e o das artes, dividindo-os
em dois ramos estranhos entre si: o ramo científico, qualificável e rígido, e
o estético, qualificador e plástico.

Segundo Flusser, essa separação desastrosa começou a se tornar


insuportável ao final do século XIX, quando a palavra “design” passou a
representar uma ponte entre técnica e arte . Porém, ainda não
satisfeito, analisando o design de uma simples alavanca e de seu uso a
partir do apoio do próprio corpo, ele chegou à conclusão de que o design
guarda, em sua base, a qualidade de enganar a natureza por meio da
técnica, substituindo o natural pelo artificial para nos transformar,
potencialmente, em artistas livres.

Diante desse contexto e embora essa seja uma boa explicação, não
podemos nos inocentar frente ao fato de o design também justificar seu
papel de conspiração, engodo e malícia. Parece-nos que a mesma alavanca
que nos fez chegar até aqui como criadores e que guarda o poder de nos
levar às estrelas também nos afastou da verdade e da autenticidade,
levando-nos a viver cada vez mais de um modo mais bonito (menos belo),
porém artificial.
Olhando por esse viés, se o design continuar se tornando o foco do
interesse e as questões referentes a ele passarem a ocupar tão somente o
lugar das “boas” ideias, no futuro não mais pisaremos em terra firme.
Basta, para isso, olhar as latas de lixo de nossa casa, as caçambas de entulho
espalhadas pelas ruas, os inúmeros vídeos disponíveis na internet sobre
aterros sanitários ou as ilhas de detritos pelos oceanos para entender como
o design pode nos influenciar negativamente.

A palavra “design” é ambígua e está associada, ainda, a signo, indício e


presságio. Etimologicamente, significa designar, ou seja, ela pode ser
também a alavanca que nos impulsiona a dar um propósito aos nossos
sonhos e desejos, possibilitando-nos, daqui para a frente, viver de modo
completamente distinto o mesmo mundo, que já não é tão moderno
(Latour, 2001).

Propósito, entropia e sintropia

O desígnio – propósito – de qualquer ideia é cumprir uma função. Para


realizar a função, requer-se a forma, que como já vimos se origina das
nossas intenções (conscientes ou não), aliadas à busca pelo prazer interior.
Quando essa intenção se transforma em objeto, no caso do design de
interiores, na casa propriamente decorada, significa que o propósito
chegou a seu objetivo, concretizando-se e atingindo o ponto máximo de
carregamento energético (Andrade; Pasini, 2022).

Depois que o design cumpre a função que a originou, começa a fase de


entropia , que passa a dispersar, descarregar e desagregar aleatoriamente
a energia que a iniciou até o ponto máximo de degradação. A partir daí, o
que sobra pode ser descartado e tornar-se lixo ou ser reciclado e/ou
ressignificado e retornar à cadeia de consumo. Reciclar significa reutilizar
e ressignificar, dando nova utilização para objetos que não mais têm uso,
por meio de processos sintrópicos, nos quais o saldo da energia gerada se
reorganiza e ganha peculiaridades qualitativas e diferenciação, voltando à
cadeia de consumo e conferindo vida longa ao design.

No design de interiores, a sintropia pode ser acessada por meio de duas


vias: no campo material , por processos e trabalhos de manutenção
na casa, reciclagem, ressignificação ou upcycling que envolvam os conceitos
da economia circular, e nos princ ípios psicológicos , por meio de
afetividade, busca de prazer interior, criatividade e, principalmente,
ressignificação simbólica, o grande guarda-chuva que contempla tudo.

Ambas as etapas, sintropia e entropia, são qualidades energéticas


complementares e análogas. A energia liberada por transformação
entrópica abastece processos sintrópicos, e vice-versa (Andrade; Pasini,
2022).

No design de interiores, entropia e sintropia podem ser vistas pela


analogia aos significados de caos e cosmos – o primeiro representa a
desarmonia doméstica envolvida no momento em que nos percebemos
insatisfeitos com a casa, e o cosmos está relacionado ao desejo ou à
necessidade de harmonizá-la, com base no propósito e na intenção em si.

Mas, para gerar cosmos, é preciso movimentar ainda mais caos. É aí que
resolvemos quebrar uma parede aqui, trocar um tecido ali, fazendo da
nossa vida o próprio caos. Antes de conhecer esse conceito de geração de
energia, eu costumava dizer aos clientes que a vida era esse movimento
bagunçado que a todo momento questionava nossos caminhos e que viver
seria pôr ordem nessa bagunça que a vida é. Inconscientemente,
bagunçamos tudo porque nossa intuição sabe que só do caos é que surge a
possibilidade de entrarmos em contato com nosso potencial máximo
criativo com o espaço. O caos nos desafia e nos possibilita ir ao encontro
de um novo arranjo, o cosmos. Esse auge criativo se abastece da coragem –
não a coragem da impulsividade, mas aquela que o propósito nos dá
quando buscamos a beleza em sua condição de harmonia. É onde entra o
design de interiores, nessa tensão entre entropia e sintropia, atuando
como organizador do impulso de decorar, colocando ordem, processo e
clareza no caos.

Passado esse percurso do caos, gradativamente se chega ao cosmos, e, a


partir disso, a casa poderá entrar novamente em fluxo entrópico (perda de
energia), por meio do desgaste natural pelo uso e pelo tempo, ou também
pela falta de envolvimento (empatia simbólica) de seus moradores pelo
espaço, seja por falta de limpeza, seja por bagunça, seja por distanciamento
emocional. Para aqueles que se projetam na casa e estão sempre atentos
aos seus movimentos, ela faz perdurar o estado sintrópico,
retroalimentando-se de forças energéticas geradas por rituais, relações de
afeto, manutenções sustentáveis (reciclagem), satisfação, prazer,
contemplação e toda ação que represente um vínculo simbólico com a casa
por parte de seus moradores, e que trabalharão atraindo forças que a
transformarão em um campo magnético e nutridor.
O que eu quero, do que eu preciso e

o que eu amo

A proposta que trago neste livro é de que a mudança comece pelas


pequenas coisas, pelo que está ao nosso lado, na forma como sentimos e
como nos relacionamos responsavelmente com a casa, segundo uma
abordagem multidimensional. Trabalhar o universo simbólico doméstico,
observando nossos ritmos e nossos rituais como uma forma poderosa de
curar o espaço e sua projeção do mundo.

Pensei no caminho para essa mudança partindo de três questionamentos e


suas respectivas respostas simbólicas, tanto no âmbito do design de
interiores quanto no da decoração. São conceitos embrionários, que muito
ainda têm a evoluir. Por outro lado, revelá-los ao campo do conhecimento
é de suma importância para que ocorra um aprofundamento mais amplo: o
que eu quero? Do que eu preciso? O que eu amo?

Para o filósofo Mário Ferreira dos Santos (2018), é característico nos


desdobrarmos em duas funções: a que procura pelo semelhante e a que
percebe o diferente. Curiosamente, esse conceito é o mesmo que rege as
regras do coolhunting, uma profissão que busca investigar, descobrir e
prever tendências e comportamentos que podem ganhar popularidade em
nichos específicos do mercado.

A primeira função, a de comparar para aprender com o semelhante, é a


que melhor corresponde à natureza do homem, pois no fundo busca
simplificar e assegurar uma economia ao trabalho mental – e aqui faço um
aparte justificando por que no mundo hoje existem tantas cópias, ou seja,
por pura preguiça de criar. A segunda função tem relação sobre aprender o
diferente, que é mais cansativa pois exige mais gasto de energia. Nesse
exercício proposto de semelhanças e estranhamentos, a personalidade

(razão) trabalhará em busca das referências que nos espelhem

semelhanças , por meio daquilo que surge à nossa frente repetidamente


e, em consequência, de alguma forma se torna conhecido por nós, gerando
concorrência. Ao saber dessa qualidade humana, a indústria usa do
marketing e nos inunda de informações, que passamos a absorver e pelas
quais passamos a ter empatia, surgindo daí gostos e necessidades até então
nunca pensados. Em seu contraponto, a essência (intuição) nos levará ao
encontro com o diferente, aquilo que nos chama a atenção por ser
incomum, estranho e por vezes contestador, mas que nos toca e

chama a atenção , promovendo um diálogo com nosso inconsciente e


um comportamento de colaboração.

Na prática da decoração, a razão percorrerá as informações e, diante do


leque de opções, terá identificação com alguns conceitos e produtos. A
partir desse espelhamento, passará a notá-los repetidamente em suas
buscas. Um exercício bastante benéfico é fazermos uma pesquisa de
imagens que despertem nossa atenção. Elas não precisam se restringir ao
tema da casa decorada; podemos incluir fotos familiares, imagens de países
distantes, imagens que nos sensibilizem, recortes de revistas ou mesmo
prints da internet. Tenho feito esse exercício com todas aquelas imagens
que separamos nas mídias sociais por nos chamarem a atenção (por
exemplo, de receitas, destinos longínquos, lugares exóticos, ideias
curiosas). Não importa que tipo de imagem seja; as informações de que
precisamos estão todas lá, escondidas e nos aguardando. O passo seguinte
seria criarmos um painel expondo todas elas, lado a lado, buscando os itens
que se repetem. É um exercício interessante e surpreendente, pois permite
observar as cores que se repetem, as texturas predominantes e os estilos e
formas que nos seduzem.

