O documento discute a Idade Média e o nascimento do Ocidente. Apresenta argumentos de que movimentos considerados inauguradores da Modernidade como o Renascimento, o Protestantismo e os Descobrimentos tinham raízes na Idade Média. Também discute que as estruturas políticas, sociais e econômicas da chamada Idade Moderna eram essencialmente medievais.
O documento discute a Idade Média e o nascimento do Ocidente. Apresenta argumentos de que movimentos considerados inauguradores da Modernidade como o Renascimento, o Protestantismo e os Descobrimentos tinham raízes na Idade Média. Também discute que as estruturas políticas, sociais e econômicas da chamada Idade Moderna eram essencialmente medievais.
O documento discute a Idade Média e o nascimento do Ocidente. Apresenta argumentos de que movimentos considerados inauguradores da Modernidade como o Renascimento, o Protestantismo e os Descobrimentos tinham raízes na Idade Média. Também discute que as estruturas políticas, sociais e econômicas da chamada Idade Moderna eram essencialmente medievais.
O documento discute a Idade Média e o nascimento do Ocidente. Apresenta argumentos de que movimentos considerados inauguradores da Modernidade como o Renascimento, o Protestantismo e os Descobrimentos tinham raízes na Idade Média. Também discute que as estruturas políticas, sociais e econômicas da chamada Idade Moderna eram essencialmente medievais.
A Idade Média e o Nascimento do Ocidente Autor: Hilário Franco Junior Após os exageros denegridores dos séculos 16 e 17 e os Senão, vejamos. Os quatro movimentos que se convencionou exaltadores do século 19, hoje entendemos melhor o significado considerar inauguradores da Modernidade - Renascimento, da Idade Média. Aliás, a divulgação que ela conhece nesta Protestantismo, Descobrimentos, Centralização - são de fato segunda metade do século 20 - com inúmeras publicações medievais. O primeiro deles, o Renascimento dos séculos científicas e ficcionais, filmes, discos, exposições, turismo, etc. - 15-16, recorreu a modelos culturais clássicos, que a Idade deve-se exatamente a essa nova compreensão. De fato, a Média também conhecera e amara. Aliás, foi em grande parte Idade Média é a matriz da civilização ocidental cristã. Daí, através dela que os renascentistas tomaram contato com a diante da crise atual dessa civilização, a necessidade de se Antigüidade. As características básicas do movimento voltar às origens, de refazer o caminho, de identificar os (individualismo, racionalismo, empirismo, neoplatonismo, problemas. Enfim, de se conhecer a Idade Média para se humanismo) estavam presentes na cultura ocidental pelo compreender melhor o século 20. menos desde princípios do século 12. Ou seja, como já se disse Ora, para tanto é preciso acompanhar a presença medieval ao muito bem, "embora o Renascimento só invoque a Antigüidade, longo dos séculos. E, portanto, recolocar a velha questão: é, realmente, o filho ingrato da Idade Média". continuidade ou ruptura? Sobre a passagem da Antigüidade O Protestantismo, do seu lado, foi em última análise apenas para a Idade Média, boa parte da historiografia prefere uma heresia que deu certo. Isto é, foi o resultado de um enfatizar os pontos comuns, os prolongamentos. Mas entre processo bem anterior, que na Idade Média tinha gerado Idade Média e Idade Moderna, por muito tempo não se hesitou diversas heresias, várias práticas religiosas laicas, algumas em aceitar quase unanimemente a segunda resposta. Isto críticas a um certo formalismo católico. Nesse clima, a crise esteve ligado, como vimos no capítulo inicial, ao próprio religiosa do século 14 comprovou ser inviável para a Igreja conceito de Idade Média. Só mais recentemente se passou a satisfazer aquela espiritualidade mais ardente, mais angustiada, negar a pretensa oposição Medievalidade-Modernidade. No mais interiorizada. Foi exatamente neste espaço que se entanto, isso ainda é feito de forma tímida, mais em relação ao colocaria o Protestantismo. E sem possibilidade de ser