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DOI: 10.18829/rp3.v11i2.26945
RESUMO
A proposta deste artigo é apresentar uma abordagem possível para investigação das condições
que levam mulheres ao encarceramento, e também as condições que estas mesmas mulheres
enfrentam ao deixar a tutela do Estado, concentrando-se na qualidade de vida e de reinserção
social após encarceramento e também nos direitos da mulher. Neste sentido, apresentamos a
importância de ouvir tais mulheres, enfatizando o método e a técnica de pesquisa utilizados
para coleta e análise de dados e também quais são os referenciais analíticos que fundamentam
esse ouvir. Concentramos o foco de investigação nas egressas do sistema, visto que seus relatos
permitem reunir informações sobre como eram as condições de vida antes, durante e após sua
prisão. Mais especificamente, discutimos a adequação metodológica do estudo de caso e das
histórias de vida para a investigação deste tipo de fenômeno, com potenciais implicações para
além da análise do sistema prisional. Os pressupostos analíticos se basearam em teorias que
trabalham com a desconstrução de oposições binárias. O objetivo da escuta da narrativa dessas
mulheres não é apenas entender suas condições de vida, mas também identificar possíveis
ações de melhoria e coligir insumos de apoio à formulação de políticas públicas para egressas
do sistema prisional.
Palavras-chave: pesquisa qualitativa, egressas do sistema prisional, políticas públicas,
metodologia de pesquisa, história de vida.
ABSTRACT
The purpose of this article is to present a possible approach to investigating the conditions that
lead women to incarceration, as well as the conditions that these women face when they leave
the State, focusing on quality of life and social reintegration after incarceration and women's
rights. In this sense, we present the importance of listening to such women, emphasizing the
method and the research technique used for data collection and analysis and also the analytical
references that support this listening. We focused the investigation on the system, since their
reports allow us to gather information about how the conditions of life were before, during and
after their arrest. More specifically, we discuss the methodological suitability of the case study
and life histories for the investigation of this type of phenomenon, with potential implications
beyond the analysis of the prison system. The analytical assumptions were based on theories
that work with the deconstruction of binary oppositions. The purpose of listening to these
women's narratives is not only to understand their conditions of life, but also to identify
possible actions for improvement and to gather inputs to support the formulation of public
policies for the prison system.
_________
¹Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer. E-mail: [email protected]
²Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer. E-mail: [email protected]
³Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer. E-mail: [email protected]
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1. Introdução
No cenário nacional, é possível constatar uma carência de políticas públicas para
reinserção social de egressos1 do sistema prisional. Nesse âmbito, apenas um documento
propondo diretrizes gerais foi produzido recentemente: Postulados, princípios e diretrizes
para a política de atendimento às pessoas egressas do sistema prisional (WOLFF, 2016).
Entretanto, tais diretrizes ainda não foram operacionalizadas em políticas.
Para as mulheres a situação é pior, já que não há políticas específicas para as egressas
(por exemplo, COSTA, 2011; SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS
MULHERES DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007). As Diretrizes de atenção à
mulher presa (COORDENADORIA DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL E CIDADANIA, 2013)
orientam o tratamento da mulher encarcerada, e mesmo contendo várias sugestões de políticas
públicas, poucas ações de fato surgiram em decorrências dessas. As Diretrizes..., ao compilar
vasta coleção de dados de pesquisa, mostram especificamente como aspectos do
encarceramento afetam diferentemente mulheres quando comparadas aos seus pares do sexo
masculino. Por exemplo, o encarceramento cerceia a possibilidade de exercer a maternidade e
a maternagem, que para além da mulher presa, afeta a dignidade da criança. O documento
também cita, entre outros aspectos de trabalho e relações sociais, o envelhecimento, que para
mulher é diferente hormonalmente e requer cuidados especiais que devem ser somados aos
que também são dispensados em relação aos homens. Assim, tais documentos mostram a
primazia da lógica e da ótica masculinas no sistema prisional brasileiro e descrevem como as
especificidades das mulheres encarceradas têm sido negligenciadas ao planejar ações para a
população carcerária.
1
O artigo 26 da Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210/84, estabelece duas categorias de egressos. A
primeira refere-se àquele(a) condenado(a) libertado definitivamente, que pelo prazo de um ano após sua saída da
prisão passa a ser assim denominado juridicamente, assim como aquele(a) que foi desinternado(a) por medida de
segurança, pelo mesmo prazo. Outra categoria é o libertado condicional, mas somente durante o seu período de
prova. Após um ano para o libertado ou desinternado e o período de prova para o liberado condicional, a pessoa
deixa de ser juridicamente definida como egressa e não tem mais acesso à assistência oferecida a tal categoria
(D‟URSO, 2001). Para efeito da presente pesquisa, consideram-se egressas todas as pessoas que não estão mais
em detenção.
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O projeto de pesquisa, atualmente em curso, do qual emergiram metodologia e abordagem interpretativa aqui
defendidas, é fruto de trabalho financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), na modalidade de bolsas PCI-DA concedidas aos dois primeiros autores. O protocolo de pesquisa foi
submetido à Plataforma Brasil para avaliação, tendo sido concedida a aprovação ética sob o número CAAE
68611317.2.0000.5453.
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quais já existe uma miríade de “respostas prontas” (GUERIN, 2016); produzir conhecimento
de modo colaborativo, ou seja, de maneira que ao menos nos momentos de interação entre
pesquisador e participante não haja hierarquia de teorias, concepções e ideologias acerca do
que se investiga (BORDIEU, 1996).
Enfim, o ponto principal defendido no presente trabalho é o de que incluir a
perspectiva do possível “beneficiário” de uma eventual política pública é condição seminal
para a formulação de boas estratégias para sua implementação, bem como sua eficácia ao
longo do tempo em seu ciclo de vida. A ramificação principal deste ponto é que é preciso
delinear e pensar novas maneiras de ouvir tais “beneficiários” em seus contextos sociais, de
modo integral e pouco enviesado pelas expectativas dos planejadores e dos próprios
pesquisadores. A participação da sociedade civil e não apenas do Estado na elaboração de
políticas públicas também é uma das sugestões apontada nos Postulados, princípios e
diretrizes... (WOLFF, 2016) ao tratar de diretrizes para formulação de políticas públicas para
egressos.
Na mesma perspectiva, Carvalho (1999) defende a avaliação de programas sociais, por
meio da avaliação participativa cujo eixo metodológico pressupõe o envolvimento e
participação dos formuladores, gestores, implementadores e usuários no próprio processo
avaliativo. Não apenas as avaliações devem abranger esse público, como também as próprias
concepções das políticas públicas. Por isso, a ideia é a de que as sugestões de políticas
públicas para egressas partam também de suas próprias aspirações e que não sejam
exclusivamente concebidas pelos formuladores de políticas.
Assim, para descrever o problema que se pretende estudar e para introduzir a
metodologia concebida, apresentamos a seguir uma breve contextualização histórica do
penitenciarismo e das condições das mulheres em detenção. Tal contextualização configura-se
como preâmbulo à descrição subsequente da abordagem proposta para ouvir as egressas,
interpretar seus relatos, modelar suas condições individuais e identificar elementos
direcionadores de possíveis políticas para a reintegração social dessas pessoas.
Ao discorrermos sobre a abordagem, a ênfase recai nos métodos e diretrizes para
coleta e análise de dados, cujo referencial teórico busca evitar binarismos e interpretar as
informações de acordo com os princípios da hermenêutica, da dialética, da fenomenologia e
do interacionismo simbólico, pois o interesse central do estudo está na compreensão das
reações e motivações dos atores, e não na identificação de regularidades. Como desfecho,
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2. Apontamentos teóricos
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Ao pesquisar a história dos sistemas prisionais constata-se que a função que essas
instituições desempenham na sociedade passou a se modificar a partir do século XIII,
momento no qual os presídios passaram a ter funções equivalentes àquelas que apresentam
hoje (MUNIZ, 2017). Até então as prisões serviam somente para a detenção do “criminoso”
que aguardava julgamento. No século XVI, era esperado que as prisões desempenhassem o
papel “tirar de circulação os vagabundos” e mendigos, recrutando-os de maneira forçada para
trabalho nas tecelagens. A proposta era a transformação da força de trabalho dos indesejáveis
em algo socialmente aproveitável. De acordo com Jinkings (2013), a lógica subjacente à
administração carcerária desde então até os dias de hoje é a de que, a pessoa em privação de
liberdade deve encontrar-se em situações mais precárias do que a do trabalhador pobre para
que, desse modo, não reincida em infrações.
No início do século XX, aparecem as ideias modernas de reforma penitenciária, a
partir das quais enfatizou-se a possibilidade de curar o preso ou confiná-lo no isolamento caso
fosse considerado irrecuperável. Assim, o crime passou a ser tratado como uma questão
médica-psicológica. Nessa reforma, insere-se a possibilidade de progressão da pena, pois
entende-se que a disciplina não precisa necessariamente ser mantida por métodos repressivos
(MUNIZ, 2017).
Já nos anos 80 e 90 do século passado, Wacquant (2001) apresenta duas teorias,
concebidas nos EUA, que, segundo ele, alicerçaram o processo de criminalização da miséria:
a teoria da vidraça quebrada e a tolerância zero. Para ele, a primeira defende o combate às
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No Brasil, apesar de não existir, até o século XIX, nenhuma pena de privação de
liberdade, havia diversas construções prisionais, as quais eram utilizadas para que o preso
cumprisse outras penas, por exemplo, os punidos com o pagamento de multas que não
possuíam o dinheiro (por exemplo, SALLA, 1999).
No século XIX, passou-se a empregar os presos para a realização de serviços
principalmente públicos de higiene e limpeza urbana. Nesse momento, de acordo com Salla
(1999) a prisão vista como algo segregador ainda estava distante, pois não havia muros para
isolamento e, assim, os presos podiam manter contato com o mundo extramuros. A concepção
de requalificar os infratores, por meio da supressão da liberdade com o intuito de punir os
infratores, se propagou durante o século XIX.
Dessa forma, a pena de prisão, desde o início do século XIX, obteve relevância por se
pautar na privação da liberdade, que era direito de todos os cidadãos no período (MUNIZ,
2017). Na Europa, o sistema punitivo foi implantado em um momento de aumento dos
direitos de cidadania. Já no Brasil, esse sistema surge em um período em que ainda se
mantinha um regime escravocrata, e uma sociedade dividida entre pessoas livres e escravos,
produzindo uma aplicação desigual das leis (MASSARO, 2014).
5. Cenário atual
No Brasil, país marcado por forte desigualdade socioeconômica, observa-se hoje uma
superlotação de detentos no sistema penitenciário. Em um sistema voltado apenas a afastar os
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Dias, Silva e Barros (2012, p. 238) salientam que as prisões femininas imbuídas de
moralidade e religiosidade possibilitaram a concepção de um reformatório especial reservado
a abrigar mulheres, cujos crimes estavam relacionados a comportamentos considerados
desviantes, tais como, prostituição, mães solteiras, mulheres “masculinizadas”, mulheres com
propensão à vadiagem e à embriaguez, entre outros.