Nessa mesma pesquisa, é possível detectar o que é diferente, o que é único


e nos estranha e faz bater mais forte o coração. O que não se repete,
provoca-nos e transcende.

Para o filósofo Friedrich Nietzsche (Rocha, 2007), todos somos muitas


coisas ao longo do tempo, e isso é o que nos leva a uma grande diversidade
interna, ou seja, nossa identidade está sempre mudando, portanto nunca
somos um ser totalmente definido. No entanto, nesse eu provisório
sempre há algo que persiste, tangenciando nossos vários “eus”, o que

Nietzsche chama de estilo, e eu, aqui, chamo de propósito :


a força congruente que harmoniza a razão e a intuição, entre aquilo que se
repete e o que nos diferencia.

“O que eu quero”, “Do que eu preciso” e “O que eu amo” são pistas as quais
deixo aqui para aqueles que anseiam por aprender os caminhos da
mudança pelo viés de um design de interiores alicerçado nas práticas
ecocêntricas. Essas três experiências são os instrumentos para a percepção
do mundo exterior com o objetivo de nos conectar com nosso interior,
acessando o mundo dos símbolos, nossa ponte de conexão com as emoções
e com alma, ativando nossa vontade e nossa criatividade, gerando uma
série de insights e lembranças.

O que eu quero?
“O que eu quero” parte de uma escuta física e palpável. Fazemos uso da
intenção para adentrar o mundo da emanação, a origem – é o que se
chama de experiências de horizontalidade .

As experiências de horizontalidade têm um caráter mais lógico – com suas


obrigações e restrições, revelando o papel de expandir nosso olhar,
integrando paredes, piso e teto com os móveis e objetos, constituindo a
dimensão da nossa casa como um todo, por meio de ordem, método e
processo. A horizontalidade se define no projeto de design de interiores da
casa em si; é a experiência direta por meio das suas etapas.

Como mundo da emanação, é onde estão o princípio, o ponto de partida, a


intenção-base do objetivo e a direção do propósito. Como diz o velho
ditado, se você não sabe para onde está indo, acabará chegando a lugar
nenhum.

E, para isso, é fundamental complementarmos “O que eu

quero” com “Como eu quero?" e "Quando eu quero?".

Para que o projeto se desenvolva, faz-se necessário um objetivo claro, que


nos ajude a reunir nossas habilidades, nossa paixão e nosso propósito, para
fazer surgir a casa que nos espelhe. Demonstrar uma intenção atrai novas
experiências como a força de um ímã, pois o propósito é magnético. Se a
vontade de mudar é a mãe da invenção, a intenção provavelmente é o pai.

Em primeiro lugar, surgem nossas demandas físicas. “O que eu quero”


parte do tempo presente, considerando a casa um espaço mais racional e
matemático, sendo responsável pela base de todo o projeto de interiores.
Nessa escuta, tentaremos identificar nosso ponto fraco, o lugar do
sofrimento, da angústia, afinal se trata de um querer que não está aberto a
negociação, ao mesmo tempo que não é inteiramente lúcido. É um
questionamento que nos sugere uma ação.

“O que eu quero” nasce do desejo primário acerca da vontade de decorar.


Aqui, o designer que habita em nós se manifesta nos pedindo a pesquisa e
o planejamento. Vale ressaltar que esse designer se mostrará mais
habilidoso à medida que dermos valor às nossas histórias.

Nossos ouvidos passam a trabalhar na busca por aprendizados e

informações , absorvendo melhor as frases lógicas: “Quantos metros?”,


“Quanto custa?”, “Quanto tempo leva?”, “Como eu faço?”, “Onde encontro
essa informação?”. Esses são alguns exemplos de como nossa mente
funciona quando se exige dela uma organização mais quantitativa,
definindo uma forma de pensar horizontal.

“O que eu quero” também pode ser analisado sob uma visão psicológica,
estando relacionado ao conceito de princípio da realidade, definido por
Sigmund Freud.

O princ ípio da realidade , como o nome sugere, é um mecanismo


psíquico que nos direciona e nos adapta à realidade, daí o fato de estar
relacionado a uma fase mais cartesiana do projeto da decoração. Esse
princípio exige certa renúncia àquela parte do prazer que supera os limites
consentidos pela moral.

O ego é guiado pelo princípio da realidade. Ele busca satisfazer aos nossos
desejos e impulsos primitivos (também chamados por Freud de id) de uma
forma socialmente adequada, opondo-se ao princípio do prazer, mas sem o
anular. Sua função vai no sentido de mediar os impulsos do id para que
eles sejam satisfeitos de acordo com os princípios morais da realidade
social.

Os aspectos culturais, a moda, as tendências, os usos e costumes, a


propaganda dizem muito do conteúdo que preencherá o ego, ainda que sua
função seja fixa. O ego, regido pelo princípio da realidade, está preocupado
em evitar o perigo e nos adaptar ao comportamento civilizado,
alimentando uma tendência de se comparar com os outros e imitá-los.

No design de interiores, esse movimento se reflete no projeto em si,


segmentado por fases ou etapas sempre levando em conta as nossas
necessidades, envolvendo definições, escolhas e valores de investimento
versus a duração (começo, meio e fim). A casa passa a ser/existir por um
processo de mensuração; passamos a ter uma visão horizontal dela, por
meio de projeto bem-feito e que abarque um desenho executivo, imagens
em 3D, planilhas e memoriais para dar suporte ao medo, sempre com a
busca de informações que deem lastro ao resultado.

Para aqueles que são mais aplicados, sugiro montar um memorial


contendo todas as informações relativas a cada etapa, com um
mapeamento fotográfico da casa em seu estado antes da intervenção. Nessa
fase, as fotos anteriores à reforma e à decoração são fundamentais, pois,
em razão da nossa alta adaptabilidade a tudo o que se apresenta, ao final do
projeto podemos acabar sublimando a importância do tudo que foi criado,
idealizado, realizado e transformado. Um clássico exemplo de que, quando
queremos olhar para o futuro, faz-se necessário olhar para o passado. De
forma simultânea a essa etapa, a mente sempre deve justificar nossas
escolhas, questionando-nos pelas histórias que contamos sobre a casa.
Sob a ótica ecossimbólica, “O que eu quero” envolve a análise das

peças e dos mobiliários que trazemos conosco em nosso


percurso, com os quais criamos vínculo pelo afeto, definindo por mantê-
los em nossa casa nova não importando seu estado de conservação.
Embora possam sofrer alguma manutenção, não perderão seu uso nem sua
função original. Ou seja, trata-se do reconhecimento de todos os símbolos
que nos acompanham pela vida e daqueles que queremos manter conosco.
Nesse caso, precisará ser realizada uma análise meticulosa de cada um
desses objetos – as histórias que trazem com eles, de onde vieram, quem
nos presenteou, onde compramos, qual período da nossa vida eles
representam.

Do que eu preciso?
“Do que eu preciso” parte de uma escuta psicológica e da prática do
exercício da escolha ou do mundo da modelação – experiências de

verticalidade .

As experiências de verticalidade são de cunho passivo, associativo e


imagético. Elas tendem a ser mais personalizadas e carregadas de
significado, fazendo-nos entrar em contato com nossa linha do tempo para
buscar registros simbólicos por meio de nossas memórias afetivas mais
genuínas e nossos aprendizados por meio do nosso próprio corpo.

Na verticalidade mora a vontade. Aqui não estou falando daquela vontade


de, por exemplo, comer um doce ou prato específico para satisfazer a um
desejo momentâneo, mas de uma vontade mais interiorizada que nos
incita ao todo, a desejar se sentir livre, leve, expressando a criatividade. É a
manifestação do designer que habita em nós por meio da ação do criar.

Sob a vibração do campo da escolha, nossas intenções vão buscar em nosso


inconsciente histórias, lembranças, sentimentos e desejos. Se “O que eu
quero” tem vetores relacionados à busca por aprendizados, por meio de
deslocamento para a direita, para a esquerda, para a frente e para trás, “Do
que eu preciso” torna-se subjetivo à medida que se direciona para cima e
para baixo. Podemos tomar, como exemplo, as metáforas do sótão e do
porão: medos, preocupações, desejos e lembranças dos quais eu tenho
consciência (sótão) , e o que eu guardo em meu inconsciente e não
está claro (porão).

