Desigualdades Regionais e Bancos Públicos

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DESIGUALDADES REGIONAIS E BANCOS PÚBLICOS:

O PAPEL DO BNDES NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Luciléia Aparecida COLOMBO1


Thales Haddad Novaes ANDRADE2

„„RESUMO: Este artigo pretende analisar como o Banco Nacional de


Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) atua no chamado
“fortalecimento federativo”, que pretende renovar o compromisso
com a redução das desigualdades regionais. Desta maneira, como
objetivos específicos, o presente estudo busca analisar os programas
de desenvolvimento regional empreendidos pelo BNDES entre os
anos de 1999 a 2010. Buscamos avaliar o alcance destes programas
na diminuição das assimetrias regionais e federativas brasileiras, bem
como na dinamização econômica das regiões consideradas menos
desenvolvidas economicamente, como a Norte e a Nordeste. Com
base em tais objetivos, pretendemos verificar se esse banco atua, de
fato, para que as relações federativas sejam intensificadas, a partir dos
programas desenvolvidos. Procuramos, ademais, investigar o papel
que o federalismo brasileiro exerce nas condições de financiamento do
desenvolvimento regional no Brasil.

„„PALAVRAS-CHAVE: Brasil. Desenvolvimento regional. Nordeste.


BNDES.

Introdução
O Brasil possui um sistema federativo cujas características
abarcam diferenças regionais significativas, o que o torna

1
UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Departamento de Antropologia,
Política e Filosofia. Araraquara – SP – Brasil. 14800-901. [email protected]
2
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos. Professor associado ao Departamento de Ciências
Sociais. Centro de Educação e Ciências Humanas. São Carlos – SP – Brasil. 13565-905. [email protected].

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assimétrico em relação a essas condições, com desigualdades
expressivas entre o Norte e o Nordeste e o restante da federação.
Tal desigualdade foi a principal motivação para que
diferentes governos brasileiros planejassem, em momentos
históricos distintos, a criação de instituições capazes de promover
o desenvolvimento regional em bases organizadas, controlando,
assim, os efeitos perversos destas desigualdades regionais. Entre
as instituições que visavam tal reacomodação federativa, ganhou
espaço paulatinamente, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). A partir de uma evolução em sua
linha de atuação, o Banco adquiriu novas diretrizes, das quais
faziam parte alguns programas que objetivavam uma melhoria
nas condições sociais de algumas regiões, como o Programa
Amazônia Integrada (PAI), o Programa do Centro Oeste (PCO),
o Programa de Fomento e Reconversão Produtiva da Metade Sul
do Rio Grande do Sul (RECONVERSUL) e o Programa Nordeste
Competitivo (PNC). Esses programas procuraram reverter as
condições de desigualdade encontradas em cada uma das regiões
em que atuavam.
Feitas estas considerações iniciais, o texto procura discutir o
alcance dos programas acima elencados, que se propõem a atuar
como mecanismos privilegiados de redução destas desigualdades
regionais. Como objetivos específicos, o presente estudo busca
analisar os programas de desenvolvimento regional empreendi-
dos pelo referido Banco, entre os anos de 1999 a 2010, elucidando
o alcance destes programas na diminuição das assimetrias
regionais e federativas brasileiras, bem como destacar em que
medida eles atuaram na transformação econômica das regiões
consideradas mais fragilizadas economicamente, como o Norte
e o Nordeste do Brasil. Desta forma, objetivamos questionar se o
BNDES, como instituição financeira e como banco público, vem
contribuindo, de fato, para que as relações federativas sejam for-
talecidas, a partir dos programas processados nos últimos anos.
Como pano de fundo do presente trabalho, procuramos investigar
o papel que o federalismo3 brasileiro exerce nas condições de
financiamento do desenvolvimento regional no Brasil. Porém, para
contextualizar nossa temática, cabe fazer uma retrospectiva da
intervenção estatal nas questões regionais, como abordaremos
no item que segue.
3
Federalismo aqui entendido como um sistema que favorece não somente a autonomia do financiamento
das subunidades, mas também a diminuição das desigualdades regionais através de um programa de
transferências tributárias.

