Sermão Dos Bons Anos (Antonio Vieira)
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Universidade da Amazônia
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Postquam consummati sunt dies octo, ut circumcideretur puer, vocatum est nomen
ejus Jesus, quod vocatum est ab angelo, priusquam in utero conciperetur. – Luc. II.
CAPÍTULO I
Portugal, juízo dos anos que vêm. Digo dos anos, e não do ano, porque quem
tem obrigação de dar bons-anos, não satisfaz com um só, senão com muitos.
Funda-me o pensamento o mesmo Evangelho, que parece o desfavorecia; porque
toda a matéria e sentido dele é um prognóstico de felicidades futuras.
Toda a matéria do brevíssimo Evangelho que hoje canta a Igreja vem a ser a
circuncisão de Cristo e o nome santíssimo de Jesus. E destes dois grandes mistérios
se compôs uma constelação benigníssima, que tomada no horizonte oriental de
Cristo, foi figura de todo o bem e remédio do Mundo. que o Senhor havia de obrar
em seus maiores anos. S. Cirilo: Vocatum est nomen ejus !esus, quod interp,etatur
Salvator; editus enim fuit ad toIius mundi salutem, quam sua circumcisione
praefiguravit. Grande palavra! De sorte que circuncidar-se Cristo e chamar-se Jesus
no dia de hoje, foi levantar figura – praefiguravit – aos sucessos dos anos seguintes,
à salvação e felicidades futuras de todo o género humano: Totius mundi, salutem,
quum sua circumcisione praefiguravit. Nem desfaz esta verdade a representação do
sanguinolento, com que parece nos atemorizava Cristo nos efeitos da circuncisão;
porque aquele belo infante não é cometa, é planeta; não é terra subida ao céu, é céu
descido à terra. E o céu, quando se põe de vermelho, que prognostica? – O mesmo
Cristo o disse, que não é menos que sua esta matemática: Serenum erit,
rubicundum est enim caelum. Quando o céu se veste de vermelho, prognostica
serenidade. Sempre a serenidade foi título natural das púrpuras. E como aquele Céu
animado, como aquele Rei celestial se veste da púrpura de seu sangue, serenidades
e felicidades grandes nos prognostica. que nas ações do tempo e nas palavras do
Evangelho iremos discorrendo por partes.
CAPÍTULO II
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sessenta, o que não teve quando estava na flor de sua idade, o que não teve
quando estava com todas as suas forças o viesse alcançar depois de tão
envelhecida e quebrantada! Muito desejávamos, muito suspirávamos por este bem,
.mas quanto maior era o desejo, tanto mais parecia. e quase parece ainda cousa de
riso: Risum fecit mihi Deus. Que Pedro em poder de el-rei Herodes; que Portugal em
poder não de um. senão de muitos reis que o dominavam, lhes houvesse de escapar
das mãos tão facilmente! Que Pedro cercado de guardas – Quator quaternionibus
militum; que Portugal, presidiado de infantaria em tantos castelos, em tantas
fortalezas, sem se arrancar uma espada, sem se disparar um arcabuz; conseguisse
em uma hora sua liberdade! Era empresa esta tão dificultosa, representava-se tão
impossível ao discurso humano, que ainda agora parece que é sonho e ilusão:
Existimabat se visum videre. Assim lhes aconteceu aos filhos de Israel, quando se
viram livres do cativeiro de Babilónia: In convertendo Dominus captivitatem Sion facti
sumus (lê o hebreu) sicut somniantes: que incrédulos, de admirados, «tinham a
verdade por imaginação e cuidavam que estavam sonhando o que viam com os
olhos abertos.» E como os sucessos de nossa restauração eram matérias de tão
dificultoso crédito, que, ainda depois de vistos, parecem sonho e quase se não
acabam de crer, ordenou Deus que fossem tanto tempo antes, como tão singulares
circunstâncias e com o nome do mesmo libertador profetizadas, para que a certeza
das profecias desfizesse os escrúpulos da experiência; para que, sendo objecto da
fé, não parecesse ilusão dos sentidos; para que, revelando-as tantos ministros de
Deus, se visse que não eram inventos dos homens: Ne homo videretur machinator
hujus nominis, quod vocatum est ab angelo, priusquum in utero conciperetur.
