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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO
1.1. Conceito de Direito Internacional Privado (DIP)
1.2. Objecto e Função do DIP
1.3. Âmbito do DIP
1.4. Fundamento e Natureza DIP
1.5. Fontes do DIP
1.6. DIP e Domínios Afins

PREÂMBULO
A divisão da humanidade em Estados independentes com leis próprias e as causas que
determinaram e, progressivamente, multiplicaram as relações internacionais,
produziram, naturalmente, o aparecimento de regras de direito disciplinadoras dessas
relações, quer a vida internacional fosse provocada pelos interesses gerais dos povos,
quer a fosse pelos interesses particulares dos indivíduos que os constituem.
E assim se formou o Direito Internacional nas suas duas manifestações de – Direito
Internacional Público, ou o regime jurídico das relações dos Estados no que respeita aos
seus interesses gerais de colectividades nacionais, e de – Direito Internacional Privado,
ou o regime jurídico das relações internacionais que respeitam aos interesses dos
indivíduos considerados como simples particulares, o qual vai constituir objecto do
nosso estudo durante o presente semestre.
Assim sendo, sempre que ocorrer que determinadas relações jurídicas estejam
vinculadas a mais de um sistema de direito, seja por envolverem partes naturais ou
domiciliadas em diferentes Estados, seja porque as obrigações são cumpridas em
lugares diferentes dos da celebração dos negócios, ou do domicílio das partes, caímos
no âmbito do Direito Internacional Privado. Este é o caso, por exemplo:
(a) do download de uma música de um site localizado na Índia para um computador em
Portugal;
(b) a compra de gás natural na Bolívia para entrega no Brasil;
(c) a venda de crude e sua exportação por produtor angolano para compradores
chineses;
(d) os investimentos realizados por angolanos no exterior e a possibilidade de bloqueio
e repatriação deles pelas autoridades angolanas; e
(e) o casamento entre um(a) angolano(a) e um(a) português(a) realizado na França.
1.1. CONCEITO DE DIP
• O Direito Internacional Privado (DIP) é a disciplina jurídica que regula as
situações da vida privada internacional;
• O Direito Internacional Privado (DIP) é o ramo da ciência jurídica onde se
definem os princípios, se formulam os critérios, se estabelecem as normas a que
deve obedecer a busca de soluções adequadas para os conflitos emergentes de
relações jurídico-privadas internacionais.
• Nas palavras de FERRER CORREIA, o DIP é o ramo da ciência jurídica onde se
procuram formular os princípios e regras conducentes à determinação da lei ou
das leis aplicáveis às questões emergentes das relações jurídico-privadas de
carácter internacional e, bem assim, assegurar o reconhecimento no Estado do
fórum das situações jurídicas puramente internas de questões situadas na órbita
de um único sistema de Direito estrangeiro (situações internacionais de conexão
única, situações relativamente internacionais).
Segundo o mesmo autor, incluímos no âmbito do DIP três ordens de questões:
• conflitos de leis;
O Direito Internacional Privado não estabelece a norma de direito material
aplicável ao caso concreto (se A tem direito de cobrar de B indemnização pelos prejuízos
decorrentes de um acidente de carro). Limita-se a definir em que ordenamento jurídico
o aplicador da lei deverá buscar as normas materiais incidentes no caso concreto (ex. a
disputa entre A e B deve ser resolvida de acordo com as leis da Suíça), quando a relação
jurídica abranger mais de um ordenamento. É o que se chama de conflito de leis.
• duas questões de direito processual civil internacional, nomeadamente,
competência internacional;
Também cabe ao Direito Internacional Privado definir que tribunal – de que
sistema jurídico – deverá decidir as questões relativas a determinada relação jurídica
multi-conectada, aplicando a lei material incidente no caso. É o que se chama de conflito
de jurisdição.
e,
reconhecimento de sentenças estrangeiras.
O DIP não se confina ao estudo do Direito aplicável a uma dada questão material
controvertida, preocupando-se também com os problemas relativos à eficácia e aos
efeitos das decisões emanadas, quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais arbitrais.

O processo mais geral de solução dos problemas de Direito Internacional Privado é o


método próprio do Direito de Conflitos. As disposições do Direito de Conflitos são
constituídas por regras de carácter formal, regras de “remissão” ou “de
reconhecimento”, e não por regras de regulamentação material. A melhor maneira de
solucionar casos de Direito Internacional Privado seria o método de regulamentação
conflitual, através do qual procura-se encontrar a regulamentação para a questão
privada internacional, ou seja, saber qual o ordenamento jurídico material com a qual
ou quais esta mesma questão é conexa para dela se extraírem as normas aplicáveis ao
caso concreto – normas de conflito.
Assim, a aplicação das regras de Direito Internacional Privado pode levar à conclusão de
que uma disputa existente entre um sul-africano e um angolano, relativa aos danos
sofridos por este, em decorrência da aquisição de vinhos na África do Sul, seja decidida
pelos tribunais angolanos, aplicando a lei sul-africana.
Em geral, cada sistema jurídico contém um conjunto de regras de Direito Internacional
Privado que define estas questões. Diz-se, em doutrina, que o Direito Internacional
Privado constitui um “direito do direito” ou sobre-direito.

1.2. OBJECTO E FUNÇÃO DO DIP


1.2.1. Objecto
O Direito Internacional Privado tem como objecto as relações privadas com elementos
de conexão internacional;
O Direito Internacional Privado tem por objecto todas as situações da vida privada
internacional, todos os factos susceptíveis de relevância jurídico-privada que
contactam com mais de um sistema jurídico, por ocorrerem no âmbito de eficácia de
diferentes leis;
O Direito Internacional Privado resolve conflitos de leis no espaço referentes ao Direito
Privado; indica qual Direito, dentre aqueles que tenham conexão com a lide sub judice,
deverá ser aplicado;
O objecto da disciplina é internacional, isto é, sempre se refere às relações jurídicas
com conexão que transcende as fronteiras nacionais.
1.2.2. Função
Actualmente, a Comunidade Internacional encontra-se organizada em Estados
soberanos. A cada um destes Estados corresponde um sistema jurídico próprio. Perante
a coexistência de diversos sistemas jurídicos, teremos certamente a possibilidade de
encontrar pontos de convergência, mas também pontos de divergência na solução das
mais variadas questões jurídicas.
Se atendermos à maioria dos litígios que ocorrem no território dos diversos Estados,
concluiremos certamente, que muitos deles, corresponderão a situações atinentes à
respectiva vida jurídica interna. Estas situações não colocam dúvidas sobre qual a lei
competente para a sua resolução, dado que as relações jurídicas em causa apenas se
encontram em contacto com uma única ordem jurídica.
Todavia, os indivíduos não se movem apenas no plano interno, assistindo-se ao
fenómeno da globalização, que nos arrasta para uma maior solidariedade e
interdependência observando-se às mais variadas formas de intercâmbio.
No desenvolvimento das relações privadas que se estabelecem entre pessoas
jurídicas verifica-se a existência de pontos de contacto com leis de outros países e,
consequentemente, com outros sistemas jurídicos.
Estamos assim perante situações que se conectam com vários Estados, ou seja,
situações plurilocalizadas.
Perante as situações plurilocalizadas, impõe-se averiguar qual das ordens jurídicas em
contacto possuirá uma ligação mais forte com a situação de modo a obtermos a lei
tida por mais competente. Esta é a questão que o Direito Internacional Privado se
propõe solucionar.

