Andreamoraes, RPV v28 n1 Passos

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PRAIAVERMELHA

Estudos de Política e Teoria Social


PERIÓDICO CIENTÍFICO
DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM SERVIÇO SOCIAL DA UFRJ

POLÍTICAS SOCIAIS
PADRÕES, TENDÊNCIAS E DESAFIOS
UNIVERSIDADE FEDERAL (UERJ), Lilia Guimarães Pougy, Listz Vieira
DO RIO DE JANEIRO (PUC-Rio), Ludmila Fontenele Cavalcanti,
REITOR Marcelo Macedo Corrêa e Castro (FE/UFRJ),
Roberto Leher Maria Celeste Simões Marques (NEPP-DH/
PRÓ-REITORA DE UFRJ), Maria das Dores Campos Machado,
PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA Marildo Menegat, Marilea Venâncio Porfirio
Leila Rodrigues da Silva (NEPP-DH/UFRJ), Maristela Dal Moro,
Miriam Krenzinger Guindani, Mohammed
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL ElHajji (ECO/UFRJ), Mônica de Castro
Maia Senna (ESS/UFF), Mônica Pereira
DIRETORA
dos Santos (FE/UFRJ), Murilo Peixoto da
Andréa Teixeira
Mota (NEPP-DH/UFRJ), Myriam Moraes
VICE-DIRETORA
Lins e Barros, Patrícia Silveira de Farias,
Sheila Backx
Paula Ferreira Poncioni, Pedro Cláudio
DIRETORA ADJUNTA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Cunca Bocayuva B Cunha (NEPP-DH/UFRJ),
Rosana Morgado
Raimunda Magalhães da Silva (UNIFOR),
Ranieri Carli de Oliveira (UFF), Ricardo
REVISTA PRAIA VERMELHA
Rezende, Rodrigo Silva Lima (UFF), Rosana
(Para os membros da Equipe Editorial
Morgado, Rosemere Santos Maia, Rulian
pertencentes à Escola de Serviço Social
Emmerick (UFRRJ), Silvana Gonçalves de
da UFRJ o vínculo institucional foi omitido)
Paula (CPDA/UFRRJ), Sueli Bulhões da Silva
EDITORES (PUC-Rio), Suely Ferreira Deslandes (ENSP/
José María Gómez FIOCRUZ), Tatiana Dahmer Pereira (UFF),
José Paulo Netto Vantuil Pereira (NEPP-DH/UFRJ) e Verônica
Maria de Fátima Cabral Marques Gomes Paulino da Cruz.
Myriam Lins de Barros
EDITORES TÉCNICOS
COMISSÃO EDITORIAL Fábio Marinho
Janete Luzia Leite Márcia Rocha
Rita de Cássia Cavalcante Lima Marcelo Rangel
CONSELHO EDITORIAL Jessica Cirrota
Adonia Antunes Prado (FE/UFRJ), Alejandra PRODUÇÃO EXECUTIVA
Pastorini Corleto, Alzira Mitz Bernardes Márcia Rocha
Guarany, Andrea Moraes Alves, Antônio
REVISÃO
Carlos de Oliveira (PUC-Rio), Carlos Eduardo
Andréa Garcia Tippi
Montaño Barreto, Cecília Paiva Neto
João Bosco Telles
Cavalcanti, Christina Vital da Cunha (UFF),
Fátima Valéria Ferreira Souza, Francisco PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
José da Costa Alves (UFSCar), Gabriela Fábio Marinho
Maria Lema Icassuriaga, Glaucia Lelis Alves
Ilma Rezende Soares, Jairo Cesar Marconi Escola de Serviço Social - UFRJ
Nicolau (IFCS/UFRJ), Joana Angélica Av. Pasteur, 250/fundos (Praia Vermelha)
Barbosa Garcia, José Maria Gomes, José CEP 22.290-240 Rio de Janeiro - RJ
Ricardo Ramalho (IFCS/UFRJ), Kátia Sento (21) 3873-5386
Sé Mello, Leilah Landim Assumpção, Leile revistas.ufrj.br/index.php/praiavermelha
Silvia Candido Teixeira, Leonilde Servolo de
Medeiros (CPDA/UFRRJ), Ligia Silva Leite
PRAIAVERMELHA
Estudos de Política e Teoria Social
PERIÓDICO CIENTÍFICO
DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM SERVIÇO SOCIAL DA UFRJ

v. 28 n. 1
2018
Rio de Janeiro
ISSN 1414-9184

Revista Praia Vermelha Rio de Janeiro v. 28 n. 1 p. 1-404 2018


A Revista Praia Vermelha é uma publicação semestral do Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cujo objetivo é construir um
instrumento de interlocução com outros centros de pesquisa do Serviço Social e áreas
afins, colocando em debate as questões atuais, particularmente aquelas relacionadas à
“Questão Social” na sociedade brasileira.

As opiniões e os conceitos emitidos nos artigos, bem como a exatidão, adequação e


procedência das citações e referências, são de exclusiva responsabilidade dos autores,
não refletindo necessariamente a posição da Comissão Editorial.

Esta obra está licenciada sob a licença Creative Commons BY-NC-ND 4.0.
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ccn.ibict.br
Base Minerva UFRJ
minerva.ufrj.br
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revistas.ufrj.br

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de


Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Praia Vermelha: estudos de política e teoria social/Universidade Federal do


Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social –
Vol.1, n.1 (1997) – Rio de Janeiro: UFRJ. Escola de Serviço Social.
Coordenação de Pós-Graduação, 1997-

Semestral
ISSN 1414-9184

1.Serviço Social-Periódicos. 2.Teoria Social-Periódicos. 3. Política-


Periódicos I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social
CDD 360.5
CDU 36 (05)
PRAIAVERMELHA

O SUS e a Atenção Primária


em Saúde: Estratégia Saúde
da Família em Piraí/RJ
SUS and Primary Health Care: Family Health Strategy in Piraí/RJ

