Prova Do Nildo - Smith (Versão Extendida)

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INTRODUÇÃO

Desde o lançamento da Riqueza das Nações, em 1776, o prestígio de Adam Smith com
“fundador” das ciências econômicas se ampliou e se consolidou dentro do seio desta
disciplina. Apesar das transformações metodológicas e conceituais que ela sofreu ao longo do
tempo, sucessivas correntes do pensamento econômico ainda proclamam Adam Smith como
sua fonte de inspiração.
Entre suas principais obras, temos Teoria dos Sentimentos Morais (TSM), onde Smith
trata sobre filosofia moral e conceito de simpatia e Uma Investigação Sobre a Natureza e
Causa das Riquezas das Nações (RN) em que Smith tem como objetivo explicar em que
constitui a receita ou renda do conjunto do povo, ou qual a natureza desses fundos que
asseguraram seu consumo anual.
Algumas leituras tradicionais de Smith tendem a considerar as duas obras alheias,
tendo em TSM um Adam Smith jovem e imaturo, cuja obra se mostraria irrelevante para
compreensão da RN, obra de um Adam Smith maduro. Este tipo de leitura, que perpassa toda
a história pós-Smithiana e se encontra ainda hoje no centro da formação da economia como
ciência, construíram uma imagem de Smith como pai do liberalismo moderno, defensor do
laissez-faire e apologista do egoísmo, um pensador sem ligação com a filosofia moral. Assim
tentando, mesmo inconscientemente, perpetuar a idéia de uma ruptura no pensamento de
Smith, este pensamento ficou conhecido como teoria da reviravolta.
Mas uma segunda leitura da obra de Smith tenta demonstrar que a TSM é uma leitura
indispensável para a real compreensão da RN e com esse prisma interrelacionando as duas
obras e dando um caráter mais político e ético ao pensamento Smithiano.

TSM

A Teoria dos Sentimentos Morais constitui um livro denso e profundo, no qual Adam
Smith trata de conceitos e idéias extremamente abstratas e sutis. Primeiramente, Smith
considera que todos os princípios de filosofia moral tiveram origem em leis naturais. Sua
busca é compreender o que determina que uma ação seja considerada certa ou errada, um
julgamento moral que dá honra ou vergonha a quem pratica. Assim, Smith parte para uma
investigação acerca do caráter da virtude, que se divide em três grupos: bom governo de
nossos afetos (conveniência), busca de interesses egoístas (prudência) e a busca pela
felicidade dos outros (benevolência). Existem ainda os sistemas silenciosos, na qual se
enquadra a análise de Mandeville, que não faz distinção entre vícios e virtudes, já que todas as
ações são motivadas pela vaidade e os vícios privados são benefícios públicos.
Posto isso, Smith entende o senso de moral(sob influência de Dr. Hutcheson) como o
agrado que sentimos ao receber uma ação virtuosa, da mesma forma que repudiamos o
oposto. Ele identifica que isso se dá em quatro etapas: 1) simpatizamos com os motivos do
agente; 2) partilhamos da felicidade daquele que recebeu a ação; 3) constatamos que sua
conduta obedece às regras gerais por meio das quais essas duas simpatias agem; 4) se as ações
são consideradas parte de um sistema de conduta que promove a felicidade do indivíduo e da
sociedade, o resultado é uma certa beleza. Assim que Smith constrói o seu conceito de
simpatia, inserido num sistema que uniria os seres humanos.

A filosofia moral de Smith parte de que o homem sempre se interessa pela sorte alheia, não há
indiferença ao percebermos a desgraça ou fortuna dos outros. A faculdade da nossa natureza
que promove isso é a simpatia, que nos faz colocamos a nós mesmos no lugar do outro.
Assim, realizamos julgamentos tanto dos outros quanto de nós mesmos. Nossas atitudes nos
fazem considerar não apenas aquele que foi diretamente atingido, mas também os afetos de
terceiros que se sensibilizarão e farão um julgamento a nosso respeito. Desse modo, ao nos
imaginarmos no lugar do próximo e como reagiríamos nesses casos, podemos simpatizar ou
antipatizar com a conduta alheia e julgá-la a partir daí. Mais ainda, julgaremos também as
nossas próprias atitudes, e através da imaginação julgamos tais ações como certas ou erradas.
É dessa forma que o autor estabelece que a simpatia, não a razão nem o amor próprio, o
princípio que fundamenta nossas noções de moralidade.

