TOXOPLASMA CONGENITA - Manual MS 2014
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Congênita 16
O Toxoplasma gondii é um protozoário capaz de infectar a maioria das espécies de sangue
quente, incluindo o homem. A toxoplasmose afeta cerca de um terço da população mun-
dial,1 mas tem prevalência variável em diferentes populações, dependendo da combinação
de fatores tais como clima, hábitos higiênicos, população de gatos e hábitos de preparação
e ingestão de alimentos.2 No Brasil, a prevalência de toxoplasmose é considerada alta.
Tal transmissão também pode ocorrer, muito mais raramente e principalmente em mulhe-
res portadoras de deficiência imunológica, após reativação da toxoplasmose latente duran-
te a gestação ou reinfecção.1, 2, 4
Cerca de 40% das gestantes com toxoplasmose aguda transmitirão o Toxoplasma ao feto.
O risco de ocorrência de infecção congênita aumenta significativamente conforme a idade
gestacional em que a mulher é infectada, sendo estimado em 17% quando a infecção agu-
da ocorre no primeiro trimestre, 25% no segundo e 65% no terceiro trimestre. De maneira
inversa, a doença é mais grave quando o feto é infectado no primeiro trimestre de gestação,
e geralmente leve ou assintomática no feto infectado durante o terceiro trimestre.5
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Aproximadamente 85% dos RNs com toxoplasmose congênita não apresentam sinais clí-
nicos evidentes ao nascimento. No entanto, uma avaliação mais detalhada pode mostrar
alterações tais como restrição do crescimento intrauterino, prematuridade, anormalidades
liquóricas e cicatrizes de retinocoroidite.1,2,6 Quando presentes, as manifestações clínicas
podem ser encontradas no período neonatal ou ao longo dos primeiros meses de vida, po-
dendo também haver surgimento de sequelas da doença previamente não diagnosticada
apenas na adolescência ou na idade adulta.1, 2
Sequelas tardias são muito frequentes na toxoplasmose congênita não tratada. Mesmo
entre RNs assintomáticos ao nascimento, estima-se que 85% apresentarão cicatrizes de
retinocoroidite nas primeiras décadas de vida, e 50% evoluirão com anormalidades neuroló-
gicas. As sequelas são ainda mais frequentes e mais graves nos RNs que já apresentam sinais
ao nascer, com acometimento visual em graus variados, retardo mental, crises convulsivas,
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anormalidades motoras e surdez.1,2,7 Mais de 70% desses RNs desenvolverão novas lesões
oftalmológicas ao longo da vida.8
Deve-se salientar que essas características clínicas foram descritas em estudos realizados em
países europeus e nos Estados Unidos. Estudos brasileiros recentes, no entanto, mostram que
as lesões oftalmológicas são mais frequentes, manifestando-se já ao nascimento, chegando
a ocorrer em 80% dos RNs. Além disso, maior gravidade tem sido identificada, possivelmente
devido à exposição a cepas mais virulentas do Toxoplasma ou a maior suscetibilidade da po-
pulação.9,10 Dessa forma, nos últimos anos, tem-se dado maior atenção à detecção precoce
de alterações oftalmológicas e ao acompanhamento a longo prazo das crianças infectadas.
Considerando-se que tanto as gestantes quanto os RNs infectados são usualmente assin-
tomáticos, a realização de exames laboratoriais torna-se imprescindível para investigação
e definição diagnóstica.
Na gestante, a IgG passa a ser detectada 1 a 2 semanas após a infecção aguda, havendo
aumento progressivo dos títulos sorológicos até atingir o pico máximo em 3 a 6 meses. A
seguir, inicia-se diminuição lenta, durante meses ou anos, com persistência de títulos posi-
tivos baixos durante o restante da vida.11,13
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A IgM pode ser detectada também na primeira ou segunda semana após a infecção aguda
e usualmente permanece elevada por 2 a 3 meses, havendo, entretanto, relatos de positivi-
dade por período de até 12 anos.2,4,12
Dessa forma, um teste sorológico positivo para IgM durante a gestação não significa neces-
sariamente infecção recente; em muitos casos, a infecção ocorreu previamente à gestação
e não há risco de transmissão vertical.11,14
Este teste permite estimar o momento em que ocorreu a infecção aguda, tornando-se,
portanto, um instrumento auxiliar na investigação da toxoplasmose gestacional.