1.3. ÂMBITO DO DIP


O âmbito do DIP corresponde ao conjunto de problemas que fazem parte daquilo que
designamos por seu “núcleo duro”.
Dada a ausência de unicidade dos vários sistemas jurídicos em torno desta questão,
verificamos que tanto a Doutrina alemã como a italiana confinam o âmbito do DIP ao
problema do conflito de leis. Constatamos, todavia que nestes países existem
“compêndios” dedicados também ao reconhecimento e à execução de sentenças
estrangeiras. Em suma, abrangem problemas que fazem parte do Direito Processual
Civil Internacional.
Os países Commom Law (a chamada Escola Anglo-saxónica) vão mais longe e
consideram, como fazendo parte do DIP, três questões: conflitos de leis; conflitos de
jurisdições; e reconhecimento de sentenças estrangeiras.
Não poderemos deixar de referenciar a Escola Francesa a qual considera que o objecto
desta disciplina é formado por quatro matérias: a nacionalidade; a condição dos
estrangeiros; os conflitos de leis; e os conflitos de jurisdições.

E na Lusofonia?!
O DIP como ramo das Ciências Jurídicas é constituído pelo Direito de Conflitos e pelo
Direito do Reconhecimento. Numa visão alargada ele abrangerá questões ligadas ao
Comércio Internacional, designadamente à arbitragem do Comércio Internacional,
maxime a lei aplicável ao mérito da causa, ao reconhecimento das sentenças arbitrais,
versará sobre questões relativas à competência internacional dos tribunais locais
(Direito da Competência Internacional), a nacionalidade; a condição dos estrangeiros,
e ainda outras questões consideradas acessórias destes problemas.
Quando nos referimos ao DIP como disciplina jurídica temos, prioritariamente, que
indagar quais as matérias a que este se reporta e se circunscreve.
O DIP sendo, essencialmente, um Direito de Conflitos, elegendo o sistema “legislativo”
onde devemos procurar a solução para a questão jurídica privada internacional ou,
dito de outro modo, designando a lei potencialmente aplicável à situação, com todas as
vicissitudes que esta técnica implica, assenta, sobretudo, nas chamadas regras de
conflitos.
A metodologia relativa à resolução das situações plurilocalizadas não se reduz apenas
ao método conflitual, mas elas ocupam um lugar de destaque em razão da
operacionalidade deste método quando confrontado com outras técnicas, que se
mostram muito mais fragmentadas.

1.4. FUNDAMENTO E NATUREZA DIP


1.4.1. Fundamento do DIP
Há divergências doutrinárias atinentes ao fundamento nacional ou internacional deste
ramo jurídico.
No âmbito das DOUTRINAS INTERNACIONALISTAS enquadramos todas aquelas que
defendem o fundamento do DIP como um problema super-estadual, ou seja, um
problema verificado no âmbito das relações entre Estados, que transcendem a
autonomia de cada Estado individualmente considerado. A consequência natural seria
a integração do DIP em um ordenamento próprio da Comunidade Internacional.
Ponto de vista comum a todas as doutrinas internacionalistas é que não são as
exigências da vida inter-individual, encaradas do ângulo de visualização do Estado
singular, mas antes as exigências da vida inter-estadual que constituem o fundamento
do DIP.
Entendendo que as normas estaduais do DIP também cumprem uma função
internacional, afirma-se que existem normas internacionais supra-estaduais que
distribuem a competência legislativa entre os vários Estados ou que, pelo menos,
impõem aos Estados certos limites que eles não poderiam ultrapassar sem violação do
Direito Internacional. As chamadas normas internas de DIP nada mais seriam do que a
forma por que o Estado cumpre as suas obrigações internacionais.
A estas normas não caberia outra função senão a de delimitar a esfera de aplicação do
Direito nacional e, assim, as normas internas de DIP seriam sempre exclusivamente
unilaterais.
A aplicação do Direito nacional constituiria exercício da soberania nacional; a aplicação
de um direito estrangeiro constituiria exercício de uma soberania estrangeira ― já que,
nos limites assinalados pelo Direito Internacional supra-estadual, qualquer Estado seria
detentor de uma competência absoluta, extra-territorial, universalmente válida.
Podemos concluir que as normas de Direito Internacional Privado são estaduais.
Apenas se pode considerar como normas de Direito Internacional as que vigorem nos
diferentes Estados, por força de um Tratado Internacional.
O seu fundamento está, em última instância, no princípio universal de direito segundo
o qual as normas jurídicas, enquanto visam regular os comportamentos humanos que
se desenvolvem no seio de uma sociedade... enquanto regras de conduta social... não
podem ser aplicadas a condutas que se situem fora da sua esfera de aplicabilidade
quer em razão do tempo (Princípio da Irretroactividade das Leis), quer em razão do
lugar onde se verificam... em razão do espaço (Princípio da não Transactividade das
Leis), pois, ao contrário, se frustrariam as legítimas e naturais expectativas dos
indivíduos e se ofenderiam direitos adquiridos.
1.4.2. Natureza do DIP
O DIP é Direito estadual ― «internacional pelo objecto, o DIP é Direito estadual pela
fonte». Mas a qual dos dois grandes ramos em que, segundo a concepção clássica, o
ordenamento jurídico aparece dividido (Direito público ou Direito privado) ele
pertence?
O DIP é o ramo da ciência jurídica onde se procuram formular os princípios e as regras
jurídicas conducentes à determinação da lei ou das leis (ou seja, à determinação da
disciplina jurídico-material) aplicáveis às questões emergentes das relações jurídico-
privadas de carácter internacional (relações plurilocalizadas). Esta definição logo nos faz
tender para inserir o DIP no sistema do Direito privado.
O DIP é Direito privado apesar do facto de da aplicação da norma de DIP não derivar
ainda a decisão da questão jurídico-privada, mas o certo é que tal decisão é o que, em
última rácio, buscamos quando recorremos a esta norma; por outras palavras, a norma
de conflitos não resolve por si mesma a questão de fundo, mas concorre para a
resolução desta questão. Além disso, é fundamentalmente ao serviço de interesses
relativos aos indivíduos que o DIP se encontra.
A mais, sendo essencialmente da aplicação de preceitos jurídico-privados que as regras
de conflitos decidem, se são elas que demarcam a esfera de competência dos vários
preceitos ou complexo de preceitos de que se compõem os sistemas de direito privado
existentes, parece bem que ao DIP., por ter a função de decidir da aplicação de outras
normas, deva ser atribuída, para fins de ordenação sistemática, a mesma natureza que
é própria destas últimas.
Diga-se que a problemática do DIP apresenta muito maiores afinidades e pontos de
contacto com a problemática do Direito Civil e do Direito Comercial do que com a de
qualquer ramo do Direito Público. O facto de algumas normas de DIP tutelarem
também interesses públicos não invalida a afirmação feita.
Como lembra Lima Pinheiro, o DIP é predominantemente privado, mas em
determinadas áreas há uma espécie de transição entre Direito Público e Direito Privado.
1.5. FONTES DO DIP
A abordagem das fontes do DIP refere-se ao modo de formação e revelação do direito,
enquanto conjunto sistematizado de normas com sentido e lógica próprios,
conformador e disciplinador da realidade social de um Estado.
Recordando que, e como refere Ferrer Correia, o DIP é um direito estadual pela sua
fonte.
No essencial as fontes do DIP podem ser Internacionais, Transnacionais e Internas.
1.5.1. Fontes Internacionais
Para AGO (Escola Nacionalista Italiana), o DIP seria sempre um direito interno. No
entanto, o DIP não tem necessariamente carácter nacional, nem quanto às suas fontes,
nem quanto aos órgãos de aplicação.
A fonte primordial do Direito dos Conflitos é interna, nada impedindo, no entanto, a
vigência de normas de conflitos de fonte internacional na ordem jurídica internacional
e na ordem jurídica interna, conforme o sistema de recepção adoptado.
O DIP, vigente na ordem jurídica de um Estado, pode ter fontes supra-estaduais,
merecendo destaque as Convenções Internacionais, que regularmente ratificadas
vigoram na ordem interna após publicação e enquanto vincularem directamente o
Estado angolano. Deste modo, as normas contidas em Convenções Internacionais de
que Angola é parte vigoram na esfera jurídica interna como normas internacionais. O
objectivo dessa fonte de DIP é a unificação das normas de conflitos dos Estados
contratantes. Vigoram também na ordem interna angolana as normas de conflitos de
Direito Derivado das organizações de que Angola é parte. Isso decorre do Art. 13.º
(Direito Internacional) da Constituição da República de Angola
Do exposto resulta que uma das fontes mais importante do DIP são os Tratados
Internacionais, mas a Jurisprudência Internacional é também uma das suas fontes,
quer quando formula as suas próprias normas de conflitos, quer quando se limita ao
aperfeiçoamento das normas de conflitos contidas em Tratados Internacionais.

