Resumo de HPAP

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Antes da época medieval

O Passado nas sociedades sem escrita: As origens da humanidade e do mundo


são míticas, e o seu conhecimento transmite-se através da tradição oral.

As origens da historiografia na Grécia: A partir do séc. V a.C. teve início a


preocupação de registar factos e recuperar acontecimentos passados através da
oralidade. Heródoto (484-425 a.C.) é o “pai da História”.

A historiografia romana: Herda os princípios gregos e introduz três tradições:


analística (elaboração de anais), monográfica (descrição detalhada de eventos) e
facionista (história reescrita por uma fação política).

Época medieval
O paradigma medieval de História: O conhecimento do Passado humano é o
contido na Bíblia:
O único conhecimento certo do passado que se acreditava existir baseava-se ao
registado na Bíblia, às histórias remanescentes da Grécia e de Roma e aos registros
históricos envolvendo tradições que remontavam à Idade das Trevas. Com esta base
desenvolveu-se uma visão cristã do passado, a qual, de certo modo, continuou a
influenciar a interpretação de dados arqueológicos até os dias de hoje. Essa visão cristã
do passado pode ser sumarizada em seis proposições

1. O Mundo é muito recente e tem uma origem divina.


Exemplo: no século XVII, a criação do Mundo foi datada, a partir da interpretação das
genealogias bíblicas, de:
3700 a.C., segundo o Papa Clemente VIII (1536-1605)
4004 a.C. (23 de outubro), segundo o arcebispo James Ussher (1581-1656)

2. A humanidade foi criada por Deus no Jardim do Paraíso, que se crê ter sido no
Próximo Oriente.
A humanidade expandiu-se a partir do Próximo Oriente, após a sua expulsão do Paraíso,
após o Dilúvio e ainda após o episódio da Torre de Babel.
Conclusão: a História tem origem no Próximo Oriente e os historiadores medievais
unem as genealogias dos reis europeus às genealogias bíblicas.
O Jardim do Paraíso era considerado o local e a origem da humanidade.
O passado remoto da humanidade tinha assim definidos:
-uma localização geográfica
-uma origem
-um modo de expansão
3. A evolução inicial da humanidade deve-se aos ensinamentos de Deus.
Adão e Eva viviam no Paraíso, e os seus descendentes tornaram-se pastores e
agricultores; o ferro começou a usar-se algumas gerações depois.
Conceito moral de degeneração: a prosperidade material acelera a decadência moral.
4. A História é finita, e os acontecimentos são determinados por Deus.
O Mundo foi criado e terminará por intervenção divida (dia do Juízo Final); não tem
sentido pensar que o progresso é intrínseco à História humana: vive-se na “idade
média”, terrena (entre a Criação e o Juízo Final).
5. Não se concebe a existência de transformações históricas.
Os tempos bíblicos eram vistos como idênticos aos medievais (os mesmos vestuários,
arquiteturas, hábitos, etc.), não se concebendo qualquer relativismo histórico ou
cultural.
As estátuas pagãs eram destruídas por se considerarem indecentes ou diabólicas
→colecionavam-se apenas relíquias tidas como sagradas e os monumentos antigos (ex.
megálitos) eram vistos como locais que encerravam tesouros.
O monumento megalítico de Stonehenge surge descrito e figurado em diversos
documentos escritos medievais, associado a lendas diversas e à corte do Rei Artur.

Os vestígios greco-latinos na Idade Média: Dois grandes momentos de


destruição de vestígios greco-latinos:
1- as invasões germânicas dos séculos VI e VII;
2- a destruição de obras de arte “pagãs” pelo Cristianismo.

Ações de adaptação de edifícios romanos para outras funções ou a sua


exploração como pedreiras

Os vestígios greco-latinos na Idade Média: Os casos de conservação


(sobretudo pelo clero romano) explicam-se devido a:

1- ambivalência cristã face à herança romana: de rejeição do paganismo mas também de


atração intelectual face à literatura e arte clássicas;

2- há diversos éditos/leis papais visando a proteção de monumentos de Roma: os papas


assumiram-se como herdeiros da cidade;

3- razões práticas de economia: o aproveitamento de edifícios preexistentes contribuiu


para a sua preservação: ex. villae transformadas em conventos.

