Tempo e História No Plano de Avenidas

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TEMPO​ ​E​ ​HISTÓRIA​ ​NO​ ​PLANO​ ​DE​ ​AVENIDAS

Marisa​ ​Varanda​ ​Teixeira​ ​Carpintéro


Centro​ ​Interdisciplinar​ ​de​ ​Estudos​ ​da​ ​Cidade​ ​–​ ​Departamento​ ​de​ ​História,
Instituto​ ​de​ ​Filosofia​ ​e​ ​Ciências​ ​Humanas​ ​-​ ​UNICAMP

No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um


palácio de metal com uma esfera de vidro em cada cômodo.
Dentro de cada esfera, vê-se uma cidade azul que é o
modelo para uma outra Fedora. São as formas que a cidade
teria podido tomar se, por uma razão ou por outra, não
tivesse se tornado o que é atualmente. Em todas as épocas,
alguém, vendo Fedora tal como era, havia imaginado um
modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto
construía o seu modelo em miniatura, Fedora já não era mais
a mesma de antes e o que até ontem havia sido um possível
futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de
vidro.​ ​(CALVINO,​ ​1991:32)

Como nos filmes de ficção científica, muitos acreditaram que no que seria
então o futuro, por volta do ano 2001, as cidades seriam totalmente diferentes.
Os cenários da ficção científica eram referências para as imagens de uma época
onde os espaços urbanos substituiriam suas históricas contradições por uma
eficiente felicidade idealizada e sonhada, tendo em vista o alcance imaginado da
tecnologia.
Existem em nossa imaginação viagens através dos filmes e da literatura
ficcional, onde veículos aéreos cruzam os céus urbanos como bolhas de vidro e
luz com pessoas transportadas neles e transitando em passarelas e túneis
suspensos. As construções seriam como máquinas eficientes e funcionais, que a
partir das suas mega-estruturas consagrariam a técnica e afastariam a
possibilidade de uma natureza indomável. Esse caminho nos conduz ao mundo
dos sonhos e das utopias como também nos aproximam das teorias urbanísticas,
que desde o início do século, se colocavam no desafio de pensar o futuro das
cidades. Todavia, hoje deparamos com uma gama de propostas de intervenção
urbana, em que as palavras requalificação, reabilitação, revitalização,
recuperação – e sem dúvida muitos outros “res” – se colocam na tentativa de
reconstruir o que as práticas urbanísticas dos dois últimos séculos, em nome do
progresso e da modernização foram capazes de destruir. Contudo, não se trata

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de avaliarmos aqui o mérito dos projetos de revitalização de centros de cidades,


bairros, e recuperação de edificações históricas realizados nos últimos anos em
várias cidades brasileiras, mas sim chamar a atenção dos historiadores no que se
refere à apropriação da história e do tempo, feita pelos urbanistas, que ao
desenhar o futuro, marcavam um novo tempo procurando garantir a legitimidade
das​ ​transformações.
Ao percorrermos a leitura de diferentes Planos urbanísticos apresentados
ao longo dos últimos séculos, constatamos de que forma a história se coloca
como um aspecto importante para a legitimidade dos discursos. Além disso,
percebemos como a arquitetura, ao longo desses anos, foi capaz de materializar
através de seus projetos a releitura da história e em alguns casos em
descompasso conceitual, com o próprio discurso urbanista. Esse artigo tem como
objetivo descortinar essas discussões tomando como análise o Plano de
Avenidas, elaborado, na década de 1930, pelo engenheiro Francisco Prestes Maia
para​ ​a​ ​cidade​ ​de​ ​São​ ​Paulo​ ​(MAIA,​ ​1930).

