Introdução Ao Direito Internacional Público - PDF Módulo 1
Introdução Ao Direito Internacional Público - PDF Módulo 1
Introdução Ao Direito Internacional Público - PDF Módulo 1
O Direito Internacional Público (DIP), seu desenvolvimento histórico e sua relação com o
Direito Interno.
PROPÓSITO
Compreender as origens e os fundamentos do Direito Internacional Público é fundamental para
que se tenha um entendimento adequado sobre o seu funcionamento e todas as suas
manifestações. O conhecimento das diferentes correntes teóricas permitirá aos estudantes
entender debates jurídicos diversos, com emprego prático e relevante sobre a aplicação do
Direito Internacional Público.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo, tenha em mãos um Vade Mecum de Direito Internacional ou
acesso digital aos principais tratados internacionais.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
Identificar a relação entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno a partir das
principais correntes teóricas sobre o tema – o monismo e o dualismo
MÓDULO 3
Definir os fundamentos do Direito Internacional Público a partir das principais correntes teóricas
sobre o tema – o voluntarismo e o objetivismo – e dos ensinamentos de alguns dos principais
autores da disciplina
INTRODUÇÃO
Nesta introdução ao Direito Internacional, buscaremos estabelecer alguns conceitos e ideias
fundacionais desse importante ramo do Direito. Teremos como objetivo também apresentar a
evolução histórica do Direito Internacional Público, assim como alguns de seus principais
pensadores.
MÓDULO 1
A SOCIEDADE INTERNACIONAL E O
SISTEMA NORMATIVO INTERNACIONAL
Se o Direito Internacional se define como aquele aplicável à sociedade internacional, é
importante compreender esse conceito.
EXEMPLO
Em outros momentos, a dita sociedade internacional era composta por cidades-Estado, como
na Grécia Antiga, ou pelas monarquias helenísticas após o fim do Império de Alexandre, o
Grande (BULL, 2002, p. 22). No momento atual, os Estados têm a primazia como modelo de
organização política.
DIREITO INTERNACIONAL
Refere-se ao conjunto de normas jurídicas não pertencentes a uma ordem interna, regulando e
regendo as relações entre os Estados e o complexo das atividades envolvendo organizações
internacionais e indivíduos.
DIREITO INTERNO
Consubstancia-se no conjunto de normas em vigor em dado Estado.
ATENÇÃO
As Constituições estatais (normas de Direito Interno) preveem regras para a aplicação interna
do Direito Internacional (MAZZUOLI, 2010, p. 62-63).
DOUTRINA VOLUNTARISTA
Atribui a obrigatoriedade do Direito Internacional Público ao consentimento, à vontade comum
dos Estados, expressa tácita ou explicitamente. O fundamento do Direito Internacional Público
seria, essencialmente, o consentimento. Povos, ao realizar o princípio da autodeterminação,
que se organizam sob a forma de Estados e ingressam em uma comunidade internacional sem
estrutura centralizada, subordinam-se apenas ao Direito que livremente reconheceram ou
construíram.
DOUTRINA OBJETIVISTA
Prevê a existência de princípios e normas superiores aos do ordenamento jurídico, os quais
teriam prevalência sobre as vontades e os interesses dos Estados. Atribui, principalmente, ao
direito natural as raízes da obrigatoriedade de normas que poderiam ser extraídas, a partir da
razão humana, do que é observado como a ordem natural (e moral).
(REZEK, 2010, p. 3)
Uma regra objetiva fundamental, fundada no consentimento perceptivo, que justifica a
existência e a validade do Direito Internacional é a pacta sunt servanda, que impõe aos
Estados o dever de cumprir com as obrigações aceitas livremente no exercício de sua
soberania. Teria como razão de ser a sua própria indispensabilidade para a conservação da
sociedade internacional e, como finalidade, a proteção do bem comum pela promoção da
harmonia e das boas relações entre os povos (MAZZUOLI, 2010, p. 92-93).
Essa regra foi, inclusive, posteriormente positivada na Convenção de Viena sobre Direito
dos Tratados. Prevê o art. 26 que “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido
por elas de boa-fé”.
