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RP3 - Revista de Pesquisa em Políticas Públicas ISSN: 2317-921X

Mulheres no sistema prisional:


Por que e como compreender suas histórias?

Cátia Regina Muniz¹


Guilherme Bergo Leugi²
Angela Maria Alves³

Recebido em 31 de agosto de 2017


Aprovado em 11 de novembro de 2017

DOI: 10.18829/rp3.v11i2.26945

RESUMO
A proposta deste artigo é apresentar uma abordagem possível para investigação das condições
que levam mulheres ao encarceramento, e também as condições que estas mesmas mulheres
enfrentam ao deixar a tutela do Estado, concentrando-se na qualidade de vida e de reinserção
social após encarceramento e também nos direitos da mulher. Neste sentido, apresentamos a
importância de ouvir tais mulheres, enfatizando o método e a técnica de pesquisa utilizados
para coleta e análise de dados e também quais são os referenciais analíticos que fundamentam
esse ouvir. Concentramos o foco de investigação nas egressas do sistema, visto que seus relatos
permitem reunir informações sobre como eram as condições de vida antes, durante e após sua
prisão. Mais especificamente, discutimos a adequação metodológica do estudo de caso e das
histórias de vida para a investigação deste tipo de fenômeno, com potenciais implicações para
além da análise do sistema prisional. Os pressupostos analíticos se basearam em teorias que
trabalham com a desconstrução de oposições binárias. O objetivo da escuta da narrativa dessas
mulheres não é apenas entender suas condições de vida, mas também identificar possíveis
ações de melhoria e coligir insumos de apoio à formulação de políticas públicas para egressas
do sistema prisional.
Palavras-chave: pesquisa qualitativa, egressas do sistema prisional, políticas públicas,
metodologia de pesquisa, história de vida.

ABSTRACT
The purpose of this article is to present a possible approach to investigating the conditions that
lead women to incarceration, as well as the conditions that these women face when they leave
the State, focusing on quality of life and social reintegration after incarceration and women's
rights. In this sense, we present the importance of listening to such women, emphasizing the
method and the research technique used for data collection and analysis and also the analytical
references that support this listening. We focused the investigation on the system, since their
reports allow us to gather information about how the conditions of life were before, during and
after their arrest. More specifically, we discuss the methodological suitability of the case study
and life histories for the investigation of this type of phenomenon, with potential implications
beyond the analysis of the prison system. The analytical assumptions were based on theories
that work with the deconstruction of binary oppositions. The purpose of listening to these
women's narratives is not only to understand their conditions of life, but also to identify
possible actions for improvement and to gather inputs to support the formulation of public
policies for the prison system.

_________
¹Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer. E-mail: [email protected]
²Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer. E-mail: [email protected]
³Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer. E-mail: [email protected]

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RP3 - Revista de Pesquisa em Políticas Públicas ISSN: 2317-921X

Keywords: qualitative research, prison system graduates, public policies, research


methodology, life history.

1. Introdução
No cenário nacional, é possível constatar uma carência de políticas públicas para
reinserção social de egressos1 do sistema prisional. Nesse âmbito, apenas um documento
propondo diretrizes gerais foi produzido recentemente: Postulados, princípios e diretrizes
para a política de atendimento às pessoas egressas do sistema prisional (WOLFF, 2016).
Entretanto, tais diretrizes ainda não foram operacionalizadas em políticas.
Para as mulheres a situação é pior, já que não há políticas específicas para as egressas
(por exemplo, COSTA, 2011; SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS
MULHERES DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007). As Diretrizes de atenção à
mulher presa (COORDENADORIA DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL E CIDADANIA, 2013)
orientam o tratamento da mulher encarcerada, e mesmo contendo várias sugestões de políticas
públicas, poucas ações de fato surgiram em decorrências dessas. As Diretrizes..., ao compilar
vasta coleção de dados de pesquisa, mostram especificamente como aspectos do
encarceramento afetam diferentemente mulheres quando comparadas aos seus pares do sexo
masculino. Por exemplo, o encarceramento cerceia a possibilidade de exercer a maternidade e
a maternagem, que para além da mulher presa, afeta a dignidade da criança. O documento
também cita, entre outros aspectos de trabalho e relações sociais, o envelhecimento, que para
mulher é diferente hormonalmente e requer cuidados especiais que devem ser somados aos
que também são dispensados em relação aos homens. Assim, tais documentos mostram a
primazia da lógica e da ótica masculinas no sistema prisional brasileiro e descrevem como as
especificidades das mulheres encarceradas têm sido negligenciadas ao planejar ações para a
população carcerária.

1
O artigo 26 da Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210/84, estabelece duas categorias de egressos. A
primeira refere-se àquele(a) condenado(a) libertado definitivamente, que pelo prazo de um ano após sua saída da
prisão passa a ser assim denominado juridicamente, assim como aquele(a) que foi desinternado(a) por medida de
segurança, pelo mesmo prazo. Outra categoria é o libertado condicional, mas somente durante o seu período de
prova. Após um ano para o libertado ou desinternado e o período de prova para o liberado condicional, a pessoa
deixa de ser juridicamente definida como egressa e não tem mais acesso à assistência oferecida a tal categoria
(D‟URSO, 2001). Para efeito da presente pesquisa, consideram-se egressas todas as pessoas que não estão mais
em detenção.

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Diante dessa conjuntura, elaboramos uma metodologia de modelagem e avaliação das


condições individuais de bem-estar e reintegração social de detentos do sistema prisional
brasileiro, no escopo de um projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido pelo grupo de
avaliação de políticas públicas do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI)2.
Essa atividade está inserida no âmbito de atuação de um grupo multi-institucional de apoio ao
sistema prisional na cidade. O emprego dessa metodologia poderá possibilitar o levantamento
e a sistematização de informações que possam ser usadas como insumo para a melhoria das
condições das detentas e para o (re)planejamento de políticas públicas destinadas ao sistema
prisional brasileiro, sobretudo no que se refere às egressas.
A metodologia se fundamenta em uma análise qualitativa e interdisciplinar, cujo
intuito é também entender quais foram as experiências vivenciadas pelos participantes intra e
extramuros. Neste artigo, são apresentados os motivos que nos levaram a querer ouvir
egressas do sistema prisional e quais as formas encontradas para atingir esse objetivo.
Considera-se que a narrativa dessas mulheres permitirá à equipe de pesquisa não
apenas o entendimento de suas condições de vida, mas também que as propostas de políticas
públicas possam ser baseadas nas necessidades reais das egressas, manifestadas
explicitamente ou identificadas pela aplicação da metodologia concebida para tal propósito.
Aqui reside um dos principais desafios que se pretende sobrepujar com a abordagem adotada,
sobretudo no que tange a “ouvir” e contextualizar o inaudito. Essa contextualização vem da
relação entre pesquisador e pesquisado. O desafio, contudo, de construir relações sociais entre
pesquisador e pesquisado durante os momentos geralmente curtos de pesquisa, condição
essencial para a produção de conhecimento fidedigno, válido e útil para a comunidade
investigada, ainda permanece.
A fim de mitigar os problemas e barreiras práticas e pragmáticas de pesquisa, em
termos de tempo, acesso, e recursos, é possível treinar o olhar e definir estratégias
metodológicas para produzir observações em contexto (GUERIN, 2016). Algumas dessas
estratégias incluem: observar os contextos da populações investigadas ao longo do tempo, ao
invés de comparar diferentes indivíduos transversalmente; evitar definir ou nomear aquilo que
se observa muito cedo, especialmente em populações já maciçamente estigmatizadas para as

2
O projeto de pesquisa, atualmente em curso, do qual emergiram metodologia e abordagem interpretativa aqui
defendidas, é fruto de trabalho financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), na modalidade de bolsas PCI-DA concedidas aos dois primeiros autores. O protocolo de pesquisa foi
submetido à Plataforma Brasil para avaliação, tendo sido concedida a aprovação ética sob o número CAAE
68611317.2.0000.5453.

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quais já existe uma miríade de “respostas prontas” (GUERIN, 2016); produzir conhecimento
de modo colaborativo, ou seja, de maneira que ao menos nos momentos de interação entre
pesquisador e participante não haja hierarquia de teorias, concepções e ideologias acerca do
que se investiga (BORDIEU, 1996).
Enfim, o ponto principal defendido no presente trabalho é o de que incluir a
perspectiva do possível “beneficiário” de uma eventual política pública é condição seminal
para a formulação de boas estratégias para sua implementação, bem como sua eficácia ao
longo do tempo em seu ciclo de vida. A ramificação principal deste ponto é que é preciso
delinear e pensar novas maneiras de ouvir tais “beneficiários” em seus contextos sociais, de
modo integral e pouco enviesado pelas expectativas dos planejadores e dos próprios
pesquisadores. A participação da sociedade civil e não apenas do Estado na elaboração de
políticas públicas também é uma das sugestões apontada nos Postulados, princípios e
diretrizes... (WOLFF, 2016) ao tratar de diretrizes para formulação de políticas públicas para
egressos.
Na mesma perspectiva, Carvalho (1999) defende a avaliação de programas sociais, por
meio da avaliação participativa cujo eixo metodológico pressupõe o envolvimento e
participação dos formuladores, gestores, implementadores e usuários no próprio processo
avaliativo. Não apenas as avaliações devem abranger esse público, como também as próprias
concepções das políticas públicas. Por isso, a ideia é a de que as sugestões de políticas
públicas para egressas partam também de suas próprias aspirações e que não sejam
exclusivamente concebidas pelos formuladores de políticas.
Assim, para descrever o problema que se pretende estudar e para introduzir a
metodologia concebida, apresentamos a seguir uma breve contextualização histórica do
penitenciarismo e das condições das mulheres em detenção. Tal contextualização configura-se
como preâmbulo à descrição subsequente da abordagem proposta para ouvir as egressas,
interpretar seus relatos, modelar suas condições individuais e identificar elementos
direcionadores de possíveis políticas para a reintegração social dessas pessoas.
Ao discorrermos sobre a abordagem, a ênfase recai nos métodos e diretrizes para
coleta e análise de dados, cujo referencial teórico busca evitar binarismos e interpretar as
informações de acordo com os princípios da hermenêutica, da dialética, da fenomenologia e
do interacionismo simbólico, pois o interesse central do estudo está na compreensão das
reações e motivações dos atores, e não na identificação de regularidades. Como desfecho,

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tecemos algumas considerações finais e trazemos à luz os desdobramentos em curso desta


pesquisa.

2. Apontamentos teóricos

Uma vez que o fenômeno do encarceramento, especialmente o das mulheres, é


atravessado necessariamente por questões de discriminação, preconceitos, estigma e gênero,
foi necessário orientar o estudo proposto com uma fundamentação teórica que tratasse da
desconstrução de estereótipos, preconceitos, e questionasse a criação de conceitos
prioritariamente via o estabelecimento de relações binárias opositivas.
Dessa maneira, nos moldes do que é proposto, grosso modo, por Derrida (1991), para
evitar a formação do pensamento por binarismos opositivos, é necessário empreender um
processo de desconstrução do pensamento vigente com o qual o pesquisador se depara quando
realiza seu próprio esforço investigativo. Segundo o autor, há que se observar que usualmente
a preconcepção – um dos termos da oposição binária – sobre um dado fenômeno é vista como
superior, enquanto a realidade – o outro termo da oposição binária – do outro é vista como
inferior. Tal viés obscurece os dados e os achados empíricos de pesquisa e contraria o a
hierarquia conceitual da análise das situações encontradas em pesquisa (LOURO, 2001).
Antes de Derrida, Hertz (1980) já havia ressaltado a forma como a sociedade ocidental
elabora categorias binárias, inspirado no artigo de Durkheim e Mauss intitulado Algumas
formas primitivas de classificação (2000, trabalho originalmente publicado em 1963). Hertz,
em sua obra a Preeminência da mão direita sobre a esquerda: um estudo sobre a polaridade
religiosa, mostrava que essas categorias se propunham a dividir coisas e pessoas em
oposições binárias, sendo que sempre uma era superior à outra, no caso a mão direita sobre a
esquerda.
Na mesma linha propositiva, Deleuze (1995) também ressalta a importância, em
termos conceituais, de compreender os fenômenos de modo que não se relacione aquilo que é
descoberto à uma suposição de essências pré-existentes, mas sim às circunstâncias em que a
interpretação de dados é produzida. Assim, tanto o momento de coleta de dados, quanto às
visões sobre as experiências dos participantes de pesquisa, e também os posicionamentos
teórico-metodológicos da equipe de pesquisa é que irão informar a construção da análise de
dados que se pretende.

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Dessa maneira, foram buscados referenciais teóricos que de algum modo se


propusessem a desconstruir conceitos preconcebidos principalmente em relação a populações
marginalizadas, mas também que se propusessem a questionar binarismos tais como
normal/desviante, pessoas em liberdade/privadas de liberdade, homem/mulher,
masculinidade/feminilidade, entre outros. Procuramos, portanto, fundamentações teóricas que
pudessem interagir com a complexidade do contexto sob investigação e que também
contemplassem os aspectos subjetivos das pessoas imersas nestes contextos. Em suma, trata-
se de buscar a fundamentação teórica que fosse sensível às particularidades do
encarceramento, em especial o das mulheres, permeado de estigmas e preconceitos.

3. Um breve quadro do penitenciarismo

Ao pesquisar a história dos sistemas prisionais constata-se que a função que essas
instituições desempenham na sociedade passou a se modificar a partir do século XIII,
momento no qual os presídios passaram a ter funções equivalentes àquelas que apresentam
hoje (MUNIZ, 2017). Até então as prisões serviam somente para a detenção do “criminoso”
que aguardava julgamento. No século XVI, era esperado que as prisões desempenhassem o
papel “tirar de circulação os vagabundos” e mendigos, recrutando-os de maneira forçada para
trabalho nas tecelagens. A proposta era a transformação da força de trabalho dos indesejáveis
em algo socialmente aproveitável. De acordo com Jinkings (2013), a lógica subjacente à
administração carcerária desde então até os dias de hoje é a de que, a pessoa em privação de
liberdade deve encontrar-se em situações mais precárias do que a do trabalhador pobre para
que, desse modo, não reincida em infrações.
No início do século XX, aparecem as ideias modernas de reforma penitenciária, a
partir das quais enfatizou-se a possibilidade de curar o preso ou confiná-lo no isolamento caso
fosse considerado irrecuperável. Assim, o crime passou a ser tratado como uma questão
médica-psicológica. Nessa reforma, insere-se a possibilidade de progressão da pena, pois
entende-se que a disciplina não precisa necessariamente ser mantida por métodos repressivos
(MUNIZ, 2017).
Já nos anos 80 e 90 do século passado, Wacquant (2001) apresenta duas teorias,
concebidas nos EUA, que, segundo ele, alicerçaram o processo de criminalização da miséria:
a teoria da vidraça quebrada e a tolerância zero. Para ele, a primeira defende o combate às

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desordens recorrentes como forma de suprimir os crimes considerados mais violentos. A


segunda propõe que a lei incida sobre pequenas infrações servindo como ferramenta de
legitimação do controle dos pobres pela atuação policial e judiciária.
Ao sintetizar as ideologias criadas por meio do sistema penal, Guimarães
(GUIMARÃES, 2006, p. 107) destaca aquelas que tinham o prefixo “re”: a reintegração, a
ressocialização, a reeducação, a reinserção, etc. Na concepção do autor, o ponto mais
suscetível dessa linha teórica foi pensar que se pudesse ressocializar por meio do cárcere, isto
é, a partir de um local que foi construído para confinar e excluir.

4. Fluxo histórico dos presídios no Brasil

No Brasil, apesar de não existir, até o século XIX, nenhuma pena de privação de
liberdade, havia diversas construções prisionais, as quais eram utilizadas para que o preso
cumprisse outras penas, por exemplo, os punidos com o pagamento de multas que não
possuíam o dinheiro (por exemplo, SALLA, 1999).
No século XIX, passou-se a empregar os presos para a realização de serviços
principalmente públicos de higiene e limpeza urbana. Nesse momento, de acordo com Salla
(1999) a prisão vista como algo segregador ainda estava distante, pois não havia muros para
isolamento e, assim, os presos podiam manter contato com o mundo extramuros. A concepção
de requalificar os infratores, por meio da supressão da liberdade com o intuito de punir os
infratores, se propagou durante o século XIX.
Dessa forma, a pena de prisão, desde o início do século XIX, obteve relevância por se
pautar na privação da liberdade, que era direito de todos os cidadãos no período (MUNIZ,
2017). Na Europa, o sistema punitivo foi implantado em um momento de aumento dos
direitos de cidadania. Já no Brasil, esse sistema surge em um período em que ainda se
mantinha um regime escravocrata, e uma sociedade dividida entre pessoas livres e escravos,
produzindo uma aplicação desigual das leis (MASSARO, 2014).

5. Cenário atual

No Brasil, país marcado por forte desigualdade socioeconômica, observa-se hoje uma
superlotação de detentos no sistema penitenciário. Em um sistema voltado apenas a afastar os

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desviantes do convívio social (FOUCAULT, 1999; GOFFMAN, 1974; GUIMARÃES, 2006;


MASSARO, 2014; SALLA, 1999), reforçando inclusive a imagem dessas pessoas como de
alta periculosidade e de ameaça iminente à sociedade, sem programas mínimos de educação e
ressocialização, cria-se um círculo vicioso: a desigualdade gera violência e a privação de
liberdade individual é usada para contê-la, gerando o encarceramento em massa e a
superlotação dos presídios.
Estudiosos do sistema prisional (AZEVEDO, 2015; GUIMARÃES, 2006;
MASSARO, 2014; SALLA, 1999) não acreditam que a construção de mais presídios seja a
saída para a falta de vagas. Os teóricos dessa temática apontam que é fundamental a
diminuição da desigualdade social e o encarceramento de pessoas que não cometeram crimes
concebidos como violentos, além de reverem as prisões de pessoas que ainda não foram
julgadas. O relatório divulgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2014, mostrava que 40% da população
carcerária brasileira era formada por detentos que ainda não haviam sido julgados. O fato se
dá, segundo especialistas, por causa da política criminal brasileira que prioriza a prisão, e não
o uso de penas alternativas.
Por outro lado, sabe-se que o Sistema Prisional Brasileiro é parte integrante da
estrutura de segurança oferecida pelo Estado, e deveria, nos termos da Constituição Federal
Brasileira de 1988, também zelar pelas garantias de direitos assegurados à população
carcerária. Uma análise macroestrutural do sistema prisional, contudo, pode nos levar à
conclusão de que esse sistema falha ainda no tocante a ser um instrumento para garantia de
segurança da população extramuros. Isto tanto pela superlotação de presídios e outros
problemas em seu funcionamento, mas também pelo pensamento que embasa a lógica de
encarceramento.
Na perspectiva intramuros, observa-se que, na maioria dos presídios latinoamericanos,
as pessoas em privação de liberdade estão sujeitas à escassez de alimentação, precários
serviços de saúde e atendimento jurídico, com poucas iniciativas que promovam a reinserção
social (SALLA et al., 2008). Esses autores sublinham que a situção nas prisões são ainda
piores para mulheres e pessoas com transtornos mentais, pois os espaços físicos dos presídios
não foram pensados para contemplar suas especificidades.

6. A “ala feminina”: por que ouvi-la?

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A pesquisa bibliográfica a respeito das mulheres egressas do sistema prisional mostrou


a escassa produção referente às suas condições de reinserção social, de acesso a emprego e
renda extramuros e também recuperação ou construção de vínculos familiares após o
livramento (condicional ou definitivo).
Além da carência de estudos nessa área, outro fator chama atenção dos gestores de
políticas públicas. Nos últimos anos, segundo informações publicadas pelo Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias especialmente dedicado às mulheres presas – Infopen
Mulheres (SANTOS, T.; VITTO, 2014), houve um aumento significativo na população
carcerária feminina, sendo inclusive a uma taxa de crescimento superior a da masculina. De
acordo com dados do relatório, o número de mulheres presas subiu de 5.601 em 2000 para
37.380 em 2014, um aumento de 567% (SANTOS, T.; VITTO, 2014). Esse aumento é quase
cinco vezes maior que o crescimento da população carcerária em geral, que foi de 119% no
último período. É alarmante por si só que a população carcerária em geral tenha mais que
dobrado nas últimas quase duas décadas, mas a situação da mulher é ainda mais preocupante.
A precarização da situação feminina nos presídios brasileiros, tanto pelo aumento
expressivo dessa população nos últimos anos, como pela normalização da ótica masculina no
planejamento de políticas e no dia-a-dia intramuros, está entre as razões é relevante produzir
conhecimento acerca das mulheres em situação de detenção. Mais do que isso, esse cenário
nos leva a lançar um olhar teórico e analítico sobre a situação de encarceramento no Brasil,
que envolva necessariamente questões de gênero e das vivências gênero-específicas.
Em termos gerais, o sistema prisional foi concebido e implementado por homens e
para homens (SANTOS, J. H. P. DOS; SANTOS, 2014). A percepção de que o crime era um
fenômeno predominantemente masculino, devido ao baixo percentual de infrações cometidas
por mulheres, fez com que edificações específicas para elas fossem ignoradas. Como
consequência, homens e mulheres não apenas ocupavam os mesmos espaços nos presídios,
como compartilhavam a mesma cela.
As penitenciárias femininas só tiveram origem, no Brasil, nos anos 30 e 40 do século
passado, nos quais imperava uma administração voltada às questões morais e religiosas. As
primeiras instituições prisionais femininas foram: o Instituto Feminino de Readaptação Social
em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1937, o Presídio de Mulheres de São Paulo e a
Penitenciária de Mulheres de Bangu, no município do Rio de Janeiro, ambos inaugurados no
ano de 1942 (ANDRADE, 2011; DIAS; SILVA; BARROS, 2012).

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Dias, Silva e Barros (2012, p. 238) salientam que as prisões femininas imbuídas de
moralidade e religiosidade possibilitaram a concepção de um reformatório especial reservado
a abrigar mulheres, cujos crimes estavam relacionados a comportamentos considerados
desviantes, tais como, prostituição, mães solteiras, mulheres “masculinizadas”, mulheres com
propensão à vadiagem e à embriaguez, entre outros.
Da mesma forma, Santos e Santos (2014, p. 397) ressaltam que a inserção de
instituições religiosas, na gestão das penitenciárias femininas, tinha por finalidade fazer com
que as mulheres que transgredissem as normas morais em vigor na sociedade pudessem, por
meio de orações e de práticas de trabalhos domésticos, ser reconduzidas à “normalidade” – ou
seja, ao conjunto de convenções sociais aceitas à época.
Na mesma perspectiva, Souza (2009) destaca que a privação de liberdade para homens
e mulheres tinham finalidades diferentes: a reclusão dos homens destinava-se à sua correção
para reinserção social, já as das mulheres tinha como propósito sua recuperação para voltar a
ocupar seu lugar de direito: o lar. No código penal brasileiro, desde 1940 figurava o termo
“mulher desonesta”, tendo sido revisto somente em 2005 com a Lei 11.106, que desassocia o
aspecto da moralidade feminina da aplicação da lei contra a mesma (FERNANDES;
MIYAMOTO, 2014).
Sobre esses aspectos, Gilberto Velho (1985) interpreta que essas mulheres não
estavam se desviando, nem sofriam de quaisquer doenças, estavam sim divergindo do que foi
imposto a elas como conduta que deveriam seguir. Para esse autor, há fenômenos culturais
que podem ser interpretados de maneiras contraditórias e divergentes, o que não significa
desvio – o qual tem características de patologia e necessidade de “cura”.
Assim, as prisões femininas foram instituídas, tendo como princípio a ideia de desvio
citada pelo autor. Aquelas que se opuseram ao que estava prescrito foram encarceradas e
obrigadas a se comportarem como determinavam as normas sociais praticadas naquele
momento.
Foi durante esse período que os juristas iniciaram as discussões sobre a inserção das
mulheres ditas criminosas na legislação penal. Entretanto, apenas em 1981 foi apresentado um
anteprojeto da Lei de Execução Penal (LEP), sendo aprovado em 1984 (como Lei nº
7.210/84). Essa lei garante às mulheres, juntamente com outros direitos comuns a qualquer
detento, sem distinção do sexo, o direito a acomodações em celas individuais, com boas
condições de higiene e a serem abrigadas em ambientes próprios e adequados a sua condição

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pessoal (FREITAS, 2012). Todavia, essa Lei na maioria dos presídios femininos não é
cumprida, já que muitos deles eram penitenciárias masculinas que foram “adaptadas” para as
mulheres infratoras.
Segundo Costa (2011), a legislação penal brasileira de 1988, por ter como garantia a
igualdade entre os sexos, não introduziu normas que diferenciassem os crimes cometidos por
homens e mulheres. As políticas específicas para as mulheres se restringiram às que se referem
à gestação, amamentação e ao período em que poderiam ficar com filhos na prisão. Para a
autora, as desigualdades de gênero existentes no Brasil impossibilitam o tratamento igualitário
entre homens e mulheres no sistema penal.
Sobre mulheres em privação de liberdade, o Conselho Nacional de Justiça publicou
recentemente a tradução das Regras de Bangkok (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,
2016), que trata de regras da Organização das Nações Unidas para o tratamento de mulheres
presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. O documento pretende
sistematizar as condições e as necessidades particulares das mulheres em situação de
encarceramento, e prevê que, devido ao aumento significativo da população carcerária
feminina nos últimos anos (fenômeno também observado no Brasil), a atenção às questões
específicas de gênero, tomem um caráter de urgência e importância.
O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC, em seu relatório Mulheres em prisão
(FONSECA et al., 2017), sublinha que o aumento do número de mulheres encarceradas no
Brasil tem também como estímulo as múltiplas vulnerabilidades vivenciadas por mulheres,
tais como, baixa escolaridade, falta de acesso a atividades profissionais que possibilitem
maiores rendimentos, dupla jornada de trabalho, responsabilidade pelo sustento dos filhos e
da família.
Além disso, o perfil das mulheres infratoras traçado pelo Infopen Mulheres (SANTOS,
T.; VITTO, 2014) corrobora as vulnerabilidades apontadas pelo ITTC: apresentam baixo grau
de escolaridade, sendo que, enquanto na população brasileira total cerca de 32% das pessoas
completou o ensino médio, somente 8% da população prisional total o concluiu. São mulheres
jovens entre 18 e 29 anos e negra (67%). Em torno de 68% dessas mulheres, foram presas por
envolvimento com o tráfico de drogas, delito que recebeu atenção especial e definições mais
abrangentes (e com penas mais elevadas) a partir da promulgação da Lei de Tóxicos em 2006
(Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006). Boa parte delas desempenham atividades auxiliares
em serviços de transporte de drogas e pequeno comércio. Além do mais, as informações

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disponibilizadas apontam que muitas são usuárias, sendo poucas as que atuam como gerentes
do tráfico. Por sua vez, os relatos das mulheres entrevistadas pelo ITTC indicam que o tráfico
de drogas é visto como uma alternativa sobretudo por permitir que as mulheres exerçam
atividades em casa, ou seja, permite que elas possam cuidar dos filhos.
Estes fatores, somados ao fato que mulheres usualmente tem remuneração reduzida em
comparação aos homens, e que muitas delas são as responsáveis pelo sustento das famílias,
podem ser apontados como fatores para inserção das mulheres no tráfico de drogas ilícitas
(MOKI, 2005). O tráfico de drogas ilícitas também possui rentabilidade superior em relação
aos empregos formais (quando existem), e pode estabelecer e fomentar respeito de dentro de
uma dada comunidade quando a mulher é reconhecida como tendo conexões com o tráfico ou
traficantes (GUEDES, 2006).
O relatório final produzido pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para a
reorganização e reformulação do sistema prisional feminino (SECRETARIA ESPECIAL DE
POLÍTICAS PARA AS MULHERES DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007) revela
que, historicamente, os homens foram privilegiados em relação às mulheres, mesmo em
situações de privação de liberdade. Os próprios espaços reservados aos presídios femininos
não eram apropriados para as mulheres, salientando sérios problemas de infraestrutura, tais
como superlotação, presídios que anteriormente eram masculinos e se transformaram em
femininos, sem a realização de adaptações. O texto elaborado pelo GTI aponta também o
desinteresse dos poderes públicos no que diz respeito às mulheres presas, visto que não há
políticas para sua reinserção social e manutenção dos vínculos familiares.