Smith afirma que simpatizamos tanto com a alegria quanto com a dor alheia, mas esta por nos
causar sofrimento é prontamente inibida. Os homens estão mais dispostos a simpatizar com a
alegria do que com a tristeza, o que nos faz perseguir e exibir a riqueza, do contrário, temos
uma aversão a pobreza. É através, então, de uma “mão invisível” que a busca individual pela
fortuna conduz a uma melhor divisão da riqueza entre os mais pobres, já que a Providência
fez com que os mais ricos(movidos pela sua busca pela riqueza) melhorassem a produtividade
que conduziu a uma melhor distribuição de riquezas.

É essa disposição da humanidade a admirar os ricos e desprezar os mais pobres que dá origem
aos princípios de hierarquia e da ordem da sociedade. No entanto, também é a maior causa da
corrupção dos sentimentos morais, pois fortuna e virtude são vias opostas.
A investigação acerca do caráter da virtude ainda relaciona-se com o senso de conveniência e
inconveniência, mérito e demérito, estes quando julgamos a conduta alheia. Quando partimos
para julgar a nossa própria conduta, preocupa-nos se teremos a aprovação dos outros.

Smith também considera que os costumes e a utilidade que um objeto proporciona


(influenciado por Hume), mas descarta que a virtude seja a utilidade da ação. Outros
conceitos são postos por Smith, como a prudência, justiça e beneficência. Ele ressalta que da
reciprocidade dos nossos afetos nasce a beneficência, uma tendência a fazer o bem.

Sendo assim, surge uma harmonia entre afetos egoístas e benevolentes. A perfeição da
natureza humana está em restringir o egoísmo e cultivar a benevolência, e mesmo que exista o
egoísmo (ele não recrimina esse afeto) a Natureza nos deu condições de subsistir apenas com
eles. Mesmo que menos feliz e agradável, a sociedade não se dissolverá, e pode subsistir
como entre diferentes mercadores, pelo senso de utilidade, na completa ausência de amor e
afeto recíproco. Assim, Smith identifica dois tipos de sociedades: aquela predominada por
afetos benevolentes que são mais coesas e felizes, e uma outra dominada por afetos egoístas.
Esta última que o autor trata na RN, onde o senso de utilidade que faz os indivíduos
controlarem suas paixões e respeitarem os princípios de justiça.

RIQUEZA DAS NAÇOES


Na elaboração desta breve amostra da obra Riqueza das Nações optamos por realizar
um corte horizontal, de modo a dar uma idéia geral do conjunto da obra, ao invés de realizar
uma análise aprofundada de alguns pontos intrincados da mesma. Esta opção fica evidente na
própria ordem de apresentação dela, que segue basicamente a ordem que o próprio Smith
utilizou para expor suas idéias.

A obra publicada em 1776 trata, como seu título revela, da natureza e causas da riqueza das
nações. Smith fundamenta sua tese na divisão do trabalho, a responsável pelo aumento na
produtividade e fonte da opulência das nações. Ele também lança a teoria do valor, indicando
que o preço constitui-se da soma entre salários, lucros e renda da terra. No estado original das
coisas todo o produto do trabalho pertencia aos trabalhadores, no entanto a apropriação de
terras e o acúmulo de capital impediram que isso se perpetuasse. O autor ainda indica uma
propensão dos indivíduos a realizarem trocas, e assim o aprofundamento da divisão do
trabalho, aliado com o surgimento do dinheiro, constituiria o mercado que proveria a
subsistência dos indivíduos. A discussão acerca da teoria do valor-trabalho é extensa e foi
amplamente desenvolvida ao longo do pensamento econômico, mas o essencial é destacar que
Smith identificou a diferença entre o valor de uso e valor de troca, e sempre foi enfático ao
vincular o valor das mercadorias pela quantidade de trabalho que se consegue comprar.

Sobre o salário, ele é a recompensa do trabalho, sua determinação tem interesses antagônicos
dos trabalhadores e dos patrões, e ambos fazem associações entre seus iguais, mas o grupo
dos capitalistas é que leva vantagem. Os salários, então, devem ser suficientes para o
trabalhador sustentar a si mesmo e sua família (seus filhos é que lhe substituirão no futuro).
Nações ricas freqüentemente remuneram pouco seus trabalhadores, e essa contradição advém
de um ponto importante: não é a sua riqueza total, mas o contínuo aumento, que determina a
elevação dos salários.