Assim, um alto índice de avidez, quando o exame tiver sido colhido no primeiro trimestre
de gestação, indica que a infecção aguda materna ocorreu antes do início da gravidez e
que não há risco de infecção fetal, independentemente do resultado da IgM.11 Quando
colhido após 12 – 16 semanas de gestação, um índice elevado de avidez indica apenas que
a infecção foi adquirida no mínimo 3 a 4 meses antes. Nessa situação, as únicas conclusões
possíveis são que o risco de transmissão vertical pode ser mais baixo e a chance de dano
ao feto, mais elevada.11
Deve-se salientar que o índice de avidez pode manter valores considerados baixos (me-
nores que 30%) por mais de um ano e, portanto, não deve ser utilizado isoladamente para
diagnóstico de toxoplasmose aguda gestacional.4,11,13 Valores de índices de avidez entre 31%
e 59% não permitem qualquer tipo de conclusão, devendo ser repetidos.2
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A amplificação do DNA do Toxoplasma gondii no líquido amniótico por meio da PCR tem
sido utilizada para diagnóstico pré-natal de toxoplasmose congênita, com sensibilidade
de até 70%, especificidade e valor preditivo positivo de 100%.4,11 Esses valores, no entanto,
variam conforme a idade gestacional da coleta, havendo relatos de maior sensibilidade
entre 17 e 21 semanas.11,14 Deve-se salientar que as técnicas utilizadas não são padronizadas
e que não há consenso com relação ao protocolo mais adequado, sendo recomendada a
realização da PCR em laboratórios com experiência neste exame e com controle de qualida-
de adequado.11 A pesquisa de DNA do Toxoplasma no líquido amniótico tem sido utilizada
quando a mulher tem testes sorológicos comprovandos ou altamente sugerindo de toxo-
plasmose aguda adquirida durante a gravidez, ou quando há evidência de acometimento
fetal na ultrassonografia obstétrica. Os riscos inerentes à realização da amniocentese devem
ser considerados em todas as situações.
Este exame é normal na maioria dos casos, mas pode revelar anormalidades fetais inespe-
cíficas que sugiram toxoplasmose congênita, como hidrocefalia, calcificações cerebrais e
hepáticas, hepatoesplenomegalia, ascite, cardiomegalia e anormalidades placentárias.4,6,11
16.2.2 Diagnóstico no RN
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A detecção de IgA antitoxoplasma tem o mesmo significado que a de IgM, embora alguns
estudos relatem maior sensibilidade da IgA. Recomenda-se a determinação simultânea de
IgM e IgA no RN.2 No entanto, os testes sorológicos para detecção de IgA são pouco dis-
poníveis no Brasil.
Nos RNs em que não sejam detectados IgM e/ou IgA, a diferenciação dos anticorpos IgG
produzidos pela mãe daqueles produzidos pelo próprio RN pode ser realizada pela com-
paração dos padrões de reatividade dos anticorpos IgG contra antígenos específicos do
Toxoplasma, utilizando-se a técnica de immunoblotting. Esse ensaio é considerado promis-
sor para a definição do diagnóstico precoce da toxoplasmose congênita, possuindo altas
sensibilidade e especificidade,2,14 mas tem a desvantagem do alto custo.
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O RN deve ser submetido à avaliação clínica cuidadosa, com atenção especial à possível
presença de anormalidades sugestivas de toxoplasmose congênita ao exame físico. A in-
vestigação complementar inicial deve incluir hemograma completo, fundoscopia ocular
e ultrassonografia transfontanelar em todos os RNs com suspeita de infecção congênita
(Quadro 15). Em crianças sintomáticas, é útil descartar a ocorrência de outras infecções
congênitas que podem acarretar quadro clínico semelhante, notadamente citomegalovi-
rose, sífilis e rubéola.