Que escolhas diárias devemos fazer para entrar em sintonia com o


conceito da nossa evolução? No campo da escolha, nossa relação com o
espaço faz-se por meio das vivências que se tem com ele. O espaço
vivenciado mostra pronunciadas descontinuidades: aparentemente ele
pode nos parecer um espaço fechado, mas basta iniciar as experiências, por
meio das nossas histórias e vivências, para ele se expandir ao infinito.

Freud define essas experiências como o princ ípio do prazer , que


funciona junto do princípio da realidade, complementando as formas do
funcionamento mental. O princípio do prazer, como o nome diz,
caracteriza-se pela procura de prazer, assim como evita o desprazer, que é
fruto da repressão. No entanto, o cérebro entende o evitar com a própria
presença do medo e, ao nos proteger, faz que nos relacionemos com ele.
No princípio do prazer habita nosso inconsciente, o qual direciona a força
motriz que busca satisfazer impulsos como a fome, a raiva ou o sexual.
Em um projeto de design de interiores, o princípio da realidade e o
princípio do prazer devem trabalhar em condição de cooperação:
enquanto um é contenção, o outro é puro impulso e liberdade.

Eis o papel fundamental que antevê o início de um projeto: sua


conceituação, feita por meio de uma atenta anamnese e de exercícios que
estimulem a criatividade. Um conjunto de informações de cunho
emocional para as quais sempre podemos voltar quando nos dispersamos
do nosso propósito estético, quando provocados pelo consumo impulsivo,
pelo palpite alheio ou mesmo pelas histórias vindas de outras fontes – por
exemplo, modismos e movimentos artísticos –, que podem nos confundir.

Na questão ecossimbólica, “Do que eu preciso” se manifesta como espaço


de fertilidade o qual se alia aos conceitos da

sustentabilidade , partindo do princípio de uma visão criativa em


relação aos objetos que já nos acompanham em nossa morada, mas que,
por não mais fazerem sentido ou não se adequarem à nova fase da nossa
vida, precisam ser ressignificados e/ou reciclados, por meio de cores,
novos acabamentos, novos usos e novas possibilidades – o chamado
upcycling, já mencionado anteriormente. Costumo dizer que essas peças
são abundantes de boa intenção: sua matéria-prima é de excelente
qualidade, e seu formato plástico permite que criemos por meio dele. Sob a
interferência de “Do que eu preciso”, já piquei tapetes orientais que
ficavam guardados em armários, transformando-os em cabeceira de cama,
pufes e tapetes tipo patchwork. Assim como já contratei artistas e
grafiteiros para fazer interferências mais ousadas e personalizadas na
superfície de móveis velhos, que seriam descartados.
A escolha torna-se única e representa a expressão máxima da
transformação. Aparentemente, aquilo que não tinha valia e poderia ser
descartado retorna a seu morador, a sua moradora, contando novas
histórias e ressignificando símbolos da casa.

O que eu amo
“O que eu amo” representa a escuta da alma, que se faz presente em nossa
casa a partir da integração de corpo, mente e coração. São
manifestações que intercorrem em meio ao projeto e que
podem nos direcionar para outras possibilidades. Exemplos: aquela ideia
que não deu certo e nos exige criatividade, pessoas e histórias que surgem
em nosso caminho e ampliam nosso conhecimento, afetos provenientes da
nossa surpresa e do nosso estranhamento frente à mudança.

Aqui também eu incluo o papel do designer de interiores, que por meio de


seu olhar externo nos faz enxergar um lado ainda desconhecido ou de
pouca intimidade conosco mesmo. “O que eu amo” é a integração de “O
que eu quero” e “Do que eu preciso” por meio de um mergulho e da
entrega ao mundo da expressão – experiências de materialidade .

As experiências da materialidade nos propõem o futuro como meta.


Orgulhoso de um passado como origem, sua expressão se dá pela
decoração no tempo presente, e aqui “O que eu amo” deverá vir
acompanhado de outro questionamento: “Por que eu amo?”, que deverá
descartar qualquer vínculo superficial com a casa. O porquê deverá
integrar a experiência horizontal e a experiência vertical.
O equilíbrio entre matéria, existência e informação pode ser entendido
como uma conexão entre diferentes formas de manifestação da mesma
energia, que se expressa em níveis de consciência distintos. A matéria
representa a dimensão física e concreta da casa, enquanto a existência se
refere à presença e ao movimento da vida que a habita. Já a informação se
relaciona com a simbologia e os significados que atribuímos aos objetos e
espaços, que podem atuar como portais para o inconsciente.

Ao considerar essas três dimensões de forma integrada, podemos criar


espaços que não apenas atendam às nossas necessidades físicas e funcionais
como também sejam um reflexo daquilo que somos e do que buscamos em
nossa vida.

Sob o ponto de vista projetual, essa é uma fase na qual nos abriremos

para o novo , para tudo aquilo que vem de fora. Novas tecnologias,
novos materiais, aliados à sustentabilidade, resgates da nossa cultura
primitiva e do fazer artesanal, o consumo consciente do design e todo o
conteúdo presente nos capítulos que abordamos neste livro nos falam do
mundo da expressão e de como queremos ser vistos a partir dela.

Na questão ecossimbólica, esse é o momento de nos abrirmos aos novos


materiais e, por meio deles, à tecnologia e à ecologia. Nosso acervo pessoal
já foi constituído nas duas fases anteriores, e “O que eu amo” deverá
direcionar nossas escolhas, representando nosso compromisso por ser
durável, reciclável e econômico.

Aqui, trago algumas sugestões de questionamentos a nos desafiarem diante


das novas escolhas, sugeridos por Victor Papanek no livro Arquitectura e
design: ecologia e ética. Estou certo de que você, a partir dessa lista, poderá
ampliar esses questionamentos para se aprofundar nesse conceito.
O que eu amo…

...é realmente necessário?


...preciso realmente de mais um?

...estou comprando por impulso?


...é um produto da moda?

...como será daqui a três, cinco e dez anos?


...poderei comprar em promoção?

...poderei comprar de segunda mão?


...poderei alugar?

...tem o mesmo propósito de outro artigo que já possuo?


...pode ser facilmente reciclado?

...poderei reciclar por mim mesmo?


...vai durar quanto tempo se for bem tratado?

...tem qual custo de manutenção?


...é um objeto da moda?

...foi bem fabricado e feito para durar?


...poderá atrofiar algumas das minhas capacidades?
...é de qualidade de fato ou tem uma falsa imagem de qualidade,
amparada por uma boa estratégia publicitária?

...é seguro para o uso?


...é um produto que faz escorregar quando molhado?

... é inflamável?
...tem reposição?

...foi avaliado por fontes confiáveis?


...já mostrou devidamente as suas capacidades, eliminando seus
“contras”?

...é uma cópia de qualidade duvidosa?


...será realmente uma boa escolha?

...sua quantidade de funções e botões fará alguma diferença no uso,


justificando um investimento maior?
...é possível ser utilizado por um método diferente para o serviço que
será executado?

...prejudica o meio ambiente?


...desperdiça energia?

Eis que a casa começa a nascer, em pleno alinhamento entre matéria,


existência e informação, como formas distintas de manifestação da mesma
energia. Isso significa que, mesmo quando nossa mente e nossos olhos nos
fazem acreditar que estamos parados, os demais sentidos continuam
trabalhando de forma integrada, convidando-nos o tempo todo a entrar
em ação por meio dessa relação simbólica, em que nada pode ser dado
como certo e tudo passa a ser uma experiência que chega com o intuito de
nos despertar capacidades latentes, sempre prontas a se manifestarem.

As escolhas que preenchem uma casa registram a materialização da vida


como sinônimo da criatividade, tornando-a um lugar de beleza, valor e
estima. Desse modo, escolhemos objetos que possam representar o
presente e contar um pouco do passado com representatividade no futuro.

Segundo o escritor Alain de Botton (2007), há uma interligação entre o


senso de beleza e a compreensão do que é viver bem, e nesse meio se
buscam significados de paz e harmonia dos ambientes, seja em um quarto,
seja em uma cozinha, seja por meio de uma cadeira, uma torneira… E,
nessa sintonia, a mente humaniza e organiza as formas, construindo a
realidade diante de nós.

Muitas pessoas confundem o encontro com a alma com algo milagroso


que vem de fora e em nossa direção, mas o contato com a alma

nasce de encontros. Para facilitar nosso processo de maturação e


transformação como designer de nós mesmos, podemos desenvolver
práticas e formas de pensar que busquem estabelecer congruência entre
nosso ser interior (essência – do que eu preciso) e nossa expressão diante
do mundo (personalidade – o que eu quero), equilibrando o mundo
exterior com nosso bem-estar interior (espiritualidade – o que eu amo).