De maneira oposta se dá a determinação dos lucros, pois a riqueza da nação é proporcional ao


seu estoque de capital, e se este é elevado, a concorrência também é vasta, o que causa uma
baixa nas taxas de lucro.

Se os salários e lucros determinam o preço das mercadorias, a renda da terra se dá de maneira


oposta, sendo o preço das mercadorias o seu determinante. A variação ocorre de acordo com a
fertilidade e a localização das terras.

Estabelecidos tais conceitos nos livros I e II, no livro seguinte ele trata da evolução
econômica da humanidade, constatando primeiramente que o desenvolvimento das cidades
depende do igual desenvolvimento do campo. O feudalismo atrapalhou os aprimoramentos da
agricultura, e a crítica de Smith se dirige a esse Estado Feudal que por meio da sua
organização atrapalha o desenvolvimento rural e impede que o rumo natural das coisas(o do
desenvolvimento) aconteça. Em contrapartida, a ausência da atuação desse Estado nas cidades
trouxe certo progresso e seus cidadãos independentes colocaram as cidades à frente do campo.

O livro IV define na sua introdução o que é e para que se destina a Economia Política, sendo a
ciência de um estadista que deve promover o enriquecimento do povo e do seu soberano. O
interesse de toda a nação estaria acima de interesses particulares, e o limite às ações
individuais é o benefício da nação, e essa intervenção em favor do povo estaria a cargo do
governo. Smith critica medidas mercantilistas, partindo do ponto que eles consideram como
riqueza o montante de ouro e prata que uma nação detém.

Pode-se chegar à conclusão que o país carente de minas deve utilizar o seu comércio exterior
em favor de uma balança comercial superavitária. Para isso, utiliza de medidas que façam o
estímulo de exportações e evitem ao máximo as importações. Para cada uma dessas medidas,
Smith expõe uma análise e demonstra quando a Inglaterra é beneficiada, e do contrário mostra
como o governo deve agir.

Na exposição de Smith fica clara a opção por favorecer a indústria nacional, e mais ainda, os
consumidores ingleses. A famosa “mão invisível” aparece quando o autor indica que os
esforços individuais que objetivam os lucros acabam por elevar a renda nacional. Não se
pretendia atingir o interesse público, mas os indivíduos são levados a isso por uma mão
invisível, realiza-se algo que não estava nos seus planos iniciais.

No mais, a existência de i0mpostos é defendida em inúmeras situações, e isso é uma forma


dos soberanos fazerem política econômica e seu objetivo único é fazer a nação prosperar. A
justa tributação considera alguns princípios, como ser equânime e respeitar quatro princípios
básicos: 1) proporcionais a renda de cada indivíduo, 2) possuir regras fixas e transparentes, 3)
na data e do modo mais conveniente aos contribuintes e 4) deve haver um planejamento.

INTRODUÇÃO DAS ADAM SMITH PROBLEM


Como vimos na primeira parte, Smith na Teoria dos Sentimentos Morais (TSM) harmoniza o
caos potencial das paixões humanas desvelando o princípio da simpatia, que naturalmente nos
faria refrear nossas paixões, para sermos aprovados pelos outros. Na Riqueza das Nações
(RN) teríamos a busca pelo interesse individual como motor propulsor do progresso da
sociedade, onde o indivíduo seria “levado como que por uma mão invisível a promover um
objetivo que não fazia parte de suas intenções” (Smith 1996, p. 438), e deste modo, buscando
apenas seu próprio interesse, melhorariam a vida de toda a sociedade.

Parte-se do pressuposto de que das duas teses de Smith surgiram duas interpretações de sua
obra. O que ficou conhecido como Das Adam Smith Problem, assim denominado pela Escola
Histórica Alemã, na segunda metade do século XIX, e que foi um dos problemas onde
grandes quantidades de papel foram gastos para debatê-lo.
As leituras da obra de Smith podem ser divididas basicamente em dois pólos. A primeira
leitura consiste nas idéias de que as duas obras seriam antitéticas; na TSM os homens, agindo
sob influência da simpatia, adquiririam um caráter altruísta, o que daria coesão à sociedade; já
na segunda obra, os homens, sob influência dos seus afetos egoístas, buscariam apenas seus
próprios interesses, o que produziria o bem comum, e assim, a esfera econômica poderia ser
independente da esfera moral. A segunda leitura da obra de Smith busca resgatar a unidade
entorno da mesma e, conseqüentemente, reconciliar a filosofia moral com a economia, nela os
aspectos revelados pela Teoria seriam de fundamental importância para se entender a ordem
econômica.

