HIPOTIROIDISMO
HIPOTIROIDISMO
HIPOTIROIDISMO
Faculdade de Veterinária
Departamento de Patologia Clínica Veterinária Relatório de Caso Clínico
Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121)
http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica
IDENTIFICAÇÃO
Caso: 2009/2/04 Procedência: HCV-UFRGS No da ficha original: 53275
Espécie: canina Raça: SRD Idade: 4 anos Sexo: fêmea Peso: 35,3 kg
Alunos(as): Camila de Oliveira Pereira, Juliana Maciel Cassali Vieira, Tatiane Ano/semestre: 2009/2
Paslauski Tavares, Viviana Cauduro Matesco
Residentes/Plantonistas:
Médico(a) Veterinário(a) responsável: Raquel Machnacz Kroetz
ANAMNESE
Em 27 de agosto de 2009, a proprietária relatou a presença de sangue na urina (hematúria) e indícios de
que o animal sentia dor ao urinar (disúria) há mais ou menos uma semana, tendo observado a presença de
“manchas brancas” no local em que a urina secou (cristalúria); a proprietária relatou ainda diminuição do
apetite e prostração desde o dia anterior; o animal estava ingerindo água normalmente; não apresentava
vômito, diarréia, tosse ou desmaio; fezes escuras e ressecadas; presença de alopecia no tronco há mais de
um ano, sem prurido; o animal não estava sendo medicado, alimentava-se de ração light e convivia com
uma cadela filhote, saudável.
EXAME CLÍNICO
Temperatura retal 37,9°C (37,9-39,9°C), mucosas pálidas, tempo de enchimento capilar 2 segundos,
hidratada, linfonodos sem alteração, sem reação à palpação abdominal, ausculta cardiopulmonar sem
alteração, frequência cardíaca de 140 bpm, frequência respiratória de 24 mpm, obesa, abdome pendular e
distendido, alopecia no tronco e cauda; seborréia seca, pelagem opaca, hiperpigmentação e descamação.
EXAMES COMPLEMENTARES
27/08
Exame bioquímico
Amostra: plasma
Proteína plasmática total: 66 g/L (60-80 g/L)
Ecografia abdominal
A bexiga apresentava-se distendida com conteúdo anecogênico normal e parede
normoespessa; fígado com volume normal, parênquima homogêneo, moderadamente
hiperecogênico, sugerindo possível lipidose, e demais órgãos sem alterações visíveis.
01/09
Exame bioquímico
Amostra: plasma com anticoagulante E.D.T.A.
Creatinina: 1,97 mg/dL (0,5-1,5 mg/dL)
10/09
Dosagem de T4 livre por diálise (RIA)
Amostra: soro
T4 livre por diálise: 0,01 ng/dL (0,80-3,00 ng/dL)
URINÁLISE
Método de coleta: micção natural Obs.:
Exame físico
cor consistência odor aspecto densidade específica (1,015-1,045)
amarelo claro fluida límpido 1,014
Exame químico
pH (5,5-7,5) corpos cetônicos glicose pigmentos biliares proteína hemoglobina sangue nitritos
7,5 - - - ++ +++ +++ n.d.
Sedimento urinário (no médio de elementos por campo de 400 x)
Células epiteliais: 0 a 1 Tipo: epiteliais escamosas e de transição Hemácias: 5 a 20
Cilindros: Tipo: Leucócitos: 20 a 100
Outros: Tipo: cristais tipo estruvita (+); presença de aglomerados de células Bacteriúria: leve
epiteliais e leucócitos.