Vanessa Barreto Corrêa Passos

Revista Praia Vermelha Rio de Janeiro v. 28 n. 1 p. 175-198 2018


PRAIAVERMELHA

RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar o resultado de pesquisa rea-
lizada em município de pequeno porte no Rio de Janeiro, tendo como
objeto de estudo Piraí, buscando analisar as potências e limites da
Estratégia Saúde da Família (ESF) no âmbito do SUS sob a tensão
entre as diretrizes do movimento da Reforma Sanitária e do Banco
Mundial. O tipo de pesquisa utilizada para este estudo é quantitativa-
qualitativa, tendo o estudo de caso como ferramenta. Para a realização
desta tarefa, nos servimos de instrumentos que possibilitaram a con-
textualização do objeto, tais como: grupo focal, cujos sujeitos foram os
profissionais que atuam na ESF; observação simples; diário de campo e
análise documental através de dados estatísticos, indicadores e infor-
mações produzidas em domínio público. O material qualitativo foi tra-
balhado com a análise de conteúdo sob a técnica da análise temática.

PALAVRAS-CHAVE
SUS, Estratégia Saúde da Família, Atenção Primária em Saúde, Piraí.

ABSTRACT
This article aims to present the results of a research carried out in a small town in Rio de Janeiro,
Piraí, which will be the object of study. It aims to analyze the limits and the possibilities of the
Family Health Strategy within the scope of SUS in small towns under the tension between the gui-
delines of the Sanitary Reform movement and the World Bank. The type of research used for this
study is quantitative-qualitative, using the case study as a tool. In order to carry out this task, we
used instruments that made it possible to contextualize the object, such as: focus group, whose
subjects were the professionals who work at the FHS; simple observation; field diary and documen-
tary analysis through statistical data, indicators and information produced in the public domain.
The qualitative material was dealt with content analysis under the thematic analysis technique.
KEYWORDS
Welfare State. Social Security. Labor Force. Unemployment.

Recebido em 11.09.2017 Aprovado em 11.06.2018

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

INTRODUÇÃO
Desde 1988 o Brasil tem estabelecido um sistema de saúde basea-
do no princípio do direito de cidadania. O Sistema Único de Saúde
(SUS) tem o objetivo de prover uma atenção abrangente e universal,
preventiva e curativa, por meio da gestão e prestação descentraliza-
da de serviços de saúde, promovendo a participação da comunidade
em todos os níveis de governo (PAIM ET AL, 2011).
Cabe destacar que a reforma do setor de saúde brasileiro ocor-
reu de forma simultânea ao processo de redemocratização, a partir
de um amplo movimento social que cresceu no país, em meados da
década de 1970. A concepção política e ideológica do movimento
pela reforma sanitária defendia a saúde não como uma questão ex-
clusivamente biológica, mas sim como uma questão social e política
a ser abordada no espaço público.
O SUS, então, insere-se em um contexto mais amplo de lutas
políticas e da própria Seguridade Social – conjuntamente com a
Assistência Social e a Previdência Social. A definição do modelo de
Seguridade Social no Brasil significou a formulação de uma estrutura
de proteção social: abrangente, justa, equânime e democrática. Foi
previsto universalidade da cobertura e do atendimento, uniformidade
e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais, equidade na forma de participação no custeio, assim como o
caráter democrático e descentralizado na gestão administrativa, que
fortalece Estados e municípios, com comando único das diferentes
instituições públicas e privadas. Com esse modelo, intencionou-se
romper com o padrão político anterior excludente e meritocrático,
afirmando o compromisso com a democracia.
No entanto, é na década de 1990, período de implementação do
SUS, que o Estado brasileiro passa a implantar o projeto neoliberal,
o qual foi iniciado pelo governo Fernando Collor de Mello, e consoli-
dado pela contrarreforma do Estado defendida pelo governo Fernando
Henrique Cardoso, tendo como marco principal a reforma gerencial
do Estado de 1995. Consolida-se assim, na segunda metade dos

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PRAIAVERMELHA

anos 90, o projeto de saúde articulado ao mercado, este pautado na


contenção de gastos com a racionalização da oferta e a descentrali-
zação com isenção de responsabilidade do poder central. Ao Estado
caberá garantir um mínimo aos que não podem pagar, restando para
o setor privado o atendimento aos cidadãos consumidores.
É neste contexto que a Estratégia Saúde da Família (ESF) emer-
ge na década de 1990. Surge como uma proposta de mudança no
modelo assistencial em saúde e tem como alvo reorganizar as uni-
dades de saúde a fim de que estas possam se tornar resolutivas, pri-
vilegiando assim as ações preventivas e promocionais em detrimento
da assistência curativa como princípio, e também visando buscar a
equidade. O objetivo dessa estratégia é tanto o reflexo desses proce-
dimentos na qualidade de vida, como a redução da demanda aos ser-
viços de saúde da rede, principalmente da atenção hospitalar. Desta
maneira, assume-se o acompanhamento de todos os casos por área
de abrangência, possibilitando garantia de referência para os aten-
dimentos que ultrapassem o nível de atuação da atenção primária.
Inicialmente rotulada como programa, através da portaria n.º648
de 28 de março de 2006, a proposta acima mencionada passa de
uma posição de política de governo para política de Estado, uma
vez que se torna uma estratégia de abrangência nacional, vindo a
integrar a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). A ESF está in-
corporada na PNAB e, em seu conteúdo apresentam-se referências
conceituais internacionais como a Atenção Primária em Saúde (APS).
A Atenção Primária em Saúde (APS) consiste em um conjunto de
estratégias que deve orientar-se para os principais problemas de
saúde da comunidade e prestar os serviços de promoção da saú-
de – considerada um de seus pilares fundamentais –, prevenção de
doença, tratamento e reabilitação necessários para resolução da-
queles problemas. Também deve orientar-se pelo princípio da inter-
setorialidade, exigindo esforços coordenados de todos os setores
(sociais, políticos e econômicos), com destaque para a participação
da comunidade na elaboração e planificação das ações de saúde.
Seu marco histórico-legal se dá a partir daI Conferência Internacional

