Anhangabau - Artigo 2020 9783-10715-1-SM
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RESUMO
O presente artigo buscou abordar os diferentes períodos do Vale do Anhangabaú sob o ponto de vista da sua
evolução e da reinserção do pedestre. Com este olhar foram determinados cinco momentos: um vale para
ultrapassar; um vale para passear; um vale para evitar; um vale para recuperar; um vale para sonhar, sendo
assim possível aprofundar o debate sobre a importância da apropriação do espaço urbano. Para cada fase,
foram analisados materiais iconográficos, plantas, representações gráficas e estudos sobre as propostas. O
levantamento deste trabalho parece ainda mais oportuno no momento em que o Vale está passando por
mais uma transformação. Ao final desta investigação podemos dizer que o Vale do Anhangabaú foi um
instrumento importante para o registro dos diferentes momentos da cidade de São Paulo e que a única
garantia sobre o seu novo projeto é de que ele irá imprimir a marca deste tempo na história.
Palavras-chave: Vale do Anhangabaú, pedestre, apropriação, espaço urbano.
Linha de Investigação: 1: Cidade e projeto.
Tópico: Projeto urbano e espaço público.
ABSTRACT
The article seeks to approach the different periods of the “Vale do Anhangabaú” from the pedestrian point of
view. With this look were identified five times the valley went through: a valley to overcome; a valley to walk
around; a valley to avoid; a valley to recover; a valley to dream about. This analysis intends to deepen the
debate on the importance of the appropriation of urban space for the quality of the city. For each phase were
analyzed iconographic material, plans, graphical representations and studies about the proposals. The survey
of such material seems even more timely as the Valley is undergoing yet another transformation. As a final
result of this investigation we can say that the “Vale do Anhangabaú” was an important instrument to record
the moments that passed the city of São Paulo and that the only guarantee about the new project to be
implemented is that it will print the mark of this time in history.
Keywords: Vale do Anhangabaú, pedestrian, appropriation, urban space.
Research line: 1: City and project.
Topic: Urban design and public space.
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http://dx.doi.org/10.5821/SIIU.9783
Introdução
O presente artigo surgiu da intenção em ampliar o campo de atuação de arquitetos e urbanistas em suas
intervenções urbanas, a fim de criarem espaços que suscitem nos transeuntes reflexões e ações em sintonia
com as modalidades de exploração e permanência nos espaços dispostos pela cidade.
Partindo deste pressuposto, é preciso iniciar o discurso dizendo que refletir sobre a qualificação do espaço
urbano e suas formas de ocupação é fundamental para a discussão acerca da cidade contemporânea, uma
vez que tais espaços são tidos como palco da vida urbana, ou seja, lugares onde acontecem os encontros e
trocas entre as pessoas e, por vezes, onde se identifica a transformação de uma sociedade.
O sociólogo espanhol Manuel Castells, professor emérito de planejamento urbano e regional na Universidade
da Califórnia e responsável pelo texto de apresentação do livro “A Obra Pública de Jorge Wilheim” (2003),
afirma que "o espaço é uma expressão da sociedade". Como espaço público central da metrópole,
considerado ponto de referência para a população e historicamente utilizado como um dos principais pontos
de encontro da cidade, o Vale do Anhangabaú pode contar muito sobre São Paulo e suas transformações, e
por isso foi escolhido como objeto de estudo. Para este trabalho, mereceu dedicação no que diz respeito à
visão sistêmica da escala humana de seu projeto, a fim de demonstrar as mudanças de pensamento na
forma como foi projetado ao longo da sua história.
Se a cidade de São Paulo foi construída e reconstruída três vezes em um século (TOLEDO, 1983), o Vale do
Anhangabaú não teve diferente sorte. A questão norteadora deste artigo levou em consideração os fluxos e
permanências do pedestre e a análise foi feita a partir das tramas e sobreposições do Vale, entendidas aqui
como momentos distintos marcados por pensamentos diferentes. Tal observação culminou na periodização
empregada, que seguiu as principais intervenções implementadas nas diferentes épocas, discriminadas da
seguinte maneira: fim século XIX; início século XX; década de 1940 a 1980; década de 1980 e 1990; década
de 2010.