A Convenção de Viena foi incorporada ao nosso sistema jurídico por meio do Decreto nº
7.030, de 14 de dezembro de 2009.
No vídeo a seguir, o professor Guilherme France fala sobre conceito, objeto e fundamento do
Direito Internacional Público. Vamos assistir!
Mesmo entre os impérios da Antiguidade – Egito, Babilônia, Assíria, Pérsia – já era possível
identificar a presença de alguns institutos que seriam reconhecidos posteriormente como
partes integrantes e fundamentais do Direito Internacional. Apesar de a guerra e a violência
representarem condições permanentes que desafiavam o estabelecimento de relações
pacíficas (e reguladas), criavam também condições para que determinados instrumentos
fossem instituídos. Compromissos “internacionais” eram firmados por meio do mecanismo de
tratados, lidando com questões como alianças ofensivas e defensivas, delimitações territoriais
e acordos de paz. Acordos comerciais também eram comuns.
Foto: Shutterstock.com
Na Grécia Antiga, as relações “internacionais” davam-se com base em outra unidade
constitutiva: as cidades-Estado. Além dos tratados comerciais e aqueles em volta da guerra e
do conflito – alianças militares e tratados de paz –, nota-se o surgimento dos primeiros indícios
de um direito de guerra baseado em condições humanitárias. A arbitragem emerge com uma
importante inovação, sendo colocada em prática de modo recorrente para (tentar) dirimir
conflitos. Mesmo no âmbito de “organizações internacionais”, alguns indícios são relevantes,
como as anfictionias, agrupamentos de cidades para administrar templos religiosos, e as
symmachias, organizações de defesa coletiva.
Já no Império Romano, vale mencionar o surgimento do jus gentium ou Direito das gentes, que
se aplica às relações entre romanos e não romanos. Ainda que essencialmente privado, já
inaugura a compreensão de um Direito comum da humanidade, aplicável a todos e baseado
em princípios da razão universal (DINH et al., 2003, p. 47-48).
AS GRANDES NAVEGAÇÕES
Imagem: Armstrong and Company; Baker, Joseph E / Wikimedia commons / Domínio público.
A REFORMA PROTESTANTE
SAIBA MAIS
O direito da guerra e o direito da paz, assim como o conceito de guerra justa e o próprio direito
do mar, foram imprescindíveis para oferecer orientações e, principalmente, uma justificativa
para as guerras de conquista nas Américas e no restante do Novo Mundo. Pensadores que se
debruçaram sobre essas questões, como Francisco de Vitória, Hugo Grócio e Suárez, são
responsáveis por estabelecer as bases do Direito Internacional como o conhecemos hoje.
Também se fortalecem as relações comerciais (e as regras em cima das quais essas se
assentam), especialmente entre as cidades mercantis do norte da Europa, que formam as
ligas, e aquelas desenvolvidas pelos mercadores italianos com regiões distantes como a China
e a Índia.
Com a Reforma Protestante, o questionamento da autoridade papal abre espaço para que os
monarcas centralizem o poder e passem a exercer a plenitude das funções estatais sobre um
território claramente constituído. Os Tratados de Vestfália (1648), que colocam fim à Guerra
dos Trinta Anos, representam um marco para a nova ordem interestatal europeia.
Reconhecem, afinal, a soberania e a igualdade entre os Estados que estavam em
processo de formação.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
A) Paz
B) Guerra
C) Direitos Humanos
D) Meio ambiente
A) Tratado de Versalhes
C) Tratados de Vestfália
D) Protocolo de Quioto
E) Tratado de Paris
GABARITO
Não há qualquer previsão para o Direito Internacional regular como um Estado politicamente
(presidencialismo ou parlamentarismo, por exemplo), visto tratar-se de matéria de soberania de
cada Estado, ou seja, afeta única e exclusivamente por estes.
2. Qual tratado marca o princípio de uma nova ordem internacional, marcada pela
existência de Estados soberanos:
Ao colocar fim à Guerra dos Trinta Anos, os Tratados de Vestfália simbolizaram o início de um
novo período em que os monarcas eram soberanos sobre seus territórios e populações.
