Sermão Dos Bons Anos (Antonio Vieira)

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Universidade da Amazônia

Sermão dos Bons


Anos

de Padre Antonio Vieira

NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


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Sermão dos Bons Anos


de Pe. Antonio Vieira

Pregado em Lisboa, na Capela Real, no ano de 1642

Postquam consummati sunt dies octo, ut circumcideretur puer, vocatum est nomen
ejus Jesus, quod vocatum est ab angelo, priusquam in utero conciperetur. – Luc. II.

CAPÍTULO I

Em um Mundo tão avarento de bens, onde apenas se encontra com um bom


dia, ter obrigação de dar bons-anos, dificultoso empenho! Deus, que é autor de
todos os bens, os dê a Vossas Reais Majestades felicíssimos (mui altos e mui
poderosos Reis e Senhores nossos) com a vida, com a prosperidade, com a
conservação e aumento de estados que as esperanças do Mundo publicam, que o
bem da Fé Católica deseja, que a Monarquia de Portugal há mister e que eu hoje
quisera prometer e ainda assegurar.
Em um Mundo, digo, tão avarento de bens, onde apenas se encontra com um
bom-dia, ter obrigação de dar bons-anos, dificultoso empenho! E na minha opinião
cresce ainda mais esta dificuldade, porque isto de dar bons-anos, entendo-o de
diferente maneira do que comumente se pratica no Mundo. Os bons-anos não os dá
quem os deseja, senão quem os assegura. A quantos se desejaram nesta vida, a
quantos se deram os bons-anos, que os não lograram bons, senão mui infelizes?
Segue-se logo, própria e rigorosamente falando, que não dá os bons-anos quem só
os deseja, senão quem os faz seguros. Esta é a dificuldade a que me vejo
empenhado hoje, que o tempo e o Evangelho fazem ainda maior. Em todo o tempo é
dificultoso cousa segurar anos felizes; mas muito mais em tempo de guerras e em
tempo de felicidades. Se o dia dos bens é véspera dos males; se para merecer uma
desgraça, basta ter sido ditoso, quem fará confiança em glórias presentes, para
esperar prosperidades futuras? Se a campanha é uma mesa de jogo onde se ganha
e se perde; se as bandeiras vitoriosas mais firmes seguem o vento vário que as
meneia, quem se prometerá firmeza na guerra, que derruba muralhas de mármore?
E como a guerra e a felicidade são dois acidentes tão vários; como a Fortuna e
Marte são dois árbitros do Mundo tão inconstantes, como poderei eu seguramente
prometer bons-anos a Portugal, em tempo que o vejo por uma parte com as armas
nas mãos, por outra com as mãos cheias de felicidade? Se apelo para o Evangelho,
também parece que promete ameaças, mais que esperanças; porque nos aparece
nele um cometa abrasado e sanguinolento, ut circumcideretur puer, e os cometas
desta cor sempre foram fatais aos reinos e formidáveis às monarquias.
Terret fera regna cometes sanguineum spargens ignem – disse lá Sílio. A
matéria dos cometas são os vapores, ou exalações da terra subidas ao céu; e como
no mistério da Encarnação subiu ao Céu a terra de nossa humanidade, que outra
cousa parece Cristo hoje com o sangue da circuncisão, senão um cometa abrasado
e sanguinolento, e por isso funesto e temeroso? Ora com isto se representar assim,
com o Evangelho e o tempo parecer que nos prometem poucas esperanças de
felizes anos, do mesmo tempo e do mesmo Evangelho hei de tirar hoje a prova e
segurança deles Será pois a matéria e empresa do sermão esta: Felicidades de
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Portugal, juízo dos anos que vêm. Digo dos anos, e não do ano, porque quem
tem obrigação de dar bons-anos, não satisfaz com um só, senão com muitos.
Funda-me o pensamento o mesmo Evangelho, que parece o desfavorecia; porque
toda a matéria e sentido dele é um prognóstico de felicidades futuras.
Toda a matéria do brevíssimo Evangelho que hoje canta a Igreja vem a ser a
circuncisão de Cristo e o nome santíssimo de Jesus. E destes dois grandes mistérios
se compôs uma constelação benigníssima, que tomada no horizonte oriental de
Cristo, foi figura de todo o bem e remédio do Mundo. que o Senhor havia de obrar
em seus maiores anos. S. Cirilo: Vocatum est nomen ejus !esus, quod interp,etatur
Salvator; editus enim fuit ad toIius mundi salutem, quam sua circumcisione
praefiguravit. Grande palavra! De sorte que circuncidar-se Cristo e chamar-se Jesus
no dia de hoje, foi levantar figura – praefiguravit – aos sucessos dos anos seguintes,
à salvação e felicidades futuras de todo o género humano: Totius mundi, salutem,
quum sua circumcisione praefiguravit. Nem desfaz esta verdade a representação do
sanguinolento, com que parece nos atemorizava Cristo nos efeitos da circuncisão;
porque aquele belo infante não é cometa, é planeta; não é terra subida ao céu, é céu
descido à terra. E o céu, quando se põe de vermelho, que prognostica? – O mesmo
Cristo o disse, que não é menos que sua esta matemática: Serenum erit,
rubicundum est enim caelum. Quando o céu se veste de vermelho, prognostica
serenidade. Sempre a serenidade foi título natural das púrpuras. E como aquele Céu
animado, como aquele Rei celestial se veste da púrpura de seu sangue, serenidades
e felicidades grandes nos prognostica. que nas ações do tempo e nas palavras do
Evangelho iremos discorrendo por partes.

CAPÍTULO II

Postquam consummati sunt dies octo, ut circumcideretur puer, vocatum est


nomen ejus Jesus, quod vocatum est ab ungelo, priusquam in utero conciperetur.
Comecemos por estas últimas palavras.
Diz S. Lucas que, passados os oito dias, termo da circuncisão, lhe puseram a
Cristo por nome Jesus; e nota, antes manda notar o Evangelista, que este nome foi
anunciado pelo Anjo, antes que o Senhor fosse concebido: Quod vocatum est ab
angelo, priusquam in utero conciperetur. Dá razão desta advertência a glossa
interlineal, e diz que foi: Ne homo videretur machinator hujus nominis: «Para que não
parecesse este glorioso nome maquinado por invento de homens», senão mandado,
como era, pela verdade de Deus. Entrou Cristo no Mundo a reduzi-lo com nome de
Salvador e Libertador, que isso quer dizer Jesus; pois para que esta apelidada
liberdade não a possa julgar alguém por invenção e obra humana, seja profetizada e
revelada primeiro por um ministro da Providência Divina: Quod vocatum est ab
angelo, priusquam in utero conciperetur.
Não quero referir profecias do bem que gozamos, porque as suponho mui
pregadas neste lugar e mui sabidas de todos; reparar sim, e ponderar o intento delas
quisera. Digo que ordenou Deus que fosse a liberdade de Portugal, como os
venturosos sucessos dela, tanto tempo antes e por tão repetidos oráculos
profetizada, para que, quando víssemos estas maravilhas humanas, entendêssemos
que eram disposições e obras divinas, e para que nos alumiasse e confirmasse a fé
onde a mesma admiração nos embaraçasse. (Falo de fé menos rigorosa, quanta
cabe em matérias não definidas, posto que de grande certeza.) Alega Cristo um
texto do Salmo XL, em que descreve David o meio extraordinário por onde os
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procedimentos injustos de um mau homem dariam princípio à redenção de todos,