Há completa ausência de quaisquer políticas públicas que considerem a


mulher encarcerada como sujeito de direitos inerentes à sua condição de
pessoa humana e, muito particularmente, às suas especificidades advindas das
questões de gênero (SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS
MULHERES DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007, p. 5).

Em síntese, as Regras de Bangkok, os documentos preparados pelo GTI, pelo ITTC e


pelo Infopen Mulheres, bem como análises preliminares realizadas no âmbito do estudo de
caso atualmente em andamento, conduzido pelos autores do presente trabalho, revelam a
importância de se debruçar sobre os limites e possibilidades da proposição de políticas
públicas específicas para egressas do sistema prisional. Esse esforço inclui, por exemplo, a
identificação das necessidades prementes dessas mulheres, e a investigação das condições em
torno dos rompimentos e (re)construções dos seus vínculos familiares e as alternativas para

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reintegração social. A fim de coletar essas informações e contribuir com os estudos nessa
área, a caracterização da história de vida como abordagem adequada para representação dos
relatos dessas mulheres mostra-se apropriada.

7. Sobre como ouvir: da coleta à análise

Este estudo compartilha o ponto de vista que a realidade acessível ao sujeito é


socialmente construída e, portanto, compreender as estratégias de construção social da mesma
é parte dos objetivos da produção de conhecimento científico. É pela verificação empírica,
parte integrante e essencial à pesquisa, que compreendemos a adequação ou não das teorias
desenvolvidas (BACHELARD, 1996). Dessa maneira, também entendemos que o sistema
prisional foi concebido e opera social e politicamente.
Existem várias coleções de dados quantitativos e de caracterização de perfis
socioeconômicos da população carcerária nacional, como por exemplo os relatórios Infopen
do Departamento Penitenciário Nacional. O diferencial de pesquisa que procuramos advogar
no presente é a importância da abordagem qualitativa para compreensão dessa população,
suas demandas, particularidades e condições-chave para reinserção social pós-
encarceramento.
Desse modo, o entrevistar ou ouvir que se busca do ponto de vista aqui defendido tem
como horizonte a caracterização da população por meio de descrições densas (GEERTZ,
1973; RYLE, 2009) que considerem os contextos sociais dessa população no maior grau
possível. Esse tipo de descrição não é obtido por meio de questionários que pretendam traçar
perfis, mas é produzida como resultado da relação que se estabelece entre pesquisador e
pesquisado, enfatizando o protagonismo do segundo em relação ao primeiro. Esta
característica do processo de análise qualitativa é tornado mais evidente quando o objeto e
foco de estudo envolvem aspectos psicológicos ou sociais cujas informações não podem ser
obtidas por métodos estritamente quantitativos (RICHARDSON et al., 2012).
Assim, a natureza das abordagens qualitativas ajuda a produzir interpretações com
abrangência para compreender redes de relações dos indivíduos em estudo, motivações para
ação e demais contextos sociais importantes em suas histórias e trajetórias. Além disso, esses
elementos são caracterizados e desvelados durante o processo investigativo em si, o que
permite ao investigado colocar seus dados no devido contexto ao qual pertencem de modo

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que tenham, de fato, significado objetivo tanto para os próprios sujeitos quanto para eventuais
planejadores de políticas públicas que venham a ler o material produzido.

8. Estudo de caso

O estudo com populações encarceradas é difícil. As normas prisionais, restringem


pesquisas nas penitenciárias, uma dificuldade já relatada por outros pesquisadores da área, tais
como Massaro (2014), Fonseca et alli (2017), Howard (2006), e mesmo a Pastoral Carcerária,
que tem atuação permanente nos presídios. Além disso, uma vez dentro da unidade,
pesquisadores usualmente não tem tempo suficiente para criar a mútua confiança necessária
para que se estabeleça uma relação em que participante sinta-se confortável compartilhando
informação. O fato de que, muitas vezes, os pesquisadores reportam aos órgãos responsáveis
pela administração penitenciária, turva a relação entre pesquisador e pesquisado e pode, em
alguns casos, comprometer o que é falado ou ainda como a informação é entregue ao
pesquisador.
Desenvolvemos, portanto, uma abordagem que pudesse produzir conhecimento
mesmo a despeito dessas condições específicas que dificultam o trabalho in loco e que,
idealmente, precisariam ser enfrentadas por meio de outras ações em outras esferas do
planejamento e implementação de políticas públicas – ou seja, fora do escopo de um projeto
de pesquisa circunscrito a seus próprios objetivos. Assim, consideramos a possibilidade de
ouvir as egressas do sistema prisional, visto que poderiam nos relatar suas vidas antes do
encarceramento, como eram as condições de vida no presídio e como viviam no momento em
que as entrevistássemos.
Dentre os métodos qualitativos disponíveis, a equipe de pesquisa considerou o estudo
de caso como mais adequado a este trabalho, fundamentada em Yin, dado que o objeto de
estudo é um processo da “vida real” (não uma simulação laboratorial, por exemplo)
contemporâneo ao pesquisador, e que as fronteiras de conhecimento acerca desse processo
não são totalmente conhecidas (YIN, 1981, p. 59). Mais ainda, quando se trata de uma
abordagem que lide com a informação coletada em linguagem – as narrativas e os discursos
das pessoas com história de encarceramento – como é o caso do presente estudo, é importante
que o caso seja deixado em aberto (FLYVBJERG, 2006). Ao deixar o estudo de caso em
aberto, o pesquisador abandona a posição de detentor de conhecimento, “narrador onisciente

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e sumarizador” (p. 238) de conhecimento, e entrega a seus leitores a história acerca do


fenômeno estudado com várias nuances, e sob diversas interpretações.
Tal abordagem metodológica é compreendida como sendo um estudo em profundidade
(EVERS; STAA, 2010; YIN, 1981, 2003, entre outros). Desse modo, o estudo de caso será
conduzido a partir de entrevistas com egressas do sistema prisional, familiares, voluntários,
estagiários e ex-estagiários da área da saúde atuando na unidade prisional de uma cidade do
interior do Estado de São Paulo. Com as egressas, particularmente, utilizaremos a história de
vida, construída a partir de momentos de entrevista semiestruturada, de modo que
pesquisadores da equipe e participantes possam falar sobre temas que sejam relevantes tanto à
história de encarceramento, quanto à realidade de vida atual da população carcerária.
A história de vida, por trabalhar com o relato de vida do sujeito dessa história
(SPINDOLA; SANTOS, 2003), permitirá traçar a trajetória das mulheres entrevistadas em
diferentes períodos: o anterior ao encarceramento, o durante o aprisionamento e o depois que
saírem da prisão. Recorrendo mais uma vez a Gilberto Velho (1986), lembramos que para ele
a história de vida permite que o indivíduo seja percebido, por intermédio de suas interações e
ações, como sujeito e não como mero objeto. Dessa maneira, esse recurso investigativo foi
considerado apropriado, pois pretendemos dar voz a essas mulheres não apenas para narrarem
suas experiências, mas, sobretudo, para que tenham a oportunidade de expressar quais ações
seriam realmente eficazes para auxiliá-las na reinserção social.
Como nosso foco recai sobre as mulheres, é importante ressaltar que existem
diferenças entre a memória feminina e a masculina. Normalmente, as lembranças das
mulheres estão relacionadas ao domínio familiar, da vida privada e doméstica (por exemplo,
PISCITELLI, 1993), o que reflete as condições em que as mulheres são colocadas em nossa
sociedade. Perrot (1988) também considera que as mulheres são fontes de informação
fundamentais para o acesso a memórias de família e são excelentes observadoras do espaço
urbano e social. O argumento reforça a necessidade de investigação das relações pessoais e
familiares das egressas do sistema prisional, com o intuito de entender suas necessidades.
Informações encontradas na literatura sobre mulheres na prisão apontam que um dos
motivos que as levam para o cárcere é o vínculo afetivo com namorados, maridos e
companheiros criminosos (por exemplo, COSTA, 2008). Sobre esse aspecto, a história de
vida também possibilitaria compreender como essas relações foram estabelecidas antes do

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presídio, por que foram rompidas – aqui o rompimento não se dá apenas com os afetos
amorosos, mas com familiares e filhos – e se foram reestabelecidas ao saírem em liberdade.
Aqui introduzimos outro elemento essencial da abordagem metodológica adotada:
como entender também o não dito explicitamente. Para tanto, nos baseamos em múltiplas
abordagens de compreensão das experiências humanas subjetivas, fundamentada nas relações
entre hermenêutica, fenomenologia, dialética e interacionismo simbólico. Nos
fundamentamos para a escolha, no círculo hermenêutico de Gadamer, no qual propõe o
diálogo entre os três primeiros métodos.
O círculo hermenêutico pode ser sintetizado da seguinte forma: A interpretação pode
ter início com conceitos prévios que serão substituídos por outros mais adequados, no
momento em que há a fusão do “horizonte” do pesquisador com o “horizonte” do contexto
investigado. O movimento de sentido do compreender e do interpretar é um constante
reprojetar (GADAMER, 1999). O interacionismo simbólico está também no horizonte desta
metodologia, visto que dialoga com o círculo hermenêutico, na medida em que ressalta que as
ações das pessoas são guiadas a partir do seu significado para o sujeito. O significado é
produzido, por meio de interações, modificando esses significados em um processo
interpretativo. Assim, os métodos e abordagens buscam combinar os méritos das orientações
interpretativista e realista (no caso, baseado em múltiplas realidades), conforme a
aplicabilidade e especificidade requeridas pelo problema social proposto.

9. Resultados preliminares

O intuito ao ouvir as egressas e também pessoas que trabalhem com o sistema do


sistema prisional, é que, a partir dos dados obtidos, seja possível contribuir para o
fortalecimento da política de integração social no sistema prisional brasileiro e subsidiar
proposições de política públicas referentes a esse sistema.
Análises preliminares dos relatos obtidos durante os momentos de coleta de dados,
começam a indicar algumas necessidades que seriam difíceis de identificar com uma
abordagem estritamente quantitativa. Para os fins deste artigo, nos concentraremos na
apresentação de uma dessas necessidades e a contextualização da mesma: o trabalho e a renda
como forma garantia de reinserção social.

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A exigência por parte das empresas em apresentação de antecedentes criminais,


dificulta a contratação das pessoas egressas. Relatos de participantes indicam e também é a
percepção geral dos profissionais do sistema prisional, que as pessoas egressas “preferem”
trabalhos autônomos.
No sentido de promover as habilidades necessárias para formação e manutenção de
empreendimentos autônomos, coletivos ou individuais, algumas conjunturas podem ser
favorecedoras. Por exemplo, linhas de financiamento para provimento de capital inicial em
um negócio próprio, além da qualificação profissional e assessoria de gestão de
empreendimentos. No sentido, contudo, de compreender esta “preferência”, é possível
contextualizar tal percepção quando o método de pesquisa envolve uma visão sistêmica e
integral dos indivíduos que buscam sua reinserção social após o cárcere. Seria o relato
acuradamente caracterizado como uma “preferência”, ainda que seja descrito como tal?
Condições sociais e econômicas da população estudada mostram que há barreiras a
outras opções e facilitadores da propensão pelo trabalho autônomo que, ao serem analisados
criticamente, apontam que este tipo de trabalho pode não ser uma opção, mas uma única
alternativa. A apresentação de antecedentes criminais, já mencionada, é um fator limitante da
contratação formal. Mas também: a falta de aparelhos do poder público para prover condições
adequadas de cuidado aos filhos enquanto as mulheres trabalham, favorecem a escolha pelo
trabalho autônomo em casa; os trabalhos autônomos usualmente relatados como preferenciais
demandam pouca qualificação adicional, podendo ser iniciados quase de imediato após cursos
de curta duração ou aprendizagem por conta própria; algumas opções possíveis de trabalho,
como venda de certos produtos manufaturados em casa, exigem pouco capital inicial (ainda
que em muitos casos, mesmo requerendo capital inicial reduzido, esse valor seja impeditivo
para o estabelecimento do empreendimento pelas egressas).
Ademais, a investigação dos contextos sociais das egressas e das percepções dos
trabalhadores e voluntários do sistema prisional apontam para uma outra questão subjacente
que define algumas das barreiras enfrentadas pelas egressas para contratação e formalização
no mercado de trabalho: a percepção da população em geral acerca da periculosidade e pouca
confiabilidade das mulheres apenas por sua condição de egressa. Para além estigma e do
binarismo já discutidos acima, é possível começar a desconstruir a percepção deste perigo
pela compreensão das circunstâncias que levam as mulheres ao encarceramento. Em grande

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parte, trata-se de crimes não violentos, decorrentes da tipificação recente de associação ao


tráfico contida na Lei de Tóxicos.
A continuidade do trabalho de pesquisa que está sendo realizado poderá subsidiar
ainda mais detalhadamente a possibilidade e o potencial de modificação dos contextos
identificados que afetam negativamente a reinserção social de egressas. Todavia, já resta clara
a necessidade de gestores, planejadores e produtores de conhecimento ouvirem
qualificadamente essa população.

10. Considerações finais

A proposta ora apresentada teve a intenção de salientar a pertinência de ouvir aqueles


que estão inseridos no contexto que se pretende investigar e também sugeriu maneiras de
guiar este ouvir. Grosso modo, em termos de políticas públicas, trata-se de ouvir os
interessados e envolvidos nessa política. Ao entrevistar egressas e outras pessoas que atuem
diretamente com o sistema do sistema prisional, a equipe pretende colher informações a partir
de demandas e experiências reais, que possam resultar na proposição de melhorias e em
insumos para a formulação de políticas.
O que fomentou a presente proposta foi a constatação da ausência de políticas públicas
específicas para mulheres egressas. A escolha de trabalhar com egressas se deu pelo presídio
feminino reunir características específicas e enfrentar dificuldades cotidianas ainda mais
intrinsecamente relacionadas aos contextos específicos da população que abriga do que as
dificuldades similares nas unidades masculinos. Parte dessas dificuldades se deve à maneira
como são construídos os espaços físicos e formulados os arranjos institucionais dos presídios,
tendo por base o indivíduo homem como medida. Ademais, como apontam Colares e Chies,
os presídios costumam apresentar-se e constituir-se como um conjunto arquitetônico que
“sobrepõe ao feminino uma orientação androcêntrica nas práticas e nas dinâmicas carcerárias”
(2010, p. 408). Além disso, os últimos anos têm sido marcados por um aumento significativo
da população carcerária feminina, em taxas muito superiores às observadas na correspondente
masculina.
As condições das mulheres em detenção, como remete o título deste artigo, são
“ouvidas” pelas vozes das egressas, em função das condições de contorno mencionadas
anteriormente. As dificuldades previstas ao tentar visitar a unidade penal na cidade do estudo,

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somadas à necessidade de se fazer pesquisa com egressas do sistema prisional devido à falta
de políticas específicas a esta população fizeram com que optássemos por entrevistar as
egressas do sistema prisional. Além do mais, a história de vida como técnica de pesquisa
ampliará nossas informações sobre não apenas como eram as condições de vida antes e
durante o cárcere, como poderão nos relatar como vivem no momento da entrevista. Obter
dados sobre a situação delas extramuros será de suma importância para as referências
destinadas às propostas de formulação de políticas públicas para egressas.
Dessa maneira, a equipe de pesquisa considera que as informações obtidas
contribuirão, não apenas para a produção de conhecimento acerca da situação de mulheres
egressas do sistema prisional, que trará elementos para compreender as condições em que
vivem as mulheres em detenção, mas também fornecer subsídios para a formulação de
políticas públicas. O conhecimento produzido permitirá ainda reunir fundamentos para a
melhoria dessas condições. A análise dos dados obtidos pela abordagem aplicada prevê
também a validação (e adequação) da metodologia de modelagem e avaliação desenvolvida
para este estudo, caracterizando um processo contínuo de refinamento metodológico.
Os resultados obtidos nesse esforço de pesquisa serão agregados a outros em execução
em grupo multidisciplinar e multiprofissional de investigação e apoio ao sistema prisional
local, com o propósito de agregar ações e estudos acerca das questões prisionais.

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Representação e Legitimidade nos


Conselhos Gestores de Políticas Públicas

William Antonio Borges¹


Celene Tonella²
Everton Henrique Faria³

Recebido em 11 de março de 2017


Aprovado em 03 de novembro de 2017

DOI: 10.18829/rp3.v11i2.24922

RESUMO

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O presente artigo tem o objetivo de analisar como se estabelece a legitimidade do exercício de


representação nos Conselhos Gestores de Políticas Públicas no Paraná. O trabalho está dividido
em duas partes. A primeira aborda a discussão sobre legitimidade e, mais precisamente, indaga
como esta se realiza no campo da representação. Na segunda parte, encontram-se leituras sobre
duas experiências de Conselhos Gestores de Políticas Urbanas no Paraná. A base de análise é
um survey aplicado aos conselheiros do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão
Territorial de Maringá (CMPGT) e do Conselho Estadual das Cidades do Paraná (ConCidades).
Como resultado, compreendeu-se que, embora a representação possa se dar de forma efetiva,
nas experiências analisadas têm prevalecido práticas corporativistas e patrimonialistas
sustentadas pelos interesses de mercado (no CMPGT) e baixa legitimidade do poder de
contestação e exercício de representação por parte da sociedade civil (no ConCidades).
Palavras-chave: Representação. Legitimidade. Participação. Conselhos Gestores de Políticas
Públicas.

ABSTRACT
This paper analyzes how legitimacy has been set in the exercise of representation in Public
Policy Management Councils in Paraná, in the Southern Brazil. This discussion is organized in
two parts. In the first one, discussion is addressed about legitimacy and, more precisely, we
look for to understand how that legitimacy is performed by the representatives in the Councils
we analyzed. In the second part, we present results collected during our field research about
two Management Councils of Urban Policies in Paraná. The basis of the analysis presented is a
survey applied to the advisors of the Municipal Board of Planning and Territorial Management
of Maringá (CMPGT) and the State Council of Paraná (ConCidades). We concluded that
although the representation has been effective, in all experiences analyzed there are
corporativist and patrimonial practices supported by market interests (in CMPGT), low
legitimacy of power contestation and low exercise of representation by the civil society (in
ConCidades).
Keywords: Representation. Legitimacy. Participation. Public Policy Management Councils.

_________
¹ Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM). E-mail: [email protected]
² Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM). E-mail: [email protected]
³ Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM). E-mail: [email protected]

1. Introdução

O Brasil, na condição de uma federação composta por três níveis de poderes


(Executivo, Legislativo e Judiciário), distribuídos (com exceção do judiciário) em três níveis
de entes federativos (União, estados e municípios), apresenta-se como uma estrutura político-
administrativa complexa. Apesar de o Estado se configurar como um conjunto descentralizado
que objetiva e operacionaliza alguns serviços no contexto das políticas socioeconômicas e
urbanas e de as decisões, e seus processos, ocorrerem mais perto do indivíduo-cidadão, não se
tem, necessariamente, a efetivação de uma dinâmica social democrática.
No entanto, Melo (1996) argumenta que devido à cultura política municipalista ter
preponderado a partir de meados da década de 1980, instaurou-se um ciclo virtuoso de
inovações3 na seara da administração pública local, mais precisamente, no campo das

3
Constituição de Fóruns, Conselhos Gestores de Políticas Públicas, Conferências, Orçamento Participativo, são

23
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políticas sociais. Entre as inovações, têm-se os Conselhos de políticas públicas como espaços
de articulação do Estado com a sociedade civil.
Nesse sentido, por mais que uma maior proximidade entre o cidadão e os espaços de
decisões públicas possa potencializar o exercício democrático, este só será exitoso – tratando-
se de um processo de representação – se houver legitimidade. Haja vista que, não havendo
comunicação entre as partes (cidadão e representante), bem como autorização e controle
exercidos pelos cidadãos, a atuação do representante passa a ser desprovida de
reconhecimento, ou seja, ausente de legitimidade.
Nesse sentido, o presente artigo tem o objetivo de analisar como se estabelece
legitimidade do exercício de representação via participação nos Conselhos Gestores de
Políticas Públicas. O trabalho está dividido em duas partes. A primeira delas (discussão
teórica) aborda a temática da legitimidade e, mais precisamente, indaga como esta se realiza
no campo da representação de organizações públicas e da sociedade. Para tanto,
consideraram-se os estudos de Bobbio (2007), Nunes (2010), Urbinati (2006), Rodden (2005),
Melo (1996) e Nogueira (1996). Ainda, compondo a primeira parte, construiu-se uma
discussão sobre políticas urbanas no Brasil. Ambos os conteúdos são centrais para o
desenvolvimento do terceiro eixo teórico, o qual versa sobre a legitimidade da representação
nos Conselhos Gestores de Políticas Públicas.
Na segunda parte do artigo, encontram-se leituras sobre dois estudos de casos de
Conselhos Gestores de Políticas Urbanas, no Paraná, por meio de leituras sobre a composição
e a representatividade de cada experiência, bem como a respeito do desempenho institucional
e do comportamento em relação ao executivo. A base da análise está em um survey aplicado
aos conselheiros, sendo que no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial de
Maringá (CMPGT) foram entrevistados 11 (onze) conselheiros, de um total de 16 (dezesseis)
e no Conselho Estadual das Cidades do Paraná (Concidades) foram entrevistados 31 (trinta e
um) conselheiros de um total de 50 (cinquenta). O questionário foi aplicado aos conselheiros
titulares e suplentes que participaram de pelo menos duas reuniões durante o período de
representatividade das entidades eleitas em conferência ou pela indicação do poder executivo
estadual.

alguns exemplos de novos espaços de participação e de representação.

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2. Representação política e legitimidade

No contexto da representação política, Urbinati (2006) salienta que quando se olha


para a história de mais de 200 anos de governos representativos (do parlamentarismo liberal,
passando pela sua crise, até a transformação democrática, após a Segunda Guerra Mundial),
encontram-se três teorias de representação, quais sejam: a jurídica, a institucional e a política.
Todas elas partem de concepções especificas de soberania e política e, conseqüentemente, das
relações entre Estado e sociedade, e contribuem para a definição de democracia nas vertentes
direta, eleitoral e representativa4. “Contudo, apenas a última faz da representação uma
instituição consonante com uma sociedade democrática e pluralista” (URBINATI, 2006, p.
197).
Na teoria da representação política, a representação não pertence apenas aos agentes
ou instituições governamentais e não está circunscrita à deliberação e decisão na assembleia.
Ela se configuraria por meio de uma representação política centrada no povo e não no eleitor,
ou seja, uma representação que “não elimina o centro de gravidade da sociedade democrática
(o povo), ao mesmo tempo em que despreza a ideia de que os eleitores, em vez dos cidadãos,
ocupem este centro, de que o ato de autorização seja mais importante do que o processo de
autorização” (URBINATI, 2006, p. 203). Reforçando esta ideia, Urbinati (2006, p.3) faz uso
da compreensão de Pitkin5 sobre representação, para o qual esta é “qualquer coisa feita após o
tipo correto de autorização e dentro de seus limites”.