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Trajetória da intervenção do Estado nas desigualdades
regionais
Como apontado acima e diante de um modelo de federalis-
mo que aponta decisivamente para as assimetrias regionais, a
intervenção do Estado brasileiro neste cenário tornou-se decisiva,
em diversos momentos, atuando como um ator estratégico na
formulação de políticas públicas de desenvolvimento regional
e concedendo crédito a pequenos e médios produtores através
do BNDES. Parte desta atuação do Estado brasileiro era res-
paldada pela existência de uma ideologia desenvolvimentista,
amplamente analisada na obra de Bielschowsky (1988); tal desen-
volvimentismo previa a superação do nosso subdesenvolvimento
e da condição periférica em que se encontrava o Brasil, objetivos
que seriam alcançados a partir do estímulo à industrialização,
essencialmente centrada no Estado e cujas primeiras experiên-
cias datam do governo Vargas, na década de 1930, e atingindo
uma abrangência maior nos anos de 1950, com o governo de
Juscelino Kubitschek.
Os desequilíbrios regionais e federativos adquiriram
protagonismo na agenda governamental dos anos de 1950, que se
concentrou na implementação das medidas mais urgentes para
instituir as Superintendências de Desenvolvimento Regional. Foi
decisivo para essa mudança na agenda do governo o consenso de
que a região Centro-Sul do país havia sido a principal beneficiária
das estratégias governamentais e, também, que pouca atenção
havia sido dada à distribuição espacial das atividades econômicas
(BAER; GEIGER, 1978, p. 66); tal consideração foi o mote para que
em meados da década de 1950, a inclusão da temática regional
estivesse fortemente atrelada à discussão política nacional.
Os principais instrumentos de promoção do desenvolvimento
regional durante à década de 1950 concentraram especial
atenção à construção de Brasília e os esforços para a integração
da capital do país com o restante das regiões ocupavam o centro
das preocupações governamentais. Não havia um planejamento
capaz de dar prioridade para um desenvolvimento equilibrado,
e a questão regional restringia-se ao controle das secas do
Nordeste. A criação das instituições federais, como o Banco do
Nordeste do Brasil (BNB)4 e posteriormente da Superintendência
4
Grandes partes das atividades do BNB, que tinham a função de fundamentar a questão nordestina,
partiam do chamado Escritório de Estudos Técnicos sobre a Economia do Nordeste (ETENE), cujas
análises serviam como bases para tentativas posteriores de desenvolvimento regional naquela área.

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de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), representou uma
grande inovação, pois ampliou a participação do Governo Federal
como um ator importante para o planejamento regional. O
escopo de atuação de tais instituições não se restringia apenas
ao Nordeste, mas outras regiões também seriam beneficiadas,
a exemplo da Amazônia, que contou com o Banco da Amazônia
(BASA) e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM) (COLOMBO, 2015).
Ainda que diversas instituições tenham sido criadas nesta
época, cabe ressaltar que a SUDENE foi a que mais obteve
projeção nacional e internacional. Parte da explicação para este
protagonismo advém do fato de que as secas nordestinas sempre
ocuparam a agenda governamental, porém, com grandes lapsos
temporais e com programas pontuais de atuação.
Além disso, devido aos massivos investimentos do governo
federal no centro-sul do país, era necessário contrabalançar
tais investimentos com iniciativas também nas regiões menos
desenvolvidas, como sugerem as análises de Baer (1966), Cano
(1985), Barros (2002), Haddad (1978), Suzigan e Araújo (1979),
dentre outros. Outro fator explicativo para a intervenção federal
no Nordeste foi o empobrecimento constante da região, fator que
impedia o desenvolvimento integrado do país. Vale considerar
também as pressões das massas nordestinas que forçaram uma
alteração da posição governamental, especialmente após a seca
de 1958, exigindo recursos financeiros em volumes cada vez
maiores.
Tais fatores impulsionavam uma mudança comportamental
do governo federal que, através do Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), já havia sistematizado
propostas dirigidas para o desenvolvimento do Nordeste.
Chefiado por Celso Furtado, os trabalhos do GTDN foram
fundamentais para o nascimento da SUDENE, em 1959. O trabalho
esquematizado pelo GTDN buscava ressaltar aspectos dinâmicos
da economia do Nordeste e apontava a industrialização como uma
via importante para se combater o atraso econômico da região. O
setor industrial seria, nas formulações do GTDN, o responsável
por conduzir ao crescimento do PIB regional, visando criar no
Nordeste um centro autônomo de expansão manufatureira
mediante dois centros industriais, especialmente as indústrias

A existência do ponto de apoio financeiro do Banco do Nordeste permitiu que se desenhasse o primeiro
quadro em que uma visão compreensiva do tratamento do desnível nordestino tomava forma.

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de base e também aquelas que priorizassem matérias-primas
regionais. Com as indústrias de base, buscava-se destacar
a produção siderúrgica, com a qual haveria a expansão das
atividades como a transformação do ferro e aço e das indústrias
mecânicas simples, como as de implementos agrícolas, móveis
metálicos, etc. A propagação industrial estimulada pela proposta
do GTDN visava estimular a competitividade do Nordeste,
dissipando o dinamismo da região para o restante da federação.
A grande contribuição do GTDN, como destacado, foi a
inspiração para a criação da SUDENE, porém, algumas das pro-
postas contidas no relatório do Grupo não foram implementadas.
De acordo com Cano (1995, p. 299), o fato de que o processo
de industrialização já havia avançado nas regiões centrais do
país vedava certos caminhos às áreas periféricas, colocando
determinantes maiores que aqueles vinculados aos interesses
especificamente regionais. Além disso, segundo o autor em tela,
identificava-se uma inércia na indústria regional, que não se
mostrava apta a superar as suas dificuldades através da amplia-
ção de investimentos próprios e de outras medidas capazes de
estimular competitivamente a capacidade de produção. Para
Castro (1971, p. 185), baseado em informações do censo de 1960,
ainda que as indústrias nordestinas apresentassem lucrativida-
de e rentabilidade superiores à média nacional, elas não eram
capazes de reinvestir o lucro para a modernização do aparato
produtivo.
Entre os anos de 1970 e 1985, as instituições responsáveis
pelo desenvolvimento regional brasileiro atuavam de forma ativa
e as desigualdades regionais sofreram uma redução significativa,
conforme apontam as análises de Cano (1995), Diniz (1995) e
Andrade (1988). Porém, contrastando com as análises destes
autores, Cavalcanti (1993) sustenta que a desconcentração
produtiva observada em meados da década de 1990 não decorreu
de uma redução significativa das desigualdades inter-regionais
no país, mas sim da redução dos níveis de desigualdades intra-
regionais.
Além disso, cabe ressaltar que o final da década de 1970 foi
um período decisivo para novas projeções regionais, impulsionado
principalmente pela crise econômica mundial e pelo aumento dos
preços do petróleo, que geraram um ambiente desfavorável para
os programas de desenvolvimento regional. O interregno de 1980
a 1990 foi marcado por políticas de ajustes fiscais, conduzidas,

