Edifício-Monumento À Independência Do Brasil (1823-1923)

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ESTUDOS DE CULTURA MATERIAL

Edifício-monumento à Independência do
Brasil (1823-1923): do planejamento ao
uso, operação e manutenção
Monument-building of Brazilian Independence (1823-1923): from planning to
use, operation, and maintenance

https://doi.org/10.1590/1982-02672023v31e6
1. Doutorando em Arquitetu-
ra e Urbanismo pela Faculda-
de de Arquitetura e Urbanis-
mo da Universidade de São
MARCUS VINICIUS ROSÁRIO DA SILVA1
Paulo  (FAUUSP). É bolsista
pela Fundação de Amparo à
https://orcid.org/0000-0003-2483-2875
Pesquisa do Estado de São
Paulo  (FAPESP), processo
Universidade de São Paulo / São Paulo, SP, Brasil
nº  2021/04172-7. E-mail:
[email protected].

SHEILA WALBE ORNSTEIN2 2. Professora titular da Fa-


culdade de Arquitetura e
https://orcid.org/0000-0002-5684-921X Urbanismo da Universidade
de São Paulo (FAUUSP). É
Universidade de São Paulo / São Paulo, SP, Brasil bolsista produtividade do
Conselho Nacional de De-
senvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), com
processo nº 304131/2020-2.
E-mail: [email protected].
RESUMO: O edifício-monumento é resultado de sessenta anos de esforços para edificar um marco
comemorativo à Proclamação de Independência do Brasil, cujos desdobramentos mais efetivos
significaram a instalação do Museu Paulista. O objetivo deste artigo é evidenciar as iniciativas
dos intervenientes e anuentes para planejar, programar, projetar, construir, adequar, utilizar, operar
e manter o edifício-monumento entre 1823 e 1923. Para tanto, foi realizada uma pesquisa
documental a partir de série histórica da Revista do Museu Paulista e dos Anais do Museu Paulista.
Como resultado, obteve-se evidências sobre importantes tomadas de decisão, como (1) a opção
de uma obra arquitetônica em vez de escultórica na fase de planejamento; (2) a aplicação da
razão áurea na fase de projeto; (3) custos e prazos na fase de construção; e (4) as atividades de
conservação, adequação e melhorias no edifício-monumento e no seu entorno nas fases de uso,
operação e manutenção. Este artigo faz parte dos estudos relativos à pesquisa de doutorado de
um dos autores, que visa compreender melhor o facility management, relacionado às atividades
de operação e manutenção, com potencial de ser implementado no Novo Museu do Ipiranga.

ANAIS DO MUSEU PAULISTA São Paulo, Nova Série, vol. 31, 2023, p. 1-46. e6 1
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio cultural edificado. Arquitetura eclética. Museu. Instalações.
Avaliação sistêmica.

ABSTRACT: The monument-building is the result of sixty early years of efforts to build a
commemorative landmark to the proclamation of Independence of Brazil, whose most
effective developments led to the installation of the Paulista Museum. The goal of this article
is to highlight the stakeholders and consenting parties’ efforts to plan, program, design, build,
adapt, use, operate, and maintain the monument-building between 1823 and 1923. To this
end, documentary research was developed from a historical series of the Revista do Museu
Paulista and the Anais do Museu Paulista. As a result, evidence was obtained on important
decision-making, such as (1) the option of an architectural monument instead of a sculptural
one in the planning phase; (2) the application of the golden ratio in the design phase; (3) costs
and deadlines in the construction phase; and (4) efforts to conserve, adapt, and improve the
monument-building and surroundings in the phases of use, operation, and maintenance. This
article is part of the studies related to the doctoral research of one of the authors, which seeks to
better understand the facility management, related to operation and maintenance activities, with
the potential to be implemented in the Novo Museu do Ipiranga.

KEYWORDS: Built cultural heritage. Eclectic architecture. Museum. Facilities. Systemic assessment.

2 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


INTRODUÇÃO 3. Cf. São Paulo (1894).

4. Cf. Schultz (2016).

5. Cf. Gortázar e Oliveira


O edifício-monumento, localizado nas imediações do riacho Ipiranga, (2021).
é resultado dos esforços dos intervenientes e anuentes para a criação de um 6. Cf. Anais do Museu Pau-
marco comemorativo à Independência do Brasil proclamada em 1822. lista (2003).

Posteriormente, ele foi destinado ao uso como museu, abrigando áreas 7. Cf. Almeida (2004).
correlatas do conhecimento, sobretudo a história natural e cultural dos brasileiros, 8. Cf. Petrella (2008).
com ênfase no estado de São Paulo.3
9. Cf. Moraes (2008).
A edificação é relevante tanto pelo fato histórico que motivou sua 10. Cf. Toledo (2009).
materialização quanto pelo pioneirismo do sistema construtivo em alvenaria, pela
11. Cf. Polidori (2019).
refinada composição arquitetônica e ornamentação e por seu destino final como
museu. Por essas razões, a edificação foi reconhecida como patrimônio histórico-
cultural em três esferas de governo: municipal, estadual e nacional.
A compreensão sobre o valor, tangível e intangível, do ambiente
construído deve ser um aspecto preponderante para a adequada alocação de
recursos financeiros, como dinheiro em caixa e investimentos; humanos, como
dimensionamento de equipes em todos os níveis da organização; e materiais,
como instalações, equipamentos e insumos. 4 É nesse contexto, relativo ao valor
tangível e intangível, que se insere o Museu Paulista.
Para reduzir a possibilidade de danos físicos diretos e indiretos ao patrimônio
cultural, como aqueles ocorridos nos casos da Cinemateca Brasileira (SP), Museu
Nacional (RJ) e Museu da Língua Portuguesa (SP),5 o Governo do Estado de São Paulo
e a Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um programa de captação de
recursos, cabendo à Fundação de Apoio à USP (FUSP), o Governo Federal e o
Ministério do Turismo, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, a captação de
aproximadamente R$ 211 milhões, junto aos 27 patrocinadores, para a restauração,
modernização e ampliação do Museu do Ipiranga, sediado no edifício-monumento,
com reabertura ao público prevista para 2022.
Em paralelo a captação de recursos financeiros, estudos recentes foram
realizados no sentido de compreender e discutir o edifício-monumento e as atividades
realizadas em seu interior e/ou seu entorno, como: (1) a edição especial dos Anais
do Museu Paulista,6 (2) as motivações e expectativas dos visitantes do Museu Paulista;7
(3) a identificação das características da técnica construtiva, sistema estrutural e materiais
empregados na construção do edifício-monumento;8 (4) a aquisição da coleção de
História na gestão de Hermann von Ihering;9 (5)  os estudos para composição
arquitetônica do edifício-monumento pelo engenheiro-arquiteto Tommazo Gaudencio
Bezzi;10 (6) a trajetória expositiva de uma obra de Benedito Calixto,11 de um beque