Renascimento do que aos outros movimentos históricos sufocado pela ortodoxia católica (ao contrário do que ocorrera "modernos". Hesita-se ainda em admitir que as estruturas com as heresias medievais), por ele atender às necessidades modernas são, no fundamental, medievais. profundas decorrentes das transformações sócio-culturais verificadas desde os últimos tempos da Idade Média. A IDADE MÉDIA E O NASCIMENTO DO OCIDENTE Os Descobrimentos, por sua vez, também se assentavam em bases medievais nas técnicas náuticas (construção naval, Assim, é importante se reequacionar a questão no seu todo, bússola, astrolábio, mapas), na motivação (trigo, ouro, ainda que aqui só possamos indicar alguns pontos. De início, evangelização) e nas metas (índias, Reino de Preste João). notemos que na verdade as especificidades "modernas" são Também existiam antecedentes medievais nas viagens apenas quantitativamente diferentes das "medievais". Porém, normandas ao Oriente e à América (esta comprovadamente como no período da transição, 1450-1550, as mudanças se atingida pelos noruegueses por volta do ano mil), italianas à sucederam com uma rapidez espantosa para seus China (Marco Polo, por exemplo) e ibéricas à África. Colombo, contemporâneos, essa impressão acabaria por marcar a para nos limitarmos ao navegador-descobridor mais famoso, historiografia por muitos séculos. Foi o caso de um observador era em todos os sentidos um homem muito mais "medieval" que da época, falando que "a arte da guerra é agora tal que é "moderno": objetivava mais a difusão do Cristianismo do que o preciso aprendê-la de novo de dois em dois anos". Ou ainda, de ouro; desejava este apenas para realizar uma Cruzada a outro testemunho do século 15, incitando os homens de então a Jerusalém; atraía-o ao Oriente acima de tudo a crença de que "exaltar a Deus por permitir-lhes ter nascido nessa nova era, tão lá se localizava o Paraíso Terrestre. cheia de esperança e promessa". Não se percebia que apesar A Centralização Política, por fim, era a conclusão lógica de um de o ritmo histórico ter-se acelerado, a essência era a mesma. objetivo perseguido por inúmeros monarcas medievais. Realmente, o Estado moderno, unificado, caracterizava-se pelo fato de o soberano ter jurisdição sobre todo o pais, poder de da Idade Média. Noutros termos, não seria absurdo estender-se tributação sobre todos os seus habitantes, monopólio da força os séculos "medievais" até às transformações, estas sim novas, (exército, marinha, polícia). Ora, esta tinha sido a tripla meta de "modernas", provocadas pela Revolução Francesa e pela reis como, por exemplo, Henrique II da Inglaterra (1154-1189) Revolução Industrial. ou Luís IX da França (1226-1270). O sentimento nacionalista, No entanto, se olharmos para o esqueleto e não apenas para a que fornecia o substrato psicológico necessário à concretização nova face e as novas roupagens do Ocidente dos séculos do poder monárquico centralizado, também era, como já vimos, 19-20, outra vez encontraremos muito da Idade Média. Basta de origem medieval. Na contraprova, temos os casos da observar que as características que a civilização ocidental Alemanha e da Itália, que só nasceriam como Estados atualmente se atribui - democracia no plano político-social, nacionais centralizados no século 19 devido ao fracasso de racionalismo, no econômico-científico, universalismo no suas tentativas no período medieval. mental-cultural - têm origens medievais. É verdade que há De maneira bastante ampla, talvez possamos dizer que aquilo tendência a se creditar aqueles caracteres a outros momentos que não se fez na Idade Média não se poderia fazer na Idade históricos (Grécia clássica, Modernidade), mas tal se deve ao Moderna. Aquela gerava, esta desenvolvia. Tanto que, enraizamento do preconceito em relação à Idade Média. superado o momento da transição e já dentro da Idade Moderna De fato, para principiar, a democracia ocidental é muito mais clássica (séculos 17-18) - o chamado Antigo Regime - é ainda medieval