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especialmente, pela privatização de empresas estatais, cujo
principal ator executor foi o Governo Federal.
Cabe destacar a importância da Constituição de 1988, a
qual reservou três instrumentos institucionais fundamentais na
diminuição das desigualdades regionais. O primeiro deles foi
a explicitação no Texto Constitucional que as desigualdades
regionais devem ser combatidas. A segunda importante
alteração da Constituição de 1988 foi a descentralização, que
promoveu a desconcentração de recursos do governo federal,
fortalecendo estados e municípios, os quais adquiriram novos
papeis, influenciando, inclusive, os investimentos privados por
meio de incentivos fiscais. Neste sentido, há uma reorientação no
modus operandi do planejamento regional o qual passou, de certa
maneira, a ser responsabilidade dos entes subnacionais.
Porém, o período que antecedeu a Constituição de 1988
também foi marcado por grandes contradições: por um
lado, a Constituição garantiu dispositivos que permitiram a
transferência de renda para as regiões menos favorecidas,
mas, em contrapartida, houve um grande enfraquecimento na
elaboração das políticas de desenvolvimento regional. Podemos
nos perguntar qual o papel do Governo Federal, frente a essa
descentralização. Na realidade, parte da prerrogativa deste
ente subnacional se limitou, a partir de então, a respeitar os
dispositivos constitucionais que determinavam o repasse
de recursos financeiros para as regiões carentes, sem uma
tentativa de fortalecimento das instituições responsáveis
pelo planejamento de políticas de desenvolvimento regional.
Nesse sentido, o terceiro importante elemento da Constituição,
como aponta Bercovici (2003), foi manter as Agências de
Desenvolvimento Regional, como a SUDENE, enfraquecidas.
A grande inovação trazida pelo Texto Constitucional de
1988 foi a criação dos Fundos Constitucionais de Financiamento
do Norte (FNO), o Fundo Constitucional de Financiamento do
Nordeste (FNE) e o Fundo Constitucional de Financiamento
do Centro-Oeste (FCO). Tais Fundos são compostos por 3% da
arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI). Deste montante, 60% são dirigidos
ao FNE e os demais 40% aos outros Fundos.
Porém, apesar das novidades trazidas pela Carta de 1988,
uma parcela importante do protagonismo das superintendências
de desenvolvimento regional foi subtraída, com a paulatina

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participação de outras instituições, como o próprio Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES,
que atuou como uma instituição financeira do desenvolvimento,
conforme abordaremos com maior rigor no item que segue.

O BNDES como ator estratégico do desenvolvimento


regional brasileiro
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) é uma instituição financeira pública de fomento que
esteve presente em diversas fases do planejamento do Estado
brasileiro. A Lei que o criou – Lei n. 1628, de 20 de junho de
1952 – determinava o funcionamento do mesmo na forma de
Autarquia. Até início de 1956, os grandes projetos industriais de
infraestrutura brasileira contaram com o financiamento do setor
público por meio do BNDES – que até então era chamado de BNDE.
Além disso, o impulso modernizador da indústria automobilística,
previsto no Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, requeria
grandes investimentos, que foram concedidos pelo Banco,
transformando a ambição de Kubitscheck em realidade.
As análises elaboradas por Cintra, Freitas e Prates (2000)
destacam que desde a sua criação, em 1952, o BNDES esteve
fortemente vinculado às diretrizes governamentais como
um ator estratégico fundamental; além disso, a atuação do
BNDES, entre as décadas de 1950 e 1970, foi fundamental para
financiar o modelo de desenvolvimento vigente, cujas metas
eram explicitadas em planos de desenvolvimento. Entretanto, a
partir dos anos de 1980, segundo dados de Curralero (1998), o
BNDES enfrentou uma “crise de identidade” associada, por um
lado, à crise do modelo de desenvolvimento, que orientou suas
ações estratégicas nas décadas anteriores e, por outro lado,
ao fortalecimento do discurso liberal, com forte apelo em prol
das privatizações das empresas estatais, reorientações que,
progressivamente, foram moldando a missão do Banco.
Os anos iniciais de atuação do BNDES estiveram vinculados
em grande medida às propostas da Comissão Mista Brasil –
Estados Unidos, que tinha o objetivo de identificar os “pontos
de estrangulamento” da economia brasileira, apontando os
caminhos a serem trilhados para o crescimento do país. A
referida Comissão apontou a necessidade de um programa de
investimentos de infraestrutura para o Brasil, consubstanciado