Da mesma forma, Santos e Santos (2014, p. 397) ressaltam que a inserção de
instituições religiosas, na gestão das penitenciárias femininas, tinha por finalidade fazer com
que as mulheres que transgredissem as normas morais em vigor na sociedade pudessem, por
meio de orações e de práticas de trabalhos domésticos, ser reconduzidas à “normalidade” – ou
seja, ao conjunto de convenções sociais aceitas à época.
Na mesma perspectiva, Souza (2009) destaca que a privação de liberdade para homens
e mulheres tinham finalidades diferentes: a reclusão dos homens destinava-se à sua correção
para reinserção social, já as das mulheres tinha como propósito sua recuperação para voltar a
ocupar seu lugar de direito: o lar. No código penal brasileiro, desde 1940 figurava o termo
“mulher desonesta”, tendo sido revisto somente em 2005 com a Lei 11.106, que desassocia o
aspecto da moralidade feminina da aplicação da lei contra a mesma (FERNANDES;
MIYAMOTO, 2014).
Sobre esses aspectos, Gilberto Velho (1985) interpreta que essas mulheres não
estavam se desviando, nem sofriam de quaisquer doenças, estavam sim divergindo do que foi
imposto a elas como conduta que deveriam seguir. Para esse autor, há fenômenos culturais
que podem ser interpretados de maneiras contraditórias e divergentes, o que não significa
desvio – o qual tem características de patologia e necessidade de “cura”.
Assim, as prisões femininas foram instituídas, tendo como princípio a ideia de desvio
citada pelo autor. Aquelas que se opuseram ao que estava prescrito foram encarceradas e
obrigadas a se comportarem como determinavam as normas sociais praticadas naquele
momento.
Foi durante esse período que os juristas iniciaram as discussões sobre a inserção das
mulheres ditas criminosas na legislação penal. Entretanto, apenas em 1981 foi apresentado um
anteprojeto da Lei de Execução Penal (LEP), sendo aprovado em 1984 (como Lei nº
7.210/84). Essa lei garante às mulheres, juntamente com outros direitos comuns a qualquer
detento, sem distinção do sexo, o direito a acomodações em celas individuais, com boas
condições de higiene e a serem abrigadas em ambientes próprios e adequados a sua condição
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pessoal (FREITAS, 2012). Todavia, essa Lei na maioria dos presídios femininos não é
cumprida, já que muitos deles eram penitenciárias masculinas que foram “adaptadas” para as
mulheres infratoras.
Segundo Costa (2011), a legislação penal brasileira de 1988, por ter como garantia a
igualdade entre os sexos, não introduziu normas que diferenciassem os crimes cometidos por
homens e mulheres. As políticas específicas para as mulheres se restringiram às que se referem
à gestação, amamentação e ao período em que poderiam ficar com filhos na prisão. Para a
autora, as desigualdades de gênero existentes no Brasil impossibilitam o tratamento igualitário
entre homens e mulheres no sistema penal.
Sobre mulheres em privação de liberdade, o Conselho Nacional de Justiça publicou
recentemente a tradução das Regras de Bangkok (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,
2016), que trata de regras da Organização das Nações Unidas para o tratamento de mulheres
presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. O documento pretende
sistematizar as condições e as necessidades particulares das mulheres em situação de
encarceramento, e prevê que, devido ao aumento significativo da população carcerária
feminina nos últimos anos (fenômeno também observado no Brasil), a atenção às questões
específicas de gênero, tomem um caráter de urgência e importância.
O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC, em seu relatório Mulheres em prisão
(FONSECA et al., 2017), sublinha que o aumento do número de mulheres encarceradas no
Brasil tem também como estímulo as múltiplas vulnerabilidades vivenciadas por mulheres,
tais como, baixa escolaridade, falta de acesso a atividades profissionais que possibilitem
maiores rendimentos, dupla jornada de trabalho, responsabilidade pelo sustento dos filhos e
da família.
Além disso, o perfil das mulheres infratoras traçado pelo Infopen Mulheres (SANTOS,
T.; VITTO, 2014) corrobora as vulnerabilidades apontadas pelo ITTC: apresentam baixo grau
de escolaridade, sendo que, enquanto na população brasileira total cerca de 32% das pessoas
completou o ensino médio, somente 8% da população prisional total o concluiu. São mulheres
jovens entre 18 e 29 anos e negra (67%). Em torno de 68% dessas mulheres, foram presas por
envolvimento com o tráfico de drogas, delito que recebeu atenção especial e definições mais
abrangentes (e com penas mais elevadas) a partir da promulgação da Lei de Tóxicos em 2006
(Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006). Boa parte delas desempenham atividades auxiliares
em serviços de transporte de drogas e pequeno comércio. Além do mais, as informações
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disponibilizadas apontam que muitas são usuárias, sendo poucas as que atuam como gerentes
do tráfico. Por sua vez, os relatos das mulheres entrevistadas pelo ITTC indicam que o tráfico
de drogas é visto como uma alternativa sobretudo por permitir que as mulheres exerçam
atividades em casa, ou seja, permite que elas possam cuidar dos filhos.
Estes fatores, somados ao fato que mulheres usualmente tem remuneração reduzida em
comparação aos homens, e que muitas delas são as responsáveis pelo sustento das famílias,
podem ser apontados como fatores para inserção das mulheres no tráfico de drogas ilícitas
(MOKI, 2005). O tráfico de drogas ilícitas também possui rentabilidade superior em relação
aos empregos formais (quando existem), e pode estabelecer e fomentar respeito de dentro de
uma dada comunidade quando a mulher é reconhecida como tendo conexões com o tráfico ou
traficantes (GUEDES, 2006).
O relatório final produzido pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para a
reorganização e reformulação do sistema prisional feminino (SECRETARIA ESPECIAL DE
POLÍTICAS PARA AS MULHERES DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007) revela
que, historicamente, os homens foram privilegiados em relação às mulheres, mesmo em
situações de privação de liberdade. Os próprios espaços reservados aos presídios femininos
não eram apropriados para as mulheres, salientando sérios problemas de infraestrutura, tais
como superlotação, presídios que anteriormente eram masculinos e se transformaram em
femininos, sem a realização de adaptações. O texto elaborado pelo GTI aponta também o
desinteresse dos poderes públicos no que diz respeito às mulheres presas, visto que não há
políticas para sua reinserção social e manutenção dos vínculos familiares.
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reintegração social. A fim de coletar essas informações e contribuir com os estudos nessa
área, a caracterização da história de vida como abordagem adequada para representação dos
relatos dessas mulheres mostra-se apropriada.
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que tenham, de fato, significado objetivo tanto para os próprios sujeitos quanto para eventuais
planejadores de políticas públicas que venham a ler o material produzido.
8. Estudo de caso
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presídio, por que foram rompidas – aqui o rompimento não se dá apenas com os afetos
amorosos, mas com familiares e filhos – e se foram reestabelecidas ao saírem em liberdade.
Aqui introduzimos outro elemento essencial da abordagem metodológica adotada:
como entender também o não dito explicitamente. Para tanto, nos baseamos em múltiplas
abordagens de compreensão das experiências humanas subjetivas, fundamentada nas relações
entre hermenêutica, fenomenologia, dialética e interacionismo simbólico. Nos
fundamentamos para a escolha, no círculo hermenêutico de Gadamer, no qual propõe o
diálogo entre os três primeiros métodos.
O círculo hermenêutico pode ser sintetizado da seguinte forma: A interpretação pode
ter início com conceitos prévios que serão substituídos por outros mais adequados, no
momento em que há a fusão do “horizonte” do pesquisador com o “horizonte” do contexto
investigado. O movimento de sentido do compreender e do interpretar é um constante
reprojetar (GADAMER, 1999). O interacionismo simbólico está também no horizonte desta
metodologia, visto que dialoga com o círculo hermenêutico, na medida em que ressalta que as
ações das pessoas são guiadas a partir do seu significado para o sujeito. O significado é
produzido, por meio de interações, modificando esses significados em um processo
interpretativo. Assim, os métodos e abordagens buscam combinar os méritos das orientações
interpretativista e realista (no caso, baseado em múltiplas realidades), conforme a
aplicabilidade e especificidade requeridas pelo problema social proposto.
9. Resultados preliminares
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somadas à necessidade de se fazer pesquisa com egressas do sistema prisional devido à falta
de políticas específicas a esta população fizeram com que optássemos por entrevistar as
egressas do sistema prisional. Além do mais, a história de vida como técnica de pesquisa
ampliará nossas informações sobre não apenas como eram as condições de vida antes e
durante o cárcere, como poderão nos relatar como vivem no momento da entrevista. Obter
dados sobre a situação delas extramuros será de suma importância para as referências
destinadas às propostas de formulação de políticas públicas para egressas.
Dessa maneira, a equipe de pesquisa considera que as informações obtidas
contribuirão, não apenas para a produção de conhecimento acerca da situação de mulheres
egressas do sistema prisional, que trará elementos para compreender as condições em que
vivem as mulheres em detenção, mas também fornecer subsídios para a formulação de
políticas públicas. O conhecimento produzido permitirá ainda reunir fundamentos para a
melhoria dessas condições. A análise dos dados obtidos pela abordagem aplicada prevê
também a validação (e adequação) da metodologia de modelagem e avaliação desenvolvida
para este estudo, caracterizando um processo contínuo de refinamento metodológico.
Os resultados obtidos nesse esforço de pesquisa serão agregados a outros em execução
em grupo multidisciplinar e multiprofissional de investigação e apoio ao sistema prisional
local, com o propósito de agregar ações e estudos acerca das questões prisionais.
Referências
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RESUMO
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ABSTRACT
This paper analyzes how legitimacy has been set in the exercise of representation in Public
Policy Management Councils in Paraná, in the Southern Brazil. This discussion is organized in
two parts. In the first one, discussion is addressed about legitimacy and, more precisely, we
look for to understand how that legitimacy is performed by the representatives in the Councils
we analyzed. In the second part, we present results collected during our field research about
two Management Councils of Urban Policies in Paraná. The basis of the analysis presented is a
survey applied to the advisors of the Municipal Board of Planning and Territorial Management
of Maringá (CMPGT) and the State Council of Paraná (ConCidades). We concluded that
although the representation has been effective, in all experiences analyzed there are
corporativist and patrimonial practices supported by market interests (in CMPGT), low
legitimacy of power contestation and low exercise of representation by the civil society (in
ConCidades).
Keywords: Representation. Legitimacy. Participation. Public Policy Management Councils.
_________
¹ Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM). E-mail: [email protected]
² Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM). E-mail: [email protected]
³ Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM). E-mail: [email protected]
1. Introdução
3
Constituição de Fóruns, Conselhos Gestores de Políticas Públicas, Conferências, Orçamento Participativo, são
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políticas sociais. Entre as inovações, têm-se os Conselhos de políticas públicas como espaços
de articulação do Estado com a sociedade civil.