Entre partidários da tese de que haveria uma ruptura no pensamento do autor, podemos incluir
os historiadores do pensamento econômico, e assim como a visão do Homo oeconomicus
institucionalizada pela economia neoclássica, em ambos os casos essa adesão à tese da ruptura
é muito mais involuntária do que voluntária; eles simplesmente tendem a desconsiderar a
primeira obra de Smith e analisam apenas suas contribuições econômicas. Entretanto, ao
analisarmos as teses dos partidários da teoria da ruptura, optamos por não escolher essa visão
estereotipada pelos economistas.

Preferimos adotar a análise que o antropólogo francês Louis Dumont faz do que ele chama de
ideologia econômica, ideologia esta, que teria sua gênese em Adam Smith com a publicação
da Riqueza das Nações. Essa opção foi feita devido ao próprio caráter da obra de Dumont,
que se propõe a compreender como que se deu a passagem da sociedade tradicional, onde as
relações que promoviam a coesão social ocorriam entre homens; para a sociedade moderna,
onde as relações são estabelecidas entre homem e coisas, ou seja, as relações humanas se
reduziram às relações econômicas.

A tese de que as duas obras de Smith, além de não serem antitéticas, seriam complementares,
vem ganhando força nos últimos anos. Eles partem da tese de que, para compreendermos a
amplitude da revolução realizada por Smith na explicação dos fenômenos sociais, seria
necessário entender a conexão existente entra sua filosofia moral e sua economia política.
Entre os diversos partidários dessa tese, optamos pelo trabalho de Jean-Pierre Dupuy, que
com uma crítica minuciosa, desconstrói os argumentos de Dumont e Albert Hirschman.
Dupuy, partindo do conceito de simpatia, lança novas luzes sobre o “egoísmo”, que moveria o
homem da esfera econômica. E assim, procura restabelecer a ponte entra as ciências
econômicas e a filosofia moral.

Dummont
O objetivo de Louis Dumont na obra Homo Aequalis é esclarecer a nova sociedade moderna,
tendo como contra ponto a sociedade tradicional hierarquizada; e entender como que se deram
as mudanças nos valores do Ocidente cristão, que ao longo desses últimos séculos mudaram
completamente o modo do ser humano se observar. Para isso, ele faz um estudo da gênese e
da plenitude da ideologia econômica. Ideologia esta, que segundo o autor, tem sua gênese
com a publicação da obra A Riqueza das Nações de Adam Smith e sua plenitude em Karl
Marx.

Juntamente com a modernidade, também surge uma metamorfose das relações humanas, um
novo modo de interpretar os fenômenos humanos. Essa nova categoria denominada de
“econômico”, é uma categoria na qual as relações entre homens deixam de ter importância em
detrimento das relações entre homem (nesse caso no singular) e coisa. Categoria, que para se
constituir numa ciência autônoma, necessitava ter como objeto de estudo um domínio
separado das demais questões humanas (política, sociologia etc.), ou seja, deveria apresentar
uma coerência interna. Além dessa coerência interna, que lhe garantia sua distinção das
demais ciências, a economia também necessitava tornar-se independente das intervenções das
demais esferas do conhecimento, pois se, apesar de sua coerência interna, a economia tivesse
efeitos perniciosos na sociedade, ela facilmente seria alvo de ações da esfera política para
corrigir esses efeitos perniciosos. Por isso, além de sólidas ligações internas, a economia
deveria se orientar para o bem comum. Essa dupla necessidade foi obtida com dois postulados
elaborados por Smith; o agente que age buscando seu próprio interesse (egoísmo), e que
buscaria agir racionalmente com o propósito de maximizar seu bem estar, conhecido pela
escola neoclássica como homo oeconomicus; e o mecanismo da mão invisível, que produziria
automaticamente a harmonização dos todos os interesses individuais, e iria orientá-los ao bem
comum. Assim, a economia se manteria fora da influência da moral tradicional e das
interferências políticas, e incorporaria uma moral própria, baseada na busca de nossos
interesses, que promoveriam o bem comum; e uma ordem política própria que basearia as
relações econômicas nos princípios do laissezfaire.
Essas noções já estavam presentes em Quesnay, Mandeville, Locke, entre outros. Ele apenas
dá o toque final, ao agrupar as contribuições desses diversos autores, e conceber a economia
como um todo, uma ordem harmoniosa e voltada para o bem comum. Pegamos mandeville
para analisar por causa da moral