como seria traído o Redentor, como o pretenderiam derrubar por engano do seu
estado; e intimando o Senhor o caso aos discípulos, disse estas particulares
palavras: – Dico vobis antequam fiat, ut cum factum fuerit credatis quia ego sum:
«Eu sou este de quem aqui fala David (que assim explicam o lugar Santo Agostinho,
Ruperto, Teofilato e outros); e digo-vos isto antes que aconteça, para que depois de
acontecer o creiais.»
Notável teologia, por certo! Se o Senhor dissera Digo-vos estas cousas para
que creiais, antes que aconteçam, facilmente dito estava; isso é fé – crer o que não
se vê; mas dizer as causas antes que se façam, a fim de que se creiam depois de
feitas: Ut cum factum fueri credatis?! O que está feito, o que se vê, o que se apalpa
necessita de fé?! – Algumas vezes sim; porque sucedem casos no Mundo, como
este de que Cristo falava, tão novos e inauditos; sucedem cousas tão raras, tão
prodigiosas e por meios de proporção tão desigual e muitas vezes tão contrários ao
mesmo fim, que, ainda depois de vistas com os olhos, ainda depois de
experimentadas com as mãos, não basta a evidência dos sentidos para as não
duvidar, é necessário recorrer aos motivos da fé para lhes dar crédito: Dico vobis
antequam fiat, ut cum factum fuerit, credatis. Tais considero eu os sucessos nunca
imaginados de nosso Portugal, que, como excessivamente nos acreditam, assim
excedem todo o crédito.
Quis Deus que fossem tantos anos antes e tão vulgarmente profetizados
estes sucessos, não tanto para os esperarmos futuros, quanto para os crermos
presentes; não para nos alentarem a esperança antes de sucederem, mas para nos
confirmaram a fé depois de sucedidos. Haviam de suceder as cousas de Portugal,
como sucederam, de tão prodigiosa maneira, que, ainda depois de vistas, parece
que as duvidamos; ainda depois de experimentadas, quase as não acabamos de
crer: pois profetize-se esta venturosa liberdade e ainda o nome felicíssimo do
libertador, muito tempo antes – priusquam in utero conciperetur –, para que entre as
dúvidas dos sentidos, entre os assombros da admiração, peçam os olhos socorro à
fé e creiam o que vêem por profetizado, quando o não creiam por visto.
Por duas razões se persuadem mal os homens a crer algumas cousas: ou por
muito dificultosas, ou por muito desejadas; o desejo e a dificuldade fazem as cousas
pouco críveis. Era Sara de idade de noventa anos, sobre estéril; promete-lhe um
anjo que Deus lhe daria fruto de bênção; e diz a Escritura que se riu e zombou muito
disso Sara; e ainda depois de ter um filho chamou-lhe Isac, que quer dizer riso:
Risum fecit mihi Deus. Estava S. Pedro em poder de el-rei Herodes preso e com
apertada guarda; apareceu-lhe outro anjo, que lhe quebrou as cadeias e o livrou; e
diz o texto sagrado: Existimabat autem se visum videre: que «cuidava Pedro que
aquilo era sonho e ilusão». Pois Pedro, pois Sara, que incredulidade é esta? Vê-se
Sara com um filho nos braços, e chama-lhe riso?! Vê-se Pedro com as cadeias fora
das mãos, e chama-lhe sonho?! – Assim havia de ser, porque ambas eram cousas
muito dificultosas e ambas muito desejadas. Desejava Sara um filho, como a
sucessão de sua casa; desejava Pedro a liberdade, como a mesma liberdade bem
da Igreja. A sucessão de Sara estava em poder de noventa anos; a liberdade de
Pedro estava em poder de Herodes e de seus soldados; e como a dificuldade era
tão grande e o desejo igual à dificuldade, ainda que viam com seus alhos e tinham
nas mãos o que desejavam, a Sara, parecia-lhe cousa de riso, a Pedro parecia-lhe
cousa de sonho. Que Sara estéril haja de ter filho! Que a prosápia real portuguesa
esterilizada e atenuada na décima sexta geração, haja de ter descendente que lhe
suceda! Que Sara, depois de noventa anos, que a coroa de Portugal, depois de

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sessenta, o que não teve quando estava na flor de sua idade, o que não teve
quando estava com todas as suas forças o viesse alcançar depois de tão
envelhecida e quebrantada! Muito desejávamos, muito suspirávamos por este bem,
.mas quanto maior era o desejo, tanto mais parecia. e quase parece ainda cousa de
riso: Risum fecit mihi Deus. Que Pedro em poder de el-rei Herodes; que Portugal em
poder não de um. senão de muitos reis que o dominavam, lhes houvesse de escapar
das mãos tão facilmente! Que Pedro cercado de guardas – Quator quaternionibus
militum; que Portugal, presidiado de infantaria em tantos castelos, em tantas
fortalezas, sem se arrancar uma espada, sem se disparar um arcabuz; conseguisse
em uma hora sua liberdade! Era empresa esta tão dificultosa, representava-se tão
impossível ao discurso humano, que ainda agora parece que é sonho e ilusão:
Existimabat se visum videre. Assim lhes aconteceu aos filhos de Israel, quando se
viram livres do cativeiro de Babilónia: In convertendo Dominus captivitatem Sion facti
sumus (lê o hebreu) sicut somniantes: que incrédulos, de admirados, «tinham a
verdade por imaginação e cuidavam que estavam sonhando o que viam com os
olhos abertos.» E como os sucessos de nossa restauração eram matérias de tão
dificultoso crédito, que, ainda depois de vistos, parecem sonho e quase se não
acabam de crer, ordenou Deus que fossem tanto tempo antes, como tão singulares
circunstâncias e com o nome do mesmo libertador profetizadas, para que a certeza
das profecias desfizesse os escrúpulos da experiência; para que, sendo objecto da
fé, não parecesse ilusão dos sentidos; para que, revelando-as tantos ministros de
Deus, se visse que não eram inventos dos homens: Ne homo videretur machinator
hujus nominis, quod vocatum est ab angelo, priusquum in utero conciperetur.