Nesse sentido, por mais que uma maior proximidade entre o cidadão e os espaços de
decisões públicas possa potencializar o exercício democrático, este só será exitoso – tratando-
se de um processo de representação – se houver legitimidade. Haja vista que, não havendo
comunicação entre as partes (cidadão e representante), bem como autorização e controle
exercidos pelos cidadãos, a atuação do representante passa a ser desprovida de
reconhecimento, ou seja, ausente de legitimidade.
Nesse sentido, o presente artigo tem o objetivo de analisar como se estabelece
legitimidade do exercício de representação via participação nos Conselhos Gestores de
Políticas Públicas. O trabalho está dividido em duas partes. A primeira delas (discussão
teórica) aborda a temática da legitimidade e, mais precisamente, indaga como esta se realiza
no campo da representação de organizações públicas e da sociedade. Para tanto,
consideraram-se os estudos de Bobbio (2007), Nunes (2010), Urbinati (2006), Rodden (2005),
Melo (1996) e Nogueira (1996). Ainda, compondo a primeira parte, construiu-se uma
discussão sobre políticas urbanas no Brasil. Ambos os conteúdos são centrais para o
desenvolvimento do terceiro eixo teórico, o qual versa sobre a legitimidade da representação
nos Conselhos Gestores de Políticas Públicas.
Na segunda parte do artigo, encontram-se leituras sobre dois estudos de casos de
Conselhos Gestores de Políticas Urbanas, no Paraná, por meio de leituras sobre a composição
e a representatividade de cada experiência, bem como a respeito do desempenho institucional
e do comportamento em relação ao executivo. A base da análise está em um survey aplicado
aos conselheiros, sendo que no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial de
Maringá (CMPGT) foram entrevistados 11 (onze) conselheiros, de um total de 16 (dezesseis)
e no Conselho Estadual das Cidades do Paraná (Concidades) foram entrevistados 31 (trinta e
um) conselheiros de um total de 50 (cinquenta). O questionário foi aplicado aos conselheiros
titulares e suplentes que participaram de pelo menos duas reuniões durante o período de
representatividade das entidades eleitas em conferência ou pela indicação do poder executivo
estadual.
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Segundo Urbinati (2006), o modelo jurídico (que dá origem ao modelo institucional) configura uma relação
individual (e não política) entre representado e representante e supõe que os eleitores julgam as qualidades
pessoais dos candidatos no lugar de suas ideias políticas e projetos. A representação é expressa pelo Estado, cuja
relação com a sociedade é deixada ao juízo do representante (tutor); e restringe a participação popular a um
mínimo procedimental (eleições e nomeação de magistrados). A nação é representada pelos eleitos. Tanto a
teoria jurídica como a teoria institucional da representação concebem que o Estado transcende a sociedade de
modo que se assegure o Estado de Direito e supõem que a identidade jurídica do eleitor/autorizador é vazia,
abstrata e anônima, sua função se resume a eleger/nomear os políticos profissionais que tomarão decisões às
quais os eleitores se submetem voluntariamente.
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Hanna Fenichel Pitkin, em seu livro The concept of representation, publicado em 1967, argumenta que
representação tem vários sentidos e critica as teorias formalistas de representação que possuem três idéias
principais: a idéia de agir no lugar de alguém, a idéia de agir no interesse de alguém e a idéia de agir como
subordinado, sob instruções, de acordo com os desejos de outro. Defende que existe a possibilidade de
atenderem a interesses parciais e de excluírem a maioria da população do processo de decisão política (PITKIN,
1967).
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possa ser explicada em termos de regras do jogo, a participação dos cidadãos não é
um jogo neutro... a representação é "problemática" porque não pode nunca ser
corroborada por e concebida nos termos de representantes que saibam efetivamente
o que as pessoas desejam, e porque as expectativas das pessoas e as realizações de
seus representantes jamais irão corresponder com exatidão. A representação
democrática depende de muito mais do que simplesmente procedimentos eleitorais.
Ela requer robustas autonomia local e liberdade de expressão e associação, bem
como certa igualdade básica de condições materiais. Demanda também uma cultura
ética de cidadania que possibilite que tanto os representados quanto os
representantes vejam as relações partidárias como não irredutivelmente antagonistas
e sua defesa não como uma promoção incondicional de privilégios sectários contra o
bem-estar de todos (URBINATI, 2006, p. 210 e 214).
Para que princípios democráticos se concretizem, Gohn (2004) salienta que o trabalho
de base é uma determinante fundamental para alimentar e fortalecer a representação coletiva
nos colegiados de esfera pública. Pois,
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governo responsável e limitado, mas não um governo representativo”, logo pouco legítimo.
De acordo com Bobbio (2007), o pensar sobre legitimidade se estruturou para
justificar o reconhecimento do poder e para contrapor a lei de que o poder é originário do
mais forte. “Dois dos mais famosos livros de teoria política, a República de Platão e o
Contrato Social de Rousseau, começam com um debate sobre a relação entre justiça e força,
nos quais, respectivamente, Sócrates e Rousseau rejeitam a tese do “direito do mais forte”
(BOBBIO, 2007, p. 87-88). Por outro lado, “o próprio Hobbes afirma que para a segurança
dos súditos, que é o fim supremo do Estado e, portanto, da instituição do poder político, é
necessário que alguém, não importa se pessoa física ou assembleia, detenha legitimamente no
Estado, o sumo poder” (BOBBIO, 2007, p. 88).
Para Bobbio (2007), os princípios da legitimidade advêm de duplas antitéticas
estabelecidas em três bases axiológicas unificadoras, quais sejam: a Vontade, a Natureza e a
História. A Vontade, no sentido de esta ser de Deus ou ser do povo. A Natureza, com o
significado de natureza como força originária (direito natural) e a natureza como ordem
racional. A base Histórica demarca que o princípio da legitimação está na força da tradição
(soberano legítimo é aquele que exerce o poder, desde tempo imemorial) ou no sentido de que
o “poder de comandar pode ser adquirido, à base de um princípio geral de direito, à força do
uso prolongado no tempo, tal como se adquire a propriedade ou qualquer outro direito”
(BOBBIO, 2007, p. 90).
Em outra perspectiva, na do positivismo jurídico, o tema da legitimidade ganhou outro
sentido, não mais aquele dos critérios axiológicos, mas o das razões de eficácia. “Nesta
direção, põe-se a célebre teoria weberiana das três formas de poder legítimo, quais sejam: o
poder tradicional, o poder racional-legal e o poder carismático, os quais se legitimam por
meio de motivações diferentes. No poder tradicional, impera a o motivo da obediência, - “é a
crença na sacralidade da pessoa do soberano, sacralidade essa que deriva da força daquilo que
dura há tempo, daquilo que sempre existiu (...), não conhece razões para ser alterado”
(BOBBIO, 2007, p. 91). No poder racional-legal, o motivo se estrutura na crença da
racionalidade do comportamento conforme a lei. Já, no poder carismático, o motivo está na
crença, identificação ou reconhecimento de dotes extraordinários do chefe (BOBBIO, 2007).
Com base no exposto a respeito de diferentes poderes dotados de legitimidade, é
pertinente considerar que, independente do tipo de poder que estrutura a representação
(tradicional, racional-legal e carismática), o interesse que legitima este exercício deve ser de
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parte das oligarquias, desprovida de legitimidade. Por outro lado, quando da existência de
mobilização social, ocupando espaços de participação em processos decisórios, o poder passa
a ser compartilhado com a sociedade civil, desenhando-se, assim, possíveis espaços de
autorização e de legitimidade política.
Assim, a descentralização que se tenta implementar, desde o período pós-Constituição
de 1988, “deseja não apenas „aliviar‟ as instâncias centrais de governo, mas também envolver
a sociedade civil no comando das decisões que tratam de problemas locais - com toda sua
complexidade associativa e com todos seus interesses” - , como por exemplo, por meio dos
Conselhos gestores de políticas públicas (NOGUEIRA, 1996, p. 8). Para que a participação se
efetive, faz-se necessário a representação se estruturar de forma legítima, via reconhecimento
e autorização social.
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Consultar relatório IPEA (2010).
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Nogueira (1996) afirma que em um ambiente de democracia moderna, não existe êxito
na participação sem representação. “Isso significa que é preciso encontrar um equilíbrio entre
manifestação de direitos e interesses particulares, que se afirmem pela participação, e a
construção de “interesses gerais”, que se formam pela via da luta política, da representação e
do Estado” (NOGUEIRA, 1996, p. 16). Para tanto, faz-se necessário a superação de uma
cultura clientelista - a gramática do clientelismo, segundo Nunes (2010) - , além de conceber
o Estado brasileiro como uma estrutura administrativa mais equitativa e democrática. Para
que a descentralização participativa ganhe coerência e velocidade, é pertinente avançar em
quatro frentes: 1) encontrar uma forma de equilibrar participação e representação; 2)
encontrar, também, um equilíbrio federativo; 3) conseguir descentralizar sem perder a
capacidade de articulação e coordenação e; 4) adquirir outra cultura técnica (NOGUEIRA,
1996, p. 16).
Além das características e/ou funções, é pertinente elucidar quais são os tipos de
conselhos reconhecidos pelas três esferas da federação brasileira (TONELLA, 2006):
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estados e municípios – como fora o caso da educação, da saúde, etc – , como legitimou novos
espaços, no campo horizontal das relações intergovernamentais, para tratar de questões que
até 1988 estavam centralizadas em âmbito federal.
Nesse ínterim, como já elucidado, a sociedade civil é convocada para assumir
responsabilidades. Diante disso, debates se estabelecem com argumentos favoráveis e
contrários ao processo de descentralização. Para alguns este processo acarreta uma prática de
fácil dominação de atores privilegiados (dotados de poder), em detrimento de uma relação
verdadeiramente democrática.
De acordo com Godoy (2005), entre os que apontam os aspectos positivos da gestão
compartilhada e os avanços que resultam em maior eficiência estatal, há o entendimento de
que os conselhos locais, estaduais e nacionais, constituem experiências de inovação
institucional. Tratam-se de possibilidade de aumento dos espaços públicos de deliberação,
uma vez que são estruturas jurídico-constitucionais legais, de caráter permanente, com
diversificados arranjos em termos de representação entre Estado e sociedade civil e com
diferenciados poderes de controle sobre a política. É o local onde há maior disponibilidade de
informação, o que possibilita o planejamento de políticas para o setor.
Desse modo, com os conselhos, gera-se uma nova institucionalidade pública, pois,
tem-se a possibilidade de estabelecer um novo padrão de relação entre o Estado e a sociedade,
na medida em que esta relação pode viabilizar a participação de segmentos sociais na
formulação das políticas vislumbrando garantir à população o acesso aos espaços onde se
tomam as decisões políticas (GOHN, 2004; JACOBI, 2003; TEIXEIRA, 2002; SANTANA,
2002).