que grega. Esta, é claro, era produto de pequenas essencialmente a Idade Média que encontramos. De fato, os cidades-Estado, de reduzida população no exercício da três elementos que constituem o Antigo Regime (monarquia cidadania, o que permitia uma participação direta no processo absolutista, sociedade estamental, capitalismo comercial, político decisório. Os Estados nacionais contemporâneos, de tinham raízes nos séculos anteriores. Mais uma vez, a essência área e população cidadã muito maiores, baseiam-se no é medieval, a roupagem moderna. esquema contratual e representativo nascido nas monarquias De um lado, o rei vinha tendo seu caráter de soberano feudais. Sabemos que o rei feudal tinha um duplo caráter, de superando o de suserano; o aspecto propriamente monárquico soberano e de suserano. O primeiro, de origens antiquíssimas, ("poder único") sobrepujando o feudal, contratual: os vassalos atribula-lhe poderes sagrados, portanto imensos. O segundo, de tornavam-se súditos. A crise geral do século 14 reforçara esta origem germânica, implicava uma relação bilateral, com o rei tendência ao desestabilizar a sociedade, ao transferir para o estando subordinado ao direito consuetudinário do seu povo, e Estado a responsabilidade pelo restabelecimento da ordem. O com os vassalos tendo o "direito de resistência" no caso de ele rei ganhava poderes totais, "absolutos". De outro lado, a desrespeitar aquela relação. sociedade estamental moderna prolongava a medieval, Ora, um dos aspectos mais importantes das limitações diferenciando-se dela apenas pelo maior peso relativo do contratuais dos poderes do rei feudal dizia respeito à cobrança Terceiro Estado. Por fim, o assim chamado capitalismo de impostos. Nenhuma taxa, além das estabelecidas pela comercial representava apenas uma intensificação das tradição, poderia ser cobrada sem o consentimento dos atividades mercantis medievais, ampliadas no espaço (América, vassalos. Quando o contexto de fins do século 13 e de todo o África), na diversidade de bens (produtos tropicais, escravos século 14 gerou forte necessidade de recursos, o rei se viu negros) e na parcela da população envolvida (crescimento da obrigado a criar assembléias representativas para nelas tentar burguesia). Nos demais setores econômicos, o quadro obter consentimento para cobrar novos tributos. Mas assim permaneceu ainda mais medieval: tanto a agricultura (técnicas, reforçava-se o contratualismo político. Se de forma geral os métodos, produtividade) quanto o artesanato (produtores séculos 15-17 com suas constantes guerras nacionais independentes, corporações de ofício) não conheceram reforçaram o poder real, resgatando seu caráter soberano, alterações expressivas em relação aos séculos anteriores. passadas àqueles circunstâncias o contratualismo ressurgiu Mesmo a articulação entre aqueles três elementos, que com toda a força. Então a resistência ao poder monárquico caracteriza o todo histórico conhecido por Antigo Regime, não absolutista centralizou-se nas assembléias representativas: era nova. Cada vez mais, a partir do século 13, tínhamos a assim foi na Revolução Inglesa de 1688 e na Revolução realeza intervindo na economia: o mercantilismo, ainda que Francesa de 1789. incompleto, é produto do século 14. Assim, compensava-se em Desde então, o poder do monarca (e por extensão, de seus parte o bloqueio que a sociedade estamental (aristocrática, substitutos nos regimes republicanos) se viu limitado, suntuária, pouco produtiva) representava ao pleno prevalecendo a idéia de que ele governa em nome do povo. desenvolvimento das atividades econômicas. Para poder Portanto, como é fácil identificar, a concepção dos bárbaros desempenhar esse papel, a monarquia aproximava-se da germânicos. Influenciados por ela, os juristas medievais ao burguesia, mas taxando-a e redistribuindo parte dessas recuperarem e interpretarem o direito romano a partir do século riquezas à nobreza decadente: como fiel da balança, a realeza 12, destacaram dele o princípio (da época republicana de mantinha o equilíbrio entre os estamentos. Em suma, a Roma) segundo o qual "o povo é a fonte da autoridade pública". mecânica do Antigo Regime já se encontrava esboçada em fins Em função desse quadro, John de Salisbury em meados daquele século, depois de exaltar a figura do rei, lembrava que Princípio Primeiro de Aristóteles, transcendente mas também "matar um tirano é não só lícito, como também um direito e um imanente ao Universo, que é eterno. Assim, o Deus cristão é dever". Por tudo isso, países de fortes raízes germânicas racional como o dos filósofos gregos, porém mais cognoscível. puderam se manter monárquicos, e altamente democráticos, Desta forma, entende-se por que o mundo muçulmano até hoje: Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suécia. medieval, apesar de ter conhecido profundamente a filosofia e a Como contraprova, temos os países de acentuada formação ciência gregas, não ter desenvolvido uma postura racionalista e latina e menos intensa feudalização, cuja interpretação cientificista como o Ocidente cristão. Francis Oakley chamou a medieval do direito romano baseava-se no princípio (da época atenção, com razão, para o fato de que no Islã há uma imensa imperial de Roma) do "o desejo do príncipe tem força de lei". carga religiosa, com o Corão comparativamente ocupando nele Entende-se assim o terreno por longo tempo favorável ao "quase o lugar que a figura de Cristo ocupa no Cristianismo". autoritarismo, e que no século 20 desembocou no fascismo, no Dai o texto sagrado muçulmano não ser submetível a uma salazarismo e no franquismo. Um caso oriental esclarece mais análise filosófica. Caso o Novo Testamento tivesse para a a questão: o Japão dos séculos 14-15 apresentava diversas sociedade cristã o mesmo significado que o Corão para a semelhanças com o Ocidente feudal, mas ali a monarquia não sociedade islâmica, é pouco provável, por exemplo, que o entrou no jogo das relações feudo-vassálicas. Ou seja, não se direito romano viesse a ter no mundo ocidental o papel que submeteu a uma política contratualista, bilateral. Assim, "o teve. Mais ainda, é pouco provável que tivesse podido "se isolamento do imperador excluiu a possibilidade do gênero de produzir o encontro decisivo entre o pensamento filosófico legado constitucionalista que o feudalismo europeu transmitiu grego e o ensinamento bíblico, que tanto contribuiu para dar ao Ocidente" . E só após a derrota na Segunda Guerra Mundial, forma à tradição intelectual do Ocidente". o imperador japonês foi obrigado a negar seu caráter divino. Graças a esse encontro, pôde surgir um Tomás de Aquino A superioridade tecnológica, científica e econômica que o aceitando em Deus a primazia da razão sobre a vontade de mundo ocidental ostenta claramente, desde o século 17, é forma que a criação não foi apenas uma manifestação da resultante de diversos fatores, a maioria dos quais de origem liberdade e da onipotência Dele, mas sobretudo um ato medieval. Na base, está a visão racionalista do Universo, racional. Por isso, todas as coisas criadas participam da ordem produto da conjugação da filosofia grega com a concepção inteligível do Universo. Por isso, o homem tem livre-arbítrio, cristã de Deus. Por sua vez, tal conjugação foi possível por ir ao capacidade para forjar seu destino de acordo com o valor encontro da estrutura mental básica da Idade Média, que, como possuído, o esforço despendido e o respeito dedicado às leis examinamos no capitulo anterior, via o Universo como uma universais. Enquanto as civilizações asiáticas, tão globalidade. Assim, aceitando a existência de uma Unidade desenvolvidas em vários aspectos, concebiam Deus como um cosmológica, o homem medieval via todas as coisas ligadas ser arbitrário e irracional, de cuja conduta não se poderia extrair entre si. princípios gerais, o Ocidente observava a natureza, Essa conexão, que era percebida através de símbolos por todos questionava, descobria. os indivíduos, independentemente de nível cultural, passou