CAPÍTULO III

Temos considerado o priusquam, vamos agora ao postquam: Postquam


consummati sunt dies octo, ut circumcideretur puer. O que aqui pondera e sente
muito a piedade dos santos, principalmente S. Bernardo, é que, nascido de oito dias,
sujeitasse o Senhor aquele corpozinho tenro ao duro golpe da circuncisão. Tão
depressa?! Aos oito dias já derramando sangue?! Desta pressa se espantam os
Doutores; mas eu não me espanto senão deste vagar. Que venha Cristo a remir – e
que espere dias?! E que espere horas?! E que espere instantes?! Quem cuida que é
pouco tempo oito dias, mal sabe o que é esperar pela Redenção.
Quando Cristo se encontrou com os discípulos de Emaús, iam eles contando
a história de seu Mestre e a causa que os levava peregrinos por esse Mundo, e
disseram estas notáveis palavras: Nos autem sperabamus, quia ipse esset
redempturus Israel; et nunc super haec omnia tertia dies est hodie: «Nós
esperávamos que este nosso Mestre havia de remir o povo de Israel; e no cabo de
tudo isto, vemos agora que já se vão passando três dias.» Três dias?! Pois que
muito é isso? Que espaço de tempo são três dias para uns homens desmaiarem?
Para uns homens se entristecerem? Para uns homens se desesperarem tanto? –
Não se desesperavam, porque eram três dias, senão porque eram três dias de
esperar pela Redenção. Esperavam aqueles discípulos que o Senhor havia de remir
a Israel: Nos autem sperabamus quia ipse esset redempturus Israel. E para quem
está cativo, para quem espera pela Redenção, três dias é muito tempo: Et nunc
super haec omnia: como se foram passadas três eternidades: Tertia dies est hodie:
Já se vão passando três dias; é muito tempo para quem espera pela Redenção,
quanto mais tempo seriam os oito dias que se dilatou a circuncisão de Cristo, pois
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esperava o Mundo neles, que começasse o Senhor a derramar o sangue e dar o


preço com que o remiu!
Não há dúvida que foi muito cedo para a dor, mas não foi muito cedo para o
remédio; foram poucos dias para quem vivia. mas muitos para quem esperava. Bem
o entendeu assim o Evangelista; porque, havendo de contar estes oito dias, veja-se
o aparato de palavras com que o faz: Postquam consummati sunt: «depois que
foram consumados»; parece que armava a dizer oito séculos, ou oito mil anos,
segundo a grandeza vagarosa e a ponderação das palavras; e no cabo disse: dies
octo – oito dias, que, como eram dias de esperar Redenção, ainda Que não foram
mais que oito, pareciam uma duração muito comprida, e que não acabavam de
chegar, segundo tardavam: Postquam consummati sunt.
E se oito dias de esperar pela redenção, e ainda três dias, é tanto tempo;
quanto seria, ou quanto pareceria, não três dias, nem oito dias, não três anos, nem
oito anos, senão sessenta anos inteiros nos quais Portugal esteve esperando sua
redenção, debaixo de um cativeiro tão duro e tão injusto! Não me paro a o ponderar;
porque em dia tão de festa, não dizem bem memórias de tristezas, ainda que os
males passados, parte vêm a ser de alegria. O que digo é que nos devemos alegrar
com todo o coração e dar imortais graças a Deus, pois vemos tão felizmente
logradas nossas esperanças. Nem nos pese de ter esperado tão longamente;
porque se há de recompensar a dilação da esperança com a perpetuidade da posse.
Perguntam os Teólogos como São Tomás na terceira parte, porque se dilatou tanto
tempo o mistério da Encarnação, porque não desceu o Verbo Eterno a remir o
Mundo, senão depois de tantos anos? Várias razões dão os Doutores: a de Santo
Agostinho é muito própria do que queremos dizer: Diu fuit expectandus, semper
tenendus: Quis o Verbo Eterno que esperassem os homens e suspirassem tantos
séculos por sua vinda, porque era bem que fosse muito tempo esperado um bem
que havia de ser sempre possuído. Haviam os homens de gozar para sempre a
presença de Cristo, havia o Verbo de ser homem perpetuamente: porque – Quod
semel assumpsit nunquam demisit – o que uma vez tomou, nunca mais o largou;
seja pois este bem por muito tempo esperado, pois há de ser por todo o tempo
possuído, e mereça com as dilações da esperança a perpetuidade da posse: Diu fuit
expectandus, semper tenendus.
Não necessita de acomodação o lugar; de firmeza sim, pelas dependências
que tem no futuro; mas um espírito profético e português nos fiará a conjectura desta
tão gostosa verdade. S. Frei Gil, religioso da sagrada ordem de S. Domingos,
naquelas suas tão celebradas profecias, diz desta maneira: Lusitania sanguine
orbata regio diu ingemiscet: «A Lusitânia o reino de Portugal, morrendo seu último
rei sem filho herdeiro, gemerá e suspirará por muito tempo.» Sed propitius tibi Deus:
«Mas lembrar-se-á Deus de vós, ó Pátria minha» – diz o Santo; Et insperate ab
insperato redimeris: «e sereis remida não esperadamente por um rei não esperado».
E depois de assim remido, depois de assim libertado Portugal, que lhe sucederá? –
Africa debellabitur: Será vencida e conquistada África. Imperium ottomanum ruet: O
império otomano cairá sujeito e rendido a seus pés. Domus Dei recuperabitur: A
casa santa de Jerusalém será finalmente recuperada. E por coroa de tão gloriosas
vitórias, Aetas aurea reviviscet: «Ressuscitará a idade dourada.» Pax ubique erit:
«Haverá paz universal no Mundo.» Felices qui viderint: «Ditosos e bem-aventurados
os que isto virem!»
Até aqui S. Frei Gil profetizando. De sorte que, assim como antes da
Redenção houve suspirar e gemer, assim depois da Redenção haverá possuir e
gozar; e assim como os suspiros e gemidos duraram por tantos anos, assim as

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felicidades e bens permanecerão sem termo e sem limite. O muito, quer Deus que
não custe pouco, e era justo que a tanta glória precedesse tanta esperança, e que
quem havia de gozar sempre, suspirasse muito: Lusitania diu ingemiscet. Diu fuit
expectandus, semper tenendus.
E já que vai de esperanças, não deixemos passar sem ponderação aquelas
palavras misteriosas da profecia: Insperate ab insperato redimeris. De propósito
reparei nelas, para refutar com suas próprias armas alguma relíquia, que dizem que
ainda há daquela seita ou desesperação dos que esperavam por el-rei D. Sebastião,
de gloriosa e lamentável memória. Diz a profecia: Insperate ab insperato redimeris:
«Que seria remido Portugal não esperadamente por um rei não esperado.» Segue-
se logo, evidentemente, que não podia el-rei D. Sebastião ser o libertador de
Portugal, porque o libertador prometido havia de ser um rei não esperado: Insperate
ab insperato; e el-rei D. Sebastião era tão esperado vulgarmente, como sabemos
todos. Assim que os mesmos sequazes desta Opinião, com seu esperar, destruíram
sua esperança; porque quanto o faziam mais esperado, tanto confirmavam mais que
não era ele o prometido; podendo-se-lhe aplicar propriamente aquelas palavras que
S. Paulo disse de Abraão: Contra spem in spem credidit; que «creram em uma
esperança contrária à sua mesma esperança»; porque pelo mesmo que esperavam,
tinham obrigação de não esperar.