A alma está sempre presente em nosso corpo, como o pavio de uma vela
que alimenta a chama, questionando-nos: que casa somos nós? O
que faremos durante essa experiência com a casa? Qual o propósito desse
investimento e dessa busca?
Capítulo 10.

Design de interiores, um

caminho

Um designer é também um professor, estando


em posição de informar e influenciar o cliente.
Com a atual confusão ambiental, é mais
importante que ajudemos a orientar a
intervenção do design, de modo que seja natural
e humana.

Victor Papanek, Arquitectura e design: ecologia e ética

Desde sua origem, a palavra “design” tem passado por diversas


interpretações e ressignificações. Ao ser associada aos temas que regem os
interiores – design de interiores –, não foi diferente e, por meio de seus
processos e procedimentos, agregou múltiplos saberes à decoração,
tornando-se uma ferramenta de conexão entre os sentidos e o
mundo.

Faço um paralelo associando o design de interiores com a viagem: você


escolhe um destino, determina uma quantia a investir, pesquisa sobre
como chegar, planeja como ir e quando voltar, informa-se sobre as
principais atrações, pede dicas aos amigos, busca informações sobre a cena
cultural, e, por mais que se tenha preparado para o que vai encontrar, a
experiência só se completa quando você mergulha e se entrega com o
coração, deixando-se levar pelas emoções.

O design de interiores é assim, uma viagem, fruto de força de vontade,


intenção, pesquisa, planejamento e envolvimento prático. A cada etapa,
um novo caminho, uma nova história que nos leva a entrar em contato
com as dimensões da beleza, alimentando nosso senso estético e ativando a
persona do designer que habita em cada um de nós. Diante de tantas
descobertas, o envolvimento torna-se uma consequência, de forma que,
quando menos imaginamos, sentimos o desejo de mergulhar de cabeça e
nos deixar levar intuitivamente em direção à beleza.

Como você pode ter notado, escrevi este livro na primeira pessoa do
plural, “nós” (eu + você). Essa escolha tem o papel de nos treinar como
colaboradores uns dos outros. E engana-se quem, ao ler minhas palavras
sobre a importância do morador como protagonista da decoração, pense
que eu tenha diminuído ou subestimado a atuação do designer de
interiores. Assim, neste momento do livro considero importante
tratarmos da profissão, de seu futuro e de ajustes que deverão ocorrer
nessa atividade profissional.
Temos ouvido que, com o avanço da tecnologia, várias profissões se
extinguirão, bem como outras surgirão, e isso é um fato: muitas se foram
ou estão em “crise existencial”, por meio dos profissionais que as exercem.
Mas eu não tenho dúvida de que a atividade do designer de interiores
tende a crescer, evoluindo e se especializando cada vez mais.

Em virtude das descobertas da neurociência e da importância do

ambiente e do poder de influenciar quem nele esteja , o


design de interiores se tornará uma disciplina de grande notoriedade, além
de complementar a outras profissões. Por exemplo, um gerente de hotel
com especialização em design de interiores poderá ser mais valorizado, em
vista de sua preocupação agregadora em manter o espaço e cuidar dele
para que as experiências e os valores pensados para o ambiente sejam
sempre destacados. Essa tendência deverá acontecer em outras atividades,
como gerência de lojas, clínicas, fábricas e departamentos de recursos
humanos, afinal cuidar da saúde dos funcionários envolverá cuidar do
ambiente onde ficam boa parte do seu dia.

Para as lojas de design e decoração que buscam vendedores tendo essa


formação como uma obrigatoriedade, não mais bastará contratar um
designer de interiores que possa auxiliar os consumidores com o
pensamento voltado para a meta de vendas a ser atingida, mas um
designer de interiores que de fato se coloque no lugar de quem consome,
tendo a consciência e o discernimento de que aquilo que é eficiente para
alguns nem sempre o é para outros e, principalmente, que nem tudo que é
design é bom e faz bem para a humanidade.

É aí que o designer de interiores ganha relevância fundamental, não só no


papel de rechear o espaço entre as paredes que chamamos de casa, mas
para ajudar seus clientes a se libertarem de uma sobrecarga simbólica
indesejável. Ou, também, ao contrário, talvez os clientes necessitem de
ajuda para descobrir o valor permanente de algum velho símbolo que,
longe de estar morto, esteja tentando renascer ressignificado.

Aos que acreditam no papel curador do design, o designer de interiores


não mais poderá negar os símbolos que os clientes trazem consigo para
tomar a autoria do projeto exclusivamente para si. Em vez disso, precisará
explorar eficientemente os significados simbólicos de cada cliente,
adquirindo um conhecimento mais amplo das suas origens – por exemplo,
hereditárias, geográficas, culturais, espirituais e até mesmo de gênero –
para ajudá-los a se entenderem de uma forma mais ampla baseados nas
escolhas que ocorrerão no processo, as quais não mais partirão de desejos
superficiais e/ou impulsivos.

Para aqueles que me perguntam sobre como se tornar um profissional


sustentável em um mundo de consumo, eu respondo: a

sustentabilidade começa sempre pelas relações . Esse é o


grande segredo. Nada mudará de fato se o enraizamento do design por
meio das relações não for bem implantado por uma empatia que entenda a
realidade de quem o contrata.

É de suma importância, aos profissionais do design de interiores,


desenvolver qualidades psicológicas para poder traduzir os conteúdos
simbólicos que emergem do inconsciente de cada cliente e, por meio deles,
desenvolver habilidades para orientá-los. Digo que todo cliente deve ser
olhado pelo seu potencial criativo, estimulando o designer que ali se
esconde e que por vezes precisará ser convidado, mesmo que com muita
resistência, a sair de sua caverna de medo para viver o prazer das
experiências.

Quando um cliente novo chega ao meu escritório ou mesmo quando o


visito em sua casa, gosto de percorrer metaforicamente a sua casa interior,
adentrando suas histórias e as experiências ali vividas e que deixaram
marcas, da mesma forma que os móveis e cômodos contêm marcas de uso,
de exposição ao sol, colecionando desgastes, lascas e manchas. Escuto o
que me contam e, principalmente, uso de toda a sensorialidade e toda a
intuição para captar o que eles não contam. Gosto também de aprender
com o silêncio, naquele pequeno intervalo de tempo entre cada pergunta,
observando seus modos e a entonação de voz. Um brilho no olhar pode
falar mais do que mil palavras.

Para isso, nossos estímulos terão de ser sutis, indiretos, aleatórios e, ao


mesmo tempo, constantes, para não corrermos o grande risco de o cliente
pender suas respostas somente para seu lado mais egoico. Será preciso
criar espaço para a sua essência, no papel da criança interior que quer se
manifestar como seu próprio designer. Vale ressaltar que, para isso
ocorrer, é fundamental saber lidar com as próprias frustrações
profissionais, pois alguns clientes poderão não aceitar participar do
processo criativo, recusando-se a encontrar-se com a criança interior.
Nesse caso, é importante que o profissional não leve para o lado pessoal,
pois tudo isso acontece no campo do inconsciente, cabendo a quem
conduz o processo interrompê-lo ou redefinir a abordagem. A cada “não”
dito pelo cliente, abre-se um “sim”, um rico caminho a ser trilhado por
nós, profissionais.

é ã
Design de interiores é a decoração

em ação!

Decoração é experiência; como um músculo, precisa ser treinada e


fortalecida o tempo todo. O design de interiores, por sua vez, é a
decoração em ação e deve ser encarado como um exercício investigativo
pautado por uma escuta ativa que envolva outras dimensões do escutar,
consistindo em um garimpo emocional realizado por meio de perguntas.

Fazer perguntas é parte essencial desse processo interativo entre o

designer criativo e o c liente criador . Devemos deixar de lado a


ideia de que o designer é o que sabe tudo, e o cliente, menos. Da mesma
maneira, essas perguntas não devem ser aplicadas como se fossem um
questionário, uma seguida da outra, com início, meio e fim, mas pensadas
intencionalmente para tirar os clientes da zona de conforto, como uma
forma de estimulá-los a entrar em contato com o designer que lhes habita.
São perguntas amplas que visam fazê-los perceber a relação que têm com o
mundo com base nas histórias que nos contam.

Quais são suas origens? De onde são seus pais? Como foi a infância? Onde
passavam as férias? Onde se formaram? Como era a casa durante a
faculdade? Para os casados: onde se conheceram? Como seria se…? Como
você se sentiria se…?

Esses são alguns exemplos que não têm, como objetivo, obter respostas,
mas trazer à tona, ao campo das emoções, atos falhos, pequenas
entrelinhas que nos abrem para grandes criações. Costumo brincar que é
um exercício de mexer o caldo: a gente mexe, mexe, mexe e, quando se dá
conta, emergem informações do inconsciente. E, certamente, as melhores
perguntas são as que provocam silêncio como resposta, pois isso significa
que os clientes estão em estado criativo. Uma forma de “quebrar o gelo” é
intermediarmos esse garimpo com nossas próprias histórias, assim como
utilizar metáforas é um ótimo recurso. Qualquer artifício é válido para
tirar o ego do controle.