O método adotado baseou-se em pesquisa historiográfica sobre o Vale do Anhangabaú, bem como a análise
dos projetos realizados e suas evoluções ao longo do tempo. Como material de sustentação, foram utilizados
preferencialmente materiais iconográficos, plantas, representações gráficas e estudos sobre as propostas,
com o intuito de reconhecer a evolução da inserção da escala humana nos projetos. A partir destas leituras
foram identificados cinco momentos distintos do Vale com relação à inserção do pedestre na cidade, criando
assim, um palimpsesto (TOLEDO, 1983):
um vale para ultrapassar;
um vale para passear;
um vale para evitar;
um vale para recuperar;
um vale para sonhar.
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O Vale não tinha atrativos para fluxos nem para permanências nesta época. Ele era apenas constituído pelo
vale onde se concentravam os fundos das construções, podendo ser identificado como uma barreira física e
visual para quem desejasse ultrapassá-lo. Por isso, a única expectativa com relação a ele nesta época, era a
sua transposição.
O principal cruzamento sob o Ribeirão Anhangabaú em fins do século XVIII e início do século XIX se dava
pela Ponte do Lorena, que ligava a Ladeira do Piques à Ladeira da Memória (SIMÕES JÚNIOR, 2004). Este
trajeto era constantemente utilizado por quem pretendia chegar à aldeia de Pinheiros pela Estrada do Araçá
(atual Rua da Consolação e Av. Rebouças). A ponte, que já existia desde as primeiras décadas do século
XVII, era quase plana, e teria aproximadamente “12 passos de largura por 25 de extensão” como conta Saint-
Hilaire em relatos de suas viagens em 1819 (SAINT-HILAIRE, 1975). Este era o caminho das tropas de
mulas que carregavam a produção de café da região de Jundiaí até o litoral paulista: Av. Rebouças, Rua da
Consolação, Ponte do Lorena, Piques (com um importante ponto de parada para as tropas), Rua do
Riachuelo, Rua da Liberdade e Rua Vergueiro.
A Estação da Luz, construída em 1867, direciona a atenção para caminhos já existentes do centro histórico
para além do Anhangabaú. O primeiro deles ficava na altura da atual Rua Carlos de Souza Nazaré, onde
inicialmente existia a “Ponte do Marechal” e depois a “Ponte do Miguel Carlos”, segundo Simões Júnior
(2004), a Ponte do Marechal era trajeto da linha mais nobre da cidade, que unia a Estação da Luz ao Centro
passando pelas Rua da Estação (atual Mauá), Rua Alegre (atual Rua Brigadeiro Tobias), Ponte do Marechal,
chegando por fim ao largo São Bento. Outro caminho seria atravessar o vale do Anhangabaú pela Ponte do
Acu, na altura da atual Av. São João. Uma gravura de Debret (Figura 01) retrata o trânsito de pedestres na
Ponte do Acu em 1827, bem antes da construção da ferrovia. Porém, esse vetor de valorização em direção à
Estação da Luz cessa por volta de 1890, com a construção do primeiro Viaduto do Chá.
O Viaduto do Chá foi a materialização da visão de futuro da cidade, tão bem ilustrado por Jules Martin, um
litógrafo que tinha seu ateliê na Rua da Constituição (atual Rua Florêncio de Abreu) e imortalizado no artigo
do Jornal Província de São Paulo de 05 de outubro de 1877. Segundo ele, era possível imaginar a passagem
do vale sendo feita por transeuntes mas também por meio das linhas de bonde.