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 3


12. Cf. Borrego et al. (2019).
de proa de canoa,12 de uma obra de Oscar Pereira da Silva,13 dos quatro painéis de
13. Cf. Monteiro (2019). Wasth Rodrigues no Peristilo14 e do Salão de Honra;15 (7) o acervo adquirido pelo
14. Cf. Nascimento (2019). Museu Paulista a partir do Plano Diretor de 1990, desenvolvido por Ulpiano Toledo
15. Cf. Lima Junior e Nery Bezerra de Meneses;16 (8) as mudanças significativas empregadas pelo diretor Mario
(2019).
Neme, como anexação do Museu Paulista à Universidade de São Paulo, melhoramento
16. Cf. Vieira (2020). do setor de arqueologia e a criação de um curso de Museologia;17 (9) o levantamento
17. Cf. Silva (2020). e a documentação para a modelagem e a visualização 3D do Museu do Ipiranga;18
18. Cf. Balzani et al. (2020). (10) uma linha do tempo com as iniciativas para a restauração, modernização e
19. Cf. Ferroni et al. (2020).
ampliação do edifício-monumento;19 (11) a prática curatorial do Museu Paulista a partir
da atuação especializada em história e cultura material da sociedade brasileira por
20. Cf. Carvalho, Marins e
Lima (2021). meio do estabelecimento das linhas de pesquisa Cotidiano e Sociedade, Universo do
21. Cf. Cintra e Cintra Trabalho e História do Imaginário, e da política de aquisição de acervos;20 e (12) a
(2021). reconstrução histórica do local onde ocorreu a Independência do Brasil.21
22. Revista do Museu Pau-
lista (1895, p. 30). Entretanto, os estudos realizados até o momento, todos muito meritórios e
pertinentes, apresentam como lacuna a investigação sobre as atividades de
operação e manutenção do edifício-monumento. Para entender o atual processo
de restauração, modernização, ampliação e reabertura ao público do Novo
Museu do Ipiranga, é necessária uma visão integrada dele a partir da fase
seminal de planejamento até os impactos na fase de uso, operação e manutenção.
Isso permitirá compreender a origem das principais decisões institucionais acerca
do edifício e ressaltar a complexidade do monumento que, a princípio, não foi
feito para ser um museu, mas para servir de vista esplêndida.22
Na linha do tempo (Figura 1) é evidenciada as fases do ciclo de vida do
edifício-monumento, bem como sua duração ao longo do tempo. As categorias dessas
fases são: (1) planejamento estratégico, de 1823 a 1882; (2) programação, de 1880
e 1893; (3) projeto, de 1882 a 1885, com detalhamento desenvolvido até 1890;
(4) construção, de 1885 a 1890; (5) desocupação, de 1890 a 1895; (6) reutilização
e adaptação do edifício-monumento, de 1894 a 1923; e (7)  uso, operação e
manutenção (UOM), de 1895 a 1923. Ressalta-se, no entanto, que as fases de
adaptação e UOM extrapolam o recorte temporal aqui adotado.

Figura 1 – Linha do tempo com


as fases do ciclo de vida do
edifício-monumento, 2022. Ela-
borado pelos autores.

4 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


Conforme a Figura 1, uma edificação é constituída por diferentes etapas 23. Cf. Silva, Barros e Fa-
gundes Neto (2016).
ou fases ao longo de seu ciclo de vida. Cada uma das etapas têm suas atividades
24. Cf. Preiser, Hardy e
específicas e que poderão vir a influenciar todo o ciclo, sobretudo a fase de UOM, Schramm (2018).
a última e a mais longa fase do ciclo de vida.23 Especificamente no caso do 25. Cf. Silva e Ornstein
edifício-monumento, o UOM corresponde a cerca de 115 anos — excluídos os (2021).

anos dedicados à adaptação por meio de obras, restaurações e ampliação. 26. Atualmente, o conceito,
estabelecido pela Associa-
De modo conceitual, o planejamento estratégico é a fase inicial. É nela que ção Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT) (2019), é
se define a missão e os objetivos para a construção. Ela também consiste na fase de de uma “função organiza-
cional que integra pessoas,
elaboração de uma estimativa orçamentária. A etapa de programação considera as espaços e processos dentro
necessidades do cliente, os recursos provisionados e o contexto para o projeto. O de um ambiente construído
com o objetivo de melhorar
projeto, por sua vez, inclui o estudo de viabilidade, o estudo preliminar, o anteprojeto, a qualidade de vida das
pessoas e a produtividade
o projeto legal e o projeto para execução, incluindo detalhamento. Na etapa de do negócio principal”.
construção, o projeto é executado. Nela, o responsável pela obra e o arquiteto fazem
27. Cf. Atkin e Brooks
a gestão técnica e controle da qualidade da construção à luz do atendimento ao (2015).

projeto. A etapa de ocupação vem em seguida a entrega da obra ao cliente. O 28. Cf. Finch (2012).
UOM é iniciado imediatamente após a ocupação. Ele tem por objetivo prover as 29. Cf. Wiggins (2014).
condições adequadas para a realização das atividades fins, com atenção especial
30. Cf. Roper e Borello
ao desempenho da edificação e aos serviços prestados. E, por fim, e se este for o (2014).
caso, a etapa de reutilização e adaptação/reciclagem, destinada à adequação da 31. Atkin e Brooks, op cit.
edificação ao (novo) uso pretendido ou seu desmonte.24 25
Essa visão sistêmica e contínua é necessária para compreender as ações
passadas na produção e no decorrer do uso do edifício-monumento e auxiliar na
elaboração de um modelo de facility management (FM)26 compatível com o futuro
do museu. O conceito de FM está diretamente relacionado à capacidade de
associar conhecimento e habilidade sobre o ambiente construído à compreensão
da organização, das pessoas e dos processos, abrangendo funções de gestão (1)
imobiliária; (2) financeira; (3) recursos humanos; (4) segurança patrimonial; (5)
saúde, segurança e meio ambiente (SSMA); (6) de mudanças; (7) contratos; (8)
manutenção predial e de equipamentos; (9) serviços, como limpeza, controle de
pragas e paisagismo; e (10) suprimentos, como produtos de limpeza e higiene,
papelaria, e materiais para reparo.27 O FM deve atuar na elaboração de políticas,
definição de diretrizes, comunicação da estratégia; implementação e monitoramento
das diretrizes, desenvolvimento de planos orçamentários, gerenciamento de
serviços; entrega dos serviços, coleta de dados e recebimento de Ordens de
Serviço,28 29 orientando e auxiliando a organização nas esferas ambientais,
econômicas e sociais.30 Os papéis e as responsabilidades podem variar de acordo
com a destinação de uso do ambiente, sendo diferentes em equipamentos culturais,
esportivos, hospitalares, educacionais etc.31 Embora muitos aspectos da disciplina

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32. Roper e Borello, op. cit.
tenham sido praticados ao longo dos tempos, o termo FM tem origem na década
33. Cf. Roper e Payant de 1970.32 Todavia, foi no século  XXI que a FM passou a ser normatizada e
(2014).
difundida ao redor do mundo.33
34. Cf. Barro e Bacelli
(1979). Com esta visão sistêmica em mente, este artigo evidencia as ações para
35. Revista do Museu Pau- planejar, programar, projetar, construir, utilizar, operar e manter o edifício-monumento
lista (1895).
entre 1823 e 1923. Para tanto, realizou-se pesquisa documental a partir de série
36. Cf. Karepovs (2006).
histórica da Revista do Museu Paulista (1895-1938), da nova série da Revista do
Museu Paulista (1947-1988) e dos Anais do Museu Paulista (a partir de 1922),
bem como leis e decretos do século  XIX, relatórios da Comissão de Obra do
Monumento do Ypiranga e outras publicações relevantes, como mapas históricos,
o Memorial sobre a rescisão dos contratos de Bezzi referentes ao Monumento do
Ipiranga e uma fotografia da época.
No que se refere à limitação da pesquisa documental, foram constatadas
as seguintes lacunas: não há o Relatório de Gestão do Museu Paulista entre os
tomos 15 (1927) e 22 (1938) da Revista do Museu Paulista. Após a retomada
da revista, em 1947, pelo diretor Sérgio Buarque de Holanda, as notícias da
operação do Museu Paulista só reapareceram em 1974, na gestão de Antônio
Rocha Penteado. Essas lacunas não impediram os autores de construir um
arcabouço teórico-conceitual e histórico sobre as fases iniciais de produção do
edifício-monumento.