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no Programa de Reaparelhamento Econômico (PRE), que
contou com a ajuda financeira do BNDES. O banco atuou como
uma instituição pública voltada para o financiamento de longo
prazo, promovendo o desenvolvimento de técnicas de análise de
projetos necessários para angariar financiamentos internacionais.
Cabe ressaltar que, ao realizar a seleção de prioridades de áreas
específicas, a atuação do BNDES esteve fortemente vinculada aos
planos estatais desenvolvimentistas, que norteavam a política
econômica.
A linha de atuação do BNDES, atrelada à diminuição das
assimetrias federativas, contempla as microempresas, assim como
as pequenas e médias empresas, e dá prioridade aos projetos
que viabilizam a redução das desigualdades regionais. Tais
ações são executadas pelo BNDES e por três de suas principais
agências: 1) a Agência Especial de Financiamento Industrial –
FINAME, cujo objetivo é financiar a produção, comercialização
e exportação de máquinas e equipamentos fabricados no país;
2) é o BNDES Participações – BNDESPAR, cujo papel principal é
atuar no fortalecimento do mercado de capitais brasileiro; e, 3)
por fim, a BNDES Limited, constituída em Londres e que possui
a finalidade de apoiar as empresas brasileiras nos projetos de
internacionalização.
A trajetória do BNDES é bastante peculiar. Em 1982, o
BNDE passou a se chamar BNDES, integrando à sua política
de desenvolvimento o compromisso com as questões sociais
da sociedade brasileira. Cabe ressaltar que, paulatinamente, o
Banco foi alterando seu foco de atuação (CURRALERO, 1998),
buscando a promoção de programas interessados na redução das
desigualdades regionais. Nesse sentido, a missão do Banco se
alterou significativamente, ao passar a se preocupar, a partir de
então, com o estímulo a projetos que colaborassem com a redução
das desigualdades regionais. Além de explicitar o compromisso
com o desenvolvimento, a questão regional ganha relevo entre os
objetivos: “Agimos orientados para a redução das desigualdades
sociais e regionais com geração de emprego e renda e melhoria da
qualidade de vida” (Planejamento Corporativo do BNDES, 2000).
Nos anos de 1990, também se verificam mudanças nas
prioridades do BNDES, que passa a adotar uma nova estratégia
de desenvolvimento. A principal alteração em seu papel ocorre
devido ao Plano Nacional de Desestatização (PND), elemento
central da redefinição do papel do Estado e um dos pilares do

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novo modelo de desenvolvimento que se processava a partir de
então. Contudo, somente a partir de 1994, a atuação do banco
torna-se plenamente articulada às diretrizes desse modelo de
desenvolvimento. Esse lapso temporal relativamente longo na
redefinição das suas linhas de atuação decorreu dos próprios
óbices enfrentados pelo governo de Fernando Collor de Mello na
concretização das reformas previstas, que estiveram paralisadas
devido ao processo de impeachment, bem como aos fatores
econômicos da época, que envolviam alta inflação e dificuldade
de estabilização da moeda e dos preços.
Os anos posteriores a 1994 caracterizaram-se pelo
aprofundamento do objetivo do Banco como gestor do PND,
com a predominância de representar um agente financeiro
dos programas de desestatização em âmbito federal, estadual
e municipal, como ressaltam Barros e Goldenstein (1997).
Adicionalmente, o Banco atuou com frequência na reestruturação
produtiva dos anos de 1990, o que lhe garantiu destaque com ator
político estratégico da federação brasileira. A partir de então, o
BNDES passou a financiar os setores de infraestrutura econômica
privatizados, a apoiar o processo de reestruturação industrial, a
atuar como agência de financiamento às exportações e, em menor
medida, a estimular os setores de tecnologia de ponta mediante
a Bandespar5. Como apontam Vidotto (2005) e Cintra et al. (2000),
ao se consolidar como um dos principais agentes do programa
de privatização do governo federal, o BNDES ocupou um lugar de
suma importância na trajetória do desenvolvimento capitalista no
Brasil.
Paralelamente a essas reformulações do Banco, no campo
acadêmico começaram a ganhar relevo as teorias que buscavam
explicar o funcionamento das chamadas “instituições financeiras
públicas federais”, ou somente dos Bancos Públicos. Um dos
expoentes da área, Mettenheim (2010), acrescenta que os
chamados Bancos Públicos também atuam como “alavancas”
para líderes políticos e forças sociais. Tal atributo pode ser
comprovado durante as crises financeiras recentes, nas quais
as instituições financeiras foram essenciais para amenizar os
efeitos econômicos adversos. Como já ressaltado, durante os anos
1990, estas instituições sustentaram o Plano Real e promoveram,
concomitantemente, empréstimos com condicionalidades aos

5
Segundo dados do BNDES, a BANDESPAR é a sociedade gestora de participações sociais (holding) do
BNDES, criada para administrar as participações em empresas detidas pelo Banco.