Às vezes, utilizo a tática da contratendência para criar essas


interrogações. Se o cliente quer uma casa para receber, já fico tentado a
querer saber como será essa casa quando ele estiver sozinho; se ele se sente
atraído pelos padrões lisos e brilhantes, questiono sua relação com as
texturas e a porosidade; se prefere a noite, quero entender sua relação com
o dia… Ou seja, procuro questionar o que o cliente me conta, espelhando
seu oposto.

A criatividade deve estar sempre um nível acima do

problema , e essa passa a ser a importância do designer de interiores no


acompanhamento do projeto: ter um olhar externalizado nas questões que
abordam o inconsciente e usar da criatividade como quem investiga, na
certeza de que encontrará um tesouro ali escondido. Em um primeiro
momento, será preciso acolher o cliente em sua casa atual, com seus
desejos e vontades, para entender o que o trouxe até ali e, em um segundo
momento, propor-lhe uma aventura, convidando-o a olhar para um
horizonte mais distante. A partir disso, será necessário pesquisar quais os
símbolos dessa relação com o morar que se apresentam saudáveis.
Precisamos olhar para o que é saudável, prestando atenção ao que abunda,
a fim de traçar um caminho em direção a uma consciência positiva.
Quanto maior for a multiplicidade de experiências facilitadas por nós,
profissionais, maior será a capacidade de unir o específico com o geral, de
tocar o cliente criador, de contemplar a satisfação de desejos, de
possibilitar mais insights, de levantar mais questões para, só a partir de
então, poder oferecer soluções e elaborações pessoais.

Novos caminhos para o design de

interiores

Estudos em neuroarquitetura têm confirmado o que nossos antepassados


já praticavam: que o ambiente construído é capaz de moldar quem somos –
física, social e cognitivamente. O fato de vivermos em um mundo doente,
por exemplo, é um resultado que, em parte, deve-se à maneira fria e pouco
comprometida pela qual temos habitado nossas casas, afetando nossa vida,
a vida dos que amamos e nossas comunidades.

É por isso que precisamos repensar o morar: para suprir algo além das
nossas necessidades físicas e biológicas. O mundo está nos solicitando uma
casa que emerja do nosso coração. Se, no mundo industrial, antes de
habitar uma casa nós a decorávamos, no mundo digital o processo foi
invertido, e, desde então, passamos a vida a decorá-la, pois cuidar da

casa tornou-se sinônimo de autocuidado .

Para isso, o partido a ser adotado diante de um projeto diz respeito às


condições em que ela se encontra versus o propósito que levou à busca pela
mudança. Essa é resposta que deverá permear não só o projeto como
também toda a relação com a casa a partir de então.
Começar pelo começo

Essa fase envolve entrevista inicial, pesquisa de referências, criação


conceitual, o pensar e o projetar e as questões que falam de
sustentabilidade, sem esquecer os orçamentos, o grande vilão sabotador da
decoração. Iniciar reformas e mudanças sem uma dimensão do
investimento é perigo na certa, pois a decoração tem aquela aura da beleza,
da transformação e da saúde, assim como pode passar a ideia de que é algo
simples e fácil de fazer.

Até agora, trabalhamos o pensamento da sustentabilidade como se fosse,


embora necessária, algo externo a nós, por vezes uma conveniência
econômica em nível individual ou familiar: usar menos água, separar e
reciclar o lixo, comprar carros mais econômicos, instalar energia solar e,
de modo geral, saber da procedência do que se compra e preservar sempre
que possível.

No entanto, a crise ecológica não é somente responsável pela destruição da


natureza do planeta, mas talvez, e na mesma ordem de importância, da
natureza que está em nós, como o amor, o afeto e o respeito pelo próximo,
fazendo-nos esquecer os efeitos benéficos da alegria, da beleza e da
liberdade de ser.

Para que um novo pensamento surja e, por meio dele, uma nova cultura
passe a nos inspirar, tudo dependerá da nossa capacidade de viver de modo
completamente distinto o mesmo mundo que já não é mais tão moderno
assim. Aos que tratam desse ponto de vista como um ensaio de utopia, eu
trago minha experiência, por meio da qual pude acompanhar pessoas em
seus lares. Certamente a decoração não salvará a vida no planeta, mas tem
grande chance de ajudar a nos integrarmos a ele.

E que fique claro que, muito embora eu considere ser necessário, não sou
daqueles que sonham em mudar o mundo – pelo menos não de uma forma
milagrosa. Ou seja, ao que tudo indica, vamos continuar nos
desenvolvendo pelo viés da tecnologia e do consumo. Contudo, para que
isso ocorra, não deveremos mudar a forma pela qual fazemos, mas
mudar o modo como estamos fazendo . Esse, a meu ver, é o
grande salto capaz de inovar nossas crenças e forma de pensar.

Cuidar diariamente da casa,

buscando contemplação

Nossa casa continuará vazia de significados se nos apossarmos apenas das


coisas que podem ser compradas e vendidas. Há estudos que comprovam
que o índice de felicidade depende das boas experiências diárias, como
fazer refeições em conjunto, cuidar das plantas e receber os amigos, entre
outras. Muitas dessas experiências diárias potencializam o grau de
manifestação com que a vida ocorre na casa.

Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No


alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se
verte tempero ou veneno. […] Cozinhar não é
serviço. […] Cozinhar é um modo de amar os
outros (Couto, 2009, p. 97).
Cuidar diariamente da casa é, portanto, essencial, seja movimentando os
objetos e móveis, mudando-os de lugar, seja com a organização dos
armários e a limpeza periódica, seja preparando as refeições, lavando a
louça, arrumando a cama, tendo vida familiar e com os amigos, colocando
flores no vaso, regando as plantas.

Detestados por muitos, impregnados pela herança de menos-valia que os


assuntos domésticos adquiriram, os afazeres diários são movimentos que
“bem” ou “mal” devem ser realizados com atenção. Claro que não
precisamos faxinar a casa toda para pertencer a ela nem dar conta daquela
pilha de louça acumulada na pia (embora fosse recomendável), mas
devemos escolher alguns rituais (e nos responsabilizar por eles)
como uma forma de simbolizar nosso apoderamento do território.
Quando isso acontece, sentimos algo não verbal, como se acessássemos um
portal para revisitar vivências que fazem aflorar muitas coisas do
subconsciente, as quais nos permitem muitos insights.

Cuidar da casa, arrumá-la, organizá-la e inclusive limpá-la são alguns dos


seus rituais, e, como rituais, têm o importante papel de nos fazer resgatar
conhecimentos e dinâmicas muito antigas da vida, que se perderam em
função do pensamento fixado na razão.

Se é um fato que não decoramos a casa para competir com o outro, por
qual motivo a decoração existiria em nossa vida a não ser para nos ajudar a
ter prazer por meio das práticas do cotidiano? O que fazemos na cozinha
quando quebramos as paredes, trocamos os metais, investimos em
eletrodomésticos, além de uma cerimônia em prol do ritual de cozinhar?
Para que revestimos as paredes com papéis de parede, cortinas fluidas,
uma cabeceira confortável, além de criar abertura e preparo para o ritual
do repousar e do descansar, ou, então, para que perdemos tempo
escolhendo sofás, cuidando da espessura dos tapetes, combinando cores e
texturas senão para o ritual da celebração?

Uma decoração que nos conecta com nossa imaginação (imagem em ação)
por meio dos rituais significa que a alma está em movimento. Um campo
de criação de possibilidades a partir de uma nova consciência do que é
morar.

Um jeito simples de reformar é mudando as


coisas de lugar, mas não mude por mudar, mude
para ressignificar, para criar um cenário que o
ajude a tomar posse de si. E para isso não
existem receitas, só pistas. Vá seguindo: cada
fragmento da casa deve palpitar como um
coração ardente, deve guardar uma lembrança
ou uma história, abrigar ou exteriorizar a sua
alma e ser transformado em autenticidade e
coragem (Solano, 2014, p. 164).
Lembro-me de uma mestra de meditação que me acompanhou em um
período da minha vida e que certa vez comentou que as pessoas, embora
estivessem desesperadas para encontrar o grande amor da vida, não
cuidavam do básico, deixando a cama desarrumada. Ela recomendava a
todos que parassem de buscar a pessoa amada fora de casa e simplesmente
passassem a arrumar a cama no dia a dia, com amor e intenção, cuidando
do ninho, pois com isso passariam a impregnar aquele ambiente de rituais
de união. Eu mesmo passei por esse aprendizado e sou testemunha da sua
efetividade. A alma sabe tudo o que se passa no coração, mas para isso é
essencial nos envolvermos em cada uma de nossas questões por meio do
que estamos fazendo. Mente e corpo, cognição e tônus muscular, alma e
matéria não são entidades separadas, mas aspectos de uma mesma pessoa.
Energias vibrando em frequências distintas (Matos, 1994).

