USF U10 Estudo Do Ser Humano Contemporâneo
USF U10 Estudo Do Ser Humano Contemporâneo
USF U10 Estudo Do Ser Humano Contemporâneo
FOTO CAPA
INTRODUÇÃO
Em um certo dia, enquanto retornava para casa, após mais um dia de aulas, Fred se
surpreende com a longa fila que se forma na frente de um museu. Ali, uma exposição
sobre as obras de Pablo Picasso, pintor espanhol e um dos principais artistas do século
XX, seria aberta ao público. Enquanto caminha, passando pelas diferentes fachadas
e arquiteturas urbanas, pelos grafites nos muros, pelas estátuas e monumentos nas
praças públicas, Fred não está preocupado com a exposição no museu. Ele, aliás,
considera-se bastante alheio às artes visuais e eruditas, de modo geral. Mas, está em-
polgado em chegar logo em casa e continuar suas leituras das HQs da Marvel, que
recentemente comprou e que retratam a última saga dos Vingadores, um dos filmes
preferidos de Fred.
Já em casa, uma de suas irmãs acompanha os ritmos da música que ouve com os fones
de ouvido, enquanto a caçula, ainda criança, testa diferentes formas – e usos – possí-
veis para a massa de modelar. Os pais de Fred estão felizes: enfim colocaram, na pa-
rede branca da sala, um quadro com vaso de flores comprado há algum tempo: “agora,
sim, há vida nessa parede; antes, ela estava sem graça”, comenta a mãe.
A cena descrita acima, embora fictícia, certamente dialoga com algo do cotidiano de
cada um de nós. Nossa relação com a arte e com suas diferentes manifestações está
no dia a dia, nos objetos que nos circundam, na arquitetura e na sua relação com a es-
tética, nas artes visuais em museus ou em outros espaços, e nas mais diferentes lingua-
gens e manifestações artísticas (como a pintura, música, filmes, teatro, literatura etc.).
Há muitas definições sobre o que é a arte; este é um campo de amplo debate na his-
tória do conhecimento humano. Mas, de modo geral, há uma concordância entre os
filósofos sobre a definição da arte como “[...] tudo o que é belo: a arte tem como objeto
IMPORTANTE
o belo, assim como a ciência tem por objeto o verdadeiro, a moral, o bem, a técnica, o
útil”. (MONDIN, 2008, p. 71).
A arte não se confunde com a cultura, mas é parte dela, é um produto cultural de ca-
ráter emocional, sensorial e estético, resultado do processo criativo e imaginativo do
ser humano.
94
Somos seres artísticos! U10
Poderíamos tratar da relação do ser humano com a arte de diversas maneiras e, mesmo
por meio da história da arte e do desenvolvimento artístico, poderíamos compreender
o próprio desenvolvimento do ser humano e do seu meio. São muitas as possibilidades
para pensarmos sobre a arte e nossa humanidade.
Aqui nesta unidade, entretanto, vamos focalizar em alguns objetivos mais específicos, em
especial, a reflexão sobre a arte como algo intrínseco ao ser humano, como parte do fazer
humano e exclusivamente humano. Somos seres artísticos! Seres capazes de significar e
ressignificar, atribuir sentidos, interpretar e reinterpretar o real por meio da criação artísti-
ca. Assim, mais do que buscarmos pelas definições do que é arte, propomo-nos a pensar
por que a arte é tão essencial ao ser humano. Em outras palavras, vamos refletir sobre
alguns dos porquês pelos quais podemos nos considerar homo artisticus.
Fonte: 123RF.
CURIOSIDADE
Uma curiosidade sobre esse instrumento musical: músicos contemporâneos analisa-
ram os espaçamentos entre os orifícios e notaram que eles foram configurados com
base na escala de sete notas musicais, estrutura de toda música ocidental que foi
criada nas eras seguintes e que, ainda hoje, ouvimos nos mais variados serviços,
plataformas e aparelhos musicais.
Em artigo no jornal Folha de São Paulo, o físico e escritor Marcelo Gleiser registrou essa
SAIBA MAIS
A segunda descoberta, também em uma caverna, mas dessa vez na Indonésia, en-
controu a mais antiga narrativa feita pelo homo sapiens, com aproximadamente 44
mil anos: uma cena na qual é travada uma luta entre dois javalis e quatro búfalos,
rodeados por oito figuras que parecem ser humanas. Alguns desses homens segu-
ram lanças e cordas. A novidade aqui não está na data da pintura em si; há outras,
inclusive, mais antigas do que essa. Mas nessa, pela primeira vez, identificamos
uma narração humana.