Para Jules Martin:
Está nas vidraças do Sr. Jules Martin, um belo quadro litográfico representando o
que por vêzes se tem falado entre nós como meio plausível de ligar por meio de
uma linha de bondes a Rua Direita, isto é, o centro da cidade, ao nôvo e próspero
bairro do Morro do Chá, Rua da Palha e Largo dos Curros. Como Wagner escreve
a música do futuro, assim o senhor Martin nos dá naquele quadro o desenho do
futuro. (TOLEDO, 1989, p. 40).
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Fig. 01 - Ponte do Acu, 1827. Fonte: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira.
A diferença dos caminhos da Rua São João e do Largo do Riachuelo que precisavam ser transpostos
subindo-se e descendo-se as encostas do vale, foi vencida pelo Viaduto do Chá, que permitia a comunicação
“em nível” entre o Centro da cidade e os novos bairros de Campos Elíseos e Higienópolis. Esse foi um
diferencial importante, principalmente para os bondes, que ainda nesta época eram puxados por meio da
tração animal.
Assim sendo, entende-se ao analisar o mapa da cidade de São Paulo em 1877 elaborado por Jules Martin,
que o arruamento do bairro do Chá (Centro Novo) havia sido executado contando com a continuidade da Rua
Barão de Itapetininga com a Rua Direita. Três meses após a publicação deste mapa, Martin propõe a
construção de um viaduto ligando as duas ruas: o Viaduto do Chá. Em 1892 o viaduto é inaugurado e a
cidade ganha uma importante interligação entre áreas valorizadas: o Centro Histórico, o bairro de Campos
Elíseos (loteado nos anos 1880) e o bairro de Higienópolis (loteado nos anos 1890). O bairro da Vila Buarque
começa a ser loteado após a inauguração do viaduto do Chá.
A construção deste primeiro viaduto em 1892 em conjunto com a construção do Teatro São José em 1909 e
do Teatro Municipal em 1911, ambos na cabeceira do viaduto, altera a lógica quanto a percepção do Vale do
Anhangabaú, que passa a ser uma localização valorizada e que resultou, posteriormente, no Plano Bouvard.
Bouvard foi chamado pelo prefeito Barão de Duprat para resolver o impasse entre três projetos apresentados
para a região central: o primeiro organizado pela sociedade civil, liderado entre outros por Conde Prates e
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Ramos de Azevedo; o segundo elaborado pela prefeitura, liderado por Victor da Silva Freire e Eugênio
Guilhem e o terceiro, pela secretaria da Agricultura, liderado por Samuel das Neves.
O relatório de Bouvard de 1911 estabelece claramente a necessidade da criação de espaços livres, praças
públicas, jardins e parques, uma vez que o número de edifícios cresce à medida que aumenta a densidade
populacional. De fato, a população da cidade de São Paulo passa de 44.030 habitantes em 1886 para
239.820 habitantes em 1900, enquanto o número de edifícios triplica no mesmo período, passando de 7.012
para 21.656 edifícios (BONDUKI, 1999 apud SIMÕES JUNIOR, 2004, p. 63). Um dos três grandes parques
propostos por Bouvard é o parque compreendido entre a Rua Líbero Badaró e o Teatro Municipal: o Parque
Anhangabaú. Seu relatório explicita a vontade de criar espaços de “passeio para os habitantes, focos de
hygiene e de bem estar, necessários à saúde pública, tanto moral quanto physica” (TOLEDO, 1983, p. 103).
Para além do parque, a solução de Bouvard conciliava as expectativas dos que pretendiam eliminar as
construções do lado ímpar da rua Líbero Badaró para formar um belvedere e dos que ali imaginavam a
construção de grandes edifícios.
As obras do Parque Anhangabaú de Bouvard tiveram início em 1911 e em 1917 seriam parcialmente
concluídas. O resultado era uma via central com um desenho sinuoso cujos jardins criavam um cenário
perfeito para a contemplação a partir da cidade alta. O principal eixo visual do parque seria aquele
compreendido entre o Teatro Municipal e os palacetes do Conde de Prates. Os caminhos que levavam os
pedestres da região dos palacetes, no alto, até a avenida central abaixo, tinham bancos distribuídos ao longo
do percurso. Fotos do local por volta de 1925 (Figura 02) mostram a atividade dos pedestres por estes
caminhos, a permanência em seus bancos e pouco trânsito de veículos na avenida central. O conjunto do
parque com as edificações do entorno deram à região a alcunha de “sala de visitas da cidade” e era motivo
de orgulho da população de São Paulo. Mas em pouco tempo a sala de visitas foi invadida por um sem-
número de automóveis.