MÓDULO 2
Nas relações internacionais, coexistem múltiplos soberanos que não podem abrir mão do uso
legítimo da força em favor de um terceiro. O chamado monopólio do uso da força, que existe
no sistema doméstico, nem se vislumbra no cenário internacional. De fato, é a multiplicidade de
unidades – Estados – com possibilidade (e disponibilidade) de usar da força para resolver
controvérsias e conflitos que gera a necessidade de regras mínimas de convívio.
Vejamos dois tipos de soberania, cientes de que ambos existem no plano normativo e no plano
factual (BULL, 2002, p. 13):
Soberania interna
Corresponde à supremacia que os Estados têm em relação ao seu território e à sua população.
Soberania externa
Diz respeito à independência em relação a autoridades externas.
A evolução do entendimento daquilo que seria visto como princípio da autodeterminação dos
povos pode ser rastreada nas resoluções da Assembleia Geral da ONU (AGNU) – fórum no
qual as principais discussões sobre o tema foram realizadas. Entre elas, destaca-se a
Resolução 1514, de 1960, intitulada Declaração sobre a concessão da independência aos
Países e Povos coloniais, por meio da qual se reiterou o direito à autodeterminação e se
proclamou a necessidade de pôr fim ao colonialismo.
ASPECTO EXTERNO
Refere-se à independência em relação ao domínio de Estados ou autoridades não
legitimamente reconhecidos como representativos daquele povo.
ASPECTO INTERNO
Diz respeito ao direito de um povo de determinar seu próprio regime econômico e político.
Como resultado do fortalecimento deste princípio, entende-se que houve, também, uma
flexibilização dos requisitos para o reconhecimento de Estados. Existem diversos requisitos
formais para o reconhecimento de um novo Estado, o qual deve possuir:
Imagem: Shutterstock.com
Foto: Shutterstock.com
POPULAÇÃO PERMANENTE
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DUALISMO
Em resumo, a teoria dualista propõe que o Direito Interno e o Direito Internacional são sistemas
jurídicos distintos que, apesar de algum contato, não se sobrepõem jamais. Como regulam
relações diferentes, é impossível que haja conflito entre suas fontes (TRIEPEL, 1923, p.83).
De acordo com Carl Triepel (1923, p. 80-82), um dos principais expoentes do dualismo, a
distinção principal entre o Direito Interno e o Direito Internacional Público refere-se às relações
sociais que eles regem. Vejamos:
Direito Interno
É aquele estabelecido dentro de uma comunidade política nacional – incluindo Direito estatal
positivo, Direito costumeiro e Direito privado.
Direito Internacional
As relações entre os Estados e suas subdivisões políticas não estariam incluídas. Tampouco as
relações com os indivíduos, que não estariam sujeitos ao Direito Internacional. É, portanto, pela
razão de que regula diferentes relações (apenas entre os Estados), que o Direito
Internacional é diferente do Direito Interno.
Não se pode dizer, por exemplo, que a publicação do texto de um tratado gera obrigações para
os sujeitos do Direito Doméstico – pode ser, no máximo, que a publicação constitua forma de
manifestação da vontade estatal e, assim, gere essas obrigações.
Uma fonte de Direito Internacional não poderá, jamais, criar regras de Direito Interno, da
mesma forma que uma regra de Direito Interno não poderá criar Direito Internacional
(TRIEPEL, 1923, p. 84).
As comunicações entre as duas ordens só poderiam se realizar por meio de processos próprios
a cada ordem jurídica e pela transformação da norma internacional em norma interna, ou vice-
versa. Ou seja, um tratado não seria recebido pelo ordenamento interno, a não ser que
passasse pelo processo de introdução formal que, ao seu fim, o “transformaria” em norma
interna.
ATENÇÃO
A fonte do Direito Interno pode ser obrigada ou autorizada pelo Direito Internacional a criar (ou
não) o direito. É a imposição de um dever internacional ao Estado. Para concretizar essa
tarefa, o Direito Internacional precisa recorrer ao Direito Interno – afinal, só assim poderá
realizar aquela obrigação na vida interna do Estado (TRIEPEL, 1923, p. 106). Em um cenário
de dualismo puro, o processo de produção da norma de Direito Interno, ainda que prevista ou
autorizada pelo Direito Internacional, começará do zero, assim como a produção de qualquer
outra norma fora da influência do Direito Internacional. Trata-se de um processo legislativo
completamente independente.