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

de Cuidados Primários em Saúde, promovida pela OMS em parceria


com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), realizada
em 1978 na cidade de Alma-Ata, República do Cazaquistão. Assim,
a Conferência representou a oficialização da APS em nível mundial.
Entretanto, a concepção e as práticas de saúde relativas à APS
se alteram ao longo do tempo, assim como são diferentes as per-
cepções quanto a seu escopo para distintos atores envolvidos no
campo da saúde.
A implementação da APS nas Américas encontrou algumas bar-
reiras, quais sejam: uma visão fragmentada da saúde, indiferença
quanto aos determinantes do processo saúde-doença, falta de abor-
dagens preventivas e de autocuidados, enfoque excessivo na aten-
ção curativa e especializada, sistemas de saúde segmentados e
fragmentados, falta de comprometimento político, centralização ex-
cessiva do planejamento e gestão, lideranças frágeis, falta da credi-
bilidade ante os cidadãos, mobilização de interesses opostos à APS,
participação limitada da comunidade, condições de emprego inade-
quadas das equipes de saúde, pouco uso de técnicas de gestão e
de comunicação, cultura de abordagens curativas e biomédicas entre
trabalhadores da saúde, subfinanciamento do setor, o que afetou a
sua sustentabilidade financeira e política, gastos públicos concen-
trados em especialistas, hospitais e alta tecnologia, estratégias e
prioridades específicas para as doenças, alvos limitados e muito vin-
culados ao tempo, que não refletem as necessidades da população,
pouca continuidade das políticas de saúde, abordagens excessiva-
mente verticais e centralizadas, custos transferidos aos cidadãos,
operacionalização insuficiente de seus conceitos, logo, diferentes
interpretações da atenção primária (OPAS, 2005). O conceito de APS
expresso na Declaração de Alma-Ata apresentou um caráter flexível,
que permitiu sua “personalização” em cada país.
Não se pode associar o fracasso ou a efetivação parcial da APS
somente aos equívocos interpretativos e operacionais, mas princi-
palmente à estreita consonância com os condicionantes impostos
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial para que

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PRAIAVERMELHA

os países periféricos pudessem ter acesso aos seus empréstimos.


Estes deveriam adotar reformas políticas macroeconômicas inspira-
das no Consenso de Washington e não tiveram outra opção além de
se entregar aos “braços acolhedores”, porém severos, de tais or-
ganismos, que, em seu discurso, apontam para a drástica redução
do tamanho e papel do Estado no âmbito das políticas sociais, mas
mantêm a ênfase na diminuição da pobreza e nas conseqüências
do aumento da desigualdade social, que não é considerada apenas
uma ameaça à estabilidade política, mas como principal obstáculo
para a competitividade internacional, numa visão economicista dos
problemas sociais (NOGUEIRA, 2002).
Importante fato merece atenção, trata-se da crise mundial do capi-
talismo na década de 1980 e o endividamento dos países da periferia
do capital, tendo seu ponto mais alto em 1982 com a Crise da Dívida,
onde não estranhamente o Banco Mundial (BM) passa a ser um im-
portante formulador da agenda para o setor saúde dos países de ca-
pitalismo periférico. Destaca-se que a interpretação de APS defendida
pelo BM para os países periféricos é de “pacotes básicos de serviços”.
No Brasil, especificamente, é a partir da década de 1990 que o
BM traz recomendações ao SUS no sentido de focalização das polí-
ticas públicas a grupos específicos; a partir disso, vários documen-
tos foram produzidos pelo BM, cujo objetivo era a construção de um
sistema de proteção voltado aos segmentos “visivelmente mais vul-
nerabilizados”.
Resumindo, a agenda proposta pelo BM para a saúde brasileira
traz estímulo aos arranjos organizacionais flexíveis, às redes regio-
nais de prestação de serviços; ênfase nos mecanismos empresariais
de administração e controle; reconfiguração do sistema de pagamen-
tos aos prestadores privados e desresponsabilização do Estado na
assistência à saúde.
Este trabalho apresenta o resultado de pesquisa realizada em
município de pequeno porte no Rio de Janeiro, tendo como objeto
de estudo Piraí, e como objetivo analisar as potências e limites da
ESF no âmbito do SUS em municípios de pequeno porte no Rio de

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

Janeiro, sob a tensão entre as diretrizes do movimento da Reforma


Sanitária e do Banco Mundial. Pretendeu-se descrever e analisar os
elementos encontrados na realidade local que contribuíram de forma
significativa para a implantação da ESF e realizar uma mudança no
modelo de atenção à saúde, para que este venha a ter assim uma
relação direta com a melhoria na qualidade dos serviços, bem como
das condições sanitárias da população residente no município.

METODOLOGIA
No campo da saúde, as questões de saúde e doença, assim como
da medicina e das instituições médicas, do ponto de vista marxista,
precisam se fundamentar historicamente. Dito isso, este estudo foi
orientado pelo método crítico-dialético a partir dos princípios da his-
tória, da contradição e da totalidade.
Os procedimentos da pesquisa se constituíram nas seguintes
etapas: pesquisa/revisão bibliográfica; pesquisa na internet com
o objetivo de obter dados estatísticos, indicadores e informações
produzidos em domínio público, através de fontes oficiais; estudo
de caso, através de pesquisa de campo, com o objetivo de aproxi-
mação com o real.
O método utilizado neste estudo foi quantitativo-qualitativo.
Quantitativo com o objetivo de trazer para o estudo dados esta-
tísticos e indicadores. Para isto, utilizamos informações e dados
de fontes oficiais, no que se refere ao sistema de saúde e ESF: o
Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), Departamento
de Informação e Informática do SUS (DATASUS), Cadastro Nacional
de Estabelecimentos de Saúde (CNES), assim como informações a
respeito da organização e estruturação dos serviços, obtidas atra-
vés do IBGE, Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE),
bem como dados em domínio público oriundos do site da Secretaria
Municipal de Saúde do município de Piraí.
Utilizamos o estudo de caso como uma ferramenta que contribui
para gerar conhecimento sobre processos que já ocorreram ou estão