ANTECEDENTES: ESFORÇOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM EDIFÍCIO-MONUMENTO

Em 1823, um ano após a Proclamação da Independência, Antônio da


Silva Prado, futuro barão de Iguape, propôs ao Governo Provisório da Província
de São Paulo a construção de um monumento em comemoração ao marco
histórico. Em 26 de fevereiro de 1823, o ministro do Reino e dos Negócios
Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva, concedeu permissão para a
construção do monumento.34 Para que o projeto fosse realizado, Lucas Antônio
Monteiro de Barros, presidente da província de São Paulo e futuro visconde de
Congonhas do Campo, realizou uma contribuição voluntária para iniciar a
construção do monumento. Em 12 de outubro de 1825, Monteiro de Barros
ordenou à Câmara de São Paulo o estabelecimento da pedra fundamental.35 36

6 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


O primeiro projeto para esse monumento à Independência, no Ipiranga, 37. Ibid.

em São Paulo, é de 1826 e sua autoria é desconhecida.37 Ele apresentava uma 38. Revista do Museu Pau-
lista (1945, p. 7).

39. Karepovs, op. cit.


fachadinha de sessenta palmos (13,20 m) de frente, e escadaria com quatorze degraus 40. Ibid.
[…] e terraço circundado de modestíssimo gradil. Deste se erguia [um] modesto cubo de
alvenaria sobre o qual se elevava um cone, cujo vértice devia ficar a uns 14 metros do
solo. A este conjunto geométrico flanqueavam quatro grandes e horrendos vasos e enci-
mava a coroa imperial.38

A partir da base documental do primeiro projeto foi possível desenvolver


um modelo 3D esquemático do Monumento à Independência no Ipiranga
(Figura  2). Ele deveria ser construído em pedra de cantaria. Contudo, esse
projeto não foi executado e não foram localizadas evidências do motivo pelo
qual a construção não prosseguiu.39

Figura 2 – Modelo 3D esquemático desenvolvido a partir da base documental do projeto de 1826


para o Monumento à Independência, 2022. Elaborado pelos autores.

Os esforços da presidência da província ao senado do Império para a


construção de um monumento no Ipiranga não foram exitosos. Chegou-se a exumar a
pedra fundamental de 1825. Ela será recolocada em seu local original por
determinação do presidente da província, João Theodoro Xavier, apenas em 1875.40

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41. São Paulo (1881).
Só em 1880, por meio da aprovação da lei nº 49, de 6 de abril, a forma
42. Revista do Museu Pau- de captação de recursos financeiros para a construção do monumento no Ipiranga
lista (1945).
foi efetivamente garantida. A solução encontrada foi conceder a arrecadação de
43. Cf. Instituto Estadual
do Patrimônio Cultural três loterias para financiar o projeto. Na época, a gestão das loterias era de
(1978a, 1978b).
responsabilidade do conselheiro Joaquim Ignacio Ramalho, futuro barão de
Ramalho, e do dr. Diogo de Mendonça Pinto.41 A primeira loteria ocorreu em
1881, e arrecadou mil contos de réis; valor que permitiu a contratação de um
projeto para o almejado monumento.42

O PROJETO DO EDIFÍCIO-MONUMENTO: 1882-1885

Em 25 de outubro de 1882, Tommaso Gaudenzio Bezzi, engenheiro-


arquiteto italiano, é convidado pelo superintendente das obras públicas da província
de São Paulo, o dr. Ignácio da Fama Cochrane, para desenvolver um projeto para
o Monumento à Independência do Brasil. Ele foi escolhido por ser bem relacionado,
com amigos influentes na corte, e por ter participado dos projetos para o edifício
da alfândega de Fortaleza, o antigo Banco do Comércio, no Rio de Janeiro, e o
Velódromo de São Paulo. Após a obra do museu também conduziu os projetos para
a sede social do Clube Naval, no Rio de Janeiro, e o edifício destinado à Secretaria
de Estado das Relações Exteriores, atual Escritório de Representação do Ministério
das Relações Exteriores, também na antiga capital do país.43 Estes dois últimos
projetos (Figuras  3a, 3b, 3c, 3d, 3e e 3f), somados ao edifício-monumento,
resistiram ao tempo e se consolidaram no ambiente urbano construído.

Figuras 3a, 3b e 3c – Vistas do exterior do anexo do Palácio do Itamaraty, em 2022. Fotografias dos autores.

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Figuras 3d, 3e e 3f – Vista dos interiores do Clube Naval, em 2022. Fotografias dos autores.

Um mês depois do pedido de Ignácio da Fama Cochrane, em 26 de 44. Cf. Memorial… (1905).

novembro de 1882, Bezzi apresenta à Comissão os planos para o Monumento 45. Revista do Museu Pau-
lista (1895).
à Independência.44 O edifício de grande porte, à época projetado por Bezzi,
46. Revista do Museu Pau-
foi aprovado em 3 de abril de 1883 pelo presidente do estado.45 Inicialmente, lista (1945, p. 11).

o projeto para o edifício-monumento era composto por três alas, duas 47. Revista do Museu Pau-
perpendiculares ao corpo central e adornadas com elementos da linguagem lista (1945).

clássica da arquitetura. No projeto, as loggias, propostas junto ao corpo 48. Memorial…, op. cit.

central, permitiam a contemplação do entorno do arrabalde a partir do alto da


colina. Segundo Taunay, o projeto completo de Bezzi

comportava um palácio no estilo da Renascença italiana, em forma de E, teria belíssimo


corpo central precedido de nobres escadaria e pórtico, e duas grandes alas laterais. Duas
fachadas, ambas ricamente decoradas, voltavam-se, a principal para o norte e a cidade
de São Paulo, e a de trás para o Sul e rumo ao Mar.46

Devido a magnitude do projeto, a Comissão de Obras do Monumento do


Ypiranga solicitou a Bezzi uma modificação. Entretanto, os cortes no projeto
reclamado pela Comissão não foram realizados por Bezzi e o contrato foi
rescindido em 22 de julho de 1884. Após insistência da comissão, Bezzi aceitou
a reintegração em 16 de setembro de 1884.47
Em 28 de fevereiro de 1885, a comissão autorizou o engenheiro-arquiteto
a reduzir o projeto do edifício-monumento, mantendo a escala do edifício e
subtraindo duas alas transversais, assumindo assim a forma de I. Esta redução foi
motivada pelo limite orçamentário de mil contos de réis.48

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 9


49. Cf. Pérez-Gómez (1993).
A forma final adotada para o edifício-monumento conserva a composição
50. Cf. Souza (2013). baseada na razão áurea. Bezzi, por ter sua produção alinhada ao neorenascimento,
provavelmente utilizou desse conceito explorado por artistas renascentistas, como
Leonardo da Vinci (1452-1519), para definir as proporções fundamentais do
edifício-monumento (Figura 4).
O saguão principal, no corpo central, está inscrito sob a geometria do
Homem Vitruviano, e as alas leste e oeste apresentam proporções a partir do
retângulo de ouro. Bezzi não limita a proporção das colunas entre pedestal, base,
fuste, capitel e entablamento definidos nos estudos de Serlio (1537-1540), Vignola
(1562) e Palladio (1570). Suas escolhas estavam alinhadas ao discurso
apresentado na introdução do tratado de Perrault, no qual os arquitetos, desde a
Antiguidade, atingiam a perfeição de diversas maneiras, variando as dimensões e
as soluções apresentadas.49 50

Figura 4 – Razão áurea


aplicada ao edifício-mo-
numento, 2022. Fonte:
Elaborado pelos autores
a partir de adaptação de
bases gráficas de projeto
de arquitetura de Hereñú
+ Ferroni Arquitetos cedi-
do pelo Museu Paulista
para fins exclusivos de
pesquisa acadêmica.