A representação política invalida a opinião de que a sociedade é a soma de


indivíduos dissociados que competem e se unem, votam e agregam preferências por
atos discretos de livre escolha e cálculo instrumental. (...) embora a democracia

4
Segundo Urbinati (2006), o modelo jurídico (que dá origem ao modelo institucional) configura uma relação
individual (e não política) entre representado e representante e supõe que os eleitores julgam as qualidades
pessoais dos candidatos no lugar de suas ideias políticas e projetos. A representação é expressa pelo Estado, cuja
relação com a sociedade é deixada ao juízo do representante (tutor); e restringe a participação popular a um
mínimo procedimental (eleições e nomeação de magistrados). A nação é representada pelos eleitos. Tanto a
teoria jurídica como a teoria institucional da representação concebem que o Estado transcende a sociedade de
modo que se assegure o Estado de Direito e supõem que a identidade jurídica do eleitor/autorizador é vazia,
abstrata e anônima, sua função se resume a eleger/nomear os políticos profissionais que tomarão decisões às
quais os eleitores se submetem voluntariamente.
5
Hanna Fenichel Pitkin, em seu livro The concept of representation, publicado em 1967, argumenta que
representação tem vários sentidos e critica as teorias formalistas de representação que possuem três idéias
principais: a idéia de agir no lugar de alguém, a idéia de agir no interesse de alguém e a idéia de agir como
subordinado, sob instruções, de acordo com os desejos de outro. Defende que existe a possibilidade de
atenderem a interesses parciais e de excluírem a maioria da população do processo de decisão política (PITKIN,
1967).

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possa ser explicada em termos de regras do jogo, a participação dos cidadãos não é
um jogo neutro... a representação é "problemática" porque não pode nunca ser
corroborada por e concebida nos termos de representantes que saibam efetivamente
o que as pessoas desejam, e porque as expectativas das pessoas e as realizações de
seus representantes jamais irão corresponder com exatidão. A representação
democrática depende de muito mais do que simplesmente procedimentos eleitorais.
Ela requer robustas autonomia local e liberdade de expressão e associação, bem
como certa igualdade básica de condições materiais. Demanda também uma cultura
ética de cidadania que possibilite que tanto os representados quanto os
representantes vejam as relações partidárias como não irredutivelmente antagonistas
e sua defesa não como uma promoção incondicional de privilégios sectários contra o
bem-estar de todos (URBINATI, 2006, p. 210 e 214).

Como se verifica, quando se fala em representação política, emprega-se o sentido de


processo político, que abarca a interação entre as instituições e a sociedade, não se
restringindo às deliberações e decisões na assembleia. “A unidade necessária não se segue
logicamente da unidade daquele que representa, como Hobbes sustentaria, mas deve ser
criada e constantemente recriada através de um processo político de atividade dinâmica”
(URBINATI, 2006, p. 4).
No entanto, de acordo com Abranches e Azevedo (2004, p.179), o interesse particular
é muito frequente:

Em princípio, espera-se que os conselheiros representem interesses coletivos e não


pessoais (...). A falta de interlocução dos conselheiros com sua entidade de origem
pode ter como consequência uma atuação exageradamente independente do mesmo,
facilitando práticas em defesa de interesses particulares ou a própria cooptação por
parte de outros grupos com objetivos diferentes (ABRANCHES & AZEVEDO,
2004. p. 179).

Para que princípios democráticos se concretizem, Gohn (2004) salienta que o trabalho
de base é uma determinante fundamental para alimentar e fortalecer a representação coletiva
nos colegiados de esfera pública. Pois,

Ser representante das demandas e interesses da sociedade implica em realizar


mediações e intermediações. Decisões políticas democráticas envolvem mudanças
no campo estatal como da própria sociedade civil (desde que certos princípios
democráticos não sejam abandonados, mas sejam marcos referenciais, quais sejam:
justiça, liberdade, solidariedade e igualdade com respeito às diferenças) (GOHN,
2004, p.79).

No âmbito do processo político representativo, um problema a ser superado é o da


legitimidade. Como argumenta Urbinati (2006, p. 2), “as eleições „engendram‟ a
representação, mas não „engendram‟ os representantes. No mínimo, elas produzem um

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governo responsável e limitado, mas não um governo representativo”, logo pouco legítimo.
De acordo com Bobbio (2007), o pensar sobre legitimidade se estruturou para
justificar o reconhecimento do poder e para contrapor a lei de que o poder é originário do
mais forte. “Dois dos mais famosos livros de teoria política, a República de Platão e o
Contrato Social de Rousseau, começam com um debate sobre a relação entre justiça e força,
nos quais, respectivamente, Sócrates e Rousseau rejeitam a tese do “direito do mais forte”
(BOBBIO, 2007, p. 87-88). Por outro lado, “o próprio Hobbes afirma que para a segurança
dos súditos, que é o fim supremo do Estado e, portanto, da instituição do poder político, é
necessário que alguém, não importa se pessoa física ou assembleia, detenha legitimamente no
Estado, o sumo poder” (BOBBIO, 2007, p. 88).
Para Bobbio (2007), os princípios da legitimidade advêm de duplas antitéticas
estabelecidas em três bases axiológicas unificadoras, quais sejam: a Vontade, a Natureza e a
História. A Vontade, no sentido de esta ser de Deus ou ser do povo. A Natureza, com o
significado de natureza como força originária (direito natural) e a natureza como ordem
racional. A base Histórica demarca que o princípio da legitimação está na força da tradição
(soberano legítimo é aquele que exerce o poder, desde tempo imemorial) ou no sentido de que
o “poder de comandar pode ser adquirido, à base de um princípio geral de direito, à força do
uso prolongado no tempo, tal como se adquire a propriedade ou qualquer outro direito”
(BOBBIO, 2007, p. 90).
Em outra perspectiva, na do positivismo jurídico, o tema da legitimidade ganhou outro
sentido, não mais aquele dos critérios axiológicos, mas o das razões de eficácia. “Nesta
direção, põe-se a célebre teoria weberiana das três formas de poder legítimo, quais sejam: o
poder tradicional, o poder racional-legal e o poder carismático, os quais se legitimam por
meio de motivações diferentes. No poder tradicional, impera a o motivo da obediência, - “é a
crença na sacralidade da pessoa do soberano, sacralidade essa que deriva da força daquilo que
dura há tempo, daquilo que sempre existiu (...), não conhece razões para ser alterado”
(BOBBIO, 2007, p. 91). No poder racional-legal, o motivo se estrutura na crença da
racionalidade do comportamento conforme a lei. Já, no poder carismático, o motivo está na
crença, identificação ou reconhecimento de dotes extraordinários do chefe (BOBBIO, 2007).
Com base no exposto a respeito de diferentes poderes dotados de legitimidade, é
pertinente considerar que, independente do tipo de poder que estrutura a representação
(tradicional, racional-legal e carismática), o interesse que legitima este exercício deve ser de

27
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âmbito geral, reconhecendo o representante como fiduciário ou também vinculado a interesses


específicos, funcionais, no âmbito de categorias profissionais. Neste último caso, o
representante assume o papel de delegado. Com efeito, a legitimidade está relacionada ao tipo
de espaço vinculado com o quem (interesse geral) se representa e com o que (relação
funcional e orgânica) se representa (BOBBIO, 2007).
Para que se possa avançar no pensar sobre legitimidade da representação política por
meio dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas Urbanas no Paraná, faz-se necessário
considerar a questão das políticas urbanas no Brasil.

3. Descentralização e Políticas Urbanas no Brasil

Avritzer (2006) argumenta que a organização das políticas públicas no Brasil


democrático estabeleceu relação direta com ações da sociedade civil durante o processo
constituinte e, posteriormente, na elaboração da legislação complementar. De acordo com
Tótora e Chaia (2002), no período da Constituinte de 1988, havia movimentos sociais que
pressionavam os congressistas a incluírem, via emenda Constitucional, mecanismos de
democracia participativa e direta, pois o modelo representativo vinha sendo questionado por
justamente não contemplar, de modo mais efetivo, a participação popular.
Além dos avanços no âmbito da participação social, a Constituição de 1988 (BRASIL,
2000) favorece e concretiza o processo de descentralização e confere autonomia aos estados e
municípios. Determina o fortalecimento das instâncias locais, no Artigo 1º , quando reconhece
os municípios como partes integrantes da federação (o que significa uma autonomia
semelhante à dos estados membros) e, no Artigo 307, define competências específicas dos
municípios.
Em relação a maior eficiência do aparelho estatal, são viabilizadas as seguintes
diretrizes: a) democratização interna da máquina pública, com alterações do processo de
tomada de decisão, que passa de centralizado para descentralizado; b) estímulo à inovação, de
maneira a substituir o ambiente de estrito cumprimento das normas; c) criação de mecanismos
de participação na gestão dos serviços; d) estabelecimento de políticas de valorização de
recursos humanos, o que inclui programas de formação e requalificação do pessoal do Estado;
e) descentralização da máquina pública, medida que contribuirá para a democratização e para

28
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a melhor resposta da administração às necessidades regionalizadas (DOWBOR, 1994).


A Constituição enfatiza ainda a participação social na informação, formulação e na
fiscalização de políticas sociais e ambientais, por meio dos conselhos como instrumentos de
expressão, representação e participação da população e elemento decisivo no processo
político do País. O Artigo 29, itens XII e XIII, da Constituição de 1988, expressa a
cooperação das associações representativas no planejamento municipal e de projetos de lei de
interesse da população local. Em vários outros artigos (1, 5, 194, 198, 204 e 227), a
participação popular é definida. A legislação ainda preconiza (e é um elemento coercitivo) que
para recebimento de recursos destinados às áreas sociais (saúde, educação e meio ambiente,
em particular), os municípios precisam criar seus conselhos de políticas públicas, os quais têm
caráter deliberativo.
Nesse sentido, desde o final dos anos 1980 começa a ocorrer um processo de
fortalecimento das esferas estadual e municipal e a ênfase nas formas mais coletivas de
decisão. As diretrizes traçadas pela Constituição da República Federativa do Brasil legitimam
alguns conselhos temáticos (são exemplos, os setores supracitados) como espaços
deliberativos e que propiciam maior participação da sociedade civil.
A descentralização e a transferência de competências para as localidades, portanto,
segundo Godoy (2005) significam que:
a) o local adquire relevância enquanto espaço político mais democrático, no qual se
expressam as organizações, as alianças e as disputas de interesses na formulação e execução
das políticas públicas locais;
b) não menos importantes, novos atores e instituições entram e participam do jogo de
decisão sobre os rumos do desenvolvimento local. Os conselhos gestores temáticos são
considerados como uma “inovação”, que permite a ampliação da participação popular na
gestão pública.
c) a descentralização tem como um dos pressupostos principais que o Estado e a
sociedade organizada local têm condições de traçar os rumos do desenvolvimento local.
É pertinente destacar que os conselhos aqui estudados compõem etapas da construção
de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, cujas bases legais encontram-se no
Estatuto das Cidades, legislação que regulamentou, em 2001, o capítulo da Constituição de
1988, referente à política urbana. Na sequência, em 2003, foi criado o Ministério das Cidades
e realizada a I Conferência das Cidades. No ano seguinte, em 2004, foi criado o Conselho

29
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Nacional das Cidades.


A criação do Ministério das Cidades significou a possibilidade de um tratamento
integrado das políticas urbanas, tendo em vista o uso e a ocupação do solo, superando, assim,
o recorte setorial da habitação, do saneamento, dos transportes e da mobilidade urbana. Desse
modo, sua estrutura foi apontada como uma novidade, não só em território brasileiro, mas
como em toda a América Latina. Sua importância aumenta quando se constata que, no
passado recente, a marca da política urbana no Brasil foi a ausência de planejamento e
desarticulação. Por exemplo, no caso da política de habitação, com o fim do Banco Nacional
da Habitação (BNH), em 1986, o que se seguiu foi uma constante reformulação no setor e o
descontrole nos gastos públicos. Segundo Bonduki (2008), o setor do governo federal
responsável pela gestão da política habitacional esteve subordinado a nada menos que sete
ministérios ou estruturas administrativas diferentes.
Em texto elaborado pelo Fórum Nacional pela Reforma Urbana (FNRU), visando a II
Conferência das Cidades de 2005, a proposta de política urbana pressupõe um entendimento
do processo de urbanização brasileira permeado por distorções propícias a um modelo de
acumulação capitalista centrado na desigualdade e que se transforma em mecanismos de
“espoliação urbana”. A nova política urbana enfrenta o desafio de garantir a superação dos
desequilíbrios em diferentes patamares e permitir o acesso à cidade, levando-se em conta as
especificidades de gênero, raça, etnia e de classe. A novidade no processo está em não se
tratar de proposição e política pública de uma única via – a via do Estado – , pois o diálogo
com os movimentos sociais e a sociedade está previsto e, de maneira geral, flui por meio das
Conferências das Cidades, nos diversos níveis, e do próprio Conselho das Cidades.
Caminhando para o encerramento desta seção, é pertinente ponderar que a
descentralização e a participação não são, necessariamente, termos e operações
complementares. Isso se deve ao fato de a descentralização poder ser “imposta” e a
participação não, pois esta depende de condições histórico-sociais e de graus de
amadurecimento político-ideológico e organizacional que muitas vezes só são conquistados
após um longo período de tempo (NOGUEIRA, 1996, p. 9).
Como pondera Nogueira (1996, p. 9), “embora prevista em diversos dispositivos
descentralizadores, a participação da comunidade nem sempre se efetiva; muitas vezes, acaba
até mesmo por ser abertamente manipulada por „oligarquias‟ ou grupos de interesse”. Nesse
sentido, a descentralização pode levar a uma realidade de maior concentração de poder, por

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parte das oligarquias, desprovida de legitimidade. Por outro lado, quando da existência de
mobilização social, ocupando espaços de participação em processos decisórios, o poder passa
a ser compartilhado com a sociedade civil, desenhando-se, assim, possíveis espaços de
autorização e de legitimidade política.
Assim, a descentralização que se tenta implementar, desde o período pós-Constituição
de 1988, “deseja não apenas „aliviar‟ as instâncias centrais de governo, mas também envolver
a sociedade civil no comando das decisões que tratam de problemas locais - com toda sua
complexidade associativa e com todos seus interesses” - , como por exemplo, por meio dos
Conselhos gestores de políticas públicas (NOGUEIRA, 1996, p. 8). Para que a participação se
efetive, faz-se necessário a representação se estruturar de forma legítima, via reconhecimento
e autorização social.

4. Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas e a questão da legitimidade da


representação

Os governos municipais passaram a criar vários Conselhos comunitários 6estimulados


por políticas nacionais, atendendo condicionalidades impostas pelo Banco Mundial e pelos
organismos multilaterais para liberação de recursos (fomentos) `a área social, principalmente
saúde, educação, assistência social e infraestrutura local.
Os Conselhos gestores são espaços compartilhados de poder, entre o Estado e os
grupos sociais heterogêneos. Trata-se de uma proposta de cogestão da coisa pública que, no
Brasil, significa constituir, de modo efetivo, a função pública do Estado (TONELLA, 2004).
Os Conselhos apresentam as seguintes características/atribuições (TONELLA, 2006):

− independência dos órgãos governamentais para o exercício de suas atribuições;


− competência para formular uma política pública, coordenar as ações e fiscalizar
a execução dessa política;
− gestão de Fundos Públicos destinados a uma política setorial;
− composição paritária entre representantes do poder público e da sociedade.

6
Consultar relatório IPEA (2010).

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Nogueira (1996) afirma que em um ambiente de democracia moderna, não existe êxito
na participação sem representação. “Isso significa que é preciso encontrar um equilíbrio entre
manifestação de direitos e interesses particulares, que se afirmem pela participação, e a
construção de “interesses gerais”, que se formam pela via da luta política, da representação e
do Estado” (NOGUEIRA, 1996, p. 16). Para tanto, faz-se necessário a superação de uma
cultura clientelista - a gramática do clientelismo, segundo Nunes (2010) - , além de conceber
o Estado brasileiro como uma estrutura administrativa mais equitativa e democrática. Para
que a descentralização participativa ganhe coerência e velocidade, é pertinente avançar em
quatro frentes: 1) encontrar uma forma de equilibrar participação e representação; 2)
encontrar, também, um equilíbrio federativo; 3) conseguir descentralizar sem perder a
capacidade de articulação e coordenação e; 4) adquirir outra cultura técnica (NOGUEIRA,
1996, p. 16).
Além das características e/ou funções, é pertinente elucidar quais são os tipos de
conselhos reconhecidos pelas três esferas da federação brasileira (TONELLA, 2006):

1) Conselhos de Políticas Públicas: são previstos em legislação nacional, tendo


caráter obrigatório. Fazem parte da implementação de políticas a partir da
esfera federal, e sua existência é condição sine qua non para a transferência de
recursos públicos. São os Conselhos de Assistência Social, de Saúde, dos
Direitos da Criança e do Adolescente, do Trabalho, Tutelar, Alimentação
Escolar (CAE) e de Acompanhamento e Controle Social do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FUNDEB);
2) Conselhos Temáticos: a característica principal é a não existência de uma
vinculação imediata a um sistema ou legislação nacional, e sua existência
ocorre devido a uma legislação estadual e/ou municipal. Incluem-se neste item
os Conselhos Municipais de Direitos da Mulher, de Turismo, de Defesa do
Consumidor, de Transportes, de Meio Ambiente, Antidrogas, entre outros;
3) Conselho do Orçamento Participativo: difere totalmente dos outros conselhos,
a começar por se tratar de uma estrutura modelada por cada município que o
adota, de acordo com as especificidades locais.

Como possíveis canais institucionais de participação da sociedade, os Conselhos


gestores surgem estruturados de modo setorial, na União, nos estados e nos municípios. Cada
conselho se constituiu ligado a uma política social específica.
É também por meio destes novos redutos “democráticos” que as atribuições de
responsabilidade do Estado passam a ser partilhadas com a sociedade. O processo de
descentralização do Estado, não só apenas remeteu competências setoriais da União para os

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estados e municípios – como fora o caso da educação, da saúde, etc – , como legitimou novos
espaços, no campo horizontal das relações intergovernamentais, para tratar de questões que
até 1988 estavam centralizadas em âmbito federal.
Nesse ínterim, como já elucidado, a sociedade civil é convocada para assumir
responsabilidades. Diante disso, debates se estabelecem com argumentos favoráveis e
contrários ao processo de descentralização. Para alguns este processo acarreta uma prática de
fácil dominação de atores privilegiados (dotados de poder), em detrimento de uma relação
verdadeiramente democrática.
De acordo com Godoy (2005), entre os que apontam os aspectos positivos da gestão
compartilhada e os avanços que resultam em maior eficiência estatal, há o entendimento de
que os conselhos locais, estaduais e nacionais, constituem experiências de inovação
institucional. Tratam-se de possibilidade de aumento dos espaços públicos de deliberação,
uma vez que são estruturas jurídico-constitucionais legais, de caráter permanente, com
diversificados arranjos em termos de representação entre Estado e sociedade civil e com
diferenciados poderes de controle sobre a política. É o local onde há maior disponibilidade de
informação, o que possibilita o planejamento de políticas para o setor.
Desse modo, com os conselhos, gera-se uma nova institucionalidade pública, pois,
tem-se a possibilidade de estabelecer um novo padrão de relação entre o Estado e a sociedade,
na medida em que esta relação pode viabilizar a participação de segmentos sociais na
formulação das políticas vislumbrando garantir à população o acesso aos espaços onde se
tomam as decisões políticas (GOHN, 2004; JACOBI, 2003; TEIXEIRA, 2002; SANTANA,
2002).
Abramovay (2003, p.57) comenta que a profusão de conselhos gestores “é a mais
importante inovação institucional das políticas públicas no Brasil democrático”. No entanto,
“não há estudo sobre o tema que não enfatize a precariedade da participação social nestas
novas organizações e sua tão freqüente submissão a poderes locais dominantes!”.
Gohn (2004), Toni e Kaimowitz (2003) e Jacobi (2003) afirmam que muitos conselhos
no Brasil, principalmente em locais sem tradição organizativa/associativa, são criados
formalmente para cumprir exigências da legislação federal e apenas homologam atos da
administração pública para garantir o repasse de verbas.
Existe um relativo consenso de que as práticas clientelistas ligadas às questões
políticas locais podem influenciar a forma de atuação dos órgãos municipais e dos conselhos

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tradicionais (NUNES, 2010).


Apesar de a legislação incluir os conselhos como parte do processo de gestão
descentralizada e participativa e constituí-los como novos atores deliberativos e paritários,
vários estudos têm assinalado e reafirmado o caráter apenas consultivo dos conselhos,
restringindo suas ações ao campo da opinião, da consulta e do aconselhamento, sem poder de
decisão ou deliberação (de fato) frente ao executivo. Tatagiba (2002) revela que várias
pesquisas mostram que há recusa por parte do Estado em partilhar o poder de decisão.
Em síntese, a obrigatoriedade de constituição desses conselhos pode significar, em
muitas localidades, a mera reprodução formal das regras dos programas, ameaçando os
fundamentos principais da participação, quais sejam: credibilidade, confiança, transparência,
accountability, etc. Além do mais, a mídia tem divulgado casos de corrupção no uso dos
recursos que são alocados pelos conselhos, assim como o controle que muitos prefeitos
exercem sobre os mesmos. Em meio a este contexto repleto de disfunções, uma questão se
apresenta como central, no que diz respeito ao controle e à participação social, qual seja:
independente da sua obrigatoriedade legal, como se estabelece legitimidade no exercício de
representação pela participação nos Conselhos Gestores de Políticas Públicas?
Para tratar deste problema de pesquisa, o presente trabalho teve como lócus de análise
o Conselho de Planejamento e Gestão Territorial de Maringá (CMPGT), bem como o
Conselho Estadual das Cidades, do Paraná.

5. Conselho de Planejamento e Gestão Territorial de Maringá (CMPGT)

O CMPGT resultou do processo de elaboração do Plano Diretor (PD), Lei n° 632, de


2006. Como determinação do Ministério das Cidades e em atendimento ao que prescrevia o
Estatuto das Cidades, desenrolaram-se entre 2003 e 2004 as assembleias integrantes do I
Congresso da Cidade de Maringá, que teria como responsabilidade gerar um novo Plano
Diretor (PD).
No total, foram 29 assembleias realizadas em diferentes porções da cidade, que
envolveram cerca de 1.800 pessoas (RODRIGUES e TONELLA, 2010). As diretrizes
setoriais que embasaram o PD saíram das assembleias e foram incorporados ao plano
importantes instrumentos urbanísticos do Estatuto da Cidade, com o intuito de promover a

34
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gestão democrática das cidades, a função social da cidade e da propriedade urbana. O PD de


Maringá resultou, assim, de um significativo processo de participação, constituindo-se num
importante marco na história da cidade por pluralizar e ampliar as vozes e interesses a debater
os rumos das políticas urbanas. A promulgação do PD aconteceu apenas em 2006, e o
CMPGT começou efetivamente a funcionar neste mesmo ano.
O Conselho, que se volta para a gestão de políticas urbanas no município de Maringá,
é formado por 16 (dezesseis) membros7, sendo 8 (oito) representantes do poder público –
Executivo e Legislativo –, e 8 (oito) representantes da sociedade civil.
Dentre os atores governamentais, a Lei previa assento para o poder legislativo e
secretarias municipais ligadas às políticas urbanas. Previa também assento para representante
governamental de um núcleo de pesquisa voltado às políticas urbanas, o qual não foi
implementado. Para a representação da sociedade civil, foi previsto assento para membros de
entidades de ensino superior, representantes de assembleias territoriais de planejamento e,
finalmente, mais duas organizações não listadas nos segmentos acima. Entretanto, do mesmo
modo como o núcleo de pesquisa em políticas urbanas não teve existência efetiva, também as
assembleias territoriais acabaram não acontecendo e os assentos previstos para esses
representantes foram ocupados por associações de moradores8.
Para o melhor entendimento da dinâmica do CMPGT foi realizada entrevista
semiestruturada com um representante não-governamental, ocupante da vaga da Universidade
Estadual de Maringá.
O CMPGT é responsável por toda política de planejamento, desenvolvimento urbano,
habitação, mobilidade e saneamento do município, tem caráter deliberativo e fazem parte de
suas atribuições: acompanhar, propor e emitir pareceres sobre alterações no PD; analisar e
aprovar Estudos de Impacto de Vizinhança (EIV); emitir pareceres sobre propostas de lei
referentes às políticas territoriais; aprovar e acompanhar a implementação das operações
urbanas consorciadas; acompanhar a arrecadação e aplicação do Fundo Municipal de
Habitação, acompanhar a implementação dos demais instrumentos de desenvolvimento

7
A eleição dos membros é realizada a cada três anos, coincidindo com a Conferência de Avaliação do Plano
Diretor do Município.
8
No encerramento da pesquisa, a composição do CMPGT passava por mudanças de modo a seguir os mesmos
segmentos previstos para a sociedade civil no Conselho Nacional das Cidades e nas conferências dessa área de
política, quais sejam: movimentos populares, entidades de trabalhadores, entidades empresariais e entidades
profissionais, acadêmicas e de pesquisa. Do mesmo modo, também foi aprovado em conferência municipal, mas
ainda não implementado, o aumento dos assentos para a sociedade civil, que deverá ficar nas próximas gestões
do conselho com 60% dos assentos.