A​ ​história​ ​da​ ​cidade​ ​no​ ​Plano​ ​de​ ​Avenidas

Como todo urbanista, Prestes Maia não apenas projetou um espaço, mas
também um tempo. Em cada capítulo de sua obra a história gravita como
elemento fundante da disciplina urbanismo. Através dela se articulam os campos
conceituais que tratam a cidade, ora como um ser vivo, ora como uma máquina.
Além disto, a história é a fonte reprodutora capaz de permitir ao autor
apresentar todas as suas facetas de poeta, artista, técnico e político. Ao se
referir à cidade como um ser orgânico, o urbanista se coloca concomitantemente
como um médico na tentativa de elaborar um diagnóstico, para o chamado mal
urbano. Em sua opinião, o congestionamento, a aglomeração, as habitações
insalubres, a inexistência de obras sanitárias, de iluminação, de água e a falta de
esgotos são elementos incompatíveis com o desenvolvimento da cidade. Ainda
no seu entender esse mal é universal e dele sofrem as grandes cidades. O
urbanista, assim como o médico, deverá servir-se da técnica para afastar e
prevenir​ ​os​ ​males​ ​causados​ ​pela​ ​crise​ ​do​ ​crescimento​ ​desordenado.

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Entretanto, se a cidade é considerada como um corpo urbano, também


como um corpo humano ela contém uma história. É no processo de interpretação
dessa história que o urbanista elabora as suas projeções. Desse modo é ainda no
interior do ​mesmo processo que podemos acompanhar estas diferentes etapas
do plano: primeiramente o ​diagnóstico​, em alguns casos os males são
provenientes da má formação, em seguida o ​medicamento adequado, a previsão
dos futuros problemas, o acompanhamento do seu desenvolvimento, e por fim o
cuidado​​ ​com​ ​a​ ​beleza.
A leitura histórica feita por Prestes Maia sobre a cidade de São Paulo é
muito semelhante àquelas elaboradas pelos historiadores e memorialistas da
época. Uma cidade pacata, sombria, provinciana, atrasada, e como ele diz ,“(...)
com pouca coisa digna de ser vista pelo extrangeiro”. Prestes Maia procura
reforçar essas imagens a partir das gravuras e fotografias de diferentes épocas
da cidade, com o intuito de estabelecer a dialética, passado-presente e futuro.
Elas iniciam com o quadro de Fundação da cidade elaborado por Oscar Pereira da
Silva, retratando a primeira missa no planalto de Piratininga. Em seguida vamos
encontrar um desenho de 1628 do primeiro paço, que segundo o autor, foi uma
reconstituição de Wasth Rodrigues, baseada no mapa de Céspedes quando este
atravessou o Estado de São Paulo. São imagens apresentando pouco movimento,
que retratam a cidade até o final do século XIX com algumas casas coloniais sem
recuo, provavelmente construídas de pau-a-pique ou taipa de pilão, com sistema
de​ ​cobertura​ ​de​ ​telhado​ ​de​ ​duas​ ​águas.
O aspecto humilde das construções se confunde com a natureza, como no
bucólico cenário do Brás ou na conhecida foto das lavadeiras do Tamanduateí. O
sentido de vida pacata podemos também extrair das fotos das antigas Chácaras
(no então morro do Chá), ao lado da tranqüilidade das ruas e ladeiras, curvas e
estreitas, decoradas com velhos lampiões. Todavia, tal como os historiadores,
para justificar o crescimento da cidade, o autor procura resgatar no passado as
imagens do presente, ao revelar o caráter desbravador do povo paulistano
(CINTRA e MAIA, 1930: 56) No primeiro artigo da série publicada no ​Boletim de
Engenharia, ​em 1924, o autor associa as etapas do desenvolvimento econômico
de São Paulo à presença do bandeirante. ”(...) de desbravador passou a
sedentário, cultivador valente do solo, do qual fez surgir o oceano maravilhoso
do café.” Nessa caminhada do “progresso” não poderia faltar referências ao papel

