Artigo - A Refutação Kantiana Do Idealismo

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A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO

Adriel José Machado (IC/Voluntária), e-mail: [email protected]


Manuel Moreira da Silva (Orientador), e-mail: [email protected]

Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO/Setor de Ciências


Humanas, Letras e Artes – SEHLA/Departamento de Filosofia - DEFIL

Palavras-chave: Kant, Descartes, Berkeley, idealismo, realidade.

Resumo:

Trata-se de uma análise da Refutação do Idealismo presente na segunda


edição da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant. No texto em questão
Kant pretende refutar as teorias idealistas de René Descartes e George
Berkeley quanto à existência da realidade exterior. Aqui serão analisados os
argumentos idealistas para duvidar (Descartes) ou negar (Berkeley) das
coisas exteriores e os que Kant apresenta para refutá-los.

Introdução

O objetivo deste trabalho consiste em analisar a Refutação kantiana do


Idealismo, bem como verificar o desdobramento do problema da realidade
exterior na filosofia moderna; isso, de modo a avaliar o alcance da crítica
kantiana ao idealismo de Descartes e Berkeley. Tal problema soa absurdo
para a maioria das pessoas. Até mesmo os filósofos antigos e medievais não
duvidam de que há uma realidade exterior. Ora, é somente com os filósofos
modernos que a existência da realidade exterior é posta em questão,
tornando-se um dos principais problemas da filosofia. Dentre os filósofos que
discutiram essa questão, destacam-se Descartes, Berkeley e Kant.
René Descartes (1596-1650) demonstra que se pode por em dúvida todas
as coisas externas ao pensamento, uma vez que delas só se têm idéias. Já
a existência do eu é indubitável, garantida pelo ato de pensar: “Mas eu me
convenci de que nada existia no mundo, que não havia céu algum, terra
alguma, espíritos alguns, nem corpos alguns; logo, não me convenci
também de que eu não existia? Com certeza, não; sem dúvida eu existia, se
é que me convenci ou só pensei alguma coisa.” (Meditações, II, § 4). George
Berkeley (1685-1753) concebe que a existência de objetos fora das idéias é
impossível. Existir consiste em ser percebido. Logo tudo que existe são as
idéias e o espírito que as percebe: “Entre os homens prevalece a opinião
singular de que as casas, montanhas, rios, todos os objetos sensíveis têm
uma existência natural ou real, distinta da sua perceptibilidade pelo espírito.
[...] Pois que são os objetos mencionados senão coisas percebidas pelos
sentidos? E que percebemos nós além das nossas próprias idéias ou
sensações?” (Princípios, § 4).

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Immanuel Kant (1724-1804) é quem elabora a crítica às teorias idealistas
acima citadas. Segundo Kant, “temos também experiência e não apenas
imaginação das coisas exteriores” (KrV, B 275).

Materiais e Métodos

O trabalho desenvolveu-se na forma de pesquisa bibliográfica com


referência principalmente à segunda edição da Crítica da Razão Pura de
Kant. A análise da refutação kantiana exigiu o estudo prévio do objeto da
refutação. Neste caso, as concepções de Descartes e Berkeley. Foram
utilizadas basicamente as Meditações Metafísicas de Descartes e o Tratado
sobre os Princípios do Conhecimento Humano de Berkeley.

Resultados e Discussão

Kant especifica o objeto de sua refutação como idealismo material. O termo


grifado gera uma ambigüidade. O idealismo em questão afirma ou nega a
matéria? Neste caso, idealismo material é a teoria que considera a matéria
como simples idéia – o que é material como idealidade. Ou como Kant
mesmo define, é “a teoria que considera a existência dos objetos fora de
nós, no espaço, ou simplesmente duvidosa e indemonstrável, ou falsa e
impossível; o primeiro é o idealismo problemático de Descartes [...], o
segundo é o idealismo dogmático de Berkeley” (KrV, B 274). Talvez o
emprego do termo empírico ao invés de material eliminaria a ambiguidade.
O Idealismo empírico restringe a experiência ao plano das idéias, neste
sentido, matéria, ou tudo que é material, é, em primeira instância, idealidade.
Embora mencione Berkeley, Kant esquiva-se de discutir o ponto de vista do
mesmo, limitando-se a dizer que o fundamento do idealismo de Berkeley já
foi afastado na Estética transcendental. Kant justifica-se pelo fato de sua
filosofia partir de um conceito de espaço diferente do de Berkeley. Para este,
o espaço é uma idéia abstraída das qualidades de um determinado objeto, é
somente uma idéia e por isso só existe no espírito que a percebe: “a
extensão existente fora do espírito não é grande nem pequena, o movimento
nem rápido nem lento, isto é, não são nada” (Princípios, § 11). Todo ser é
compreendido no quadros da realidade interior ao sujeito. Não há sentido
externo, apenas sentido interno. O que é justamente contrário à noção
kantiana de espaço como sentido externo, condição de representação de
todos os fenômenos. Assim torna-se inviável Kant refutar o ponto de vista de
Berkeley, já que este nega o próprio espaço.
O ponto de partida do idealismo cartesiano é a dúvida metódica, consiste em
considerar como falso tudo que é incerto, o que é justamente o caso da
existência dos objetos no espaço fora do Eu penso; contudo, mesmo que
este considere que não há mundo algum e nada corpóreo, não pode duvidar
de sua própria existência – pois, ao duvidar, é necessário que o Eu penso
seja alguma coisa (Meditações, I, §§3-12). Assim, o enunciado “eu penso,