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PRAIAVERMELHA

em curso, buscando compreender a realidade através de entrevistas,


observações, usos de banco de dados e documentos. No caso deste
estudo foi utilizado o Grupo Focal.
O Grupo Focal se constitui num tipo de entrevista ou conversa em
grupos pequenos e homogêneos. Estes precisam ser planejados,
pois visam a obter informações, aprofundando a interação entre os
participantes, seja para gerar consenso, seja para explicitar divergên-
cias (MINAYO, 2008). Os grupos focais podem ter uma função com-
plementar à observação participante e às entrevistas individuais ou,
ao contrário, ser a modalidade específica de abordagem qualitativa.
Foram realizados grupos focais com os profissionais que atuam
na ESF, a saber: gerentes de unidades; profissionais de nível supe-
rior e Agentes Comunitários de Saúde (ACS). O objetivo foi perceber
se os indicadores informados no SIAB e DATASUS eram de domínio
dos profissionais que executam a política, realizando assim, uma
comparação entre os indicadores textuais e a realidade referida pe-
los sujeitos da pesquisa. Nestes grupos, tratamos de assuntos rela-
cionados a temas específicos como a presença ou não de educação
permanente dos profissionais; vínculo de trabalho; articulação com
outros setores e políticas; planejamento das atividades, analisando
assim, se estas são organizadas em função do indivíduo e suas ne-
cessidades. Os grupos foram identificados como: GF1, GF2 e GF3.
O material qualitativo colhido do trabalho de campo foi trabalhado
com a análise de conteúdo sob a técnica da análise temática.
A técnica de análise temática “consiste em descobrir os núcleos
de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou fre-
quência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”,
segundo Minayo (1993, p. 209).
Utilizamos, ainda, a observação simples, diário de campo e análise
documental através de dados estatísticos, indicadores e informações
produzidas em domínio público.

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

CENÁRIO DA PESQUISA
Piraí pertence à Região do Médio Paraíba, tendo uma área total de
505,4 quilômetros quadrados, correspondentes a 8,2% da área da
Região do Médio Paraíba. Segundo o IBGE, a população estimada
para 2016 no município era de 28.088 habitantes.
O IDH1 de Piraí era de 0,708 em 2010. O município está situado
na faixa de desenvolvimento humano alto. Entre 2000 e 2010, a di-
mensão que mais cresceu em termos absolutos foi educação (au-
mento de 0, 167), seguida por longevidade e por renda.
No que se refere à saúde, Piraí iniciou a implantação da Estratégia
Saúde da Família (ESF), atingindo a cobertura de 100% da população
em 2002. No entanto, na década de 80, antes da implantação do
SUS, Pirai já possuía uma ampla rede de serviços de saúde, sob a
responsabilidade dos governos estadual, municipal e federal, e ainda
um hospital filantrópico conveniado com o INAMPS. Com esses ser-
viços locais, o município já atendia grande parte de sua população.
Dito isso, tentaremos descrever os elementos encontrados na
pesquisa de campo, ou seja, na realidade local, que contribuíram
para que o referido município pudesse ser considerado uma expe-
riência exitosa em tempos de crise do Estado, com rebatimentos di-
retos nas políticas sociais.

1 O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é calculado pelo


Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA e pela Fundação João Pinheiro (de Minas
Gerais), com uma série de ajustes para se adaptar à realidade brasileira. O resul-
tado divulgado em 2013, baseado nas informações do Censo 2010, está publicado
com o nome de Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. Para possibi-
litar a comparação com os resultados do IDHM de 1991 e 2000, estes foram re-
calculados conforme as adaptações metodológicas introduzidas na versão atual.
O IDHM varia de zero (0) a um (01) e classifica os resultados em cinco faixas de
desenvolvimento: muito baixo (de 0,000 a 0,499), baixo (de 0,500 a 0,599), mé-
dio (de 0,600 a 0,699), alto (de 0,700 a 0,799) e muito alto (de 0,800 a 1,000).
Portanto, quanto mais próximo de um, maior é o desenvolvimento humano apurado.

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PRAIAVERMELHA

CENÁRIO DO TRABALHO DE CAMPO: A ESF NO MUNICÍPIO DE PIRAÍ


Ao iniciarmos a pesquisa de campo deparamo-nos com um contexto
político que consideramos relevante apontar, visto que este tem um
peso considerável na conformação da política de saúde local.
A partir de consulta ao Tribunal Regional Eleitoral-TRE/RJ, cons-
tatamos que desde 1993, o mesmo núcleo de atores políticos e
profissionais vem atuando na gestão da saúde do município, tendo
como parte do projeto de governo, ao que parece, a estruturação,
aprofundamento e continuidade de uma política de saúde com ações
planificadas de forma participativa – em conjunto com a sociedade
organizada, os gestores, os trabalhadores e a prefeitura. Dito isso,
é possível reconhecer que a continuidade do governo torna possível
a manutenção da política de saúde que vem sendo construída em
Piraí ao longo dos anos.
Como se pode apreender, houve em Piraí uma combinação de
forças políticas que favoreceram o fortalecimento da ESF: apoio do
Ministério da Saúde em alocar técnicos no município, trabalhadores
militantes do SUS, concursos públicos que facultaram uma trajetória
de qualificação dos gestores, a participação da população no contro-
le social da política pública e a constituição de uma atenção básica
abrangente, como veremos.
Devido à continuidade e implicação de um núcleo gestor, é possível
afirmarmos que existe um compromisso em manter o patamar atingi-
do por Piraí, com 100% de sua população assistida pela ESF, havendo
um grande investimento na estruturação do serviço de saúde.
Tal como dito anteriormente, na década de 80 o município já pos-
suía uma ampla rede de serviços de saúde, mas a história é marca-
da também pela estruturação, desde a década de 80, de programas
e serviços tais como: Saúde na Escola, Saúde Bucal, Laboratório de
Patologia Clínica, Unidade de Urgência.
Logo após a criação do SUS, Piraí realizou a primeira Conferência
Municipal de Saúde, em 1991, e instituiu o Conselho Municipal de
Saúde, com a Lei 283/91, indicando a importância do controle social.

