Musica Infinita Servicos de Streaming Co
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Palavra chave: serviços de streaming de música. Indústria fonográfica. Rádio. Novos modelos
de negócio.
Abstract: This paper analyzes the streaming music services in order to understand how the
conciliation the new consumption practices of digital content to the interests of the music
industry agents affects the development of its business model. It is assumed that these new
enterprises of the digital environment experience more intensely the conflicts between divergent
interests, making it a privileged object of study on the current situation of the creative
destruction of the music industry. By adopting a socioeconomic approach to communication and
culture markets, we conducted an exploratory case study based on the description and
subsequent analysis of user experience in these programs and the monetization strategies of
musical consumption. Finally, it is considered that streaming services are under pressure from
other music industry players to rethink their current business model, although this could
jeopardize its economic sustainability.
Keywords: music streaming services. Record industry. Radio. New business models.
1. Introdução
“Música infinita”, promete o Deezer ao anunciar seu sistema de fluxo sonoro, com um
acervo de mais de 30 milhões de fonogramas. “Música para todos”, vende o concorrente
Spotify. “Ouça os sons do mundo”, conclama o SoundCloud, posicionando-se como uma
plataforma para a escuta de novos artistas bem como de programas radiofônicos. Os apelos
das equipes de marketing revelam uma disputa por atenção num negócio que ainda ensaia
os primeiros passos: os serviços de streaming de música[1]. Essas empresas eletrônicas têm
sido apontadas como o indício de uma nova etapa da destruição criadora da indústria da
música. Após duas décadas de intensas transformações em suas estruturas de produção,
práticas de consumo e instituições reguladoras, identificam-se o aparecimento de novos
empreendimentos que buscam conciliar as práticas de consumo de conteúdos digitais aos
interesses econômicos dos detentores de direitos autorais.
digitais (DE MARCHI; ALBORNOZ; HERSCHMANN, 2011) coloca tais empresas sob
constante pressão dos tradicionais atores desse mercado, o que traz consequências para seu
modelo de negócio. Na medida em que artistas, gravadoras e editoras recobram seu poder
de barganha, graças ao crescente reforço das legislações de direitos autorais, elas passam a
cobrar uma conduta dos serviços de streaming que, por vezes, parece contrastar com seu
modus operandi. Especificamente, parece haver uma intensa disputa em relação a como os
serviços de streaming devem lidar com seus usuários e "monetizar", no jargão do mercado,
o consumo musical. Enquanto essas empresas eletrônicas necessitam de tempo para formar
grandes redes de usuários para obter lucro, os atores da indústria da música demandam
outras estratégias para gerar dinheiro de forma mais rápida e estável.
Em parte, os serviços de streaming têm atraído a atenção por proporem uma nova
experiência de consumo de mídia sonora. Diferentemente das lojas virtuais de fonogramas
e das rádios na internet, as quais tentam emular experiências de consumo de música em
meios analógicos, as empresas de streaming se voltam aos valores que condicionam o
consumo de conteúdos digitais. Conforme Jonathan Sterne (2010) observou em relação aos
arquivos em MP3, os fonogramas digitais são uma tecnologia desenvolvida para ser
acumulada e acessada em larga escala, sendo, portanto, propícia à escuta casual e à
ubiquidade, pode-se acrescentar. Diversos trabalhos têm concordado com essa avaliação,
apontando que o consumo de conteúdos digitais de música se pauta pelo desejo de se
acessarem grandes quantidades de arquivos de forma imediata, personalizada e interativa,
em diferentes dispositivos e até mesmo durante os movimentos que um usuário realiza pela
cidade (BUKART, 2008; KIBBY, 2009; MCCOURT, 2005). Além disso, a experiência dos
programas de compartilhamento de arquivos entre pares (P2P, no acrônimo em inglês)
demonstra que outro fator decisivo para o consumo musical nas redes digitais é o
O usuário que utiliza pela primeira vez essas plataformas encontra uma interface
intuitiva que, à primeira vista, apresenta-lhe os conteúdos de forma similar aos formatos
das indústrias fonográfica e radiofônica. Isso é, esses serviços operam numa dupla lógica de
remediação (BOLTER; GRUSIN, 1999), tomando emprestado de suportes e dispositivos já
reconhecidos pelos consumidores características de sua base de comunicação e de consumo
de música. Assim, pode-se ouvir um fonograma, no formato de álbum (compilação de dez
ou doze faixas) ou uma faixa individual (single), ou escutar estações de rádio organizadas
entre diversas categorias (gêneros musicais, décadas, tarefas cotidianas, entre outras). Em
algumas plataformas, como o YouTube e o SoundCloud, é permitido que o usuário insira
algum tipo de arquivo (vídeo, fonograma ou podcast) e o compartilhe com seus pares.