Já parou para pensar nesses momentos despretensiosos de cuidar da casa e


quanto nos deixamos envolver por uma mente tagarela?

Nossos pensamentos são carregados de sentimentos, emoções e memórias.


Somos consequências de nossas ações, que podem ser reflexivas ou
reativas, contemplativas ou impulsivas (Werá, 2023).

Será que o que vemos ao nosso redor – pendurados nas paredes, nos copos
dentro dos armários, nas almofadas recostadas no sofá – não seriam os
acordos velados aos quais nos permitimos por meio de rituais de
pessimismo, medo, raiva, inveja que intimamente estamos criando? Ao
não valorizar os cuidados diários, fazendo-os de qualquer jeito, não
estaríamos deixando a casa desabrigada de seus rituais de consagração?

Em suas aulas, o monge Satyanãtha ensina: ritual é tudo o que a gente faz
no mundo físico com a intenção de acessar o mundo invisível, que, apesar
de não vermos, está lá, em forma de vibração, pronto para download. Os
rituais têm o poder de mudar o fluxo da nossa consciência, estabelecendo
uma ordem de prioridade e importância daquilo que almejamos alcançar,
transformando o mundo físico à nossa volta.

Na casa, nossos instrumentos para esses rituais são os pensamentos e a


intenção neles. Por meio dos rituais cotidianos, praticamos a sinergia com
a casa. E, quanto mais concentrados estivermos em nossas ações, mais ela
estará conectada com nossa natureza. É assim que a casa fica

impregnada por quem mora nela , pois, para onde vai nossa
atenção, a energia flui e vibra na forma pela qual a realidade se apresenta.
E, assim, a casa ficará impregnada por todos os pensamentos da nossa
mente tagarela ou será fruto de boas intenções de prosperidade e
autoamor.

A paisagem da nossa alma e a paisagem exterior estão intrinsecamente


ligadas. Reservar um tempo para cuidar do jardim, arrumar a casa,
cozinhar e contemplar a casa, por exemplo, deve se tornar algo tão
valorizado quanto os nossos afazeres profissionais, pois moldar nossa casa
a partir da nossa natureza interior é um caminho fundamental para
sairmos da relação de destruição que temos com o que nos mantém vivos.

Aos poucos, esses rituais são interiorizados e vamos percebendo seus


efeitos, sentindo como a casa nos aceita. A experiência interna vai
crescendo, elaborando esquemas de organização e harmonização.

Na casa também abundam os rituais do repouso e da contemplação, pois é


do repouso que surge a intenção pela ação . Portanto, temos
que cuidar também da não ação. Aquilo que antecede o movimento de um
pensamento, de uma emoção, de um gesto zelando pela energia que
emitimos para nós mesmos e para o mundo à nossa volta (Werá, 2023).
A contemplação também dá suporte a esse mistério da não ação. Se ainda
não podemos compreendê-la, cabe ao menos cultivá-la a fim de dar a
devida atenção e o cuidado para esse espaço em nossa vida diária. Afinal,
por que decoramos, senão para contemplar o que amamos e o que nos faz
bem?

Os rituais são como pontes; eles ensinam a nos relacionarmos com coisas
que não podem ser compradas nem vendidas. E o que não pode ser
comprado torna-se sagrado.

O espaço da casa se faz transcender ao espaço


geométrico. Queremos, à primeira vista,
compreender a casa como realidade visível e
tangível: volumes, planos, linhas retas, linhas
curvas […], mas a casa não é um frio sólido que
envolve o homem. A casa é vivida pelo homem;
adquire valores humanos. Esse espaço
geométrico se transforma em humano, assim
que entendemos a casa como um espaço de
conforto e intimidade. Além da racionalidade,
descortina-se o campo do onirismo (Veríssimo; Bittar,
1999, p. 9).
Não é porque compramos uma casa ou mesmo a decoramos que o sonhar a
casa se finda. É preciso manter esse sonho, tomando consciência do
vórtice simbólico que a casa é. Sempre temos mais a aprender e, para que
isso ocorra, será preciso nos dedicarmos diariamente a

decifrá-la , percebendo suas mudanças em nós. Não podemos esquecer


que nela, além das horas, dos dias e dos meses, abunda a dimensão das
coisas criadas.

Por meio do sonho e do sonhar a casa, mantemo-nos conectados


ativamente com nosso inconsciente, e a casa torna-se o testemunho desse
sonho, registrando os fenômenos que ocorrem entre a vida consciente e os
fenômenos inconscientes.

E como deverá ser a formação do

profissional de design de

interiores?

Em um primeiro momento, recomendo a todos os profissionais que


pensem a decoração e o design de interiores como um aprendizado
contínuo, começando pela observação de si na relação com sua própria
morada. Não é o que fazemos que deve vir primeiro, mas, antes de tudo, os
valores de quem somos. Pois, ao nos tornarmos mais conscientes de nós
mesmos, apropriamo-nos das técnicas, tornando-as individualizadas de
acordo com nossas próprias experiências. Se o designer de interiores não
fizer esse esforço para se autocriticar, admitindo sua relatividade no
projeto, correrá o risco de não obter as informações necessárias para o
reconhecimento das necessidades dos clientes.

E esse será o futuro da profissão em sua diversidade de possibilidades e


aplicações, posto que cada um desenvolverá sua própria técnica com base
em um conhecimento autoexperimentado, aliado a um olhar investigativo
sobre cada cliente.

O que o design de interiores propõe a todos é entrar em contato com a


própria ação, e, para que isso ocorra, o designer de interiores, por meio do
autoconhecimento e do domínio da sua forma de pensar a casa, terá de
delegar poderes ao cliente, que deverá se sentir estimulado a enunciar suas
preferências. Essas, muitas vezes, trabalharão em oposição ao que o
designer pensa. Nesse momento, esse designer deverá assumir o papel de

educador, conselheiro e/ou cuidador da casa , trabalhando


em favor de seu cliente.

Nós, designers de interiores, estamos deixando de ser apenas prestadores


de serviço para nos tornarmos, também, promotores de bem-estar e
qualidade de vida.

O cósmico e o cotidiano, o espaço e o tempo, o feminino e o masculino, a


natureza e a cultura, o sacro e o profano, a teoria e a prática passam a se
confrontar naturalmente fundados nas experiências individuais de cada
morador, que passa a transformar a casa como consequência do seu uso,
das maneiras de ser, de se vestir, de se comportar e de se interessar pelos
objetos, pelo mobiliário, pelas palavras que participam em conjunto dessas
transformações e as informam.
No âmbito acadêmico, essa transformação será multi e

transdisciplinar . Diante da importância para o bem-estar e a saúde


advindos de ambientes concebidos com esse propósito, a formação do
designer de interiores cada vez mais demandará uma graduação ou
especializações relacionadas a diferentes campos do conhecimento, indo
além da dimensão material e a entendendo como uma pedagogia do

espaço . Para isso, deverá incluir estudos e descobertas de áreas diversas –


epigenia, geometria fractal, antropologia, filosofia, psicologia (pessoal,
social e ambiental), arte, ecologia (ecopsicologia e ecologia profunda),
entre outras –, assim como deverá estender seus estudos às tradições
milenares, como feng shui, vastu shastra, geobiologia, radiestesia e
radiônica, entre outros possíveis saberes que surgirão, integrando e
proporcionando um amplo aprendizado aos atuais desafios, tantos locais
quanto globais.

Diante dessa extensa e complexa lista de saberes, sem considerar os


avanços da tecnologia, temos de ter a consciência de que todas as
informações pertinentes à concepção de uma casa decorada abundam nos
meios de comunicação digital e que só existe um caminho para a
diferenciação profissional: o rigor e o aprofundamento.

“As formas também formam”

Essa frase da socióloga Marion Segaud (2016, p. 115) sugere que as formas
têm a capacidade de criar outras formas, inspirar criações e moldar a
maneira pela qual contrastamos e interpretamos o mundo e a organização
do espaço, transmitindo significados.

Tem a ver com auxiliar os clientes, ensinando-os a se relacionarem com a


casa por meio do mergulho no seu fazer, no seu criar, permitindo
desenvolverem capacidades latentes – físicas, mentais, emocionais e
espirituais – de forma integrada.

A combinação de aspectos estéticos e funcionais é bem complexa e, para


isso, deverá abordar de uma forma mais ampla novos conhecimentos,
recebendo maior peso que a visão autoral do profissional. Para que
ocorram a pedagogia do espaço e a ecologia da casa, precisaremos de mais
interações e de maior integração com os diversos temas que circundam o
ser humano, abarcando uma postura mais investigativa sobre as várias
camadas existentes em cada cliente.