FONTES INTERNACIONAIS do DIP vigentes na Ordem Interna


COSTUME INTERNACIONAL: coloca-se a problemática da existência de
directrizes de Direito Internacional Público geral sobre a conformação global dos
sistemas estaduais de DIP e a possibilidade de, por via consuetudinária, se
formarem normas de conflito internacionais, salientando-se que, por via de
regra, se nega o carácter internacional às normas que não se formem segundo
processos específicos da Comunidade Internacional e da delegação de
competências da Comunidade Internacional nos legisladores nacionais.
Não obstante, as correntes que se erguem em torno dessa discussão, podemos
afirmar que o Costume Internacional é fonte do DIP, operando este no plano
da ordem jurídica estadual. As normas e princípios de DIP geral vigoram na
ordem jurídica angolana como normas e princípios internacionais, de recepção
automática, o que decorre do n.º 1 do art. 13 da CRA.
TRATADO INTERNACIONAL: é um documento pelo qual um Estado ou uma OI
assume obrigações e adquire direitos perante outros no âmbito do Direito
Internacional.
Estabelecem regras concretas para a parceria em áreas específicas. Podem, por
exemplo, estabelecer a entrada de produtos de um país em outro livre de
impostos. Esses acordos criam compromisso jurídico. Podem servir também para
apontar possíveis formas de cooperação futura. Podem, por exemplo, criar
comités de reunião periódica para aprofundar o diálogo e o conhecimento
mútuo entre países, inclusive para propor acções concretas ou projectos de
novos acordos. Esses acordos criam compromisso político.
JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL: cujas soluções se dirigem em primeira linha
aos órgãos internacionais e não aos órgãos estaduais. Apenas indirectamente, e
mediante formação de costume jurisprudencial e jurisprudência internacional
pode ser fonte de Direito de Conflitos a operar na ordem interna.

FONTES TRANSNACIONAIS
Estas fontes constituem processos específicos de criação de proposições
jurídicas independentes das ordens jurídicas estaduais por um lado, e da
ordem jurídica internacional, por outro.
São fontes transnacionais o Costume Comercial Internacional e a produção
normativa de “centros autónomos”.
Os órgãos de produção dessas normas transnacionais podem ser privados, como
a Câmara de Comércio Internacional, ou internacionais, como a UNIDROIT
(Unificação do Direito Privado).
Decisiva é a natureza da norma transnacional produzida, que não é doméstica
(por exemplo, uma lei) ou internacional (um tratado), objectivando a regulação
de factos transfronteiriços. A fonte transnacional nos coloca diante da existência
de um verdadeiro pluralismo jurídico global, com normas oriundas dos Estados
e, também, de agentes privados.

FONTES INTERNAS
No âmbito das fontes internas teremos a lei, merecendo destaque a
Constituição, que não sendo fonte de normas de conflitos, não deixa de ser fonte
de DIP. Na lei ordinária a principal fonte de Direito de Conflitos é o Código Civil.
Encontramos também normas de conflitos, designadamente, no Código
Comercial, no Código de Sociedades Comerciais, no Código do Direito de Autor
e dos Direitos Conexos.
O Costume é considerado fonte importante nos países em que o DIP não está
codificado, como acontece na França, Bélgica e Holanda. Em alguns países ele foi
importante até a produção do Código Civil, passando nesses a ter um significado,
apesar de limitado, no desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema. Trata-se
acima de tudo de Costume Jurisprudencial.
A Jurisprudência é uma das fontes mais importantes, considerada até a principal
fonte interna de DIP. Na falta de norma legal ou consuetudinária os tribunais
formularão normas de conflitos, apelando a ideias orientadoras ou princípios
gerais, consolidando soluções numa jurisprudência constante.
A Ciência Jurídica, que consiste no labor doutrinal, que permite a aproximação
dos sistemas baseados em fontes não escritas, contribuindo para a codificação.
A ciência do DIP tem carácter internacional e universalista, aproximando os
vários sistemas de DIP e contribuindo para o intercâmbio que estimula a
evolução deste ramo de Direito.