CAPÍTULO IV

Mas ainda que concedamos que os Portugueses não souberam esperar, não
lhes neguemos que souberam amar, e com muita ventura; que talvez buscando a
um rei morto, se vêm a encontrar com um vivo. Morto buscava a Madalena a Cristo
na sepultura, e a perseverança e amor com que insistiu em o buscar morto, foi
causa de que o Senhor lhe enxugasse as lágrimas e se lhe mostrasse vivo. Grande
exemplar temos entre mãos! Assim como a Madalena, cega de amor, chorava às
portas da sepultura de Cristo, assim Portugal, sempre amante de seus reis, insistia
ao sepulcro de el-rei D. Sebastião, chorando e suspirando por ele; e assim como a
Madalena no mesmo tempo tinha a Cristo presente e vivo, e o via com seus olhos e
lhe falava e não o conhecia, porque estava encoberto e disfarçado, assim Portugal
tinha presente e vivo a el-rei nosso senhor, e o via e lhe falava e não conhecia.
Porquê? – Não só porque estava, senão porque ele era o encoberto. Ser o
encoberto e estar presente, bem mostrou Cristo neste passo que não era
impossível. E quando se descobriu Cristo? Quando se manifestou este Senhor
encoberto? Até esta circunstância não faltou no texto. Disse a Madalena a Cristo:
Tulerunt Dominum meum: «Levaram-me o meu Senhor»; e o Senhor não lhe deferiu.
Nescio ubi posuerunt eum: queixou-se que .não sabia onde lho puseram; e
dissimulou Cristo da mesma maneira. Si tu sustulisti eum: «Se vós, Senhor, o
levastes, dicito mihi, dizei-mo»; e ainda aqui se deixou o Senhor estar encoberto
sem se manifestar. Finalmente, alentando-se a Madalena mais do que sua fraqueza
permitia, e tirando forças do mesmo amor, acrescentou: – Et ego eum tollam: «E eu
o levantarei.» E tanto que disse – eu o levantarei: Ego eum tollam, então se
descobriu o Senhor, mostrando que ele era por quem chorava; e a Madalena o
reconheceu e se lançou a seus pés.
Nem mais nem menos Portugal, depois da morte de seu último rei. Buscava-o
por esse Mundo, perguntava por ele, não sabia onde estava, chorava, suspirava,
gemia, e o rei vivo e verdadeiro deixava-se estar encoberto e não se manifestava,
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porque não era ainda chegada a ocasião; porém tanto que o Reino, animoso sobre
suas forças, se deliberou a dizer resolutamente: Ego eum tollam: eu o levantarei e
sustentarei com meus braços, então se descobriu o encoberto Senhor, porque então
era chegado o tempo, dizendo-nos aos Portugueses o que diz S. Gregório que disse
Cristo à Madalena manifestando-se: Recognosce eum, a quo recognosceris:
«Reconhecei a quem vos reconhece»; reconhecei por rei, a quem vos reconhece por
vassalo. Então sim, e não antes; então sim, e não depois; porque aquele e não outro
era o tempo oportuno e determinado de dar princípio à nossa redenção.
Recebeu Cristo o golpe da circuncisão e deu princípio à Redenção do Mundo,
não antes nem depois, senão pontualmente aos oito dias: Dies octo, ut
circumcideretur puer. Pois porque antes, ou porque não depois? Não se circuncidara
ao dia sétimo? Não se circuncidara ao dia nono? Porque não antes nem depois,
senão ao oitavo? – A razão foi porque as cousas que faz Deus e as que se hão de
fazer bem feitas, não se fazem antes, nem depois, senão a seu tempo. O tempo
assinalado nas Escrituras para a circuncisão era o dia oitavo, como se lê no Gênesis
e no Levítico: Die octavo circumcideretur infantulus. E por isso se circuncidou Cristo,
sem se antecipar, nem dilatar aos oito dias: Postquam consummati sunt dies octo;
porque como o Senhor remiu o gênero humano por obediência aos decretos divinos,
o tempo que estava assinalado na lei para a circuncisão era o que estava
predestinado para dar princípio à redenção do Mundo. Da mesma maneira se deu
princípio à redenção e restauração de Portugal em tais dias e em tal ano, no
celebradíssimo de 40, porque esse era o tempo oportuno e decretado por Deus; e
não antes nem depois, como os homens quiseram. Quiseram os homens que fosse
antes, quando sucedeu o levantamento de Évora; quiseram os homens que fosse
depois, quando assentaram que o dia da aclamação fosse o 1º de Janeiro, hoje faz
um ano; mas a Providência Divina ordenou se antecipasse, para que pontualmente
se desse princípio à restauração de Portugal a seu tempo: Postquam consummati
sunt dies octo.

CAPÍTULO V

Daqui fica tacitamente respondida uma não mal fundada admiração, com que
parece podíamos reparar os Portugueses, em que os sereníssimos duques de
Bragança vivessem retirados todos estes anos, sem acudirem à liberdade do Reino,
como legítimos herdeiros que eram dele. Respondido está; declaro mais a resposta:
Cristo, Redentor nosso, ainda em quanto homem, como provam muitos Doutores,
era legítimo herdeiro da coroa de Israel: Dabit illi Dominus Deus sedem David Patris
ejus: et regnabit. Tinha tiranizado este reino Herodes, homem estrangeiro, a quem
por este e por muitos outros títulos não pertencia; e como, sobre ter usurpado o
Reino, lhe quisesse tirar a vida a Cristo, diz o texto, que o Senhor se lhe não opôs,
antes se retirou para o Egipto: Secessit in Aegyptum. Notável ação! Não sois vós,
Senhor, o verdadeiro Rei de Israel, como legítimo herdeiro seu, que, ainda que não
empunhais o ceptro, Rei sois e Rei nascestes, e assim o confessam as nações e
reis estrangeiros: Ubi est qui natus est Rex Judiorum? Pois como vos retirais agora,
como vos não apondes à tirania de Herodes, como ides viver ao Egipto, e tantos
anos? Não vedes o que padecem tantos inocentes? Não ouvis que já chegam ao
Céu as vozes da lastimada Raquel, que chora seus filhos: Vox in Rama audita est,
ploratus et ululatus multus, Raquel plorans filios suos? Pois se a vós, como a Rei
natural, incumbe a restauração do Reino, como vos retirais da empresa? Nem me
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aleguem em contrário os poucos dias que tinha o Senhor de vida ou de idade,