Fig. 02 - Vista do Vale do Anhangabaú, com os Palacetes Prates e o Edifício Sampaio Moreira
(São Paulo, Brasil). Fonte: Guilherme Gaensly - Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP).
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O caráter do parque do Anhangabaú como um lugar de passeio e permanência começa a ser transformado
com o Plano de Avenidas, publicado por Prestes Maia em 1930. Nesse plano, o Anhangabaú localiza-se na
confluência de três linhas que formam a figura de um “Y” invertido e fazem a ligação norte-sul da cidade
através de três avenidas: Tiradentes, 9 de Julho e 23 de Maio. Segundo Bucci (1998) há dois paradoxos do
Plano relacionados ao Vale do Anhangabaú: o primeiro é a relação Parque X Avenida, já que a ideia de
parque para o Anhangabaú era incompatível com a configuração das avenidas resultantes do plano; e o
segundo diz respeito à sua configuração como um recinto fechado num entroncamento tão vital para a cidade
tampouco era factível, o que ele chama de paradoxo Recinto X Metrópole. Estas contradições foram
superadas com a implantação efetiva do Plano de Avenidas: sai o parque e fica só a avenida, sai a escala
local e permanece só a metropolitana. E para o enfoque deste artigo, sai o pedestre e entra o automóvel.
O Plano de Avenidas foi a resposta para um problema que a cidade vinha enfrentando com o crescimento
urbano: as ruas do centro começam a ficar congestionadas e Ulhoa Cintra, da Diretoria de Obras Municipais,
incorpora o esquema teórico de Eugene Henard: “um esquema radial-perimetral para estruturar e incentivar o
crescimento urbano” (CAMPOS, SOMEKH, 2008, p. 57). Isso transforma o centro da cidade num nó
articulador onde o Vale do Anhangabaú está no centro geométrico, convergência de automóveis e pedestres.
O vale para passear durou pouco tempo e antes de 1940 os pedestres se deparam mais uma vez com uma
barreira, agora não mais um rio como no início, mas uma via expressa (Figura 03). Nas fotos da época nota-
se um intenso tráfego de veículos e pedestres e nenhuma sinalização para a travessia segura. A passagem
construída entre 1948 e 1950 apelidada de “Buraco do Adhemar”, objetivava-se à fluidez do trânsito de
veículos da Av. São João sendo a travessia do pedestre feita por uma pequena calçada nas laterais.
Fig. 03 - Vista do Parque do Anhangabaú com a passagem subterrânea da Av. São João e Viaduto
do Chá (São Paulo, Brasil). Fonte: Werner Haberkorn - Acervo do Museu Paulista da USP Coleção Werner Haberkorn.
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A cidade de São Paulo é a centralidade da maior região metropolitana do Brasil, o que significa dizer que a
natureza de seus problemas faz parte de um objeto complicado, que culmina em problemas ainda mais
complexos. A década de 2010 é marcada por uma tendência clara frente a estes problemas: as pessoas
desejam retomar a cidade e os seus espaços. A experiência de andar a pé se torna, por vez , um dos temas
essenciais da ocupação dos espaços públicos. (CALLIARI, 2016).
“Sonhar” entra neste momento como um apelo das expectativas criadas pela população paulistana. Sobre o
Vale do Anhangabaú, sonham com um lugar de qualidade, ou melhor, um espaço público de excelência que
permita a fruição, a permanência e a urbanidade. Assim, este espaço representa hoje, mais do que nunca,
um desafio. Desafio que deveria ser enfrentado pela cidade como um todo e pelos agentes sociais
responsáveis pela sua interpretação e transformação física. (HEREÑU, 2007).