Ciente desse poder que tem em mãos, o designer de interiores deverá


tomar, como ponto de partida de seus projetos, a responsabilidade de
preservar, reequilibrar e desenvolver ambientes que agreguem bem-estar,
respeito e harmonia, promovendo saúde aos seus moradores.

Onde existem beleza e harmonia

existem cura e saúde

É necessário que a decoração seja sustentável; que integre a cultura


individual de cada um com a natureza em seu conceito amplo e irrestrito,
tendo como foco a criatividade e a rica biodiversidade que uma casa pede
perante as questões psicológicas, estéticas e existenciais.

Embasar essa prática com referências científicas, além de ser um


contraponto inusitado à forma pela qual a decoração é muitas vezes
praticada, é meu modo não só de contribuir para estudantes e profissionais
da área como também de ampliar a consciência dos interessados nos
benefícios da estética, afinal é preciso pensar a decoração com
responsabilidade.

A mudança da lente do design de interiores se faz urgente porque as


tecnologias, os sistemas político-sociais e os modelos empresariais e
econômicos refletem o modo como as sociedades veem o mundo. Logo, a
tecnologia, os sistemas e os modelos, assim como todo o lixo que estamos
colocando para fora das nossas casas, são resultantes do nosso sistema de
crenças e dos modelos mentais atuais.

Então, se trouxermos a dimensão do amor para nossas lentes, o modelo da


sociedade poderia se tornar um reflexo disso?

Como seria se, em lugar da oposição entre alto e baixo, entre material e
espiritual, tivéssemos a tensão entre a vida na Terra e a vida com a Terra?
Capítulo 11.

A casa e o cosmos

Brinco com a casa para que ela brinque comigo.


Desafio a ordem para nutrir meus desejos e deixo
tudo macio, para, quando cair, mergulhar no
prazer de ser abraçado por um pedaço de mim.

Fabio Galeazzo

O cosmos é o conjunto de tudo o que existe, desde o microcosmo ao


macrocosmo. Está relacionado às ideias de ordem, harmonia e beleza. O
cosmo é o mundo natural, bem como o espaço celeste é o universo em seu
todo. Entendido como ordem, opõe-se ao caos, que seria precisamente a
falta de ordem.

Ou seja, o próprio universo – ou, simplesmente, o cosmo – convoca a


ordem e a beleza em sentido estético de uma forma mais ampla, e nos
ajustamos a ele por meio do sentido da beleza.
Assim, o cosmo tem a sua beleza, a sua geografia, em que o tempo o
perpassa em fases, rotações e ciclos, definindo um movimento circular
manifestado em símbolos e evocações. Um movimento circular remete-
nos ao círculo, uma forma que nos leva à ideia de centro, o qual exerce o
papel de reconciliar nossas tendências bipolares entre o sagrado e o
profano, a luz e a escuridão, a coragem e o medo, etc. Uma metáfora que
coloca o nosso self no centro de um mundo simetricamente ordenado,
manifestado em símbolos e evocações que nos lançam na vida em busca de
respostas que deem sentido a nós e ao mundo. A esse movimento circular
e ascendente atribuímos valor de sagrado (Tuan, 1983).

Como já vimos nos capítulos anteriores, ao nos desenvolvermos quando


crianças nos diferenciamos de nossa mãe, criamos nosso mundo e
passamos a ordená-lo a partir do nosso centro cósmico, daquilo que nos
emociona – o coração, que pulsa a vida e tudo quer conciliar. Fazemos
nosso percurso em espirais circulares, e nosso interior se revela como um
movimento de sentidos de dentro para fora e de fora para dentro, em que
cada qual deve achar sua direção e de onde passamos a ordenar o mundo a
partir desse centro.

A tomada da consciência se dá como resultado dessa nossa experiência


interior com nosso corpo, com outras pessoas e com o mundo. Ao
explorar o mundo, reconhecemo-nos como parte dele e voltamos para
nosso interior, em que passamos a simbolizar esse encontro. É esse
exercício de contínuo centramento que nos confere escolhas e
oportunidades – de nos aproximarmos ou não de algo ou alguém –, e o
aprendizado se dá ao utilizarmos os sentidos para humanizar a
experiência.
No que concerne à decoração, esse movimento de centramento

nos sugere ir em busca de ordem e equilíbrio , harmonizando


opostos simbólicos que habitam em nós, como o sótão e o porão, o visível
e o invisível, o claro e o escuro, o dia e a noite, etc., que nos
individualizam por meio da casa.

No entanto, o mundo moderno negou esse movimento cósmico,


transformando o universo em uma paisagem horizontal e associando-o às
linhas de montagem das fábricas, em que tudo tem começo e fim. O
pensamento racional nos afastou do pensamento emocional, apartando o
corpo da alma e de todas as demais polaridades cuja conciliação, antes,
fazia parte do papel do cosmos.

Segundo Hillman (1993), levou muito tempo para que a psicologia


aprendesse que o corpo é alma ; que aquilo que fazemos, o modo como
nos movemos e o que percebemos é alma.

Mais recentemente, a psicologia está aprendendo que a alma também se


expressa no sistema das relações em que estamos inseridos, ou seja, a alma
também é sistêmica, e o próximo passo será reconhecermos que a casa
onde vivemos, onde nos movemos, onde habitam nossos afetos também é
alma, e, por meio dela, a rua, os quarteirões, os bairros, as cidades, e assim
sucessivamente, também hão de ter alma (Hillman, 1993).

A casa, em sua projeção de mundo, revela-se por texturas, cores, luzes e


atmosferas, em uma exposição de formas que se apresentam em estado de
animação (anima + ação), e, à medida que esta ou aquela coisa ganha vida,
chama a nossa atenção, atrai-nos, deixa de ser uma assinatura codificada
para ser decifrada em busca de significado. A partir de então, passa a exibir
rostos e, consequentemente, uma fisionomia a ser encarada.
Cosmos, mundo, casa, corpo e alma passam a se encontrar alinhados por
meio de um único valor, o sentido da beleza, e não estou falando daquilo
que os faz belos, mas dos movimentos da alma que dão vida às imagens
para que elas afetem nossa imaginação e reverenciem o cosmo. Então, a
alma da casa une-se à nossa para vibrar o cosmo em nós.

Naturalmente, a casa e tudo o que a faz são inanimados, pois eles não
vivenciam sentimentos, recordações e intenções. No entanto, eles podem
ganhar alma por meio das nossas projeções, que nos retornam
despertando ideias, recordações, interioridade, profundidade. A nossa casa
e a decoração que ali criamos não têm energia própria; somos nós, seus
habitantes, que a ativamos por meio das nossas ações e criações.

Assim, qualificar uma casa de vazia ou mesmo depressiva significa analisar


a forma pela qual ela se apresenta, seu comportamento em sua estrutura
apática e sua aparência assexualizada junto da desimportância e da
descartabilidade de seus interiores. Mas ela também pode ser paranoica na
forma pela qual se apresenta em uma postura defensiva, feita de relações
enganosas entre os objetos que estão em seu interior, bem como na forma
pela qual se fala desses produtos, quase sempre necessitando de distorções
gritantes dos seus significados – bom gosto, sofisticada, verdadeira,
atemporal, luxuosa, espetacular, entre outras.

Existem tantas patologias quanto tipos de casas pudermos imaginar, ou


seja, há também a casa ansiosa, a anoréxica, a obesa, a dependente química,
etc., e nesse tanto de casas deve haver a casa saudável, pois interpretar as
coisas do mundo levando em conta unicamente os nossos sonhos tem
privado o próprio mundo do seu sonho, adoecendo-o.
Essa constatação de realidade psíquica requer uma forma mais humana,
mais orgânica, no uso dos sentidos para pensar em um modelo de casa que
seja capaz de nos levar a uma nova resposta estética ao mundo, que
considere e nos integre ao animal que somos. Uma resposta que vincule,
em uma única alma, o cosmos, o mundo, a casa e o corpo, porque não são
estruturas separadas: uma é a projeção da outra.

Todos nós sonhamos em ter um lugar secreto onde possamos nos recolher
em alguns momentos, escapando das pressões e da ansiedade da vida. Para
alguns, esse sonho pode estar em uma ilha distante, um cenário idealizado
ou mesmo um Jardim do Éden. Porém, esses sonhos muitas vezes são
escapistas, por uma única constante, um desejo irresistível de fugir de uma
companhia persistente: a nossa própria.

Mas há ainda um outro motivo: o de querer entender algo mais profundo


que a vida tenta nos dizer e que possa ir além desse escapismo ou mero
relaxamento. Uma necessidade de clareza interior, força e sentido, não
para nos distanciar de tudo, mas para encontrar e compartilhar algo que
possa fazer tudo valer a pena (Walter, 2005).