As ações de conservação medievais não antecipam o Renascimento do século XV


porque:
1-Para os medievais, o mundo clássico é simultaneamente próximo (é imediatamente
transponível para o contexto cristão) e impenetrável (o paganismo, tendo sido
substituído pelo Cristianismo, era desconhecido).
Nota: na Idade Média vê-se o passado como igual ao presente (não se concebe a
existência de transformações históricas).
2-O distanciamento histórico dos renascentistas permite-lhes olhar os monumentos
clássicos num contexto histórico e cultural próprio, que urge recuperar
(“renascimento”).

Séculos XV-XVII
O Renascimento: Tinha como ideal a imitação do clássico (na arquitetura,
literatura, medicina...) e a secularização da cultura.
O conhecimento do Passado era obtido através dos textos greco-latinos, e da
arquitetura e arte clássicas.
A “Escola de Atenas” de Rafael (1483-1520) é um dos numerosos exemplos que
ilustram a atração pelo passado clássico.

Surge o mecenato e a proteção papal na busca e recuperação de objetos de época


clássica (elementos arquitetónicos, estatuária, epígrafes, numismática...), tendência que
prossegue em séculos subsequentes;
Em 1462, o Papa Sexto IV publica leis que proíbem a busca de antiguidades nos seus
domínios.
Cosme de Médici (1389-1464) considerado o maior mecenas do Renascimento italiano.
Ciríaco de Ancona (1391-1453) - é considerado o primeiro arqueólogo.
Era mercador, viajante (Itália, Grécia e Oriente) e colecionador. Teve como patronos o
Papa, a família Medicie o Visconde de Milão. Dedicou-se ao estudo e compilação de
epígrafes e produziu uma obra extensa de que, no entanto, se conhecem apenas
apontamentos.
Séculos XVIII-XIX
Herculano e Pompeia
As primeiras escavações começam em 1738, por Rocque Joaquin de Alcubierre (1702-
1780) sob o patrocínio do rei das Duas Sicílias.
A publicação destes estudos teve consequências para o Neoclassicismo europeu através
da replicação de motivos de Herculano e Pompeia na mobília e pinturas do século
XVIII.

O nascimento da História da Arte: A obra de J. Wincklemann (1764) define a


evolução dos estilos arquitetónicos greco-romanos clássicos e estabelece assim a
História da Arte como ramo autónomo dos estudos clássicos.
Surgem duas disciplinas “irmãs” da História da Arte na passagem dos séculos
XVIII para XIX: a Assiriologia e a Egiptologia.

Johann Joachim Wincklemann


Sistematiza os estilos arquitetónicos greco-romanos numa das suas obras
Teve um papel decisivo no surgimento do estilo neoclássico na Europa e na definição
do conceito de “estilo”.
Assiriologia
Nasce com a decifração de escritas cuneiformes: a descoberta da “Pedra de Behistun”,
redigida em persa, elamitae assírio-babilónico, traduzida por Sir Henry Rawlinson
(1849), que relata os feitos militares do rei persa Dário, o Grande.
Egiptologia
Nasce da campanha de Napoleão no Egito e da descoberta da “Pedra de Rosetta”: o
decreto de culto de Ptolomeu V (196 a.C.) redigido em grego, demótico e egípcio. Foi
traduzida por Jean-François Champollion (1831). A “Batalha das Pirâmides” em
1798
A campanha egípcia de Napoleão, entre 1798 e 1801, foi também uma expedição
científica: incluía 167 “sábios” (artistas, botânicos, naturalistas, químicos,
engenheiros...)
A “Pedra de Rosetta” encontra-se hoje no Museu britânico porque foi capturada, com
outro espólio, pelos ingleses durante a guerra.

O Antiquarismo
Definição: nasce no Renascimento, aquando da busca de objetos para ilustrar os
textos clássicos, mas teve um salto importante a partir do século XVII através da
constituição de “sociedades antiquárias” (França e Inglaterra) para aferir as
interpretações contidas nos documentos escritos: “Antiquarismo científico”
No século XIX, a descoberta de monumentos diversos e de epígrafes em egípcio
e escritas cuneiformes fazem a História recuar três mil anos: as hoje chamadas
“civilizações pré-clássicas” são trazidas para a História; ... mas emerge um cunho
pejorativo associado ao termo
Austen Henry Layard
Era viajante, arqueólogo, historiador, político e diplomata inglês.
Escavou Nimrude Nínive, tendo publicado uma vasta obra sobre monumentos
assírios.
William Stukeley
Clérigo anglicano, foi um antiquarista e o primeiro a fazer investigações
“arqueológicas” nos monumentos megalíticos de Stonehengee Avebury, incluindo
topografias detalhadas.
Giovanni Battista Belzonni
Era engenheiro hidráulico, mas viveu de expedientes (barbeiro, artista circense) até ter
sido contratado para um projeto de irrigação no Nilo, onde se tornou um aventureiro,
explorador e caçador de tesouros.
Notabilizou-se pelo transporte da estátua de Ramsés II, de 17 t, de Tebas para
Londres, e pelo saque de outros monumentos.