Entende-se aqui o termo urbanidade a partir do conceito levantado por Aguiar (2012), que por sua vez parte
da definição no dicionário Aurélio: caráter do urbano, algo relativo ou pertencente à cidade. Logo, estaríamos
falando de urbanidade como caráter da cidade, entendendo caráter como o conjunto de qualidades, boas ou
más, que distinguem uma cidade. Urbanidade também tem seu sentido figurado, que trata dos atributos de
afabilidade, delicadeza e polidez das pessoas. Falar de urbanidade seria, portanto, falar de uma cidade que
acolhe ou “recebe as pessoas com civilidade, polidez e cortesia.” (AGUIAR, p. 62).
Nesse sentido, Luís Brettas (LABVERDE, 2014), superintendente do departamento de Desenho da Paisagem
da São Paulo Urbanismo, afirma que o Centro da cidade passou durante suas últimas décadas por
importantes processos de transformação, e que sua vocação apenas como espaço de passagem foi
acentuada por conta do aumento de alguns índices de violência e violação dos direitos humanos, que
permanecem degradando suas estruturas ambientais. Para endereçar estas questões, em abril de 2013 foi
iniciado o programa “Diálogo Aberto” com um grande número de pessoas de áreas multidisciplinares, com
experiências e competências diferentes, para que juntos pudessem estabelecer a análise, o diagnóstico e um
programa de intervenção nos espaços públicos da cidade.
O Vale do Anhangabaú foi nomeado como primeiro lugar estratégico para receber tais mudanças.
Requalificação foi o termo usado para a inspiração do desejo em fazer tais mudanças, sendo que os estudos
preliminares conduziram para um projeto inclusivo em todos os sentidos, compreendendo as diferenças e
acolhendo todos os públicos. A proposta teria a ver com a escala humana.
Para Brettas,, a certeza dos diversos levantamentos e contagens realizadas no Vale e em seu entorno,
permitiu caracterizar o Anhangabaú como um local de passagem, sem atrativos que convidasse as pessoas
a uma transposição mais calma, com qualidade. Foi quando as ideias do dinamarquês Jan Gehl entraram em
campo. O patrocínio de serviços de consultoria do escritório Gehl Architects possibilitou a transferência de
conhecimento e tecnologia de análise em diversos workshops e reuniões com técnicos municipais, arquitetos
convidados, estudantes e representantes da sociedade civil (LABVERDE, 2014), culminando em um novo
projeto para o parque.
Um dos elementos em destaque é a alusão à água pré-existente no Vale, tida agora quase como uma
proposta lúdica. Conforme relatado por Brettas (LABVERDE, 2014), trata-se da reinserção da água de uma
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maneira nova em São Paulo, como um grande atrativo para que as pessoas queiram vir ao Anhangabaú.
Visa também o resgate do eixo da Av. São João, a remodelação completa das plataformas nos túneis, o
tratamento dos acessos, a manutenção dos eixos da Rua Formosa e da Rua Anhangabaú, a criação de uma
segunda fachada ativa (com a inserção de quiosques), uma diretriz para a organização dos deslocamentos e
a clara indicação para que seja um local para pessoas.
Ainda segundo Brettas (LABVERDE, 2014), a atual proposta (Figura 05) não é um trabalho autoral, mas uma
criação coletiva que pretende abarcar os próximos 100 anos do Vale. O superintendente do departamento de
Desenho da Paisagem da São Paulo Urbanismo compreende que o projeto anterior do Anhangabaú
“quebrou paradigmas e funcionou por mais de 30 anos”, porém as novas dinâmicas da cidade exigiam novas
dinâmicas para o vale. “[...] a proposta e o programa não tem nenhuma intenção em criar um cenário de
resgate do que o Vale foi, mas sim o de criar uma nova ambiência, atraindo cada vez mais pessoas para o
que o Vale pode ser” (LABVERDE, 2014).