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municipal e de democratização da gestão; convocar, organizar e coordenar audiências e


conferências públicas, bem como assembleias de planejamento e gestão territorial; além de
promover otimização dos investimentos públicos; entre outros.
Todos os projetos, sejam do Executivo ou do Legislativo, são analisados pelos
conselheiros, antes de aprovados ou implantados. O CMPGT faz também o papel do
Conselho Municipal de Habitação, definindo os programas e prioridades de investimentos na
área. O conselho se reúne semanalmente.
De acordo com uma conselheira entrevistada (2009)9, o exercício de representação nos
conselhos gestores de política pública busca construir determinadas posições e consensos
junto daqueles que se representa e levar essas posições para serem negociadas em um espaço
maior, no qual outras posições estão presentes. Trata-se de um processo político mais amplo,
construído pela relação entre instituições e sociedade, não se limitando as deliberações e
decisões na Câmara Municipal. E, para que haja representação, faz-se necessário que exista
participação, pois, a participação é intrínseca ao processo de representação. Tanto o
representante quanto os representados participam ao estabelecerem os acordos que deverão
ser levados para outros espaços, nos quais outros acordos estarão presentes.
Nesse sentido, verifica-se que a entrevistada/representante fala em nome de um
coletivo ao qual ela tem que prestar contas e junto ao qual deve construir suas posições para
serem levadas aos espaços maiores. Além disso, pode-se depreender que o representante é
ativo nesse processo, pois, participa da elaboração das posições e influencia a formação de
seu conteúdo, ou seja, o representante não é só uma correia de transmissão amorfa e sem
posição.
No âmbito do exercício da representação, a conselheira argumenta que o representante
precisa se colocar como agente ativo no processo, deve se legitimar por meio de um processo
político dialógico. Nesse sentido, uma vez construída uma posição no coletivo, mesmo que
esta contrarie a posição específica do representante, a entrevistada acredita que este deve
defendê-la, estruturando uma relação legitimada.
No entanto, faz-se necessário ponderar que a autonomia do representante sempre vai
existir em alguma medida porque apesar de as decisões serem tomadas pelo coletivo, a
dinâmica dos espaços participativos exige, muitas vezes, uma tomada de decisão sobre
assuntos que não foram previstos e devido o exercício de representação não se estabelecer de

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Entrevista semi-estruturada com uma conselheira não governamental, da Universidade Estadual de Maringá.

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forma neutra, pois se trata de uma problemática no sentido de não haver exatidão entre as
expectativas das pessoas e a realização dos representantes.
Apesar de os conselhos constituírem-se em contextos peculiares, uma tônica comum
são os níveis de organização e poder dos setores representados. Verifica-se que no Conselho
Municipal de Planejamento e Gestão Territorial de Maringá, algumas organizações têm
vínculo efetivo e consolidado com suas bases e conseguem representar interesses que são,
realmente, compartilhados por determinados setores, como é o caso dos empresários.
Conforme a entrevistada, o CODEM – Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá
– consegue levar para o Conselho de Planejamento e Gestão Territorial o interesse dos
empresários. Por outro lado, outras entidades têm vínculos muito fluídos com o coletivo que
representa, como é o caso da representação da Universidade Estadual de Maringá,
desempenhada pela entrevistada. O que geralmente esta conselheira faz é discutir os assuntos
do conselho com um grupo específico da Universidade, mas não com toda a instituição que
representa.
Ainda, de acordo com a entrevistada, há casos, como o das associações de bairro, em
que se percebe que o vínculo é praticamente inexistente. Os representantes falam muito pouco
em defesa do interesse coletivo. No Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial,
embora este não tenha poder de deliberar, constata-se que os setores empresarial e imobiliário,
mais organizados, são representados de forma mais efetiva e coletiva. Consequentemente, em
muitas situações, possuem maior poder de negociação perante os demais que detém menor
nível de representação. Tal situação pode criar o que Nunes aponta (2010) como possíveis
relações corporativistas e clientelistas entre setores de mercado e o Estado.
Corroborando com a leitura da referida conselheira, os dados do survey ilustram que a
maioria das entidades representadas no CMPGT está vinculada ao setor imobiliário e a
maioria dos entrevistados afirmou pertencer ao grupo de apoio ao governo municipal. Tal
perspectiva, mesmo entre representantes da sociedade civil, compromete a finalidade de
representação e participação do conselho gestor, pois a pluralidade e diferentes interesses não
se encontram representados.
No entanto, os dados do survey indicaram que os conselheiros do CMPGT têm uma
percepção bastante positiva a respeito do impacto dos seus respectivos conselhos na gestão
municipal e a respeito de sua efetividade deliberativa. Segundo a maioria dos entrevistados: a)
os governos municipais são comprometidos com as decisões tomadas pelos conselhos; b) o

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número de deliberações dessas instâncias fica entre médio e alto; c) as deliberações dos
conselhos têm influência média ou alta nas decisões das secretarias municipais aos quais os
conselhos estão vinculados.
Fica evidente que, por meio do survey, há nítido alinhamento entre o mercado (que se
anuncia como Sociedade Civil) e o poder público, o que denota existir práticas
patrimonialistas (apropriação do público pelo privado), clientelistas (privilégios que
fomentam apoio) e corporativistas (interesses setoriais) (NUNES, 2010).
A dinâmica interna das reuniões do conselho, em 2013, privilegiou a análise de
Relatórios de Impacto de Vizinhança (RIVs), cujo objetivo contido no PD é de garantir
consonância entre as intervenções urbanísticas, as construções, a legislação e os instrumentos
urbanísticos vigentes. Entretanto, essa instância deveria ter dispensado o tempo necessário
para o debate sobre a regulamentação dos instrumentos urbanísticos contidos no PD de 2006,
como era o caso do IPTU progressivo. A real efetividade do PD de 2006 dependia da
regulamentação de seus instrumentos em legislação específica, o que até a ocasião não havia
se estabelecido.
Fica claro que, considerando as relações políticas destacadas no Conselho de
Planejamento e Gestão Territorial de Maringá, impera uma representação funcional ou
orgânica, que parte de interesses específicos (categorias profissionais ou de mercado, por
exemplo), em detrimento de uma representação com base em interesses gerais, conhecida
como representação fiduciária (BOBBIO, 2007). Neste caso, verifica-se que esta realidade se
fundamenta no princípio de representação que, segundo Bobbio (2007), estrutura-se no
interesse específico, funcional e não no interesse geral.
Cabe pontuar que os representantes podem ser autorizados de diferentes maneiras
(pelo conhecimento técnico, pelo carisma ou liderança em um setor econômico ou categoria,
etc), o que pode refletir diferentes interesses e culturas das comunidades/entidades
representadas.
Apesar de a representação poder auferir legitimidade enquanto dotada de
conhecimento técnico, faz-se imprescindível o crivo público, daqueles que estão sendo
representados. Percebe-se que, embora, no caso da representação da UEM, por exemplo, o
processo de escolha ter transitado pelo reduto funcional, pela categoria docente-pesquisador,
ele é sustentado pelo crivo público, via exercício de racionalidade técnica realizado por meio
de pesquisas e de projetos de extensão (em função de demandas sociais), bem como pela

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UEM se perfazer como uma instituição dotada de reconhecimento público enquanto espaço
do saber que se fundamenta na defesa do bem comum. Nesse sentido, no caso do conselho
estudado, ficou evidente que a UEM é a única instituição que chega a se contrapor aos
interesses de mercado.
A qualidade da representação nos espaços participativos poderia ser melhor se os
custos de uma tomada de decisão, mais democrática, fossem realmente assumidos. Ou seja,
segundo a conselheira entrevistada, não é possível garantir uma representação efetiva quando
não se tem tempo para maturar com os representados o significado de determinadas questões
que estão em jogo. Por esse motivo, faz-se necessário assumir coletivamente o custo do tempo
da decisão mais democrática.
Além da legitimidade da representação se construir na relação entre representante e
base representada, ela também se estabelece na relação construída entre as instituições e o
conselho gestor. Mas, para isso acontecer, o primeiro exercício de representação, estabelecido
pela relação entre representados e representante, precisa estar dotado de legitimidade. É sobre
esta perspectiva que falaremos agora.

6. Ações política e social nas bases de representação do Conselho Estadual das


Cidades do Paraná

Entender como a representação político-social tem se estabelecido em um órgão


democrático e de representação mista – poder público e sociedade organizada – como o
Conselho Estadual das Cidades do Estado do Paraná – ConCidades, por meio da ação de seus
conselheiros, contribui para a discussão acerca das dimensões da representação exercida pelas
instituições, bem como sua legitimidade nos conselhos gestores de políticas públicas.
Estabelece-se na prática o sentido do processo político nos termos de Urbinati (2006)
O exercício representativo de um conselheiro, na maioria das vezes, conta com suas
experiências adquiridas no interior de suas bases que são expressas por meio do
associativismo existente nas diferentes organizações sociais, tanto de caráter público, quanto
privado. As ações política e social exercida por ele, ao longo da sua trajetória, é o que
possibilita que este tenha o apoio básico em seu exercício de representação, oferecendo-lhe a
sustentação necessária para a realização de suas atividades na arena política. São essas

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experiências dentro dessas organizações que permitirão o embate e debate deste conselheiro
junto aos demais atores sociopolíticos para a defesa das demandas e/ou das questões que
podem ser evidenciadas por suas bases ou pelo seu olhar como representante de determinado
segmento governamental ou não governamental.
Uma das grandes discussões que se estabeleceu em torno da representação no
ConCidades, ao longo do período pesquisado (2008 – 2011), está ligada diretamente ao poder
público e se refere à indicação pelas administrações públicas de servidores concursados para
tentar garantir a efetivação da representação. Isso significa que o quadro efetivo de
concursados da prefeitura, do estado e/ou da federação, possuem conhecimento específico
sobre uma dada política pública, o que é muito pertinente para o exercício da representação
nos conselhos gestores. A prática profissional desses servidores públicos ofereceriam
contribuições técnicas mais apuradas e contundentes nos processos de discussão realizados
pelos conselheiros.
A pesquisa apreendeu que 35,5% dos representantes governamentais, do ConCidades,
ocupavam cargos comissionados no poder público, sendo que destes 72,8% estão alocados
nos municípios e 27,2% no poder público estadual. Em sua maioria, os representantes que não
ocupam cargos comissionados correspondem aproximadamente 55% dos entrevistados.
O entendimento é que existem diferenças de comportamento e percepção da política
pública entre aqueles que exercem cargos comissionados e de confiança mais afetos a uma
determinada plataforma política e aqueles funcionários de carreira, em geral mais
familiarizados com o cotidiano da política.
Já sabemos que ao longo da história o poder público tem interferido diretamente nas
ações de organizações não governamentais, muitas vezes devido à troca de favores existentes
nas relações sociopolíticas entre ambos. Estar em contato com o poder público pode significar
ao conselheiro não governamental acesso fácil aos órgãos públicos e respostas mais imediatas
para problemas vivenciados pela sua instituição. Contudo, é muito comum o representante
não sustentar a defesa de seus pares. Isso ocorre quando falta interlocução dos conselheiros
com suas bases (ABRANCHES e AZEVEDO, 2004). O que frequentemente prevalece é a
defesa de interesses próprios na condução dos trabalhos existentes no conselho, vinculados à
troca de favores, fragilizando a defesa dos interesses da instituição que representa, seguindo a
lógica clientelista (NUNES, 2010).

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Não é difícil encontrar conselheiros da sociedade civil que ocupam cargos públicos,
sejam no âmbito municipal, estadual ou federal. No ConCidades, encontra-se esta situação em
que membros da sociedade civil exercem cargos públicos como assessores ou secretários,
com vínculos de cargos de confiança, tanto no poder legislativo, quanto no poder executivo.
Dos entrevistados, 35% exercem cargo de confiança, dos quais 73% representam governo e
27% sociedade civil. Esta configuração denota a dificuldade que o Estado tem tido para
partilhar o poder de decisão (TATAGIBA, 2002).
Quando observado problemas dessa magnitude, uma das alternativas possíveis é a
troca do conselheiro por parte da sua instituição, para que não ocorra dualidade de funções ou
representações (representando o governo e a sociedade civil ao mesmo tempo) junto ao
exercício do controle social. Para tanto, o trabalho de base, realizado pelas entidades, é de
fundamental importância para a fomentação de consciência coletiva. “A força de um
determinado seguimento no conselho está também vinculada à sua base social e à sua
capacidade de mobilização e proposição na cena pública” (SANTOS, 2004. p.155).
O próprio processo de escolha do representante, por parte da entidade, para compor o
conselho, pode ocorrer por meio da falta de atenção/conhecimento sobre a formalidade do
processo, bem como a falta de sensibilidade desta em relação ao exercício democrático. Tais
escolhas, quando se trata de representações da sociedade civil, devem ser realizadas em
assembleias ou fóruns específicos, por meio de conferências, sejam elas nacionais, estaduais
ou municipais. Com referência a representação do poder público, o mesmo acontece por meio
de indicações e não necessariamente nos espaços das conferências. Contudo, mesmo sendo
indicados pelo poder público, os representantes governamentais precisam ser referendados
pela sociedade nas conferências. Pois, de acordo com Gohn (2004), os princípios
democráticos se concretizam quando há trabalho de base que dê legitimidade.
Quando se trata da percepção e/ou informação dos conselheiros sobre como foi
escolhida sua indicação para compor o conselho, 67,7% dos entrevistados responderam que
conhecem o processo e a legislação que o ampara. No entanto, a preocupação aparece quando
vemos que 12,9% disseram, equivocadamente, que o processo acontece por meio da
negociação entre a organização e o poder público. Além disso, outros 22,6% não sabem quais
são os critérios de escolha de entidades para a composição do conselho. Em suma,
considerando que o processo de escolha é o ponto inicial para o exercício da representação e
que uma parte significativa dos conselheiros em exercício não consegue definir precisamente

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como se deu este processo, provavelmente a representação está constituída em bases


fragilizadas.
Outro fator que esbarra na percepção dos conselheiros é como estes enxergam as
organizações da sociedade civil dentro do conselho. Quando perguntados sobre a
representatividade das organizações da sociedade civil que participam do conselho, verifica-se
que somente 38,7% dos conselheiros acreditam que as organizações são muito representativas
no ConCidades. É pertinente destacar que 54,8% dos entrevistados são conselheiros
representantes da sociedade civil, e que parte daqueles que enxergam a representatividade das
entidades da sociedade civil são representantes do governo. Ainda, sobre a questão da
representatividade no ConCidades, outros 45,2% reconhecem que as entidades da sociedade
civil são razoavelmente representativas, o que pode ser explicado por meio do moroso
processo de implementação das políticas públicas urbanas como direitos no Brasil.
Subentende-se que, sendo os atores da sociedade civil mais representativos, o direito a cidade
poderia ser mais efetivo e pleno, por exemplo. Não se pode perder de vista que este
movimento de percepção da representação das organizações da sociedade civil deve iniciar
com o reconhecimento de seus pares sobre a importância de exercer o controle social dentro
de um conselho gestor de política pública. Não obstante, esse processo deve ser constituído
na perspectiva de estabelecer um elo de reciprocidade nas relações com a sociedade, visando à
disseminação do exercício de controle social, a ser desempenhado não somente pelas
organizações, mas por todos os cidadãos.
Todavia, não é somente a representação da sociedade civil que visa buscar
legitimidade. O ConCidades, como órgão de representação, tem tentado se legitimar no
cenário político institucional, por meio da efetivação de suas deliberações junto ao poder
público. É pertinente destacar que se trata de um Conselho Temático, não deliberativo
(TONELLA, 2006). A maneira como a gestão pública constrói sua relação com os conselhos
gestores, enquanto exercício de descentralização constitucional, pode conceber algumas
fragilidades, dentre as quais o não legitimar o caráter deliberativo. A legalidade não garante a
efetividade de um conselho, o que fará que este se efetive dentro do cenário constitucional
serão o grau de comprometimento dos atores sociais envolvidos e principalmente o
comprometimento dos governantes na implementação e efetivação das ações apontadas por
esses atores.

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No Estado do Paraná esta relação de comprometimento do governo frente às


deliberações/decisões do ConCidades segue este movimento de implementação da nova
configuração que vem se estabelecendo com as políticas urbanas em cenário nacional.
Entretanto, mesmo com o movimento promovido pelo governo do estado10 para a fomentação
destes novos instrumentos de gestão, na percepção da maioria dos conselheiros (45,5%) o
grau de comprometimento do governo para com as deliberações/decisões realizadas pelo
conselho é pequeno; para 12,9%, nenhum; para 35,5% é médio e para 6,5% é alto.
Não obstante, quando perguntado sobre como avaliavam o número de
deliberações/decisões realizadas pelo conselho, majoritariamente 71% dos entrevistados
consideraram que se estabelece como médio, enquanto 26% consideraram baixo/nulo e 3%
alto. Diante dos que consideraram nulo/baixo, percebe-se que há limitação interna dos
conselheiros quanto às deliberações realizadas. Uma das justificativas encontrada é que o
conselho não é deliberativo e por esta razão o mesmo não realiza deliberações, o que este faz
é destacar questões para que o governo busque as soluções necessárias. Esta justificava
também aparece quando se trata do compromisso do governo com as deliberações/decisões
apontadas pelos conselheiros. Justamente por não se tratar de um órgão com características
legais deliberativas o governo não legitima essa instância de representação, apenas o significa
com poder consultivo/propositivo junto ao poder público..
Deste modo, os impactos das decisões tomadas pelo conselho na gestão pública,
especificamente na secretaria de Estado responsável pela administração desta política,
segundo a maioria dos conselheiros (45,2%), têm tido média influência nas decisões
realizadas pela secretaria. Em seguida, 32% acreditam que as deliberações têm tido pouca
influência nas decisões e outros 13% dizem que essas deliberações não influenciam nas
decisões do poder público estadual.
Mesmo não tendo poder deliberativo, o conselho se constitui em um importante
mecanismo legítimo de controle social referente às políticas urbanas. A limitação legal de
definição de caráter jurídico não pode responder sozinha pela existência de fragilidades no
âmbito do exercício de representação, tendo em vista que muitos conselheiros não
reconhecem as organizações sociais como instituições representativas. Sendo assim, torna-se
necessário que os diversos atores sociais legitimem dentro desse espaço suas organizações
sociais para que as mesmas, unindo forças, apliquem pressão junto ao poder público, no
10
Este movimento foi caracterizado por meio da Lei nº 15.229, de 25 de julho de 2006 que regulamentou o
Decreto nº 2.581, de 17 de abril de 2004.

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intuito de que suas deliberações, mesmo que propositivas, alcancem resultados satisfatórios
para a superação dos problemas existentes dentro das políticas urbanas. Especialmente, se
considerarmos que:

A participação institucional abre diversas possibilidades, tanto de acesso a


informações necessárias à ação social quanto de ampliação de sua hegemonia para
outros setores da sociedade e do poder público. Mas, o que deve orientar a ação dos
diversos segmentos da sociedade nos conselhos é a interlocução com a respectiva
base social para a formulação de uma agenda política de intervenção na esfera
pública. Se, por um lado, o formato da participação institucional pode favorecer a
ampliação de práticas democráticas, estimulando a participação social, por outro,
para cumprir esse papel, dependerá da capacidade de as organizações sociais
representarem interesses sociais amplos (SANTOS, 2004. p. 155).

A articulação entre órgãos governamentais e os conselhos gestores deve ser


estabelecida em um processo dialético a fim de garantir que as informações acerca das
problemáticas das políticas urbanas transitem entre os diferentes atores sociopolíticos em
busca de proposições e soluções que atendam o povo. Para tanto, as deliberações/decisões
precisam se apropriar das leituras sobre a realidade construída, significadas por diferentes
atores e interesses, com vistas a viabilizar a entrada de variadas questões urbanas na agenda
de governo.
Outra fragilidade se estabelece por meio da representação dual, ou seja, quando um
representante de um segmento civil ocupa um cargo em um órgão público. Essa situação
fragiliza o sistema representativo e desmobiliza a paridade entre o poder público e a sociedade
civil. Isto ocorre devido a cooptação de membros da sociedade civil, realizada pelo poder
público. Não obstante, no ConCidades, a existência dessa dualidade pôde ser percebida e
comprovada ao longo da pesquisa, sobretudo, a cooptação dos membros do conselho pelo
poder público foi identificada pelos próprios conselheiros como um dos principais bloqueios
para o funcionamento do colegiado.
A presença do poder público executivo nessas situações não vem com o intuito
articulador entre as instâncias de controle social e os órgãos públicos, mas com a intenção de
neutralizar possíveis ações que desconsiderem a vontade política da gestão. Diferentemente
do poder executivo, o poder legislativo não tem ações neutralizadoras contra o conselho,
porém também não suscita proximidade com o mesmo, o que gera desarticulação entre as
duas instâncias de representação. Desarticulação esta que consiste em um limite no exercício
da representação pelos conselheiros das cidades.

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Em síntese, tem-se como fatores limitantes no ConCidades: as bases legais de


legitimidade do conselho; a falta de conhecimento específico sobre as políticas públicas
urbanas por parte dos conselheiros e; a duplicidade da representação do conselheiro, o que se
configura por diversas vezes em cooptação de atores sociais pelo poder público.

7. Considerações Finais

Como bem elucida Arretche (1996), de um lado, a construção democrática trouxe à


arena política um conjunto de atores para compartilhar o poder de comando anteriormente
centralizado no poder Executivo federal, são eles: governadores, prefeitos, parlamentares,
movimentos populares e sociais, etc. Por outro lado, é no plano dos estados e municípios que
ocorre, atualmente, um expressivo processo de inovação política (as chamadas “novidades
vindas de baixo”), constituídas por meio de novos espaços de representação política e de
participação, ou seja, os Conselhos gestores de políticas públicas. Foi neste ínterim que se
estabeleceu, com o presente artigo, uma leitura sobre o tema legitimidade da representação
nos conselhos gestores de políticas públicas.
Com a reflexão foi possível perceber que a efetividade da representação democrática
depende de superar relações clientelistas, corporativistas ou funcionalistas, em favor do
interesse público. Viu-se também que é fundamental a existência de canais de sustentação do
interesse público em meio ao processo político e administrativo que se inicia com a
representação dos interesses via participação, tanto do representante quanto do representado –
possibilitando o prevalecer da voz da sociedade civil.
Enquanto espaços e funções, os conselhos, em um primeiro momento, poderiam
contribuir para que a representação prevalecesse de forma efetiva, em decorrência da
participação direta de alguns indivíduos-cidadãos, sujeitos a um maior controle e interação
com o interesse público comunitário e/ou institucional.
Foi abordado, ao longo do trabalho, dois conselhos de políticas urbanas do Paraná, um
em nível estadual e outro em nível municipal. Os conselhos guardam semelhanças entre si no
que diz respeito a dois aspectos: a pauta voltada para as questões urbanas (legislação,
demandas sociais, prioridades de agenda etc); e a composição paritária entre governo e
sociedade civil. Entretanto, marcam diferenças entre si no que se refere à representação e

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efetividade.
Nesse sentido, o que essas experiências nos contaram sobre a legitimidade da
representação construída pelas relações entre representante e representado e entre instituição e
conselho?
No âmbito do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial, a leitura é de
há, em parte, um exercício orgânico no campo da representação, dotado de legitimidade,
exercido fortemente por meio do segmento mercado imobiliário/empresários. No entanto,
nesta mesma arena, o exercício de representação dos demais atores (inclusive a comunidade
epstêmica) que integram o conselho, estabelece-se de modo frágil, ou seja, por meio de uma
participação social frequentemente subordinada aos poderes locais dominantes, representados
fortemente pelo mercado imobiliário (detentor da voz hegemônica).
Já, em relação ao ConCidades, o exercício de representação se estabelece fragilizado
(sem legitimidade), sob forte domínio do poder público infiltrado na sociedade civil, por meio
de cargos comissionados. Verifica-se que há empenho por parte do governo no sentido de
intervir na composição e indicação de membros do conselho, instituindo uma prática que,
segundo Tatagiba (2002), denota uma recusa do Estado em partilhar o poder de decisão
Pela proximidade da comunidade local, os conselhos gestores poderiam exprimir
relações políticas mais bem autorizadas e controladas. No entanto, na prática, é pertinente
destacar que apesar da proximidade física dos agentes que se colocam nesta relação de
representação política – seja como representante ou como representado – , constata-se que não
necessariamente tem-se o representante como uma figura legítima da atividade de representar
(isso ocorre quando não existe a interlocução entre representante e representado que justifique
a representação). O que se constatou foi o prevalecer de uma representação corporativista e
patrimonialista em decorrência de um alinhamento entre interesses de mercado e poder
público estatal, no caso do CMPGT, em Maringá, e a pouca legitimidade do poder de
representação da sociedade civil no Conselho, no caso do ConCidades, devido a prática de
representação dual construída pelo próprio Estado (quando da cooptação, por parte deste, de
representantes não governamentais), com o objetivo de minar o poder de contestação da
sociedade civil.
Mesmo diante de limites de diversas ordens, os conselhos gestores exercem papel
fundamental ao proporcionarem aos atores sociopolíticos espaços institucionalizados para o
exercício da participação e representação, sobretudo, por legitimarem as diversas formas de

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organizações sociais delegando/confiando `a elas participação direta e compartilhada nas


gestões públicas nos três níveis de governo. De tal modo, estes espaços não somente integram
os atores sociopolíticos na vida política institucional, como também apresentam `a sociedade
novos mecanismos de participação com o intuito de fortalecer os princípios da democracia,
associados a descentralização de poder e condução das políticas públicas.

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Caracterização preliminar do APL de lácteo de São


Luís de Montes Belos - GO: A tênue relação entre
Capital Social e desenvolvimento territorial

Maria Gláucia Dourado Furquim¹


Klaus de Oliveira Abdala²

Recebido em 20 de março de 2017


Aprovado em 05 outubro de 2017

DOI:

RESUMO
Os Arranjos Produtivos Locais (APL) representam os agentes econômicos, políticos e sociais
presentes em um mesmo território, que estabelecem uma inter-relação no exercício de suas
atividades, cooperando e competindo entre si, para alcançar diferenciais competitivos que se
estendam por toda a cadeia, com a tutela do Estado como órgão de apoio e fomento. Este trabalho
tem o objetivo de apresentar, preliminarmente, as características gerais que compõem o APL de
Lácteos de São Luís de Montes Belos-GO, por meio de levantamento bibliográfico e análise de
informações disponibilizadas pelo Grupo de Trabalho Permanente em Arranjos Produtivos Locais.
Verifica-se que a formalização do APL de Lácteos de São Luís de Montes Belos é fruto do
diagnóstico da realidade socioeconômica da microrregião, que tem como carro-chefe a pecuária de
leite, proporcionando, de forma gradativa, melhor estruturação da cadeia em todos os seus elos, de
maneira a torná-la mais competitiva. Todavia, o grau de desenvolvimento do APL está
intrinsecamente relacionado aos princípios do capital social e de como os agentes envolvidos
cooperam entre si.
Palavras-chave: Cooperação. Rede. Capital social.