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

Atualmente, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Piraí é


habilitada no regime de Gestão Plena do Sistema Municipal NOB
01/02, desde 13 de outubro de 2003. A SMS organiza-se a partir
de um sistema de gestão participativo operacionalizado pelos se-
guintes órgãos: Conselho Municipal de Saúde, Fórum de Gerentes
de Unidade, Conselhos Gestores de Unidade, Conferências Locais
de Saúde, Conferência Municipal de Saúde.

ATENÇÃO BÁSICA EM PIRAÍ


O município conta com uma ampla rede de serviços de saúde. A
atenção básica conta com 10 unidades de saúde, onde atuam 13
equipes de Saúde da Família, 13 de Saúde Bucal, nutricionistas e fi-
sioterapeutas. Todas as unidades de Saúde realizam consultas, cura-
tivos, nebulizações, teste do pezinho, teste rápido para diagnóstico
da gravidez, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento,
coleta descentralizada de exames laboratoriais, aplicação de medica-
mentos, inclusive vacinas, e possuem dispensário de medicamentos.
Algumas unidades realizam eletrocardiograma e dispõem de espaço
para acompanhamento de pacientes que necessitam de hidratação
venosa. As unidades que não possuem esses serviços encaminham
o usuário para realizá-los em Centro de Especialidade ou Unidade de
Emergência, dependendo do grau de risco avaliado.
O Sistema de Regulação (SISREG) é descentralizado para todas
as unidades de saúde, de modo que todas têm autonomia para
agendamento de consultas especializadas e exames. Piraí conta ain-
da com dois Centros de Especialidades Médicas (com cardiologista,
endocrinologista, gastroenterologista, pneumologista, dermatologis-
ta, ginecologista, pediatra, geriatra e clínico geral), dois Centros de
Especialidades Odontológicas, um Pronto Atendimento, um Centro
de Fisioterapia, um Centro de Atenção Psicossocial e um Laboratório
de Patologia Clínica. O hospital administrado em parceria com a
Prefeitura, Hospital Flávio Leal-HFL conta com 60 leitos (obstétricos,
cirúrgicos e de clinica médica), um ambulatório de especialidades

R. Praia Vermelha, Rio de Janeiro, v.28, n. 1, p. 175-198, 2018 185


PRAIAVERMELHA

médicas (com neurologista, ortopedista, oftalmologista, otorrinola-


ringologista, urologista, cirurgião geral), um centro cirúrgico, um cen-
tro de fisioterapia, um Pronto Socorro, um laboratório de patologia
clínica, uma unidade transfusional e uma UTI infantil. Atualmente, o
município possui também uma base do SAMU.
Desta forma podemos afirmar que a saúde no município está orga-
nizada dentro da lógica das Redes de Atenção à Saúde (RAS), onde
as ações e serviços encontram-se integrados por meio de sistemas
de apoio técnico, logístico e de gestão. Neste contexto, a atenção
básica é o centro de comunicação, possui um grau elevado de des-
centralização e se interliga aos outros pontos de atenção à saúde.
As RAS foram implementadas através da portaria nº 4.279, de
30/12/2010, que trata das diretrizes para a estruturação da RAS
como estratégia para superar a fragmentação da atenção e da ges-
tão nas Regiões de Saúde e aperfeiçoar o funcionamento político-
-institucional do SUS, com vistas a assegurar ao usuário o conjunto
de ações e serviços que necessita com efetividade e eficiência. Na
estrutura organizacional das RAS estão incluídos: atenção básica
(centro de comunicação), os pontos de atenção secundária e ter-
ciária, os sistemas de apoio, os sistemas logísticos e o sistema de
governança. Ainda nesta portaria, a APS tem um lugar fundamental,
pois como centro de comunicação, tem papel chave na estruturação
e coordenação da RAS e do cuidado, onde o usuário e suas neces-
sidades são o ponto de partida dos serviços de saúde.
Assim, o município apresenta bons indicadores de saúde. Entre
os vários indicadores analisados no estudo, trazemos alguns para
conhecimento:
1. O município apresenta boa cobertura de Imunização: Piraí ob-
teve uma cobertura vacinal acima de 95% para todos os imunobio-
lógicos, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde e pactuado
no município.

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2. Na avaliação dos Nascidos Vivos, verifica-se que os residentes


em Piraí nascem preferencialmente no próprio município, conforme
tabela abaixo:

TABELA 1 Distribuição percentual dos nascidos vivos de residentes de Piraí por município (2009-2016)
nascidos vivos
nascimento

Total de
Ano do

Rio de Janeiro Barra Mansa Vassouras Volta Redonda Piraí

2009 336 3 0,9% 3 0,9% 7 2,1% 15 4,5% 304 90,5%


2010 347 4 1,2% 2 0,6% 5 1,4% 24 6,9% 303 87,3%
2011 350 4 1,1% 6 1,7% 1 0,3% 23 6,6% 308 88,0%
2012 363 1 0,3% 1 0,3% 7 1,9% 32 8,8% 312 86,0%
2013 368 4 1,1% 4 1,1% 7 1,9% 26 7,1% 321 87,2%
2014 377 4 1,1% 1 0,3% 7 1,9% 24 6,4% 335 88,9%
2015 345 1 0,3% 2 0,6% 2 0,6% 32 9,3% 304 88,1%
2016 377 0 0,0% 3 0,8% 0 0,0% 33 8,8% 321 85,1%
TOTAL
2009- 2863 21 0,7% 22 0,8% 36 1,3% 209 7,3% 2508 87,6%
2016
Fonte: Relatório de gestão de Piraí (2016).