Os Descobrimentos Europeus: Os descobrimentos europeus dos séculos XV e


XVI revelaram povos noutros continentes que não conheciam a agricultura ou a
metalurgia.

concluiu-se que estariam afastados dos ensinamentos de Deus;


iniciou-se um debate sobre alguns princípios ideológicos medievais então
prevalecentes, tidos como inquestionáveis.

Reconhecimento de que os utensílios usados pelos povos de outros continentes se


assemelhavam a objetos encontrados na Europa e que eram comummente tidos como
sobrenaturais:

“línguas de serpentes” = pontas de seta;


“pedras de raio” = machados em pedra polida.

colocou-se a possibilidade de a Europa ter sido povoada, em tempos remotos,
por povos semelhantes aos recém-descobertos;
deduziu-se que os utensílios em pedra poderiam ser mais antigos que os
utensílios em metal.

O “Código Florentino”
Elaborado pelo freire franciscano Bernardino de Sahagún entre 1545 e 1590, sobre os
aztecas.
Compila e descreve, com ilustrações, acultura, religião, cosmologia, rituais, sociedade e
práticas económicas do povo azteca.
Há referências a objetos “primitivos” fabricados em pedra (obsidiana).

Carta a El Rei D. Manuel


Mais conhecida por “Carta de Pêro Vaz de Caminha” porque toma o nome do seu
autor, escrivão da frota.
Descreve a expedição de Pedro Álvares Cabral e a descoberta do Brasil.
Contém descrições da fisionomia, vestes e adornos, habitações e alguns costumes dos
nativos.
Chegada de Pedro Álvares Cabral a Porto Seguro em 1500 e o contacto com os
indígenas

O Iluminismo e o evolucionismo setecentista: O progresso tecnológico e


científico dos séculos XVI-XVII e o Iluminismo no século XVIII afirmaram que a
cultura clássica não era superior à da era moderna.

O Iluminismo dava maior ênfase à lógica do que à tradição popular ou erudita


→procurava reformar a sociedade usando a razão contra ideias assentes na tradição e na
fé.
Buscava o conhecimento através do método científico, isto é, o pensamento racional
parte de princípios bem definidos, usa a lógica para chegar a conclusões, e confronta-as
com os dados empíricos para as testar.
Emerge um novo entendimento das sociedades humanas: o pensamento
evolucionista.

- Princípios do evolucionismo setecentista: propõe-se a unidade psíquica da


humanidade- todas as sociedades humanas têm as mesmas capacidades e desejos de se
aperfeiçoarem;
- O progresso cultural é a característica dominante da História humana a todos os
níveis (tecnológicos, sociais, políticos, morais, religiosos), sem intervenções divinas e
passando por estádios sucessivos bem definidos;
- O progresso cultural faz parte dos planos de Deus, que orientam o desenvolvimento
humano - determinismo cultural;

- As diferenças culturais observadas nos “descobrimentos” europeus devem-se a


constrangimentos geográficos e a estádios evolutivos atrasados de algumas sociedades -
O estudo comparativo dessas sociedades conduzirá depois ao nascimento da Etnografia
enquanto disciplina científica;
- O progresso cultural é positivo pois aperfeiçoa a natureza humana, eliminando a
ignorância, a paixão e a superstição.

O Iluminismo e o reconhecimento da importância histórica do património:


Introdução da relação objeto/história, influenciada pela emergência da historiografia
moderna: o objeto como fonte de conhecimento histórico. Papel influenciador da obra
de E. Gibbon, que introduz a análise interpretativa da História, e não apenas o relato
(real ou forjado) de factos e personagens históricas, como vinha sendo feito desde o
Renascimento.

Edward Gibbon
Historiador e membro do parlamento britânico. Defendeu a ideia de que a queda
do império romano se deveu ao Cristianismo, o que resultou na proibição da sua obra
em diversos países.