1.6. DIP E DOMÍNIOS AFINS

DIP e DIREITO INTERTEMPORAL ou TRANSITÓRIO


O DIP é sobretudo um direito de conflitos – o direito de conflitos por excelência. A par
do DIP, outros sistemas conflituais existem, incluindo o Direito Intertemporal.
São manifestas as analogias entre DIP e Direito Intertemporal. Ambos pertencem à
categoria “direito sobre direito”, “normas de aplicação de normas”, “direito de segundo
grau ou secundário”.
Todavia, o DIP tem por objecto os conflitos de leis no espaço, enquanto o Direito
Intertemporal dirime os conflitos de normas jurídicas no tempo. O problema do DIP
decorre da existência (vigência) simultânea, em territórios diversos, de leis distintas; o
problema do Direito Transitório, do fenómeno da sucessão no tempo, no seio da
mesma ordem jurídica, de duas normas ou complexos normativos diferentes.
No Direito Intertemporal vigora o Princípio da Não Retroactividade, que refere que a
qualquer facto se aplica, em princípio, a lei do tempo da sua verificação. A este
corresponde, no DIP, o Princípio da Não Transactividade. O problema do DIP é um
problema de dinâmica das relações jurídicas. No caso do Direito Transitório são normas
que ao tomar o lugar doutras normas vêm interferir com situações jurídicas
preexistentes. Portanto, versaria sobre um problema de dinâmica de leis.
Existe, porém, um problema comum a estas duas realidades: o da determinação dos
limites de aplicabilidade das normas jurídicas, respectivamente, no tempo e no
espaço. Ambos os Direitos vão apurar a qual dos sistemas pertencerá a espécie jurídica
considerada. Por outro lado, denota-se também um objectivo comum, a garantia da
estabilidade e continuidade das situações jurídicas interindividuais, bem como a tutela
da confiança e expectativas dos interessados.

DIP e DIREITO PRIVADO UNIFORME


O Direito Privado Uniforme é direito material, enquanto que o DIP existe em razão da
diversidade de leis materiais. A Comunidade Internacional encontra-se dividida em
Estados soberanos, correspondendo a cada um grosso modo sistemas jurídicos distintos.
No que respeita às finalidades de cada um, o DIP visa a resolução de conflito de leis e o
Direito Privado Uniforme a supressão dos conflitos por intermédio de leis idênticas.
Como acentua VALADÃO, as finalidades de um e de outro são claramente distintas.
A unificação do direito privado é possível, em determinados sectores, nomeadamente
no Direito Mercantil – letras, livranças e cheques, dos transportes, dos seguros –, e a
grupos de países estreitamente ligados entre si por interesses económicos comuns (ex.
UE), mas incompleta noutros, em razão da não coincidência do tratamento jurídico
material de certas questões e da pouca abertura dos Estados relativamente à matérias
de estatuto pessoal. A acrescentar ainda o facto de haverem sempre numerosos
Estados fora de tal unificação.
Como por exemplo da unificação referida temos a Conferência de Genebra de 1930, da
qual saíram duas Convenções, uma lei uniforme sobre letras e livranças e outra para
resolver conflitos nesse mesmo domínio.

DIP e DIREITO COMPARADO


Os estudos de Direito Comparado são muito importantes para a uniformização do DIP.
Só o estudo sistemático dos diferentes institutos jurídicos, tal como se evidenciam e
desenvolvem nas leis dos vários Estados, permite determinar o denominador comum
entre eles. No fundo as leis dos vários Estados vêm responder a problemas prático-
sociais, sendo os fins comuns a todas as ordens jurídicas. O que difere são as respostas
de cada ordenamento jurídico às questões em causa. O Direito Comparado vai apurar
os meios técnicos que cada legislador utiliza para resolver situações semelhantes nos
diferentes ordenamentos.
Através da comparação jurídica podem solucionar-se adequadamente muitos
problemas, o que permitirá um avanço na unificação das regras de conflitos, bem como
um avanço no problema dos conflitos de sistemas DIP.
DIP e DIREITO CONSTITUCIONAL
A relação entre o DIP e o Direito Constitucional pode suscitar diversas questões. Entre
elas, destacam-se as seguintes:
1.ª São as regras de conflitos susceptíveis de entrar em colisão com os preceitos
constitucionais, e especialmente os relativos à matéria dos direitos fundamentais?
2.ª Até que ponto devem os nossos tribunais recusar aplicação a um preceito ou
complexo normativo estrangeiro, indiscutivelmente aplicável segundo as normas de DIP
da lex fori, mas que pelo seu conteúdo colida com algum dos direitos fundamentais
consagrados na Constituição angolana?
3.ª Podem os tribunais angolanos recusar-se a aplicar o direito estrangeiro competente,
com fundamento na sua inconstitucionalidade perante a Constituição do país de
origem?

1.ª R: No âmbito da resolução desta problemática (Princípios Constitucionais do Foro e