ABSTRACT
Local Productive Arrangements (APL) represent the economic, political and social agents present
in one same territory and establish an interrelationship in their activities of cooperation and
competition with each other, in order to obtain competitive differentials that can be extended
throughout the local chain, protected by the state as an organ of support and fomentation. This
work aims to present a preliminary analysis of general characteristics that composes the dairy APL
in São Luís de Montes Belos – GO. Analysis were conduced through bibliographic search and
collected information provided by the Permanent Working Group on Local Productive
Arrangements. Formalization of the Dairy APL in São Luís de Montes Belos results from this
micro-region socioeconomic reality, that works essentially with dairy cattle, gradually improving
the whole chain structure and making it more competitive. However, APL‟s development degree is
intrinsically related to social capital principles and cooperation of agents involved in it.
Keywords: Cooperation. Network. Social capital.

_
¹ Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]
² Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]

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1. Introdução

Com a globalização, a competitividade das organizações depende da ação coordenada


de agentes governamentais e não governamentais que assegurem mais dinamismo aos polos
de produção de bens e serviços. Nessa perspectiva, com a introdução de novas atribuições
governamentais, outros fatores fomentadores do crescimento começaram a ser considerados,
como os efeitos das variáveis geográficas, a proteção à propriedade intelectual, a oferta de
infraestrutura, os avanços tecnológicos, entre outros aspectos que evidenciam a importância
da intervenção do setor público na promoção de políticas desenvolvimentistas.
Nessa concepção, no Brasil, diversas ações públicas – estruturadas inicialmente em
modelos internacionais como o da Terceira Itália e do Vale do Silício – nortearam as ações
adotadas pelo governo a fim de promoverem o desenvolvimento econômico e social por meio
da valorização do território e de suas particularidades locais. Surgem, portanto, novas
dinâmicas estratégicas e produtivas, assim denominadas: clusters, sistemas produtivos locais,
sistemas locais de inovação e arranjos produtivos locais (APL), sendo o último modelo de
agrupamento produtivo a proposta a ser aqui discutida.
Os APL estão presentes em todo o território nacional e no estado de Goiás. No âmbito
federal, teve mais representatividade a partir da inclusão realizada em seu PPA 2004-2007.
São ações conjuntas e articuladas entre governo, entidades de classe, empresas e instituições
de ensino que, dentro de limites territoriais e embasados na realidade econômica, produtiva e
social local, buscam transformar a região em que se situam.
Para tanto, é necessário identificar a cadeia produtiva e sua representatividade
econômica, além da forma como estão estabelecidas as relações de “coopetição”11 entre
alguns elos dessa cadeia. Tal ação proporciona dimensionar as estruturas sociais e os níveis de
coesão social.
Assim, o dinamismo dos sistemas organizacionais está no âmago das redes de
empresas e propicia o melhor processamento das informações em um contexto holístico,
possibilitando uma melhor percepção da realidade, de forma a aperfeiçoar o processo de
tomada de decisão. Dessa forma, a busca pela eficiência, sustentabilidade, qualidade e

11
Coopetição é um misto de competição e cooperação. Para mais detalhes sobre a temática, ver Paiva (2013).

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equidade são fortalecidos em cada um dos participantes da cadeia produtiva (ABDALA;


RIBEIRO LEE; FIGUEIREDO, 2009).
Nesse contexto, o presente estudo busca caracterizar preliminarmente o APL de
Lácteos de São Luís dos Montes Belos, apresentando como as redes de relações sociais
vinculadas a fins comuns podem favorecer os agentes econômicos de determinada
coletividade. A pesquisa realizada é classificada como qualitativa, pois evidencia a
abrangência e elucida a dinâmica das relações sociais. Os aspectos envolvidos nesse tipo de
pesquisa dificilmente podem ser medidos e tratados estatisticamente. Esta investigação é
descritiva no que se refere aos objetivos, por apresentar eventos e elementos da região
analisada a partir da identificação dos agentes que cooperam e atuam na cadeia produtiva do
leite, constituindo o APL de Lácteo de São Luís de Montes Belos (LAKATOS, 2003). Para
entendimento da temática abrangida, foi realizada uma revisão de literatura em livros e
periódicos da área.

2. Arranjos Produtivos Locais: Caracterização preliminar

No Brasil, a partir do ano 2000, uma nova forma de ação política de incentivo
industrial ganhou força, impulsionada pelas experiências exitosas dos distritos industriais
italianos e do Vale do Silício, nos Estados Unidos, principalmente os distritos italianos, que
proporcionaram um exemplo de dinamismo às empresas presentes, com adoção de ações de
cooperação entre os diversos agentes econômicos locais (OLIVEIRA, 2009).
Tais fatores de integração entre empresas e Estado possibilitaram desenvolver novos
meios e políticas que proporcionem vantagens competitivas sustentáveis, valorizando e
otimizando as particularidades produtivas de cada região. Inserem-se, portanto, ações
programadas pelos setores público e privado, fundamentadas no conceito de utilidade das
políticas elaboradas e de estratégias de atuação, respectivamente. Nesse sentido, os Arranjos
Produtivos Locais (APL) surgem como alternativa de fomento ao desenvolvimento regional
(OLIVEIRA, 2009).
A base para a formação dos APL consiste em uma forma diferenciada de se analisar
uma atividade produtiva, enxergando-a como parte de um conjunto de elementos econômicos,
políticos, sociais e ambientais dispostos em um mesmo território e com potencial de

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crescimento por meio de ações de aglomeração e cooperação de empresas, incentivados pelo


poder público.

[...] aglomerações de empresas, localizadas em um mesmo território, que


apresentam especialização produtiva e mantêm algum vinculo de articulação,
interação, cooperação e aprendizagem entre si e com os outros atores sociais
locais, tais como: governo, associações empresariais, instituições de credito, ensino
e pesquisa. (SEBRAE, 2003, p. 12, grifos do autor).

No que se refere às conquistas e aos aprendizados obtidos na elaboração e execução de


políticas, enfatizam-se três principais, conforme Campos et al. (2010, p. 37):

 Resgate das políticas de desenvolvimento e da preocupação com as especificidades


e dinâmicas territoriais e a conseqüente atenção às condições específicas de cada
contexto local, consagrando o território como locus efetivo das políticas;
 Inclusão de atividades, regiões e atores geralmente não contemplados na agenda de
políticas – destaque para os conjuntos de micro e pequenas empresas e
empreendedores;
 Intensificação das articulações e dos esforços de coordenação abrangendo as
diferentes escalas, atores e focos de atuação.

Especialmente em Goiás, as primeiras iniciativas de apoio aos APL datam do ano


2000, ao se firmar parcerias entre o Governo do Estado com o Governo Federal, em
específico com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Ministério de Integração
Nacional (MI). Em 2004, na esfera federal, o governo instituiu mais organicidade à sua
atuação ao inserir o projeto à Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE)
e ao Plano Plurianual 2004-2007 (PPA), criando, também, o Grupo de Trabalho Permanente
para Arranjos Produtivos Locais (GTP-APL) (CAMPOS et al., 2010).
A Rede Goiana de Apoio aos Arranjos Produtivos Locais (RG-APL), também criada
pelo governo estadual, consiste em formalizar a atuação das diversas instituições envolvidas
nas ações de estruturação dos APLs, sendo governamentais ou não governamentais, visando a
correta alocação de recursos e esforços, conforme descrito no artigo 2º do Decreto nº 5.990,
de 12 de agosto de 2004, que esclarece sobre os objetivos e as finalidades desse organismo de
coordenação política:

[...] Art. 2o A Rede Goiana de Apoio a Arranjos Produtivos Locais, criada por este
Decreto, tem por finalidade empreender ações que objetivam a:
I - estabelecer, promover, organizar e consolidar a política estadual de inovação
tecnológica local, através da constituição e o fortalecimento de Arranjos Produtivos
Locais;

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II - apoiar e incentivar o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação,


estimulando ações nas cadeias produtivas de destaque no Estado;
III - colaborar na captação de recursos financeiros para aplicação no
desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais;
IV - criar e manter o Banco de Dados para armazenar dados, informações e
identificação relativos a Arranjos Produtivos Locais existentes e a serem
implantados no Estado;
V - selecionar os setores produtivos e as regiões a serem apoiados por recursos do
Estado, na implementação de Arranjos Produtivos Locais;
VI - incentivar e apoiar a qualificação e a especialização de mão-de-obra para o
setor produtivo das áreas de apoio a Arranjos Produtivos Locais;
VII - difundir e estimular a formação de Arranjos Produtivos Locais, com
demonstração de sua importância para a economia local e regional;
VIII - criar condições de avaliação do andamento de cada Plataforma Tecnológica,
visando observar os resultados concretos e os benefícios gerados para o Estado em
função da sua implantação;
IX - estabelecer as condições indispensáveis às ações cooperativas dos setores
públicos e privados, com o intuito de garantir a aplicação máxima de conhecimentos
científicos e tecnológicos atualizados, bem como auxiliar no desenvolvimento de
tecnologias apropriadas às necessidades de cada região;
X - prestar assessoramento e informações a todas as pessoas físicas ou jurídicas
interessadas nos objetivos estabelecidos neste Decreto;
XI - realizar ações e desenvolver atividades afins e complementares. (GOIÁS,
2004).

Verifica-se, portanto, que as bases conceituais do APL transcendem as condições de


aglomeração e intervenção pública, contemplando especialmente a concentração geográfica
(território/espaço) e suas capilaridades.

2.1 Caracterização do Arranjo Produtivo de Lácteo: delimitação do território

O diagnóstico da realidade socioeconômica da microrregião de São Luís de Montes


Belos para a implantação do APL de Lácteo decorre da iniciativa dos setores público e
privado de promover o crescimento e o desenvolvimento da região do Oeste Goiano. Buscou-
se compensar a falta de investimentos governamentais na região, que inexistia quando houve
a criação da Agência Goiana de Desenvolvimento Regional (AGDR), fato que excluiu tais
municípios das ações de planejamento estratégico de cunho desenvolvimentista (SIGO, 2013).
A escolha do município de São Luís de Montes Belos como eixo do APL provém das
condições estruturais e econômicas que o município possui, identificadas pelo mapeamento
das Aglomerações Produtivas Especializadas em Goiás (diagnóstico e diferenciação de APLs,
possíveis do Estado) realizado pelo Sebrae. Os resultados do diagnóstico apontaram as

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potencialidades do município no setor de laticínios, dada a representatividade da cadeia


leiteira na região. Identificou-se também um maior número de empreendimentos industriais e
comerciais ligados à atividade leiteira e a presença de Instituições de Ensino Superior e de
órgãos de coordenação e capacitação (SEPLAN, 2003).
Desse modo, a configuração inicial do APL de Lácteo consistia em 15 municípios,
sendo eles: Adelândia, Aurilândia, Buriti de Goiás, Cachoeira de Goiás, Córrego do Ouro,
Firminópolis, Ivolândia, Moiporá, Mossâmedes, Nazário, Palminópolis, Sanclerlândia, São
João da Paraúna e Turvânia, sendo necessário estar situado em um raio de 60 km do
município polo e possuir uma base econômica correlata às atividades do Arranjo.
Posteriormente, foram integrados os municípios de Fazenda Nova, Novo Brasil e Paraúna.
Assim, por meio da Figura 1, é possível visualizar a delimitação territorial da microrregião de
São Luís de Montes Belos e dos respectivos municípios que compõem o APL (SEPLAN,
2003).

Figura 1 – Microrregião São Luís de Montes Belos

Fonte: Seplan/Sudes/Gerência de Desenvolvimento do Oeste, 2003.

2.2 Formatação do APL: características econômicas da microrregião

As bases para o desenvolvimento das ações voltadas a contemplar o APL de Lácteo


estão fundamentadas em três propostas principais: protagonismo local, conhecimento técnico

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e tácito e coordenação social. Considerando essas vertentes, optaram por apoiar uma atividade
de destaque e existente na região.
Num segundo momento, foram identificadas as três fundamentais atividades
econômicas da região Oeste e a correlação de cada uma na formação de riquezas e na
quantidade de empresas de processamento atuando no conjunto de municípios, visando
compreender o dinamismo do setor conforme contornos locais. Com base nesses fatores,
identificou-se como setor da economia mais importante da região o agropecuário. As
atividades mais relevantes são bovinocultura de leite, bovinocultura de corte e mandiocultura
(SEPLAN, 2003).

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Figura 2 – Formatação do APL Lácteo

Fonte: Seplan/Sudes/Gerência de Desenvolvimento do Oeste,

Por meio das ações conjuntas estrutura-se o APL Lácteo, como demonstrado na Figura
2, com a atuação dos seguintes atores: na parte interna do anel estão as instituições de classe
que representam os agentes expostos no centro, que compõem as bases do APL. Na parte
externa estão as instituições de suporte que não estão sediadas na microrregião de São Luís de
Montes Belos, mas que firmaram compromisso de parceria e apoio para o desenvolvimento
do arranjo.
Analisando a realidade dos 18 municípios que compõem o APL, verificou-se, ainda,
que existem cerca de 5.000 produtores de leite que destinam sua produção ao mercado para
fins de comercialização, captada por 14 empresas de laticínios, estando 11 delas presentes na
microrregião e três outras na grande Goiânia. Os outros integrantes do arranjo são empresas
fornecedoras de insumos agropecuários, instituições de ensino técnico-profissional de nível
pós-médio e superior, organizações de classe, dirigentes lojistas, instituição de crédito (Banco
do Brasil) e prefeituras municipais.
Conforme dados obtidos sobre a forma como estão distribuídas as pessoas que atuam
na cadeia de lácteo na região, constatou-se que mais de 11.000 pessoas estão inseridas em
algum elo da cadeia produtiva de leite, distribuídos da seguinte maneira: 5.063 produtores de
leite, 682 colaboradores e gestores de indústrias de laticínios; os demais estão alocados à
montante da cadeia produtiva de leite, atuando em casas agropecuárias (23), fábricas de ração

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(12), assistência técnica (01), venda de máquinas e equipamentos agrícolas (03), instituições
de ensino (04).

Gráfico 1 – Distribuição de pessoas na cadeia de lácteos na região de São Luís de


Montes Belos-GO

Fonte: Elaborado pela autora, em 2015, com base nos dados fornecidos pela Seplan (2003).

Verificou-se, portanto, no período, que 57,04% das propriedades rurais da região


delimitada dedicam-se à atividade leiteira para fins de atender ao mercado, produzindo
durante todo o ano. As pessoas empregadas nas propriedades correspondem a 64,2% da mão
de obra envolvida na atividade leiteira e 26% estão atuando nos laticínios nos processos de
transformação.

2.3 Relações de cooperação e integração: novos balizadores das políticas


de apoio ao desenvolvimento

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Sob a ótica de um cenário globalizado, a busca pela obtenção de vantagens


competitivas sustentáveis tornou-se fundamental para a sobrevivência das empresas,
independente do ramo de atuação ou porte. A globalização tem demandado, dos agentes
privados e públicos, a identificação e a otimização dos mercados chaves, principalmente a
adoção de ações estratégicas. Isso faz com que atividades de cooperação entre empresas,
produtores, organizações de pesquisas, entre outros, sejam firmadas não apenas para assegurar
a sobrevivência no mercado, mas, especialmente, para se tornarem mais competitivas
(OLIVEIRA, 2009).
Portanto, quando se fala de redes de cooperação produtiva, como propulsor para
formação de processos de desenvolvimento, deve-se contemplar prioritariamente as ideias de
alianças estratégicas e a inter-relação entre os agentes que compõem a rede. Assim, a
cooperação interempresarial visa proporcionar mais suporte às necessidades das empresas que
individualmente seriam difíceis de serem satisfeitas (KLOTZLE, 2002).
Dentre essas necessidades estão: compartilhar riscos e custos de empreender em novas
atividades, mais poder de barganha com o cliente, utilizar o conhecimento práticos de outras
organizações, combinando e compartilhando as competências, diversificação de produtos,
compartilharem recursos subutilizados e operar no mercado internacional (KLOTZLE, 2002).
Conforme compreensão de Santos,Diniz e Barbosa (2004, p. 173),

o apoio governamental não tem o único mérito, no entanto, de forçar o


aumento da representatividade das organizações. Antes deve ser entendido como um
mecanismo fomentador de agentes econômicos, na medida em que cria incentivos
para a cooperação entre agentes.

Dessa forma, a cooperação entre os agentes gera a confiança de que os benefícios


advindos sejam compartilhados de maneira igualitária e que não retornem exclusivamente
para um agente com posição mais privilegiada.
Outro ponto a ser destacado refere-se à forma democrática de formação da instância
decisória que compõe o APL, contando com uma governança local, cujo formato é um fórum
permanente como órgão máximo, que delibera quanto às diretrizes do arranjo e coordena o
processo de eleição para os cargos de titulares dos órgãos, sendo eles: a) Diretoria do Fórum,
com um presidente e três vices; b) Conselho Gestor, composto por Diretor-Presidente, Vice-
Diretor Presidente, Diretor de Educação, Diretor de Cultura Associativista, Diretor de
Produção e Diretor de Comunicação e Marketing; e c) Secretaria-Executiva, órgão executivo.

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Em geral, esses órgãos diretivos possuem, no mínimo, um representante de cada município,


para que as decisões tomadas atendam às demandas comuns dos municípios envolvidos no
projeto (SIGO, 2013).

2.4 Capital Social: instrumento para realização de ações conjuntas e obtenção de


vantagens competitivas

O tema capital social é um campo do conhecimento que não pertence a uma área
específica, com definições relacionadas à sociologia, à economia e às ciências políticas. Na
década de 1980, se iniciaram as discussões mais relevantes entre capital social e
desenvolvimento humano e econômico de países e regiões, decorrente das relações sociais
estruturadas em confiança, normas e redes. Os autores referenciais para elaboração e
disseminação do conceito de capital social são Pierre Bourdieu (1980), James Coleman (1988,
1990) e Robert Putnam (1993) (COSTA; COSTA, 2005).
O princípio de capital social está centrado na sua intangibilidade, que, diferentemente,
do capital material, que se desgasta mediante o uso, o capital social se potencializa. Não há
um conceito único e imutável, mas, em linhas gerais, refere-se ao alcance de objetivos
comuns por meio de ações desenvolvidas conjuntamente. Desse modo, o capital social
decorre de uma rede durável de fatos coletivos ligados a relações de confiança e reciprocidade
(PAIVA, 2013).
As características que singularizam os APL são aglomerados de empresas relacionadas
entre si, conforme limites geográficos e setoriais. Contudo, é preciso estabelecer relações
harmônicas entre os diversos membros sociais que atuam na coordenação desses agentes
econômicos. Dessa forma, um aglomerado de empresas não configura, por si só, um APL, é
imprescindível que haja relação de cooperação entre os agentes locais (COSTA; COSTA,
2005).
De acordo com Pereira, Carniello e Santos (2010), o capital social decorre de grupos
sociais como família, associações, bairros ou municípios, visando canalizar propósitos
comuns entre os membros, de forma a estabelecer e fortalecer relações de confiança e
reciprocidade. Nesse cenário, as relações sociais são o alicerce para o desenvolvimento e o

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crescimento econômico distributivo, cabendo aos agentes públicos fomentar e implantar tais
ações.
Nessa perspectiva, o capital social surge como elo que facilita as relações naturais
entre organizações que vão sendo sistematizadas à medida que aumentam e facilitam as
relações dentro do grupo e entre grupos. Esses mecanismos promovem, por meio de ações
conjuntas, a obtenção igualitária de vantagens competitivas, que podem ser mensuradas
através da análise dos seguintes eixos: grupos e redes, confiança e solidariedade, ação coletiva
e cooperação, informação e comunicação, coesão e inclusão social e autoridade ou
capacitação (empowerment) e ação política.

3. Considerações Finais

A busca por diferentes meios que impulsionem o desenvolvimento econômico e social


local tem exigido novas formas de atuação do estado, que proporcionem soluções de
problemas e exploração de oportunidades.
Identificar os pontos de coesão social na microrregião de São Luís de Montes Belos e
municípios envolvidos no arranjo produtivo, de forma a verificar, por meio da medição de
diferentes dimensões do capital social, a capacidade de desenvolvimento de ações conjuntas e
obtenção de vantagens competitivas nessas regiões, aspectos fundamentais para promover a
articulação entre os diferentes atores da cadeia produtiva do leite, uma das principais
atividades econômica da região.
Todavia, o grande desafio está em despertar, principalmente no produtor rural, a
necessidade de estabelecer ações conjuntas a título de fortalecer o setor e, consequentemente,
alcançar objetivos comuns. Esse senso de coletividade precisa ser internalizado e representa,
por si só, o nível de desenvolvimento social alcançado entre os agentes envolvidos, sendo,
portanto, indispensável para a expansão e a competitividade do setor leiteiro.

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A POLÍTICA PÚBLICA DE ENSINO A


DISTÂNCIA: Um estudo sobre a fase da
implementação de dois cursos da Universidade Federal
de Lavras

Érika Loureiro Borba¹


Kelly Aparecida Torres²
Pablo Luiz Martins³
Fabrício Molica de Mendonça4

Recebido em 28 de julho de 2017


Aprovado em 16 de outubro de 2017

DOI: 10.18829/rp3.v11i2.26601

RESUMO
Este estudo se dedica à análise da política pública de ensino a distância com foco na implementação dos
cursos de Administração Pública e Letras-Português, desenvolvidos pelo Centro de Educação a
Distância da Universidade Federal de Lavras em parceria com a Universidade Aberta do Brasil. Desta
forma o objetivo foi compreender o processo de implementação segundo a percepção de diferentes
atores pertencentes ao quadro da Universidade, que estão envolvidos com a implementação dos cursos,
e os coordenadores dos polos de apoio presencial dos municípios onde os mesmos são ofertados. A
metodologia utilizada para esta investigação foi a análise qualitativa a partir da utilização dos métodos
de estudo de caso e entrevista semiestruturada. O estudo apresentou as facilidades e dificuldades que os
implementadores precisam monitorar para que a política pública possa atingir seu objetivo, destacando-
se o trabalho articulado entre as equipes e o processo de institucionalização do ensino a distância no
âmbito da universidade.
Palavras-chave: políticas públicas, implementação, ensino a distância.

ABSTRACT
This study is dedicated to the analysis of the public policy of distance learning focused on the
implementation of the courses of Public Administration and Portuguese Letters, developed by the
Center for Distance Education of the Federal University of Lavras in partnership with the Open
University of Brazil. In this way the objective was to understand the implementation process according
to the perception of different actors belonging to the University, who are involved with the
implementation of the courses, and the coordinators of the in-person support centers of the
municipalities where they are offered. The methodology used for this investigation was the qualitative
analysis based on the use of case study methods and semi-structured interviews. The study presented the
facilities and difficulties that the implementers need to monitor so that the public policy can reach its
objective, highlighting the articulated work between the teams and the process of institutionalization of
distance education within the university.
Keywords: public policies, implementation, distance learning.
___________
¹ Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]
² Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]
³ Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]
4
Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]

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1. Introdução

A administração pública representa um instrumento do governo que tem como principal


objetivo a utilização dos recursos estatais para promover o bem comum. Dentre as atividades
estatais, destaca-se a gestão das políticas públicas que, em síntese, pode ser compreendida
como um processo de identificação de um problema, formação da agenda governamental,
formulação, implementação, avaliação e extinção.
Assim, uma política pública representa um conjunto de ações, cujo objetivo principal é
a resolução ou minimização de um problema de âmbito coletivo, podendo ser desenvolvida
tanto pela esfera governamental quanto pela esfera privada.
Dentre os temas que compõem as agendas de políticas públicas, merece destaque a
educação como um campo elementar para a capacitação do cidadão para a política
(SCHLEGEL, 2011), de modo que este possa se tornar mais informado e participativo. As
políticas públicas educacionais representam as decisões do governo que incidem no ambiente
escolar (OLIVEIRA, 2010), seja este de ensino básico, médio, tecnológico ou superior. Com
relação ao ensino superior, o governo brasileiro tem utilizado da modalidade de ensino a
distância (EAD) como um meio de universalização e democratização do acesso a este tipo de
ensino no país, o qual atua também como uma forma de combater as desigualdades regionais
e minimizar o deficit educativo. Para tanto, tem sido elaborados e implementados programas
de incentivo a esta modalidade no ensino superior. Para dar sustentação a esses programas foi
institucionalizada a Universidade Aberta do Brasil (UAB), que visa a expansão da educação
superior a distância e que abarca programas, como o Programa Nacional de Formação em
Administração Pública (PNAP) e o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica.
Para tal investigação, esta pesquisa buscou responder à seguinte questão:
como é feita a implementação dos cursos de Administração Pública e Letras-
Português ofertados pelo Centro de Educação a Distância da Universidade Federal
de Lavras na perspectiva dos implementadores? O objetivo foi compreender o processo
de implementação, segundo a percepção de diferentes atores pertencentes ao quadro da
Universidade, que estão envolvidos com a implementação dos cursos, e os coordenadores dos
polos de apoio presencial dos municípios onde os mesmos são ofertados.