Principais desenvolvimentos durante o Iluminismo:


Os antiquaristas institucionalizam-se através da criação de sociedades, realização de
exposições, edição de catálogos e outras publicações - assunção do valor histórico das
antiguidades.
O entendimento das coleções enquanto obras de arte leva à criação de museus de arte
para a sua divulgação - assunção do valor artístico das antiguidades.
Os monumentos são despojados de elementos arquitetónicos que vão incorporar
coleções privadas e públicas e popularizam-se pinturas e gravuras de monumentos
figurados em ruína integrados em paisagens rurais ou urbanas (as “vedute”) - não há
preocupação de conservação in situ.

As vedute
Nas artes plásticas chama-se vedute (singular: veduta; do italiano “vista”) a gravura,
pintura ou desenho rico em detalhes que apresenta a perspetiva de uma paisagem urbana
ou rural, por vezes centrada num edifício.
As verdute têm também propósitos científicos, dados os detalhes minuciosos e o
enquadramento do edifício figurado.

O papel da revolução francesa, 1789-1799: O confisco dos bens do clero teve


propósitos económicos mas implicou a sua conservação para manter o seu valor
financeiro: legislação para instauração compulsiva do restauro a conservação física
substitui a conservação através da publicação de iconografias;
os edifícios modernos e contemporâneos são considerados conjuntamente com
os edifícios greco-romanos para efeitos de proteção e conservação;
surgiu a necessidade de: 1) inventariar monumentos, 2) classificar as suas
diferentes categorias (distinguem-se pela primeira vez “bens móveis” e “bens imóveis”),
3) avaliar o seu estado de conservação, e 4) estabelecer medidas para a sua proteção
(encerramento de edifícios, armazenamento de peças em depósitos e museus).

O desenvolvimento da cronologia relativa: Papel decisivo da “escola


escandinava”: é criada em 1807 a “Real Comissão para a Preservação das
Antiguidades” da Dinamarca, dirigida por R. Nyerup, e há importantes contribuições de
diversos investigadores escandinavos (S. Nilsson, J. Worsaae) ao longo de todo o século
XIX;
a enorme coleção de artefactos recolhidos na Dinamarca (a maior da Europa à
época) levou à necessidade da sua catalogação e exibição pública.

Em 1816, C.J. Thomsen é convidado para essa tarefa - Christian Jürgensen
Thomsen (1788-1865)

O “sistema das três idades” - recorre à evidência disponível na época: a Bíblia,


os autores clássicos e sobretudo os pressupostos evolucionistas do Iluminismo;
propõe a análise contextual dos objetos (associações) e sua seriação (forma,
técnica, estilo): noção herdada de Wincklemann;
propõe um esquema evolutivo em três idades (onde integra também objetos em
vidro, madeira e ouro): 1) pedra; 2) bronze; 3) ferro.

Consequências do “sistema das três idades” - reforça a importância das teorias


evolucionistas;
é aplicável no estudo da Pré-História: torna possível estabelecer periodizações
sem recurso a documentos escritos e a inserção de objetos isolados num esquema pré-
definido (por analogia tecnológica e morfológica);
promove: 1) estudos de modos de vida de populações antigas (com base na
Etnografia); 2) reconstrução de objetos arqueológicos e 3) colaboração com biólogos e
geólogos para a reconstituição de paleoambientes;

porém, a cronologia bíblica não é colocada em causa.

Contribuições:
Sven Nilsson (1787-1883)
Pré-historiador sueco, tem como formação de base a Zoologia; sente-se atraído
pela investigação de campo.

-introdução da perspetiva etnográfica na arqueologia e a análise da evolução das


sociedades com base na sua economia de subsistência;
-escreve “Os Primitivos Habitantes da Escandinávia” (1836-1843), em que
define quatro estádios económicos: 1) caça e pesca; 2) pastoralismo; 3) agricultura;
4) civilização.

Jens Worsaae (1821-1885)


É o segundo diretor do Museu Nacional da Dinamarca (1865-1874), sucedendo a
Nyerup, é professor de arqueologia em Copenhaga, e o primeiro arqueólogo de Pré-
História.

-realiza vários trabalhos de campo: faz escavações seguindo a estratigrafia, buscando


apoio às teorias de Thomsen sobre a evolução cultural;
-a divulgação dos seus métodos e conclusões é feita na obra “As Antiguidades da
Dinamarca”, de 1843;
-advoga a interdisciplinaridade no estudo de concheiros dinamarqueses: arqueologia,
geologia e biologia.