10 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


Reforçando a ideia de um alinhamento de Bezzi à Claude Perrault, pode-se 51. Revista do Museu Pau-
lista (1945, p.12).
ressaltar a semelhança compositiva entre a fachada do edifício-monumento e do
anexo leste do Louvre (1667-1668), ambos com colunas duplas, isto é, alteração
no espaçamento intercolúnio, de A-A-A-A para A-B-A-B, evidenciando o grande
espaço formado na colunata das loggias.
Para garantir a composição arquitetônica desejada, Bezzi sacrificou a
habitabilidade do edifício para o clima de São Paulo da época, ao dispor as salas
fechadas à fachada Sul, em direção do mar (Figura 5), fazendo com que os ambientes
voltados para o Sul fossem “açoutados no inverno pelos ventos frígidos encanados do
alto da serra do mar e dispondo de insolação nula, por assim dizer”.51
Conforme o gráfico de temperatura (parte superior da Figura 5, à esquerda),
que mostra a amplitude térmica de 1889, a maior diferença registrada no recorte
temporal analisado foi de 10,6°C, a partir da média mensal mais alta (janeiro: 23,5°C)
e a mais baixa (junho: 12,9°C). A umidade relativa média dos quatro anos
demonstrados no mesmo gráfico é de 85%. Em São Paulo havia alta ocorrência de
chuvas, principalmente em janeiro, com ocorrência média de vinte dias. A estiagem,
isto é, o período de baixa pluviosidade, ocorria entre os meses de junho e agosto.
Além disso, a Rosa dos Ventos indica predominância de ventos a Sudeste.
Complementando o breve estudo sobre as condicionantes ambientais, a análise da
trajetória solar evidencia que a fachada Sul recebe radiação solar direta no solstício
de verão, exceto nos horários próximos ao meio-dia, no qual se tende ao ângulo reto
(90°). Durante o solstício de inverno, a fachada Sul permanece no sombreamento ao
longo de todo o dia. No inverno, o sombreamento ocorre na fachada Norte, onde a
radiação solar direta incide durante todas as horas de sol durante o solstício de inverno,
isto é, aproximadamente das 6h45 às 17h15. Já no solstício de verão, a fachada
Norte permanece sombreada por todo o dia.

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Figura 5 – Análise das condi-
cionantes ambientais, 2022.
Elaborado pelos autores, a
partir dos dados extraídos do
Boletim da Commissão Ge-
ographica e Geologica do
Estado de S. Paulo (1889;
1890; 1891) referente aos
anos de 1887 a 1890.

Sobre o desenvolvimento do projeto arquitetônico, em 1885, Bezzi solicitou


autorização da Comissão para confeccionar um modelo tridimensional a fim de
demonstrar os detalhes ornamentais que compunham as fachadas. A Comissão, de
acordo com o presidente da província, José Luiz d’Almeida Couto, permitiu a

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elaboração da maquete, de modo que o trabalho foi iniciado pelo engenheiro- 52. Ramalho (1886).

arquiteto em maio de 1885.52 53. Ibid.

54. Cf. “Il saggio…” (1892).


O modelo tridimensional (Figura  6) foi composto em gesso, sobre
armação de madeira, pelo renomado escultor e professor Rodolpho Bernardelli, 55. Memorial…, op. cit.

encarregado dos detalhes da ornamentação, compostos por figuras e grupos 56. Revista do Museu Pau-
lista, op. cit. (1945).
alegóricos, segundo indicações do próprio Bezzi.53
57. Cf. Ramalho (1885).

Figura 6 – Fotografia panorâmica da maquete física elaborada por Bezzi, 2022. Fotografia dos autores. Acervo do Museu Paulista
da Universidade de São Paulo.

Para referenciar a necessidade técnica de um modelo, Bezzi cita como


exemplo, em um documento de 1892, o monumento ao rei Vittorio Emanuele, em
Roma.54 Naquele projeto, antes da construção definitiva, foram desenvolvidos
protótipos em tamanho real de algumas peças arquitetônicas, além da maquete
para aprovação da ornamentação.55

DAS OBRAS À ENTREGA: 1885-1890

As obras do edifício-monumento foram iniciadas em 25 de março de 1885,


conforme projeto e fiscalização de Bezzi. A construção foi realizada pelo empreiteiro
Luigi Pucci a partir do contrato firmado em 23 de março de 1885 e aprovado na forma
de lei provincial de 17 de março de 1885.56 Em 23 de abril de 1885 foi acordado
o prazo de trinta meses para entrega do edifício-monumento, ao custo de até mil
contos de réis.57

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58. Cf. Conselho de Defesa
do Patrimônio Histórico,
A escolha de Pucci para a construção do edifício-monumento se deu por
Arqueológico, Artístico e comprovada qualidade técnica observada em outras obras realizadas por ele no
Turístico do Estado de São
Paulo (1984, 2010). Brasil, como o projeto vencedor do concurso para a Santa Casa de Misericórdia
59. Cf. Ibid. de São Paulo  (1879), a construção do solar do Barão de Itapura, em
60. Ramalho (1886). Campinas (c. 1880-1883) e o projeto do palacete do Conselheiro Antônio da
Silva Prado, na Chácara do Carvalho, no bairro Campos Elíseos, em São Paulo
(1892-1893) (Figuras 7a, 7b e 7c), entre outros.58

Figuras 7a, 7b e 7c – Vistas do palacete da Chácara do Carvalho, atual Colégio Boni Consilii, em 2022. Fotografias dos autores.

Com o avançar das obras do edifício-monumento, em 18 de julho de


1885, o empreiteiro iniciou a construção dos alicerces a partir do assentamento
das pedras. Em 31 de agosto de 1885, 660 metros cúbicos de alicerce já haviam
sido executados, de acordo com as medições feitas por Bezzi dos serviços
realizados. Uma máquina a vapor foi destinada para o transporte do material de
construção a partir de um ramal da ferrovia da São Paulo Railway Company até o
alto da colina, no Ipiranga.59
Em 1886, as alvenarias externas e internas do pavimento térreo já
estavam sendo executadas, isto é, 8,79 metros de altura acima dos alicerces,
faltando apenas os muros de sustentação da grande escada. Cabe destacar
que as fundações e alvenarias foram consolidadas e construídas em terreno
pouco sólido,60 conforme narra Ramalho, presidente da Comissão de Obras
do Monumento do Ypiranga

14 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


Já estão feitos os trabalhos pesados e os mais difíceis; os estuques do interior e do exterior 61. Id., 1888, p. 5.

do edifício; a ornamentação da caixa da escada; uma pequena parte do interior das gale- 62. Id., 1886.
rias e parte do exterior do pavimento térreo, e bem assim os dois frontões do corpo central.
63. Memorial…, op. cit.
A esquadrilha já está concluída e em estado de ser convenientemente empregada; as esca-
das de madeira já estão sendo assentadas nos pavilhões; a de pedra de cantaria, que tem 64. Karepovs, op. cit.

de ser posta na frente do edifício, está no começo de construção; mas a grande escada de 65. Revista do Museu Pau-
mármore para o corpo central não será assentada senão depois de concluído o edifício.61 lista (1895).

66. Karepovs, op. cit.

67. Cf. Ramos (1880).


Encerrado o prazo de trinta meses, em outubro de 1887, a obra ainda não
estava concluída. Houve dificuldades no transporte de materiais até o alto da colina
e falta de habilidade e/ou quantidade de operários na obra. Em um ofício emitido
por Bezzi, em 15 de agosto de 1888, o engenheiro-arquiteto declara que, em
março de 1889, o edifício-monumento estará em condições de ser inaugurado.62
Além disso, foram feitas modificações nas plantas para conferir ao edifício-
monumento maior segurança, elegância e perfeição. Por exemplo, foram implementadas
travas de ferro nas alvenarias de todos os pavimentos, foi feita a inclusão de um ático
no corpo central e a substituição de madeira para mármore na grande escada.63
Visando a finalização do edifício-monumento, a Comissão de Obras do
Monumento do Ipiranga solicitou à Assembleia Provincial o adicional de trezentos
contos de réis. A solicitação foi julgada justa e a autorização foi publicada no
artigo 12° da lei nº 55, de 22 de março de 1888.64
Em 1890, as obras do edifício-monumento foram dadas como encerradas
e os serviços em andamento interrompidos.65 A inauguração ocorreu em 15 de
novembro, em celebração ao primeiro aniversário da Proclamação da República.66

DESTINAÇÃO EFETIVA AO USO

A ideia de uma obra arquitetônica em vez de uma obra escultórica foi


registrada na ata da Comissão relativa ao Monumento na Província de São Paulo,
da Câmara Municipal da Imperial Cidade de São Paulo, presidida por Ernesto M.
da Silva Ramos, em 19 de dezembro de 1880. O documento apresenta a
utilização prática e cultural da edificação, além de sediar estabelecimentos de
educação e instrução67 (Figura 8).