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do imigrante e, por fim, a chegada das fábricas inaugurando uma nova era – a
do​ ​industrialismo​ ​impulsionador​ ​de​ ​cidades.
O olhar do urbanista para o passado colonial é marcado pela euforia do
presente, diante da aparente chegada do progresso. Este fenômeno, que
segundo as interpretações históricas de Pierre Monbeig, Jaime Cortesão e Aroldo
de Azevedo foi provocado pela energia da raça (bandeirantes e imigrantes), se
coloca naquele momento como responsável pelas transformações urbanas.1 A
partir daí as imagens ganham movimento e com a ajuda do texto procuram
problematizar o presente. A cidade, no começo do século, apresenta um cenário
bem diferente do anterior, ruas pavimentadas, casas e edifícios construídos em
diferentes estilos arquitetônicos procuram demarcar o poderio econômico de seus
habitantes. O teatro Municipal, o prédio Martinelli, a igreja de São Bento, a
Estação da Luz, o Museu Paulista, Palácio das Indústrias. Todas essas
construções, na perspectiva do autor, são valiosas enquanto forma e função,
entretanto, se perdem no meio da desordem causada pelo crescimento urbano.
Os exemplos estão nas fotos de uma garagem ao ar livre na Praça da Sé repleta
de veículos que impossibilitam a circulação em uma área comercial; outras
mostram a concentração excessiva de edifícios ou a ausência de áreas verdes,
como o flagrante das Ladeiras do Ouvidor e São Francisco e da rua 15 de
Novembro.
As fotos da inundação dos rios Tietê e Pinheiros, atingindo os Bairros de
Bom Retiro e Pinheiros, no ano de 1929, procuram demonstrar o transtorno e o
desperdício das áreas ribeirinhas. Enquanto as muralhas para as cidades
européias significavam obstáculos para o seu crescimento, o dois rios foram os
acidentes geográficos que a natureza ofereceu à cidade de São Paulo. Em cada
página o autor recorre à história para justificar a eliminação dos vestígios do
passado colonial; por outro lado constrói um presente problemático na tentativa
de se desprender da história e buscar no itinerário de um sonho – as projeções
de um novo tempo. Este é o ponto crucial de nossas explorações do Plano de
Avenidas, pois é o instante da criação, em que o autor se vê diante da integração
da razão com a paixão. Instante que se manifesta no discurso de outros
urbanistas,​ ​dentre​ ​eles,​ ​o​ ​mestre​ ​Le​ ​Corbusier.

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​ ​Azevedo,​ ​1958,​ ​Mobeig,​ ​1958,​ ​Cortesão,​ ​1958.
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O trabalho da razão adiciona-se sem cessar, a sua curva é


ascencional; ele cria o instrumental; é o que chamamos de
progresso. Os sentimentos da paixão são constantes: São
baixos ou elevados entre duas cotas que os milênios não
mudaram. Podemos arriscar a hipótese de que as grandes
obras emotivas, obras de arte, nascem da integração bem
sucedida da paixão e do conhecimento. (LE CORBUSIER,
1992:​ ​43)

A​ ​história​ ​como​ ​inspiração

No Plano de Avenidas encontramos esta integração nas imagens


projetadas para o futuro. O discurso teórico produz imagens que se pretendem
inovadoras, pois ao se desprenderem da história inauguram um outro tempo
marcado pelos princípios e orientações técnicas concedidas pela disciplina
urbanismo. Entretanto, no plano visual a linguagem artística revela o encontro
com o passado, além disso, apresenta um movimento diferente daquela
racionalidade científica ao buscar na história a liberdade, o espírito criador. De
acordo com Prestes Maia podemos reduzir as concepções de arte em três
elementos: imitação, idealização e criação. A partir desses três elementos
podemos,​ ​segundo​ ​Prestes​ ​Maia,​ ​compreender​ ​ainda​ ​que:

(...) As necessidades ou objetivos da manifestação artística,


as circunstâncias e aspirações ambientes, o impulso ou
temperamento do artista, os meios materiais de realização,
etc., é que comandam as modalidades da arte e, em
conseqüência, também as definições em cada caso. (MAIA,
1955:​ ​67)

Neste sentido, cada um poderá dizer o que é o belo ou o que é a arte sem
se prender aos conceitos gerais e universais como ocorre com a ciência. Segundo
ele, muitos artistas, adotando pontos de partida imprecisos ou precipitados, e
querendo depois trabalhar filosoficamente, acabam por praticar as maiores
heresias. Além do mais, importa para ele ressaltar que o objetivo central da arte
é transmitir o sentimento e ao mesmo tempo possibilitar o traço de união entre
as criaturas, “(...) é o veículo mais eficiente e amável de idéias e mensagens
humanas.”​ ​(MAIA,​ ​1955:67)