Mandeville em sua obra “Fábulas das Abelhas: vícios privados, benefícios públicos” atribui
ao egoísmo todos os motivos da ação humana. Sendo que o egoísmo para Mandeville é
sempre identificado como vicioso. Ele vai além, ao afirmar que as ações que pretendam o bem
do próximo são baseadas no logro e vão contra o bem comum. Assim, Mandeville elabora
dois princípios que estarão no cerne na ideologia economia. O primeiro princípio é, buscando
o seu próprio interesse e se preocupando apenas com a própria sorte, que o homem além de
melhorar a sua própria condição melhorará a vida de toda a sociedade. O segundo princípio, e
o mais radical, é identificar o bem moral com o bem material. Com isso, o caminho para a
felicidade não será mais o caminho da virtude, como era para os filósofos clássicos; para
Mandeville e as sociedades modernas, a felicidade consiste em seguir seus próprios interesses
para, assim, obter o maior número possível de bens para sua fruição.

Essas contribuições de Mandeville foram fundamentais para que Smith realizasse a passagem
da sociedade tradicional para a sociedade moderna. Com elas, Smith consegue estancar a
economia da política e da moral. Segundo Dumont, isso fica evidente ao se analisar as duas
obras de Smith. Na Teoria dos Sentimentos Morais, o indivíduo se converte em ser social pela
operação da simpatia, e é ela que estabelece a harmonia entre as paixões humanas. Mas, com
a publicação da Riqueza das Nações, Smith introduz uma nova esfera nas relações humanas, a
esfera econômica, nela os homens são regidos pelo seu egoísmo, ou pela busca de seu próprio
interesse. Esta busca desenfreada pelo seu próprio bem-estar poderia levar a sociedade à
ruína, todavia, Smith, ao introduzir o mecanismo da mão invisível, supera essa aporia. A mão
invisível, ao harmonizar os interesses e direcioná-los ao bem comum (representado na
Riqueza
das Nações pelo aumento da renda nacional), justificaria toda ação na esfera econômica,
desde que voltada à busca de nosso próprio bem-estar, como moralmente aceitável.

Mas, a moralidade não ensina que o egoísmo deve estar subordinado a fins elevados? A mão
invisível de Adam Smith realiza uma função que foi pouco notada. É como se Deus nos
dissesse: “não tenha medo, minha criança, de infringir aparentemente meus mandamentos.
Dispus todas as coisas de tal forma que podes justificadamente prescindir da moralidade,
neste caso particular” (Dumont 2000, p.97).

O que podemos afirmar é que Dumont elabora na sua tese esta nova maneira de se conceber o
homem, chamada por ele de ideologia moderna, e esta está diretamente ligada à emergência
da ciência econômica como categoria de análise da realidade. Além disso, a economia, para se
firmar como ciência autônoma, necessitava primeiramente configurar-se em um todo coerente
entre si (trabalho realizado por Quesnay), e em uma segunda etapa, ela necessitava
emancipar-se da política, e depois da moral. Esse caminho de emancipação seria o mesmo que
levaria o filósofo Adam Smith a relativizar os mecanismos expressos na Teoria dos
Sentimentos Morais, e afirmar na Riqueza das Nações que o homo oeconomicus e o
mecanismo da mão invisível seriam suficientes para harmonizar as paixões humanas e levar a
sociedade ao progresso. Dumont, ao aceitar essas preposições, assume uma visão reducionista
do conjunto da obra de Smith, além de incorporar à sua obra erros na análise de Adam Smith.
Erros que reduzem, limitam e cegam o real alcance da obra de Smith; além de “implodirem” a
ponte que Smith constrói entre as ciências econômicas e a moralidade, como veremos a seguir
quando na alisarmos a tentativa de reconstrução da totalidade da obra de Smith, feita por
Jean-Pierre Dupuy.