Regras de Conflitos) surgem duas correntes de opinião que nos auxiliam a solucionar a
questão.
Uma delas sustenta que o DIP se move num patamar exterior à Constituição. Assim
concebido diremos que o DIP se encontra num espaço livre de normas e princípios
constitucionais. H. Dölle refere que o DIP não tem de estender a validade de um princípio
constitucionalmente reconhecido para além do seu domínio de aplicação.
Vem dizer que o legislador apenas deveria atribuir relevância ao princípio da igualdade
no direito interno.
Posteriormente, o mesmo autor afirma que as normas de conflitos, sendo direito
nacional, deveriam atender aos princípios e normas constitucionalmente consagradas.
(No entanto, no âmbito da problemática do princípio da igualdade declarava aplicável a
lei da nacionalidade do marido ao divórcio com fundamento de que a conexão não passa
de um expediente técnico).
Em conclusão, as regras de conflitos seriam regras técnicas, neutrais, não se
encontrando ao serviço da justiça.
Tal modo de perspectivar a problemática afigura-se inconcebível, surgindo uma outra
corrente para a qual o DIP tem finalidades e princípios diferentes dos visados no plano
material. Mas tal não significa que as regras de conflito sejam valorativamente neutrais.
Estas normas estarão orientadas para realizar os objectivos do DIP.
As regras de conflitos propõem-se servir a justiça, embora formalmente, procurando
atingir a certeza e a estabilidade jurídicas. Sendo o objectivo primordial do DIP a
promoção e a garantia da estabilidade e continuidade das situações da vida jurídica
privada internacional. Grande parte das normas de DIP abstrai do conteúdo da lei a que
submete determinada situação plurilocalizada. Ñão tem por finalidade sujeitar a
situação à aplicação da melhor lei, mas da mais adequada. Adequação alcançada de
acordo com o critério espacial.
Será de admitir que as normas assim elaboradas possam colidir com princípios e normas
constitucionalmente consagradas?
A resposta será negativa, pois actualmente o DIP não se encontra impermeabilizado de
quaisquer juízos de valor. As regras de conflitos, mesmo as que se limitam a escolher a
lei, abstraindo de possíveis resultados, podem colidir com princípios fundamentais e
consequentemente serem julgados inconstitucionais. Assim, o legislador não poderá
fazer tábua rasa dos princípios constitucionais. Não se pretende com isso estabelecer
vínculos entre o DIP e o direito interno, antes impedir a negação grosseira de valores
constitucionais.

2.ª R: No que toca a segunda questão – Princípios Constitucionais do Foro e a Lei


Designada pela Regra de Conflitos – cabe notar que a nossa lei fundamental consagra
princípios com grande relevância em matéria de direito privado, como é o caso da
proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, estabelecida no artigo
35.º n.º 5 da CRA.
O legislador português em 1977, obedecendo a este imperativo terminante que na Lei
Constitucional portuguesa decorre do artigo 36.º n.º 4, alterou profundamente o regime
do Código na parte em que assentava na distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
Nessa ordem de ideias, foram ab-rogadas as regras de conflitos relativas à filiação
legítima (artigo 59.º) e à legitimação (artigo 58.º).
Mas não se pese que daqui resulta a radical impossibilidade de se dar efeito entre nós
a um direito estrangeiro que consagre ainda aquela distinção: tal não é seguramente
o caso.
Os preceitos da lei estrangeira designada pela norma de conflitos que se não coadunem
com os direitos fundamentais consagrados na legislação angolana são seguramente
inaplicáveis, porque contrários à ordem pública internacional do Estado angolano. Só
que para tanto será indispensável que no caso de espécie se encontrem realizados os
pressupostos de relevância da ordem pública. O primeiro desses pressupostos é
naturalmente o facto de se tratar de valores de máxima importância do ordenamento
do foro. Outro consiste na existência de uma conexão significativa da espécie a julgar
com aquele ordenamento. A verificação destas condições é essencial para que possa
dar-se resposta afirmativa à questão posta.
Assim, à norma da lei estrangeira designada como aplicável ao caso pela regra de
conflitos da lex fori seria dada, em princípio, aplicação, independentemente de ela
porventura colidir com um preceito constitucional sobre direitos fundamentais (como o
que proíbe que os filhos nascidos fora do casamento sejam objecto de discriminação;
como o que formula a regra da igualdade entre homem e mulher).
Esta é a solução para que nos inclinamos, mas balanceada pela forçosa intervenção da
ressalva ou cláusula geral da ordem pública internacional.

3.ª R: Aludindo sobre o último dos problemas suscitados pela relação entre o DIP e o
Direito Constitucional – Lei Estrangeira designada pela Regra de Conflitos e a sua
Conformidade com Preceitos Constitucionais do Ordenamento ad quem.
Verdadeiramente a questão é a de saber se, no momento de aplicar a lei estrangeira
competente, não deverá o juiz do foro tomar em consideração o facto de dado preceito
ou grupo de preceitos não ser válido – e por tal razão não ser aplicado – no âmbito da
lex causae, em função da relação de incompatibilidade existente entre ele e a respectiva
Constituição.
Postas as coisas nestes termos, a resposta deve situar-se no plano próprio: o dos
critérios gerais que hão-de orientar o juiz na aplicação do direito estrangeiro. Ora
estabelece o artigo 23.º do Código Civil que, na aplicação da lei estrangeira, o julgador
deve mover-se no quadro dessa lei e orientar-se pelos princípios nela fixados.
Assim, se em dado sistema estrangeiro determinado preceito não é aplicado pelos
tribunais ordinários por colidir com normas da respectiva Constituição, cabe ao juiz
angolano dar a essa circunstância o devido valor, e abstar-se identicamente de o
observar.
A resposta à questão que enunciámos será então a seguinte: não cabendo seguramente
ao julgador do foro sindicar a compatibilidade constitucional de preceitos da lei
estrangeira, incumbe-lhe aplicar a mesma lei tal como ela seria aplicada pelo juiz do
respectivo sistema jurídico.
Nestes termos, assume relevância, posto que indirecta, o facto de certa norma de lex
causae considerada inconstitucional não ter aplicação nesse sistema. Do ponto de vista
do foro, a referida relevência tem lugar, não por a norma em causa ser inconstitucional,
mas por lea não ser aplicável no sistema a que pertence.

DIP e DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO


O Direito Internacional (Público) é formado por um complexo de normas criadas pela
Comunidade Internacional, entendida como uma sociedade constituída pelos sujeitos
de Direito Internacional.
Não é possível distinguir estas duas disciplinas pelas suas fontes, dado que estas
podem ser comuns. No que toca à matéria regulada por cada uma, a diferença reside
na regulação das situações em causa. O Direito Internacional (Público) regula relações
que se estabelecem na ordem jurídica internacional entre Estados e Organizações
Internacionais, ou entre aqueles e estas. Não regula a maior parte das situações da vida
privada plurilocalizada, muito embora regule situações privadas e o DIP possa regular
situações conformadas pelo Direito Internacional (Público).
Os sujeitos destas relações têm personalidade jurídica internacional, ao contrário do
que acontece com os sujeitos das relações privadas internacionais.