depois dos oito da circuncisão, porque na mesma circuncisão e na mesma retirada
do Egito tinha e lhe sobejava tudo o que era necessário para livrar do cativeiro os
que nele tinham a esperança da liberdade. Ou Cristo os havia de remir com o
sangue próprio, ou com o alheio: se com o próprio, bastava uma só gota do sangue
da circuncisão, para remir não só o reino de Israel, senão todo o Mundo. Se com o
sangue alheio o mesmo anjo que disse a S. José: Fuge in Aegyptum, podia fazer a
Herodes e a todos seus presídios e soldados, o que outro anjo fez aos exércitos de
el-rei Senaquerib, matando em uma noite oitenta e cinco mil dos que sitiavam a
mesma Jerusalém. Pois se isto era não só possível, mas fácil, ao legítimo e
verdadeiro Rei de Israel, porque o não executou então? – Porque não era ainda
chegado o tempo, diz excelentemente S. Pedro Crisólogo: Cedens tempori non
Herodi. Tinha decretado e disposto, que o tempo da Redenção fosse dali a trinta e
três anos' e se a Providência Divina, que tudo pode, espera pelas disposições e
circunstâncias do tempo; quanto mais a providência humana, a qual o não seria, se
com toda a atenção e vigilância as não observasse, aguardando pelas mais
convenientes e oportunas que Deus e o mesmo tempo lhe oferecesse! Assim que,
podiam responder aqueles príncipes, como legítimos e naturais senhorios e
herdeiros da coroa de seus avós, o que em semelhante caso disseram os famosos
Macabeus, assim antes como depois de restituídos ao seu próprio patrimônio:
Neque alienam terram sumpsimus, negue aliena detinemus, sed haereditatem
patrum nostrorum, quae injuste ab aliquo tempore ab inimicis nostris possessu est;
nos vero tempus habentes vindicamus haereditatem patrum nostrorum.
E foi de tanta importância esperar pela oportunidade do tempo, que por esta
dilação se veio a lograr aquela primeira máxima de toda a razão de estado, assim da
Providência Divina, como da providência humana, que é saber concordar estes dois
extremos: conseguir o intento e evitar o perigo. Já perguntamos que razão teve
Cristo para receber a circuncisão ao oitavo dia conforme a Lei. Agora pergunto: que
razão teve a Lei para mandar que a circuncisão se fizesse ao oitavo dia? A
circuncisão naquele tempo era o remédio do pecado original, como hoje o é o
batismo, bem que com diferente perfeição. Pois se na circuncisão consistia o
remédio do pecado original, e a liberdade das almas cativas pelo pecado; porque
não mandava Deus que se circuncidassem os meninos logo quando nasciam, ou ao
terceiro ou ao quarto dia, senão ao oitavo? – A razão literal foi, diz o Abulense,
porque quis Deus aplicar o remédio de tal maneira, que se evitasse o perigo: Quia
ante octo dies potest esse vitae periculum. Quando os meninos nascem, cm todos
aqueles primeiros sete dias correm grande perigo de vida, porque são dias críticos e
arriscados, como dizem Aristóteles e Galeno; pois ainda que o remédio dos recém-
nascidos e sua espiritual liberdade consistia na circuncisão, não se circuncidem, diz
a Lei, senão ao oitavo dia, passados os sete que essa é a excelente razão de estado
da providência de Deus saber dilatar o remédio, para escusar o perigo: dilate-se o
remédio da circuncisão até o oitavo dia, para que se evite o perigo da vida, que há
do primeiro ao sétimo: Quia ante octo dies potest esse vitae periculum.
Se Portugal se levantara enquanto Castela estava vitoriosa, ou, quando
menos, enquanto estava pacífica, segundo o miserável estado em que nos tinham
posto, era a empresa mui arriscada. eram os dias críticos e perigosos; mas como a
Providência Divina cuidava tão particularmente de nosso bem, por isso ordenou que
se dilatasse nossa restauração tanto tempo, e que se esperasse a ocasião oportuna
do ano de quarenta, em que Castela estava tão embaraçada com inimigos, tão
apertada com guerras de dentro e de fora; para que, na diversão de suas

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impossibilidades, se lograsse mais segura a nossa resolução. Dilatou-se o remédio,


mas segurou-se o perigo. Quando os Filisteus se quiseram levantar contra Sansão,
aguardaram a que Dalila lhe tivesse presas e atadas as mãos, e então deram sobre
ele. Assim o fizeram os Portugueses bem advertidos. Aguardaram a que Catalunha
atasse as mãos ao Sansão que os oprimia, e como o tiveram assim embaraçado e
preso. então se levantaram contra ele tão oportuna como venturosamente.
Mas vejo que me dizem os lidos na Escritura, que é verdade que os Filisteus
se levantaram contra Sansão, mas que ele soltou as ataduras. voltou sobre eles e
desbaratou-os a todos. Primeiramente muito vai de Sansão a Sansão e de Filisteus
a Filisteus. Mas dado que em tudo fora a semelhança igual, esta mesma réplica
confirma mais o meu intento. Não tiveram bom sucesso os Filisteus, porque ainda
que nós os imitamos em parte, eles não nos deram exemplo em tudo. Intentaram,
mas não conseguiram; porque as diligências que fizeram não as aplicaram a tempo.
As diligências que fizeram os Filisteus contra Sansão, foi atarem-lhe as mãos e
cortarem-lhe os cabelos; mas não aproveitaram estes efeitos, ainda que se obraram:
porque, devendo-se fazer ao mesmo tempo, fizeram-se em diversos. Quando lhe
ataram as mãos, deixaram-lhe ficar os cabelos. com que teve força para se desatar;
quando lhe cortaram os cabelos deixaram-lhos crescer outra vez com que teve mãos
para se vingar. Pois que remédio tinham os Filisteus para se livrarem de todo e
acabarem de uma vez com Sansão? – O remédio era fazerem como nós fizemos e
como nós fazemos e como nós havemos de fazer: enquanto Sansão está com as
mãos atadas, cortar-lhe os cabelos no mesmo tempo, e acabou-se Sansão. Assim o
podiam vencer os Filisteus com muita facilidade, que doutra maneira não seria tão
fácil. Porque se lhe não cortassem os cabelos, teria forças para desatar as mãos, e
se desatassem as mãos, seria necessária muita força para lhe cortar os cabelos.
Tanto como isto importa executar os remédios a tempo, como nós, por mercê de
Deus, o temos feito até agora tão felizmente, conseguindo a maior empresa e
evitando o menor perigo; porque soubemos esperar pelos dias oportunos, como
mandava a Lei esperar pelos da circuncisão: Dies octo, ut circumcideretur puer.

CAPÍTULO VI

Ut circumcideretur puer vocatum est nomen ejus Jesus. Tanto que se


circuncidou o Menino, logo se chamou Salvador. Mas com que conseqüência? –
pergunta S. Bernardo: Circumciditur puer et vocatur Jesus; quid sibi vult ista
connexio? Que parentesco tem o nome com a ação? Que combinação tem o salvar
com o circuncidar-se? Três razões acho nos santos; duas repito, uma só pondero. S.
Bernardo e Eusébio Emisseno, dizem que foi a circuncisão de Cristo: Totius
superfluitatis abjectio: Uma estreita e mui reformada privação de todo o supérfluo.
Vinha Cristo como Rei e Redentor do Mundo a remi-lo e restaurá-lo, e a primeira
cousa que fez, como a mais necessária e importante, foi estreitar-se em sua Pessoa,
cercear demasias, cortar superfluidades e fazer uma pragmática geral com seu
exemplo: Totius superfluitatis abjectio. Muitas graças sejam dadas a Deus, que para
confirmação ou imitação desta grande razão de estado divina, não temos
necessidade de cansar a memória, senão de abrir os olhos; não de resolver
escrituras antigas, senão de venerar e amar exemplos presentes. Assim obra quem
assim reina; assim sabe libertar quem assim sabe estreitar: Ut circumcideretur puer,
vocatum est nomen ejus Jesus.