O reconhecimento da antiguidade humana: Tem início em Inglaterra e França


porque aí existem os contextos geológicos preferenciais para o seu estudo: depósitos
glaciares e grutas;
achados anteriores não haviam sido reconhecidos como sendo de épocas muito
remotas:
Londres, 1690: achado de bifaces e de ossos de mamute interpretados por John
Bagford (antiquarista) como um elefante trazido pelo imperador romano Cláudio que
teria sido morto pela lança de um bretão em 43 a.C.;
grutas no Jura alemão, 1771: Johann Esper descobre ossos humanos e de urso
das cavernas, mas a sua antiguidade não é aceite.

Meados do século XIX: o reconhecimento definitivo da antiguidade do


Homem:
em 1830-33, C. Lyell define os processos geológicos de formação do planeta;
em 1858, C. Darwin publica a “teoria da evolução das espécies”;
em 1847, J. Boucher de Perthes encontra bifaces associados a restos de animais
extintos no Vale do Somme.

Charles Lyell (1797-1875)


Advogado britânico que desenvolveu diversos estudos de geologia. Era amigo
próximo de Darwin, influenciando as suas ideias.

Em “Principles of Geology” (1830-33) estabelece os princípios da Estratigrafia e


defende que os processos que determinam a geologia terrestre têm sido sempre os
mesmos (“atualismo”) e que estes se desenvolvem lentamente.

Catastrofismo

Uniformismo

Charles Darwin (1809-1882)


Naturalista e geólogo britânico

Cria a “teoria da evolução das espécies”, a qual pressupõe que a evolução biológica da
humanidade ocorreu a partir de um primata remoto.

Jacques Boucher de Perthes (1788-1868)


Arqueólogo e antiquarista francês, alfandegário de profissão, que se notabilizou em
1830 pela descoberta de artefactos associados a ossos de rinoceronte e elefante no Vale
do Somme.

A partir de 1837, estuda restos de animais extintos e artefactos líticos


em associação nos mesmos estratos dos terraços fluviais de Abbeville (no vale do rio
Somme) e conclui pela elevada antiguidade de ambos (propõe mais de 4000 anos).

O nascimento da arqueologia pré-histórica - O esquema das três idades


promoveu o estudo do Passado remoto por todo o continente europeu;
em 1865, J. Lubbock cria os termos “Paleolítico” e “Neolítico” para subdividir a
“idade da pedra” em termos de evolução tecnológica;
E. Lartet subdivide o Paleolítico em função das espécies animais predominantes
em cada fase;
em 1869, G. Mortillet usa fósseis-diretores e estratigrafias para estabelecer a
sequência paleolítica, com base em sítios epónimos (não nas espécies animais).

John Lubbock (1834-1913)


Banqueiro britânico que se interessou pela teoria da evolução (no campo da biologia) e
pelos estudos pré-históricos.

Em “Prehistoric Times” (1865) estabelece a divisão fundamental entre o Paleolítico e o


Neolítico dentro da Pré-História, recorrendo a analogias etnográficas com o que chama
“selvagens modernos”.

Édouard Lartet (1801-1871)


Paleontólogo francês que leva a cabo escavações, sobretudo na região calcária da
Dordonha, onde descobre peças de arte móvel e o “Homem de Cro-Magnon”.

Propõe uma classificação dos períodos com base paleontológica:


1)idade do mamute ou rinoceronte lanudo
2)idade do urso das cavernas
3)idade do auroque ou bisonte
4)idade da rena

Gabriel Mortillet (1821-1898)


Arqueólogo e antropólogo francês e professor de Pré-História Antropológica.
Em “Essai d'une classification des cavernes et des stations sous abri, fondée sur les
produits de l'industrie humaine” (1869) alicerçou a moderna arqueologia paleolítica:
1- procurou identificar fósseis-diretores (como na Paleontologia);
2-alicerçou as suas propostas de divisão do Paleolítico em estratigrafias (como na
Geologia);
3-usou sítios arqueológicos como epónimos das divisões internas do Paleolítico (como
na Geologia): Acheulense, Moustierense, Aurinhacense, Gravettense, Solutrense,
Magdalenense.