Apesar dessa aparência de continuidade, o que se nota nesses programas é que as fronteiras
entre radiofonia e fonografia se diluem, ou melhor, que as diferenças entre o consumo
individual e a radiodifusão tornam-se irrelevantes. As estações de rádio contidas nesses
programas são acessadas individualmente, enquanto os álbuns podem ser ouvidos de forma
fragmentada, aleatória e/ou em sequência, como se estivesse ouvindo uma estação de rádio.
Nesse sentido, parece que o playlist (sequências de arquivos reproduzidos em sequência, de
forma ordenada ou aleatória) torna-se o formato fonográfico característico dos serviços de
streaming.
Essas empresas disputam mercado entre si com base tanto no controle da maior
quantidade possível de arquivos quanto na capacidade de organização dessa base de dados
para seus usuários. Isso é, para que um usuário maximize o desfrute da enorme quantidade
de fonogramas digitais oferecidos, essas plataformas oferecem técnicas de prescrição
musical para conduzir o acesso a esses conteúdos, baseando-se nas informações que o
usuário produz sobre seu próprio consumo musical. Nesse sentido, uma técnica
fundamental é a etiquetagem ( tagging ), que apresenta algumas variações. Uma delas é a
individual, ou seja, o próprio usuário vai selecionando determinados arquivos como sendo
de sua preferência. Assim, o usuário marca um fonograma como favorito, sincroniza um
álbum, colocando-o em sua discoteca virtual, ou subscreve uma estação de rádio.
Automaticamente, essas escolhas são publicadas em seus perfis tanto o do programa como
em outras mídias sociais[3], como o Facebook, com o objetivo de que os pares desse
usuário possam ser informados sobre o que ele ou ela está ouvindo. Outra prática é o
etiquetamento social ( social tagging ), que resulta da negociação entre os usuários de um
programa sobre a classificação de determinado artista num gênero musical (AMARAL;
AQUINO, 2009; SÁ, 2009). A terceira e mais recente prática de etiquetagem é a curadoria,
segundo a qual uma pessoa notória ou especialista em música cria sua playlist e a publica
em seu perfil para que outros usuários possam ouvir e compartilhar.
sem estabelecerem uma comunicação direta entre si, nos serviços de streaming o
compartilhamento significa apresentar publicamente o que se está ouvindo e estabelecer
laços sociais com outros usuários a partir desse tipo de informação, sem o controle dos
fonogramas por parte dos usuários.
Pode-se argumentar, com razão, que algumas dessas características são comuns a
outros tipos de plataformas de consumo de mídia sonora nas redes digitais. Não obstante, o
que as torna relevantes no atual contexto da indústria da música é que, pela primeira vez,
apresenta-se um modelo de negócio que transforma essas novas práticas de consumo num
negócio que se adequa às demandas dos agentes da indústria da música. Agora, cabe
entender as razões que fazem disso uma novidade e um desafio para os serviço de
streaming.