3. O número de consultas pré-natal tem sido considerado como


um dos principais indicadores da qualidade da atenção à saúde da
mulher e da criança. Nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) as con-
sultas de pré-natal são realizadas pelos enfermeiros, assim como o
preventivo, traço que assegura a crítica ao modelo médico centrado
e partilha ações de saúde com outros profissionais. Piraí apresenta
90% das gestantes realizando 07 ou mais consultas de pré-natal.
E a gente que é enfermeira, a gente tem uma coisa assim: a gente
tem que conquistar isso, né? Tudo era do médico e hoje aqui em Piraí
é do enfermeiro; em poucos lugares [...] Mas eles até empurram para
a gente também, tá? (GF3)

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TABELA 2 Distribuição dos nascidos vivos segundo número de consultas de pré-natal de 2009 a 2016

Fonte: SINASC/MS

4. O controle da hanseníase: o Programa de Controle da Hansenía-


se é descentralizado para todas as Unidades de Saúde da Família. O
município conta com o apoio do Projeto de Extensão (Des) Mancha
Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, com realiza-
ção periódica de matriciamento para controle e eliminação da han-
seníase em Piraí.

TABELA 3 Percentual de cura de casos novos de hanseníase, de 2008 a 2015

Fonte: SINAN/MS

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

Importante destacar o alto grau de cura da hanseníase em Piraí


(100%) como demonstrado no gráfico acima. Em nossa análise tal
fato pode estar associado pelo atendimento descentralizado do
Programa, o que facilita o acesso dos pacientes à unidade básica
de saúde; também ao grau de cobertura da ESF no município e ainda
à parceria do (Des) Mancha Brasil no matriciamento das equipes e
acompanhamento de casos, o que além de qualificar a equipe para
detecção e tratamento ainda tem relação direta com índice de cura
e o grau de incapacidade física.
Embora Piraí apresente bons indicadores e uma rede de serviços
de saúde pautada em uma atenção primária em saúde abrangente,
no decorrer da realização dos grupos focais apareceram algumas
questões relevantes para reflexão. Uma delas diz respeito à preocu-
pação por parte dos profissionais com o alcance de metas.
Todo o mundo tem meta aqui. Só que é assim: a gente tem 20 minu-
tos para cada consulta. Eles fazem assim: são dezesseis de manhã
e dezesseis à tarde; tem dia que a gente tem visita familiar. A visita
conta junto nessa meta; a visita e tudo o que a gente atende. A gente
tem que fazer 16 visitas, não-sei-quê por mês... mas até aí ok! Mas
assim, esse negócio de pôr uma quantidade de meta, se a gente não
bate, a gente perde gratificação. É! 396 é o mínimo (GF3)

Eu não sei, né? No meu caso, não sei vocês. Tem mês que dá para
você poder bater a sua meta sem você se apertar muito; agora tem
mês que a gente tem que rebolar para poder conseguir alcançar a
nossa meta. Porquê? Paciente que falta; está lá agendado, você vai,
o agente de saúde liga para o paciente no dia ("Oh, a tua consulta
é hoje à tarde.") ou então no dia anterior ("É amanhã de manhã")
para o paciente vir. Aí isso é tipo assim: caraca, aí no tempo de um
mês faltam dez, faltam nove, e você tem que ficar, sabe?, rebolando:
"Caraca, e agora?" Dá aquele desespero na pessoa. A gente está
num stress que você não tem noção (GF1).

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PRAIAVERMELHA

Essas reflexões advindas de dois grupos focais nos chamaram


muito atenção, considerando a presença de um modelo de gestão
pública alinhado à cultura da gestão privada que vem sendo defen-
dido desde a reforma administrativa de Bresser Pereira, a partir de
meados da década de 1990. Se para o Ministério da Saúde, a ESF
é uma estratégia de reorganização do modelo assistencial da saúde,
voltado para a atenção integral através da promoção e prevenção,
estabelecendo a porta de entrada para o SUS, as metas de desem-
penho por produtividade preferencialmente pela variável consulta
contribuiriam para essa reorientação?
A ESF propõe um modelo de atenção no qual o usuário deve ser
visto de uma forma integral, com ênfase no contexto familiar e co-
munitário, facilitando o acesso dos usuários ao sistema de saúde e
a extensão da cobertura na tentativa de garantir a qualidade da as-
sistência de forma humanizada. A consulta é um instrumento adota-
do como estratégia de assistência a saúde, juntamente com outros
elementos, como as visitas domiciliares, atividades de educação em
saúde, e acolhimento.
No entanto, para alcançar as metas exigidas pela gestão munici-
pal da ESF, conclui-se que o profissional passa a maior parte de seu
tempo de trabalho no consultório em detrimento das outras ativida-
des. Assim, até que ponto a ESF tem conseguido promover mudan-
ça no modelo de atenção à saúde? Até que ponto a lógica gerencial,
produtivista e focalista não estão norteando as ações de saúde?
Para Giovanella e Mendonça (2012), o SUS no Brasil permite iden-
tificar a presença simultânea das diversas concepções de APS, ou
seja, APS seletiva e APS abrangente em disputa, com períodos de
predomínio de uma ou outra concepção e o uso de diferentes termos
para qualificá-las.
Entendemos que o cumprimento de metas é algo importante no
trabalho em saúde, uma vez que por meio daquele é possível avaliar
os resultados de uma política, ou seja, se esta está atingindo os ob-
jetivos propostos e se apresenta os efeitos esperados. No entanto,
a reflexão crítica deve acompanhar os impactos desse modelo de