CAPÍTULO III
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felicidades e bens permanecerão sem termo e sem limite. O muito, quer Deus que
não custe pouco, e era justo que a tanta glória precedesse tanta esperança, e que
quem havia de gozar sempre, suspirasse muito: Lusitania diu ingemiscet. Diu fuit
expectandus, semper tenendus.
E já que vai de esperanças, não deixemos passar sem ponderação aquelas
palavras misteriosas da profecia: Insperate ab insperato redimeris. De propósito
reparei nelas, para refutar com suas próprias armas alguma relíquia, que dizem que
ainda há daquela seita ou desesperação dos que esperavam por el-rei D. Sebastião,
de gloriosa e lamentável memória. Diz a profecia: Insperate ab insperato redimeris:
«Que seria remido Portugal não esperadamente por um rei não esperado.» Segue-
se logo, evidentemente, que não podia el-rei D. Sebastião ser o libertador de
Portugal, porque o libertador prometido havia de ser um rei não esperado: Insperate
ab insperato; e el-rei D. Sebastião era tão esperado vulgarmente, como sabemos
todos. Assim que os mesmos sequazes desta Opinião, com seu esperar, destruíram
sua esperança; porque quanto o faziam mais esperado, tanto confirmavam mais que
não era ele o prometido; podendo-se-lhe aplicar propriamente aquelas palavras que
S. Paulo disse de Abraão: Contra spem in spem credidit; que «creram em uma
esperança contrária à sua mesma esperança»; porque pelo mesmo que esperavam,
tinham obrigação de não esperar.
CAPÍTULO IV
Mas ainda que concedamos que os Portugueses não souberam esperar, não
lhes neguemos que souberam amar, e com muita ventura; que talvez buscando a
um rei morto, se vêm a encontrar com um vivo. Morto buscava a Madalena a Cristo
na sepultura, e a perseverança e amor com que insistiu em o buscar morto, foi
causa de que o Senhor lhe enxugasse as lágrimas e se lhe mostrasse vivo. Grande
exemplar temos entre mãos! Assim como a Madalena, cega de amor, chorava às
portas da sepultura de Cristo, assim Portugal, sempre amante de seus reis, insistia
ao sepulcro de el-rei D. Sebastião, chorando e suspirando por ele; e assim como a
Madalena no mesmo tempo tinha a Cristo presente e vivo, e o via com seus olhos e
lhe falava e não o conhecia, porque estava encoberto e disfarçado, assim Portugal
tinha presente e vivo a el-rei nosso senhor, e o via e lhe falava e não conhecia.
Porquê? – Não só porque estava, senão porque ele era o encoberto. Ser o
encoberto e estar presente, bem mostrou Cristo neste passo que não era
impossível. E quando se descobriu Cristo? Quando se manifestou este Senhor
encoberto? Até esta circunstância não faltou no texto. Disse a Madalena a Cristo:
Tulerunt Dominum meum: «Levaram-me o meu Senhor»; e o Senhor não lhe deferiu.
Nescio ubi posuerunt eum: queixou-se que .não sabia onde lho puseram; e
dissimulou Cristo da mesma maneira. Si tu sustulisti eum: «Se vós, Senhor, o
levastes, dicito mihi, dizei-mo»; e ainda aqui se deixou o Senhor estar encoberto
sem se manifestar. Finalmente, alentando-se a Madalena mais do que sua fraqueza
permitia, e tirando forças do mesmo amor, acrescentou: – Et ego eum tollam: «E eu
o levantarei.» E tanto que disse – eu o levantarei: Ego eum tollam, então se
descobriu o Senhor, mostrando que ele era por quem chorava; e a Madalena o
reconheceu e se lançou a seus pés.
Nem mais nem menos Portugal, depois da morte de seu último rei. Buscava-o
por esse Mundo, perguntava por ele, não sabia onde estava, chorava, suspirava,
gemia, e o rei vivo e verdadeiro deixava-se estar encoberto e não se manifestava,
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porque não era ainda chegada a ocasião; porém tanto que o Reino, animoso sobre
suas forças, se deliberou a dizer resolutamente: Ego eum tollam: eu o levantarei e
sustentarei com meus braços, então se descobriu o encoberto Senhor, porque então
era chegado o tempo, dizendo-nos aos Portugueses o que diz S. Gregório que disse
Cristo à Madalena manifestando-se: Recognosce eum, a quo recognosceris:
«Reconhecei a quem vos reconhece»; reconhecei por rei, a quem vos reconhece por
vassalo. Então sim, e não antes; então sim, e não depois; porque aquele e não outro
era o tempo oportuno e determinado de dar princípio à nossa redenção.