Para tanto, adota-se aqui uma abordagem socioeconômica dos mercados. Especificamente,
pressupõe-se que os mercados são arenas de interação social, ou “campos” (BOURDIEU, 2005),
em que atores, dotados de diferentes capitais, disputam oportunidades econômicas. Ao contrário
do que preconiza a teoria econômica neoclássica, esses agentes não dispõem a priori da
completude de informações sobre o mercado, o que gera um cenário de constante incerteza para a
ação econômica e faz com que a tomada de decisões estratégicas se dê a partir do entendimento
das decisões e ações dos outros agentes (BECKERT, 2009). Na medida em que os agentes
econômicos interagem, criam-se mecanismos sociais, ou instituições, que consagram um
conjunto de entendimentos tácitos e positivados que lhes dão parâmetros regulatórios para
agirem, o que significa dizer que a ação econômica também está arraigada num sistema cultural
próprio (FLIGSTEIN, 2001; DU GAY et al., 1999). Tais instituições ajudam a estabelecer uma
ordem social do mercado, de acordo com a qual os atores reconhecem a capacidade de agir de
seus pares, facilitando suas escolhas em termos de competição e cooperação.
No entanto, essa ordem social pode ser rompida através de inovações. Num cenário de
constante incerteza, as inovações servem tanto para garantir a sobrevivência da firma (DOSI,
2006) quanto para colocá-la numa posição privilegiada no status quo do mercado, através da
destruição criadora dessa economia (SCHUMPETER, 1982). Nessa perspectiva dinâmica e
sociocultural da economia, (a) a inovação é um instrumento de poder e (b) o mercado funciona
não apenas como ambiente seletivo a posteriori das inovações, mas age como vetor decisivo no
próprio processo decisório sobre os paradigmas tecnológicos a serem implementados. Isso
significa dizer que a inovação não se dá apenas dentro da firma, mas resulta de um processo
coletivo de disputa entre atores econômicos de um mercado.
Isso lhes restituiu poder para negociar com as empresas de TIC. Afinal, sem disporem dos
catálogos licenciados por esses atores, as empresas eletrônicas veriam limitada sua capacidade de
ampliar suas redes de usuários, o que diminuiria suas possibilidades de faturamento (DE
MARCHI, 2011). O resultado disso é a formação de uma ordem social do mercado fonográfico
digital que gera uma constante tensão entre a busca por inovação em tecnologias de distribuição e
consumo de conteúdos digitais e as demandas por parte dos detentores dos direitos autorais dos
conteúdos. Em outros termos, as decisões sobre qual tecnologia será utilizada ou não ou qual
modelo de negócio será implementado ou não no mercado passa a depender de uma constante
negociação entre tradicionais e novos atores do mercado digital de mídia sonora; não da
eficiência da tecnologia ou da estratégia econômica adotada pelas empresas de TIC. Os serviços
de streaming de música são um resultado prático desse contexto institucional.
Uma breve descrição da economia dos serviços de streaming dará concretude a esse
argumento. Seu modelo de negócio se caracteriza pelo uso extensivo dos arquivos digitais, ou
seja, uma visualização/audição de um arquivo gera pouco dinheiro, sendo necessário um alto
número de acessos para se obter lucro [5]. Isso significa que essas empresas necessitam de tempo
para formarem amplas redes de usuários, fenômeno conhecido como externalidade de redes, o
que aumenta a possibilidade de monetização. Para tanto, apostam na oferta de uma grande
quantidade de catálogo, acessível ao menor custo possível, e na capacidade de suas interfaces
para facilitarem a produção de externalidades e de monetização. Como não se ocupam em vender
fonogramas, mas mediar o acesso a eles, os principais serviços de streaming internacionais
desenvolveram diferentes estratégias de monetização. Duas são suas principais fontes de
ingresso:
● Publicidade: quando o acesso aos conteúdos é gratuito para os usuários, o programa contabiliza
uma quantia de dinheiro que é retirada da verba paga pelo mercado publicitário.