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

gestão por produtividade no processo de trabalho a fim de avaliar


se a qualidade assistencial permanece como princípio orientador do
cuidado. As metas que a equipe de Piraí está se “desdobrando” em
atingir começa a se tornar também um vetor condicionante da impli-
cação dos profissionais sobre os casos, bem como do sofrimento e
da angústia para os seus trabalhadores quando a produtividade no
período não está completa.
A educação permanente e a qualificação das equipes têm sido
uma marca presente no município, através da realização de capa-
citações em nível local e da parceria com a Universidade, o que ex-
pressa uma preocupação com a qualidade dos serviços prestados à
população usuária dos serviços de saúde.
Na realização do grupo focal, os profissionais destacaram o sistema
de gestão participativo, que se configura através de espaços específi-
cos para a realização de avaliações e planejamento de ações; todos
os médicos da ESF se reúnem a cada dois meses, também existem
as reuniões realizadas entre os enfermeiros, além das reuniões de
equipe que ocorrem em cada unidade. Há uma preocupação da gestão
municipal em tentar compatibilizar o atendimento à demanda.
No que se refere à admissão de pessoal, os profissionais que com-
põem a equipe da ESF (médicos, enfermeiros, dentistas) nunca foram
concursados; a contratação era realizada através da Cruz Vermelha
Brasileira ou através de contrato por tempo determinado, o que re-
presentou uma fragilidade no município, onde uma das prerrogativas
da ESF é a criação de vínculos entre os profissionais e a população.
Embora a situação de médicos e enfermeiros fosse uma fragili-
dade do município, chamou-nos a atenção o fato de serem concur-
sados os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) partícipes do grupo
focal, o que possibilita continuidade das ações de saúde em base
territorial no âmbito da ESF.
Consideramos que o concurso público para a saúde previsto
desde a Constituição Federal de 1988, mas solapado a partir da
Reforma Administrativa de Bresser Pereira, em 1995, expressa uma
resistência à ofensiva contra o trabalho dessa ordem neoliberal.

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PRAIAVERMELHA

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Piraí apresenta em sua trajetória elementos que favoreceram a cons-
trução e desenvolvimento do atual sistema de saúde municipal, pau-
tado em uma APS abrangente. O município possui um acúmulo de
ações e serviços de saúde que data da década de 1980 e que ao lon-
go dos anos foi sendo aprimorado, até que em 2002 se estabeleceu
a ESF e, no ano seguinte, atingiu-se 100% de cobertura à população.
Elencamos alguns desses elementos que consideramos relevan-
tes para o êxito da ESF no município.
Em primeiro lugar o acúmulo de serviços já existentes no municí-
pio, ou seja, este já contava com uma rede de serviços bem distri-
buídos em toda a área do município, inclusive com alguns serviços
ofertados de forma descentralizada, como a imunização e em segui-
da houve a implantação do Médico de Família e da ESF em todo o
território. Desta forma não houve grandes modificações na estrutura
de organização, apenas ampliação de uma rede.
Segundo fator relevante para pensar a ESF em Piraí é o núcleo de
atores políticos do poder executivo municipal. Desde 1993 o mes-
mo núcleo vem atuando na gestão da política de saúde municipal, e
pelo que foi apresentado percebe-se que não houve grandes rupturas
de poder, somente um revezamento entre os cargos, ao passo que
algumas pessoas permanecem nos demais cargos, governo após
governo. Este fato nos permite afirmar, com relação à saúde, que
esta não se apresenta como uma política de governo, mas como um
projeto de Estado. Isto é fundamental para entender a legitimidade
do referido grupo à frente da política municipal desde a década de
1990. No entanto, contraditoriamente, esse mesmo grupo compõe
as lideranças do partido no poder Executivo estadual e federal, as
quais estão contingenciando verbas para a saúde pública nas duas
esferas de governo e que lideraram a aprovação da PEC 241, que
congelou o teto dos gastos públicos por 20 anos, em 2016, atingin-
do duramente o SUS. Que impactos essa orientação política terá em
Piraí deverá ser objeto de novas investigações.

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

Interessante observar ainda a condução técnica na SMS, ou seja,


a presença de profissionais qualificados na gestão da política de saú-
de, o que nos sinaliza o compromisso com a gestão e com a qualida-
de da ESF, sobretudo quando a saúde pública é sensível aos acordos
clientelistas no País e quando é uma esfera de projetos distintos de
sociedade e, portanto, de cuidado em saúde.
Em terceiro lugar, a ESF está contida em um sistema de gestão
participativo, no qual a SMS é organizada a partir de um sistema de
gestão operacionalizado pelos seguintes órgãos: Conselho Municipal
de Saúde, Fórum de Gerentes de Unidade, Conselhos Gestores de
Unidade, Conferências Locais de Saúde, Conferência Municipal de
Saúde. Neste sentido vemos que a política de saúde conta com a
participação da sociedade organizada, gestores, trabalhadores da
saúde e prefeitura, o que vem a ser uma arena de formação política
e de resistência ao ataque que o SUS está sofrendo no atual momen-
to, particularmente, a Política Nacional de Atenção Básica.
Em quarto lugar verifica-se uma preocupação da gestão em asse-
gurar o vínculo dos profissionais através de concurso público, o que
vai na contramão do que hoje tem sido estimulado por parte do pró-
prio Estado, que são as terceirizações, contratações via OSs. Durante
o processo da pesquisa o município estava envolvido com a reali-
zação de concurso para o provimento de cargos para médico e en-
fermeiro na ESF. A questão de firmar vínculos é um dos desafios da
ESF em nível nacional e um dos pilares da estratégia no atendimen-
to à população, pois a rotatividade dos profissionais é um fator que
impossibilita a criação de vínculos entre profissionais e população.
Uma quinta observação é a educação permanente e a capacita-
ção das equipes, que também têm sido uma preocupação do municí-
pio. No decorrer do grupo focal foi possível constatar que ao longo do
tempo de trabalho na estratégia, os profissionais realizaram várias
capacitações em nível local, organizadas pela gestão municipal da
estratégia, através do matriciamento em saúde mental e dermato-
logia, em parceria com a Universidade. Tal fato vem de encontro ao
que ocorre na ESF de forma geral, no que se refere ao problema da