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governos estaduais e municipais, atuando, conforme aponta
Mettenheim (2010), como uma espécie de “fundo monetário
internacional doméstico”.
De acordo com o que foi estabelecido no Planejamento
Corporativo 2009/2014, o desenvolvimento regional, a inovação
e o desenvolvimento socioambiental foram estabelecidos
como eixos principais de fomento econômico, devendo ser
considerados linhas mestras nos empreendimentos apoiados
pelo Banco. Paralelamente a este novo foco da instituição, foram
criados diversos Programas Regionais afim de contrabalançar
as desigualdades federativas. Em um primeiro momento,
podemos citar entre tais programas, o PAI – Programa Amazônia
Integrada, o PCO – Programa Centro-Oeste, o Programa Nordeste
Competitivo – PNC e o RECONVERSUL – Programa de Fomento
e Reconversão Produtiva da Metade Sul do Rio Grande do Sul.
Segundo Ramos (2003, p. 2), “[...] essas políticas tiveram o mérito
de explicitar as preocupações sobre o tema, mas tinham como
pressuposto que o acesso ao crédito, por si só, poderia resolver
grande parte destas questões”.
O carro chefe dos programas de desenvolvimento regional
processados pelo Banco foi lançado em 2005: o Programa de
Dinamização Regional. Nele, os municípios e microrregiões con-
siderados de baixa renda (levando-se em conta o PIB per capita)
seriam beneficiados, bem como os programas localizados nas
regiões Norte e Nordeste. Este Programa de Dinamização
Regional foi o alicerce motivador para a criação, em 2010, da
Política de Dinamização Regional.
A programação do Planejamento Corporativo do BNDES
para o período de 2009 a 2014 manteve a missão de outrora, da
promoção do desenvolvimento regional como um dos objetivos
do Banco, procurando intensificar o combate das desigualdades
regionais e sociais e a promoção do desenvolvimento sustentável.
Além disso, a grande novidade das premissas do Banco foi a
consideração do desenvolvimento socioambiental como um dos
requisitos a serem analisados nos projetos do Banco.
Seguindo a trajetória que pretendia a promoção do
desenvolvimento regional, em 2007 foi criada a Secretaria de
Arranjos Produtivos e Inovativos e Desenvolvimento Regional –
SAR, vinculada diretamente à Presidência do BNDES. Além da
criação de tal Secretaria, foi instituído o Comitê de Arranjos
Produtivos, Inovação e Desenvolvimento Local Regional e

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Socioambiental (CAR-IMA), cujo objetivo era a promoção da
articulação interna e externa ao Banco, procurando dar prioridade
a investimentos que contemplassem as questões regionais.
Ramos (2003, p. 6) faz algumas considerações a respeito da
criação deste Comitê de Arranjos Produtivos Locais. Segundo o
autor em tela,

Embora continue importante a redução das desigualdades inter-


regionais e que o BNDES mantenha essa prioridade em suas
políticas, o Banco reconhece que as desigualdades ocorrem também
dentro das regiões e que os próprios investimentos financiados pelo
BNDES podem vir a reforçar algumas dessas desigualdades.

Havia, naquele momento, a prudente consideração de que


algumas políticas implementadas pelo Banco pudessem gerar
efeitos negativos, vislumbrando-se algumas soluções para tais
problemas. Neste sentido, foi fundamental o apoio financeiro
a estes Arranjos Produtivos Locais (APLs) através do Fundo
Social, o qual também contemplava de maneira homogênea as
cooperativas de baixa renda, especialmente aquelas com foco na
sustentabilidade ambiental. Outro fator federativo determinante
para tais programas foi a delegação de atividades aos Estados,
que passavam a atuar como protagonistas, orientando as ações
do Banco no desenvolvimento regional, de acordo com suas
necessidades imediatas. Neste sentido, o BNDES, em 2008, pode
ser compreendido no tocante ao desenvolvimento regional a
partir de três grandes linhas de atuação: o programa de entorno
de grandes projetos, o apoio aos APLs e aos Planos Estratégicos
dos Estados.
No que se refere à Política para atuação nas áreas de
entornos de grandes projetos, estabelecida em 2009, os objetivos
eram amortecer e diminuir os impactos negativos que pudessem
ser gerados por grandes empreendimentos, fortalecendo, desta
maneira, os agentes econômicos locais. Além disso, esta Política
objetivava a utilização dos instrumentos financeiros do BNDES
para o desenvolvimento de determinado território, mesmo em
caso de grandes empreendimentos. Desta maneira, complexos
econômicos importantes foram beneficiários de tal Política,
como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e Suape, em
Pernambuco. Tais empreendimentos contaram com um consenso
entre os estados e municípios que discutiram, através de fóruns

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de desenvolvimento, quais projetos deveriam ser beneficiados
com o apoio creditício nas linhas disponíveis do BNDES. Cabe
destacar que outros exemplos de investimento do Banco foram
feitos nas usinas hidrelétricas do Rio Madeira e de Estreito, bem
como em empreendimentos realizados em Porto Velho.
Para o apoio aos Estados, o BNDES criou a linha de
crédito denominada BNDES-Estados, cujo objetivo era oferecer
suporte aos empreendimentos econômicos, de maneira a
integrar a federação. Segundo o que informa o BNDES (2008),
o objetivo geral deste programa foi incentivar um conjunto de
investimentos a partir de um planejamento estratégico, que
possuísse as seguintes prioridades: 1) desenvolvimento regional
e socioambiental; 2) redução das desigualdades regionais e
sociais em bases sustentáveis; 3) promoção do trabalho e renda;
4) melhoria da cobertura e da qualidade dos serviços públicos
e 5) desenvolvimento institucional e modernização da gestão
dos entes federados. Cabe destacar que a grande (e importante)
inovação deste Programa aos Estados foi o monitoramento
dos investimentos através de indicadores sociais, ferramenta
indispensável para avaliar a concessão dos recursos.
Neste sentido, os dois programas acima elencados, o
Programa de Entorno de Financiamentos (PEF) e a linha BNDES-
Estados, foram responsáveis pela concessão de créditos a
regiões anteriormente não contempladas pelo Banco, cujos
dados confirmam esta mudança de projeção do Banco: entre
2009 e 2010, os desembolsos para todos os Estados da Federação
foram, pela primeira vez na história do Banco, superiores à soma
dos desembolsos para os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Distrito Federal. Pelo exposto, observamos que
tais linhas foram responsáveis pela projeção do BNDES como um
ator estratégico importante dentro da Federação brasileira, no
combate às desigualdades regionais.