Na prática, para o dualismo puro, o que se exige para a efetiva recepção da norma de Direito
Internacional no plano doméstico – entendida como uma norma separada, diferente e
independente – é o seguinte processo:
A norma internacional (ex.: um tratado), para que vincule o Estado no plano internacional, deve
passar pelo processo de ratificação que, na maioria dos casos, exige uma manifestação
positiva do Congresso Nacional, anterior ao depósito do instrumento de ratificação.
Um novo processo legislativo se desencadeia para que a norma doméstica, com as devidas
adaptações, seja discutida, deliberada e aprovada pelo Congresso (e pelo chefe do poder
Executivo) e entre em vigor no plano doméstico.
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MONISMO
Em resumo, a teoria monista sustenta que o Direito Internacional tem aplicação direta na
ordem jurídica dos Estados, sem depender de qualquer processo de transformação ou
incorporação das normas internacionais. O Direito Internacional e o Direito Interno seriam dois
ramos dentro de um mesmo sistema jurídico.
Hans Kelsen (1926, p. 267-268), um dos principais defensores do monismo, postula a unidade
do sistema normativo porque seria impossível reconhecer o caráter obrigatório a dois sistemas
jurídicos realmente diferentes (que decorram de duas fontes diferentes). Efetivamente, opera-
se apenas com um sistema de normas – assim, não existiriam conflitos insolúveis entre normas
e obrigações. Todos os conflitos aparentes poderiam ser resolvidos pelos seguintes critérios:
CRITÉRIO CRONOLÓGICO
Uma lei posterior derroga uma lei anterior.
CRITÉRIO HIERÁRQUICO
Quando uma norma não respeitar sua norma superior, formal ou materialmente, ela será
considerada nula.
COORDENAÇÃO
SUBORDINAÇÃO
ATENÇÃO
Como a coordenação também implica uma subordinação (dos dois sistemas coordenados a um
terceiro que subordina aqueles), é ela que importa na prática. Quando um sistema se
subordina ao outro, quer dizer que o sistema inferior busca seu fundamento de validade em
uma norma do superior, sendo sua fonte strictu sensu. Essa norma fundamental fará parte dos
dois sistemas, portanto. O que haveria, ao final das contas, não são dois sistemas
subordinados, mas um único sistema, com uma mesma fonte no topo da pirâmide, sendo
impossível um conflito de normas entre eles (há apenas conflitos aparentes que serão
resolvidos de acordo com a aplicação dos critérios já enunciados) (KELSEN, 1926, p. 269-271).
Kelsen critica o dualismo porque este implicaria uma negação da natureza jurídica do Direito
Internacional, afinal, seria impossível o reconhecimento mútuo da natureza obrigatória das
regras de dois sistemas distintos. Assim, o Direito Internacional seria apenas uma forma de
moral ou uma manifestação do direito natural. Na sua construção lógica, uma regra não pode
ser considerada jurídica se não tiver como fonte de validade outra norma jurídica.
Kelsen também critica a ideia de que não haveria conflitos porque os Direitos Interno e
Internacional se ocupariam de objetos diferentes. A realidade é que sempre o objeto
corresponderá às relações entre indivíduos, com a determinação de obrigações e direitos.
Mesmo as relações entre Estados e entre Estado e indivíduos são, no fundo, relações entre
indivíduos – indivíduos cujas obrigações ou direitos são imputados, por qualquer razão, ao
Estado. O fato de que a conduta pode ou não ser imputada ao Estado não muda em nada a
natureza da relação jurídica – são relações estabelecidas pelo direito entre atos individuais
(KELSEN, 1926, p. 275-282).
Nesse contexto de aplicação direta, seria inútil e até contraditório estabelecer mecanismos e
processos, no Direito Doméstico, para que as normas internacionais se tornassem aplicáveis.
Não haveria, portanto, processo de recepção formal para que as normas internacionais
adentrassem o ordenamento doméstico (DINH et al., 2003, p. 96).