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PRAIAVERMELHA

formação inadequada ou insuficiente para o trabalho na saúde da


família, seja por problemas na educação profissional, seja pelo dé-
ficit na educação permanente, como sinaliza Fertonani et al.(2014),
como alguns dos desafios da ESF.
Neste contexto, também foi realizada neste estudo pesquisa bi-
bliográfica, cujo intuito foi verificar se o município tem gerado inte-
resse acadêmico no estudo da política de saúde e na ESF. Como
resultado obteve-se um total de seis (06) dissertações de mestrado
no período de 2010 a 2012, realizadas por profissionais trabalha-
dores da saúde do município, em programas de pós-graduação nas
universidades públicas, particularmente o do Instituto de Medicina
Social da UERJ, o que indica um investimento na qualificação pro-
fissional, traduzido em melhoria na qualidade da atenção à saúde
ofertada à população.
Por último, torna-se pertinente assinalar o investimento munici-
pal além do preconizado pela lei para ações e serviços em saúde.
Verifica-se que tanto em ações de saúde quanto em alocação de re-
cursos, Piraí destina mais que o dobro do recomendado. Desta forma,
observa-se a existência de um grande investimento na estruturação
dos serviços de saúde, para a manutenção do patamar atingido pela
ESF no município, com 100% da população coberta.
Certamente que Piraí não pode ser utilizada como parâmetro com-
parativo para os municípios de pequeno porte. Embora estes sejam
a maioria no território nacional, fato que nos levou ao estudo em
questão, estes possuem diferenças regionais, culturais e socioeco-
nômicas relevantes. Alguns municípios brasileiros contam apenas
com os repasses realizados pelos governos federal e estadual para
o desenvolvimento das políticas sociais em nível local. Desta forma,
são mais vulneráveis à redução de recursos, trazendo impacto direto
na qualidade e oferta de serviços em saúde.
Não é à toa que a partir do processo de descentralização no país,
transferindo o poder decisório sobre a definição e implementação de
políticas para os municípios, o BM também passasse a redefinir seu
foco de atenção do governo federal para o governo estadual, o qual

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

tem privilegiado gestores do SUS com poder de decisão, objetivando


introduzir mecanismos defendidos pelo Banco.
Piraí, por seu acúmulo técnico e político, possui uma capacidade
maior de resistência aos retrocessos impostos à saúde em nível lo-
cal. No entanto, não há garantias, considerada a pressão por parte
do governo federal em buscar alternativas para contenção do rombo
nas contas públicas e em tentar superar a crise econômica com o
receituário do mercado.
Desta forma a população que depende de políticas essenciais
como a saúde e educação será diretamente afetada. Com relação
à saúde, o que se verá é o sucateamento cada vez mais acentuado
do SUS com o enxugamento dos recursos para o setor, como des-
crito neste estudo.
Temos recentemente a proposta de mudanças da PNAB em curso,
como o fim do cargo de ACS e da equipe da saúde bucal, criação
da equipe de saúde tradicional – médico e enfermagem – e o fim do
apoio matricial do NASF.
Entendemos tratar-se de um retrocesso, visto que ao reconhecer
outros modelos de atenção, inclusive o modelo tradicional e ao li-
berar financiamento federal, estas alternativas passarão a competir
com a ESF num contexto de corte de gastos públicos, o que pode
traduzir-se em menos investimento para a ESF.
Chamamos de retrocesso, pois a ESF representou um avanço em
relação ao modelo tradicional de atenção à saúde, oferecido no país
até o início dos anos 1990. Embora tenha sido criada em contexto
de contrarreforma do Estado em curso no Brasil naquele momento,
a ESF mostrou-se capaz em contribuir para a reorganização do sis-
tema de saúde. Tem ainda apresentado bons resultados, trazendo
impactos positivos sobre a saúde da população, através da atenção
integral à saúde, com a redução da mortalidade infantil, da mortali-
dade por causas cardiológicas, das internações por condições sen-
síveis à atenção primária, como mostram vários estudos.
O governo ao invés de propor o aumento da fonte de recurso,
para ampliar a capacidade e autonomia dos recursos dos municípios,

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PRAIAVERMELHA

mantendo desta forma a prioridade da ESF, propõe a divisão dos par-


cos recursos com outras formas de atenção básica. Como afirma o
(Des) Ministro da Saúde, a proposta quer financiar “o mundo real”.
Desta forma está ameaçada a centralidade da ESF na organização
do SUS.
Assim, diante deste triste cenário, apresentar experiências exi-
tosas como Piraí se faz cada vez mais necessário, demonstrando
que é possível desenvolver ações e serviços de saúde pautados em
uma APS abrangente. No entanto, o município terá grandes desafios
daqui por diante no que se refere a conseguir manter o patamar no
qual se encontra, devido à redução de financiamento, tendo que en-
frentar o aumento dos gastos em saúde em nível municipal, e assim
sendo obrigado a utilizar mais recursos dos cofres da prefeitura ou
otimizá-los.
Por fim, a referência dos sujeitos da pesquisa sobre o quadro
crescente e desafiador de assistir pessoas com doenças crônicas
também indicou a necessidade de maior investimento em ações in-
tersetoriais nos territórios.
Cabe assim uma pergunta: até quando Piraí conseguirá resistir a
essa conjuntura?
Mesmo dentro desse contexto tão adverso, de perspectivas tão
negativas, precisamos continuar resistindo por uma política de saú-
de universal, pautada nos princípios da igualdade, equidade e inte-
gralidade.
Piraí é um exemplo de que isto é possível, que ainda podemos ter
esperança, mas não sem trabalho, esforço, organização, processo
construído.
Este trabalho permitiu confirmar que Piraí como município de pe-
queno porte pode ser capaz de dar resposta mais resolutiva aos pro-
blemas de saúde da população do território. No entanto, não permite
inferir que os resultados dessa investigação possam ser generaliza-
dos para todos os outros municípios de pequeno porte. Certamente,
há desafios, para além dos resultados satisfatórios já alcançados.

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O SUS e a Atenção Primária em Saúde: Estratégia Saúde da Família em Piraí/RJ Vanessa Barreto Corrêa Passos

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Esta publicação foi impressa em 2018 pela gráfica Imos
em papel offset 75g/m², fonte ITC Franklin Gothic,
tiragem de 500 exemplares.

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