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Este artigo foi estruturado de modo a apresentar: as noções sobre políticas públicas,
implementação e a política de ensino a distância; os procedimentos metodológicos utilizados
na pesquisa; os resultados acerca do processo de implementação dos cursos a distância de
Administração Pública e Letras-Português na perspectiva dos agentes implementadores.

2. Políticas Públicas e a fase a Implementação

As políticas públicas representam um plano, princípio ou curso de ação que é seguido


pelo Estado e/ou sociedade, cujos elementos permitem uma compreensão mais ampla de
desenvolvimento, não apenas pelo viés econômico, ou seja, permitem a visão do
desenvolvimento pelas perspectivas social, política e ambiental que permeiam as relações
entre Estado e sociedade (FERREIRA, 2011).
Uma política pública pode ser entendida também como resultado da atividade de uma
autoridade que seja dotada de legitimidade governamental e poder público. No entanto, diante
da existência de definições diversas, Souza (2006) diz que não existe uma definição única ou
melhor sobre política pública, mas apresenta os elementos principais de uma política, os quais
devem: permitir distinguir o que o governo pretende fazer e o que de fato faz; ter o
envolvimento de vários atores e níveis de decisão; ser abrangente e não se limitar a leis e
regras; representar uma ação intencional com objetivos a serem alcançados; embora produza
impacto de curto prazo deve ser considerada uma política de longo prazo; e envolver
processos subsequentes após sua decisão e proposição como, por exemplo, implementação,
execução e avaliação.
Portanto, uma política pública não se resume a uma mera atuação estatal com o
objetivo de promover o investimento social, ela precisa conter também um conjunto de ações
que visem a construção de um futuro real (BONETTI, 2011).
E, na perspectiva de Althus et al (2013) um processo de criação de uma política pública
que não incluir desde a identificação de problemas até a implementação, tem menos chance de
sucesso e, por isso, o resultado mais óbvio será de erros nesta política.
A implementação representa um conjunto de atividades orientadas para as ações que
perpassa tanto pelo gerenciamento de pessoas quanto pelo de processos. Assim, para Oliveira
(2006), esta fase representa uma forma de gerenciamento e execução visando a mudança da

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política, de um plano administrativo para a prática, cujas ações são complexas e dependem da
interação com o processo de planejamento já estabelecido.
As vicissitudes e obstáculos encontrados nesta fase derivam, principalmente, da
capacidade institucional dos agentes implementadores e das disputas políticas (FERREIRA,
2011; MARTES et al, 1999). Estas disputas, segundo Lotta (2008), advêm da diversidade de
instituições e atores envolvidos no processo de implementação que projetam em suas
preferências e estratégias, valores e princípios diferenciados, que acabam por influenciar as
decisões e geram conflitos.
Neste sentido, segundo Hill (2003), os implementadores possuem várias possibilidades
de implementação e precisam saber qual utilizar porque suas ações alteram os resultados de
uma política de forma direta, assim como os demais fatores que incidem sobre este processo
como, por exemplo, escassez de recursos. E Nogueira (2006) aponta dois elementos
dificultadores da implementação: o agir discricionário dos implementadores que estão na
ponta do processo; e o fato dos programas estarem inseridos em ambientes dinâmicos que
demandam revisões constantes de objetivos e estratégias. Neste sentido Freeman (2013)
ressalta outros elementos que se revelam como armadilhas do processo de implementação
como, por exemplo, falta de especificação; conflito de objetivos e instruções; competências
inadequadas e/ou limitadas.
E, de acordo com Fisher et al (2007), um processo ideal de implementação deve
apresentar os seguintes elementos: especificação dos detalhes do programa como, por
exemplo,quais agência irão participar; a alocação dos recursos de forma a verificar, por
exemplo, como o orçamento será distribuído; e a definição sobre quais serão as decisões a
serem tomadas frente ao surgimento de casos isolados.
Esta fase pode ser compreendida a partir de dois modelos principais. O primeiro
modelo é o chamado top-down onde é possível a visualização clara de que as fases de tomada
de decisão e implementação são consecutivas, ou seja, os tomadores de decisão se
diferenciam dos implementadores, pois detém o monopólio para a formulação de políticas
públicas e pautam suas escolhas baseados na racionalidade técnica mesmo diante de situações
em que deveriam negociar com a sociedade (SARAVIA, 2009). Assim, o processo de
formulação se perfaz pela lógica da atividade política enquanto a fase de implementação
representa uma prática administrativa (LIMA; D'ASCENZI, 2012).
O segundo modelo é
denominado botton-up e se caracteriza por garantir maior liberdade para que os atores

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participem de forma mais efetiva no processo de implementação, ou seja, neste modelo o


processo de implementação é considerado disperso e descentralizado, onde os
implementadores podem mudar a política ou redefinir seus objetivos a partir dos obstáculos
encontrados (LIMA; D'ASCENZI, 2012). Assim, os atores participam ativamente das fases de
identificação do problema e proposição de soluções e o agir discricionário dos
implementadores é considerado positivo já que estes atores possuem maior conhecimento da
situação, por estarem mais próximos dela, e, por isso, tornam-se capazes de melhor adaptar a
política ao contexto a que é destinada (O'BRIEN; LI, 1999).
A discricionariedade desses agentes está em determinar a natureza, a quantidade e a
qualidade dos benefícios e as sanções fornecidas por sua agência. Mesmo que as dimensões
políticas oficiais moldem alguns padrões de decisão, bem como normas comunitárias e
administrativas, esses agentes ainda conseguem ter autonomia para decidir como aplicá-las e
inseri-las nas práticas da implementação (LOTTA, 2008).
Portanto, este modelo cria um processo circular de relações recíprocas de poder e de
negociações intensas, cujos eventos devem ser monitorados para que o resultado esperado
seja alcançado, com base em três imperativos que podem ser mais ou menos conflitivos – o
imperativo legal, o organizacional e o consensual (OLIVEIRA, 2006; SARAVIA, 2009).
Os principais problemas causados pelas falhas na implementação de uma política
dizem respeito à descontinuidade e paralisação do programa e, consequentemente, prejuízos
de ordem financeira (SECCHI, 2010; SOUZA, 2006). Assim, todas as questões debatidas são
importantes para a compreensão do processo de implementação, principalmente para a
identificação das interações que ocorrem entre os agentes implementadores e os beneficiários
da política de ensino a distância, que é o foco deste estudo.

3. A Política Pública de Ensino a Distância

O ensino à distância (EAD) se fundamenta como um processo de ensino-


aprendizagem mediado por tecnologias onde professores e estudantes estão separados no
tempo e no espaço (MORAN, 2002). Na qualidade de prática educativa, o EAD tem como
principais objetivos a democratização da educação, a promoção da aprendizagem autônoma

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relacionada à experiência e o incentivo a educação permanente por meio de um ensino de


qualidade.
O processo de democracia contempla o exercício dos direitos sociais, as políticas
públicas estatais quando as mesmas buscam a redução das desigualdades sociais e,
principalmente, o exercício da cidadania participativa onde o indivíduo passa a ser atuante nas
decisões dos negócios públicos (PEREIRA, 2011).
Sendo assim, o ensino a distância contribui para a democracia no momento em que a
mesma concorre para a redução das desigualdades, na emancipação e no fomento de práticas
cidadãs por meio da educação, que se revela como uma política pública prioritária no Brasil.
Por isso, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Universidade Aberta do Brasil (UAB)
tem como principais objetivos, com a efetivação do ensino a distância, a promoção do
interesse público no sentido de dar prioridade na oferta de cursos de licenciatura, formação
inicial e continuada para professores da educação básica; oferecer cursos superiores para os
indivíduos que trabalham diretamente nas esferas públicas dos estados, distrito federal e
municípios; ofertar cursos superiores privilegiando diferentes áreas de conhecimento; ampliar
o acesso à educação superior pública; reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior
entre as regiões do país e fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias que
contribuam com a inovação e dinamização do ensino a distância (BRASIL, 2006).
No ano de 1998, o
Ministério da Educação (MEC) estabeleceu decretos e portarias que complementam a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), delimitando procedimentos principais de condução
das políticas de ensino a distância no país. O decreto 5.800 de 08 de junho de 2006 foi
responsável pela instituição do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) que tem como
meta desenvolver o ensino a distância no país, regulando e monitorando a oferta de cursos e
programas de educação superior.
O objetivo do ensino a distância é promover o ensino de massa, mas no sentido de
possibilitar que um maior número de pessoas tenha acesso a um ensino superior de qualidade
e não a mera venda de diploma (PIMENTEL, 2000). Desta forma, a política de ensino a
distância se constitui como uma política que contribui para a ampliação do acesso à formação
superior, além de potencializar o fomento da cidadania e da participação, de forma a
impulsionar os indivíduos a trabalharem pelo desenvolvimento de suas comunidades.

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4. Metodologia

Para a condução deste estudo optou-se pelo embasamento metodológico advindo da


pesquisa qualitativa, que se pauta pelo estudo da realidade pela análise de dados subjetivos,
opiniões, fenômenos, etc (MINAYO, 2010), e pela perspectiva do paradigma interpretativista,
que se pauta pela compreensão da estrutura social como resultado da interpretação que os
indivíduos realizam para pautar seu modo de agir, ou seja, a sociedade, na abordagem
interpretativa, é compreendida como uma criação de seus membros com foco na influência da
interpretação no comportamento (ALENCAR, 2000).
Assim, visando atingir a proposta deste estudo, o método de pesquisa utilizado foi o
estudo de caso que proporciona, segundo Patton (1990), a construção de um retrato válido
acerca dos cursos em questão, além de base para a compreensão de sua realidade. E para
obter com precisão os principais elementos que refletem na normatização dos
cursos estudados, foi utilizado método da análise documental dos projetos
pedagógicos de criação dos mesmos. Segundo Gil (1999), a análise documental
propicia o levantamento de dados que contribuirão para resolução dos problemas
propostos pelo pesquisador. E para compreender os processos de mudanças ocorridos ao
longo da implementação destes programas, como também a análise da participação dos atores
nestas ações, optou-se pela utilização da técnica de entrevista semiestruturada por ser, na
perspectiva de Laville e Dione (1999), aquela em que o entrevistado tem maior liberdade em
decidir-se pela forma de construção de sua resposta.
Com relação ao critério para seleção dos entrevistados, vale destacar que buscou-se
selecionar alguns dos principais atores dos cursos de Administração Pública e Letras-
Português, ou seja, aqueles que estão mais próximos das decisões e ações que dão efetividade
a estes cursos. Assim, foram selecionados os seguintes atores conforme demonstrado na
tabela 1:
Ator Função

Coordenador geral do CEAD/UFLA Gerir os cursos de forma a articula-los com os


demais oferecidos pela Universidade; e busca de novas
parcerias para o desenvolvimento do EAD.

Coordenador UAB e Coordenador Responsáveis pela interlocução direta da


UAB/Adjunto Universidade com a CAPES/UAB; e negociação de
recursos financeiros.

Coordenadora Pedagógica e Coordenadora de Gestão dos recursos humanos responsáveis

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Apoio Técnico pela veiculação do ambiente virtual de aprendizagem; e


produção de material didático.

Gestoras do curso de Administração Pública e Atuação nos processos e ações de


Gestora do curso de Letras-Português implementação demandados ao longo da efetivação dos
cursos.

Coordenadora do curso de Administração Presidir as reuniões de colegiado para a


Pública e Coordenadora do curso de Letras-Português tomada de decisões acadêmicas e pedagógicas visando o
bom andamento e a qualidade dos cursos.

Coordenadores de Polo (sendo 2 de cada curso Gerenciamento dos polos de apoio presencial e
cujo critério de escolha foram os polos que possuíam articulação de ações com prefeituras, CAPES/UAB e
maior e menor número de alunos) CEAD/UFLA

Tabela 1: atores atuantes no CEAD/UFLA e nos polos


Fonte: dados da pesquisa

E na análise qualitativa dos dados, as abstrações foram construídas a partir dos dados,
cujo processo interpretativo possui três estágios que consistem em descrever, dar sentido ao
dado e argumentar, onde os comentários, de acordo com Cowie (2009), devem expressar de
maneira clara as conexões entre as ideias propostas, já que o sucesso da análise está
relacionado diretamente à maneira como os códigos e temas são identificados e desenvolvidos
(ALENCAR, 2000). O próximo tópico é destinado à análise dos dados levantados pela
pesquisa.

5. O Processo Implementação dos Cursos de Administração Pública e de


Letras-Português do CEAD/UFLA

As universidades públicas são atores de suma importância no ensino a distância,


principalmente, por sua função social de ampliar o acesso à educação superior no país, e pelos
impactos desta ação na sociedade. Um fator relevante para a efetividade da política pública de
ensino a distância no país foi a criação da Universidade Aberta do Brasil, em 2005, que
atualmente está inserida dentro da CAPES, e representa o principal órgão regulamentador
desta política.
Com relação à Universidade Federal de Lavras, vale destacar que a instituição oferta
cursos nesta modalidade de ensino deste 1987, sendo uma das universidades pioneiras, por
meio da oferta de cursos de pós-graduação lato sensu. A universidade criou no ano de 2008 o
Centro de Educação a Distância (CEAD), que é resultado do processo de institucionalização
do EAD, cuja função principal é assessorar as ações relativas a esta modalidade de ensino.

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“Acho que houve um avanço muito grande com a institucionalização desses cursos
porque antes a UAB era considerada uma universidade a parte, funcionava como se
fosse uma pró-reitoria de graduação ou pós-graduação, e não tinha muita interação
com o restante da universidade. Isso avançou muito, hoje, por exemplo, a carga
horária que o professor se dedica aos cursos a distância são incorporados aos seus
relatórios semestrais” (Relato do entrevistado 5).

Tal depoimento resgata a discussão acerca da necessidade de integração dos atores


engajados na implementação de uma política, para que as ações sigam os mesmos paradigmas
e se complementem, de forma a minimizar os problemas ao longo do processo evidenciados
por Ferreira (2011) e Lotta (2008).
Os cursos de Administração Pública e Letras-Português apresentam tanto questões que
são comuns quanto diferenciações derivadas, principalmente, dos programas em que os
mesmos estão inseridos. A maior diferenciação diz respeito ao maior ou menor grau de
engessamento que os agentes enfrentam na consecução das ações de implementação. Assim, o
curso de Administração Pública possui diretrizes mais rígidas devido à estrutura do programa
ao qual está vinculado, o PNAP, que tem como característica a centralização da produção do
material didático, por exemplo.

“Nós temos autonomia dentro da mobilidade que o PNAP permite, porque ele não
permite uma mobilidade muito grande já que minha grade é engessada. Não adianta
querer oferecer uma disciplina que o PNAP não contempla porque eu fiz um acordo,
nós entramos dentro desse programa e a gente tem que respeitar o programa”. (Relato
do entrevistado 8).

O curso de Letras-Português tem maior liberdade na produção de suas diretrizes e


material didático já que esta é uma prerrogativa concedida pelo programa ao qual o curso está
vinculado, o Programa Nacional de Formação de Professores para a Educação Básica.
Observou-se que a estrutura departamental que abriga os cursos é um diferencial na
condução dos mesmos e que influencia diretamente na facilidade ou não de escolha de mão de
obra. Ressalta-se que o departamento de Administração e Economia já existe a mais tempo
que o departamento de Ciências Humanas no âmbito da Universidade Federal de Lavras, o
que repercute na experiência dos mesmos com relação à execução das ações de
implementação dos cursos. Antes da implementação do curso de Administração Pública, o
departamento de Administração e Economia já havia passado pela experiência de
implementar o curso-piloto de Administração o que contribuiu para a redução de erros e

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otimização de processos ao longo das novas implementações dos cursos oferecidos pelo
CEAD/UFLA, inclusive para o curso de Letras-Português.
Por isso, o curso de Letras-Português possui mais dificuldade na escolha e contratação de
tutores e professores, que muitas vezes residem em locais distantes e, por isso, algumas ações
como, por exemplo, as capacitações e discussões acerca da produção do material didático, são
mais dificultosas. Este fato representa um problema evidenciado por Freeman (2013) que é a
limitação das competências para a efetiva implementação de uma política. Tal fato não ocorre
no curso de Administração Pública que tem facilidade na contratação de tutores devido a
presença dos cursos de pós-graduação no departamento no qual o mesmo está vinculado como
também pelo número considerável de docentes que o compõem.
Os dois cursos já sofreram interrupção de oferta. No curso de Administração Pública a
decisão foi tomada no ano de 2012, devido a incerteza do panorama de financiamento
nacional da política e no curso de Letras-Português optou-se pela interrupção da oferta no ano
de 2013 devido ao processo de reestruturação do departamento que comporta o curso.
A gestão estrutural e pedagógica dos cursos é desenvolvida de maneira semelhante,
porém, cada departamento tem liberdade para instituir suas diretrizes e normatizações que
formam o projeto pedagógico dos cursos. Aqui torna-se evidente que os agentes tem a
possibilidade de escolherem a melhor forma de implementação (HILL, 2003), mas as ações
precisam ter interação direta com o que foi estipulado na fase de planejamento destas
políticas, como evidencia Oliveira (2006), de forma que o agir discricionário das equipes de
implementação não se tornem um problema, conforme evidencia Nogueira (2006) e a política
perca sua razão de ser inicial e seus objetivos não sejam contemplados.
E a gestão dos recursos financeiros é desenvolvida de maneira igual, já que a mesma
depende da atuação direta da coordenação UAB e da universidade para otimizar esta gestão.
Os entrevistados revelaram que os recursos são suficientes para a implementação dos cursos,
mas é necessário um bom planejamento para a execução das planilhas. A margem de
negociação deve seguir parâmetros rígidos e é possível fazer ajustes posteriores à criação dos
cursos, devido ao grau de imprevisibilidade que envolve o processo de implementação. Neste
sentido, os entrevistados relatam que:
“Até o momento eles (recursos) estão sendo suficientes, a gente tem conseguido negociar com a
CAPES, dentro dos limites que ela impõe, uma quantidade de tem nos dado tranquilidade para
ofertar os cursos”. (Relato do entrevistado 5)

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“Para um curso de quatro anos eu negociar uma planilha anual é algo que me preocupa porque eu sei
o que vai acontecer esse ano, mas não sei o que vai acontecer no ano que vem”. (Relato do
entrevistado 1)

É preciso destacar também que a gestão destes recursos requer uma grande expertise da
equipe responsável para a realização de adaptações no gerenciamento dos mesmos.
Em se tratando da política pública de EAD, a interação entre os atores ocorre em duas
categorias distintas: os que atuam em âmbito administrativo e outros que atuam no âmbito
pedagógico. Partindo da análise dos atores de caráter administrativo, destaca-se a
CAPES/UAB como um ator de cunho estratégico, por ser responsável pela criação das
diretrizes normativas principais dos cursos, cuja observância é destacada na seguinte fala:

“A gente tenta seguir ao máximo o que já tá definido até porque se você foge muito do que já tá
definido, se alguma coisa não der certo é você que vai ter que responder por aquilo... Então a gente
tem que realmente tentar ver quais são as regras, como é feita a implementação, o que a CAPES
sugere e o que a UAB sugere”. (Relato do entrevistado 2)

Tal observância pode contribuir para o alinhamento das ações dos atores envolvidos,
aumentando a chance de sucesso da implementação. Porém, a existência de regras rígidas não
contribui para a operacionalização das políticas porque minimiza a flexibilidade dos
implementadores no sentido de melhor ajustar suas ações.
Outra função da CAPES/UAB é o financiamento e, por isso, este é o ator destacado por
alguns entrevistados como o mais relevante para o processo de implementação, conforme se
percebe pelas seguintes falas:

“Tudo se inicia com a CAPES, com as políticas de financiamento porque nada funciona sem
financiamento... então tudo se inicia com as políticas públicas e no caso a CAPES, ele dando o apoio
necessário para que o curso funcione” (Relado do entrevistado 6)

“Sempre a CAPES tem mais voz na parceria porque sem o conteúdo financeiro não é possível fazer
nada acontecer” (Relato do entrevistado 8)

Já no que diz respeito ao CEAD/UFLA destaca-se sua função articuladora: além de ser
responsável por grande parte da execução da política de implementação no âmbito da
universidade, é também o elo entre os demais atores, CAPES/UAB e polos. Assim, o CEAD
tem a função principal de capitanear os recursos oriundos da CAPES/UAB e administrar a
implementação dos cursos em parceria com os departamentos acadêmicos e gestores da
universidade como, por exemplo, a pró-reitoria de graduação e as instâncias superiores de

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gestão universitária, como o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) e o Conselho


Universitário (CUNI).
Já os polos são responsáveis pela infraestrutura da implementação sob uma ótica local. A
atuação deste ator é pautada por problemas devido à sua forte dependência de fatores políticos
e, por isso, pode ser considerado o elo mais frágil desta parceria. Esta dependência se dá
porque a manutenção do polo depende essencialmente da contrapartida das prefeituras e das
prioridades políticas das gestões municipais. Outra situação que também se vislumbra é a falta
de verba de alguns municípios para cumprir os termos do acordo de parceria.
Assim, destaca-se a fala de um entrevistado:

“Os polos tem dado muita preocupação para o sistema... As prefeituras ainda têm uma relação muito
distante do sistema e com um interesse, um olhar mais local, o que é justificável. O prefeito tá
preocupado e o secretário de educação tá preocupado com as coisas do município”. (Relato do
entrevistado 1)

Diante do que foi apresentado, é possível constatar uma falha no processo de


implementação da política de ensino a distância, que é a inexistência de avaliação da ação dos
polos que, na maioria das vezes, não cumprem o acordo de cooperação.
Com relação aos atores de cunho pedagógico, responsáveis pela organização dos
cursos, seleção de tutores, produção de material didático e seleção de professores, destaca-se a
função do coordenador de curso como a mais estratégica, atuando sempre em conjunto com o
colegiado dos cursos e coordenação do CEAD/UFLA. Porém, entre os cursos estudados estes
problemas advêm de questões diferenciadas.
No curso de Letras-Português, os maiores problemas com relação a esta
operacionalização reside na falta de tutores e professores para atuarem nas disciplinas, o que
compromete a expansão do programa. Já no curso de Administração Pública o problema da
operacionalização das diretrizes pedagógicas está concentrado em fatores internos,
especialmente com relação aos docentes.
A comunicação deve ser compreendida sob dois aspectos: um de articulação de ações e
um de realinhamento dos processos de implementação da política, que contempla a interação
entre os agentes implementadores para a organização das ações; e o segundo que corresponde
ao realinhamento da implementação da política a partir de canais de comunicação onde os
atores discutem temáticas pré-definidas ou não à respeito da implementação. Há também a
necessidade de desenvolvimento de canais efetivos de comunicação dos atores pedagógicos

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nos cursos para que seja possível a manutenção do nível esperado das ações que tem foco no
ensino e aprendizagem.
Outra questão que é de grande relevância para a implementação de uma política
pública é o financiamento dos processos e, no caso da política pública de ensino a distância
tal financiamento se revela como uma questão que requer grande atenção dos
implementadores.
Assim, diante da análise proposta neste estudo percebeu-se que as ações de cunho
mais padronizado são aquelas relacionadas diretamente ao CEAD/UFLA, devido ao
desenvolvimento de um modelo próprio de gestão de cursos a distância que facilita e otimiza
os processos que compõem esta modalidade de ensino.
A análise do processo de implementação dos cursos analisados revela a necessidade
de realinhamento de alguns pontos relevantes como, por exemplo, os critérios de
financiamento de forma que os gestores tenham mais tranquilidade para desenvolver o
planejamento dos cursos-, o melhor gerenciamento dos processos gerenciais e pedagógicos e
a interação dos atores visando o sucesso da implementação dos cursos.
Verificou-se que os processos de formulação e implementação são consecutivos,
sendo que na formulação não há participação de todos os atores implementadores já que as
decisões são tomadas no âmbito do MEC. E que regramentos rígidos não contribuem para o
sucesso da implementação tendo em vista a necessidade de reformulações ao longo da
implementação para que a política alcance seu objetivo. Como exemplo, destaca-se o
realinhamento do financiamento dos cursos frentes às novas demandas, como turmas
especiais, que não tinham sido previstas previamente e que não podem deixar de serem
atendidas.
A pesquisa revelou que caraterística dos agentes implementadores com relação ao seu
agir discricionário é capaz de influenciar positiva ou negativamente toda a cadeia de
implementação. Assim, é necessário que os atores envolvidos na implementação dos cursos
tenham conhecimento pleno das ações que precisam desenvolver e, principalmente, de que o
modo com que as mesmas são realizadas ou não são decisivas para o sucesso da
implementação dos cursos. Como exemplo, a pesquisa revelou que a inação de algumas
prefeituras tem contribuído diretamente para que o respectivo polo de apoio presencial tenha
grandes dificuldades em cumprir suas demandas relativas ou processo de implementação dos
cursos.