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Reconhece que a ciência e a “literatura discursiva” conseguem transmitir


fatos e sabedoria, sendo entretanto inaptas à comunicação de sentimentos.
Prestes Maia partilha uma opinião corrente também expressa por Lewis Mumford
em seu livro ​Arte e Técnica​, onde interpreta a linguagem expressiva da arte
como:

[....] o lado interior e subjetivo do homem; todas as suas


estruturas simbólicas são outros tantos esforços para
inventar um vocabulário e uma linguagem através da qual o
homem possa exteriorizar e projetar os seus estados íntimos
e, mais particularmente, dar uma forma concreta e pública às
suas emoções, sentimentos e intuições dos significados e
valores​ ​da​ ​vida.​ ​(MUMFORD,​ ​1952:​ ​32)

Emoções e sentimentos também estão presentes no Plano de Avenidas,


sendo a arquitetura o veículo simbólico capaz de evocá-los através da
imponência dos edifícios cívicos, com sua aparência de solidez e beleza. Como já
dissemos, estes efeitos foram extraídos da linguagem arquitetônica herdada do
mundo antigo e aplicados na Renascença e em outras épocas. Podemos
reconhecer essa linguagem em elementos, tais como, as colunas, pilastras,
capitéis, cornijas, pórticos, frontão, arquitrave, frisos e em seus ornamentos.
Essa linguagem aparece no ​Plano na forma de desenhos que parecem falar por
si, diferente das longas e detalhadas explicações do texto escrito. Em cada
página, pontes, viadutos, edifícios públicos, praças e monumentos ganham uma
nova​ ​vestimenta,​ ​confeccionadas​ ​com​ ​os​ ​motivos​ ​da​ ​Renascença.
O Viaduto da Boa Vista foi contemplado com um arco triunfal romano
emoldurado por pilastras e meias-colunas; na fachada, pilastras dóricas são
marcadas pela presença de capitéis e base servindo de molduras para as figuras
esculpidas dos Davis de Donatello e de Michelângelo; além disso, para completar
o cenário destaca-se ao fundo a vista do Palácio do Governo. Como um poeta,
Prestes Maia buscava no passado clássico as origens verdadeiras e imaculadas da
beleza arquitetônica, com o intuito de sensibilizar a alma do leitor. Ao propor a
abertura e o prolongamento da avenida Tabatinguera, artisticamente seu pincel
desenha​ ​um​ ​espaço​ ​aberto​ ​ou

[...] ​percée fronteira à rua e à igreja da Boa ​Morte, no


caso da reconstrução desta. Um dos desenhos exemplifica
o tratamento do local. É porém cousa muito secundaria e

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sem outro fim que mostrar a conveniencia de estudar


sempre em conjuncto os edifícios importantes, publicos ou
não,​ ​e​ ​o​ ​local​ ​em​ ​que​ ​se​ ​elevam.(MAIA,1930:42.)

Neste espaço o artista evoca a beleza dos edifícios existentes, como a


igreja da Boa Morte, e ainda oferece uma praça margeada de edifícios e em
destaque uma parede rústica construída de pedra como no Cortille della
Cavallerizza de Giulio Romano (1538-39).2 Uma outra maneira de difundir o
gosto pela arte clássica foi espalhar pelos locais públicos da cidade reproduções
de esculturas célebres, como o Davi de Miguelângelo (originalmente estava no
Estádio do Pacaembu) e o Moisés desse mesmo artista (na galeria Prestes Maia),
ou com a escultura de um cavaleiro romano no monumento em homenagem ao
arquiteto Ramos de Azevedo nas margens do Tietê. Essas imagens procuravam
transportar o observador a um foco central: o espaço servia como cenário para
dar​ ​relevo​ ​aos​ ​edifícios​ ​que​ ​o​ ​cercavam.
Assim como nos estudos de Carl Schorscke em relação aos diferentes
estilos arquitetônicos que predominaram em Viena no fim do século XIX, será
que também a falta de uma tradição histórica levou este urbanista e artista a
emprestar da antigüidade seus heróis? Para Viena, segundo Schorscke, os
parlamentares austríacos preferiam compor seus edifícios com os heróis e
símbolos da mitologia grega no sentido de representar a unidade liberal entre
política​ ​e​ ​cultura​ ​racional.​ ​Ainda​ ​no​ ​seu​ ​entender​ ​os​ ​parlamentares,