● Subscrições: pagando mensalidades que custam, em média, entre US$5 e US$10, o usuário pode
ter acesso ao catálogo da empresa sem interrupções comerciais, além de desfrutar de outras
comodidades.
O pagamento realizado aos detentores dos direitos de propriedade intelectual é dividido entre
diversos agentes, dependendo de como se acessem os conteúdos. Caso se escute uma “estação de
rádio”, a empresa eletrônica deve pegar os diretos autorais e conexos à sociedade coletora do
país, a qual repassa para editoras e compositores. Se um usuário escutar o álbum de um artista, os
royalties deverão ser pagos (a) à sociedade arrecadadora, a qual repassará a editoras e aos
compositores, (b) às gravadoras e/ou (c) aos agregadores de conteúdo, os quais deverão repassar
o dinheiro aos artistas e gravadoras. No caso dos serviços que também utilizam conteúdos
gerados pelos próprios usuários, ocasionalmente estes são pagos diretamente a partir do momento
em que o vídeo ou fonograma alcança determinada cota de acessos.
bilhões nesse ano fiscal (IFPI, 2014). Entre 2004 e 2013, o segmento digital demonstrou um
contínuo crescimento, na média de 35% ao ano, com um percentual de aumento na arrecadação
da ordem de 1.375%. Entre as receitas do segmento digital, os serviços de streaming equivaleram
a 27% dos ingressos das gravadoras, em 2013. Em alguns mercados (como França, Itália e
Suécia), eles já ultrapassam as lojas virtuais de discos, tornando-se a principal fonte de ingresso
do mercado digital (ibid.). Esses números indicam, portanto, um avanço importante do streaming
como forma de consumo de mídia sonora frente a outras modalidades, em que pese a hegemonia
do download pago[6].
A despeito desse razoável desempenho, o modelo de negócio dos serviços de streaming tem
gerado insatisfações. Pelo lado dos detentores dos direitos autorais, surgem duras críticas em
relação à temporalidade do negócio dessas empresas. Alguns artistas têm expressado
publicamente seu descontentamento com o que consideram ser uma relação desproporcional
entre a quantidade de acessos aos arquivos, que pode alcançar a cifra de milhões, e as quantias de
dinheiro pagas pelos serviços de streaming. Por exemplo, em 2014, a cantora e atriz americana
Bette Midler externou sua indignação, através de sua conta no Twitter, afirmando que: “Spotify e
Pandora tornaram impossível a sobrevivência dos compositores de música: em três meses de
streaming no Pandora, [tive] 4.175.149 de acessos [que equivaleram] US$ 114,11”. Também o
compositor e cantor do grupo britânico Radiohead, Thom Yorke, queixou-se publicamente do
Spotify, acusando-o de ser um “mau negócio” para artistas independentes, observando que a
quantidade de dinheiro paga a essa categoria de artistas é muito baixa. Yorke inclusive mandou
retirar do banco de dados dessa empresa as músicas de sua outra banda, Atoms for Peace. Mesma
medida tomada pela cantora de música pop, Taylor Swift, por entender que os serviços de
streaming não “valorizavam devidamente seu trabalho”, uma vez que permitiam a audição
gratuita de suas músicas. Esse tipo de crítica por parte de artistas consagrados encontra respaldo
entre as principais gravadoras e editoras. Na participação que realizou numa conferência
promovida pelo Wall Street Journal, em novembro de 2013, o CEO da Universal Music Group,
Lucian Graige, revelou que o objetivo das grandes gravadoras e editoras é fazer com que os
serviços de streaming forcem seus usuários a trocarem as formas de acesso gratuito pela
subscrição, uma vez que a ameaça dos P2P parece estar controlada e a mensalidade é uma forma
de ingresso mais alta, rápida e estável, equiparável à venda de discos físicos e/ou virtuais (KARP,
2013). Declarações como essas deixam patente que, na visão de mundo desses tradicionais
agentes, o modelo de negócio a ser seguido no ambiente digital deve ser o mais próximo possível
daquele exercido na época dos discos físicos.