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 15


Figura 8 – Ata da Comissão Especial da Construção do Monumento do Ypiranga. Fonte: Ramos (1880).

68. São Paulo (1881, p. 1).


Como forma de viabilizar a concretização do edifício-monumento, foi
69. Cf. Id., 1885. sancionada a lei nº 10, publicada em 13 de fevereiro de 1881, que decreta o
70. Revista do Museu Pau- “benefício das loterias concedidas pela lei nº 49, de 6 de abril de 1880, para
lista (1945).
a construção do Monumento do Ypiranga, destinado à disseminação da
instrucção primaria e construção dos edifícios necessários”.68 Já a lei nº  63,
publicada em 23 de março de 1885, especifica o ensino em ciências físicas,
matemática e ciências naturais, dividindo em teoria e prática, esta última
destinada à indústria, artes e agricultura.69
Com o avançar da construção, a comissão verificou a insalubridade no
alojamento de crianças em local tão úmido durante os meses de inverno paulistano,
principalmente no que concerne às salas fechadas voltadas ao Sul,70 alinhado ao
estudo supracitado das condicionantes ambientais da época. A constatação
ocasionou na desistência da destinação ao uso instrucional primário.
Com a entrega da obra, em 1890, um ano após a Proclamação da
República, o edifício-monumento permaneceu desocupado até 1893. Foi a partir
da incorporação do Monumento do Ypiranga e suas dependências como

16 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


propriedade do Estado por meio da lei nº 76, de 19 de julho de 1892, que novos 71. Cf. São Paulo (1892).

rumos para o edifício-monumento foram desencadeados.71 Naquele período houve 72. Revista do Museu Pau-
lista (1945).
a aquisição da coleção do Museu Sertório pelo conselheiro Francisco Mayrink e
73. Ibid.
a doação do acervo ao Governo do Estado de São Paulo.72 Essas coleções foram
74. Ibid.
removidas do antigo e extinto Largo Municipal para uma casa na região conhecida
hoje como Pátio do Colégio, em 1892, e posteriormente para a sede da Comissão 75. São Paulo (1893, p. 1).

Geográfica e Geológica de São Paulo, em 1893.73 76. Id., 1894.

Em 1891, o botânico Alberto Löefgren foi convidado para a direção de 77. Revista do Museu Pau-
lista (1945).
um novo instituto, o Museu do Estado. Entretanto, foi o dr. Hermann von Ihering que
78. Revista do Museu Pau-
ficou incumbido da direção do Museu, em 1893. O Museu foi destinado a ocupar lista (1895, p. 12).

as instalações do edifício-monumento na colina do Ipiranga.74 A lei nº 200, de 29 79. Ibid., 1895.

de agosto de 1893, permitiu ao Governo do Estado de São Paulo reorganizar o


Museu do Estado, servindo de meio de instrução à população a partir da zoologia
e da antropologia da América do Sul, com ênfase no estado de São Paulo.75
Em execução a lei nº 200, o decreto nº 249, de 6 de julho de 1894,
aprovou o Regulamento do Museu do Estado, destinando-o “ao estudo do reino
animal, de sua história zoológica e da história natural e cultural do homem”, devendo
inclusive ocupar as galerias e outros ambientes do edifício-monumento com artefatos
artísticos, como estátuas e pinturas de pessoas compreendidas como patrióticas.76
As tratativas para se dar um uso aos ambientes internos do edifício-monumento
decorreu de conversações por um período de quinze anos. Inicialmente definido como
escola, durante o Império, passou a ser museu após a Proclamação da República.

A DECORAÇÃO INTERNA NA GESTÃO DE IHERING E TAUNAY

A gestão do diretor Hermann von Ihering ocorreu entre 1893 e 1916.77


Para a implantação do Museu foram realizadas obras complementares e
ornamentações que, segundo relato do próprio diretor, “acabou-se a escada grande
e as rampas de entrada, colocou-se vasos ornamentais, tapetes etc. no vestíbulo”.78
Em 1894 foram construídos, por quatro marceneiros, armários para todo o edifício-
monumento. Apesar do desejo inicial de adotar um sistema de armários de Museus
em ferro e vidro, o que garantiria a estanqueidade contra a entrada de poeira e
pragas. O diretor Ihering acabou optando por um mobiliário de madeira e vidro,
devido ao elevado custo para aquisição do mobiliário em ferro.79

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 17


80. Ibid., 1895, p. 10-11, 26.
Com o avanço da decoração interna realizada por Ihering, a lápide em
81. Id., 1904. mármore junto à escada principal foi substituída. A identificação do arquiteto:
82. Revista do Museu Pau- “Architecto, o Engenheiro, Tommaso Gaudenzio Bezzi. Projecto 1882,
lista (1920).
Construcção 1885-1890” foi convertida em identificação do fato histórico “Este
83. Ibid.
monumento comemora a Independência do Brazil, proclamada a 7 de setembro
84. Id., 1926, p. 691. de 1822”,80 gerando críticas de Bezzi à composição de interiores do edifício-
85. Id., 1920, p. 488. monumento desenvolvida por Ihering.
No nicho junto à escada, foi colocado um busto em gesso do dr. Prudente
de Moraes, presidente da República. Segundo relato do diretor Ihering, no corredor
principal, possivelmente o peristilo, foi colocada uma fotografia do dr. Bernardino
de Campos, presidente do estado de São Paulo.
Além disso, entre os anos de 1901 e 1902, foram encomendadas pela
Superintendência de Obras Públicas à fábrica de móveis Santa Maria duas
estantes em madeira canela-ciré para a biblioteca, bem como os tapetes para
a escada principal e a biblioteca,81 encerrando os esforços de Ihering para a
adequação dos espaços interiores do museu.
Com a chegada de Taunay ao Museu Paulista, e a proximidade do
Centenário da Independência, foi providenciada uma ornamentação comemorativa
para 1922, dando a ambientes internos do edifício-monumento (por exemplo,
Saguão/Peristilo, Escadaria Monumental, Salão de Honra e quatro cômodos no
pavimento superior) feições de Panteão, consagrando assim à memória de pessoas
consideradas ilustres para a história nacional e paulista, em especial.82 A ação
estava alinhada ao decreto estadual nº 249, de 1894.
Como diretor do Museu, Taunay previu a colocação de retratos dos vultos
da Independência em cinco medalhões do Salão de Honra, sobre a tela existente
de Pedro Américo. Cogitou instalar quatro painéis alusivos às guerras para a
conquista da Independência, bem como vitrines no centro do Salão para exibir
artefatos de ilustres personagens do contexto histórico. Além de uma balaustrada
em madeira, executada pelo Liceu de Artes e Ofícios, instalada para a proteção
da tela Independência ou morte! durante os preparativos do centenário.83 84
A ornamentação da Escadaria e Saguão visou preencher os elementos
projetados por Bezzi e construídos por Pucci, como o grande nicho sobre o
patamar, os seis colossos junto às paredes, quatro medalhões, nove retábulos
semicirculares, dois pequenos retângulos e espaço para sete grandes painéis.85
Em 1920, as telas encomendadas ao pintor Oscar Pereira da Silva foram
instaladas nos quatro medalhões do Salão de Honra. Naquele mesmo cômodo,

18 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


Taunay optou pela colocação de figuras femininas patrióticas, em vez de painéis 86. Ibid.

de guerras,86 em outros dois locais de destaque. 87. Id.,1926, p. 700-701.