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A segunda razão é de Santo Epifânio, e diz que foi: Ut confirmaret


circumcisionem, quam olim instituerat ejus adventui servientem: «Que quis o
Redentor confirmar desta maneira e honrar a circuncisão, pelo que antes da sua
vinda tinha servido.» Bem advertido, mas muito melhor imitado. Parece que os
decretos do Governo de Portugal e os decretos da Providência Divina correram
parelhas (quanto pode ser) na sua e na nossa redenção. Decretou Deus que à
circuncisão se lhe confirmassem suas antigas honras. havendo respeito ao bem que
tinha servido: e o mesmo decreto se passou cá, e com muita razão: Ut confirmaret
circumcisionem ejus adventui servientem. Tinha servido a circuncisão no tempo
passado e na Lei Velha, pois honre-se no tempo presente e premeie-se na Lei Nova;
que não é .bem que a felicidade geral venha a ser infortúnio dos que serviram. Que
a circuncisão, que tinha tantos anos de serviços, que a circuncisão, que tinha
derramado tanto sangue, houvesse de ser desgraçada, porque o mundo foi
venturoso, não estava isso posto em razão. Pois baixe um decreto que lhe confirme
efectivamente todas as honras passadas: Ut confirmaret circumcisionem, quam olim
instituerat; que é bem que a Lei da Graça premeie não só os serviços seus, senão
os da Lei Antiga, para mostrar, nisso mesmo, que é Lei da Graça.
Oh! que grande política esta, assim humana, como divina! El-rei Assuero
mandava ler as histórias e crônicas do reino, para fazer mercês aos que em tempo
de seus antecessores tinham servido. El-rei Salomão sustentava de sua própria
mesa aos filhos de Berzelai, por serviços feitos em tempo e à pessoa de David; e ó
Rei dos reis, Cristo Redentor nosso, quando no Monte Tabor desembargou suas
glórias (que também pode ser expediente estarem embargadas por algum tempo),
repartiu-as a três que serviam e a dois que tinham servido; a S. Pedro, a S. João e a
Santiago, porque atualmente serviam; e a Moisés e a Elias, um vivo e outro defunto,
porque tinham servido em tempos passados. Assim recebe Cristo e autoriza hoje a
circuncisão, conforme as honras do tempo antigo, não porque se quisesse servir
dela, que já estava muito envelhecida e a queria aposentar, senão pelo bem que
dantes tinha servido: Ejus odventui servientem.
A terceira e última razão é de Santo Ambrósio, de Santo Agostinho, de S.
João Crisóstomo, de Santo Tomás e ainda de S. Paulo, ou quando menos fundada
em sua doutrina, e é esta (alego tantos Doutores pela dificuldade da razão): Ea
ratione pro nobis circumcisus est, ut circumcisionem auferret: «Recebeu Cristo a
circuncisão, porque, como autor da Lei Nova, queria tirar do Mundo a circuncisão.»
Estranha sentença! Pois porque Cristo queria tirar do Mundo a circuncisão, por isso
recebe e executa em si a mesma circuncisão?! Antes parece que para a tirar do
Mundo havia de entrar condenando-a, desterrando-a, proibindo-a sob graves penas,
e não a admitindo por nenhum caso.
Pouco sabe das razões verdadeiras de estado quem assim discorre.
Circuncida-se Cristo para tirar do Mundo a circuncisão, porque quem entra a
introduzir uma lei nova, não pode tirar de repente os abusos da velha. Há de permitir
com dissimulação para tirar com suavidade; há de deixar crescer o trigo com cizânia,
para arrancar a cizânia. quando não faça mal às raízes do trigo. Todo o zelo é mal
sofrido, mas o zelo português mais impaciente que todos. A qualquer relíquia dos
males passados, a qualquer sombra das desigualdades antigas, já tomamos o céu
com as mãos, porque não está tudo mudado, porque não está emendado tudo.
Assim se muda um reino? Assim se emenda uma monarquia? Tantos entendimentos
assim se endireitam? Tantas vontades tão diferentes assim se temperam? Rei era
Cristo, e Rei Redentor, e nenhuma cousa trazia mais diante dos olhos, que extinguir
os usos da Lei Velha e renovar e introduzir os preceitos da Nova; e com ter

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sabedoria infinita e braços onipotentes, ao cabo de trinta e três anos de reino, muitas
cousas deixou como as achara, para que seu sucessor S. Pedro as emendasse. Já
Cristo não estava vivo, quando se rasgou o véu do templo, figura da Lei Antiga. E
que cousa se podia representar mais fácil, que romper um tafetá em trinta e três
anos? Pouco e pouco se fazem as cousas grandes, e não há melhor arbítrio para as
concluir com brevidade, que não as querer acabar de repente.
Instituiu Cristo, Redentor nosso, o sacramento da Eucaristia, e instituiu-o na
mesma mesa em que estava o cordeiro legal. Pois, Senhor meu, que combinação é
esta, ou que companhia? O cordeiro com o sacramento? As cerimônias da Lei Velha
com os mistérios da Nova na mesma mesa?! – Sim, que assim era necessário que
fosse, para que viesse a ser o que era necessário. Queria Cristo introduzir o
sacramento e lançar fora o cordeiro da Lei. e para isso permitiu que o cordeiro
estivesse embora na mesma mesa com o sacramento, que desta maneira se
desterram com suavidade as sombras das leis velhas, e se vão introduzindo e
conciliando os resplendores das novas. Estejam agora juntos o sacramento e o
cordeiro, que amanhã irá fora o cordeiro, e ficará o sacramento. Com este vagar faz
Deus as cousas, e assim quer que as façam os que estão em seu lugar (quando
elas o sofrem); e tenha mais paciência o zelo, não seja tão estreito de coração. Mais
dói aos reis que aos vassalos dissimular com algumas cousas; mas por força se hão
de fazer assim, para se não fazerem por força. Muito lhe doeu a Cristo, gotas de
sangue lhe custou contemporizar com a circuncisão; mas foi necessário dissimular
com dor, para remediar mm sucesso. Não é o mesmo permitir que aprovar, antes o
que se permite já se supõe condenado. A benevolência e dissimulação, como são
afetos da mesma cor, equivocam-se facilmente nas aparências; e quantas vezes se
choraram ruínas, os que se invejaram favores! Vem a ser indústria no príncipe, o
que é razão de estado no lavrador, que as espigas que há de cortar, essas abraça
primeiro. Assim abraçou Cristo a circuncisão, porque a queria cortar e arrancar do
Mundo: Ea ratione circumcisus est, ut circumcisionem auferret, mostrando na
suavidade desta razão, e nas outras cousas por que se circuncidou, quão bem se
proporcionava com os meios o nome que lhe puseram de Salvador: Ut
circumcideretur puer, vocatum est nomen ejus Jesus.
Mas porque se chamou Salvador? Porque não tomou outro nome? Que o não
tomasse de algum atributo de sua divindade, bem está, pois vinha a ser homem!
mas ainda em quanto homem tinha Cristo a maior dignidade da terra, que era a de
rei. Pois já que havia de tomar o nome do ofício e não da pessoa, porque não se
chamou Rei, porque se chamou Salvador? – A razão deu-a Tertuliano: Gratius illi
erat pietatis nomen, quam majestatis: Deixou Cristo o nome de rei e tomou o de
Salvador, porque «estimava mais o nome de piedade, que o título de majestade». O
nome de Rei era nome majestoso, o nome de Salvador era nome piedoso; o nome
de Rei dizia imperar, o nome de Salvador dizia libertar; e fazendo o Senhor a eleição
pela estimação, tomou o de nosso remédio, deixou o de sua grandeza. Por isso os
anjos, na embaixada que deram aos pastores, puseram primeiro o nome de
Salvador e depois o de Ungido: Quia natus est vobis hodie Salvator, qui est Christus
Dominus. E por isso no título da cruz se chamou o Senhor Jesus Rei. e não Rei
Jesus: Jesus Nazarenus, Rex Judaeorum; para mostrar no princípio e no fim da
vida, que estimava mais o exercício de nossa liberdade, que a grandeza de sua
majestade: Gratius illi erat pietatis nomen, quam majestatis.
Se os corações puderam discorrer sensivelmente, quanto melhor falaram
neste passo, do que os poderá copiar a língua? Isto que Tertuliano disse pelo
primeiro Libertador do gênero humano, pudéramos nós dizer com ação de graças