[...] não se sentiram atraídos por uma figura tão carregada


de um passado revolucionário como a Liberdade. Palas
Atenas, protetora da pólis, deusa da sabedoria, era um
símbolo mais seguro. Era também uma divindade adequada
para representar a unidade entre política e cultura racional,
unidade expressa pelo lema do iluminismo tantas vezes
repetido...​​ ​(SHORSCKE,​ ​1988:​ ​61)

Não podemos esquecer que a arquitetura expressa no Plano de Avenidas


estava na verdade procurando dialogar com as recentes construções na cidade,
dentre elas, o Mercado Municipal (1925-1933), o Palácio da Justiça (1920-1933),
a Estação Sorocabana(1926-1938), a Catedral da Sé, a Faculdade de Medicina de
São Paulo, o edifício Martinelli. E estes por sua vez representavam os conceitos e
valores que predominavam na época – a monumentalidade como forma de

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Consulta realizada na obras de Sumerson, John. A Linguagem Clássica da Arquitetura, São
Paulo,​ ​Martins​ ​Fontes,​ ​1994.p.49
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expressar o crescimento, a riqueza e o poder da sociedade industrial. Dessa


maneira, não podemos deixar de ressaltar a preocupação do autor em registrar
em meio às figuras romanas a bravura dos heróis paulistas. Não foi à toa que
para estes heróis o autor escolheu as Pontes como local adequado para
prestar-lhes uma homenagem, pois ainda no seu entender elas caracterizam a
individualidade​ ​das​ ​grandes​ ​Capitais.

As pontes de Paris, Roma, Florença, Veneza, etc. ligam-se


indissoluvelmente á lembrança dessas cidades. Em
Londres, de Blackfriars á Torre, ha a serie magnifica de
estructuras e panoramas, que culminam em
Westminster(...)Em Madrid el puente de Toledo interessa
mais que todos os monumentos modernos. Tower Bridge,
ponte Alexandre, Brooklyn, não obstante o ar de confiserie
da primeira, os festões da segunda e a apparente
instabilidade da terceira, são inolidaveis. Gard, Avignon,
Toledo, Alcantara, etc, conhecem-se sobretudo por suas
pontes.​ ​(MAIA,​ ​Prestes,​ ​1930:​ ​350)

A Ponte Grande será localizada no eixo da maior artéria paulista (avenida


Tiradentes), será o mais importante acesso à margem direita do Tietê e ainda
próxima à Estação Geral, ao aeroporto e ao porto fluvial, constituindo assim a
principal entrada da cidade. Os acontecimentos rememorados pela Ponte Grande
são as Bandeiras do século XVIII. Mais uma vez a história inspira o artista na
projeção de um monumento, desta vez em homenagem ao passado que marcou
a história da cidade – o percurso das Bandeiras. Neste momento seus desenhos
se​ ​complementam​ ​no​ ​texto​ ​emocionado:

Agora imaginamol-o não á margem, em situação


secundária, mas no centro mesmo do rio, como uma
grande proa a emergir das águas, voltada para jusante,
justamente na direcção do sertão, que o paulista devassou
e que é ainda, dentro do Estado, a ‘terra prometida’
(MAIA,​ ​1930:​ ​351).

Desta vez tal projeto apresenta uma outra linguagem arquitetônica em


estilo artdecô ou moderno como ele mesmo se refere. Os Pilones e o monumento
principal reduzem-se a uma casca de pedra ou granito sobre esqueleto de
cimento​ ​armado.