DUPUY
O ponto de partida de Jean-Pierre Dupuy em seu ensaio “A Emancipação da Economia em
Relação à Moral: Adam Smith” é uma crítica a tese levantada por Dumont, Hirschman e
outros comentadores de Smith. Crítica segundo a qual, a economia, para se constituir em uma
ciência autônoma e lhe conferir um domínio próprio em separado das demais disciplinas,
necessitava romper com a moral; ciência a qual remonta suas origens. O caminho realizado
pela economia também seria o mesmo que levaria o filósofo moral Adam Smith a conceber na
Riqueza das Nações um domínio para economia independente da moralidade. Tese que ficou
conhecida como teoria de reviravolta, e que se baseia na idéia da oposição entre o princípio da
simpatia (que ordenaria a esfera moral na Teoria) e o egoísmo (que ordenaria a esfera
econômica na Riqueza).

Entretanto, para Dupuy, como veremos a seguir, esta tese; além de inexata, pois é baseada
numa série de erros de interpretação; reduz o alcance da “revolução smithiana” e impede a
reaproximação entre economia e a moral.
Para resgatar a unidade em torno da obra de Adam Smith, Dupuy defende que o princípio que
possibilitaria essa articulação seria a simpatia. Por isso, o desenvolvimento de sua tese se dá
em torno da obra Teoria dos Sentimentos Morais e de uma nova concepção do conceito de
simpatia. Nessa empresa, Dupuy retifica uma série de erros, e principalmente omissões dos
partidários da teoria da reviravolta; como tomar simpatia e benevolência como sinônimas e
opor-las ao self-love15. Essa tendência era reforçada pela proximidade entre Smith e seu
mestre Hutcheson, que defendia haver na humanidade uma tendência inata para a
benevolência universal.

Todavia, Smith rompe com seu mestre ao afirmar que de todas as paixões a mais forte seria o
self-love, cabendo à benevolência o título de valor moral superior, mas desempenhando nas
questões humanas apenas um papel de coadjuvante em relação à primeira. Assim, o self-love,
e não a benevolência, nos impeliria a realizar ações virtuosas. Essa afirmação à primeira vista
pode parecer estranha, mas é necessário relembramos que é aqui onde está a sutileza do
pensamento de Smith que Dupuy consegue captar, que o homem para Adam Smith não se
constitui em um ser completo, pois sua felicidade depende da aprovação dos outros, e
necessita que os outros simpatizem com ele. É o que Smith chama de prazer da mútua
simpatia.

Deste modo, surge uma dupla função da simpatia, uma ativa e outra passiva. A simpatia
passiva surge da constatação da coincidência dos sentimentos do sujeito com o espectador; ou
seja, ao pormo-nos no lugar do outro, e depois voltarmos ao nosso lugar, e se assim
constatarmos que existe um acordo entre nossos sentimentos; julgamos a ação correta; se
constatarmos um desacordo entre os sentimentos, desaprovamos a ação do outro. A função
ativa surge do prazer que a mútua simpatia nos causa, pois, além de julgarmos os outros,
também temos a necessidade que os outros simpatizem conosco. Esse mecanismo funciona
como um regulador ético, pois, devido o prazer que obtemos quando os outros simpatizam
com nossos atos, nós desejaremos a solidariedade do próximo, e adaptaremos nossas ações e
paixões para que os espectadores possam simpatizar com elas. Com isso, a simpatia faz com
que nossas paixões sejam amplificadas, ou contidas de modo a passarem sempre pelo crivo do
espectador imparcial. Deste modo, o nosso self-love faz com que necessitemos que os outros
simpatizem conosco, pois essa simpatia nos é prazerosa. E assim, ele nos impele a agir
Corretamente. Mas, para que esse sistema seja coerente, é necessário distinguir o selflove, que
é responsável pelos nossos afetos egoístas de Smith (que nos recomenda o cuidado com nós
mesmos e a busca pela aprovação dos outros), do self-interest que seria mais corretamente
relacionado ao egoísmo17 vicioso de Mandeville, como faremos a seguir.

A idéia de que a Riqueza das Nações consistiria em uma ruptura entre Adam Smith filósofo
moral na juventude e o economista maduro tem suas origens no erro de se atribuir à Teoria
dos Sentimentos Morais uma idéia de uma obra que trataria da benevolência, e a Riqueza
como uma obra sobre o egoísmo. Esse equívoco acontece ao interpretar o termo self-love18
como interesse egoísta19. No parágrafo abaixo, Ângela Ganem deixa claro a distinção que
entre ambos: Dupuy retoma essa idéia da complexidade da noção de interesse privado e
sublinha a importância da noção de amor-próprio por detrás do interesse. O self-interest é
auto-referenciado e define a capacidade isolada do calculador racional que agencia meios em
vista de fins. O self-love tira o seu reconhecimento do olhar do outro e pode reconciliar
interesse próprio com o outro. A busca da riqueza privada ou ganho material, ou desejo de
melhorar a sua própria condição são frutos da vontade de atrair a aprovação das outros e longe
de criar laços nocivos à estabilidade social criam relações passionais estáveis (Ganem 1999, p.
115).