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pelo segundo libertador de Portugal, o qual nesta felicíssima e verdadeiramente real


arção mostrou bem quanto mais estimava o nome da piedade, que o título da
majestade; pois convidado tantas vezes para a grandeza, rejeitou generosamente o
ceptro; e agora chamado para o remédio, aceitou animosamente a coroa: Gratius illi
erat pietatis nomen, quam majestatis. Rei não por ambição de reinar, senão por
compaixão de libertar; rei verdadeiramente imitador do Rei dos reis, que sobre todos
os títulos de sua grandeza estimou o nome de Libertador e Salvador: Vocatum est
nomen ejus Jesus.

CAPÍTULO VII

Acabou-se o Evangelho, e eu tenho acabado o sermão. Mas vejo que me


estão caluniando e argüindo, porque não provei o que prometi. Prometi fazer neste
sermão um juízo dos anos que vêm, e eu não fiz mais que referir os sucessos dos
anos passados. Mostrei a razão das profecias, as dilações da esperança, e
oportunidade do tempo o acerto dos decretos, a propriedade e merecimento do
nome, e tudo isto é história do que foi, e não prognóstico do que há de ser. Ora,
ainda que o não pareça, eu me tenho desempenhado do que prometi, e todo este
discurso foi um prognóstico certo e um juízo infalível dos anos que vêm Tudo o que
disse, ou foram profecias cumpridas, ou benefícios manifestos da mão de Deus: e
em profecias e benefícios começados, o mesmo é referir o passado, que
prognosticar e segurar o futuro.
Partiu Cristo desterrado a Egito, e diz o Evangelista S. Mateus: Ut impleretur,
quod dictum est per prophetam: ex Aegypto vocavi Filium meum : que aqui «se
cumpriu a profecia do profeta Oseas, em que dizia Deus, que havia de chamar e tirar
do Egito a seu Filho».
Dificultoso lugar! Argumento assim: as profecias não se cumprem, senão
quando sucedem as cousas profetizadas: Cristo não voltou do Egito senão daí a
sete anos; logo, não se cumpriu então, nem se podia cumprir esta profecia de
Oséas. Se dissera o Evangelista, que se cumpria a profecia de Isaías: Ecce
Dominus ascendet super nubem levem et ingredietur Aegyptum, claro estava; mas
dizer, quando entrou no Egito, que então se cumpriu a profecia de quando saiu, que
não foi senão daí a tantos anos, como pode ser? Reparo foi este de Ruperto Abade,
o qual satisfaz à dúvida com uma razão mística; mas a literal, e que nos serve é
esta: Como as profecias, quanto à evidência, se qualificam pelos efeitos, e na
execução do que prometem têm a canonização de sua verdade; é conseqüência tão
infalível cumpridas as primeiras profecias haverem-se de cumprir as segundas, que
quando se mostra o cumprimento de umas, logo se podem dar por cumpridas as
outras. Por isso o Evangelista, ainda discursando humanamente, quando viu que se
cumpria a profecia de Cristo entrar no Egito, deu logo por cumprida também a
profecia de haver de voltar para a pátria; e assim disse: Ut impleretur quod dictum
est per prophetam: que então se cumpriu o que tinha profetizado Oséas, não quanto
à execução, senão quanto à evidência; porque o cumprimento da profecia passada,
era nova e certa profecia de se cumprir a futura; que se numa parte não faltou o
efeito, como poderia faltar na outra? Muitas felicidades tem logo que ver Portugal
nos anos seguintes e muitas lhe tenho eu prognosticado neste sermão; porque,
como as mesmas profecias que prometeram o que vemos cumprido, prometem
ainda outros maiores aumentos a este Reino ou a este Império, como elas dizem, o
mesmo foi referir o desempenho felicíssimo das profecias passadas, que
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prognosticar, antes segurar com firmeza o cumprimento infalível das que estão por
vir. Se as nossas profecias na parte mais dificultosa foram profecias, na parte mais
fácil, que resta, porque o não serão?
Sete cousas profetizou o Anjo embaixador à Virgem Maria: Ecce concipies in
utero, et paries Filium, et vocabis nomen ejus Jesum. Hic erit magnus, et Filius
Altissimi vocabitur, et dabit illi Dominus Deus sedem David Patris ejus et regnabit in
domo Jacob in aeternum, et regni ejus non erit finis: que «conceberia; que pariria um
filho; que lhe poria por nome Jesus; que seria grande; que se chamaria Filho de
Deus; que Deus lhe daria o trono de David seu Pai; que reinaria na casa de Jacob
para sempre; e que seu Reino não teria .fim . E destas sete profecias, vendo
cumprida Santa Isabel só a primeira, pelos efeitos dela julgou que se haviam de
cumprir todas as mais: Quoniam preficientur ea, quae dicta sunt tibi a Domino. O
mesmo discurso fiz eu, e o devemos fazer todos os Portugueses, se não queremos
ser hereges da boa razão e de uma fé mais que humana, dando todos c parabém a
Portugal e chamando-lhe mil vezes feliz: Quoniam perficientur et, quae dicta sunt tibi
a Domino. Por que como se começaram a cumprir as profecias em sua restauração,
assim ás levará Deus por diante e lhes dará o cumprimento gloriosíssimo que elas
prometam. Até agora era necessária pia afeição para dar fé às nossa; profecias mas
já hoje basta o discurso e boa razão, por que os efeitos presentes das passadas são
nova profecia dos futuros; bem assim como (para que até aqui nos não falte o
Evangelho) a imposição do nome de Jesus que hoje chamaram a Cristo – Vocatum
est nomen ejus Jesus – foi cumprimento do que estava profetizado e profecia do que
estava por cumprir. Foi cumprimento do que estava profetizado, porque profetizado
estava que se chamaria Jesus o Filho da Virgem: Paries Filium et vocabis nomen
ejus Jesum. Foi profecia do que estava por cumprir, porque o nome de Jesus, que
quer dizer Salvador, era profecia que havia de salvar Cristo e remir o gênero
humano: Vocabitur nomen ejus Jesus: ipse enim salvum faciet populum suum a
peccatis eorum.