EXEMPLO
Não faria sentido, em um modelo puramente monista, todo o processo doméstico de ratificação
dos tratados internacionais que envolve, no caso do Brasil, o envio do tratado pelo Presidente
da República ao Congresso Nacional, a tramitação de um projeto de decreto legislativo pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, a sua promulgação e publicação pelo
Presidente do Congresso e, posteriormente, a promulgação e publicação do decreto executivo
pelo Presidente (art. 49, I; 84, VIII da Constituição Federal).
Situações de conflitos são possíveis nesse contexto de um sistema jurídico único comportando
normas internas e internacionais e, para tais conflitos, soluções são oferecidas por três
correntes:
INTERNACIONALISTA OU RADICAL
MODERADA
NACIONALISTA
INTERNACIONALISTA OU RADICAL
MODERADA
NACIONALISTA
Defende a primazia do Direito Nacional de cada Estado soberano, sendo a adoção dos
preceitos do Direito Internacional uma faculdade discricionária.
No vídeo a seguir, o professor Guilherme France trata dos conceitos e das distinções entre
monismo e dualismo. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
A) Objetivismo
B) Voluntarismo
C) Dualismo
D) Positivismo
E) Monismo
A) Hans Kelsen
B) Carl Triepel
C) Santo Agostinho
D) Hugo Grócio
E) Woodrow Wilson
GABARITO
“Em resumo, a teoria dualista propõe que o Direito Interno e o Direito Internacional são
sistemas jurídicos distintos que, apesar de algum contato, não se sobrepõem jamais. Como
regulam relações diferentes, é impossível que haja conflito entre suas fontes” (TRIEPEL, 1923,
p.83).
MÓDULO 3
Definir os fundamentos do Direito Internacional Público a partir das principais
correntes teóricas sobre o tema – o voluntarismo e o objetivismo – e dos ensinamentos
de alguns dos principais autores da disciplina
VOLUNTARISMO E OBJETIVISMO NO
DIREITO INTERNACIONAL
A discussão sobre a fundamentação do Direito Internacional Público é um esforço para
determinar os fatos que atribuem a natureza obrigatória, no senso jurídico, às normas e aos
princípios do Direito Internacional.
ATENÇÃO
Nota-se uma preocupação muito maior com o seu aspecto formal do que com o material, afinal,
a força obrigatória do direito advém da sua origem e não da conformidade do seu conteúdo. A
vontade criadora do direito é autônoma na medida em que não está subordinada ao seu
conteúdo, mas o domina. A autonomia desta vontade é absoluta (DINH et al., 2003, p. 101).
No plano do Direito Internacional, essa corrente teórica enfrenta o desafio de explicar se o
Estado soberano se vincula apenas à sua própria vontade. Surgem teorias para explicar este
dilema. Vejamos duas delas:
AUTOLIMITAÇÃO DO ESTADO
VONTADE COMUM
AUTOLIMITAÇÃO DO ESTADO
Teoria de Georg Jellinek, a qual propõe a origem do Direito Internacional na disposição dos
Estados de se autolimitar na relação com outros Estados, fazendo isso em seu próprio
interesse para atender às necessidades da sociedade internacional da qual é membro (por
exemplo, impedir conflitos e promover a cooperação).
VONTADE COMUM
Teoria de Heinrich Triepel, a qual funda o Direito Internacional Público não na vontade
individual dos Estados, mas na vontade comum, resultado da fusão de vontades dos membros
da sociedade internacional (DINH et al., 2003, p. 102).
COMENTÁRIO
Justiça e ética
Conceitos menos vagos
ATENÇÃO
Uns afirmam tratar-se de postulados do direito natural que estariam por trás do sistema de
Direito Internacional e constituiriam o critério de validade das normas positivas.
Outros, principalmente os positivistas, tratam dos princípios como reiterações, subitens do
direito costumeiro e dos tratados, sem trazer, por si, inovações significativas.
De modo geral, se reconhece que os “princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações
civilizadas” são fontes autônomas do Direito Internacional, mas com alcance limitado, como é
reconhecido pela jurisprudência da Corte Internacional de Justiça (SHAW, 2010, p. 79).
O princípio da preclusão.