Recebeu Cristo o golpe da circuncisão e deu princípio à Redenção do Mundo,
não antes nem depois, senão pontualmente aos oito dias: Dies octo, ut
circumcideretur puer. Pois porque antes, ou porque não depois? Não se circuncidara
ao dia sétimo? Não se circuncidara ao dia nono? Porque não antes nem depois,
senão ao oitavo? – A razão foi porque as cousas que faz Deus e as que se hão de
fazer bem feitas, não se fazem antes, nem depois, senão a seu tempo. O tempo
assinalado nas Escrituras para a circuncisão era o dia oitavo, como se lê no Gênesis
e no Levítico: Die octavo circumcideretur infantulus. E por isso se circuncidou Cristo,
sem se antecipar, nem dilatar aos oito dias: Postquam consummati sunt dies octo;
porque como o Senhor remiu o gênero humano por obediência aos decretos divinos,
o tempo que estava assinalado na lei para a circuncisão era o que estava
predestinado para dar princípio à redenção do Mundo. Da mesma maneira se deu
princípio à redenção e restauração de Portugal em tais dias e em tal ano, no
celebradíssimo de 40, porque esse era o tempo oportuno e decretado por Deus; e
não antes nem depois, como os homens quiseram. Quiseram os homens que fosse
antes, quando sucedeu o levantamento de Évora; quiseram os homens que fosse
depois, quando assentaram que o dia da aclamação fosse o 1º de Janeiro, hoje faz
um ano; mas a Providência Divina ordenou se antecipasse, para que pontualmente
se desse princípio à restauração de Portugal a seu tempo: Postquam consummati
sunt dies octo.
CAPÍTULO V
Daqui fica tacitamente respondida uma não mal fundada admiração, com que
parece podíamos reparar os Portugueses, em que os sereníssimos duques de
Bragança vivessem retirados todos estes anos, sem acudirem à liberdade do Reino,
como legítimos herdeiros que eram dele. Respondido está; declaro mais a resposta:
Cristo, Redentor nosso, ainda em quanto homem, como provam muitos Doutores,
era legítimo herdeiro da coroa de Israel: Dabit illi Dominus Deus sedem David Patris
ejus: et regnabit. Tinha tiranizado este reino Herodes, homem estrangeiro, a quem
por este e por muitos outros títulos não pertencia; e como, sobre ter usurpado o
Reino, lhe quisesse tirar a vida a Cristo, diz o texto, que o Senhor se lhe não opôs,
antes se retirou para o Egipto: Secessit in Aegyptum. Notável ação! Não sois vós,
Senhor, o verdadeiro Rei de Israel, como legítimo herdeiro seu, que, ainda que não
empunhais o ceptro, Rei sois e Rei nascestes, e assim o confessam as nações e
reis estrangeiros: Ubi est qui natus est Rex Judiorum? Pois como vos retirais agora,
como vos não apondes à tirania de Herodes, como ides viver ao Egipto, e tantos
anos? Não vedes o que padecem tantos inocentes? Não ouvis que já chegam ao
Céu as vozes da lastimada Raquel, que chora seus filhos: Vox in Rama audita est,
ploratus et ululatus multus, Raquel plorans filios suos? Pois se a vós, como a Rei
natural, incumbe a restauração do Reino, como vos retirais da empresa? Nem me
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CAPÍTULO VI
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sabedoria infinita e braços onipotentes, ao cabo de trinta e três anos de reino, muitas
cousas deixou como as achara, para que seu sucessor S. Pedro as emendasse. Já
Cristo não estava vivo, quando se rasgou o véu do templo, figura da Lei Antiga. E
que cousa se podia representar mais fácil, que romper um tafetá em trinta e três
anos? Pouco e pouco se fazem as cousas grandes, e não há melhor arbítrio para as
concluir com brevidade, que não as querer acabar de repente.