Deste modo, o self-interest estaria de acordo com a noção do homo oeconomicus da teoria
neoclássica, que agiria racionalmente de maneira autista, com o único intuito de obter o
máximo ganho em um sistema econômico equilibrado e harmonioso. Mas de maneira
nenhuma pode ser confundido com o homem que age por amor-próprio, que Smith descreve
na sua obra. O homem que Smith se refere busca riquezas materiais com o mesmo objetivo
que busca conter suas paixões, ou seja, a busca por riqueza tem como objetivo atrair a
aprovação dos outros; ela está fundada na necessidade de que os outros simpatizem conosco.
Assim, o homem, que age seguindo seu amor-próprio na Riqueza Nações, assemelha-se mais
com o homem prudente, que Smith relatou na Teoria dos Sentimentos Morais, do que o
egoísmo vicioso de Mandeville; e suas ações estariam perfeitamente de acordo com as regras
de justiça. Como o próprio Smith deixa claro nas passagens da Teoria abaixo, onde ele define
o homem prudente:

Esta ruptura era inexistente para o próprio Smith, que reeditou seis vezes a Teoria dos
Sentimentos Morais, sendo que a última foi no ano de sua morte, após a publicação da
Riqueza das Nações; além do próprio ter sempre considerado a primeira obra mais
importante.

Assim, Smith, ao considerar o amor-próprio como a paixão humana dominante e a simpatia


como um fio que ligaria todos os seres humanos, constrói uma ordem social harmoniosa
guiada pela mão invisível (que nesse caso não é apenas um operador técnico como é na teoria
neoclássica, mas um operador social) obteria uma dupla vantagem; primeiro, manteria a
sociedade coesa (função moral), e segundo, promoveria o progresso material da sociedade
(função econômica). Além disso, ao reconciliar o filósofo moral com o economista, Dupuy,
reconstrói a ponte que na sua gênese ligava as ciências econômicas com a filosofia moral, e
abre novas perspectivas para uma maior interdisciplinaridade entre a economia e a filosofia
moral.

AFIRMAÇÃO DA CONTRADIÇÃO ENTRE O LIBERALISMO ATUAL E O


LBIERALISMO SMITHIANO
Procuramos mostrar aqui que o fundador das ciências econômicas, Adam Smith, possuía uma
visão bastante distinta do que hoje os economistas consideram como Economia. Partindo da
análise das obras publicadas em vida pelo autor e investigando como deu-se sua exegese,
verificamos uma enorme distância separando a imagem caricata do economista defensor
irrestrito das ações movidas apenas egoísmo e do laissez-faire e do filósofo iluminista
preocupado com questões que iam desta astronomia até o caráter da virtude, que foi Adam
Smith. Analisando suas obras, nos atemos as relações existentes entre sua filosofia moral e
sua economia política, e como deu-se a exegese de suas obras.

Por isso, no decurso do trabalho, rejeitamos as teses levantadas por Dumont, pois ele, ao
proferir que Smith teria realizado uma ruptura em seu pensamento ao atribuir na Riqueza das
Nações um domínio separado para economia e superior ao domínio da moral e ao da política,
e com isso fundar o que chama de ideologia moderna; ele assume uma série de equívocos,
como ao atribuir ao egoísmo o mesmo estatuto ontológico que a simpatia, não diferenciando a
segunda da benevolência; e assim afirmando, que na esfera moral, a simpatia transformaria os
indivíduos em seres sociais, mas que na esfera econômica, os indivíduos não necessitariam
mais serem seres sociais, pois a mão invisível automaticamente harmonizaria seus interesses e
os levaria a promover o bem comum. Todavia, vimos que a obra de Dumont vai muito além
da mera recensão das obras de Smith; e que esses erros de interpretação, em certa medida, até
reforçam a tese central de Dumont, ao invés de enfraquecê-la, pois seus erros nada mais são
do que uma repetição dos equívocos passados pela tradição econômica; erros esses que estão
diretamente ligados à formação da ideologia econômica que Dumont analisa.

