Piometra Cão
Piometra Cão
Piometra Cão
Faculdade de Veterinária
Departamento de Patologia Clínica Veterinária Relatório de Caso Clínico
Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121)
http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica
IDENTIFICAÇÃO
Caso: 2004/2/12 Procedência: HCV-UFRGS No da ficha original: 22728
Espécie: canina Raça: SRD Idade: 11 anos Sexo: fêmea Peso: 26,5 kg
Alunos(as): Claudia Cecilia Hartfelder, Fabiana F. Pacheco da Silva, Simone Ano/semestre: 2004/2
Reichert
Residentes/Plantonistas:
Médico(a) Veterinário(a) responsável: Irene Breitsameter, Nina Isabel de Oliveira Baptista
ANAMNESE
No dia 18/11/2004, a proprietária relatou que o animal sentia dor há uma semana. Recebia o
anticoncepcional Promone E® (Acetato de Medroxiprogesterona 50mg/mL) a cada seis meses, por
aproximadamente nove anos, sendo que a última administração foi feita no dia 28/10/2004. Foi relatado que
o animal foi coberto no dia 31/10/2004 e recebeu, no dia 10/11/2004, uma injeção de E.C.P.®(Cipionato de
estradiol), 3ml intra-muscular. O animal tinha uma fratura na coxa devido a um atropelamento sofrido 10
anos atrás. Recebia Ivomec®(Ivermectin 1%) contra carrapatos e o vermífugo Canex® composto (Pamoato
de pirantel 14,5mg/Kg e Praziquantel 5mg/Kg); não era vacinada; apresentava baixo apetite, sendo que só
aceitava comer carne.
EXAME CLÍNICO
A temperatura retal era de 38,1ºC (entre 38 e 390C), as mucosas estavam rosadas, apresentava boa
hidratação, aumento no volume abdominal, seqüela de fratura; não apresentava secreção vaginal; possuía
vários tumores de mama.
EXAMES COMPLEMENTARES
No dia 24/11/2004, foi realizado um hemograma e dosagem de creatinina. O hemograma mostrou uma
anemia severa. A contagem de eritrócitos que foi 1,61 x 106/µL(5,5-8,5), a hemoglobina foi 4,0g/dL(12-18)
e o hematócrito foi de 12%(37-55). A contagem de plaquetas era de 50.000/µL(200.000-500.000). Foram
observados excentrócitos (FIGURA 1) e corpúsculos de Heinz (FIGURA 2) durante a avaliação morfológica do
esfregaço sangüíneo. O leucograma apresentou-se muito alterado, o número de leucócitos totais foi de
50.500/µL (6.000-17.000). Apareceram 1.010 mielócitos/µL(0), 4.040 metamielócitos/µL(0), 8.585
neutrófilos bastonados/µL(0-300) e 31.310 neutrófilos segmentados/µL(3.000-11.500). A dosagem de
creatinina revelou 7,4mg/dL (0,5 – 1,5).
URINÁLISE
Método de coleta: micção natural Obs.:
Exame físico
cor consistência odor aspecto densidade específica (1,015-1,045)
amarelo claro fluída sui generis discretamente 1,012
turvo
Exame químico
pH (5,5-7,5) corpos cetônicos glicose pigmentos biliares proteína hemoglobina sangue nitritos
5,5 - - - +++ n.d. ++++ -
Sedimento urinário (no médio de elementos por campo de 400 x)
Células epiteliais: 4 Tipo: escamosas Hemácias: 20
Cilindros: 1 Tipo: granuloso Leucócitos: 200
Outros: 1 Tipo: célula epitelial de transição Bacteriúria: leve
n.d.: não determinado
BIOQUÍMICA SANGÜÍNEA
Tipo de amostra: soro Anticoagulante: Hemólise da amostra: ausente
Proteínas totais: 83,7 g/L (54-71) Glicose: 49 mg/dL (65-118) ALP: 394 U/L (0-156)
Albumina: 25,2 g/L (26-33) Colesterol total: 294 mg/dL (135-270) ALT: 58 U/L (0-102)
Globulinas: 58,5 g/L (27-44) Uréia: 22 mg/dL (21-60) CPK: 395,0 U/L (0-125)
BT: 1,67 mg/dL (0,1-0,5) Creatinina: 1,6 mg/dL (0,5-1,5) GGT: 6,7 U/L (1,2-6,4 )
BL: mg/dL (0,01-0,49) Cálcio: mg/dL (9,0-11,3) TG: 88,3 (35-60)