Os serviços de streaming já sentem os efeitos dessa pressão. Diante do médio ou longo prazo
de que necessitam para darem retorno econômico, editoras e gravadoras exigem altas quantias de
forma antecipada (taxas equivalentes a 40% ou até 60% do lucro das empresas eletrônicas) para
cederem seus catálogos. Tendo sua marca envolvida na maioria dessas queixas, o Spotify revelou
que cerca de 70% de sua receita é repassada para gravadoras e editoras (KARP, op. cit.). Além
disso, essa empresa não conseguiu obter lucro em sete anos de funcionamento, devido à crescente
quantia de dinheiro exigida pelos detentores de direitos autorais a cada rodada de negociação,
mesmo contando com 37,5 milhões de assinantes, em 56 países, até dezembro de 2014. Diante da
pressão exercida, o diretor do Spotify para a América Latina, Gustavo Diament, afirmou em
entrevista que os detentores dos direitos autorais devem entender que o dinheiro pago pelos
serviços de streaming é um “incremento” a outras fontes de receita; não um substituto dos álbuns
físicos ou virtuais (MIYAZAWA, 2014).
Não que os serviços de streaming estejam isentos de críticas, mas é preciso notar que eles se
encontram numa posição delicada na ordem social de seu mercado. Ao contrário do que ocorreu
no setor audiovisual onde os estúdios de cinema e televisão alocaram os serviços de streaming de
vídeo numa etapa tardia de sua cadeia de distribuição de produtos (LADEIRA, 2013), a indústria
fonográfica localizou os de música numa posição de destaque. Atualmente, um álbum é lançado
simultaneamente em lojas físicas e virtuais assim como nos principais serviços de streaming.
Assim, estes se tornam a vitrine da indústria fonográfica, lugar anteriormente ocupado pelas
emissoras de rádio e pelas lojas de discos. Porém, se a pressão externada pelos detentores de
direitos autorais das obras se confirmar, os serviços de streaming passariam a competir com as
lojas de discos, o que pode prejudicá-los. Pesquisas recentes revelam que, na avaliação dos
consumidores, a chamada disposição para pagar por conteúdos digitais via subscrições ainda não
pode ser considerada como uma tendência no mercado. Pelo contrário, a maior parte dos
entrevistados preferia ou acessar os fonogramas gratuitamente (via alguma plataforma P2P) ou
gastar dinheiro comprando fonogramas físicos ou digitais (GILETTI, 2012; SWANSON, 2013).
Esse conflito de interesses e visões de mundo traz à luz questões decisivas para o futuro não
somente dos serviços de streaming como também do mercado digital de mídia sonora. O que está
em disputa não é a qualidade da tecnologia do streaming ou a viabilidade econômica dessas
empresas. De fato, elas têm conseguido oferecer uma experiência de consumo de conteúdos
digitais que agrada os usuários, o que se confirma no crescimento do uso desses serviços. O que
está em jogo aqui é a disputa pelo desenvolvimento de um modelo de negócio em razão de um
entendimentos distintos sobre o que deve ser o mercado digital de música por parte de diferentes
agentes desse campo. Está claro que sua agenda aponta outra direção a se seguir, mesmo que isso
se dê em detrimento da nova experiência de consumo musical que os serviços de streaming
oferecem atualmente.
Considerações finais
para seu futuro no mercado de conteúdos digitais. Assim, vale a pena apontar, por fim, algumas
delas.