Desse modo, tão antiga quanto a humanidade é a produção da arte. Claro, não po-
demos saber com exatidão o que tais manifestações significavam, ou seja, qual as
intenções dos artistas que as produziram. Mas, podemos interpretá-las, tentar co-
nhecer e construir os seus significados e sentidos, identificar as técnicas e habilida-
des envolvidas, os materiais disponíveis e, assim, conseguimos compreender – ou
imaginar – como viviam os homens em épocas tão remotas. E, das épocas pré-his-
tóricas, a arte foi, praticamente, tudo o que sobrou e o que nos ajuda a compreender
como se organizavam os homens primitivos (DUARTE JUNIOR, 1994, p. 136).
Salão dos Touros é uma das duas mil pinturas encontradas no interior das cavernas
Lascaux e que dão a dimensão da vida selvagem pré-histórica. Fonte: 123RF.
SAIBA MAIS
Acesse o site e faça um passeio virtual pelo complexo de cavernas Lascaux, situado
ao sudoeste da França, conhecido pelas pinturas rupestres em seu interior, disponí-
vel no link a seguir: https://archeologie.culture.fr/lascaux/fr?lng=en. Acesso em:
16 abr. 2021. Link
Mas por que produzimos arte? Por que povos primitivos, lutando pela sobrevivência em um
ambiente profundamente hostil, ainda assim, produziam arte? Por que, mesmo nos dias
atuais, em sociedades permeadas por problemas políticos, sociais, econômicos etc., ainda
assim, os homens produzem e se relacionam com objetos e manifestações artísticas?
Esse é um debate amplo nos campos do saber, com diferentes perspectivas filosóficas,
antropológicas, psicológicas e outras. Não vamos nos aprofundar especificamente em
cada uma delas, mas apontar algumas linhas gerais que nos auxiliam no entendimento
das questões propostas.
algo. Sabemos, por exemplo, o que é uma cadeira porque temos consciência sobre ela:
formatos, funções, materiais, cores, estilos. Mas, também, porque conseguimos imagi-
nar o que é uma cadeira e o que não é; conseguimos imaginar um tipo específico de ca-
deira diferente de outras. E podemos, ainda, imaginar cadeiras que nem existem! Essa
possibilidade de imaginação se relaciona diretamente à arte e é uma das propriedades
da vida humana.
A arte é, assim, uma forma de conhecer. Mas é uma forma particular, específica, ligada
ao conhecimento emocional e criativo. Pertence, assim, aos modos de conhecer do
campo sensitivo, que se obtém por meio dos sentidos externos (visão, audição, tato,
olfato) e internos (imaginação, fantasia). Nesse campo, “[...] as atividades da fantasia
são invenções, criações, sínteses que, elaboradas a partir do estado de espírito do
artista, encontram ressonância ou suscitam sentimentos parecidos em outras pessoas”
(MONDIN, 2008, p. 69).
Esta última, em particular, é uma das características essenciais da vida humana: o ser
humano possui a necessidade de significar e dar sentido à sua vida e ao seu meio. A arte
é um desses caminhos. Por meio dela, o ser que produz, sente ou desfruta de fenômenos
artísticos entra em contato com emoções estéticas – aquelas que vivenciamos por meio
da atividade artística –, e discorre sobre outras emoções e sobre a própria realidade.
O filósofo alemão Nietzsche (2007, p. 57) aponta que o ser tem necessidade da arte, de vi-
venciar a vida por meio da arte. Isso ocorre porque o intelecto e a racionalidade não são su-
ficientes para conhecermos o real. Sobretudo, não são suficientes para dar sentido à vida.
Vivemos, seguramente, graças ao carácter superficial do nosso intelecto,
numa ilusão perpétua: temos então, para viver, necessidade da arte a cada
instante. A nossa visão prende-nos às formas. Mas se somos nós próprios
quem, gradualmente, educa esta visão, vemos também reinar em nós uma
força de artista. Mesmo na natureza se encontram mecanismos contrários
Sob essa perspectiva, a arte aparece como uma forma de conhecimento superior ao
intelecto. A vida mediada pela arte e pelo impulso artístico produz culturas fortes, se-
gundo o filósofo, pois, apenas pela arte, seria possível contemplarmos a imprecisão e
indeterminação da vida humana, aspectos que o conhecimento racional, científico e
lógico não seriam capazes de apreender.
A aptidão para a arte e o processo criativo são inatos ao ser humano. O que muda é a
coragem e disponibilidade para nos entregarmos a isso. Esse é um dos argumentos que a
SAIBA MAIS
filósofa e psicanalista Viviane Mosé debate com o ator e diretor Enrique Diaz e com o artis-
ta plástico Marcos Chaves, no programa Café Filosófico, exibido em 30 de maio de 2010.
A filósofa Viviane Mosé (2010, [n. p.]) diz que “viver é um gesto artístico”.
REFLITA
conforme o contexto: os
meios técnicos e ma-
teriais disponíveis, as
formas e modos de re-
Fonte: 123RF.
presentação e as ques-
tões sociais, políticas,
econômicas colocadas
em cada época.
A produção e os espaços de fruição e contemplação artística mudam
conforme os contextos sociais.