Quadro 15 – R ecomendações para avaliação clínica e laboratorial inicial de RN e lactentes com suspeita de
toxoplasmose congênita
• Avaliação oftalmológica (fundoscopia ocular)
• Avaliação neurológica
• Avaliação auditiva
• Ultrassonografia transfontanelar ou tomografia computadorizada de crânio (sem contraste)
• Hemograma completo
• Análise de líquido cefalorraquidiano (bioquímica e celularidade)
• Sorologia para toxoplasmose (IgG e IgM*) da mãe e da criança
• Em crianças sintomáticas: avaliar função hepática e descartar outras infecções congênitas
(sífilis, citomegalovirose, rubéola)
Fonte: SAS/MS.
*Preferencialmente teste de captura para IgM.
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16.3 Tratamento
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Tabela 10 – Medicamentos utilizados para tratamento da toxoplasmose congênita durante o primeiro ano de vida2,7
Medicamento* Posologia
Sulfadiazina§ 100 mg/kg/dia divididos em 2 doses diárias, durante 1 ano
(comprimidos de 500 mg)
Pirimetamina§ 1mg/kg/dia em 1 dose diária, durante dois a seis meses,
(comprimidos de 25 mg) dependendo da intensidade do acometimento
A seguir, 1mg/kg três vezes por semana, até completar 1 ano de
utilização do medicamento
Ácido folínico§ 10 mg administrados três vezes por semana
(comprimidos de 15 mg) Na ocorrência de neutropenia:
se <1.000 neutrófilos/mm3, aumentar a dose para 20 mg diários
se <500 neutrófilos/mm3, suspender a pirimetamina até que
ocorra recuperação
Manter por mais uma semana após interrupção do uso da
pirimetamina
Atenção: o ácido fólico não deve ser utilizado em substituição ao
ácido folínico
Prednisona ou 1mg/kg/dia em duas doses diárias se houver retinocoroidite em
prednisolona atividade e/ou se proteinorraquia ≥1.000 mg/dL
Utilizar sempre em associação com sulfadiazina e pirimetamina.
Realizar retirada gradual após estabilização do processo
inflamatório
Efeitos adversos Neutropenia, anemia (frequentes), trombocitopenia,
hiperbilirrubinemia, reações de hipersensibilidade, intolerância
gastrointestinal, cristalúria, erupção cutânea
*Via oral.
§Medicamentos disponíveis apenas sob a forma de comprimidos. Podem ser produzidas soluções em farmácias de manipu-
lação com as seguintes concentrações:
•• Sulfadiazina 100 mg/mL.
•• Pirimetamina 2 mg/mL.
•• Ácido folínico 5 mg/mL (ou fracionamento para comprimidos com 5 mg cada).
Recomenda-se observar cuidadosamente a icterícia clínica e monitorar os níveis de bilirrubina quando a sulfadiazina for utilizada
em RN.
Fonte: Andrade (2006); Mcleod (2006).
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O efeito colateral mais comum do tratamento é a neutropenia reversível, que pode ocorrer
em até 58% das crianças tratadas.7 O ácido folínico é associado ao tratamento para prevenir
e tratar a toxicidade medular da pirimetamina. Assim, recomenda-se a realização semanal
de exames hematológicos durante os primeiros dois meses de tratamento. Havendo estabi-
lização da contagem de neutrófilos periféricos, a avaliação hematológica pode ser espaçada
para cada duas semanas, durante mais dois meses e, a seguir, mantida mensalmente até o
final do tratamento. A periodicidade de realização dos exames deve ser reavaliada a cada
consulta, de acordo com os resultados laboratoriais.
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Figura 5 – Fluxograma geral de decisão sobre a abordagem inicial de RN assintomático com suspeita de
toxoplasmose congênita2
RN assintomático
2 sorologias subsequentes
CRIANÇA NÃO INFECTADA negativas§
¥ Na descontinuidade do tratamento pela negativação dos anticorpos IgG, repetir a sorologia em um mês.
§ Em crianças que receberam tratamento, confirmar soronegativação seis meses após a suspensão dos medicamentos.
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16.5 Prevenção
As orientações pré-natais parecem ser efetivas para adequar os hábitos alimentares e de hi-
giene dessas mulheres e reduzir a ocorrência de soroconversão gestacional, mas o impacto
de diferentes estratégias educacionais ainda não está bem estabelecido.18
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