Abramovay (2003, p.57) comenta que a profusão de conselhos gestores “é a mais
importante inovação institucional das políticas públicas no Brasil democrático”. No entanto,
“não há estudo sobre o tema que não enfatize a precariedade da participação social nestas
novas organizações e sua tão freqüente submissão a poderes locais dominantes!”.
Gohn (2004), Toni e Kaimowitz (2003) e Jacobi (2003) afirmam que muitos conselhos
no Brasil, principalmente em locais sem tradição organizativa/associativa, são criados
formalmente para cumprir exigências da legislação federal e apenas homologam atos da
administração pública para garantir o repasse de verbas.
Existe um relativo consenso de que as práticas clientelistas ligadas às questões
políticas locais podem influenciar a forma de atuação dos órgãos municipais e dos conselhos
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A eleição dos membros é realizada a cada três anos, coincidindo com a Conferência de Avaliação do Plano
Diretor do Município.
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No encerramento da pesquisa, a composição do CMPGT passava por mudanças de modo a seguir os mesmos
segmentos previstos para a sociedade civil no Conselho Nacional das Cidades e nas conferências dessa área de
política, quais sejam: movimentos populares, entidades de trabalhadores, entidades empresariais e entidades
profissionais, acadêmicas e de pesquisa. Do mesmo modo, também foi aprovado em conferência municipal, mas
ainda não implementado, o aumento dos assentos para a sociedade civil, que deverá ficar nas próximas gestões
do conselho com 60% dos assentos.
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Entrevista semi-estruturada com uma conselheira não governamental, da Universidade Estadual de Maringá.
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forma neutra, pois se trata de uma problemática no sentido de não haver exatidão entre as
expectativas das pessoas e a realização dos representantes.
Apesar de os conselhos constituírem-se em contextos peculiares, uma tônica comum
são os níveis de organização e poder dos setores representados. Verifica-se que no Conselho
Municipal de Planejamento e Gestão Territorial de Maringá, algumas organizações têm
vínculo efetivo e consolidado com suas bases e conseguem representar interesses que são,
realmente, compartilhados por determinados setores, como é o caso dos empresários.
Conforme a entrevistada, o CODEM – Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá
– consegue levar para o Conselho de Planejamento e Gestão Territorial o interesse dos
empresários. Por outro lado, outras entidades têm vínculos muito fluídos com o coletivo que
representa, como é o caso da representação da Universidade Estadual de Maringá,
desempenhada pela entrevistada. O que geralmente esta conselheira faz é discutir os assuntos
do conselho com um grupo específico da Universidade, mas não com toda a instituição que
representa.
Ainda, de acordo com a entrevistada, há casos, como o das associações de bairro, em
que se percebe que o vínculo é praticamente inexistente. Os representantes falam muito pouco
em defesa do interesse coletivo. No Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial,
embora este não tenha poder de deliberar, constata-se que os setores empresarial e imobiliário,
mais organizados, são representados de forma mais efetiva e coletiva. Consequentemente, em
muitas situações, possuem maior poder de negociação perante os demais que detém menor
nível de representação. Tal situação pode criar o que Nunes aponta (2010) como possíveis
relações corporativistas e clientelistas entre setores de mercado e o Estado.
Corroborando com a leitura da referida conselheira, os dados do survey ilustram que a
maioria das entidades representadas no CMPGT está vinculada ao setor imobiliário e a
maioria dos entrevistados afirmou pertencer ao grupo de apoio ao governo municipal. Tal
perspectiva, mesmo entre representantes da sociedade civil, compromete a finalidade de
representação e participação do conselho gestor, pois a pluralidade e diferentes interesses não
se encontram representados.
No entanto, os dados do survey indicaram que os conselheiros do CMPGT têm uma
percepção bastante positiva a respeito do impacto dos seus respectivos conselhos na gestão
municipal e a respeito de sua efetividade deliberativa. Segundo a maioria dos entrevistados: a)
os governos municipais são comprometidos com as decisões tomadas pelos conselhos; b) o
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número de deliberações dessas instâncias fica entre médio e alto; c) as deliberações dos
conselhos têm influência média ou alta nas decisões das secretarias municipais aos quais os
conselhos estão vinculados.
Fica evidente que, por meio do survey, há nítido alinhamento entre o mercado (que se
anuncia como Sociedade Civil) e o poder público, o que denota existir práticas
patrimonialistas (apropriação do público pelo privado), clientelistas (privilégios que
fomentam apoio) e corporativistas (interesses setoriais) (NUNES, 2010).
A dinâmica interna das reuniões do conselho, em 2013, privilegiou a análise de
Relatórios de Impacto de Vizinhança (RIVs), cujo objetivo contido no PD é de garantir
consonância entre as intervenções urbanísticas, as construções, a legislação e os instrumentos
urbanísticos vigentes. Entretanto, essa instância deveria ter dispensado o tempo necessário
para o debate sobre a regulamentação dos instrumentos urbanísticos contidos no PD de 2006,
como era o caso do IPTU progressivo. A real efetividade do PD de 2006 dependia da
regulamentação de seus instrumentos em legislação específica, o que até a ocasião não havia
se estabelecido.
Fica claro que, considerando as relações políticas destacadas no Conselho de
Planejamento e Gestão Territorial de Maringá, impera uma representação funcional ou
orgânica, que parte de interesses específicos (categorias profissionais ou de mercado, por
exemplo), em detrimento de uma representação com base em interesses gerais, conhecida
como representação fiduciária (BOBBIO, 2007). Neste caso, verifica-se que esta realidade se
fundamenta no princípio de representação que, segundo Bobbio (2007), estrutura-se no
interesse específico, funcional e não no interesse geral.
Cabe pontuar que os representantes podem ser autorizados de diferentes maneiras
(pelo conhecimento técnico, pelo carisma ou liderança em um setor econômico ou categoria,
etc), o que pode refletir diferentes interesses e culturas das comunidades/entidades
representadas.
Apesar de a representação poder auferir legitimidade enquanto dotada de
conhecimento técnico, faz-se imprescindível o crivo público, daqueles que estão sendo
representados. Percebe-se que, embora, no caso da representação da UEM, por exemplo, o
processo de escolha ter transitado pelo reduto funcional, pela categoria docente-pesquisador,
ele é sustentado pelo crivo público, via exercício de racionalidade técnica realizado por meio
de pesquisas e de projetos de extensão (em função de demandas sociais), bem como pela
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UEM se perfazer como uma instituição dotada de reconhecimento público enquanto espaço
do saber que se fundamenta na defesa do bem comum. Nesse sentido, no caso do conselho
estudado, ficou evidente que a UEM é a única instituição que chega a se contrapor aos
interesses de mercado.
A qualidade da representação nos espaços participativos poderia ser melhor se os
custos de uma tomada de decisão, mais democrática, fossem realmente assumidos. Ou seja,
segundo a conselheira entrevistada, não é possível garantir uma representação efetiva quando
não se tem tempo para maturar com os representados o significado de determinadas questões
que estão em jogo. Por esse motivo, faz-se necessário assumir coletivamente o custo do tempo
da decisão mais democrática.
Além da legitimidade da representação se construir na relação entre representante e
base representada, ela também se estabelece na relação construída entre as instituições e o
conselho gestor. Mas, para isso acontecer, o primeiro exercício de representação, estabelecido
pela relação entre representados e representante, precisa estar dotado de legitimidade. É sobre
esta perspectiva que falaremos agora.
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experiências dentro dessas organizações que permitirão o embate e debate deste conselheiro
junto aos demais atores sociopolíticos para a defesa das demandas e/ou das questões que
podem ser evidenciadas por suas bases ou pelo seu olhar como representante de determinado
segmento governamental ou não governamental.
Uma das grandes discussões que se estabeleceu em torno da representação no
ConCidades, ao longo do período pesquisado (2008 – 2011), está ligada diretamente ao poder
público e se refere à indicação pelas administrações públicas de servidores concursados para
tentar garantir a efetivação da representação. Isso significa que o quadro efetivo de
concursados da prefeitura, do estado e/ou da federação, possuem conhecimento específico
sobre uma dada política pública, o que é muito pertinente para o exercício da representação
nos conselhos gestores. A prática profissional desses servidores públicos ofereceriam
contribuições técnicas mais apuradas e contundentes nos processos de discussão realizados
pelos conselheiros.
A pesquisa apreendeu que 35,5% dos representantes governamentais, do ConCidades,
ocupavam cargos comissionados no poder público, sendo que destes 72,8% estão alocados
nos municípios e 27,2% no poder público estadual. Em sua maioria, os representantes que não
ocupam cargos comissionados correspondem aproximadamente 55% dos entrevistados.
O entendimento é que existem diferenças de comportamento e percepção da política
pública entre aqueles que exercem cargos comissionados e de confiança mais afetos a uma
determinada plataforma política e aqueles funcionários de carreira, em geral mais
familiarizados com o cotidiano da política.
Já sabemos que ao longo da história o poder público tem interferido diretamente nas
ações de organizações não governamentais, muitas vezes devido à troca de favores existentes
nas relações sociopolíticas entre ambos. Estar em contato com o poder público pode significar
ao conselheiro não governamental acesso fácil aos órgãos públicos e respostas mais imediatas
para problemas vivenciados pela sua instituição. Contudo, é muito comum o representante
não sustentar a defesa de seus pares. Isso ocorre quando falta interlocução dos conselheiros
com suas bases (ABRANCHES e AZEVEDO, 2004). O que frequentemente prevalece é a
defesa de interesses próprios na condução dos trabalhos existentes no conselho, vinculados à
troca de favores, fragilizando a defesa dos interesses da instituição que representa, seguindo a
lógica clientelista (NUNES, 2010).
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Não é difícil encontrar conselheiros da sociedade civil que ocupam cargos públicos,
sejam no âmbito municipal, estadual ou federal. No ConCidades, encontra-se esta situação em
que membros da sociedade civil exercem cargos públicos como assessores ou secretários,
com vínculos de cargos de confiança, tanto no poder legislativo, quanto no poder executivo.
Dos entrevistados, 35% exercem cargo de confiança, dos quais 73% representam governo e
27% sociedade civil. Esta configuração denota a dificuldade que o Estado tem tido para
partilhar o poder de decisão (TATAGIBA, 2002).
Quando observado problemas dessa magnitude, uma das alternativas possíveis é a
troca do conselheiro por parte da sua instituição, para que não ocorra dualidade de funções ou
representações (representando o governo e a sociedade civil ao mesmo tempo) junto ao
exercício do controle social. Para tanto, o trabalho de base, realizado pelas entidades, é de
fundamental importância para a fomentação de consciência coletiva. “A força de um
determinado seguimento no conselho está também vinculada à sua base social e à sua
capacidade de mobilização e proposição na cena pública” (SANTOS, 2004. p.155).