Quanto às iniciativas de melhorias das salas expositivas, Oscar Rodrigues 88. Revista do Museu Pau-
lista (1926).
Alves, então responsável pela Secretaria dos Negócios do Interior, ordenou a
89. Ibid.
produção de armários, vitrines e móveis mais modernos à época. Entretanto, o
90. Ibid.
mobiliário não supriu a demanda do setor de zoologia.87
A fim de consolidar o plano de decoração, Taunay consultou importantes
pintores e escultores da época, e discutiu o plano com os professores Amoedo e
Rodolpho Bernardelli. A sanca curva, que circunda a claraboia, ficou sob a
responsabilidade de Amoedo, que desenvolveu dezoito retratos de personagens
dos movimentos libertadores do Brasil de 1720, 1789, 1817 e 1822. Logo
abaixo da sanca, os retratos ficaram a cargo de Oscar Pereira da Silva. Bernardelli
ficou responsável pela execução da figura de d. Pedro I, colocada no grande
nicho.88 No entanto, as esculturas para os pedestais existentes ficaram a cargo dos
professores Zani, Rollo e Van  Emelen. As esculturas, em mármore carrara, dos
nichos laterais do saguão que ficaram sob a responsabilidade de Brizzolara.
A estátua de d. Pedro I, desenvolvida por Bernardelli, não foi entregue a
tempo para a comemoração do Centenário devido às obras concomitantes para
a Exposição do Centenário, ocorrida no Rio de Janeiro, capital do país à época.
A estátua chegou ao edifício-monumento em agosto de 1923.89 Em seu lugar foi
provisoriamente alocado o busto em bronze de d. Pedro I, de 1826, elaborado
por Marc Ferrez e pertencente ao acervo da Escola Nacional de Belas Artes, atual
Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
A verba de 234 contos concedida pelo Governo do Estado de São Paulo
foi insuficiente, não havendo recursos para a aquisição de mais duas estátuas,
quatro painéis e para a decoração das loggias, além de oito vasos de bronze para
a escadaria. Contudo, a escadaria do edifício-monumento, que tinha mármore
apenas em seus degraus, ganhou o mesmo revestimento em toda sua extensão.90
Uma vez que o edifício-monumento havia sido entregue inacabado,
coube a Ihering e posteriormente a Taunay a adaptação dos ambientes internos
com vistas à complementação da edificação ao mesmo tempo em que se
consolidava a narrativa nacionalista e principalmente paulistana, tratando o
saguão junto à escadaria como um Panteão.

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 19


91. São Paulo (1885). ORÇAMENTAÇÃO E CUSTOS
92. Karepovs, op. cit.

93. Revista do Museu Pau-


lista (1945). O projeto inicialmente desenvolvido por Bezzi foi reduzido devido ao
94. Memorial…, op. cit.
provisionamento de verba, conforme é descrito no artigo 4º da lei nº  63,
publicada dois dias antes do início das obras do edifício-monumento, no qual
95. Ibid.
fica decretado que “a construção do edifício não se dispenderá quantia superior
96. Ibid.
a mil contos de réis”.91 Com o avançar das obras, foi necessário dispor de um
aditivo, tendo o acréscimo de trezentos contos de réis concedido para a
finalização em 1888.92 O novo prazo e o aditivo não foram suficientes para a
finalização da construção e as obras permaneceram até 1890.
Assim, em 31 de maio de 1894, o edifício-monumento já teria custado
1.716:124$661 réis, embora ainda estivesse faltando a escadaria monumental,
o emplacamento de mármore do fundo do vestíbulo, a decoração pictórica e
escultural, entre outros. 93 Conforme as medições das obras realizadas por
Bezzi, foi liberado para pagamento ao empreiteiro o valor de
1.546:636$551 réis, e, em 15 de outubro de 1891, restava pagar a Pucci
a quantia residual de 349:673$941. 94 O valor pago a Bezzi foi de
aproximadamente 200:000$000 réis,95 cerca de 11% do valor total.
Uma vez que foi realizado o encerramento da execução das obras e a
entrega do edifício-monumento em 1890, as obras complementares foram
implementadas na fase posterior de adequação ao Museu. Para tanto, em
1895, foram disponibilizados 27:404$550  réis para a adaptação e
conservação do Museu Paulista, sendo pago a A. Erhart e Wrigl o valor de
1:057$050 pela instalação de para-raios. As obras executadas por A. Civilotti
Rabe ficaram num total de 8:283$020  réis, dividido em três parcelas de
2:139$216, a serem pagas em 26 de junho, 4 de julho e 15 de julho, e uma
de 1:865$372, a ser paga em 27 de outubro.96
Para a decoração promovida por Taunay, realizada com vistas à
comemoração do Centenário da Independência, 234:000$000  réis foram
disponibilizados, refletindo a necessidade de completude do edifício-monumento
e sua adequação ao uso como museu.
Fica evidente que o edifício-monumento necessitou de valores adicionais
para a conclusão e adequação ao uso pretendido uma vez que ele era uma
construção ambiciosa, com muitos detalhes. Depois da conclusão da obra também
foram necessárias adaptações para adequar o edifício à função de museu.

20 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


O DESENVOLVIMENTO DO ENTORNO 97. Karepovs, op. cit.

98. Barro e Bacelli, op. cit.

99. Memorial…, op. cit.


O bairro Ipiranga, em 1822, era um subúrbio da província onde passava
100. Ibid.
a antiga estrada para Santos. Além de uma chácara pertencente ao coronel João
de Castro do Canto e Mello, estribeiro-mor do Império e pai de Domitila de Castro, 101. Ibid.

futura Marquesa de Santos, localizado próximo ao riacho Ipiranga.97


Mais tarde, em 1867, foi inaugurada a São Paulo Railway.98 Mas, só em
1881, a comissão encarregou o engenheiro Francisco Lobo Leite Pereira de traçar
propostas de estradas possíveis entre a cidade e a colina Ipiranga. De modo que,
em 1882, mesmo ano em que foi desenvolvido o projeto arquitetônico para o
edifício-monumento, o engenheiro apresentou a solução, informando que a estrada
partindo da rua Glória apresentava as melhores condições. Esse traçado, partindo
da rua Glória na descida Lava-pés, antiga estrada de ligação a Santos, foi
aprovado pelo presidente da província, Almeida Couto.99
No entanto, devido aos altos custos para implementação daquele traçado,
o presidente da Comissão de Obras ordenou novos estudos. O engenheiro
Steveaux foi incumbido do traçado a partir da Freguesia do Brás, passando pela
Mooca. O projeto foi aprovado pela repartição de obras públicas e pelo vice-
presidente da província, dr. Francisco Antonio Queiroz Filho.100
Depois, em 1888, Pucci traça uma proposta para a avenida Ypiranga,
seguindo o eixo do edifício até o cruzamento com a ruas Mooca e Piratininga,
formando um ângulo de 24°32’, seguindo em linha reta até a rua Bráz, em frente
à igreja Matriz. Essa planta, com as modificações da comissão, foi aprovada por
Francisco Rodrigues Alves, presidente da província.101
Por meio dos registros existentes e acessados, foi possível realizar a
reconstituição dos traçados para a ligação do edifício-monumento à cidade,
elaborados pelo engenheiro Francisco Lobo Leite Pereira e Luigi Pucci (Figura 9).

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 21


102. Revista do Museu Pau-
lista (1904).

103. Id., 1907, p. 7.

104. Revista do Museu Pau-


lista (1919).

Figura 9 – Traçados para a ligação do edifício-monumento à cidade. Fonte: Elaborado pelos auto-
res, a partir de Cardim (1897).

A Planta de 1897 revela o traçado existente entre o edifício-monumento e


a cidade a partir da rua Glória, mas apresenta como avenida projetada e não
executada até aquele momento a avenida até a rua Mooca.