Novas prerrogativas: o BNDES e o desenvolvimento


regional
A crise econômica em meados dos anos de 1980 no Brasil
imprimiu novas demandas do Banco, de acordo com novos
rumos para o cenário que então se configurava. O planejamento
estratégico do Banco de 1988-1990 apontou para um reforço do
papel dos investimentos externos, com a necessidade sempre

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constante de se adequar aos pressupostos de “integração
competitiva”. Esta mudança de estratégia do BNDES visava,
fundamentalmente, dois pressupostos básicos: 1) apoiar
investimentos em empresas para a melhoria da posição de
mercado tanto interna quanto externamente; 2) à necessidade de
apoiar a exportação da indústria nacional. A prioridade, naquele
momento, além de apoiar o processo de privatização de empresas,
girava em torno da liberação de recursos para investimento
em projetos sociais, evitando a continuidade de utilização das
empresas com finalidades políticas.
Contudo, a grande mudança na orientação do BNDES
aconteceu em 2003, com o Governo Lula, que buscou retomar
a trajetória do Banco, buscando resgatar seus pressupostos
originais, especialmente aqueles cuja missão era o
desenvolvimento, abandonada na década anterior. Tal tentativa
de resgate foi responsável, ainda nos anos 2000, pelo fomento
às exportações, e pelo apoio a pequenos empreendimentos
que visavam a inovação, com ênfase aos setores voltados ao
desenvolvimento da infraestrutura. Para as questões regionais,
embora houvesse a intenção de apoio às regiões menos
favorecidas, os dados referentes aos desembolsos do BNDES
refletem a trajetória de concentração do crescimento econômico
nas regiões dinâmicas do Centro-Sul do país, em especial no
Sudeste, o qual recebeu recursos financeiros superiores a 50% do
valor total dos benefícios concedidos pelo Banco, em 2009.
Entretanto, estudo de Leal et. al (2014) destaca que apesar de
algumas reduções no total recebido pelo Banco, a região Nordeste
obteve auxílio no desenvolvimento de importantes projetos, como
o polo petroquímico de Suape, o eixo da ferrovia transnordestina,
a melhoria dos aeroportos e a transposição do Rio São Francisco.
É importante ainda destacar que os investimentos realizados
no Nordeste ficaram concentrados nos estados da Bahia e
Pernambuco, sobretudo nos setores de papel e celulose, nos
investimentos do Proálcool, na Companhia de Eletricidade e no
Polo Petroquímico de Camaçari. Para a região Norte destaca-
se, na década de 1980, a destinação de 75% dos valores totais
desembolsados para a região, na implantação da mina de Carajás,
no Pará, e a criação da Zona Franca de Manaus, importante polo
de desenvolvimento da região. É preciso considerar, por fim, a
destinação de verba considerável para o Centro-Oeste do país,
especialmente para o agronegócio, a partir de 1990. Para os anos

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2000, porém, os percentuais de participação do desembolso por
região se mantiveram relativamente estáveis.
Apesar da evidência destes números em manterem uma
previsibilidade de investimentos e desembolsos maiores para a
região Sudeste, em 2009 houve uma mudança de padrão, com
o aumento dos desembolsos para as regiões Norte e Nordeste.
Parte da explicação para este aumento reside nos projetos de
infraestrutura e de indústria processados nestas regiões, além do
avanço das micro e pequenas empresas, somadas às facilidades
como o cartão BNDES e das operações de financiamento a
investimentos públicos nos estados. Em 2010 houve uma redução
desta participação, devido ao aumento de desembolso para a
região Sudeste.
Como ressaltado anteriormente, desde a década de 1990,
o BNDES realizou uma série de programas para fomentar o
desenvolvimento em empreendimentos localizados em territórios
das regiões Norte e Nordeste, cujas principais iniciativas
foram o Programa Nordeste Competitivo (PNC), o Programa
Amazônia Integrada (PAI), o Programa do Centro-Oeste (PCO) e
o Programa de Fomento e Reconversão Produtiva da Metade Sul
do Rio Grande do Sul (RECONVERSUL). Porém, existiram grandes
lacunas e problemas na implementação destes programas. Em
primeiro lugar, a quantidade de incentivos era reduzida, cerca
de 5% da participação do BNDES no financiamento do projeto,
acrescido de 1% ao ano na taxa de juros. Um segundo ponto a
ser destacado, conforme apontam Gaspar e Ramos (2002), foi a
seletividade de alguns setores que pareciam ser competitivos
ao Banco e a eles foram atribuídas condições de financiamento
privilegiadas. Tal fator permitiu que as empresas com algum
protagonismo e fácil acesso aos recursos fossem dinamizadas,
em detrimento de setores que não induziam o fortalecimento das
cadeias produtivas ou que não possuíam nenhum vínculo com
políticas desenvolvidas pelo governo Federal.
Outro problema decorrente dos programas de desenvolvi-
mento regional do Banco deveu-se ao fato de que, ao priorizar
investimentos nas chamadas macrorregiões, acabava-se apro-
fundando as desigualdades dentro de uma mesma região, o
que provocava a maximização das faixas mais ricas, dentre as
mais pobres. Além disso, em diversos estados observou-se uma
preferência pela prática da guerra fiscal, vista como um instru-
mento na atração de investimentos, e uma baixa aderência aos