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logo sou” (ego cogito, ergo sum) aparece como prova da própria existência
do Eu penso e definição da substância do mesmo como coisa pensante (res
cogitans); pois, toda vez que o Eu pensa, ele tem consciência da sua
existência, e, se o ato do pensamento é a única condição para a existência,
então ele é a substância deste ser que pensa. Todos os pensamentos
envolvem idéias, que são manifestações, atos do pensamento e
representações de objetos externos; tais representações pressupõem a
existência dos objetos externos, mas não provam por si só a necessidade da
existência desses objetos fora do pensamento, pois as causas das
representações podem ser outras representações ou o próprio sujeito. Logo,
a existência das coisas externas é duvidosa e indemonstrável ao nível das
representações, ao passo que a existência do eu é indubitável e
demonstrada pelo cogito (Med., II, §§7-9). Para refutar essa teoria é
necessário provar indiscutivelmente a existência real e objetiva (a realidade
atual para usar um temo cartesiano) das coisas externas. Este será o intento
de Kant: demonstrar que “temos também experiência e não apenas
imaginação das coisas exteriores”, com a tese que “a nossa experiência
interna, indubitável para Descartes, só é possível mediante o pressuposto da
experiência externa” (KrV, B 275).
Segundo o teorema kantiano: “A simples consciência, mas empiricamente
determinada, da minha própria existência prova a existência dos objetos no
espaço fora de mim.” (KrV, B 275). A prova oferecida por Kant é que a
consciência da própria existência temporal requer algo de permanente na
percepção, que deve ser necessariamente um objeto externo. Quer dizer, o
sujeito é consciente de que existe no tempo. Percebe suas representações
como sucessivas mudanças de estados da sua consciência. Logo as
representações são mutáveis e temporais. Mas somente é possível
determinar o que é temporal com referência a algo que permanece durante a
mudança: “só podemos perceber toda a determinação de tempo pela
mudança nas relações externas com referência ao que é permanente no
espaço” (KrV, B 277). No caso da determinação da própria existência do eu
no tempo, deve ter como referência um permanente necessariamente
externo: “a determinação de minha existência no tempo só é possível pela
existência de coisas reais que percebo fora de mim”, então “a consciência
de minha própria existência é simultaneamente uma consciência imediata da
existência de outras coisas fora de mim.” (KrV, B 276).
Kant ataca justamente o argumento que é o ponto central da filosofia de
Descartes – o cogito cartesiano. Segundo Kant, a representação eu sou não
é anterior, mas acompanha toda e qualquer representação. Ser consciente
de si é ao mesmo tempo ser consciente de outra coisa. Pois toda idéia é
idéia de algo, nela estão contidos o sujeito que pensa e o objeto que é
pensado. Por isso não é possível duvidar dos objetos externos e ao mesmo
tempo afirmar a própria existência, já que a consciência de si é mediante a
consciência de objetos externos.

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Conclusões

Com a análise da Refutação kantiana do Idealismo verificou-se o


desdobramento do problema da realidade exterior em Descartes e Kant, e
que perpassa toda a filosofia moderna.
Kant considera que “a consciência imediata da existência das coisas
externas não é pressuposta, mas provada no presente teorema”. Ora, o
idealismo cartesiano considera que somente a consciência de si é pura e
imediata, enquanto que a consciência de objetos externos é mediante idéias.
Significa que a realidade exterior conhecida é representada. Não nega que
existam causas externas, mas alega que as representações não requerem
objetos realmente existentes fora do pensamento, por isso tal existência é
duvidosa. Kant prova a consciência imediata de objetos externos, não a
existência destes fora da consciência. Tal consciência, para Descartes, é
apenas realidade objetiva: “Pois, como sabemos, por exemplo, que o céu
existe? É porque nós o vemos? Mas esta visão não afeta de modo algum o
espírito, a não ser na medida em que é uma idéia.” (Meditações, Exposição
Geométrica, Axioma 5). A sensibilidade de objetos externos é sempre
contemplação das próprias idéias do sujeito. A consciência da sua própria
existência pode ser determinada em relação a objetos que percebidos fora
de si, mas estes objetos não saem do nível das representações.
A crítica kantiana oferece importantes objeções ao idealismo cartesiano,
mas não o refuta. Não elimina a possibilidade da dúvida, uma vez que não
se duvida da consciência de objetos externos, mas da sua existência
exterior, esta não é provada por Kant, mas continua apenas pressuposta.

Agradecimentos

Agradeço ao Programa de Iniciação Científica pela oportunidade concedida.


Ao professor Manuel Moreira da Silva pela orientação prestada. E ao leitor,
por ter dedicado um pouco de seu tempo e atenção à leitura deste.

Referências

Berkeley, G. Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano. Ed.


Atlântida. Coimbra, 1973.
Descartes, R. Oeuvres Philosophiques. Tome I. Garnier. Paris, 1988.
______. Oeuvres Philosophiques. Tome II. Garnier. Paris, 1992.
______. Obra Escolhida. Difusão Européia do Livro. São Paulo, 1962.
Kant, I. Crítica da Razão Pura. 5. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian.
Lisboa, 2001.
______. Crítica da Razão Pura. Ed. Nova Cultural. São Paulo, 1999.

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