CAPÍTULO VIII

Nos benefícios passa o mesmo. Muitos lugares pudera trazer; .um só digo,
que pela propriedade do nome tem privilégio de se preferir a todos. Nasceu S. João
Baptista, e assentaram consigo os vizinhos daquelas montanhas, que havia de ser o
menino pessoa notável e que esperavam grandes venturas em seus maiores anos:
Posuerunt in corde sua, dicentes: Quis, putas, puer iste erit? Pois de onde o tiraram
estes homens? Que fundamento tiveram para se resolverem tão assentadamente
nas grandezas de João e em seus aumentos? – O fundamento que os moveu, eles
mesmos o disseram ou o Evangelista por eles: Quis putas, puer iste erit? Etenim
manus Domini erat cum illo. Viam os milagres, viam as maravilhas, viam as mercês
extraordinárias que Deus com mão tão liberal fazia a João logo em seus princípios, e
do erat, tiraram o erit; das experiências do que era, inferiam evidências do que havia
de ser; porque aqueles benefícios de Deus presentes, eram prognósticos das
felicidades futuras: Etenim manus Domini erat cum illo. Assim como a quiromância
humana, quando quer dizer a boa-ventura, olha para as mãos dos homens, assim a
quiromância divina, a arte de adivinhar ao celeste, olha para as mãos de Deus, e
como a mão de Deus estava tão liberal com João: Etenim manus Domini erat cum
illo, na disposição destas primeiras liberalidades, como em caracteres expressos,
estavam lendo a sucessão das futuras; e das grandezas maravilhosas que já eram,
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julgavam as que, correndo os anos, haviam de ser: Quis, putas, puer iste erit?
Etenim manus Domini erat cum illo.
Ora grande simpatia tem a mão de Deus com o nome de João. Bem o
mostrou o Senhor na feliz aclamação de Sua Majestade, que Deus nos guarde,
como há de guardar muitos anos, pois aos ecos do nome de João, despregou da
cruz o braço o mesmo Cristo, assegurando-nos que, assim como a mão de Deus
estivera com o primeiro João da Judéia, assim estava e havia de estar sempre com
o quarto de Portugal: Etenim manus Dominis erat cum illo. Bem experimentamos
esta assistência nos sucessos que referi, e em todos os felicíssimos do ano
passado, que em todas as cousas que Sua Majestade pôs a mão, pôs também a
Divina a sua. E se estes ou semelhantes efeitos da mão de Deus foram bastantes
prognósticos para uns montanheses rústicos, assaz claro foi o modo de prognosticar
que segui, falando entre cortesãos tão entendidos. Nem aqui também nos faltou o
Evangelho; porque, se nos confirmou a primeira razão com o mistério do nome de
Jesus, agora nos prova a segunda com o da circuncisão, da qual dizem comumente
os Doutores, que aquele pouco sangue que o Senhor derramou hoje no presépio, foi
sinal e como penhor de haver de derramar todo na cruz; que, como Deus é liberal
com omnipotência e bom sem arrependimento, o mesmo é fazer um benefício
menor, que penhorar-se a outros maiores. E se estes benefícios que da divina mão
temos recebido, se podem chamar menores, os maiores quão grandes serão!
Nem nos desconfiem estas esperanças os temores que propusemos ao
princípio da variedade dos sucessos da guerra, da inconstância das felicidades do
Mundo; porque só as felicidades que vêm por mão dos homens, são inconstantes;
mas as que vêm por mão de Deus, são firmes, são permanentes. Quando Josué, à
entrada da Terra de Promissão, venceu aquelas primeiras e milagrosas batalhas,
mostrando os inimigos mortos aos soldados, lhes disse o que eu também digo a
todos os Portugueses: – Confortamini et estote robusti, sic enim faciet Dominus
cunctis hostibus vestris, adversum quos dimicatis: Grande ânimo, valentes soldados,
grande confiança, valorosos Portugueses, que assim como vencestes felizmente
estes inimigos, assim haveis de vencer todos os demais; que, como são vitórias
dadas por Deus, este pouco sangue que derramastes em fé de seu poderoso braço,
é prognóstico certíssimo do muito que haveis que derramar vencedores; não digo
sangue de católicos, que espero em Deus que se hão de desapaixonar muito cedo
nossos competidores e que em vosso valor e em seu desengano hão de estudar a
verdade de nossa justiça; mas sangue de hereges na Europa, sangue de mouros na
África, sangue de gentios na Ásia e na América. vencendo e sujeitando todas as
partes do Mundo a um só império, para todas em uma coroa as meterem
gloriosamente debaixo dos pés do sucessor de S. Pedro. Assim o contam as
profecias, assim o prometem as esperanças, assim o confirmam estes felizes
princípios, que a divina bondade se sirva de prosperar até os fins felicíssimos que
desejamos, que são os com que remata um sermão deste dia S. Bernardo, cujas
palavras tantas vezes têm sido profecias a Portugal: Multiplicabitur sane ejus
imperium, ut merito Salvator dicatur pro multitudine etiam salvandorum, et pacis non
erit finis.
Para que nossas orações comecem a obrigar a Deus, não peço três ave-
marias, senão três petições do Padre nosso: Sanctificetur nomen tuum; Adveniat
regnum tuum; Fiat voluntas tua. Santificado e glorificado seja, Senhor, vosso nome;
porque ao nome santíssimo de Jesus, como o primeiro e principal Libertador,
reconhecemos dever a liberdade que gozamos. Adveniat regnum tuum: «Venha a
nós, Senhor, o vosso Reino»; vosso, porque vosso é o Reino de Portugal, que assim

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nos fizestes mercê de o dizer a seu primeiro fundador el-rei D. Afonso Henriques:
Volo in te et in semine tuo imperium mihi stabilire: E por isso mesmo adveniat,
venha; porque como há de ser Portugal um tão grande Império posto que tem já
vindo todo o Reino que era, ainda o Reino que há de ser não tem vindo todo. E para
que nossas más correspondências não desmereçam tanto bem, Fiat voluntas tua:
Fazei, Senhor, que façamos inteiramente vossa santa vontade; porque assim como,
nos prognósticos humanos; para advertir sua contingência; se diz: Deus sobre tudo,
assim eu neste divino, para assegurar sua certeza, digo também: Deus sobre tudo;
porque se sobre tudo amarmos a Deus, cumprindo perfeitamente sua vontade, sem
dúvida se inclinará o Senhor a ouvir e satisfazer os afetos da nossa, perpetuando a
sucessão de nossas felicidades na perseverança de sua graça: Quam mihi et vobis,
etc.

FIM

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