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Programas de desenvolvimento regional do BNDES. Neste senti-
do, considerando tais discrepâncias, podemos concluir que estes
programas elencados aqui não configuraram dinâmica suficiente
para atuarem como programas de desenvolvimento regional.
Uma primeira revisão destes programas aconteceu em 2005,
com uma tentativa de correção dos programas anteriores, através
da criação da Política de Dinamização Regional (PDR), cujo
objetivo primordial era a redução das desigualdades regionais
e sociais de renda. O objetivo desta Política era o investimento
nos municípios localizados nas regiões norte e nordeste do
Brasil. Uma importante ressalva a ser considerada no que se
refere a essa política é destacada de imediato pelo Banco: “A
PDR aplica-se a investimentos em ampliação de capacidade
produtiva, desde que esses não impliquem fechamento de outras
unidades produtivas do beneficiário”. Ou seja, a prioridade dos
investimentos girava em torno de projetos já consolidados, em
detrimento da construção de novos empreendimentos.
Os critérios de localização são responsáveis pela definição
dos beneficiários desta política, que seriam:

As Microrregiões classificadas como de baixa renda estagnada,


baixa renda dinâmica, média renda inferior estagnada, média renda
inferior dinâmica, média renda superior estagnada, média renda
superior dinâmica, conforme o critério de classificação da PDR,
inspirado na metodologia da Política Nacional de Desenvolvimento
Regional (PNDR), implementada pelo Ministério da Integração (MI).
[...]

Os Municípios das regiões Norte e Nordeste da área de atuação


da SUDENE, classificados como alta renda e que passavam a
ter as mesmas condições que as microrregiões incentivadas e
classificadas como renda superior dinâmica; e [...]

O conjunto de municípios de menor nível de renda integrantes


das aglomerações urbanas identificadas pelo Projeto de Pesquisa,
Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil, elaborado
pelo IPEA, IBGE e NESUR (IE-UNICAMP), localizadas no entorno de
um município de alta renda. (PDR, 2005, p. 1).

A Política de Dinamização Regional prevista pelo BNDES


atuou em consonância com o desenho elaborado pela Política
Nacional de Desenvolvimento Regional, elaborada em 2003

Perspectivas, São Paulo, v. 47, p. 67-87, jan./jun. 2016 81


pelo Ministério da Integração Nacional. Foi, portanto, uma
atuação conjunta das duas instituições (BNDES e MI), com o
objetivo de promover estratégias de reversão das desigualdades
regionais e explorar potenciais de desenvolvimento endógeno
de diversas regiões. O documento original de 2003 destacava o
conceito de mesorregião (MR), ou seja, uma escala menor que a
macrorregional, devido à diversas críticas pelas quais passaram a
escala macrorregional especialmente por sua amplitude territorial,
o que a impedia de proporcionar o tratamento adequado para as
desigualdades intrarregionais.
Além disso, por se tratar de uma política nacional, com
a coordenação do governo federal, reforçava a importância
de tal iniciativa. Através de uma análise de indicadores
socioeconômicos dos municípios brasileiros, foi construído um
mapa e definidas quatro tipologias que traduziam diferentes
estágios de desenvolvimento: 1) regiões de baixa renda; 2)
estagnadas; 3) dinâmicas; 4) de alta renda, sendo as regiões de
baixa renda e as estagnadas definidas como prioritárias para as
ações da política. Desta forma, a PNDR redefiniu o conceito de
Mesorregiões Diferenciadas e áreas especiais como o Semiárido
nordestino e as faixas de fronteiras.
Feitas estas reestruturações metodológicas, a inovação da
PDR foi o reconhecimento das desigualdades entre as regiões
e dentro das regiões; assim, as particularidades das chamadas
microrregiões deveriam ser consideradas, fazendo com que a
política tivesse capacidade de promoção de um desenvolvimento
homogêneo e equilibrado.
Em meados de 2006, houve uma avaliação prévia do
programa e constatou-se que embora com diversas tentativas
de remodelação, a PDR não conseguiu superar as dificuldades
de programas anteriores tais como: o PNC, o PAI, o PCO e o
RECONVERSUL. O maior desafio da PDR (como em outros
programas do passado) residia na dificuldade de contemplar
as cadeias produtivas nas regiões carentes; ainda que alguma
empresa decidisse investir no Norte ou no Nordeste, não havia
estímulo para que a cadeia de fornecedores se desenvolvesse
nessas regiões. Outro problema constatado foi que, apesar de
selecionar setores prioritários, com o passar do tempo o programa
foi abarcando cada vez mais setores, gerando muita demanda
e pouca oferta de incentivos. Desta maneira, setores como
mineração, cimento e papel e celulose, altamente lucrativos,