O princípio da boa-fé.
DICA
Fica evidente que esses princípios reconhecidos se originam tanto dos ordenamentos jurídicos
internos dos Estados, quanto do próprio Direito Internacional.
O conceito de jus cogens baseia-se na ideia de que existem valores fundamentais e superiores
dentro do sistema normativo internacional, os quais não poderiam ser afastados, substituídos
ou eliminados a partir de manifestações volitivas por parte dos Estados que o compõem.
SAIBA MAIS
Também entendida como norma imperativa de Direito Internacional, a norma jus cogens não
pode ser derrogada nem por uma norma positivada, nem por um costume local ou especial.
Apenas outra norma jus cogens teria o condão de modificá-la. Exemplos são a proibição do
uso ilícito da força, da prática do genocídio, do tráfico de escravos e da pirataria. Nota-se que
constituem normas a partir de valores amplamente compartilhados pela sociedade, mas que
são fruto de uma construção histórica: o tráfico de escravos era, por exemplo, prática comum e
aceita até o século XIX.
Ganha aceitação como uma norma imperativa pelos membros da sociedade internacional.
A aceitação universal é fundamental para que esta norma jurídica alcance o estágio de
constituição de uma norma jus cogens.
A origem do Direito Internacional estaria justamente nas divisões territoriais que delimitam o
espaço e diferenciam o interior do exterior, o eu do outro.
Durante séculos, até a Primeira Guerra Mundial, uma ordenação centralizada na Europa
Ocidental (que dominava o restante do globo), na soberania absoluta e na premência dos
Estados territoriais havia vigorado. A partir de 1914, esta ordenação teria caído por terra. No
entanto, deu origem à necessidade de novos modelos de organização.
A formulação do universalismo humanista da Liga das Nações seria incapaz de oferecer essa
ordenação, pois se encontrava entre os dois extremos: não havia constituído um Estado
mundial capaz de pôr fim às divisões territoriais, tampouco construiu uma ordem baseada nos
Estados soberanos, já que se mostrava por demais idealista (NETO; ZANELLA, 2014).
Com um realismo particular, Schmitt propôs, assim, uma nova divisão espacial que
reconhecesse a hegemonia de determinadas potências sobre regiões do globo. A doutrina
Monroe é um exemplo disso. O Direito Internacional deveria funcionar para sustentar
determinado status quo territorial. Nesse sentido, “a força jurídica da ordem internacional da
modernidade emerge da terra, de uma determinada ordenação que se sente comum e que se
entende ser bom conservar”. O sentimento de pertencimento a um espaço comum – ordenado
de uma forma particular – obriga o Estado, até porque este está convencido da conveniência
de se manter aquela ordenação.
Em essência, a finalidade do Direito Internacional é limitar a guerra – não a eliminar, posto que
isso era considerado impossível (NETO; ZANELLA, 2014).
Ao desenvolver a chamada teoria pura do Direito, Hans Kelsen pretendia despojá-lo de todas
as considerações e elementos externos, como a questão da justiça, da política, da Sociologia e
da História. Pretendia, assim, definir o Direito unicamente em função de seus elementos
internos, como uma ciência normativa, feita de normas que determinam padrões de
comportamento. Cada norma depende, para sua validade, de uma norma anterior, de modo
que o processo continua até que se alcance a chamada norma fundamental de todo o
sistema, que alicerça o sistema jurídico, dando o caráter jurídico às normas que dela
dependem (SHAW, 2010, p. 41).
Foto: Shutterstock.com
COMENTÁRIO
No plano lógico da busca por uma norma fundamental, no Direito Internacional, esse esforço
recai sobre o costume como fonte do Direito e, mais especificamente, sobre a norma
costumeira pacta sunt servanda, a qual prescreve que os compromissos assumidos devem
ser cumpridos de boa-fé. Sobre esta norma, todo o restante do ordenamento jurídico
internacional se assentaria (SHAW, 2010, p. 42).
Herbert Hart retoma o positivismo, mas oferece um quadro mais sociológico. Afinal, ele
compreende o Direito como um sistema de normas baseado na interação entre normas
primárias e secundárias:
NORMAS PRIMÁRIAS
Detalham padrões de conduta.