CAPÍTULO II – DIREITO DOS ESTRANGEIROS


2.1. Legitimação de Direitos dos Estrangeiros (Constituição de Angola [art. 25.º] e Código
Civil Angolano [art. 14.º])
2.2. Pessoas Singulares e Colectivas Estrangeiras
2.3. A Questão da Nacionalidade e o Reconhecimento das Pessoas Colectivas

2.1. LEGITIMAÇÃO DE DIREITO DOS ESTRANGEIROS (Princípios Gerais)


É princípio de direito comum aos Estados modernos o reconhecimento de capacidade
jurídica aos estrangeiros.
Mas se os Estados reconhecem a personalidade jurídica dos estrangeiros, eles gozam
em contrapartida de liberdade muito apreciável na execução desse princípio. Nenhum
preceito internacional obriga os Estados a conceder aos estrangeiros os mesmos direitos
concede aos respectivos nacionais.
Se todo o Estado deve considerar o estrangeiro sujeito de direitos, ele é em princípio
livre de fixar como bem entenda a medida concreta da sua capacidade jurídica. E se do
conjunto geral dos sistemas jurídicos emerge, como dado fundamental, uma certa
tendência para a igualdade de direitos entre estrangeiros e nacionais, são ainda em
grande número e em grande monta as restrições que por toda a parte sofre essa ideia
de equiparação.
Essas restrições constituem justamente o conteúdo das normas do direito dos
estrangeiros. São essas normas que marcam a diferença entre a condição de nacional
e a de estrangeiro. Como supõem atrás de si uma ideia de equiparação, aliás concebida
em termos vagos, não têm elas que se incumbir da tarefa de enumerar, de modo
taxativo e concreto, os múltiplos direitos e faculdades que aos estrangeiros são
reconhecidos: o que fazem é tão somente especificar aqueles que lhes são denegados.
Trata-se, pois, de regras que criam para os estrangeiros incapacidades de gozo
relativamente a certos e determinados direitos, ou para valer em certas áreas. Não
estamos, por conseguinte, em face de normas de conflitos, mas de preceitos jurídico-
materiais. Em certo sentido, as normas do direito dos estrangeiros opõem-se até às
normas de conflitos.
Efectivamente, enquanto a estas anima um espírito universalista – o DIP coloca as
diferentes leis em pé de igualdade e busca decidir-se pela aplicação daquela que
pareça ter com o caso a conexão mais estreita –, as primeiras são normas de sentido
eminentemente nacionalista ou territorialista: uma intenção principal as impregna –
proteger determinados interesses da comunidade local, quer de política geral, quer de
política demográfica ou económica.
A aplicação das normas do direito dos estrangeiros nem sempre supõe um caso
abrangido na esfera de competência da lex fori, tal como as normas de conflitos desta
lei a delimitam. Tomemos por exemplo, as restrições à capacidade a que estão sujeitas
em todos os países certas categorias de empresas estrangeiras, quando pretendam
exercer as suas actividades e prosseguir os seus fins no território do Estado local.
Mesmo que o DIP do Estado interessado (como justamente acontece com o nosso:
Código Civil, art. 31.º, n.º 1 e 2; Lei das Sociedades Comerciais, art. 3.º, n.º 1) considere
a lei da sede da pessoa colectiva competente para lhe delimitar e reger a capacidade, é
evidente que aquelas restrições não deixarão de aplicar-se. De resto, a grande maioria
das regras do direito dos estrangeiros são de direito público.

2.2. PESSOAS SINGULARES E COLECTIVAS ESTRANGEIRAS


O princípio geral que enforma o instituto do direito dos estrangeiros é o da
equiparação. Estabelece-o a Constituição da República, no seu art. 25.º, n.º 1: “os
estrangeiros e apátridas gozam dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, bem
como da protecção do Estado”.
Todavia, há desde logo toda uma categoria de direitos que escapa em larga medida à
influência desse princípio: referimo-nos à dos direitos políticos (art.º 25.º, n.º 2 da CRA).
De resto, trata-se da orientação seguida pela generalidade dos Estados.
Admitir um estrangeiro a exercer funções políticas no Estado local envolveria o risco
de esse estrangeiro trair os interesses desse Estado em benefício do seu Estado
nacional. Por outra via, o exercício de funções políticas é em certo modo a contrapartida
de pesados encargos, nomeadamente o serviço militar, que só os nacionais são
chamados a suportar. Acresce que admitir um estrangeiro a exercer cargos públicos
poderia equivaler a impossibilitá-lo de cumprir os seus deveres para com o Estado a que
pertence.
Nem sequer o estrangeiro naturalizado está, neste ponto, inteiramente equiparado ao
nacional: são privativas dos angolanos originários as funções de Presidente da República
(art.º 110.º da CRA).

DIREITOS PÚBLICOS NÃO POLÍTICOS


Neste domínio vale o princípio da equiparação, mas com numerosas restrições.
Antes de mais, há que sublinhar que a Constituição, no seu art. 25.º, n.º 2, afasta do
âmbito daquela regra “o exercício de funções na administração directa do Estado, nos
termos da lei”.
Para além desta, outras muitas restrições existem por força de legislação especial,
escudada na última parte do art. 25.º, n.º 2 da nossa Lei Fundamental, que admite a
reserva pela Constituição e pela lei de certos direitos e deveres exclusivamente aos
cidadãos angolanos.

DIREITOS PRIVADOS
São os seguintes os sistemas geralmente usados para determinar a condição jurídico-
privada dos estrangeiros:
1.º - sistema da equiparação dos estrangeiros aos nacionais;
2.º - sistema de reciprocidade (diplomática ou convencional e legislativa ou de facto).