Instituiu Cristo, Redentor nosso, o sacramento da Eucaristia, e instituiu-o na
mesma mesa em que estava o cordeiro legal. Pois, Senhor meu, que combinação é
esta, ou que companhia? O cordeiro com o sacramento? As cerimônias da Lei Velha
com os mistérios da Nova na mesma mesa?! – Sim, que assim era necessário que
fosse, para que viesse a ser o que era necessário. Queria Cristo introduzir o
sacramento e lançar fora o cordeiro da Lei. e para isso permitiu que o cordeiro
estivesse embora na mesma mesa com o sacramento, que desta maneira se
desterram com suavidade as sombras das leis velhas, e se vão introduzindo e
conciliando os resplendores das novas. Estejam agora juntos o sacramento e o
cordeiro, que amanhã irá fora o cordeiro, e ficará o sacramento. Com este vagar faz
Deus as cousas, e assim quer que as façam os que estão em seu lugar (quando
elas o sofrem); e tenha mais paciência o zelo, não seja tão estreito de coração. Mais
dói aos reis que aos vassalos dissimular com algumas cousas; mas por força se hão
de fazer assim, para se não fazerem por força. Muito lhe doeu a Cristo, gotas de
sangue lhe custou contemporizar com a circuncisão; mas foi necessário dissimular
com dor, para remediar mm sucesso. Não é o mesmo permitir que aprovar, antes o
que se permite já se supõe condenado. A benevolência e dissimulação, como são
afetos da mesma cor, equivocam-se facilmente nas aparências; e quantas vezes se
choraram ruínas, os que se invejaram favores! Vem a ser indústria no príncipe, o
que é razão de estado no lavrador, que as espigas que há de cortar, essas abraça
primeiro. Assim abraçou Cristo a circuncisão, porque a queria cortar e arrancar do
Mundo: Ea ratione circumcisus est, ut circumcisionem auferret, mostrando na
suavidade desta razão, e nas outras cousas por que se circuncidou, quão bem se
proporcionava com os meios o nome que lhe puseram de Salvador: Ut
circumcideretur puer, vocatum est nomen ejus Jesus.
Mas porque se chamou Salvador? Porque não tomou outro nome? Que o não
tomasse de algum atributo de sua divindade, bem está, pois vinha a ser homem!
mas ainda em quanto homem tinha Cristo a maior dignidade da terra, que era a de
rei. Pois já que havia de tomar o nome do ofício e não da pessoa, porque não se
chamou Rei, porque se chamou Salvador? – A razão deu-a Tertuliano: Gratius illi
erat pietatis nomen, quam majestatis: Deixou Cristo o nome de rei e tomou o de
Salvador, porque «estimava mais o nome de piedade, que o título de majestade». O
nome de Rei era nome majestoso, o nome de Salvador era nome piedoso; o nome
de Rei dizia imperar, o nome de Salvador dizia libertar; e fazendo o Senhor a eleição
pela estimação, tomou o de nosso remédio, deixou o de sua grandeza. Por isso os
anjos, na embaixada que deram aos pastores, puseram primeiro o nome de
Salvador e depois o de Ungido: Quia natus est vobis hodie Salvator, qui est Christus
Dominus. E por isso no título da cruz se chamou o Senhor Jesus Rei. e não Rei
Jesus: Jesus Nazarenus, Rex Judaeorum; para mostrar no princípio e no fim da
vida, que estimava mais o exercício de nossa liberdade, que a grandeza de sua
majestade: Gratius illi erat pietatis nomen, quam majestatis.
Se os corações puderam discorrer sensivelmente, quanto melhor falaram
neste passo, do que os poderá copiar a língua? Isto que Tertuliano disse pelo
primeiro Libertador do gênero humano, pudéramos nós dizer com ação de graças
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CAPÍTULO VII
prognosticar, antes segurar com firmeza o cumprimento infalível das que estão por
vir. Se as nossas profecias na parte mais dificultosa foram profecias, na parte mais
fácil, que resta, porque o não serão?