A partir da abertura do museu, o bonde à tração animal, promovida pela


Companhia Viação Paulista, era o meio de transporte utilizado entre a cidade e o
edifício-monumento.102 O translado durava uma hora. Ao passo que em 1903 passou
a funcionar os trens elétricos da São Paulo Tramway Light and Power Company,
reduzindo o trajeto para 25 minutos.103 Durante os anos, a companhia não apresentou
melhorias, como o aumento do número de bondes ou duplicação da via.104

22 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


Há relatos que, entre 1901 e 1902, algumas edificações privadas estavam 105. Revista do Museu Pau-
lista (1904).
sendo construídas em terrenos do governo destinados à futura avenida Independência,
106. Revista do Museu Pau-
o que levou a demarcação definitiva desta.105 Anos depois do cercamento com lista (1920).

mourões e cinco fios de arames, além da falta de conservação da demarcação, fez 107. Id.,1922, p. 1295.

com que o diretor Ihering mandasse remover todo o cercamento. 106


108. Id., 1926, p. 745.

Depois de duas décadas, o engenheiro-chefe da Comissão da Avenida,


dr. Mario Whately, solicitou o fechamento do Museu por tempo indeterminado
devido à movimentação de terra (Figura 10) no entorno do edifício-monumento
decorrente das obras na avenida Independência.107 Em 1922, o percurso entre a
rua Bom Pastor até o acesso ao Museu, de aproximadamente trezentos metros, não
tinha calçamento, ocasionando transtornos em dias chuvosos.108

Figura 10 – Movimentação de terra realizada em 1920. Elaborado pelos autores a partir do Mappa Topographico de autoria
da empresa SARA BRASIL S/A, Escala, 1:5000, 1930, e Projeto de estrada entre a cidade e o Monumento do Ypiranga, Escala
1:2000, s.d. Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Machado, Corbisier e Noronha (1930).

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 23


109. Ibid.
Houve uma expressiva movimentação de terra e suavização do ângulo
110. Barro e Bacelli, op. cit. incidente no aclive entre o riacho Ipiranga até o edifício-monumento. Com isso, as
áreas destinadas ao jardim e à avenida em frente ao Museu sofreram cortes no
terreno para melhor acomodar o eixo monumental.
Em 1923, foi realizado o calçamento de toda a esplanada em frente ao
edifício-monumento. O dr. Whately promoveu a colocação de paralelepípedos nas
duas rampas de acesso aos portões laterais e entregou uma escadaria nobre
ampliada.109 Ao mesmo tempo, foi realizada uma passagem de automóveis pela
Companhia Antártica. Também teve início a urbanização das ruas comerciais e
residenciais de maior importância, como a rua Silva Bueno, Bom Pastor,
Sorocabanos e Manifesto.110
De modo sintético, a evolução e as transformações urbanas do Ipiranga,
limitado ao recorte temporal deste trabalho, apresenta a consolidação a partir do
Norte em sentido ao Sul, isto é, do centro ao subúrbio, e um desenvolvimento maior
a Leste, entre o edifício-monumento e a estrada de ferro (Figura 11).

Figura 11 – Evolução do entorno do edifício-monumento. Fonte: Elaborado pelos autores a partir de São Paulo (1895, 1905,
1913, 1916, 1924).

Portanto, o edifício-monumento foi um agente impulsionador do desenvolvimento


urbano no Ipiranga, transformando, em trinta anos, um arrabalde em um bairro com
traçado reticulado.

24 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


O JARDIM FRANCÊS, O PARQUE E O BOSQUE 111. Revista do Museu Pau-
lista (1895).

112. Id., 1902, p. 11-12.

No início da ocupação do edifício-monumento, Ihering relatou a 113. Id., 1907, p. 11.


necessidade de ajardinar a praça em frente ao Museu.111 Devido aos descuidos, 114. Id., 1911, p. 5.
a área perdeu 3 mil metros cúbicos de terra.112
115. Id., 1914, p. 15.
Entre 1903 e 1905, iniciou-se o preparo do terreno de fundos ao 116. Id., 1918.
edifício-monumento para abrigar um horto botânico, atual bosque. Com uso de
117. Id., 1911.
recursos do próprio Museu e a dedicação do sr. H. Lüderwaldt, foi possível
118. Revista do Museu Pau-
iniciar o plantio de arbustos e árvores, 113 reunindo a flora brasileira, lista (1919).
principalmente a paulistana.114 Depois, para a identificação das espécies, 119. Id., 1920, p. 464.
foram encomendados rótulos em porcelana, vindos da Europa.115
120. Revista do Museu Pau-
Apenas em setembro de 1907, o Secretário da Agricultura, dr.  Carlos lista (1922).

Botelho, solicitou a execução do jardim ao arquiteto paisagista Arsène Puttermans. 121. Id., 1926.

O jardim foi entregue em janeiro de 1909, apresentando estilo barroco francês, cujo 122. Diário Oficial da Cida-
de de São Paulo (2021,
principal expoente foi André Le Nôtre, paisagista dos jardins do Palácio de Versalhes. p. 19).

Apesar do embelezamento do entorno do edifício-monumento promovido 123. Revista do Museu Pau-


lista. (1945).
pelas espécies vegetais, o Ihering reclamou da parte técnica e do acabamento. Aos
poucos, com o trabalho de três jardineiros e dois ajudantes, deu-se o tratamento
adequado aos caminhos e canteiros. Entretanto, era necessária a reforma das sarjetas
e da canalização. A reforma das sarjetas e do gramado do jardim foi realizada por
Navarro de Andrade, em 1914, a pedido da Secretaria da Agricultura.116
Naquele mesmo período, a Companhia Antártica instalou o Parque
Ypiranga, em terreno contíguo ao do jardim.117
Apesar dos cuidados com o horto botânico, as geadas ocorridas em junho
de 1918 desencadearam a morte de árvores de grande porte, plantas exóticas
e até um bando de preguiças.118 Já em 1919, as árvores foram transplantadas,
vindas da Serra da Cantareira e outras matas. Com isso, a recuperação do horto
botânico estava em curso, incluindo a expansão da coleção de orquídeas,119
instalação de tanques para estudo da flora aquática e limnophila e cercados para
estudo do reino animal.120 Infelizmente, as plantas não desenvolveram o quanto
se esperava devido à falta de recurso financeiro para aquisição de adubo.121
Posteriormente, em 1923, um novo projeto paisagístico foi idealizado pelo
francês Félix Émile Cochet e executado pelo engenheiro Márcio Tomaz Whately.122
Há evidência de que o Castelo das Águas, do palácio Longchamp (1861-1869),
que abriga o Museu de História Natural e o Museu de Belas-Artes, em Marselha,
tenha servido de referência para a fonte d’água em frente ao edifício-monumento.123

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 25


124. Id., 1907.

Figura 12 – Fotografia do edifício-monumento e entorno imediato após inauguração do jardim


francês em 1923 (?) apresentando o resultado das atividades de embelezamento das áreas livres
públicas adjacentes ao edifício-monumento, bem como o estágio de desenvolvimento urbano do
local. Fonte: Arquivo do Museu Vicente de Azevedo da Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do
Ipiranga (FUNSAI). Reprodução: Equipe Museu Vicente de Azevedo.

No recorte temporal adotado, é nítido o estágio inicial de ocupação do


bairro Ipiranga, bem como o resultado das obras de movimentação de terra e
de consolidação do parque, jardim francês e recomposição do horto botânico,
que conferem ainda mais monumentalidade à edificação.