A fórmula do art. 14.º, n.º 1 do Código Civil inclina-se para o primeiro sistema. Ela limita-
se a estabelecer o princípio de que aos estrangeiros é reconhecida a capacidade de gozo
de direitos privados, tal como aos nacionais e independentemente de reciprocidade.
Sob este aspecto não há diferença entre nacionais e estrangeiros.
Mas é só este o alcance da regra da equiparação. Ela não pode deixar de ser entendida
de acordo com as normas de conflitos do nosso sistema.
A lei competente para decidir se ao interessado, cidadão estrangeiro, é reconhecido o
direito que ele pretende exercer (o direito de divórcio, o direito de ser proprietário de
bens imóveis, o direito de adoptar e de ser adoptado, etc.) não pode ser senão a lei
definida como reguladora da respectiva relação jurídica (a lei reguladora do divórcio e
da reparação judicial de pessoas, a lex rei sitae, a lei nacional das partes no caso da
adopção, etc.)
Se interpretássemos o art. 14.º, n.º 1, no sentido de que aos estrangeiros são
reconhecidos todos os direitos civis dos cidadãos angolanos e mais nenhuns , não
poderíamos, por exemplo, deixar de reconhecer a um cônjuge português o direito de se
divorciar, a despeito de a lei da nacionalidade comum das partes não o admitir no caso
concreto, se esse direito fosse atribuído aos angolanos pelo direito material angolano.
Simplesmente, uma tal solução colocaria a norma do art. 14.º em conflito aberto com a
do 55.º, segundo a qual a lei aplicável ao divórcio é exactamente a da nacionalidade
comum dos cônjuges, na sua falta a da residência habitual comum e, na falta desta, a lei
com a qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa.
É para evitar tão aguda e incompreensível discrepância que importa interpretar a regra
do art. 14.º, n.º 1, nos termos fixados acima; e, assim, o cônjuge estrangeiro não será
admitido a exercer em Angola em relação ao outro cônjuge, igualmente estrangeiro,
todos os direitos decorrentes do sistema jurídico angolano, mas apenas aqueles – e
todos eles – que lhe forem concedidos pela respectiva lei nacional (cfr. o art. 52.º do
Código Civil); do mesmo modo, os pais estrangeiros poderão exercer em Angola em
relação aos filhos, estrangeiros como eles, não decerto todos os direitos dos pais
angolanos, mas todos aqueles que lhes forem reconhecidos pela lei designada pelo
artigo 57.º, n.º 1, do nosso Código Civil.
Mas nem por assim entendido o artigo 14.º, n.º 1, deixa de consagrar a regra da
equiparação. Efectivamente, se a lei designada pelo nosso direito para regular o caso for
estrangeira, o estrangeiro poderá prevalecer-se entre nós de todos os direitos por essa
lei reconhecidos, precisamente como se fosse um cidadão português, salvo tão só os
limites que apresentaremos adiante.
Se, pelo contrário, for a lei angolana e competente, então o estrangeiro poderá exercer
todos os direitos dela decorrentes, como se fosse angolano. Ao fim ao cabo, quer a lei
competente seja a angolana ou uma lei estrangeira, o estrangeiro é sempre equiparado
ao nacional.

LIMITES À REGRA DA EQUIPARAÇÃO


Assim como em matéria de direitos públicos, também no sector dos direitos privados,
como já vimos, a regra de equiparação sofre algumas derrogações.
Elas podem traduzir-se ou na recusa aos estrangeiros do gozo de certos direitos, ou na
introdução da cláusula de reciprocidade, ou ainda na exigência aos estrangeiros, como
condição para o exercício de determinados direitos, do cumprimento de certas
condições que não são exigidas aos nacionais.

2.3. A QUESTÃO DA NACIONALIDADE E RECONHECIMENTO DE PESSOAS COLECTIVAS


ESTRANGEIRAS
Não é isento de dúvidas o ponto de saber se as pessoas colectivas são, como as pessoas
singulares, susceptíveis de nacionalidade.
Em princípio, só em sentido translato cabe referir este conceito de nacionalidade às
pessoas jurídicas. A maior parte dos efeitos coenvolvidos pelo estatuto de nacional ou a
condição de estrangeiro é inaplicável no campo das pessoas colectivas. Nada obsta,
porém, a que se admita a existência entre pessoa colectiva e Estado de uma relação
análoga à de nacionalidade. Deve mesmo reconhecer-se que a distinção entre pessoas
colectivas nacionais e estrangeiras pode corresponder a uma verdadeira necessidade.

2.3.1. Critério Base da Averiguação da Nacionalidade das Pessoas Colectivas


O problema da nacionalidade releva fundamentalmente em matéria de direito dos
estrangeiros; o outro é um problema de conflito de leis: trata-se de apurar a lei que
fixa as condições de aquisição da personalidade jurídica e demarca a capacidade da
pessoa colectiva, delimita a competência dos seus órgãos, regula a sua dissolução e
extinção.
Nacionalidade é um vínculo de dependência política. Estatuto pessoal exprime tão-só
um nexo de vinculação jurídica. Nada obsta, certamente, a que os critérios de base da
atribuição de nacionalidade e da definição da lei pessoal coincidam; mas tal coincidência
não é forçosa: uma pessoa colectiva nacional do Estado X pode ter como estatuto
pessoal o direito vigente no Estado Y.
Também a lei pessoal dos indivíduos pode não coincidir com a do respectivo Estado
nacional: tudo depende do modo como o direito de conflitos solucione o problema da
conexão relevante no âmbito do chamado estatuto pessoal.
A questão da determinação da nacionalidade de pessoas colectivas não suscita qualquer
dúvida no que toca às pessoas colectivas de direito público (Estado, regiões autónomas,
autarquias locais, institutos públicos personalizados).
Para os Estado, o problema da nacionalidade nem chega a pôr-se, visto ser ele a origem
mesma da nacionalidade.
Também não se põe para as regiões autónomas e as autarquias locais, formas de
descentralização política e administrativa do Estado, com base territorial.
Mas já se põe para os institutos públicos personalizados – estabelecimentos criados pelo
Estado para a prossecução de um fim público, isto é, para satisfação de necessidades
próprias do Estado que os criou. A solução do problema não pode deixar de ser a de que
tais entidades dependem inteiramente deste Estado. As pessoas colectivas pública têm
a nacionalidade do Estado em cuja vida administrativa se integram e cujos fins ajudam
a promover.

É no campo das pessoas colectivas de direito privado que as dúvidas se levantam. Os


principais sistemas a considerar são os seguintes:
a) Sistema segundo o qual a nacionalidade da entidade colectiva seria determinada
pela dos seus membros, ou da maioria deles. Esta solução apresenta graves
inconvenientes. Desde logo, ela não poderia funcionar no caso das fundações, que não
têm propriamente “membros” – os beneficiários da fundação, que de resto são
geralmente pessoas indeterminadas, existem fora da sua estrutura –, mas apenas
administradores ou directores. E tão-pouco poderia funcionar no caso daquelas
sociedades anónimas, e são a grande maioria, cujo capital está representado total ou
parcialmente por títulos ao portador: efectivamente, os possuidores destes títulos são
pessoas desconhecidas.
Mas isso não quer dizer que certas disposições da lei não possam interpretar-se como
visando para lá da pessoa colectiva, as pessoas naturais que lhe formam o substrato e
que presumivelmente a têm sob o seu controlo; nem quer dizer tão pouco que em casos
especiais não possa o Estado precaver-se contra eventuais abusos, através de normas
que atribuam certa relevância à nacionalidade dos membros, ao lado da nacionalidade
da própria pessoa colectiva.