O próprio processo de escolha do representante, por parte da entidade, para compor o
conselho, pode ocorrer por meio da falta de atenção/conhecimento sobre a formalidade do
processo, bem como a falta de sensibilidade desta em relação ao exercício democrático. Tais
escolhas, quando se trata de representações da sociedade civil, devem ser realizadas em
assembleias ou fóruns específicos, por meio de conferências, sejam elas nacionais, estaduais
ou municipais. Com referência a representação do poder público, o mesmo acontece por meio
de indicações e não necessariamente nos espaços das conferências. Contudo, mesmo sendo
indicados pelo poder público, os representantes governamentais precisam ser referendados
pela sociedade nas conferências. Pois, de acordo com Gohn (2004), os princípios
democráticos se concretizam quando há trabalho de base que dê legitimidade.
Quando se trata da percepção e/ou informação dos conselheiros sobre como foi
escolhida sua indicação para compor o conselho, 67,7% dos entrevistados responderam que
conhecem o processo e a legislação que o ampara. No entanto, a preocupação aparece quando
vemos que 12,9% disseram, equivocadamente, que o processo acontece por meio da
negociação entre a organização e o poder público. Além disso, outros 22,6% não sabem quais
são os critérios de escolha de entidades para a composição do conselho. Em suma,
considerando que o processo de escolha é o ponto inicial para o exercício da representação e
que uma parte significativa dos conselheiros em exercício não consegue definir precisamente
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intuito de que suas deliberações, mesmo que propositivas, alcancem resultados satisfatórios
para a superação dos problemas existentes dentro das políticas urbanas. Especialmente, se
considerarmos que:
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7. Considerações Finais
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efetividade.
Nesse sentido, o que essas experiências nos contaram sobre a legitimidade da
representação construída pelas relações entre representante e representado e entre instituição e
conselho?
No âmbito do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial, a leitura é de
há, em parte, um exercício orgânico no campo da representação, dotado de legitimidade,
exercido fortemente por meio do segmento mercado imobiliário/empresários. No entanto,
nesta mesma arena, o exercício de representação dos demais atores (inclusive a comunidade
epstêmica) que integram o conselho, estabelece-se de modo frágil, ou seja, por meio de uma
participação social frequentemente subordinada aos poderes locais dominantes, representados
fortemente pelo mercado imobiliário (detentor da voz hegemônica).
Já, em relação ao ConCidades, o exercício de representação se estabelece fragilizado
(sem legitimidade), sob forte domínio do poder público infiltrado na sociedade civil, por meio
de cargos comissionados. Verifica-se que há empenho por parte do governo no sentido de
intervir na composição e indicação de membros do conselho, instituindo uma prática que,
segundo Tatagiba (2002), denota uma recusa do Estado em partilhar o poder de decisão
Pela proximidade da comunidade local, os conselhos gestores poderiam exprimir
relações políticas mais bem autorizadas e controladas. No entanto, na prática, é pertinente
destacar que apesar da proximidade física dos agentes que se colocam nesta relação de
representação política – seja como representante ou como representado – , constata-se que não
necessariamente tem-se o representante como uma figura legítima da atividade de representar
(isso ocorre quando não existe a interlocução entre representante e representado que justifique
a representação). O que se constatou foi o prevalecer de uma representação corporativista e
patrimonialista em decorrência de um alinhamento entre interesses de mercado e poder
público estatal, no caso do CMPGT, em Maringá, e a pouca legitimidade do poder de
representação da sociedade civil no Conselho, no caso do ConCidades, devido a prática de
representação dual construída pelo próprio Estado (quando da cooptação, por parte deste, de
representantes não governamentais), com o objetivo de minar o poder de contestação da
sociedade civil.
Mesmo diante de limites de diversas ordens, os conselhos gestores exercem papel
fundamental ao proporcionarem aos atores sociopolíticos espaços institucionalizados para o
exercício da participação e representação, sobretudo, por legitimarem as diversas formas de
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DOI:
RESUMO
Os Arranjos Produtivos Locais (APL) representam os agentes econômicos, políticos e sociais
presentes em um mesmo território, que estabelecem uma inter-relação no exercício de suas
atividades, cooperando e competindo entre si, para alcançar diferenciais competitivos que se
estendam por toda a cadeia, com a tutela do Estado como órgão de apoio e fomento. Este trabalho
tem o objetivo de apresentar, preliminarmente, as características gerais que compõem o APL de
Lácteos de São Luís de Montes Belos-GO, por meio de levantamento bibliográfico e análise de
informações disponibilizadas pelo Grupo de Trabalho Permanente em Arranjos Produtivos Locais.
Verifica-se que a formalização do APL de Lácteos de São Luís de Montes Belos é fruto do
diagnóstico da realidade socioeconômica da microrregião, que tem como carro-chefe a pecuária de
leite, proporcionando, de forma gradativa, melhor estruturação da cadeia em todos os seus elos, de
maneira a torná-la mais competitiva. Todavia, o grau de desenvolvimento do APL está
intrinsecamente relacionado aos princípios do capital social e de como os agentes envolvidos
cooperam entre si.
Palavras-chave: Cooperação. Rede. Capital social.
ABSTRACT
Local Productive Arrangements (APL) represent the economic, political and social agents present
in one same territory and establish an interrelationship in their activities of cooperation and
competition with each other, in order to obtain competitive differentials that can be extended
throughout the local chain, protected by the state as an organ of support and fomentation. This
work aims to present a preliminary analysis of general characteristics that composes the dairy APL
in São Luís de Montes Belos – GO. Analysis were conduced through bibliographic search and
collected information provided by the Permanent Working Group on Local Productive
Arrangements. Formalization of the Dairy APL in São Luís de Montes Belos results from this
micro-region socioeconomic reality, that works essentially with dairy cattle, gradually improving
the whole chain structure and making it more competitive. However, APL‟s development degree is
intrinsically related to social capital principles and cooperation of agents involved in it.
Keywords: Cooperation. Network. Social capital.
_
¹ Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]
² Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]
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1. Introdução
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Coopetição é um misto de competição e cooperação. Para mais detalhes sobre a temática, ver Paiva (2013).
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No Brasil, a partir do ano 2000, uma nova forma de ação política de incentivo
industrial ganhou força, impulsionada pelas experiências exitosas dos distritos industriais
italianos e do Vale do Silício, nos Estados Unidos, principalmente os distritos italianos, que
proporcionaram um exemplo de dinamismo às empresas presentes, com adoção de ações de
cooperação entre os diversos agentes econômicos locais (OLIVEIRA, 2009).
Tais fatores de integração entre empresas e Estado possibilitaram desenvolver novos
meios e políticas que proporcionem vantagens competitivas sustentáveis, valorizando e
otimizando as particularidades produtivas de cada região. Inserem-se, portanto, ações
programadas pelos setores público e privado, fundamentadas no conceito de utilidade das
políticas elaboradas e de estratégias de atuação, respectivamente. Nesse sentido, os Arranjos
Produtivos Locais (APL) surgem como alternativa de fomento ao desenvolvimento regional
(OLIVEIRA, 2009).
A base para a formação dos APL consiste em uma forma diferenciada de se analisar
uma atividade produtiva, enxergando-a como parte de um conjunto de elementos econômicos,
políticos, sociais e ambientais dispostos em um mesmo território e com potencial de
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[...] Art. 2o A Rede Goiana de Apoio a Arranjos Produtivos Locais, criada por este
Decreto, tem por finalidade empreender ações que objetivam a:
I - estabelecer, promover, organizar e consolidar a política estadual de inovação
tecnológica local, através da constituição e o fortalecimento de Arranjos Produtivos
Locais;
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e tácito e coordenação social. Considerando essas vertentes, optaram por apoiar uma atividade
de destaque e existente na região.
Num segundo momento, foram identificadas as três fundamentais atividades
econômicas da região Oeste e a correlação de cada uma na formação de riquezas e na
quantidade de empresas de processamento atuando no conjunto de municípios, visando
compreender o dinamismo do setor conforme contornos locais. Com base nesses fatores,
identificou-se como setor da economia mais importante da região o agropecuário. As
atividades mais relevantes são bovinocultura de leite, bovinocultura de corte e mandiocultura
(SEPLAN, 2003).
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Por meio das ações conjuntas estrutura-se o APL Lácteo, como demonstrado na Figura
2, com a atuação dos seguintes atores: na parte interna do anel estão as instituições de classe
que representam os agentes expostos no centro, que compõem as bases do APL. Na parte
externa estão as instituições de suporte que não estão sediadas na microrregião de São Luís de
Montes Belos, mas que firmaram compromisso de parceria e apoio para o desenvolvimento
do arranjo.
Analisando a realidade dos 18 municípios que compõem o APL, verificou-se, ainda,
que existem cerca de 5.000 produtores de leite que destinam sua produção ao mercado para
fins de comercialização, captada por 14 empresas de laticínios, estando 11 delas presentes na
microrregião e três outras na grande Goiânia. Os outros integrantes do arranjo são empresas
fornecedoras de insumos agropecuários, instituições de ensino técnico-profissional de nível
pós-médio e superior, organizações de classe, dirigentes lojistas, instituição de crédito (Banco
do Brasil) e prefeituras municipais.
Conforme dados obtidos sobre a forma como estão distribuídas as pessoas que atuam
na cadeia de lácteo na região, constatou-se que mais de 11.000 pessoas estão inseridas em
algum elo da cadeia produtiva de leite, distribuídos da seguinte maneira: 5.063 produtores de
leite, 682 colaboradores e gestores de indústrias de laticínios; os demais estão alocados à
montante da cadeia produtiva de leite, atuando em casas agropecuárias (23), fábricas de ração
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(12), assistência técnica (01), venda de máquinas e equipamentos agrícolas (03), instituições
de ensino (04).
Fonte: Elaborado pela autora, em 2015, com base nos dados fornecidos pela Seplan (2003).
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O tema capital social é um campo do conhecimento que não pertence a uma área
específica, com definições relacionadas à sociologia, à economia e às ciências políticas. Na
década de 1980, se iniciaram as discussões mais relevantes entre capital social e
desenvolvimento humano e econômico de países e regiões, decorrente das relações sociais
estruturadas em confiança, normas e redes. Os autores referenciais para elaboração e
disseminação do conceito de capital social são Pierre Bourdieu (1980), James Coleman (1988,
1990) e Robert Putnam (1993) (COSTA; COSTA, 2005).
O princípio de capital social está centrado na sua intangibilidade, que, diferentemente,
do capital material, que se desgasta mediante o uso, o capital social se potencializa. Não há
um conceito único e imutável, mas, em linhas gerais, refere-se ao alcance de objetivos
comuns por meio de ações desenvolvidas conjuntamente. Desse modo, o capital social
decorre de uma rede durável de fatos coletivos ligados a relações de confiança e reciprocidade
(PAIVA, 2013).