82 Perspectivas, São Paulo, v. 47, p. 67-87, jan./jun. 2016


distorciam os indicadores dos desembolsos do Banco e eram
apoiados, gerando mais desigualdades dentro da mesma região.
Analisando os dados disponibilizados pelo BNDES, no tocante
ao andamento dos projetos, fica evidente que em quase todas
as microrregiões o número de projetos estagnados é superior ao
número de projetos em andamento. Além disso, para estados
como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São
Paulo, não há sequer um acompanhamento e um monitoramento
dos projetos, os quais aparecem muitas vezes sem identificação,
conforme pode ser evidenciado na tabela abaixo:

Tabela 1 – Projetos da PDR por cada estado e microrregião (2005-2010)


Número de
Projetos em Projetos Projetos sem
Estado Microrregiões
Andamento Estagnados informação
beneficiadas
Acre 21 2 17 2
Alagoas 101 8 93 --
Amazonas 62 5 55 2
Amapá 16 3 11 2
Bahia 417 62 353 2
Ceará 184 89 94 1
Distrito Federal 1 - - -
Espírito Santo 78 - 69 9
Goiás 253 52 152 49
Maranhão 217 26 183 8
Mato Grosso 139 35 70 34
Mato Grosso do Sul 77 27 39 11
Minas Gerais 853 178 453 222
Pará 143 36 99 8
Paraíba 223 70 151 2
Paraná 399 229 90 80
Pernambuco 184 56 125 3
Piauí 222 72 149 1
Rio de Janeiro 92 7 42 43
Rio Grande do Norte 167 65 100 2
Rio Grande do Sul 497 38 160 299
Rondônia 52 34 5 13
Roraima 15 - 13 2
Santa Catarina 293 18 98 177
São Paulo 645 100 58 487
Sergipe 75 21 53 1
Tocantins 144 10 123 11
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do BNDES (2014).

Perspectivas, São Paulo, v. 47, p. 67-87, jan./jun. 2016 83


Considerações finais
O presente trabalho buscou analisar como o BNDES atua
no cenário federativo brasileiro contemporâneo como um ator
estratégico e proativo no combate às desigualdades regionais.
Embora a sua trajetória não seja linear, especialmente no tocante
à formulação do planejamento regional estratégico, o Banco tem
buscado novas formas de atuação para cumprir, especialmente,
suas prerrogativas sociais.
A capacidade técnica e financeira do Banco, com seu papel
histórico de atuação na elaboração e execução dos principais
planos nacionais de desenvolvimento e em recentes programas e
políticas que visam estimular as dinâmicas econômicas regionais,
o torna um agente importante no esforço para a construção de
uma federação menos desigual.
Porém, distorções existem e como demonstramos ao longo
deste trabalho, há ainda um caminho bastante longo a ser
percorrido. As primeiras iniciativas do Banco, com os Programas
Nordeste Competitivo, o Programa Amazônia Integrada e o
Programa PAI, o Programa do Centro Oeste e o RECONVERSUL
não atingiram o efeito desejado, por visarem apenas a concessão
de crédito, o que acabou desvirtuando a ideia de desenvolvimento
regional estratégico global. Além disso, a partir do reconhecimento
destas distorções, em 2003 houve uma nova tentativa de
organização de um programa que fosse capaz de conter não
somente as desigualdades inter-regionais, mas também as intra-
regionais: nascia, assim, a Política de Dinamização Regional.
A partir do mapeamento de tal Política, nos deparamos com
vários projetos estagnados, sem referência para qualquer tipo
de avaliação mais sistemática. Estados como Paraná, Rondônia
e São Paulo possuem um número mais elevado de projetos
em andamento do que aqueles estagnados. Por outro lado,
verificamos que estados como Minas Gerais, Bahia, Rio Grande
do Sul e São Paulo sequer apresentaram relatórios detalhando
as condições dos projetos apoiados pelo BNDES, evidenciando
uma precária coordenação de tais empreendimentos. Concluímos
que apesar dos esforços empreendidos pelo Banco, a linha que
destaca a importância do desenvolvimento regional precisa ser
reestruturada, de maneira a atingir os objetivos propostos.

84 Perspectivas, São Paulo, v. 47, p. 67-87, jan./jun. 2016


COLOMBO, L. A.; ANDRADE, T. H. N. Regional inequalities and
public banks: the role of BNDES in the Brazilian Federation.
Perspectivas, São Paulo, v. 47, p. 67-87, jan/jun. 2016.

„„Abstract: This article intends to analyze how the National Bank


for Economic and Social Development (BNDES) acts in the so-
called “federative strengthening”, which intends to strengthen the
commitment to reduce regional inequalities. As specific objectives, the
present study seeks to analyze the regional development programs
undertaken by the Bank between 1999 and 2010. We seek to evaluate
the extent of these programs in the reduction of regional and federal
asymmetries in Brazil, as well as in the economic dynamization of the
regions considered less economically developed, such as the North and
Northeast of Brazil. Based on these objectives, we intend to verify if
the BNDES acts, in fact, to strengthen federative relations, from the
programs developed. We also seek to investigate the role that Brazilian
federalism plays in regional development financing conditions in Brazil.

„„Keywords: Brazil. Regional development. Northeast. BNDES.

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