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Portanto, de acordo com os elementos apresentados por Fisher et al (2007), a política


pública de ensino a distância, com relação à especificação dos programas, a principal
alteração da política foi com relação a extinção da Secretaria de Educação a Distância que foi
substituída pela CAPES. No que diz respeito ao componente decisório, é possível perceber a
função principal de cada ator neste processo de implementação, ou seja, a CAPES com a
centralização e controle das decisões estratégicas, o CEAD/UFLA na composição de ações
administrativas e pedagógicas para a implementação e gestão dos cursos e os polos atuando
na implementação local dos cursos. Já o componente comportamental é percebido ao longo
das ações nos momentos em que os atores, por exemplo, se reúnem nos colegiados dos cursos
para propor novas estratégias ou alterar aquilo que não está funcionando da maneira devida,
se reúnem com a alta administração da universidade para melhorias no processo de
institucionalização do ensino a distância, mas também pode representar aspectos negativos
como, por exemplo, a inação das prefeituras em prover boas condições de funcionamento para
os polos. E o componente causal é percebido de maneira clara a partir da análise da influência
direta dos sistemas político-econômico-social nas ações de implementação. Por isso, destaca-
se a vulnerabilidade do EAD que pode sofrer descontinuidades ou paralisações por manobras
governamentais, o que configura os principais problemas na etapa da implementação
evidenciados por Secchi (2010) e Souza (2006).
Outra característica relevante percebida através da análise dos dados da pesquisa é que
a implementação da política pública de ensino a distância é híbrida já que comporta ao
mesmo tempo características dos modelos de implementação top down e botton up elencados
por Saravia (2009) e Lima e D‟ Ascenzi (2012). Este hibridismo se dá, principalmente, com
relação às tomadas de decisões nos processos de implementação. Ao mesmo tempo em que a
CAPES/UAB toma para si a responsabilidade de criar as diretrizes estruturantes dos cursos e
engessa os parâmetros de financiamento, por meio de rubricas, por exemplo, ela permite que
os demais atores adaptem suas planilhas de financiamento e suas diretrizes pedagógicas.
E com relação aos atores implementadores, a política de EAD tem como característica o
caráter multidisciplinar dos mesmos e a participação de mais de uma esfera de governo na
implementação dos cursos.

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6. Conclusão

Considerando que muitos estudos têm sido realizados sobre a dimensão pedagógica
dessa política pública enquanto modalidade de ensino, esse estudo procurou abordar
elementos de naturezas diversas que permeiam a sua implementação, o que denota a
complexidade de atores e relações que se apresentam na gestão de dois cursos de EAD.

Desta forma, a política pública de ensino a distância é de grande relevância para o país
ao promover a expansão do ensino superior. Trata-se de uma política de governo de caráter
distributivo, que pode se tornar uma política de Estado devido a sua função estratégica de
expansão da educação para todo o território nacional. Porém, para que este fato aconteça é
necessário que a política se solidifique com relação aos critérios de financiamento,
principalmente, de forma que as mudanças de governo não sejam fatores capazes de
interromper as ações.
A partir das entrevistas realizadas com os agentes implementadores dos dois cursos em
análise tornou-se possível destacar que, de modo geral, a implementação dos mesmos possui
característica híbrida, com parâmetros dos modelos top down e botton up, já que as decisões
estratégicas ficam a cargo da CAPES/UAB e os implementadores buscam seguir estas
diretrizes de forma precisa, porém, também é permitido que os mesmos busquem adequações
aos processos pedagógicos e de financiamento, por exemplo, da forma que melhor entendam
ser efetiva para que os objetivos sejam alcançados.
Observou-se que, para a otimização dos processos de implementação dos cursos é
necessário que a política seja reestruturada com relação aos padrões de financiamento, no
sentido de ampliar o horizonte de tempo, ou seja, que a negociação não vise contemplar
apenas um ano das ações dos cursos, mas todos os anos necessários para a formação dos
alunos. O tratamento desta questão assegura a continuidade dos cursos e, consequentemente,
gera maior tranquilidade para que os atores implementadores desenvolvam suas funções.
Porém, o modelo atual de gestão do ensino a distância não assegura tal continuidade, sendo
este um fator de vulnerabilidade desta política.
Com relação aos atores da cadeia de implementação estudados, os mais frágeis são os
polos porque dependem essencialmente de recursos municipais para infraestrutura tanto
administrativa quanto acadêmica. Assim, a atuação dos polos é prejudicada em sua grande
maioria pela falta de recurso do município ou pela falta de vontade política em desenvolver as

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ações, mesmo a gestão pública municipal tendo assinado o acordo de cooperação junto a
CAPES/UAB. Para minimizar esta situação, a CAPES/UAB propôs um novo sistema de
financiamento para os polos, onde os mesmos poderão receber os recursos de maneira direta
através do programa Dinheiro Direto na Escola, que vai demandar estudos futuros que
busquem avaliar a efetividade ou não desta medida na resolução desta questão.
Este estudo também revelou ser essencial para o sucesso da implementação dos cursos
a interação dos atores e a compreensão dos mesmos com relação aos objetivos de suas
funções como também suporte e capacitação para o trabalho.
Já no âmbito do CEAD/UFLA, a institucionalização do ensino a distância na
universidade foi o marco de maior importância porque possibilitou a aproximação dos
departamentos acadêmicos para o desenvolvimento de ações conjuntas de implementação, já
que os cursos obrigatoriamente devem ser vinculados aos mesmos, e a maior qualidade dos
cursos devido à expertise do corpo docente.
Através da análise das entrevistas, foi possível constatar que a implementação dos
cursos no CEAD/UFLA alcançaram o sucesso devido ao trabalho articulado das equipes
multidisciplinares, a preocupação constante com a qualidade, a efetividade das ações e a boa
interação com os parceiros responsáveis pela implementação dos cursos. E mesmo diante da
obrigação de cumprir os regramentos da CAPES/UAB, tem conseguido desenvolver um novo
padrão de gestão de cursos a distância baseado, principalmente, nas habilidades e experiências
dos implementadores que estão em constante revisão dos processos e ações para que os
beneficiários tenham um serviço de qualidade. Assim, restou-se comprovado que, no âmbito
do ensino a distância, a padronização das ações de implementação são importantes para
manter a qualidade dos cursos, desde que esta padronização não seja sinônima de
engessamento total.
Desta forma, espera-se que este estudo contribua para o fomento de mais pesquisas
sobre a temática principalmente no sentido de reavaliar as ações destacadas e propor novas
soluções para a otimização e ampliação da política pública de ensino a distância no país.

9. Referências

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Governança multi-nível no desenvolvimento rural:


Intermunicipalidade e Territórios

Eric Sabourin¹

Recebido em 22 de março de 2016


Aprovado em 10 de janeiro de 2017

DOI: 10.18829/rp3.v11i2.28706

RESUMO
O artigo trata da aplicação do enfoque da governança multi-nível ao desenvolvimento rural no
Brasil. A primeira parte faz uma revisão da teoria da governança multi-nível e das suas
evoluções. A segunda apresenta os dispositivos de governança multi-nível intermunicipais no
Brasil: os consórcios e os territórios. Os consórcios intermunicipais de desenvolvimento foram
criados para financiar infraestruturas sociais setoriais (saúde, saneamento, educação) antes de
ser reconhecidos pela constituição federal. As politicas de desenvolvimento territorial são mais
recentes; começaram a ser discutidas no fim dos anos 1990 e aplicadas nos anos 2000. A
terceira parte tira alguns ensinamentos de um estado de caso no Norte do Estado do Mato
Grosso onde os dois dispositivos foram aplicados na mesma região para o apoio a agricultura
familiar. Analisa os avanços e as dificuldades dessas politicas em termos e coordenação entre
atores e níveis e governos.
Palavras-chave: governança multi-nível, intermunicipalidade, desenvolvimento rural territorial,
ação pública, participação.

ABSTRACT
The article deals with the application of multi-level governance approach to rural development
in Brazil. The first part reviews the multi-level governance theory and its developments. The
second presents the inter-municipality multi-level governance devices in Brazil: the consortia
and territories. The development consortia were created to finance social infrastructure sector
(health, sanitation, education) before being recognized by the federal constitution The
territorial development policies are more recent; they began to be discussed in the late 1990s
and implemented in the 2000s. The third part takes some lessons from a study case in the north
of Mato Grosso State in which the two devices were applied in the same region to support
family farming. it analyzes the advances and difficulties of these policies in terms of
coordination among actors and governments levels.
Keywords: multi-level governance, inter-municipality, territorial rural development, public
action, participation.

_________________
¹ Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

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1. Introdução

A noção de Governança Multi-Nível (GMN) nasceu no marco da análise das políticas


regionais na União Europeia. Ganhou interesse por conta da dimensão de políticas
supranacionais associada a processos de descentralização e a programas de apoio ao
desenvolvimento nas novas regiões europeias em particular a partir dos fundos estruturais
(Marks, 1993, Bache e Flinder, 2004). Segundo Georges (2004) a GMN pode ser vista como
“um processo de tomada de decisão complexo e com várias camadas que se desenvolve
debaixo do Estado bem como sobre ele”. A partir desse enfoque a GMN foi promovida como
teoria para dar conta da complexidade das políticas públicas na Europa onde foi objeto de
amplos debates na literatura da ciência política. Por extensão, o conceito de GMN foi também
mobilizado fora do contexto europeu e até em sentidos sensivelmente diferentes como a
governança num mundo multi-nível (Armitage, 2007).
Tratando-se do desenvolvimento rural no Brasil a transferência direta do enfoque de
GMN adotado na Europa não se adapta exatamente à realidade do país, mesmo se existem
fenômenos comparáveis. País continente de constituição federal, o Brasil não está sendo
sometido ao peso de políticas supranacionais ou de uma integração regional comparável ao da
EU. Portanto, quando se fala de GMN no Brasil se faz referencia as novas modalidades de
ação pública associadas aos processos de territorialização, descentralização e desconcentração
do estado em matéria de desenvolvimento (Duran, 1999). E precisamente nesse sentido e,
geralmente, a partir da experiência dos consórcios públicos intermunicipais (Melo e Lagos-
Peñas, 2012; Losada e Ribeiro, 2013) ou dos territórios rurais ou da Cidadania (OCDE, 2013)
que as autoridades brasileiras têm participado de debates e reflexões internacionais rotuladas
no campo da GMN (Losada, 2015).
Nesse artigo tentarei contribuir para uma reflexão não tanto a partir da aplicação da
noção de governança multi-nível ao desenvolvimento rural, mas sobre os problemas
operacionais e analíticos que coloca a introdução de novas escalas de governança da ação
pública territorializada no Brasil (Dubois, 2009). Para discutir a problemática brasileira,
estarei remobilizando certos elementos e autores da GMN na Europa, na medida do possível e
da sua pertinência.
O texto se divide em três partes. A primeira apresenta uma breve revisão da literatura
sobre a governança multi-nível. A segunda faz uma apresentação dos principais instrumentos

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de política pública do Brasil que correspondem a essa problemática. A terceira parte discute a
sua aplicação ao desenvolvimento rural brasileiro a partir de um estudo de caso no Estado do
Mato Grosso. Trata das interações a raiz da aplicação na mesma região do Portal da
Amazônia, do Programa dos territórios rurais do MDA e do Programa MT Regional do
Governo do Estado do Mato Grosso (MT), baseado nos consórcios intermunicipais de
desenvolvimento. Os resultados provem de dois projetos de pesquisa o projeto FP7 Diálogos
e do projeto CNPq-Cirad-UnB Renovação da Ação Publica Territorial.
O acompanhamento dessas duas experiências examinou quatro modalidades de
coordenação entre atores multi-níveis: i) o peso das normas da constituição federal ii) o papel
dos atores coletivos e dos líderes no processo de delegação de poder e de responsabilidade,
em particular o papel dos mediadores multi-posicionados; iii) a aprendizagem institucional ao
longo do tempo; iv) o funcionamento efetivo dos espaços formais de participação. A
metodologia está baseada em analise de projetos coletivos, entrevistas qualitativas,
observação participante em reuniões e debates nos dos tipos de dispositivos no território do
Portal da Amazônia (MT).

2. O enfoque da governança multi-nível: evolução e criticas

A partir das propostas iniciais de Marks e Hooghe ou de Bache e Flinders, a noção de


governança multi-nível (GMN) tem sido logo utilizada em três sentidos obviamente
próximos, mas que me parecem sensivelmente diferentes.
- A GMN (MLG em inglês) na Europa continua sendo usada como uma teoria para
explicar o processo particular das interações entre políticas europeias e nacionais aplicadas
nas regiões da UE.
- Fala-se cada vez mais da governança dos recursos num mundo multi-níveis ou
globalizado em particular no caso dos recursos comuns fronteiriços ou de natureza
plurinacional (agua, mar, floresta). Essa tendência apareceu em particular na comunidade
cientifica discípula de Elinor Ostrom (Armitage, 2007).
- Em terceiro lugar, - a definição da governança, sendo precisamente associada à
pluralidade dos atores, das escalas e dos poderes - o termo governança multi-nível chega a ser
um pleonasmo. Assim, naturalmente foi adotado para tratar da governança local ou territorial
propriamente dita, associada a processos de descentralização ou de desconcentração do

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Estado que levam a multiplicação dos atores, ao policentrismo e a fragmentação dos poderes.
É o caso no Brasil.

2.1. A construção do conceito de GMN na União Europeia


A noção de governança multi-nível na ciência política está associada ao
reconhecimento do multicentrismo político e da fragmentação do poder entre diversos agentes
estatais e não estatais, operando em diversas escalas geográficas (Marks, 1996, Hoogue &
Marks, 1997). Segundo esses autores, na União Europeia (EU), a chave do policy making
passaria mais pela coordenação entre agentes autônomos que pelo command and control por
um poder público central.
Uma característica dessa fragmentação e pluralidade de centros de poder é o fato que a
realização dos objetivos das políticas depende do compromisso de cada um deles (Marks
1993). Por outra parte essas políticas dependem cada vez mais de dispositivos de parceria
publico-privado (Peters e Pierre 2004:82). A MLG pode ser vista como uma serie de
“mecanismos e estratégias de coordenação adotadas frente à complexidade das
interdependências reciprocas entre atores autônomos” (Jessop 2004: 52). Para Bache &
Flinders (2004: 105) “o enfoque da MLG oferece uma perspectiva de leitura da organização
útil para compreender a mudança na natureza da elaboração das políticas”.
Mesmo assim vários autores europeus consideram que esse enfoque não é novo e não
constitui uma teoria por ser uma abordagem meramente descritiva das especificidades da EU
e/ou não ser aplicável fora do caso especifico da EU.
Para George (2004) faltaria na governança multi-nível um motor causal de integração
ou uma série de hipóteses testáveis e, além disso, a governança multi-nível deveria incorporar
contribuições de outras tradições, em especial do institucionalismo histórico.
Segundo Jordan (2001) a governança multi-nível ignoraria o nível internacional da
interação
Para Georges (2004) análises e ideias que têm sido aplicadas para o entendimento do
relacionamento entre os níveis de governança dentro da Europa podem ser estendidas à
posição da UE no sistema global.
Segundo Castro-Conde (2010) o aspecto mais grave do modelo teórico da GMN
mesmo aplicado na área dos estudos europeus tem a ver com a sua vertente normativa.
Segundo ela, Hooghe e Marks argumentariam que a UE seria hoje “uma única forma política,
um sistema de governança multi-nivel que abarca uma variedade de instituições onde se

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tomam decisões de cumprimento obrigatório a nível supranacional, nacional e subnacional”


(Hooghe e Marks, 1997: 1), na qual uma pletora de atores, centrais e não, dos estados
membros e supra estatais da UE perseguiriam seus objetivos em múltiplas arenas (Hooghe y
Marks, 1997: 5).
Castro-Conde (2010) no considera correto definir o sistema político europeu como um
“sistema de governança multinivel”. Isto oculta a dimensão política da EU, o poder da política
nacional e os seus problemas de legitimidade de origem. Assim como as decisões adotadas
em nível supra-estadual, também criam ganhadores e perdedores; “não podem ser separadas
da deliberação política sobre quem consegue o que, como, quando, nem da questão do
controle democrático” (Castro-Conde, 2010).
Para ela, “o uso extensivo do modelo teórico da GMN difunde uma imagem demasiado
uniforme do lugar das regiões no sistema político europeu”. Os atores regionais variam
muito em tamanho, competências, recursos financeiros, políticos e vontade e capacidade para
atuar na arena europeia.
A GMN tende a confundir a mobilização regional com a capacidade real de influencia.
A Teoria GMN sobre valora as mudanças nas relações entre atores que resultam dos
processos de regionalização dentro dos estados e confere excessiva importância ao contexto
institucional estatal como fator explicativo do aceso desigual dos interesses regionais ao nível
supra estadual. Associar a GMN aos “vícios genéricos da “nova governança” não garante a
igualdade de aceso e reduz a transparência, dificultando assim enormemente a rendição de
contas (accountability)” (Peter e Pierre, 2004).
Finalmente para tratar da coordenação entre atores na política europeia, Castro-Conde
considera que existem outras teorias que podem melhor caracterizar os processos de
participação, a fabricação das agendas e os fenômenos de grupos de interesse e de coalizões
de causas ou de politicas publicas (Kingdom, 1984).

2.2. A governança multi-nível aplicada aos recursos comuns


Para Armitage (2007:8) retomando Koiman e Bavinck (2005:17) a governança dos
recursos naturais pode ser definida como “o conjunto das interações publicas e privadas
realizadas para solucionar os problemas societais e criar oportunidades sociais”. Ela inclui a
“formulação e aplicação de princípios orientando essas interações e cuidando das
instituições dedicadas”

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Armitage propõe aplicar aos recursos comuns esse modelo da “nova governança”
dando uma atenção especial aos fatores multi-níveis de mudança e degradação dos comuns.
Trata se de identificar atributos normativos de gestão dos recursos num mundo multi-níveis,
integrando os aportes da ecológica politica para caracterizar a racionalidade econômica que
preside a emergência dos atributos da governança. Propõe um framework que articula as
teorias dos bens em propriedade comum, da resiliência dos sócioecossistemas e da ecologia
política, cruzando variáveis especificas desses três enfoques disciplinares.
Para ele, trata-se em particular de recolocar no processo “o papel do poder, das
escalas e dos níveis de organização, do posicionamento dos atores, da construção social da
natureza, das narrativas politicas que modelam a governança e das relações dialéticas entre
sistemas ecológicos e mudanças sociais” (Armitage, 2007: 9).
Essa abordagem aparece mais como uma tentativa de renovar a governança dos
comuns, a partir de uma exigente hibridação disciplinar, em particular associando à
governança dos comuns as questões de poder e de territórios de poder que pouco apareciam
na teoria original (Ostrom, 1990; 1998).
Mais recentemente Mwangi e Wardell (2012: 81-82) aplicaram o enfoque da GMN ao
manejo florestal. Eles reivindicam a filiação da abordagem original da ciência política. Citam
em particular a proposta de Bache e Flinder (2004, 4-5) que consideram que “o enfoque
amplo da GMN reflete uma preocupação compartilhada em função de uma complexidade
inédita com o crescimento dos atores não governamentais, a proliferação de jurisdições e os
desafios ligados ao poder do Estado”. Eles vem nessa proposta 4 dimensões: i) a participação
crescente atores não estatais, ii) a tomada de decisões a partir de redes imbricadas mais que
de discretos níveis territoriais, iii) as múltiplas transformações do papel do estado e iv) o
desafio da democratização da fiscalização e rendição de contas (democratic accountability).
Os autores lembram que globalização e descentralização como o caráter multi-escalar
das mudanças sociais e ambientais exigem uma maior compreensão das relações entre
diferentes escalas espaciais e níveis de governo. Consideram que o processo de globalização
do comercio e dos investimentos ocasiona pressões inéditas convertendo florestas em
plantações para produção de alimentos e biocombustíveis. Os esforços de mitigação das
mudanças climáticas mediante programas REDD-plus e outras iniciativas estão ligados a
mecanismos globais como o mercado de créditos/carbono e a importantes transferências
financeiras que impactam a conservação dos recursos florestais ao nível local e exigem um
monitoramento nas escalas local, regional, nacional e global (Mwangi e Wardell, 2012:82).

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Finalmente outros autores como Moss e Newig Jens (2010) têm aplicado o enfoque
GMN ao manejo da agua ou como Gruby e Basurto (2013), aos recursos marinos e
pesqueiros, pelo fato desses recursos dependerem muitas vezes do controle de vários tipos de
jurisdição, local, regional, nacional e internacional.

2.3. Aplicação à ação pública de desenvolvimento rural: assimetrias e jogos de atores


De fato, e concordando com Castro-Conde, no caso do desenvolvimento rural e
regional, a análise da complexidade (e ao mesmo tempo das inovações) dos dispositivos
territoriais impulsados pelos fundos estruturais e os programas Leader e Leader-plus na EU,
mostram o enorme peso da própria burocracia da Comissão Europeia (Perraud, 2001).
Assim, em realidade podemos nos interrogar se não seria o poder que os estados
nacionais outorgam a administração da EU ou a crença (um tanto tecnocrática) na eficiência
superior da autoridade supranacional, que explique o relativo sucesso dessa burocracia. Esse
tipo de reflexão remete para a existência de um referencial comum sobre a politica de
desenvolvimento territorial no sentido de Muller (1990). Outra explicação também apontada
por Jordan (2001) e George (2004) é que os corpos políticos dos estados nacionais para se
mantiver no poder (se reeleger) tendem a se aproveitar dessa burocracia supranacional para,
ao mesmo tempo, se legitimar e se desresponsabilizar.
Finalmente, não temos que esquecer que a política de desenvolvimento regional da EU
se desenvolveu inicialmente num contexto de crescimento econômico, de satisfação dos
ativos básicos, e num processo de liberalização da economia e de competição entre regiões
(Perraud, 2001). Obviamente, neste tipo de processo de outorga competitiva dos fundos
europeus com co-financiamento obrigatório dos bancos privados, se há territórios ganhadores,
também há perdedores.
Certamente, a globalização de um lado e a descentralização dos territórios em diversas
escalas por outro se caracterizam por situações de assimetria no seio ou entre os territórios e
as populações em termos de acesso aos recursos, modos de produção, mobilidades, etc. Outro
elemento da complexidade reside na imbricação das escalas dos fenômenos em jogo e na
autonomia mais ou menos forte do nível local perante os outros níveis (Art dev, 2012). A
noção de « política de escalas » (Brenner, 2004 ; Tarrow e McAdam, 2005) contribui também
para caracterizar de que maneira os atores se apropriam das oportunidades ligadas as
reconfigurações espaciais e a multiplicação dos níveis onde se exerce o poder e onde

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aparecem novas regras e normas (Pasquier et al., 2007; Pasquier et al., 2011). Pelo tanto,
trata-se de considerar esses processos não apenas como mudanças de escalas, mas como
verdadeiros jogos de escala nos quais diversos atores (indivíduos, famílias, habitantes,
instituições, governos) interagem, mobilizam recursos e elaboram estratégias inovadoras. A
compreensão desses processos exige recoloca-los no marco de uma análise da ação pública
entendida de maneira ampla como “o modo como uma sociedade se constrói e qualifica os
problemas coletivos, elabora respostas, conteúdos, e processos para responder a esses
problemas” (Thoenig, 2005, p. 290). Este enfoque coloca o político no coração da análise do
tratamento dos problemas da sociedade, sem reduzir a sua resolução a uma ação autônoma e
exclusiva dos governos (Art Dev, 2012).

2. Evolução de políticas multi-níveis no Brasil

No Brasil, estado federal contando com três níveis de governo, a partir dos anos 1990,
e, sobretudo dos 2000, assistiu-se à criação de novos níveis de governança do
desenvolvimento. Historicamente ligados ao processo de descentralização e de criação de
municípios, esses novos dispositivos apareceram no seio dos estados federados sob a forma de
consórcios intermunicipais, regiões de desenvolvimento (Santa Catarina) ou territórios como
os COREDES no Rio Grande do Sul (Veiga, 2006). Por outra parte, foram promovidos pela
multiplicação e a diversificação das políticas públicas de acordo com vários processos:
desconcentração do estado, descentralização, territorialização, organização do território,
participação popular, etc. Concretamente, houve a criação de duas novas escalas de
governança: os consórcios intermunicipais e os territórios da cidadania.

3.1. Consórcios intermunicipais de desenvolvimento

Bem antes de se falar em desconcentração do Estado já existiam no Brasil,


dispositivos de intermunicipalidade nascidos nos anos 80, da iniciativa dos próprios
municípios: os consórcios intermunicipais de desenvolvimento (Losada e Ribeiro, 2013).
Foram criados para financiar infraestruturas sociais setoriais (saúde, saneamento, educação)
antes de serem reconhecidos mediante uma emenda constitucional em 1998, regulada por leis

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especificas em 2005 e 2007 (Avritzer, 2009). As politicas de desenvolvimento territorial são


mais recentes; começaram a ser discutidas no fim dos anos 1990 e aplicadas nos anos 2000.
A descentralização intra-estadual consistiu primeiro na multiplicação e consolidação
dos municípios. As primeiras experiências de consórcios intermunicipais têm dado lugar a
mais complexidade na governança municipal, introduzindo uma escala intermunicipal não
diretamente associada a um poder executivo próprio como os poderes federais, estaduais e
municipais. Os consórcios intermunicipais foram desenvolvidos no estado de Minas Gerais
para administrar infraestruturas de Saúde (Lima, 2000) e no Estado de São Paulo. Já nos anos
80, o governador Franco Montoro criou uma série de dispositivos territoriais: as Regiões
Administrativas, as Regiões de Governo e os primeiros Consórcios Intermunicipais de
Desenvolvimento Local e de Segurança Alimentar. Durante esse período foram constituídos
34 Consórcios Intermunicipais envolvendo 106 municípios em torno do que o governo
chamava de “Batalha da Alimentação” (Caldas, 2008).
Em 1988, a Constituição Federal ampliou e reforçou as competências municipais sem
tratar diretamente da questão da cooperação intermunicipal por meio de Consórcios ou
qualquer outro instrumento. No entanto, previa que os municípios poderiam “legislar sobre
assuntos de interesse local” (CF-88, Art. 30, X). Esse dispositivo serviu de argumento e
permitiu que muitos prefeitos fizessem e organizassem os Consórcios Intermunicipais.
Em 1998, uma Emenda Constitucional (Nº19 EC-19/98) dispôs explicitamente sobre
os consórcios intermunicipais e sobre a cooperação intermunicipal : “A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os
convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços
públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos”.