As características que singularizam os APL são aglomerados de empresas relacionadas
entre si, conforme limites geográficos e setoriais. Contudo, é preciso estabelecer relações
harmônicas entre os diversos membros sociais que atuam na coordenação desses agentes
econômicos. Dessa forma, um aglomerado de empresas não configura, por si só, um APL, é
imprescindível que haja relação de cooperação entre os agentes locais (COSTA; COSTA,
2005).
De acordo com Pereira, Carniello e Santos (2010), o capital social decorre de grupos
sociais como família, associações, bairros ou municípios, visando canalizar propósitos
comuns entre os membros, de forma a estabelecer e fortalecer relações de confiança e
reciprocidade. Nesse cenário, as relações sociais são o alicerce para o desenvolvimento e o
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crescimento econômico distributivo, cabendo aos agentes públicos fomentar e implantar tais
ações.
Nessa perspectiva, o capital social surge como elo que facilita as relações naturais
entre organizações que vão sendo sistematizadas à medida que aumentam e facilitam as
relações dentro do grupo e entre grupos. Esses mecanismos promovem, por meio de ações
conjuntas, a obtenção igualitária de vantagens competitivas, que podem ser mensuradas
através da análise dos seguintes eixos: grupos e redes, confiança e solidariedade, ação coletiva
e cooperação, informação e comunicação, coesão e inclusão social e autoridade ou
capacitação (empowerment) e ação política.
3. Considerações Finais
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REFERÊNCIAS
ABDALA, K. O.; RIBEIRO LEE, F.; FIGUEIREDO, R. S. Expansion of sugar-alcohol sector
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CAMPOS, R. et al. (Org.). Políticas estaduais para arranjos produtivos locais no Sul, Sudeste
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RG-APL – Rede Goiana de Apoio aos Arranjos Produtivos Locais. Panorama dos APLs de
Goiás. APL Lácteo de São Luís de Montes Belos. Goiânia: SECTEC, 2012.
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DOI: 10.18829/rp3.v11i2.26601
RESUMO
Este estudo se dedica à análise da política pública de ensino a distância com foco na implementação dos
cursos de Administração Pública e Letras-Português, desenvolvidos pelo Centro de Educação a
Distância da Universidade Federal de Lavras em parceria com a Universidade Aberta do Brasil. Desta
forma o objetivo foi compreender o processo de implementação segundo a percepção de diferentes
atores pertencentes ao quadro da Universidade, que estão envolvidos com a implementação dos cursos,
e os coordenadores dos polos de apoio presencial dos municípios onde os mesmos são ofertados. A
metodologia utilizada para esta investigação foi a análise qualitativa a partir da utilização dos métodos
de estudo de caso e entrevista semiestruturada. O estudo apresentou as facilidades e dificuldades que os
implementadores precisam monitorar para que a política pública possa atingir seu objetivo, destacando-
se o trabalho articulado entre as equipes e o processo de institucionalização do ensino a distância no
âmbito da universidade.
Palavras-chave: políticas públicas, implementação, ensino a distância.
ABSTRACT
This study is dedicated to the analysis of the public policy of distance learning focused on the
implementation of the courses of Public Administration and Portuguese Letters, developed by the
Center for Distance Education of the Federal University of Lavras in partnership with the Open
University of Brazil. In this way the objective was to understand the implementation process according
to the perception of different actors belonging to the University, who are involved with the
implementation of the courses, and the coordinators of the in-person support centers of the
municipalities where they are offered. The methodology used for this investigation was the qualitative
analysis based on the use of case study methods and semi-structured interviews. The study presented the
facilities and difficulties that the implementers need to monitor so that the public policy can reach its
objective, highlighting the articulated work between the teams and the process of institutionalization of
distance education within the university.
Keywords: public policies, implementation, distance learning.
___________
¹ Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]
² Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]
³ Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]
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Universidade Federal de São João Del Rei. E-mail: [email protected]
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1. Introdução
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Este artigo foi estruturado de modo a apresentar: as noções sobre políticas públicas,
implementação e a política de ensino a distância; os procedimentos metodológicos utilizados
na pesquisa; os resultados acerca do processo de implementação dos cursos a distância de
Administração Pública e Letras-Português na perspectiva dos agentes implementadores.
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política, de um plano administrativo para a prática, cujas ações são complexas e dependem da
interação com o processo de planejamento já estabelecido.
As vicissitudes e obstáculos encontrados nesta fase derivam, principalmente, da
capacidade institucional dos agentes implementadores e das disputas políticas (FERREIRA,
2011; MARTES et al, 1999). Estas disputas, segundo Lotta (2008), advêm da diversidade de
instituições e atores envolvidos no processo de implementação que projetam em suas
preferências e estratégias, valores e princípios diferenciados, que acabam por influenciar as
decisões e geram conflitos.
Neste sentido, segundo Hill (2003), os implementadores possuem várias possibilidades
de implementação e precisam saber qual utilizar porque suas ações alteram os resultados de
uma política de forma direta, assim como os demais fatores que incidem sobre este processo
como, por exemplo, escassez de recursos. E Nogueira (2006) aponta dois elementos
dificultadores da implementação: o agir discricionário dos implementadores que estão na
ponta do processo; e o fato dos programas estarem inseridos em ambientes dinâmicos que
demandam revisões constantes de objetivos e estratégias. Neste sentido Freeman (2013)
ressalta outros elementos que se revelam como armadilhas do processo de implementação
como, por exemplo, falta de especificação; conflito de objetivos e instruções; competências
inadequadas e/ou limitadas.
E, de acordo com Fisher et al (2007), um processo ideal de implementação deve
apresentar os seguintes elementos: especificação dos detalhes do programa como, por
exemplo,quais agência irão participar; a alocação dos recursos de forma a verificar, por
exemplo, como o orçamento será distribuído; e a definição sobre quais serão as decisões a
serem tomadas frente ao surgimento de casos isolados.
Esta fase pode ser compreendida a partir de dois modelos principais. O primeiro
modelo é o chamado top-down onde é possível a visualização clara de que as fases de tomada
de decisão e implementação são consecutivas, ou seja, os tomadores de decisão se
diferenciam dos implementadores, pois detém o monopólio para a formulação de políticas
públicas e pautam suas escolhas baseados na racionalidade técnica mesmo diante de situações
em que deveriam negociar com a sociedade (SARAVIA, 2009). Assim, o processo de
formulação se perfaz pela lógica da atividade política enquanto a fase de implementação
representa uma prática administrativa (LIMA; D'ASCENZI, 2012).
O segundo modelo é
denominado botton-up e se caracteriza por garantir maior liberdade para que os atores
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4. Metodologia
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Coordenadores de Polo (sendo 2 de cada curso Gerenciamento dos polos de apoio presencial e
cujo critério de escolha foram os polos que possuíam articulação de ações com prefeituras, CAPES/UAB e
maior e menor número de alunos) CEAD/UFLA
E na análise qualitativa dos dados, as abstrações foram construídas a partir dos dados,
cujo processo interpretativo possui três estágios que consistem em descrever, dar sentido ao
dado e argumentar, onde os comentários, de acordo com Cowie (2009), devem expressar de
maneira clara as conexões entre as ideias propostas, já que o sucesso da análise está
relacionado diretamente à maneira como os códigos e temas são identificados e desenvolvidos
(ALENCAR, 2000). O próximo tópico é destinado à análise dos dados levantados pela
pesquisa.
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“Acho que houve um avanço muito grande com a institucionalização desses cursos
porque antes a UAB era considerada uma universidade a parte, funcionava como se
fosse uma pró-reitoria de graduação ou pós-graduação, e não tinha muita interação
com o restante da universidade. Isso avançou muito, hoje, por exemplo, a carga
horária que o professor se dedica aos cursos a distância são incorporados aos seus
relatórios semestrais” (Relato do entrevistado 5).
“Nós temos autonomia dentro da mobilidade que o PNAP permite, porque ele não
permite uma mobilidade muito grande já que minha grade é engessada. Não adianta
querer oferecer uma disciplina que o PNAP não contempla porque eu fiz um acordo,
nós entramos dentro desse programa e a gente tem que respeitar o programa”. (Relato
do entrevistado 8).
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otimização de processos ao longo das novas implementações dos cursos oferecidos pelo
CEAD/UFLA, inclusive para o curso de Letras-Português.
Por isso, o curso de Letras-Português possui mais dificuldade na escolha e contratação de
tutores e professores, que muitas vezes residem em locais distantes e, por isso, algumas ações
como, por exemplo, as capacitações e discussões acerca da produção do material didático, são
mais dificultosas. Este fato representa um problema evidenciado por Freeman (2013) que é a
limitação das competências para a efetiva implementação de uma política. Tal fato não ocorre
no curso de Administração Pública que tem facilidade na contratação de tutores devido a
presença dos cursos de pós-graduação no departamento no qual o mesmo está vinculado como
também pelo número considerável de docentes que o compõem.
Os dois cursos já sofreram interrupção de oferta. No curso de Administração Pública a
decisão foi tomada no ano de 2012, devido a incerteza do panorama de financiamento
nacional da política e no curso de Letras-Português optou-se pela interrupção da oferta no ano
de 2013 devido ao processo de reestruturação do departamento que comporta o curso.
A gestão estrutural e pedagógica dos cursos é desenvolvida de maneira semelhante,
porém, cada departamento tem liberdade para instituir suas diretrizes e normatizações que
formam o projeto pedagógico dos cursos. Aqui torna-se evidente que os agentes tem a
possibilidade de escolherem a melhor forma de implementação (HILL, 2003), mas as ações
precisam ter interação direta com o que foi estipulado na fase de planejamento destas
políticas, como evidencia Oliveira (2006), de forma que o agir discricionário das equipes de
implementação não se tornem um problema, conforme evidencia Nogueira (2006) e a política
perca sua razão de ser inicial e seus objetivos não sejam contemplados.
E a gestão dos recursos financeiros é desenvolvida de maneira igual, já que a mesma
depende da atuação direta da coordenação UAB e da universidade para otimizar esta gestão.
Os entrevistados revelaram que os recursos são suficientes para a implementação dos cursos,
mas é necessário um bom planejamento para a execução das planilhas. A margem de
negociação deve seguir parâmetros rígidos e é possível fazer ajustes posteriores à criação dos
cursos, devido ao grau de imprevisibilidade que envolve o processo de implementação. Neste
sentido, os entrevistados relatam que:
“Até o momento eles (recursos) estão sendo suficientes, a gente tem conseguido negociar com a
CAPES, dentro dos limites que ela impõe, uma quantidade de tem nos dado tranquilidade para
ofertar os cursos”. (Relato do entrevistado 5)
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“Para um curso de quatro anos eu negociar uma planilha anual é algo que me preocupa porque eu sei
o que vai acontecer esse ano, mas não sei o que vai acontecer no ano que vem”. (Relato do
entrevistado 1)
É preciso destacar também que a gestão destes recursos requer uma grande expertise da
equipe responsável para a realização de adaptações no gerenciamento dos mesmos.