n.d.: não determinado
Caso clínico 2009/2/04 página 2
BIOQUÍMICA SANGÜÍNEA
Tipo de amostra: soro Anticoagulante: Hemólise da amostra: ausente
Proteínas totais: g/L (54-71) Glicose: mg/dL (65-118) ALP: 130 U/L (0-156)
Albumina: g/L (26-33) Colesterol total: 283 mg/dL (135-270) ALT: 47 U/L (0-102)
Globulinas: g/L (27-44) Uréia: mg/dL (21-60) CPK: U/L (0-125)
BT: mg/dL (0,1-0,5) Creatinina: 2,63 mg/dL (0,5-1,5) : ( )
BL: mg/dL (0,01-0,49) Cálcio: mg/dL (9,0-11,3) Frutosamina: 240,73 µmol/L (170-338)
BC: mg/dL (0,06-0,12) Fósforo: mg/dL (2,6-6,2) Triglicerídeos: 187,21 mg/dL (32-138)
BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta)
HEMOGRAMA
Leucócitos Eritrócitos
Quantidade: 14.400/μL (6.000-17.000) Quantidade: 4,12 milhões/μL (5,5-8,5)
Tipo Quantidade/μL % Hematócrito: 30,0 % (37-55)
Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 9,0 g/dL (12-18)
Metamielócitos 0 (0) 0 (0) VCM (Vol. Corpuscular Médio): 72 fL (60-77)
Bastonados 0 (0-300) 0 (0-3) CHCM (Conc. Hb Corp. Média): 30,0 % (32-36)
Segmentados 10.944 (3.000-11.500) 76 (60-77) Morfologia:
Basófilos 0 (0) 0 (0)
Eosinófilos 576 (100-1.250) 4 (2-10)
Monócitos 1.440 (150-1.350) 10 (3-10)
Linfócitos 1.440 (1.000-4.800) 10 (12-30) Plaquetas
Plasmócitos (0) (0) Quantidade: /μL (200.000-500.000)
Morfologia: Observações:
TRATAMENTO E EVOLUÇÃO
Inicialmente, foi instituída terapêutica com Sebotrat F (ácido láctico a 0,2%, germe de trigo a 1% e glicerina
a 0,8%) (banho uma vez por semana), para tratamento da seborréia, e norfloxacina (600 mg, BID* por 7
dias), para tratamento da suspeita de cistite, pois é um agente bactericida de amplo espectro, indicado para
tratamento de infecções do trato urinário, entre outras doenças. Após 3 dias, o animal retornou para
fluidoterapia, com solução fisiológica (NaCl 0,9%), glicose e frutose (1.000 mL, intravenoso), para estímulo
da função renal e eliminação da creatinina. Nesta ocasião, foi iniciada a administração de Metacell Pet
(suplemento vitamínico e mineral) (3,5 mL, BID por 20 dias), para estímulo do apetite, e vitamina C (500
mg, TID** por 15 dias), para acidificação da urina; prosseguiu-se com a administração da norfloxacina (600
mg, BID por mais 8 dias). O animal apresentou melhora após 15 dias de tratamento, com retorno do apetite
e da disposição normais; mucosas, porém, rosa-pálidas e temperatura retal 37,9°C. Prosseguiu-se com a
administração de norfloxacina (600 mg, BID por mais 7 dias), suplemento vitamínico e mineral (3,5 mL, BID
por mais 10 dias) e vitamina C (500 mg, TID por mais 15 dias). Um mês após a primeira consulta, foi
iniciada a administração de Euthyrox (levotiroxina sódica) (200 μg, SID*** por 4 dias; 400 μg, SID por 4
dias; 600 μg, SID por 4 dias, e 800 μg, SID até novas recomendações), como terapia de reposição hormonal
frente ao hipotireoidismo. O animal apresentou vômitos no início do tratamento, havendo melhora no
decorrer do período. Após 20 dias, o animal se apresentava mais ativo, com apetite normal e ausência
aparente de cristais na urina; mucosas rosadas, temperatura retal 39,2°C, porém exibindo ainda alopecia,
descamação e hiperpigmentação (Figura 1). Após 42 dias (26/11), o animal apresentou significativa
melhora, com redução do peso, disposição, mucosas rosadas e retorno da cobertura normal dos pelos, sem
seborréia ou hiperpigmentação (Figura 2); foi realizado novo hemograma e exames bioquímicos, com os
seguintes resultados:
Hemograma
Eritrócitos: 5,5x106/μL (5,5-8,5x106/μL)
Hemoglobina: 11,3 g/dL (12-18 g/dL)
Hematócrito: 36% (37-55%)
VCM: 65,1 fL (60-77 fL)
CHCM: 31,4% (32-36%)
Obs.: policromasia e anisocitose.
Leucócitos totais: 16.200/μL (6.000-17.000/μL)
Mielócitos: zero (zero)
Metamielócitos: zero (zero)
Neutrófilos bastonetes: zero (0-300)
Caso clínico 2009/2/04 página 3
NECRÓPSIA (e histopatologia)
Patologista responsável:
DISCUSSÃO
A partir da anamnese e sinais clínicos do paciente, houve suspeita de infecção do trato urinário inferior
(cistite). Além disso, a avaliação clínica do animal aliada aos resultados dos exames iniciais sugeriram a
pesquisa de disfunções endócrinas.
Hemograma
Os resultados do primeiro hemograma, conforme mostrado na tabela, apresentaram índices hematimétricos
condizentes com anemia normocítica normocrômica. A queda na produção de eritropoietina, a ausência de
efeito estimulatório direto dos hormônios tireoidianos nos precursores eritróides na medula óssea, assim
como a queda nas demandas periféricas pelo oxigênio podem ser os responsáveis por este tipo de anemia
(BERNSTEIN, 2004).
A monocitose constitui a única alteração, a qual pode acompanhar respostas inflamatórias agudas e
crônicas, podendo ser interpretada como uma resposta à maior demanda por células mononucleares nos
tecidos (THRALL, 2007) e provavelmente está relacionada à cistite.