BC: mg/dL (0,06-0,12) Fósforo: mg/dL (2,6-6,2) : ( )
BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta)
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HEMOGRAMA
Leucócitos Eritrócitos
Quantidade: 26.000/µL (6.000-17.000) Quantidade: 5,24 milhões/µL (5,5-8,5)
Tipo Quantidade/µL % Hematócrito: 43,0 % (37-55)
Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 13,2 g/dL (12-18)
Metamielócitos 0 (0) 0 (0) VCM (Vol. Corpuscular Médio): 82 fL (60-77)
Bastonados 520 (0-300) 2 (0-3) CHCM (Conc. Hb Corp. Média): 30,7 % (32-36)
Segmentados 22.360 (3.000-11.500) 86 (60-77) Morfologia:
Basófilos 0 (0) 0 (0)
Eosinófilos 0 (100-1.250) 0 (2-10)
Monócitos 780 (150-1.350) 3 (3-10)
Linfócitos 2.340 (1.000-4.800) 9 (12-30) Plaquetas
Plasmócitos (0) (0) Quantidade: 420.000/µL (200.000-500.000)
Morfologia: Observações:
TRATAMENTO E EVOLUÇÃO
Foi realizada ovário-histerectomia no dia 18/11/2004. O animal morreu no dia 25/11/2004.
NECRÓPSIA (e histopatologia)
Patologista responsável: Rosemari T. de Oliveira
A necropsia foi realizada no dia 25/11/2004. O baço apresentava área de infarto hemorrágico. O pulmão
apresentava edema, congestão crônica, êmbolos tumorais com metástase de carcinoma de tireóide e
enfisema. O fígado apresentava metástase de carcinoma com extensas áreas centrais de necrose e
congestão crônica. A mama apresentava carcinoma tubular infiltrativo. A pleura apresentava metástase de
carcinoma de tireóide. A tireóide apresentava carcinoma folicular. O cérebro e cerebelo não apresentavam
alterações histológicas. O coração apresentava trombos e áreas de necrose com infiltração inflamatória.
DISCUSSÃO
A piometra é um processo inflamatório do útero com acúmulo de secreção purulenta em seu interior. Os
principais microrganismos envolvidos são : Escherichia coli, Staphylococcus spp., Streptococcus spp. e
Mycoplasma spp. Os sinais clínicos dependem do tipo de piometra. Nas piometras de cérvix aberta,
observamos sinais sistêmicos brandos e descarga vaginal purulenta. Na de cérvix fechada, que foi relatada
no caso, observamos sinais sistêmicos graves, distensão abdominal, ausência de descarga vaginal, entre
outros. O diagnóstico é feito através do exame clínico e com auxilio da radiografia e da ultra-sonografia. A
administração freqüente de progestágenos é um fator predisponente para o desenvolvimento de piometra.
Nesse caso, a administração de progestágenos a cada seis meses associada à dose de E.C.P.® (Cipionato de
estradiol) que foi superior ao recomendado para a espécie que é de 2,5ml, foram fatores que contribuíram
para o desenvolvimento da infecção uterina no animal. O E.C.P.® (Cipionato de estradiol) pode causar
aplasia medular, trombocitopenia e anemia arregenerativa como observado no último hemograma. A
administração de anticoncepcional, além de levar ao surgimento de piometra, estimula o desenvolvimento
de tumores na tireóide. (MANOLE et al.,2004)
O perfil bioquímico sérico do animal revelou um aumento na concentração de bilirrubina total (BT) que pode
ser explicado por hepatopatia e/ou colestase que pode ser confirmada pelo aumento da atividade das
enzimas gama-glutamil transferase (GGT) e fosfatase alcalina (ALP) como mostram os resultados obtidos.
A enzima creatina quinase (CPK) teve a sua atividade aumentada, sendo o aumento da sua atividade
associado ao dano muscular, devido às alterações cardíacas observadas durante a necropsia.