NORMAS SECUNDÁRIAS
Oferecem os meios pelos quais esses padrões podem ser identificados e desenvolvidos (e
alterados).
As sociedades primitivas possuíam, de acordo com essa lógica, somente normas primárias, o
que geraria incerteza, ineficiência e estagnação. A sofisticação da sociedade levaria ao
desenvolvimento de normas secundárias, de modo a identificar a autoridade responsável
por ditar as normas de conduta e o processo por meio do qual estas se adaptariam às
circunstâncias da vida, de modo ordeiro e previsível (SHAW, 2010, p. 43).
Ronald Dworkin (2013, p. 10) não aceita o consentimento autolimitante dos Estados como a
base do Direito Internacional, preferindo um retorno à concepção parcialmente moral da
disciplina.
No entendimento de Dworkin, os Estados teriam uma obrigação geral de ampliar sua própria
legitimidade política. Como o Direito Internacional é parte do sistema coercivo que os Estados
impõem aos seus cidadãos, esse dever inclui ampliar a legitimidade da ordem legal
internacional.
Isso poderia ser feito por um esforço para minimizar as deficiências e os riscos que a soberania
sem restrições produz. Mais especificamente, os Estados devem proteger os Direitos
Humanos, garantir a assistência da comunidade internacional em caso de invasões ou
ameaças externas contra a independência de um Estado, promover a cooperação internacional
e promover a participação política das pessoas em seus próprios governos.
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VERIFICANDO O APRENDIZADO
B) Jus cogens
C) Normas fundamentais
D) Normas constitucionais
E) Normas primárias
2. A DOUTRINA VOLUNTARISTA EXTRAI A BASE PARA A
OBRIGATORIEDADE DO DIREITO INTERNACIONAL DE:
A) Direito natural
B) Moral e ética
C) Guerra
D) Consentimento
E) Constituições nacionais
GABARITO
Também entendida como norma imperativa de Direito Internacional, a norma de jus cogens não
pode ser derrogada nem por uma norma positivada, nem por um costume local ou especial.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito Internacional Público é alvo de frequentes questionamentos acerca da sua
obrigatoriedade e mesmo do seu caráter jurídico. Esses questionamentos acompanham-no
desde sua fundação e motivaram inúmeros debates acerca do fundamento de sua
obrigatoriedade. A existência de limites à conduta dos Estados – soberanos por definição – é
igualmente objeto de questionamentos permanentes. Esses debates foram travados e
propiciaram o fortalecimento do Direito Internacional como disciplina jurídica.
Ao longo da história, o Direito Internacional Público moldou e foi moldado pelos eventos. A
formação dos Estados Modernos, as grandes guerras e a fundação da Organização das
Nações Unidas são alguns dos processos que transformaram o Direito Internacional.
Aumentaram o seu âmbito de alcance, incluindo novas matérias e temas, e introduziram novos
sujeitos, além de colocarem os Direitos Humanos como limitação inescapável aos Estados.
Mais recentemente, o fim da Guerra Fria e a guerra contra o terror impuseram novos desafios
ao Direito Internacional. Retornar e compreender as suas bases é essencial para compreendê-
los e perceber a permanente atualidade e relevância daqueles debates históricos.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BIAZI, C. A. S. M. O princípio de autodeterminação dos povos dentro e fora do contexto
da descolonização. Revista da Faculdade de Direito UFMG, n. 67, p. 181-212, 2015.
DINH, N. Q.; DAILLER, P.; PELLET, A. Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2003.
DWORKIN, R. A new philosophy for International Law. Philosophy & Public Affairs, v. 41, n.
1, 2013, p. 2-30.
KELSEN, H. Les Rapports de Système entre droit interne et le droit international public.
RCADI, v. 14, 1926.
MAZZUOLI, V. O. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. São Francisco, 1945.
Consultado na internet em: 20 out. 2021.
EXPLORE+
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de Stanley Kramer.
Dedique um tempo para escutar o podcast Direito Internacional Hoje, da profa. Aline
Beltrame de Moura, da UFSC.
CONTEUDISTA
Guilherme France
CURRÍCULO LATTES