Tudo liso e simples, o que fará valer as esculpturas. Mas

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não a nudez ou a esteril abstenção decorativa do pseudo


racionalismo. Como diz o professor de Viena, ‘todo
necessario é bonito, nem todo o superfluo é feio’. (MAIA,
1930:​ ​355)

Na condição de arquiteto, urbanista e político, as palavras e as imagens de


Prestes Maia no Plano de Avenidas indicavam ao leitor uma direção – a
transformação da cidade em futura metrópole. Nesta perspectiva a bravura dos
Bandeirantes representava o símbolo do trabalho, da riqueza e a conquista
política e econômica de São Paulo perante as demais cidades brasileiras. Importa
ressaltar que essas imagens “proféticas” atravessaram os anos 1950, e foram
utilizadas por diferentes discursos no sentido de justificar o crescimento
acelerado, representado pelo ​slogan da “cidade que mais cresce no mundo”, ou o
chamado​ ​“fenômeno​ ​urbano”.
Embora tenha realizado grande parte da sua proposta viária, o único
exemplar arquitetônico construído foi a ponte das Bandeiras, já os outros
“figurinos” apresentados não correspondiam com as imagens projetadas para a
capital no decorrer da implantação do Plano.3 Entretanto, como poucos
planejadores de cidades no mundo, Prestes Maia buscou a perfeição ao integrar
em sua formação os lados científico, político e artístico. Este foi o motivo do
descompasso entre a linguagem discursiva e a projetual como diria a arquiteta
Maria Cristina Leme, e vários estudiosos do Plano de Avenidas. No entanto, aqui
nós podemos entendê-lo como parte dos caminhos que atravessam a relação
entre a razão e a paixão. E nesta perspectiva, concluir que enquanto a história
representou a fonte de inspiração para as projeções arquitetônicas, e esta por
sua vez significou o veículo transmissor da expressão sentimental, a história foi o

3
O jornal ​A Gazeta​, 25-08-1954, apresenta uma propaganda com os seguintes dizeres: “ Na
prefeitura sob a sua administração Prestes Maia fez de São Paulo antiquado a cidade mais bela da
America do sul. Prestes Maia transformou a paulicéia ao fazer isto: No Centro: as avenidas
Ipiranga e Anhangabaú; as reformas da praça da República, das ruas São Luiz, Maria Paulo e
Anita Garibaldi, do Parque Pedro II e da ladeira do Carmo; os melhoramentos das ruas Senador
Queiroz, Mercúrio, Santa Rosa, Vieira de Carvalho, Xavier de Toledo e da Liberdade; a
remodelação do Piques e do parque Anhangabaú; a abertura da praça do Carmo; a ampliação das
praças João Mendes e Clovis Bevilaqua; a modernização das praças Ramos de Azevedo do
Patriarca e do Arouche. Nos Bairros: a Av. Nove de Julho; a canalização do Tietê; abertura e
construção das praças Cornélia, na Agua Branca, Guianas, no Jardim America, Fernando Prestes,
na Luz, Rudge, no Tatuapé, General Polidoro, na Aclimação, Nossa Senhora da Aparecida, em
Indianopolis, Nossa Senhora da Conceição, no Cambuci, e Anajás, no fim da avenida Brigadeiro
Luiz Antonio; o bosque publico, junto ao Museu do Ipiranga; o prolongamento das avenidas
Paulista, Pacaembú, Rebouças, Rangel Pestana e Anhangabaú, (inferior); os jardins do Trianon e
da alameda Jaú; a conclusão e alrgamento da avenida São João; a avenida do Café, ligando a
avenida​ ​Jaguaré,​ ​entre​ ​a​ ​Lapa​ ​e​ ​a​ ​estrada​ ​de​ ​Osasco.​ ​Etc.,​ ​etc.,​ ​etc.
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fio condutor capaz de justificar as intervenções técnicas presente no Plano de


Avenidas.
Assim como no Plano de Avenidas, também encontramos nos dias atuais
diferentes projetos que procuram reapropriar do passado na tentativa de
transformar degradados sítios históricos em áreas de entretenimento urbano e
consumo cultural. Nossa intenção é trazer a contribuição da história, no sentido
de chamar a atenção dos urbanistas para que os cenários românticos de praças
não sejam transformados em mercadoria de um passado ilusório, ou ainda fazer
da história a parceira crítica do tempo, capaz de revelar na materialidade do
construído as marcas de conflito e a capacidade criativa de projetar, sem desistir
de​ ​sonhar​ ​com​ ​o​ ​sentido​ ​humano​ ​de​ ​cidade.

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Texto​ ​recebido​ ​em​ ​24/09/2007.

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