No hemograma seguinte, três meses depois, os resultados apresentaram policromasia e anisocitose. As
células policromatofílicas correspondem a hemácias jovens, precocemente liberadas, indicando regeneração
medular (THRALL, 2007).
A neutrofilia sem desvio à esquerda verificada caracteriza um processo não inflamatório, relacionado ao
estresse (THRALL, 2007).
Bioquímica sanguínea
Apresentou hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. O hipotireoidismo está associado a uma redução tanto
na taxa de degradação de lipídeos quanto da síntese. Entretanto, a última é afetada até certo grau e seu
efeito é, portanto, um acúmulo de lipídeos e lipoproteínas na circulação (DIXON, 2004).
O valor de creatinina encontrado estava acima do máximo normal para a espécie, visto que a ausência de
hormônios tireoidianos diminui o volume de filtração glomerular e o tempo médio de diferentes substâncias
(GONZÁLEZ & SILVA, 2006). No exame seguinte (01/09), após fluidoterapia, a concentração de creatinina
diminuiu, porém ainda aumentada em relação aos parâmetros normais, provavelmente devido ao
hipotireoidismo.
Urinálise
O exame físico da urina revelou alterações leves: coloração clara e baixa densidade. A alta proteinúria
observada (3+) pode ser indício de doença renal, embora inflamações no trato urogenital também possam
apresentar proteinúria pela presença de sangue e células. Foi evidenciada ainda a presença de sangue
oculto (3+) na urina, sugerindo hematúria, devido a hemorragia das vias urinárias (GARCIA-NAVARRO,
1996). No exame do sedimento, o registro de eritrócitos acima do valor considerado normal indica
hemorragia ou inflamação do trato urinário, bem como o aumento dos leucócitos no sedimento sugere
Caso clínico 2009/2/04 página 4
Ecografia
A ecografia demonstrou bexiga distendida, condizente com retenção urinária, provavelmente pelo
desconforto para urinar. A suspeita de discreta lipidose hepática poderia estar correlacionada com a
hipercolesterolemia e a hipertrigliceridemia, devido à maior deposição de gordura no fígado, o que seria
condizente com uma condição hipotireóidea (DIXON, 2004).
CONCLUSÕES
O animal apresenta hipotireoidismo adquirido, responsivo ao tratamento de reposição hormonal com
tiroxina. A instituição do tratamento terapêutico teve sucesso no retorno à normalidade, e o monitoramento
dos níveis de hormônio tireoidiano por meio do teste de T4 total permitirá o correto ajuste da dose e a
provável remissão completa dos sinais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERNSTEIN, M. Hipotireoidismo especialidades médicas. Veterinária on line. Rio de Janeiro, 30 jan. 2004.
Disponível em: http://www.veterinariaonline.com. Acesso em: 01 dez. 2009.
DIXON, R.M. Hipotireoidismo canino. In: MOONEY, C.T. & PETERSEN, M.E. (Eds.). Manual de
endocrinologia canina e felina. 3. ed. São Paulo: Roca, 2004. cap. 10, p. 91-113.
GARCIA-NAVARRO, C.E.K. Manual de urinálise veterinária. São Paulo: Varela, 1996. 95 p.
GONZÁLEZ, F.H.D. & SILVA, S.C. Bioquímica hormonal. In:________ Introdução à bioquímica clínica
veterinária. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2006. p. 251-312.
KEMPPAINEN, R.J. Hormone assays. In: MOONEY, C.T. & PETERSEN, M.E. (Eds.). Manual of canine and
feline endocrinology. 3. ed. Gloucester: BSVASA, 2004. cap. 2, p. 6-10.
KERR, M.G. Exames laboratoriais em medicina veterinária. Bioquímica clínica e hematologia. 2. ed.
São Paulo: Roca, 2003. 436 p.
NELSON, R.W. & COUTO, C.G. Distúrbios da glândula tireóide. In:________. Medicina interna de
pequenos animais. 3. ed. Elselvier, 2006. cap. 51, p. 665-698.
THRALL, M.A. Hematologia e bioquímica clínica veterinária. São Paulo: Roca, 2007. 592 p.
Caso clínico 2009/2/04 página 5
FIGURAS
Figura 1. Exame clínico: cobertura e aparência dos pelos Figura 2. Exame clínico: aparência geral do animal após 62
na região torácia do animal na revisão em 25/09/2009. dias de tratamento com tiroxina. Visível melhora da condição
Presença de alopecia e hiperpigmentação na região do tronco, do animal, com retorno completo da cobertura de pelos e da
além de evidente sobrepeso, como constatado na primeira pigmentação normal.
consulta em 27/08.