O “admirável mundo novo”, que irrompeu diante dos olhos dos homens do iluminismo com
sua nova forma de compreender o lugar do ser humano, uma resposta ao dogmatismo que o
precedeu; era muito mais complexo e esplendido do que quiseram ver os economistas que
sucederam Smith. A tradição neoclássica, com seu Homo oeconomicus, simplificou a
condição humana a ponto de transfigurá-la em uma mera máquina de maximizar funções de
utilidade; as relações humanas passaram a ser vistas como uma questão de custo-benefício.
Esse trabalho, longe de pretender ser a palavra final sobre a obra de Smith, pois deixamos ao
largo questões polêmicas em ambas as obras, como a questão do valor, procurou ao menos
ressuscitar o debate sobre a interdisciplinaridade, que desde Adam Smith, está sendo
paulatinamente esquecido, a economia foi transformando-se cada vez mais numa ciência
autista, presa aos modelos matemáticos e desprendida da realidade.

Liberalismo
O que você acha da definição de liberdade dos liberais clássicos? A liberdade de Locke,
Acton, Humboldt, Paine e recuperada pelos libertários “americanos” – na tradição (Nock,
Rand, Rothbard, Hoppe, Nozik, Childs). Liberdade como sendo ausência de coerção aos
direitos naturais ou individuais praticamente iguais aos definidos por Locke no Segundo
Tratado sobre o governo e coerção como sendo inicio de agressão, inicio do uso da força
fisica, invasão.

O pensamento liberal clássico representou um grande avanço humano no sentido de garantir


um mínimo de autonomia da vontade face ao Poder Politico. Como você sabe, neste sentido e
naquelas circunstâncias históricas, o Poder Politico se caracterizava pela qualidade de poder
impor regras de conduta com o uso legitimo da violência como forma de coação. Neste
aspecto o poder político, a partir do renascimento centralizado no Estado, tinha como objetivo
o controle do corpo, supostamente como forma de conciliar a força dos corpos com vistas a
possibilidade de convivência social.
Sem também entrar nos aspectos críticos ao aspecto meramente formal do conceito de
liberdade no âmbito do liberalismo clássico, a realidade me parece é que o capitalismo sofreu
mudanças profundas no correr do século XX. Passou a produzir desejos em massa.
O desenvolvimento da ciência por outro lado desmontou a essência motora do conceito de
liberdade no liberalismo clássico.

O livre arbítrio (idéia de fundo judaico cristão para fundar o conceito de pecado) não existe na
dimensão que lhe emprestou o conceito liberal de liberdade. Cada um tem seus desejos
conformados por sua historia pessoal, por suas condições genéticas e pelo ambiente
econômico cultural em que vive. A vontade não é em sua “dimensão natural” na cultura
humana tão autônoma assim. Escolhas inconscientemente condicionadas são a marca da
vontade humana. O ambiente cultural produzido pelas forças econômicas, a classe ou a
posição social em que nasce a pessoa condiciona sua historia e desejos.

Pois este condiconamento foi turbo-potencializado pelo capitalismo global contemporâneo.


Nada mais há de espontâneo no consumo e quase não restam desejos não construídos. O
poder político deixa de ser apenas o domínio do corpo e passa a ser também o domínio do
desejo. Economia e política se entrelaçam no globo e no intimo das pessoas.

Se Locke existisse hoje e procurasse defender a autonomia da vontade, como defendeu na


época do poder político de” dominus” corporal da sociedade industrial, provavelmente
concluiria pela necessidade de encontrarmos mecanismos de garantia a um mínimo de
espontaneidade real nas escolhas humanas. Essa dimensão espontânea de liberdade não é
possível ser encontrada sem formularmos mecanismos de contenção do poder econômico, da
mesma forma que contivemos o poder político no passado.

O liberalismo clássico se revela insuficiente para essa missão, inobstante necessitemos


revisitá-lo. A verdadeira autonomia de vontades não se alcança hodiernamente pela simples
oposição de limites ao estado local, que cada vez manda menos em nossas vidas. Carece ser
oposta também diretamente ao capital global, limitando-o em sua sanha se erigir vontades.
Não basta conter a polícia que me prende na prisão, tem que se conter a polícia do capital que
se aloja em meu coração.
Explanar sobre como Smith pode até ser considerado na época dele um liberal pois ele estava
lutando contra o mercantilismo, mas hoje não mais, por causa das transformações no
liberalismo, apontadas por dummont, e por causa do capitalismo atual.

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