E por que não expressar fisicamente na casa essa clareza que gostaríamos
de atingir? Transformando-a em um lugar que traga cura e equilíbrio, que
seja aberto aos amigos, mas também protegido de invasões indesejadas e
de notícias ruins.

Onde abrigar a casa?


A necessidade que a alma tem de beleza é fundamental. Todos os povos
sempre tiveram práticas de embelezamento: o realce de seus corpos, seus
utensílios, seus movimentos de dança, sua fala na poesia e na música.
Quando a satisfação do impulso da beleza está localizada na natureza, e a
natureza está ameaçada de destruição, instintivamente sentimos o
afastamento da alma. Não há nada de “místico”, “transcendental”,
“filosófico” ou “mágico” sobre a maneira pela qual nós devemos entender
essas palavras.

Na dimensão do cosmos da casa, para que ocorra uma decoração feita a


partir do coração, devemos nos questionar muito mais do que nos
preocupar em buscar respostas que nos saciem criando ambientes que nos
anestesiem. Se a casa se desenvolveu como uma resposta ao mundo, talvez
seja o momento de a decoração se tornar questionadora do ­mundo, da
mesma forma pela qual aquela criança que inocentemente questionou a
origem da árvore, conforme relatei no início deste livro. Uma

decoração que se aproprie do design de interiores para

abrir questões que nos façam optar pela beleza da vida em

vez de maquiá-la . Um design de interiores enraizado por


relacionamentos sustentáveis e mutuamente benéficos entre nós e a
natureza.

De um lado, a técnica, a metodologia, a matemática, a engenharia, fatos e


congêneres; do outro, as aspirações humanas, os sonhos e os sentimentos.
O ponto em comum entre eles é o coração, em um exercício de uma
decoração que busque trabalhar com o amor, lembrando-nos que a casa
não deve ser feita só por investimento, mas pensada como um objeto de
investigação.
De uma forma geral, percebi que decorar não é outra coisa senão
investigar as coisas. Mas não é só investigar coisas; é possibilitar que nesse
processo apareçam coisas que nos surpreendam, que estão ali, mas estão
veladas, fazendo que partes desconhecidas em nós tomem forma e se
concretizem.

O nosso dom maior é a criatividade , e o mundo pede uma pausa


para que esse dom se manifeste e por meio dele possamos construir uma
vida melhor, pois a única aventura ainda válida para nós está no resgate da
nossa alma.

A cada etapa, vamos conhecendo mais e mais da nossa casa, até o


momento em que ela fica pronta e os mistérios dela começam a surgir para
nos colocar questões. É da origem desse diálogo que ela se torna um espaço
oracular. Eis, então, que decorar se torna uma oração.

Termino este livro da mesma forma que o comecei, como quem abre a
porta de casa e diz: “Pode entrar, a casa é sua!”.

Há muito mais a fazer, explorar e descobrir. Que este livro possa nos
inspirar a ir além.

O que você tem feito pela sua casa hoje?


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ZABALBEASCOA, A. Tudo sobre a casa. São Paulo: Gustavo Gili, 2013.
Índice geral

“As formas também formam”

A casa da qual eu cuido agora passa a cuidar de mim

A casa e o cosmos

A casa organizada de forma tripartida

A celeridade da tecnologia versus tempo e espaço

A criatividade e a reciprocidade

A cultura do consumo e a finitude do planeta… o problema é de


todos!

A decoração também pode se tornar um ato de amor

A dimensão das coisas criadas

A ética e a estética

A experiência e o pertencimento

A experiência estética e o autoconhecimento

A experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece

A integração dos sentidos

A recessão chegou, vestida de bege!

A reorganização do espaço doméstico


A vida e a casa são alicerçadas por nossas histórias

A vida medieval e o design de interiores

Abre-te, sésamo!

Afeto e encontro na construção do acervo interior

Agradecimentos

Antes de haver estética, há de haver a ética

Apresentação

Aroma

Aventura externa e aventura interna

Casa, lar… qual a diferença?

Chegou o momento de construir uma casa de dentro para fora

Começar pelo começo

Cor

Criar o mundo é também criar-se e recriar-se continuamente

Cuidar diariamente da casa, buscando contemplação

Decoração periférica e decoração interiorizada

Design – substantivo, verbo, técnica, arte, propósito… e o que mais?

Design de interiores é a decoração em ação!

Design de interiores, um caminho

Do que eu preciso?
E como deverá ser a formação do profissional de design de interiores?

Ecocentrismo, biofilia e bem-estar

Eis que chega a luz sobre os hábitos de uma época

Em busca dos sentidos da alma

Espaço

Este livro

Estética, um acontecimento que nos move e nos envolve

Experiência ambivalente

Falar sobre a beleza é uma tarefa propulsora e relevante

Índice geral

Início da vida moderna, eis que surge a classe média

Interconexão dos sentidos

Introdução

Luz

Mas de onde surge essa tal criatividade?

Mas isso basta?

Mergulhando na simbologia dos quatro elementos

No coração guardamos a chave para aniquilar a repressão e praticar a


beleza

No mundo digital surge o cinza, um futuro de liberdade criativa


Nota do editor

Novos caminhos para o design de interiores

O design de interiores na organização das emoções

O designer que habita em nós

O elemento água (sul; sentimento)

O elemento ar (oeste; pensamento)

O elemento feminino e a revolução dos interiores da casa

O elemento fogo (norte; intuição)

O elemento terra (leste; sensação)

O monopólio da visão

O mundo digital

O mundo industrial

O mundo medieval

O progresso chegou impondo nova ordem e critérios às habitações

O que eu amo

O que eu amo…

O que eu quero, do que eu preciso e o que eu amo

O que eu quero?

O século XX trouxe novos papéis à mulher e ampliou o jeito de


morar
O tato e a liberdade para sentir

O viés da criatividade, entre o real e o imaginário

Onde abrigar a casa?

Onde existem beleza e harmonia existem cura e saúde

Os ambientes, a intimidade e a falta de privacidade

Os efeitos da tecnologia digital e o modelo de casa alternativo

Os sentidos e os símbolos

Os símbolos possuem valor de integração em si mesmos

Parte I. O mundo

Parte II. A casa

Parte III. A alma

Por que decoramos? – Em nome do progresso

Por que decoramos? – O resgate da interioridade

Por que decoramos? – Uma busca pela ascensão social

Pouco espaço e muita roupa

Propósito, entropia e sintropia

Quando a casa se torna o nosso mundo

Quando a decoração considera as dimensões da alma…

Que histórias temos criado?

Referências
Século XXI – a queda das paredes trouxe uma casa mais porosa

Sobre o autor

Som

Textura

Toda experiência afetiva é multissensorial

Uma ponte entre os sentidos e o mundo


Sobre o autor

Fabio Galeazzo é designer de interiores e pesquisador independente das


interfaces de conexão entre as pessoas e os ambientes. Mestre em
criatividade e inovação pela Universidade Fernando Pessoa, em Portugal,
tem MBA em design estratégico pela Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM) e pós-graduação em psicologia transpessoal pela
Unipaz. É consultor de empresas das áreas de bem-estar, beleza, decoração
e mobiliário, e o estúdio de design de interiores e desenvolvimento de
produtos que dirige foi destacado entre os 100 escritórios criativos mais
importantes da América Latina pela revista Architectural Digest México.
Recebeu o Prix Versailles Continental na categoria Shops & Stores, prêmio
francês chancelado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) aos profissionais de design de interiores que
atuam em prol do desenvolvimento sustentável. Além disso, representou o
Brasil no Braderie de l’Art (BDA), o maior festival de reciclagem do
mundo, na França. Participou também, como convidado, da China ­‐
Academy of Art, na cidade chinesa de Hangzhou, onde realizou palestra
sobre seus projetos e metodologia criativa.
Administração Regional do Senac no Estado de São Paulo
Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman
Diretor do Departamento Regional: Luiz Francisco de A. Salgado
Superintendente Universitário e de Desenvolvimento: Luiz Carlos Dourado

Editora Senac São Paulo


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Coordenação de Revisão de Texto: Marcelo Nardeli
Revisão de Texto: Camila Y. K. Assunção
Coordenação de Arte: Antonio Carlos De Angelis
Projeto Gráfico Original, Capa e Editoração Eletrônica: Antonio Carlos De Angelis
Ilustrações: Daniele Santos Galeazzo
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
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Galeazzo, Fabio
O designer que habita em nós: criatividade e
autoconhecimento na decoração / Fabio Galeazzo. – São Paulo :
Editora Senac São Paulo, 2024.
Bibliografia.
e-ISBN 978-85-396-4721-7 (ePub/2024)
Design 2. Arte 3. Decoração 4. História do design 5.
História da arte 6. Estética I. Título.

CDD – 747 CDD-641.013


709.05 BISAC ART015100
ART015110

Índice para catálogo sistemático


1. Decoração e estilo : Design de interiores 747
2. Arte contemporânea 709.05
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