3.2. O desenvolvimento territorial


No caso específico do desenvolvimento rural, a política dos territórios rurais do MDA
iniciada em 2003 e reforçada pelo programa dos Territórios da Cidadania em 2008 foi a
principal inovação recente em matéria de governança multi-nível e de intermunicipalidade.
Inspirou-se pouco das duas experiências anteriores no sul do país: os Conselhos Regionais de
Desenvolvimento (COREDES) nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (Veiga,
2006) e bastante da experiência participativa introduzida no Nordeste pelo Programa de Apoio ao

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Produtor Rural o PAAP, co financiado pelo Banco Mundial e administrado pela SUDENE
(Sabourin, 2015b).
Os territórios de Desenvolvimento Rural (que por volta de 2008 foram em parte
transformados em “Territórios da Cidadania”) foram criados em 2003/2004 pelo Governo
Federal sob a presidência de Lula da Silva (MDA, 2004 e 2005). Foi na continuidade do
planejamento participativo da agricultura no âmbito municipal por meio dos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável que foram criados em 1996, junto com o
PRONAF12 C dedicado a subsidiar infraestruturas coletivas em favor da agricultura familiar
(Tonneau e Sabourin, 2007).

O PRONAT ou Programa de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais.

Desde 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) por meio da Secretaria


de Desenvolvimento Territorial (SDT), estimula a criação de territórios rurais a partir de
critérios de identidade geográfica, cultural e/ou produtiva, visando criar e/ou fortalecer uma
institucionalidade territorial supra-municipal (MDA, 2004; Echeverri, 2009). O Programa de
Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PDSTR) apoia a organização e o
fortalecimento dos atores sociais locais em torno de ações participativas (projetos coletivos) e
o “reequilíbrio” de políticas de base territorial em áreas marginalizadas com elevado grau de
pobreza e alta densidade de agricultores familiares. A gestão das ações é colegial repousa
sobre os princípios de uma governança participativa, por meio de um conselho de
desenvolvimento do território, intermunicipal e, principalmente, consultivo.
Sob a óptica da planificação o programa introduz uma nova modalidade e escala de
governança territorial, intermunicipal baseada em áreas rurais reagrupando de 10 a 20
municípios (figura 1). No seu apogeu em 2008 o programa contou com 100 milhões de Reais,
o seja 600 000 Reais em média para cada um dos 164 territórios homologados.

Figura 1: Quadro de gestão do programa PRONAT-PDSTR

12
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, categoria C “Infraestrutura coletiva”.

91
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O programa dos Territórios da Cidadania - PTC

Na continuidade do PRONAT, os PTC introduziu a proposta de territórios de


concentração e coordenação de políticas públicas. Foi criado em 2008 no marco da
intensificação do apoio ao crescimento e a luta contra a pobreza em meio rural (PAC Rural)
sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da republica. Retomou os 4 níveis de
governança do PRONAT (CONDRAF, Conselho Estadual, Colegiado territorial e conselhos
municipais). São 120 Territórios da Cidadania financiados pelo programa, 56 dos quais
localizados no Nordeste abrangendo 1830 municípios (32.89% do total de municípios) e 39.1
milhões de habitantes (23.05% da população)
O programa Territórios da Cidadania envolve 22 ministérios e órgãos federais. Em
2008, 60 Territórios da Cidadania receberam R$ 12.9 bilhões, e em 2009, 120 Territórios da
Cidadania foram adicionados ao programa e receberam R$ 25 bilhões. Os recursos
programados em 2010 foram da ordem de R$ 27 bilhões. Mas não se trata geralmente de
dinheiro novo, a maior parte dos recursos previamente repassados aos municípios se vêm
enquadrados nos Territórios da Cidadania (por exemplo, os recursos do programa Bolsa
Família).
Já se escreveu muito sobre PRONAT e PTC, em particular das suas limitações para
romper as tensões entre as entradas setoriais e territoriais, o publico meta sendo precisamente
um segmento do setor da agricultura. De fato o objetivo prioritário era precisamente um
reequilíbrio a favor da agricultura familiar (MDA, 2005).
Os freios a territorialização estão ligados a uma forte dependência do caminho federal
(Mahoney, 2001) dado o peso da subsidiariedade do sistema federalista e às tensões entre

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democracia representativa e participativa e pela persistência de assimetrias entre os


representante das sociedade civil e do setor publico (Sabourin, 2012, 2015ª&b). Os
Colegiados territoriais nem sempre foram exemplos de democracia, funcionando mais
por cooptação que por eleição. A ausência de estatuto jurídico dos territórios implica de
confiar a execução dos projetos aos executivos estaduais ou municipais, esses últimos sendo
muitas vezes inadimplentes.
Por outra parte a mediação das redes dos técnicos da assistência técnica (Avila, 2010)
tem se aproveitado de um marco contratual mole (Gaudin, 1999). Os projetos dependem de
fato muito da habilitação de consultores ou de ONGs parceiras e não existe avaliação da
implementação das ações, apenas do desembolso federal, com poucas sanções.
Isto leva Favaretto (2010) a falar de um processo de inovação por adição onde se deu
mais importância aos processos que aos conteúdos. Duran (1999) evoca no caso da Europa a
“tirania dos processos”. No Brasil diferentemente da EU, os co-financiamentos locais dos
projetos são simbólicos e em geral o orçamento dedicado aos projetos foi menor que aquele
dedicado a capacitação, os estudos e o acompanhamento.

4. O caso do Portal da Amazônia, Mato Grosso

No Mato Grosso, dois Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento Sustentável


foram criados em 2006 na região de Alta Floresta partindo em dois, o território rural recém-
instituído pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, MDA (Moreira e Sabourin, 2009).
Em função das condições históricas, institucionais e das conjunturas políticas, as relações
entre os dois dispositivos tem evoluído no tempo.
A análise cruzada dos dois dispositivos de desenvolvimento intermunicipal no Portal
da Amazônia passou pela aplicação de uma mesma matriz de leitura. Esta contava dois itens
descritivos: a) contexto, origem e trajetória do dispositivo; b) principais resultados e
interações e quatro modalidades de analise dos processos de coordenação: a) o peso das regras
da burocracia e da constituição federal, b) o papel dos atores coletivos e das lideranças
multiposicionadas, c) o funcionamento efetivo dos espaços de participação; d) a
aprendizagem institucional ao longo do processo.

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4.1. Contexto do território e trajetória dos dispositivos


A região norte do Mato Grosso em torno da cidade de Alta Floresta é uma zona de
colonização recente da frente pioneira amazônica (30 anos), onde por conta do relevo
ondulado, não houve implantação da soja. No entanto, os agricultores familiares estiveram
dependendo da mediação da agricultura patronal tanto para a colonização, o acesso a
financiamento e aos mercados até os anos 2000. O Território do Portal da Amazônia criado
em 2004 pelo MDA reúne 16 municípios. Seu tamanho de 110.000 km² implica dificuldades
de comunicação e, pelo tanto, problemas para uma boa integração entre o Colegiado de
Desenvolvimento Territorial-CODETER e os municípios. Tampouco é fácil implantar
projetos de dimensão territorial.
A partir do inicio do funcionamento do território, a mediação da agricultura familiar
nessas novas ações passou a ser assumida principalmente por uma ONG parceira do MDA.
A partir de 2006, a Secretaria de Planejemento do Mato Grosso criou com o programa
MT Regional13, 15 consórcios intermunicipais de desenvolvimento sustentável no estado.
Nesse contexto, dois Consórcios Intermunicipais foram implementados, dividindo o
território Portal da Amazônia em dois blocos de municípios: o Consórcio Vale do Teles Pires
e o Consórcio Portal da Amazônia.

Figura 2: O Territorio no Estado do MT

13
O Programa MT Regional foi criado em junho de 2006 e regulamentado pela Lei nº 8.697. Ele visa fomentar o
desenvolvimento sustentável da economia rural em todas as regiões do Estado, mediante processo de descentralização e
da execução de ações, de forma integrada entre municípios, Estado e União e parceiros (MT Regional, 2007).

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Figura 3: Os dois consorcios do programa MT Regional

4.2. Principais realizações das duas políticas e suas interações

O território Portal da Amazônia têm recebido em média R$500 mil por ano do
PDSTR-MDA, principalmente para a construção de equipamentos coletivos pactuados entre
serviços publicos e sociedade civil: centro de formação no município de Colider; usina de
compostagem em Nova Santa Helena; tanques de resfriamento de leite; entreposto de
comercialização emTerra Nova do Norte; equipamentos para conexão à internet, etc. Outros
recursos têm sido aplicados diretamente pelo MDA em atividades de formação e a
capacitação dos membros do CODETER e no apoio a organização cooperativa.
Nos Consórcios Intermunicipais, as ações prioritárias foram centradas em
equipamentos para conservação e manutenção de estradas rurais e no apoio aos Arranjos
Produtivos Locais, em particular para a pecuária de leite. Em realidade, houve poucas ações
novas, sobretudo uma tentativa de coordenação das intervenções locais da EMBRAPA, da
EMATER e do SEBRAE.
Isto representa também uma tentativa de coordenação entre União, estado e município
louvável (Melo e Lagos-Peñas, 2012).
Nos dois consórcios intermunicipais, o interesse coletivo é colocado em segundo
plano.
O programa MT Regional privilegia o fomento de atividades ligadas às cadeias
produtivas e executadas em parceria com firmas privadas (chamadas de empresas “ancoras”)

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através do financiamento de infraestruturas intermunicipais (Peters e Pierre 2004:82).


Claramente, no Portal da Amazonia, as ações iniciais dos consórcios intermunicipais foram
concorrentes ao programa federal do MDA, redirecionando as ações do desenvolvimento rural
para os executivos municipais. Esta estratégia foi verificada nas ações da Secretaria de
agricultura do Mato Grosso e dos serviços públicos de extensão rural, nas áreas de
capacitação e criação de novas cadeias produtivas desconectadas das ações do programa
federal. Isto tem gerado fortes divergências, não somente no campo dos atores públicos, mas
também entre os próprios atores sociais, reproduzindo um processo de políticas fragmentadas
e reforçando, portanto, as dinâmicas clientelistas.
Por trás do discurso de apoio à agricultura familiar, predomina uma visão produtivista
e mercantil do desenvolvimento da região. Ela corresponde aos interesses da base social do
governo do Estado de Mato Grosso, o agrobusiness da soja e das grandes fazendas de criação
de gado (Moreira e Sabourin, 2009), como a manutenção das estradas rurais para facilitar o
escoamento da produção, ou a integração da pecuária familiar de leite ou de carne aos grandes
laticínios e frigoríficos privados. As ações prioritárias promovem cadeias agrícolas comuns
com a agricultura patronal ou complementares (compra de matrizes aos criadores patronais
sob o pretexto do apoio a pecuária leiteira familiar) e a associação com parceiros privados
(laticínios, frigoríficos, etc.). Mas, a retórica da eficiência econômica e da territorialização
mais ampla que o único segmento da agricultura familiar esconde a falta e fundos do governo
de MT e a dependência de programas privados ou federais já em andamento.
As práticas adotadas pelas duas políticas refletem ainda uma lógica setorial e
fragmentada em detrimento de abordagens transversais e complementares; as ações tendem a
reduzir-se a esfera municipal, limitando, portanto, as oportunidades de consolidação da
política territorial de desenvolvimento.

As tensões e complementaridades
A coordenação com os níveis superiores nunca foi fácil, sobretudo para o território do
MDA, mas a coordenação entre as duas políticas foi bem mais delicada.
A criação dos dois consórcios foi vista pelos responsáveis do MDA e do CODETER
como uma provocação. Tratou-se de uma concorrência política brutal da parte do governo do
estado do MT, que se aproveitou da janela de oportunidade ofertada pelo PRONAT (Kingdon,
1984). De fato, as duas políticas se dirigem ao mesmo público (a agricultura familiar), às

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mesmas equipes municipais e aos mesmos sindicatos municipais de trabalhadores rurais


representando os agricultores familiares, para realizar o mesmo tipo de ação: capacitação e
construção e aquisição de equipamentos. No entanto, as modalidades de tomada de decisão e
seleção de projetos prioritários são diferentes: são participativas no caso do CODETER e
reservadas aos prefeitos ou a seus secretários no caso dos consórcios intermunicipais.
A partir de 2008, as relações evoluíram bastante: com a aliança política entre a base do
governo federal e o governador do MT a concorrência entre os dois programas diminuiu.
Certas atividades tornaram-se complementares, sobre tudo porque o consórcio é
dotado de uma personalidade jurídica própria que faz falta ao CODETER. Um dos Consórcios
Intermunicipais, por exemplo, encarregou-se da gestão de dois projetos do território: o Centro
de Formação da Agricultura Familiar de Colider e da usina de compostagem, em parceria com
a prefeitura de Nova Santa Helena. O CODETER recorreu à personalidade jurídica, aos
serviços e à competência técnica dos serviços administrativos dos Consórcios Intermunicipais
para encaminhar os projetos elaborados no âmbito do território rural apoiado pelo MDA.

4.3. O peso das regras da constituição federal


Observa-se uma institucionalização difícil da escala territorial e dos princípios de
negociação ou concertação de territórios de projetos. No Portal da Amazônia como em outras
regiões do Brasil, houve dificuldades de legitimação do colegiado territorial como espaços de
decisão que permanecem essencialmente consultivos (Sabourin, 2015b). Essa
institucionalização lenta passa por aprendizagens mútuas nascidas dos debates, das alianças e
coalizações (fóruns, redes, comissões técnicas, etc.). A abordagem territorial impulsionada
pelo governo federal tem encontrado sérias dificuldades para promover a nova escala
territorial que não dispõe de poder, burocracia e competências técnicas.
A articulação multi-nível ficou marcada para não dizer atropelada pela dependência do
caminho administrativo federal através da transferência dos recursos (Mahoney, 2001). O
acesso aos financiamentos da união esta sendo reservados apenas aos estados federados e aos
governos municipais, muitos daqueles sendo bloqueados pela inadimplência.
Ao nível intra-territorial a polarização municipal, associada à essa dependência do
caminho federal por conta do peso das eleições municipais ou gerais a cada dois anos,
compromete uma verdadeira coordenação territorial intermunicipal.

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É difícil superar a concorrência entre os municípios, principalmente por causa do


tamanho modesto dos financiamentos do PROINF do MDA e, sobretudo, limitados a
equipamentos e infraestruturas dependendo de orçamentos anualizados.
Por outra parte, tanto em nível dos Consórcios Intermunicipais como do território
rural, encontramos o que Gaudin (1999) chama de quadro contratual frouxo. O Programa MT
regional em realidade dispõe de poucos recursos e a maioria das ações ficou dependendo de
recursos federais (PAC para patrulhas mecanizadas, programa Balde de Leite) ou dos
interesses das firmas privadas atuando como empresa “ancora” por cadeia (leite, carne,
frutas).
No caso da politica territorial, a SDT tem conseguido habilitar consultores militantes
das ONG‟s parceiras para desenvolver certos projetos, mas o acompanhamento e a avaliação
param com a etapa do desembolso federal. A avaliação da implementação e do funcionamento
dos projetos foi confiada de maneira bastante demagógica aos beneficiários, em nome da
teoria da “gestão social dos territórios” (MDA, 2005; Leite et al., 2009). Portanto quase não
têm sanções, apesar de casos de desvios: tem aqui um campo aberto ao clientelismo e ao
populismo (Sabourin, 2015a).

4.4. O papel de atores coletivos, lideranças e mediadores

No caso do território Portal da Amazónia, o movimento social da agricultura familiar é


recente e permaneceu por muitos anos sob a tutela do patronato rural da região. A dinâmica
territorial foi assumida no início pelo Estado Federal (território rural criado pelo MDA) e pelo
Estado federado (consórcios intermunicipais). Ainda assim, a implementação do território
rural foi importante para a emergência de novas lideranças territoriais.
No Portal da Amazônia, os mediadores que se consolidaram são jovens representantes
das organizações da sociedade civil e o articulador territorial. No caso dos Consórcios
Intermunicipais, a articulação gira em torno da figura de Luiz Gonzaga. Antes de ser nomeado
superintendente do Consórcio Portal da Amazônia, já havia sido membro do CODETER.
Personagem simpático, carismático, experiente, pragmático, suas ações são, muitas vezes,
carregadas de ambiguidade, sem confrontações políticas partidárias. Além disso, com a sua
astúcia, ele transita facilmente nos campos políticos diferentes, ultrapassando a tradicional
lógica de classe dos partidos etc. A fragilidade político-institucional das duas estruturas, não

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levou a grandes realizações, mas, o pouco que foi executado em colaboração contou com a
sua intervenção. O agricultor Seier Ruelis (conhecido popularmente como Chapeu de Couro),
representante da agricultura familiar no Sindicato Rural de Alta Floresta e no CODETER é
uma figura emblemática da colonização agrícola da região. Teve bastante influência no
processo de articulação entre ONGs, sindicatos, agricultores familiares e autoridades locais
para constituição do CODETER.

3.5. O funcionamento de espaços de participação


No caso do CODETER do Portal da Amazônia, a participação funcionou
relativamente em quanto existiu uma maioria de conselheiros da sociedade civil. Com a
criação do PTC e a exigência da paridade entre representantes dos governos e da sociedade
civil, a dinâmica foi quebrada e a transição foi complicada.
De fato, as observações anteriores explicam em parte a persistência de uma forte
assimetria desfavorável aos representantes da sociedade civil e um lado às vezes revanchista
no momento do seu acesso a certos espaços de participação. Mede-se assim o papel ao mesmo
tempo ambíguo (militante corporativista) e precário (mal e irregularmente pagos) dos
“articuladores territoriais” financiados por meio das ONG‟s « parceiras » da SDT-MDA14.
Tem tido captação de recursos pelos intermediários que aproveitam dessa janela de
oportunidade em particular as ONG‟s parceiras do MDA (Moreira e Sabourin, 2009) e os
serviços de extensão rural em outros territórios (Sabourin e Rodriguez, 2009; Avila, 2010).
No Portal, a militância era ligada à influência direta do Partido dos Trabalhadores PT e
se manifestou na delegação estadual do MDA, na ONG escolhida para articular o território,
nas capacitações financiadas pela SDT e nas organizações camponesas mais radicais
(Movimento dos Pequenos Agricultores e Pastoral da Juventude, ligados à Via Campesina).
Neste caso, trata-se de membros de uma corrente política específica, no interior do
partido. Mas, medem-se rapidamente os limites dessa cadeia militante que não constitui uma
garantia de participação democrática. Pode, pelo contrário constituir uma coalizão fechada de
controle do instrumento e dos fundos da politica pública em nível regional (Massardier et al,
2012).
Os consórcios constituem instrumentos que prolongam o poder dos prefeitos ao nível
regional. Do ponto de vista das tomadas de decisões, a dinâmica dos consorcios é descedente,
14
Mazeaud e Nonjon (2012) verificam a mesma tendência dos « novos profissionais » da participação na França

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uma vez que as regras e decisões são definidas por um conselho composto exclusivamente por
prefeitos. Esta estrutura, contrariamente à política federal de gestão territorial, não favorece
dinâmicas inovadoras, nem novas aprendizagens e tampouco a apropriação dos projetos
territoriais pela população. Os projetos implementados pelos Consórcio Intermunicipal de
Desenvolvimento são, em regra geral, balizados por abordagens setoriais e de natureza
essencialmente técnica e econômica.
No entanto, nos dois dispositivos, constatou-se tomadas de decisão em espaços
paralelos, escapando as normas da participação colegiada: o gabinete do MDA, o partido, os
empresários do agronegócio e o prefeito, etc. (Massardier, 2008 & 2011).
Dubois (2009) no caso da França trata dos principais níveis de contratualização da
construção dos novos territórios de projeto, das imbricações regulamentárias e das pistas para sair
do “mito na negociação consensual”. Para ele, as arbitragens são, muitas vezes, opacas ou
fechadas em espaços paralelos e o sistema leva os políticos locais a uma logica de “caça aos
financiamentos” extremamente competitiva junto aos balcões nacionais e europeus. Nessas
condições, pergunta se é possível implementar realmente uma governança multi-nível para tratar
do desenvolvimento local. Pois ele constata a permanência do papel da administração central nas
regiões em matéria de investimento público e a persistência da dispersão dos financiamentos por
conta de praticas clientelistas locais. Pergunta assim se a proposta da GMN participativa na
Europa não seria apenas destinada a melhorar a aceitabilidade das políticas do Estado e da EU
pelos diversos atores territoriais.

4.6. A aprendizagem institucional

Houve importantes aprendizagens institucionais entre atores heterogêneos levados a se


conhecer, se enfrentar ou a associar-se no seio do CODETER, na ocasião das negociações
para programação e implementação dos projetos. Com a multiplicação das comissões
municipais e territoriais, observa-se a emergência de novas lideranças regionais (mulheres e
jovens), reforçada pelas ações de capacitação dos conselheiros realizadas pelo MDA
(Sabourin e Rodriguez, 2009). Certos espaços permanecem frágeis por conta das assimetrias
entre categorias de atores; mas certos avanços mostram-se irreversíveis, em particular quanto
ao reconhecimento da sociedade civil e a emergência de novas lideranças.

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Por exemplo, apareceram complementariedades entre as duas politicas quando a


rivalidade politica entre o nível federado e o nível federal deixou de ser preponderante.
O CODETER não tem personalidade jurídica e é apenas consultivo. Assim, para a
execução dos projetos, necessita constitucionalmente da intermediação do Estado ou de um
Município para o recebimento de verbas federais. Os executivos municipais ou do Estado
federado podem se aproveitar dessa norma quando estão em situação de rivalidade politico-
eleitoral com o poder federal. Muitas vezes os projetos estão sendo bloqueados porque as
prefeituras estão inadimplentes por atraso de pagamento de impostos ou encargos sociais,
sendo assim impossibilitadas de receber verbas federais.
A importância da existência de uma estrutura jurídica como a dos Consórcios
intermunicipais é crucial. Apesar das divergências e rivalidades, alguns projetos do Território
MDA foram obtidos e administrados graças ao estatuto jurídico do Consórcio intermunicipal
e as competências do quadro técnico das prefeituras (registro administrativo de projetos on-
line).
Finalmente, duas consequências dessa aprendizagem mútua podem ser notadas: i) um
reconhecimento político e econômico da agricultura familiar da região e das organizações
desse segmento (Tonneau e Sabourin, 2007) e, ii) uma legitimação dos espaços colegiados de
negociação de projetos.

Considerações finais

Os dois dispositivos intermunicipal do Brasil são ricos em termos de inovações e de


ensinamentos. O PRONAT e logo os territórios da Cidadania constituem pela dimensão e
duração do programa uma verdadeira experimentação de espaços de governança multi-nível,
supra-municipal. Representam uma iniciativa importante de abertura e uma vontade de por a
politica e a elaboração das politicas publicas em visibilidade (OCDE, 2013).
Mais que um instrumento de compensação territorial, o PTC experimentou uma
função de concentração territorial de ações públicas.
São experiências que produziram aprendizagens institucionais e cruzadas tanto do lado
dos serviços públicos como da sociedade civil organizada. A multiplicação dos conselhos e
por tanto dos conselheiros levou a capacitar novas gerações de lideranças e aproximar
serviços técnicos e movimentos sociais.

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Os consórcios têm mostrado duas vantagens: o numero reduzido de municípios


envolvidos, favorecendo a coordenação por proximidade já mencionada por Ostrom (1990,
1998) e a existência de um estatuto legal e de uma burocracia local para administrar fundos e
projetos.
Se retomarmos os elementos da grade de análise sobre a coordenação entre níveis,
vemos que o mais problemático é a tensão entre o nível federal e o nível do Estado federado,
porque concentram os principais recursos e poderes, assim como as rivalidades partidário-
eleitorais (Castro Conde, 2010).
De fato a ausência de uma administração territorial associada à assimetria
desfavorável tanto a sociedade civil como aos executivos municipais, dificultam toda
governança multi-nivel.
Criar espaços de participação e nomear conselheiros não garante uma melhor
coordenação, sobretudo no caso de dispositivos que não interessam o conjunto da população
dos territórios.
Também existe uma verdadeira tensão entre democracia participativa e democracia
representativa, com desafios em termos de eficiência, mas também de legitimidade (Avritzer,
2009; Sabourin, 2015a&b, Sotomayor et.al, 2013). No caso do Portal da Amazônia, por conta
das assimetrias de competência por um lado, e da existência de espaços de decisão paralelos
por outro, os agricultores familiares não conseguem transformar as suas propostas em projetos
de dimensão territorial intermunicipal. Inevitavelmente, encontramos uma concorrência entre
associações locais pelos mesmos pequenos projetos tradicionais da época do Pronaf
Infraestrutura, sem nenhuma inovação.
Nessas dinâmicas de ação pública territorial, o acento é dado mais nos processos que
nos conteúdos e nas regras: os financiamentos de projetos coletivos permanecem simbólicos;
o essencial do orçamento da SDT é gasto em ações de capacitação dos conselheiros
territoriais e no acompanhamento do território (diagnósticos, planos, estudos, etc.).
Encontramos, atrás dessa tirania dos processos (Duran, 1999) ligada a um discurso para
justificar a participação, jogos de poder eleitoral que escondem interesses políticos e/ou
eleitoreiros.
Constatam-se três principais freios a territorialização e a governança muti-nível no
caso do Brasil. O primeiro é a dependência do caminho federal em particular o acesso aos
financiamentos da união apenas para municípios e estados federados.

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O segundo é a assimetria entre atores e grupos de interesse. O terceiro vem da


confusão entre os quatro processos mobilizados (planejamento territorial, descentralização,
desconcentração do Estado e participação da sociedade civil) que não funcionam naturalmente
juntos por se só. Se essas características podem contribuir, não podem ser suficientes, nem
decisivas para um verdadeiro enfoque de ação pública intermunicipal e territorializada.

Referências Bibliográficas

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