A concentração de creatinina sérica apresentava-se levemente acima do limite normal, o que poderia indicar
o início de uma lesão renal. No exame posterior, realizado no dia 24/11/2004, a concentração deste
metabolito estava muito elevada, demonstrando um possível agravamento deste problema renal.
Na urinálise; observou-se uma densidade específica relativamente baixa de 1,012 (1,015-1,045), a presença
de cilindros granulosos (FIGURA 3) e do aumento no número de leucócitos (FIGURA 4) e de hemácias por
campo no sedimento urinário, que também sugeririam um possível comprometimento renal. Segundo Stone
et al. (1988), a disfunção renal (baixa densidade urinária sem a presença de azotemia como visto nos
primeiros exames) pode estar associada ao tipo e intensidade da infecção e, ainda mais importante, estes
pesquisadores observaram que, em casos de disfunção renal em cães com piometra, a diminuição da taxa
de filtração glomerular é uma anormalidade funcional e não está correlacionada com dano estrutural do
glomérulo.
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O aumento da proteína total provavelmente se deve ao aumento de globulinas que pode estar relacionado
com a idade do animal, com a provável infecção urogenital e com presença de tumores. A concentração de
albumina estava baixa devido ao possível comprometimento renal (proteinúria).
A hipoglicemia encontrada pode ser explicada pelo fato de que o animal não se alimentava adequadamente
havia dois dias, além de que a presença de neoplasias no fígado poderiam estar aumentando a utilização de
glicose (produção de fatores de crescimento semelhantes à insulina). O aumento do colesterol e dos
triglicerídeos pode estar relacionado com a hipoglicemia. Além da hipoglicemia, outra possível explicação
para o aumento dos triglicerídeos e do colesterol é a existência de um hipotireoidismo, devido a presença de
tumores na tireóide.
Na análise do hemograma, observa-se uma queda no número de eritrócitos, indicando uma anemia
macrocítica hipocrômica, indicando uma possibilidade de regeneração por parte da medula óssea mesmo
que não tenha sido observada policromasia no esfregaço sangüíneo. O leucograma caracterizou-se por
leucocitose e neutrofilia com desvio à esquerda regenerativo leve. No exame posterior, realizado no dia
24/11/2004, o quadro evoluiu para uma anemia normocítica normocrômica não regenerativa, leucocitose e
neutrofilia com desvio à esquerda regenerativo acentuado. Estas alterações podem ser explicadas pela
provável hipoplasia/ aplasia medular causada pelo uso contínuo de progestágenos, indicando um
prognóstico ruim para o paciente.
CONCLUSÕES
A suspeita inicial de piometra foi confirmada. Além dessa alteração, foram constatadas outras complicações
decorrentes dessa patologia e outras concomitantes, provavelmente devido ao uso freqüente e prolongado
de progestágenos exógenos, intensificando a gravidade do caso e levando o animal ao óbito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KANEKO, J. J.; HARVEY, J. W.; BRUSS, M. L. Clinical biochemistry of domestic animals. 5.ed. New York
(USA): Academic Press, 1997.
MANOLE, D.; SCHILDKNECHT, B.; GOSNELL, B.; ADAMS, E.; DERWAHL,M. Estrogen promotes growth of
human thyroid tumor cells by different molecular mechanisms. The Journal of Clinical Endocrinology &
Metabolism, New York, v. 86, n. 3, p. 1072-1077, dez. 2004.
PARASI, S. Piometra . Disponível em: <http:// www.dogtimes.com.br/piometra.htm>. Acesso em:
19/12/2004.
STONE, E. A.; LITTMAN, M. P.; ROBERTSON, J. L.; BOVEE, K. C. Renal dysfunction in dogs with pyometra.
Journal of the American Veterinary Medical Association, New York, v. 193, n. 4, p. 457-464, ago.
1988.
FIGURAS
Figura 1. Excentrócitos. Excentrócitos encontrdos no exame do Figura 2. Corpúsculos de Heinz. Corpúculos de Heinz
efregaço sangüíneo. encontrdos no exame do efregaço sangüíneo.
Caso clínico 2004/2/12 página 4
Figura 3. Cilindro. Cilindro granuloso encontrado no exame do Figura 4. Leucócitos. Grande número de leucócitos encontrdo no
sedimento urinário. exame do sedimento urnário.