Sete cousas profetizou o Anjo embaixador à Virgem Maria: Ecce concipies in
utero, et paries Filium, et vocabis nomen ejus Jesum. Hic erit magnus, et Filius
Altissimi vocabitur, et dabit illi Dominus Deus sedem David Patris ejus et regnabit in
domo Jacob in aeternum, et regni ejus non erit finis: que «conceberia; que pariria um
filho; que lhe poria por nome Jesus; que seria grande; que se chamaria Filho de
Deus; que Deus lhe daria o trono de David seu Pai; que reinaria na casa de Jacob
para sempre; e que seu Reino não teria .fim . E destas sete profecias, vendo
cumprida Santa Isabel só a primeira, pelos efeitos dela julgou que se haviam de
cumprir todas as mais: Quoniam preficientur ea, quae dicta sunt tibi a Domino. O
mesmo discurso fiz eu, e o devemos fazer todos os Portugueses, se não queremos
ser hereges da boa razão e de uma fé mais que humana, dando todos c parabém a
Portugal e chamando-lhe mil vezes feliz: Quoniam perficientur et, quae dicta sunt tibi
a Domino. Por que como se começaram a cumprir as profecias em sua restauração,
assim ás levará Deus por diante e lhes dará o cumprimento gloriosíssimo que elas
prometam. Até agora era necessária pia afeição para dar fé às nossa; profecias mas
já hoje basta o discurso e boa razão, por que os efeitos presentes das passadas são
nova profecia dos futuros; bem assim como (para que até aqui nos não falte o
Evangelho) a imposição do nome de Jesus que hoje chamaram a Cristo – Vocatum
est nomen ejus Jesus – foi cumprimento do que estava profetizado e profecia do que
estava por cumprir. Foi cumprimento do que estava profetizado, porque profetizado
estava que se chamaria Jesus o Filho da Virgem: Paries Filium et vocabis nomen
ejus Jesum. Foi profecia do que estava por cumprir, porque o nome de Jesus, que
quer dizer Salvador, era profecia que havia de salvar Cristo e remir o gênero
humano: Vocabitur nomen ejus Jesus: ipse enim salvum faciet populum suum a
peccatis eorum.
CAPÍTULO VIII
Nos benefícios passa o mesmo. Muitos lugares pudera trazer; .um só digo,
que pela propriedade do nome tem privilégio de se preferir a todos. Nasceu S. João
Baptista, e assentaram consigo os vizinhos daquelas montanhas, que havia de ser o
menino pessoa notável e que esperavam grandes venturas em seus maiores anos:
Posuerunt in corde sua, dicentes: Quis, putas, puer iste erit? Pois de onde o tiraram
estes homens? Que fundamento tiveram para se resolverem tão assentadamente
nas grandezas de João e em seus aumentos? – O fundamento que os moveu, eles
mesmos o disseram ou o Evangelista por eles: Quis putas, puer iste erit? Etenim
manus Domini erat cum illo. Viam os milagres, viam as maravilhas, viam as mercês
extraordinárias que Deus com mão tão liberal fazia a João logo em seus princípios, e
do erat, tiraram o erit; das experiências do que era, inferiam evidências do que havia
de ser; porque aqueles benefícios de Deus presentes, eram prognósticos das
felicidades futuras: Etenim manus Domini erat cum illo. Assim como a quiromância
humana, quando quer dizer a boa-ventura, olha para as mãos dos homens, assim a
quiromância divina, a arte de adivinhar ao celeste, olha para as mãos de Deus, e
como a mão de Deus estava tão liberal com João: Etenim manus Domini erat cum
illo, na disposição destas primeiras liberalidades, como em caracteres expressos,
estavam lendo a sucessão das futuras; e das grandezas maravilhosas que já eram,
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julgavam as que, correndo os anos, haviam de ser: Quis, putas, puer iste erit?
Etenim manus Domini erat cum illo.