O nascimento da arqueologia pré-histórica: síntese- A Arqueologia do


Paleolítico estabeleceu-se no século XIX assente nas seguintes teses:

A humanidade evoluiu de forma gradual ... [como se defendia no Iluminismo]


a partir de uma fase primitiva... [como proposto pela teoria darwinista]
Também no continente europeu... [como demonstrado com os descobrimentos]
e remonta a um momento muito recuado. [negando-se as propostas bíblicas]

As origens da arqueologia histórico-cultural e do difusionismo (versus


evolucionismo): Afirmação das nacionalidades europeias nos finais do século XIX
→unidade nacional (um povo partilhando a mesma história e herança biológica):
interesse pela etnicidade.
Problemas socioeconómicos da revolução industrial (crises financeiras, protestos
laborais) →negação de ideais iluministas: surge o relativismo cultural e
particularismo histórico.
Consequências: negação do evolucionismo e progresso culturais → crescem os
ideais de raça e de diferença biológica;
as grandes inovações culturais não são múltiplas e independentes → são eventos
singulares e propagam-se por difusão de ideias ou migração de populações.

Oscar Montelius (1843-1921)


Arqueólogo sueco que se dedicou ao estudo geral da Pré-História europeia,
recorrendo à seriação dos objetos e sua comparação com registos escritos ou arte
rupestre.

A obra de O. Montelius é a primeira abordagem global à Europa pré-histórica.

-Aplica o método da seriação: inventaria tipos de objetos (datação relativa) e


correlaciona-os com elementos de cronologia absoluta (hieróglifos egípcios);

- Recusa a ideia de contemporaneidade estrita entre os vários estágios de


desenvolvimento da Pré-História europeia;

- Funde “evolucionismo” com “difusão” + “migração”: a evolução cultural teve lugar


no Próximo Oriente e daí difundiu-se para a Europa →uso da expressão bíblica “Ex
oriente lux”.
Gustaf Kossinna (1858-1931)
É professor de Arqueologia Germânica em Berlim. Partilha do sentido nacionalista e
étnico da unificação alemã oitocentista e interessa-se pela origem dos povos indo-
europeus.

O pensamento de Kossinna: herdeiro da “escola escandinava”, usa a


tipologia/seriação para organizar e interpretar o Passado;
tem como objetivo a glorificação dos alemães e a menorização dos demais povos
através do estudo das suas origens pré-históricas;
a sua arqueologia é racial e política, e vai suportar ideologicamente o III Reich
(Kossinna apoiará o Partido Nazi);
propõe a equação arqueológica: cultura = etnia = língua = raça.

Princípios teóricos de Kossinna: Interpretação étnica das culturas


arqueológicas: as populações europeias são entendidas como “mosaicos” ou
“agrupamentos” de culturas
a distribuição espácio-temporal dos vários tipos de artefactos, que são
característicos de etnias individualizáveis, revela as suas origens e migrações;
as características rácicas são determinantes do tipo de comportamento humano.

propõe a diferenciação cultural entre populações “criativas” e “passivas”

Consequências dos princípios teóricos de Kossinna: As culturas mais


avançadas são superiores biologicamente e expandem-se através de migrações
populacionais (não através da difusão de ideias);
as ruturas observadas nas sequências de culturas materiais devem ser vistas
como o resultado de processos migratórios;
há uma substituição da abordagem evolucionista (de processos lineares comuns)
para a abordagem histórica (de processos particulares).

Vere Gordon Childe (1893-1957)


Arqueólogo australiano que tem a sua vida académica (Edimburgo e Londres) e
investigação centradas na Europa. É autor de numerosas obras que marcam a
arqueologia de meados do século XX em diante.

A teorização de Gordon Childe: Recorre ao conceito de “cultura arqueológica”


para o estudo das sociedades pré-históricas europeias;
defende que as transformações culturais se devem a fatores externos às
sociedades (processos migratórios ou de difusão).

O conceito de “cultura arqueológica” em Childe: Define-o em 1925 como


sendo “determinados tipos de vestígios (recipientes, armas, ornamentos, rituais
funerários, tipos arquitetónicos) que aparecem constantemente e de maneira
recorrente” →utiliza fósseis-diretores para identificar as culturas pré-históricas.

O reconhecimento das culturas pré-históricas assenta no estabelecimento empírico:


-da sua expressão espacial (através da dispersão geográfica dos vestígios)
e
-da sua duração temporal (medida através das sequências estratigráficas)

Resulta na elaboração de mapas e tabelas complexas onde se esquematizam as
transformações e sucessões das diversas culturas no tempo e no espaço.