Assim, na Idade Média é que foram lançados os fundamentos desde o século 13 a ser estabelecida intelectualmente, ao da futura superioridade científica ocidental. De fato não apenas menos nos restritos círculos cultos. Nestes, portanto, se praticava um racionalismo teórico, como se começava a procurava-se harmonizar fontes à primeira vista antagônicas. perceber a necessidade da experimentação. Pensando nisso, Foi o que ocorreu, por exemplo, na literatura com a em fins do século 13 o franciscano Roger Bacon ' professor nas cristianização de temas folclóricos como o do Graal. Ou no universidades de Paris e Oxford, criticava a excessiva direito canônico com a importante compilação de Graciano, de subserviência de alguns contemporâneos seus a Aristóteles, e meados do século 12, como transparece no próprio nome da propunha enriquecer o racionalismo com o empirismo: "Ah, se obra: Concordantia Discordantium Canonum. Ou sobretudo, na os homens procurassem estudar o mundo ao seu redor, em vez filosofia e teologia escolásticas, em especial com Tomás de de mergulhar nos trabalhos da Antigüidade, a ciência Aquino. ultrapassaria as maravilhas da arte mágica. Poderiam ser Na verdade, a tentativa de harmonização da filosofia grega com construídas máquinas por meio das quais os maiores navios, o Cristianismo vinha desde os primeiros tempos deste. Ocorre com um único homem a dirigi-los, vogariam mais rápido do que que a religião cristã ao dessacralizar a natureza, não mais vista se estivessem cheios de remadores; poderiam ser construídos como um conjunto de divindades, trazia em si certa atitude carros capazes de correr com incrível velocidade e sem o racionalista. O texto bíblico, ao falar que a realidade invisível de auxílio de animais; máquinas voadoras poderiam ser fabricadas, Deus "tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através máquinas que tornariam possível ir-se ao fundo dos rios e dos das criaturas, permite o exercício da razão filosófica como uma mares ......” revelação natural da Divindade. Mas esta Divindade cristã é Este crescente domínio sobre a natureza e a colocação dela a participante, criadora, ao contrário do Demiurgo de Platão, que serviço do homem gerava uma postura de busca de riqueza que apenas modela o mundo com a matéria preexistente, ou do a partir do século 11 foi caracterizando cada vez mais a civilização ocidental. Tal visão materialista, desvirtuando os universidades, embelezamos a vida com a música polifônica e princípios da sociedade cristã, deu origem a reações tão os romances. diversas quanto a exaltação da pobreza (São Francisco) e da igualdade (Marx). De qualquer forma, para uma ou outra dessas Conclusão opções de vida, o pressuposto é a existência de um livre-arbítrio. É este aliás que viabiliza a democracia, cuja Se aceitarmos a afirmação de que "o que há de mais vivo no justificativa está no racionalismo: aquele seria o único regime no presente é o passado", no caso da civilização ocidental não é qual pode se dar o exercício social da razão. É significativo que difícil identificar tal passado com a Idade Média. Contudo, o a negação da democracia implique a negação da razão e a homem atual se reconhece mais nas coisas superficiais, de exaltação dos sentimentos, seja à pátria, ao chefe ou a um origem recente, do que nas essenciais, que vêm daquela grupo social. Para os fascistas italianos, a solução dos época. Como muito bem percebeu um dos maiores escritores problemas nacionais estava na aplicação do lema "crer, de hoje, o tcheco Milan Kundera, "a atualidade é um obedecer, combater". Para Hitler, "não é a inteligência que tirou acontecimento destinado a ser esquecido rapidamente. Um a Alemanha da situação angustiosa em que se encontrava, mas mundo obsessionado pela atualidade é um mundo nossa fé". obsessionado pelo esquecimento". Este é um grave problema Por fim, com o racionalismo justificando, o cientificismo do mundo atual, no qual os meios de comunicação de massa possibilitando e o materialismo