Em se tratando da política pública de EAD, a interação entre os atores ocorre em duas
categorias distintas: os que atuam em âmbito administrativo e outros que atuam no âmbito
pedagógico. Partindo da análise dos atores de caráter administrativo, destaca-se a
CAPES/UAB como um ator de cunho estratégico, por ser responsável pela criação das
diretrizes normativas principais dos cursos, cuja observância é destacada na seguinte fala:
“A gente tenta seguir ao máximo o que já tá definido até porque se você foge muito do que já tá
definido, se alguma coisa não der certo é você que vai ter que responder por aquilo... Então a gente
tem que realmente tentar ver quais são as regras, como é feita a implementação, o que a CAPES
sugere e o que a UAB sugere”. (Relato do entrevistado 2)
Tal observância pode contribuir para o alinhamento das ações dos atores envolvidos,
aumentando a chance de sucesso da implementação. Porém, a existência de regras rígidas não
contribui para a operacionalização das políticas porque minimiza a flexibilidade dos
implementadores no sentido de melhor ajustar suas ações.
Outra função da CAPES/UAB é o financiamento e, por isso, este é o ator destacado por
alguns entrevistados como o mais relevante para o processo de implementação, conforme se
percebe pelas seguintes falas:
“Tudo se inicia com a CAPES, com as políticas de financiamento porque nada funciona sem
financiamento... então tudo se inicia com as políticas públicas e no caso a CAPES, ele dando o apoio
necessário para que o curso funcione” (Relado do entrevistado 6)
“Sempre a CAPES tem mais voz na parceria porque sem o conteúdo financeiro não é possível fazer
nada acontecer” (Relato do entrevistado 8)
Já no que diz respeito ao CEAD/UFLA destaca-se sua função articuladora: além de ser
responsável por grande parte da execução da política de implementação no âmbito da
universidade, é também o elo entre os demais atores, CAPES/UAB e polos. Assim, o CEAD
tem a função principal de capitanear os recursos oriundos da CAPES/UAB e administrar a
implementação dos cursos em parceria com os departamentos acadêmicos e gestores da
universidade como, por exemplo, a pró-reitoria de graduação e as instâncias superiores de
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“Os polos tem dado muita preocupação para o sistema... As prefeituras ainda têm uma relação muito
distante do sistema e com um interesse, um olhar mais local, o que é justificável. O prefeito tá
preocupado e o secretário de educação tá preocupado com as coisas do município”. (Relato do
entrevistado 1)
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nos cursos para que seja possível a manutenção do nível esperado das ações que tem foco no
ensino e aprendizagem.
Outra questão que é de grande relevância para a implementação de uma política
pública é o financiamento dos processos e, no caso da política pública de ensino a distância
tal financiamento se revela como uma questão que requer grande atenção dos
implementadores.
Assim, diante da análise proposta neste estudo percebeu-se que as ações de cunho
mais padronizado são aquelas relacionadas diretamente ao CEAD/UFLA, devido ao
desenvolvimento de um modelo próprio de gestão de cursos a distância que facilita e otimiza
os processos que compõem esta modalidade de ensino.
A análise do processo de implementação dos cursos analisados revela a necessidade
de realinhamento de alguns pontos relevantes como, por exemplo, os critérios de
financiamento de forma que os gestores tenham mais tranquilidade para desenvolver o
planejamento dos cursos-, o melhor gerenciamento dos processos gerenciais e pedagógicos e
a interação dos atores visando o sucesso da implementação dos cursos.
Verificou-se que os processos de formulação e implementação são consecutivos,
sendo que na formulação não há participação de todos os atores implementadores já que as
decisões são tomadas no âmbito do MEC. E que regramentos rígidos não contribuem para o
sucesso da implementação tendo em vista a necessidade de reformulações ao longo da
implementação para que a política alcance seu objetivo. Como exemplo, destaca-se o
realinhamento do financiamento dos cursos frentes às novas demandas, como turmas
especiais, que não tinham sido previstas previamente e que não podem deixar de serem
atendidas.
A pesquisa revelou que caraterística dos agentes implementadores com relação ao seu
agir discricionário é capaz de influenciar positiva ou negativamente toda a cadeia de
implementação. Assim, é necessário que os atores envolvidos na implementação dos cursos
tenham conhecimento pleno das ações que precisam desenvolver e, principalmente, de que o
modo com que as mesmas são realizadas ou não são decisivas para o sucesso da
implementação dos cursos. Como exemplo, a pesquisa revelou que a inação de algumas
prefeituras tem contribuído diretamente para que o respectivo polo de apoio presencial tenha
grandes dificuldades em cumprir suas demandas relativas ou processo de implementação dos
cursos.
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6. Conclusão
Considerando que muitos estudos têm sido realizados sobre a dimensão pedagógica
dessa política pública enquanto modalidade de ensino, esse estudo procurou abordar
elementos de naturezas diversas que permeiam a sua implementação, o que denota a
complexidade de atores e relações que se apresentam na gestão de dois cursos de EAD.
Desta forma, a política pública de ensino a distância é de grande relevância para o país
ao promover a expansão do ensino superior. Trata-se de uma política de governo de caráter
distributivo, que pode se tornar uma política de Estado devido a sua função estratégica de
expansão da educação para todo o território nacional. Porém, para que este fato aconteça é
necessário que a política se solidifique com relação aos critérios de financiamento,
principalmente, de forma que as mudanças de governo não sejam fatores capazes de
interromper as ações.
A partir das entrevistas realizadas com os agentes implementadores dos dois cursos em
análise tornou-se possível destacar que, de modo geral, a implementação dos mesmos possui
característica híbrida, com parâmetros dos modelos top down e botton up, já que as decisões
estratégicas ficam a cargo da CAPES/UAB e os implementadores buscam seguir estas
diretrizes de forma precisa, porém, também é permitido que os mesmos busquem adequações
aos processos pedagógicos e de financiamento, por exemplo, da forma que melhor entendam
ser efetiva para que os objetivos sejam alcançados.
Observou-se que, para a otimização dos processos de implementação dos cursos é
necessário que a política seja reestruturada com relação aos padrões de financiamento, no
sentido de ampliar o horizonte de tempo, ou seja, que a negociação não vise contemplar
apenas um ano das ações dos cursos, mas todos os anos necessários para a formação dos
alunos. O tratamento desta questão assegura a continuidade dos cursos e, consequentemente,
gera maior tranquilidade para que os atores implementadores desenvolvam suas funções.
Porém, o modelo atual de gestão do ensino a distância não assegura tal continuidade, sendo
este um fator de vulnerabilidade desta política.
Com relação aos atores da cadeia de implementação estudados, os mais frágeis são os
polos porque dependem essencialmente de recursos municipais para infraestrutura tanto
administrativa quanto acadêmica. Assim, a atuação dos polos é prejudicada em sua grande
maioria pela falta de recurso do município ou pela falta de vontade política em desenvolver as
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ações, mesmo a gestão pública municipal tendo assinado o acordo de cooperação junto a
CAPES/UAB. Para minimizar esta situação, a CAPES/UAB propôs um novo sistema de
financiamento para os polos, onde os mesmos poderão receber os recursos de maneira direta
através do programa Dinheiro Direto na Escola, que vai demandar estudos futuros que
busquem avaliar a efetividade ou não desta medida na resolução desta questão.
Este estudo também revelou ser essencial para o sucesso da implementação dos cursos
a interação dos atores e a compreensão dos mesmos com relação aos objetivos de suas
funções como também suporte e capacitação para o trabalho.
Já no âmbito do CEAD/UFLA, a institucionalização do ensino a distância na
universidade foi o marco de maior importância porque possibilitou a aproximação dos
departamentos acadêmicos para o desenvolvimento de ações conjuntas de implementação, já
que os cursos obrigatoriamente devem ser vinculados aos mesmos, e a maior qualidade dos
cursos devido à expertise do corpo docente.
Através da análise das entrevistas, foi possível constatar que a implementação dos
cursos no CEAD/UFLA alcançaram o sucesso devido ao trabalho articulado das equipes
multidisciplinares, a preocupação constante com a qualidade, a efetividade das ações e a boa
interação com os parceiros responsáveis pela implementação dos cursos. E mesmo diante da
obrigação de cumprir os regramentos da CAPES/UAB, tem conseguido desenvolver um novo
padrão de gestão de cursos a distância baseado, principalmente, nas habilidades e experiências
dos implementadores que estão em constante revisão dos processos e ações para que os
beneficiários tenham um serviço de qualidade. Assim, restou-se comprovado que, no âmbito
do ensino a distância, a padronização das ações de implementação são importantes para
manter a qualidade dos cursos, desde que esta padronização não seja sinônima de
engessamento total.
Desta forma, espera-se que este estudo contribua para o fomento de mais pesquisas
sobre a temática principalmente no sentido de reavaliar as ações destacadas e propor novas
soluções para a otimização e ampliação da política pública de ensino a distância no país.
9. Referências
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PEREIRA, J. R. (Org.). Gestão Social de Políticas Públicas. Lavras, Editora UFLA, 2011.
81
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Eric Sabourin¹
DOI: 10.18829/rp3.v11i2.28706
RESUMO
O artigo trata da aplicação do enfoque da governança multi-nível ao desenvolvimento rural no
Brasil. A primeira parte faz uma revisão da teoria da governança multi-nível e das suas
evoluções. A segunda apresenta os dispositivos de governança multi-nível intermunicipais no
Brasil: os consórcios e os territórios. Os consórcios intermunicipais de desenvolvimento foram
criados para financiar infraestruturas sociais setoriais (saúde, saneamento, educação) antes de
ser reconhecidos pela constituição federal. As politicas de desenvolvimento territorial são mais
recentes; começaram a ser discutidas no fim dos anos 1990 e aplicadas nos anos 2000. A
terceira parte tira alguns ensinamentos de um estado de caso no Norte do Estado do Mato
Grosso onde os dois dispositivos foram aplicados na mesma região para o apoio a agricultura
familiar. Analisa os avanços e as dificuldades dessas politicas em termos e coordenação entre
atores e níveis e governos.
Palavras-chave: governança multi-nível, intermunicipalidade, desenvolvimento rural territorial,
ação pública, participação.
ABSTRACT
The article deals with the application of multi-level governance approach to rural development
in Brazil. The first part reviews the multi-level governance theory and its developments. The
second presents the inter-municipality multi-level governance devices in Brazil: the consortia
and territories. The development consortia were created to finance social infrastructure sector
(health, sanitation, education) before being recognized by the federal constitution The
territorial development policies are more recent; they began to be discussed in the late 1990s
and implemented in the 2000s. The third part takes some lessons from a study case in the north
of Mato Grosso State in which the two devices were applied in the same region to support
family farming. it analyzes the advances and difficulties of these policies in terms of
coordination among actors and governments levels.
Keywords: multi-level governance, inter-municipality, territorial rural development, public
action, participation.