Ora grande simpatia tem a mão de Deus com o nome de João. Bem o
mostrou o Senhor na feliz aclamação de Sua Majestade, que Deus nos guarde,
como há de guardar muitos anos, pois aos ecos do nome de João, despregou da
cruz o braço o mesmo Cristo, assegurando-nos que, assim como a mão de Deus
estivera com o primeiro João da Judéia, assim estava e havia de estar sempre com
o quarto de Portugal: Etenim manus Dominis erat cum illo. Bem experimentamos
esta assistência nos sucessos que referi, e em todos os felicíssimos do ano
passado, que em todas as cousas que Sua Majestade pôs a mão, pôs também a
Divina a sua. E se estes ou semelhantes efeitos da mão de Deus foram bastantes
prognósticos para uns montanheses rústicos, assaz claro foi o modo de prognosticar
que segui, falando entre cortesãos tão entendidos. Nem aqui também nos faltou o
Evangelho; porque, se nos confirmou a primeira razão com o mistério do nome de
Jesus, agora nos prova a segunda com o da circuncisão, da qual dizem comumente
os Doutores, que aquele pouco sangue que o Senhor derramou hoje no presépio, foi
sinal e como penhor de haver de derramar todo na cruz; que, como Deus é liberal
com omnipotência e bom sem arrependimento, o mesmo é fazer um benefício
menor, que penhorar-se a outros maiores. E se estes benefícios que da divina mão
temos recebido, se podem chamar menores, os maiores quão grandes serão!
Nem nos desconfiem estas esperanças os temores que propusemos ao
princípio da variedade dos sucessos da guerra, da inconstância das felicidades do
Mundo; porque só as felicidades que vêm por mão dos homens, são inconstantes;
mas as que vêm por mão de Deus, são firmes, são permanentes. Quando Josué, à
entrada da Terra de Promissão, venceu aquelas primeiras e milagrosas batalhas,
mostrando os inimigos mortos aos soldados, lhes disse o que eu também digo a
todos os Portugueses: – Confortamini et estote robusti, sic enim faciet Dominus
cunctis hostibus vestris, adversum quos dimicatis: Grande ânimo, valentes soldados,
grande confiança, valorosos Portugueses, que assim como vencestes felizmente
estes inimigos, assim haveis de vencer todos os demais; que, como são vitórias
dadas por Deus, este pouco sangue que derramastes em fé de seu poderoso braço,
é prognóstico certíssimo do muito que haveis que derramar vencedores; não digo
sangue de católicos, que espero em Deus que se hão de desapaixonar muito cedo
nossos competidores e que em vosso valor e em seu desengano hão de estudar a
verdade de nossa justiça; mas sangue de hereges na Europa, sangue de mouros na
África, sangue de gentios na Ásia e na América. vencendo e sujeitando todas as
partes do Mundo a um só império, para todas em uma coroa as meterem
gloriosamente debaixo dos pés do sucessor de S. Pedro. Assim o contam as
profecias, assim o prometem as esperanças, assim o confirmam estes felizes
princípios, que a divina bondade se sirva de prosperar até os fins felicíssimos que
desejamos, que são os com que remata um sermão deste dia S. Bernardo, cujas
palavras tantas vezes têm sido profecias a Portugal: Multiplicabitur sane ejus
imperium, ut merito Salvator dicatur pro multitudine etiam salvandorum, et pacis non
erit finis.
Para que nossas orações comecem a obrigar a Deus, não peço três ave-
marias, senão três petições do Padre nosso: Sanctificetur nomen tuum; Adveniat
regnum tuum; Fiat voluntas tua. Santificado e glorificado seja, Senhor, vosso nome;
porque ao nome santíssimo de Jesus, como o primeiro e principal Libertador,
reconhecemos dever a liberdade que gozamos. Adveniat regnum tuum: «Venha a
nós, Senhor, o vosso Reino»; vosso, porque vosso é o Reino de Portugal, que assim
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nos fizestes mercê de o dizer a seu primeiro fundador el-rei D. Afonso Henriques:
Volo in te et in semine tuo imperium mihi stabilire: E por isso mesmo adveniat,
venha; porque como há de ser Portugal um tão grande Império posto que tem já
vindo todo o Reino que era, ainda o Reino que há de ser não tem vindo todo. E para
que nossas más correspondências não desmereçam tanto bem, Fiat voluntas tua:
Fazei, Senhor, que façamos inteiramente vossa santa vontade; porque assim como,
nos prognósticos humanos; para advertir sua contingência; se diz: Deus sobre tudo,
assim eu neste divino, para assegurar sua certeza, digo também: Deus sobre tudo;
porque se sobre tudo amarmos a Deus, cumprindo perfeitamente sua vontade, sem
dúvida se inclinará o Senhor a ouvir e satisfazer os afetos da nossa, perpetuando a
sucessão de nossas felicidades na perseverança de sua graça: Quam mihi et vobis,
etc.
FIM
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