tornando necessário, o Ocidente uniformizam, apagam e constroem fatos incessantemente. se lançou desde fins da Idade Média à conquista do mundo. De Desta forma, há um afastamento da cultura, baseada no fato, os cristãos ocidentais, como conhecedores do único e indivíduo, na inquietação, na interrogação, não em respostas verdadeiro Deus, racional e criador, se viam no direito de prontas e rápidas. dominar os povos que não o aceitavam. No fundo, tanto as Ora, esse distanciamento do homem atual em relação às suas Cruzadas contra os muçulmanos quanto a conquista da raízes gera uma crise profunda, um mal-estar social que América aos indígenas tiveram por isso caráter de guerra santa. redesperta a necessidade de se voltar os olhos para a História. No século 19 a colonização da África e da Ásia era considerada E em significativa porção para a Idade Média. Por quê? "o fardo do homem branco", ou seja, o dever dos ocidentais de Entende-se hoje que a civilização medieval, apesar de limitada levarem a civilização para povos inferiores. Era a Razão segundo os padrões atuais, dava ao homem um sentido de ganhando espaço, o Deus cristão recuperando seus direitos: o vida. Ele se via desempenhando um papel, por menor que homem ocidental cumpria seu papel. fosse, de alcance amplo, importante para o equilíbrio do Para tanto ele contava com a força das máquinas, desde a Universo. Não sofria, portanto, com o sentimento de Idade Média Central utilizadas mais do que em qualquer outra substituibilidade que atormenta o homem contemporâneo. O civilização: este "é um dos fatores determinantes da medievo se sentia impotente diante da natureza, mas convivia preponderância do hemisfério ocidental sobre o resto do bem com ela. O ocidental de hoje se sente a ponto de dominar mundo" . Mas as armas de fogo que assustavam e arrasavam a natureza, por isso se exclui dela. os nativos americanos precisavam, para ser construídas e A fraqueza do homem medieval era sua força, pois gerava manejadas, dos metais preciosos e dos produtos agrícolas desejos, motivações. A força do homem atual é sua fraqueza, extraídos da própria América. Mais tarde, as máquinas a vapor pois gera desilusões. Na verdade, foi conseguindo ao longo dos que levavam soldados e colonos para a África e a Ásia séculos satisfazer aqueles desejos que o homem chegou à transportavam também mercadorias industrializadas a serem ali situação atual. Satisfação de desejos que se deu mais no plano vendidas, e traziam de volta matérias-primas para alimentar material do que no espiritual, daí certa sensação de vazio, de aquelas indústrias. Em suma, o universalismo ocidental se falta de sentido das coisas, que a arte e a literatura manifesta em dois aspectos, desde os últimos séculos contemporâneas expressam fartamente. Nesse sentido, a crise medievais: a crença na superioridade dos seus valores e da civilização ocidental deve-se ao descompasso entre o crescentes condições de impô-los a outras civilizações. externo (contemporâneo) e o interno (medieval). É uma Concluindo, ainda que popularmente pouco entendida, a Idade excessiva valorização do primeiro em detrimento do segundo. É Média está presente no quotidiano dos povos ocidentais, uma espécie de esquizofrenia coletiva e social. Em função mesmo daqueles que como nós, na América, não tiveram um disso, o crescente prestígio e popularidade dos estudos sobre a “período medieval". Mas falamos idiomas surgidos naquela Idade Média tem algo, inconscientemente, de busca de época, temos ou pretendemos ter governos representativos, reintegração dos dois planos. De necessidade de entremear o consideramos indispensáveis instituições como julgamento por concreto e o irreal, como Walter Von der Vogelweide em júri e habeas-corpus, alcançamos maior eficiência com o princípios do século 13: "sonhei minha vida ou foi verdadeira?" sistema bancário, a contabilidade e o relógio mecânico, cuidamos do corpo com hospitais e óculos, alimentamos melhor o espírito graças à notação musical, à imprensa e às