A manifestação pela arte é uma das formas de que o ser humano dispõe para com-
preender sua relação com o mundo. Por isso, ela nunca é individual, mas sim dialoga
com o coletivo, com as necessidades e anseios de cada meio social. A arte é tão mais
fundamental quanto mais corresponde a uma representação social.
Leia o artigo Ensaio sobre o ‘gosto’ em Theodor Adorno e Pierre Bourdieu, escrito por
Tássio R. P. de Farias e Jean H. Costa. No texto, os autores apontam a construção
SAIBA MAIS
Espetáculo de fogos de artifício pode ser considerado arte? Para o artista chinês Cai
Guo-Qiang, sim. Seu trabalho consiste em criar diferentes espetáculos com fogos de
DICA
artifício. Confira o trabalho do artista, suas tentativas e erros até que a obra fique
pronta e os desafios em produzir artisticamente sob o governo repressivo do sistema
político chinês no documentário Escada para o Céu, disponível na Netflix.
Desse modo, a função social da arte e do fazer artístico possuem diferentes finalidades:
moral e ética, política, religiosa, econômica, social, estética. Mas, apesar das inter-rela-
ções que a arte possui com todos esses campos, ela possui uma finalidade intrínseca,
a saber, um espaço particular, original e único pelo qual o ser enxerga e interpreta o
mundo se adaptando a ele, mas também o transformando. O artista e a arte são, assim,
intérpretes do momento histórico em que vivem. Nas palavras de Fischer (1987, p. 51):
“[...] o artista continua sendo o porta-voz da sociedade”.
Por ser esse o espaço específico e original Figura 05. Desalinho, Acácia Azevedo (2021)
da relação do ser com o seu meio social, com
o seu tempo, como lugar da expressão hu-
mana, o elemento essencial do fazer artístico
é a liberdade. Por isso, a arte não tem, por
princípio, limites. Antes de tudo, a arte é o
espaço da experimentação, do olhar original
sobre as vivências humanas. O artista ocu-
pa, assim, um lugar específico no conjunto
das relações sociais, uma vez que o fazer
artístico não está submetido aos limites mo-
rais, políticos e/ou econômicos.
O que é arte? Será que a arte pode ser problematizada política e moralmente? Ouça
o podcast preparado para você e reflita sobre diferentes elementos, a partir de ocor-
REFLITA
rências contemporâneas.
Acesse: https://drive.google.com/file/d/1CiL9wTVwwntoWMBJsqettaHA5il9QXkR/view
Link
Veja, no vídeo a seguir, um curto depoimento do escrito Mario Vargas Llosa sobre a
necessidade da arte. Atente-se à relação entre arte e liberdade pensada pelo escritor
DICA
e seus impactos no meio social. Ative a legenda do seu vídeo no link a seguir: https://
www.youtube.com/watch?v=tUagLka4YYU. Acesso em 16 abr. 2021. Link
CONCLUSÃO
No livro O que é arte?, Jorge Coli (1995, p. 87) menciona, em uma passagem, uma fala
creditada a Mário de Andrade, que defende que “[...] a arte não é um elemento vital, mas
um elemento da vida”. Podemos passar pela vida sem nenhum contato com o mundo
artístico; certamente, comida e proteção da integridade física são mais essenciais à
sobrevida humana. Mas, admitindo essas circunstâncias, sem a arte o ser humano con-
templaria toda a complexidade da vida humana?
O fazer artístico é um campo que, à primeira vista, parece supérfluo ou inútil, mas que
representa um espaço único, privilegiado e original da experiência humana, do desen-
volvimento das emoções e da imaginação, do conhecimento sensitivo do mundo e da
vida, da possibilidade de enxergarmos nosso cotidiano a partir de outros olhares. Por
isso entendemos, quase instintivamente, a fala da mãe de Fred, do início desta unidade,
ao perceber que o quadro pendurado deu mais vida à parede branca.
Ao mesmo tempo, apesar de sua condição de aptidão inata ao ser humano, no mundo
contemporâneo, nem todos possuem acesso ao desenvolvimento do fazer artístico ou
mesmo à contemplação e fruição da arte. Durante séculos, a arte foi confinada e enten-
dida como um espaço do privilégio, fechado nos museus ou nos grandes teatros. Mas o
que buscamos demonstrar nessa unidade é que a arte é parte da vida, do cotidiano, é
própria da nossa humanidade. Ao voltarmos nossos sentidos e educarmos nosso olhar
para a arte, podemos recuperar esse espaço do conhecimento do mundo por meio do
gesto artístico, tão próprio de todos nós.
Música ` Cinema
Homo
`
` Imaginativo ` Pintura ` Culinária
Manifestação
` Processo Criativo Fazer Artístico ` Teatro ` Etc.
` Espaço da Liberdade
Artisticus Artística `
`
Filme
Literatura
Função Arte e
` Belo ` Indústria Cultural
Estética Tecnologia