b) Critério do lugar da constituição. Corresponde a doutrina Direito Anglo-americano e


de algumas nações da América Latina.
Atribui à pessoa colectiva a nacionalidade do Estado sob cuja lei ela se constituiu como
tal: doctrine of place of incorporation. Esse Estado não é outro senão aquele mesmo
onde as diversas formalidades de constituição da pessoa jurídica tiveram lugar.
Este critério, enquanto liga a nacionalidade a um facto de localização segura, tem a seu
favor a vantagem de eliminar praticamente as dúvidas e incertezas em matéria de
nacionalidade das pessoas colectivas; dúvidas a que todos os outros sistemas dão
origem em escala maior ou menor. No entanto, ele tem contra si o grave inconveniente
de utilizar como factor de conexão um elemento que pode não significar coisa alguma
sob o ponto de vista da ligação efectiva da pessoa jurídica ao Estado.
Certo, uma associação, fundação ou sociedade constitui-se em regra no país onde vai
ter a sede e exercer a principal actividade. Mas não é forçoso que assim aconteça: não
raramente os fundadores de uma sociedade preferem constituí-la, não no país onde
efectivamente a pretendem radicar, mas nalgum outro cujas leis lhes sejam mais
favoráveis, quer do ponto de vista das suas responsabilidades perante accionistas e
credores ou das vantagens que a seu favor podem ser estipuladas nos estatutos, quer
pelo que respeita à menor publicidade a que submete as actividades sociais, ao regime
de fiscalização e responsabilidade dos administradores, ao próprio custo do acto
constitutivo, etc.
A existência jurídica de uma pessoa colectiva constituída e revestida de personalidade
(“incorporada”) em A pode decorrer inteiramente em B. Evidentemente, não há em tal
hipótese fundamento válido para atribuir a essa pessoa a nacionalidade do país da
constituição.

c) Critério da Sede. Sendo a nacionalidade o vínculo jurídico mais forte que pode ligar o
sujeito de direitos – indivíduo ou pessoa colectiva – ao Estado, a sua atribuição
pressupõe a existência entre ambos de uma conexão viva e real. Ora a conexão
representada pelo elemento “sede” satisfaz plenamente a este requisito.
Sede é o lugar onde os órgãos de direcção superior e de controlo da pessoa colectiva
existem e funcionam. Aí está o governo da associação, fundação ou sociedade, aí são
tomadas as decisões mais importantes para a vida do ente colectivo, daí partem os
impulsos indispensáveis à prossecução das actividades estatutárias. Evidente se torna
que a sede de que falamos é a sede real: se não houver coincidência entre a sede real e
a estatutária, há-de prevalecer a primeira.

2.3.2. Reconhecimento das Pessoas Colectivas Estrangeiras


Há duas espécies de reconhecimento, consoante a natureza ou a extensão do efeito
jurídico visado.
(1) Se quando se alude ao reconhecimento das pessoas colectivas estrangeiras se
tem simplesmente em vista o reconhecimento da sua personalidade jurídica –
da sua capacidade para celebrar negócios jurídicos, para se obrigar, para adquirir
ou alienar bens – e,
(2) da sua personalidade judiciária ou susceptibilidade de estar em juízo como
autor ou como réu,
a resposta à pergunta não pode ser senão a de que o reconhecimento se opera de
plano, em virtude do simples facto de a pessoa colectiva existir como tal perante a
ordem jurídica designada como competente pelo direito de conflitos do foro.

É que o problema, se reduzido às proporções descritas, pertence inteiramente ao


domínio do direito conflitual, não chegando a “sensibilizar” o direito dos estrangeiros.
Não se vê, efectivamente, que a mera atribuição de personalidade a uma qualquer
organização estrangeira possa envolver qualquer ameaça ou risco de lesão para aqueles
interesses – interesses nacionais, como já sabemos – que ao direito dos estrangeiros
pertence tutelar; não se vê que do mero reconhecimento de personalidade jurídica
resulte ficarem tais interesses a perigos especiais, pelo simples facto de estar em causa
um ente colectivo estrangeiro. Com razão de igual força poderia então o Estado negar-
se a reconhecer a personalidade jurídica dos estrangeiros-indivíduos.
Constituiria, pois, solução claramente injustificável a de subordinar o reconhecimento
das pessoas colectivas estrangeiras, dentro dos limites indicados, a uma autorização
individual expressa da parte da Administração. Na verdade, esse reconhecimento não é
mais do que a consequência directa e imediata da competência e da aplicação da lei
ante a qual a associação, fundação ou sociedade existe com subjectividade própria.
Não se pode fugir à consequência sem ao mesmo tempo se negar a causa ou o
fundamento, isto é, a competência da lei de onde deriva, competência essa aliás
decorrente de uma norma de conflitos da lex fori.
De resto, o que à pessoa colectiva, agindo como tal, fosse negado – a capacidade para
celebrar um contrato ou para demandar ou ser demandada perante os tribunais locais
– teria de ser permitido aos respectivos associados ou representantes, agindo
individualmente. A proibição seria, portanto, praticamente ineficaz.
Mas se o mero reconhecimento da pessoa colectiva estrangeira como tal deve operar-
se ipso iure, daí não resulta que à entidade assim reconhecida – e por esse simples facto
– seja concedido o livre exercício no Estado local das actividades que lhe constituem o
objecto.
A doutrina do reconhecimento de plano só pode sustentar-se enquanto estiver apenas
em causa o reconhecimento da organização estrangeira como ente dotado de
personalidade jurídica. Outra pode ser a solução a preconizar quando a questão verse
sobre o funcionamento regular, no país, da empresa ou fundação estrangeira. Se esta
se propuser a desenvolver nele, de maneira sistemática, as suas actividades próprias,
exercer aí a sua função estatutária – o mecenato das artes, a investigação científica ou
o seu patrocínio, a beneficência, a instrução e difusão de uma fé religiosa ou de uma
doutrina política –, muito bem se entende que tal não seja possível sem uma autorização
administrativa, ou sem o cumprimento de certos deveres, sobretudo se a este regime
estiverem sujeitas as pessoas colectivas nacionais da categoria correspondente.
Em suma: Não se vê que o mero reconhecimento de uma organização estrangeira como
sujeito de direitos, como capaz de adquirir e contratar, de demandar e ser demandada,
possa colocar em maior risco os interesses do Estado do que o reconhecimento de
personalidade jurídica aos indivíduos estrangeiros; mas já se compreende que possa
envolver perigo para esses interesses, que seja até inconciliável com princípios
fundamentais do ordenamento jurídico local, o desenvolvimento regular e sistemático
das actividades estatutárias da pessoa colectiva – o livre exercício da sua capacidade
funcional.
Para conjurar esse perigo, pode estabelecer-se que o funcionamento no Estado local das
pessoas colectivas estrangeiras esteja dependente de autorização administrativa, ou do
cumprimento de outros pressupostos: sem tal autorização ou sem a observância desses
pressupostos, não poderão eles promover aí, por formas de actuação sistemática e
organizada, a realização do seu escopo.

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