Tal como pensava Montelius, a mudança cultural dever-se-á unicamente a processos de


difusão ou de migração: as inovações tecnológicas tiveram lugar no Próximo Oriente e
difundiram-se para a Europa → difusionismo e migracionismo;
-Há uma perspetiva funcionalista da cultura material: esta reflete a identidade cultural
de quem a possui e permite a identificação de grupos étnicos específicos → trata-se de
um conceito politético (ocorrência simultânea de um elevado conjunto de características
culturais).

Consequências dos princípios teóricos de Childe: O objetivo da arqueologia era


a identificação de grupos humanos extintos por meio das suas culturas arqueológicas,
definindo a sua origem, movimentos e interação;
-a perspetiva é histórico-cultural (dimensão histórica da arqueologia e da
cultura);
-as sínteses tendem a ser descritivas: descrevem-se as fases e áreas culturais,
pois a explicação das mudanças é de base evolucionista e migracionista;
-a Pré-História via-se como uma crónica de acontecimentos, não muito
diferente da história factual tradicional.

A arqueologia processual
Origens
Contexto económico-social dos E.U.A. no pós-guerra e o desenvolvimento
tecnológico como chave para o progresso humano (anos de 1950-60);
neoevolucionismo na Antropologia norte-americana (anos de 1950-60):as
sociedades humanas transformam-se, não por ação humana (como se cria no século
XIX), mas antes por determinismo ecológico (Julian Steward), tecnológico (Leslie
White), demográfico e económico;
elaboração de sequências de desenvolvimento cultural unilinear (M.D. Sahlins e
E.R. Service): Bando-Tribo-Chefatura-Estado.

A “teoria geral dos sistemas” e o conceito de ecossistema enquanto modelos


para o entendimento do comportamento humano: as culturas são sistemas compostos
por partes interativas (subsistemas) com dinamismo próprio, cujas leis de
funcionamento poderão ser identificadas;
as culturas são meios de adaptação e tendem para o equilíbrio (ou homeostasia);
as culturas sofrem alterações devido a fatores externos, como por exemplo o
meio ambiente (noção de adaptação) ou a ação de culturas vizinhas (noção de
competição).

Fundamentos teóricos
Refutação de aspetos teóricos da arqueologia histórico-cultural: nova noção de
cultura: as culturas arqueológicas não são a soma dos seus artefactos distintivos, são
sistemas adaptativos integrados interagindo entre si, com o meio ambiente e com
processos internos de transformação;
recusa da difusão e da migração enquanto fatores de transformação cultural;
rejeição da visão normativa da cultura tal como definida pela arqueologia
histórico-cultural (isto é, a cultura enquanto conjunto de ideias mantidas por um
coletivo e transmitidas de geração em geração).

As culturas são sistemas adaptativos compostos por três principais subsistemas,


refletidos nos artefactos (L. Binford): Tecnologia- “artefactos tecnómicos” (ex.:
machados, lareiras...).
Organização social- “artefactos sóciotécnicos” (ex.: coroa de um rei...).
Ideologia- “artefactos ideotécnicos” (ex.: figuras de divindades, símbolos
clânicos...).

-O comportamento humano tem regularidades →negação do particularismo


histórico e busca de explicações (não apenas descrever) e generalizações (rejeição dos
particularismos).

Proposta da middle-range theory (L. Binford): estudos de controlo das relações entre as
propriedades estáticas dos materiais do passado e das propriedades dinâmicas das
sociedades do presente→importância da observação etnográfica para inferir
comportamentos a partir dos dados arqueológicos (raciocínio dedutivo).

Desenvolvimento da noção de processos de formação dos sítios arqueológicos
(L. Binford, M. Schiffer): reconhecimento dos fatores envolvidos e do seu
encadeamento: Necessidade de investigações etnoarqueológicas.
Desenvolvimento da “arqueologia experimental”

Novos objetivos no estudo da arqueologia Principal questão transversal aos


diversos projetos: o estudo dos processos de intensificação económica e
complexificação social como resposta adaptativa.
Exemplo 1: O Mesolítico europeu dispunha de todas as bases ecológicas e
tecnológicas para o surgimento autónomo da agricultura e pastorícia
as novas condições bioclimáticas do continente europeu no Holoceno
multiplicaram os recursos alimentares disponíveis;
as populações desenvolveram novas tecnologias (sobretudo utensilagens
compósitas) que permitiram a exploração de um leque maior de recursos e, por fim, a
domesticação de plantas e animais autóctones.