Se essas pressões forem exitosas, há dois cenários possíveis para esse negócio. Por lado,
pode-se dar a concentração do mercado entre alguns poucos agentes, fazendo com que a estrutura
de governança do mercado digital se torne cada vez mais hierárquica, similar à da tradicional
indústria de discos, o que pode ter diversos reflexos nos níveis de diversidade cultural dos
mercados de música. Por outro, pode haver uma incapacidade dos serviços de streaming de
atenderem aos interesses dos consumidores de conteúdos digitais, tornando o streaming uma
tecnologia relegada à segundo plano pela indústria da música, assim como ocorreu com a
tecnologia P2P. De toda forma, em ambos os cenários, esse estudo de caso aponta que as
decisões sobre os paradigmas tecnológicos a serem adotados por esse setor industrial não se
resolvem a partir da firma, mas sim em sua interação com outros agentes do mercado.
Neste momento, não é possível fazer qualquer afirmação sobre o futuro dos serviços de
streaming. É preciso acompanhar como esses atores negociarão com os tradicionais agentes da
indústria da música e como os diferentes Estados nacionais lidarão com temas como o comércio
eletrônico, políticas culturais e reformas nas leis de direitos autorais. O importante é notar que a
análise dos serviços de streaming permite entrever tendências de organização do mercado digital
de mídias sonoras, merecendo um acompanhamento atento por parte dos pesquisadores da
indústria de conteúdos digitais.
[1] Termo em inglês para “fluxo de mídia”. Trata-se de uma forma de distribuição de dados,
geralmente de multimídia numa rede através de pacotes. Em streaming, as informações não são
armazenadas no disco rígido, mas abrigadas nas redes digitais e transmitidas remotamente para
diferentes dispositivos.
[3] Opta-se neste trabalho pelo uso da expressão “mídia social”, apesar das críticas de
pesquisadores das tecnologias da informação e da comunicação (cf. PRIMO, 2012, entre outros),
que preferem falar em “redes sociais on-line” ou “sites de redes sociais (SRSs)”. Entende-se,
contudo, que a expressão “mídia social” se disseminou, permitindo identificar um segmento
específico das indústrias midiáticas em que conteúdos gerados pelos usuários, práticas
interacionais em rede e o tráfego franqueado pelas redes digitais – intensificado nos últimos anos
pelos motores de busca – constituem o eixo de seus modelos de negócio.
[4] O termo “modelo de negócio” é utilizado aqui para se referir a representações de como
[5] Recentemente, o Spotify revelou que cada audição de um arquivo hospedado em seu
banco de dados gera uma quantia entre US$0,006 e US$0,084 para o detentor dos direitos
autorais e conexos. No entanto, entre agentes do mercado de mídia sonora, há dúvidas sobre os
cálculos que levam o Spotify e outros serviços de streaming a praticarem esses preços.
[6] O preço médio de um fonograma virtual na loja virtual iTunes é de US$ 1,29, enquanto
um álbum completo custa cerca de US$ 10,99. Nesses preços, estão embutidos os pagamentos
para diversos atores: 35% ficam reservados para a gravadora/artista, 12% para os compositores,
19% para a loja online, 14% para a distribuidora, 20% para impostos (os números variam de
acordo com o país e com as cotas cobradas pelas empresas que medeiam o acesso de artistas e
gravadoras às lojas virtuais). Assim, trata-se de uma fonte de renda alta, em curto espaço de
tempo, que não exige qualquer adaptação do modelo de negócio para gravadoras e editoras. Em
2013, o download pago representou 67% do faturamento do segmento digital para a indústria
fonográfica (IFPI, 2014).
1 Doutor em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). ,
Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) e do Departamento de Jornalismo da Faculdade de
Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ)., [email protected]
2 Doutor em Comunicação pela USP e pós-doutor pela Birmingham School of Media da Birmingham City University (BCU)
do Reino Unido., Professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV (CTR) da ECA/USP e do Programa de Pós-Graduação
em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) da mesma instituição., [email protected]
3Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. , Bolsista de Pós-Doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP). Pesquisador na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).,
[email protected]
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