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¹ Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]
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1. Introdução
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de política pública do Brasil que correspondem a essa problemática. A terceira parte discute a
sua aplicação ao desenvolvimento rural brasileiro a partir de um estudo de caso no Estado do
Mato Grosso. Trata das interações a raiz da aplicação na mesma região do Portal da
Amazônia, do Programa dos territórios rurais do MDA e do Programa MT Regional do
Governo do Estado do Mato Grosso (MT), baseado nos consórcios intermunicipais de
desenvolvimento. Os resultados provem de dois projetos de pesquisa o projeto FP7 Diálogos
e do projeto CNPq-Cirad-UnB Renovação da Ação Publica Territorial.
O acompanhamento dessas duas experiências examinou quatro modalidades de
coordenação entre atores multi-níveis: i) o peso das normas da constituição federal ii) o papel
dos atores coletivos e dos líderes no processo de delegação de poder e de responsabilidade,
em particular o papel dos mediadores multi-posicionados; iii) a aprendizagem institucional ao
longo do tempo; iv) o funcionamento efetivo dos espaços formais de participação. A
metodologia está baseada em analise de projetos coletivos, entrevistas qualitativas,
observação participante em reuniões e debates nos dos tipos de dispositivos no território do
Portal da Amazônia (MT).
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Estado que levam a multiplicação dos atores, ao policentrismo e a fragmentação dos poderes.
É o caso no Brasil.
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Armitage propõe aplicar aos recursos comuns esse modelo da “nova governança”
dando uma atenção especial aos fatores multi-níveis de mudança e degradação dos comuns.
Trata se de identificar atributos normativos de gestão dos recursos num mundo multi-níveis,
integrando os aportes da ecológica politica para caracterizar a racionalidade econômica que
preside a emergência dos atributos da governança. Propõe um framework que articula as
teorias dos bens em propriedade comum, da resiliência dos sócioecossistemas e da ecologia
política, cruzando variáveis especificas desses três enfoques disciplinares.
Para ele, trata-se em particular de recolocar no processo “o papel do poder, das
escalas e dos níveis de organização, do posicionamento dos atores, da construção social da
natureza, das narrativas politicas que modelam a governança e das relações dialéticas entre
sistemas ecológicos e mudanças sociais” (Armitage, 2007: 9).
Essa abordagem aparece mais como uma tentativa de renovar a governança dos
comuns, a partir de uma exigente hibridação disciplinar, em particular associando à
governança dos comuns as questões de poder e de territórios de poder que pouco apareciam
na teoria original (Ostrom, 1990; 1998).
Mais recentemente Mwangi e Wardell (2012: 81-82) aplicaram o enfoque da GMN ao
manejo florestal. Eles reivindicam a filiação da abordagem original da ciência política. Citam
em particular a proposta de Bache e Flinder (2004, 4-5) que consideram que “o enfoque
amplo da GMN reflete uma preocupação compartilhada em função de uma complexidade
inédita com o crescimento dos atores não governamentais, a proliferação de jurisdições e os
desafios ligados ao poder do Estado”. Eles vem nessa proposta 4 dimensões: i) a participação
crescente atores não estatais, ii) a tomada de decisões a partir de redes imbricadas mais que
de discretos níveis territoriais, iii) as múltiplas transformações do papel do estado e iv) o
desafio da democratização da fiscalização e rendição de contas (democratic accountability).
Os autores lembram que globalização e descentralização como o caráter multi-escalar
das mudanças sociais e ambientais exigem uma maior compreensão das relações entre
diferentes escalas espaciais e níveis de governo. Consideram que o processo de globalização
do comercio e dos investimentos ocasiona pressões inéditas convertendo florestas em
plantações para produção de alimentos e biocombustíveis. Os esforços de mitigação das
mudanças climáticas mediante programas REDD-plus e outras iniciativas estão ligados a
mecanismos globais como o mercado de créditos/carbono e a importantes transferências
financeiras que impactam a conservação dos recursos florestais ao nível local e exigem um
monitoramento nas escalas local, regional, nacional e global (Mwangi e Wardell, 2012:82).
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Finalmente outros autores como Moss e Newig Jens (2010) têm aplicado o enfoque
GMN ao manejo da agua ou como Gruby e Basurto (2013), aos recursos marinos e
pesqueiros, pelo fato desses recursos dependerem muitas vezes do controle de vários tipos de
jurisdição, local, regional, nacional e internacional.
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aparecem novas regras e normas (Pasquier et al., 2007; Pasquier et al., 2011). Pelo tanto,
trata-se de considerar esses processos não apenas como mudanças de escalas, mas como
verdadeiros jogos de escala nos quais diversos atores (indivíduos, famílias, habitantes,
instituições, governos) interagem, mobilizam recursos e elaboram estratégias inovadoras. A
compreensão desses processos exige recoloca-los no marco de uma análise da ação pública
entendida de maneira ampla como “o modo como uma sociedade se constrói e qualifica os
problemas coletivos, elabora respostas, conteúdos, e processos para responder a esses
problemas” (Thoenig, 2005, p. 290). Este enfoque coloca o político no coração da análise do
tratamento dos problemas da sociedade, sem reduzir a sua resolução a uma ação autônoma e
exclusiva dos governos (Art Dev, 2012).
No Brasil, estado federal contando com três níveis de governo, a partir dos anos 1990,
e, sobretudo dos 2000, assistiu-se à criação de novos níveis de governança do
desenvolvimento. Historicamente ligados ao processo de descentralização e de criação de
municípios, esses novos dispositivos apareceram no seio dos estados federados sob a forma de
consórcios intermunicipais, regiões de desenvolvimento (Santa Catarina) ou territórios como
os COREDES no Rio Grande do Sul (Veiga, 2006). Por outra parte, foram promovidos pela
multiplicação e a diversificação das políticas públicas de acordo com vários processos:
desconcentração do estado, descentralização, territorialização, organização do território,
participação popular, etc. Concretamente, houve a criação de duas novas escalas de
governança: os consórcios intermunicipais e os territórios da cidadania.
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Produtor Rural o PAAP, co financiado pelo Banco Mundial e administrado pela SUDENE
(Sabourin, 2015b).
Os territórios de Desenvolvimento Rural (que por volta de 2008 foram em parte
transformados em “Territórios da Cidadania”) foram criados em 2003/2004 pelo Governo
Federal sob a presidência de Lula da Silva (MDA, 2004 e 2005). Foi na continuidade do
planejamento participativo da agricultura no âmbito municipal por meio dos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável que foram criados em 1996, junto com o
PRONAF12 C dedicado a subsidiar infraestruturas coletivas em favor da agricultura familiar
(Tonneau e Sabourin, 2007).
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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, categoria C “Infraestrutura coletiva”.
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O Programa MT Regional foi criado em junho de 2006 e regulamentado pela Lei nº 8.697. Ele visa fomentar o
desenvolvimento sustentável da economia rural em todas as regiões do Estado, mediante processo de descentralização e
da execução de ações, de forma integrada entre municípios, Estado e União e parceiros (MT Regional, 2007).
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O território Portal da Amazônia têm recebido em média R$500 mil por ano do
PDSTR-MDA, principalmente para a construção de equipamentos coletivos pactuados entre
serviços publicos e sociedade civil: centro de formação no município de Colider; usina de
compostagem em Nova Santa Helena; tanques de resfriamento de leite; entreposto de
comercialização emTerra Nova do Norte; equipamentos para conexão à internet, etc. Outros
recursos têm sido aplicados diretamente pelo MDA em atividades de formação e a
capacitação dos membros do CODETER e no apoio a organização cooperativa.
Nos Consórcios Intermunicipais, as ações prioritárias foram centradas em
equipamentos para conservação e manutenção de estradas rurais e no apoio aos Arranjos
Produtivos Locais, em particular para a pecuária de leite. Em realidade, houve poucas ações
novas, sobretudo uma tentativa de coordenação das intervenções locais da EMBRAPA, da
EMATER e do SEBRAE.
Isto representa também uma tentativa de coordenação entre União, estado e município
louvável (Melo e Lagos-Peñas, 2012).
Nos dois consórcios intermunicipais, o interesse coletivo é colocado em segundo
plano.
O programa MT Regional privilegia o fomento de atividades ligadas às cadeias
produtivas e executadas em parceria com firmas privadas (chamadas de empresas “ancoras”)
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As tensões e complementaridades
A coordenação com os níveis superiores nunca foi fácil, sobretudo para o território do
MDA, mas a coordenação entre as duas políticas foi bem mais delicada.
A criação dos dois consórcios foi vista pelos responsáveis do MDA e do CODETER
como uma provocação. Tratou-se de uma concorrência política brutal da parte do governo do
estado do MT, que se aproveitou da janela de oportunidade ofertada pelo PRONAT (Kingdon,
1984). De fato, as duas políticas se dirigem ao mesmo público (a agricultura familiar), às
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levou a grandes realizações, mas, o pouco que foi executado em colaboração contou com a
sua intervenção. O agricultor Seier Ruelis (conhecido popularmente como Chapeu de Couro),
representante da agricultura familiar no Sindicato Rural de Alta Floresta e no CODETER é
uma figura emblemática da colonização agrícola da região. Teve bastante influência no
processo de articulação entre ONGs, sindicatos, agricultores familiares e autoridades locais
para constituição do CODETER.
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uma vez que as regras e decisões são definidas por um conselho composto exclusivamente por
prefeitos. Esta estrutura, contrariamente à política federal de gestão territorial, não favorece
dinâmicas inovadoras, nem novas aprendizagens e tampouco a apropriação dos projetos
territoriais pela população. Os projetos implementados pelos Consórcio Intermunicipal de
Desenvolvimento são, em regra geral, balizados por abordagens setoriais e de natureza
essencialmente técnica e econômica.
No entanto, nos dois dispositivos, constatou-se tomadas de decisão em espaços
paralelos, escapando as normas da participação colegiada: o gabinete do MDA, o partido, os
empresários do agronegócio e o prefeito, etc. (Massardier, 2008 & 2011).
Dubois (2009) no caso da França trata dos principais níveis de contratualização da
construção dos novos territórios de projeto, das imbricações regulamentárias e das pistas para sair
do “mito na negociação consensual”. Para ele, as arbitragens são, muitas vezes, opacas ou
fechadas em espaços paralelos e o sistema leva os políticos locais a uma logica de “caça aos
financiamentos” extremamente competitiva junto aos balcões nacionais e europeus. Nessas
condições, pergunta se é possível implementar realmente uma governança multi-nível para tratar
do desenvolvimento local. Pois ele constata a permanência do papel da administração central nas
regiões em matéria de investimento público e a persistência da dispersão dos financiamentos por
conta de praticas clientelistas locais. Pergunta assim se a proposta da GMN participativa na
Europa não seria apenas destinada a melhorar a aceitabilidade das políticas do Estado e da EU
pelos diversos atores territoriais.
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Considerações finais
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