Exemplo 2: A emergência da agricultura e da pastorícia no Próximo Oriente entendida


em função de fatores ecológico-demográficos:
hipótese da zona nuclear: ocorrência de desenvolvimentos tecnológicos na zona onde
existem as plantas e animais selvagens potencialmente domesticáveis;
hipótese da pressão demográfica: o aumento populacional no final do Pleistoceno
conduz a processos de domesticação;
hipótese da zona marginal: a ocupação de regiões ambientalmente marginais ocorreu
através da introdução de plantas e animais exógenos (logo, em estado domesticado).

Exemplo 3: O megalitismo europeu foi resultado da complexificação social e


económica do Neolítico, e não um fenómeno derivado do Mar Egeu por difusão ou
migração

a “revolução do radiocarbono” (década de 1960) fez recuar as cronologias até
então supostas para os diversos eventos pré-históricos;
a aplicação da datação por radiocarbono reduziu a importância da seriação e do
comparativismo tipológico na determinação de cronologias.

Lewis R. Binford
Arqueólogo e antropólogo norte-americano que produziu inúmeros estudos marcantes
para a definição teórica da arqueologia processual.
Principais autores processualistas:
Defende que, recorrendo à middlerange theory, se pode estudar as sociedades do
passado (arqueologia) como as do presente (antropologia) →uso de método científico
para a realização da antropologia do passado;

o registo arqueológico deve ser uma base de dados para a reconstrução do


comportamento humano e não apenas um registo das mudanças na cultura material;
-a arqueologia tem uma vantagem sobre a antropologia: o estudo do passado permite
observar a evolução das adaptações e evolução humanas no tempo longo;
-os arqueólogos devem providenciar explicações sobre o comportamento humano (que
devem ser suportadas pelo registo arqueológico e não através de especulação) e
ultrapassar as descrições da arqueologia histórico-cultural;

a middle range theory: parte do estudo etnoarqueológico dos nunamiut


(caçadores-recolectores do Alasca) para abordar as sociedades do Paleolítico europeu
→ligação entre a atualidade e o passado (atualismo) →passar do registo arqueológico
(estático) para os processos culturais (dinâmicos);
low range theory: explicação de aspetos culturais específicos (ex.: a agricultura
neolítica mediterrânea);
upper range theory: explicações (leis) gerais aplicáveis a qualquer sistema
cultural.

François Bordes
Pré-historiador e geólogo quaternarista francês que trabalhou sobretudo nos
estudos do Paleolítico, tendo desenvolvido abordagens tecnológicas para o estudo do
talhe da pedra.

“debate mustierense”: F. Bordes considerava que os cinco tipos principais de


indústrias mustierenses correspondiam a diferentes etnias neandertais- perspetiva étnica
da arqueologia histórico-cultural;

L. Binford contrapõe que se trata de especializações funcionais para responder a


necessidades concretas - perspetiva funcional / sistémica da arqueologia processual.

David L. Clarke
Arqueólogo britânico que desenvolveu e aplicou perspetivas processualistas no
estudo de fenómenos da Pré-História europeia (Mesolítico, Campaniforme, etc.).

Demonstrou a importância da “teoria dos sistemas” para o entendimento das


sociedades humanas (logo, o papel da geografia e ecologia nesse processo);

- introduziu o uso de parâmetros quantitativos (matemáticos) para a apreciação


de aspetos do comportamento humano →buscava a implementação de um “método
científico”.

Colin Renfrew
Arqueólogo, conservador e paleolinguista inglês que desenvolveu teorias
processualistas no âmbito das origens do megalitismo e das línguas indo-europeias.

Entre outros tópicos de investigação: Expôs em 1973 a “revolução do


radiocarbono” enquanto fator que permitiu romper com o paradigma do exoriente
luxcomo chave explicativa das transformações culturais na Europa pré-histórica
(designadamente no megalitismo).
Tentou correlacionar a origem das línguas indo-europeias com o processo de
expansão do Neolítico próximo-oriental (Anatólia, c. 7000 a.C.), e não com a expansão
kurgana partir do Cáucaso e das estepes pônticas em c. 4000 a.C.

Michael B. Schiffer
Arqueólogo americano que desenvolveu métodos de análise dos processos de formação
do registo arqueológico
No estudo dos processos de formação dos sítios arqueológicos (ou a transformação de
“contextos sistémicos” em “contextos arqueológicos”) definiu a combinação de: fatores
naturais (movimentos dos sedimentos, ação dos animais, efeito do vento e da água,
etc.)
fatores culturais (pisoteamento, limpeza dos espaços, abertura de estruturas
negativas, etc.)

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