Fig. 05 - Modelagem da proposta final do futuro Vale do Anhangabaú. Fonte: Gestão Urbana.
O atual projeto de requalificação do Vale, por vez, tem suas bases ancoradas na valorização da escala do
pedestre. Se trata de um grande projeto urbanístico que aplica inúmeros elementos relacionados ao
pensamento de cidade para as pessoas, com melhores condições de vida para a sociedade como um todo e,
principalmente, para a região central da cidade de São Paulo. Ele prevê inúmeras maneiras de resgatar a
urbanidade e estimular o uso de seu espaço pelas pessoas e se insere como um dos elementos chaves do
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Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Setor Central1, que tem como objetivo principal, realizar transformações
urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental em uma determinada área.
Seu planejamento conduz à materialização física do zeitgeist2, o espírito do nosso tempo: a busca pela
retomada do espaço público, o envolvimento da participação social nos planejamentos urbanos e o resgate
da valorização do pedestre na sua fruição e apropriação da cidade.
Considerações finais
O Vale do Anhangabaú foi - e continua sendo - um ponto focal da estruturação da cidade, destacando-se
pelos seus diferentes momentos de apropriação. É um arquivo vivo da cidade que materializa os
pensamentos e os valores predominantes de cada época.
As diferentes fases vividas pelo Vale do Anhangabaú criaram um palimpsesto que resultou em um acúmulo
de sucessivos acontecimentos e intervenções apagadas, que guardaram sentidos e memórias do que um dia
foi a cidade de São Paulo. Mesmo partindo esta investigação da menor escala, a do pedestre, foi possível
observar grandes mudanças na forma de se relacionar com a cidade, indo desde o momento do Vale como
um lugar no qual as pessoas não conseguiam se comunicar, mas que precisavam ultrapassar por uma
necessidade, até o lugar projetado para a apropriação livre de um espaço muito maior que a escala humana,
passando pelo lugar de passeio por faixas delimitadas e por aquele em que era impossível transitar a pé.
Atualmente o vale pode ser identificado como um lugar de sonhos e de muitas expectativas, para o qual não
conseguimos enxergar o resultado final, visto que está passando por um momento de transformação, por
período indeterminado.
O pedestre, porém, não deveria ser tratado como único, nem soberano, muito menos dogmático. A condição
de estar a pé, grande parte das vezes, conecta diferentes modais de transporte, faz chegar ao comércio e ao
trabalho, apenas é uma simples deriva. Sem contar outras variáveis importantes de serem consideradas
sobre o entorno, tais como habitação, vulnerabilidades etc. Todos estes elementos deveriam ser amplamente
considerados no processo, de modo a viabilizar a construção de um espaço que faça sentido para a cidade,
que dialogue com todas as suas escalas e dinâmicas urbanas, para que possa assumir um novo papel para a
cidade e principalmente, para a região central da cidade de São Paulo. Parece, porém, que mais uma vez
somos testemunhas da história de um vale que é destruído para dar lugar a algo novo, não planejado, de
forma sistêmica e holística. Só o tempo dirá o resultado.
Referências
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BONDUKI, N. (1999). Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão
da casa própria. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade.
1
O PIU Setor Central está inserido em um perímetro de 2.098 hectares, dividido em dois setores: Setor Centro Histórico, que abrange
total ou parcialmente os distritos do Brás, Belém, Pari, Bom Retiro e Santa Cecília, e Setor Metropolitano (distritos da República e Sé. -
Gestão Urbana 2018.
2
Zeitgeist é um termo alemão cuja tradução significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. O Zeitgeist significa, em
suma, o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo numa certa época ou as características genéricas de um determinado período
de tempo.
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BUCCI, A. (1998). Anhangabaú, o Chá e a Metrópole. São Paulo: FAUUSP (Dissertação de Mestrado).
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de São Paulo no século XX. São Paulo: Mackenzie: Mackpesquisa,. 192 p.
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