ADEQUAÇÃO DOS ESPAÇOS AO USO E À VISITAÇÃO

Segundo Ihering, desde a inauguração do Museu Paulista, o edifício-


monumento era aberto ao público às terças e quintas-feiras, das onze às
dezesseis horas, e aos domingos e feriados, das doze às dezessete horas.124
Com a chegada de Affonso D’Escragnolle Taunay à direção do Museu, em
1918, foi realizada uma remodelação das exposições. Taunay solicitou ao

26 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


almoxarifado da Secretaria do Interior mobiliário para as salas de zoologia, 125. Id., 1919.

que o enviou três elegantes vitrines. Para liberar novas salas à visitação pública, 126. Id., 1920, p. 485.

Taunay realocou as coleções de estudo, incluindo aves, ninhos, insetos, 127. Id., 1926, p. 693.

pequenos mamíferos e material em álcool.125 128. Revista do Museu Pau-


lista (1907).
Devido à proximidade com a comemoração do Centenário da
129. Id., 1911, p. 2.
Independência, Taunay, em 1919, evidencia a necessidade de destacar e
130. Revista do Museu Pau-
glorificar as tradições brasileiras, principalmente a paulista, em detrimento da lista (1919).
história natural.126 Assim, devido às excelentes condições de insolação das torres, 131. Id., 1926, p. 822.
a coleção de aves e mamíferos foi alocada, em 1922, na Torre Oeste. Com a
transferência da coleção de botânica para o Butantan, em 1923, a Torre Leste
foi ocupada pelo gabinete de entomologia, isto é, o estudo de insetos.127
Podemos observar três diferentes ocupações dos espaços do edifício-
monumento ao longo do recorte temporal abordado. Em 1895, a seção de
zoologia ocupava 19% do edifício, concentrando-se no pavimento superior.
Manteve-se o térreo ocupado com espaços administrativos e apoio. Em 1918,
com a direção de Taunay, passa a ocupar 12% em vez de 9%, como era antes,
mantendo a ocupação do pavimento superior. Para a comemoração do
Centenário da Independência, o diretor amplia o espaço expositivo dedicado
à história, passando a ocupar 36% da área total útil da edificação (Figura 13).
A visitação seguiu uma tendência crescente ao longo do tempo (Figura
14). Entretanto, apresentou baixas significativas entre os anos de 1900 e 1902
devido às condições inadequadas de conexão que a Companhia Viação
Paulista fornecia entre a cidade e o arrabalde Ypiranga.128 O crescimento
brusco da visitação a partir de 1909 se deve à redução pela metade do preço
da passagem de bonde.129 Posteriormente, ocorreu um decréscimo, sobretudo
em 1918, a justificativa foi a pandemia da gripe espanhola (1918-1920) e a
suspensão das visitas públicas, período em que o Museu permaneceu aberto
apenas por dez meses.130 Por fim, o valor nulo representado em 1921 se refere
ao fechamento do Museu durante todo o ano devido à preparação para a
comemoração do Centenário da Independência na avenida Independência e
na própria edificação.131

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 27


Figura 13 – Uso dos espaços em 1895, 1918 e 1922. Fonte: Anais do Museu Paulista (1945), Annaes do Museu Paulista (1922)
e Revista do Museu Paulista (1895, 1897, 1900, 1902, 1904, 1907, 1911, 1914, 1918, 1920, 1922, 1926).

Figura 14 – Número de visitantes por ano ao edifício-monumento. Elaborado pelos autores, a partir dos dados extraídos nos relató-
rios de Ihering e Taunay.

28 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


Como o uso de Museu foi proposto após a conclusão do projeto e da 132. Revista do Museu Pau-
lista (1895).
construção do edifício-monumento, coube aos primeiros diretores a adaptação
133. Id., 1897, p. 7.
possível dos ambientes internos para atender à complexidade do acervo
134. Id., 1898, p. 9-10.
existente e em processo de ampliação.
135. Id., 1902, p. 11-12.

136. Id., 1904, p. 7.

137. Id., 1911, p. 11.


NECESSIDADE DE EXPANSÃO
138. Revista do Museu Pau-
lista (1919).

139. Id., 1919, p. 911.


Já em 1895, Ihering afirmava que o edifício não tem muito espaço uma
vez que as loggias e o saguão ocupam metade do lugar disponível, não
oferecendo espaço para o desenvolvimento de coleções futuras.132 Naquele
momento, as coleções de estudo e setores de apoio localizavam-se no térreo,
enquanto as coleções expostas concentravam-se no primeiro pavimento.133
No relatório referente a 1897, quando a falta de espaço foi tratada como
obstáculo para o crescimento das coleções expostas ao público, Ihering sugeriu
a construção de uma “asa” atrás do monumento para receber as atividades que
ocupavam o pavimento térreo.134 Foi então que ele apresentou ao Governo do
Estado de São Paulo uma proposta para compra dos terrenos adjacentes ao
Museu, uma vez constatado que o terreno situado atrás não seria suficiente.135
Ele também conversou com alguns pintores, que reforçaram a opinião sobre a
construção de um pavilhão independente ao edifício-monumento, de um único
pavimento e com iluminação zenital, para abrigar uma galeria artística.136
Para a verificação da situação do Museu, professores da Escola Politécnica,
convidados pela Secretaria do Interior entre os anos de 1906 e 1909, emitiram um
relatório apontando a necessidade de construção de um edifício próprio para os
laboratórios, oficinas e coleções de estudo e aquisição de terreno com aproximadamente
115 mil metros quadrados ao redor do edifício-monumento visando ajardinamento,
aplicação de parque botânico, atual bosque, e edificações complementares.137
Ao ingressar na direção do Museu Paulista e realizar a reorganização das
salas, Taunay afirma que não haverá mais espaço no edifício-monumento, devendo ser
transferidos os depósitos, as coleções em série e a administração para outro edifício.138

Se o Estado não adquirir algum prédio ou não construir algum edifício especial para os depósi-
tos e colleções em série, será impossível o alargamento das secções públicas do Museu por
absoluta falta de espaço. Como já lembrei a V. Excia. esta mudança tornaria disponíveis, ain-
da, doze commodos do andar térreo do Monumento, perfeitamente adaptáveis, caso por
completo deles se transferissem a biblioteca, administração, oficinas, depósitos etc.139

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 29


140. Id., 1920, p. 486.
Em 1919, Taunay traça um programa de necessidades para um
141. cf. CONDEPHAAT
(1982; 2000).
desejável edifício anexo ao Museu de, pelo menos, mil metros quadrados, cujas
áreas estimadas se referem às dimensões já ocupadas por cada uma das áreas
mencionadas (Tabela 1). O diretor evidencia que

este edifício póde ser construído a poucas dezenas de metros do monumento, sobre a aveni-
da Nazareth, devendo-se prestar enorme atenção às suas condições de insolação. Esta é
defeituosíssimo no actual Museu, d’ahi a enorme humidade de toda a casa, tão prejudicial
aos que ali trabalham e às collecções.140

Tabela 1 – Programa de necessidades do anexo.

Área útil Área útil


Ambiente Ambiente
(m²) (m²)
Biblioteca 200 Diretoria 20
Secretaria e Arquivo 30 Gabinete de entomologia 60
Gabinete de ornitologia 40 Gabinete de mamíferos 80
Gabinete de aracnídeos, vermes Gabinete de geologia,
40 60
e animais mineralogia, paleontologia
Gabinete de química 40 Gabinete de etinografia* 40
Gabinete de crustáceos 45 Gabinete de ofídios e batraquios 40
Gabinetes de botânica 240 Oficina de taxidermia 80
Total 1.015 m²

*Sendo as coleções em álcool colocadas em três depósitos.

Fonte: Elaborado pelos autores, adaptado do relatório do Taunay de 1920.

Taunay ainda aponta a necessidade de um anfiteatro destinado a


conferências no Museu. Sugere como referência arquitetônica o projeto do
edifício central da Escola Polytechnica (1895-1899), atual Edifício Paula Souza,
e do Grupo Escolar Conselheiro Rodrigues Alves (1919), ambos em São Paulo
e desenvolvidos por Ramos de Azevedo (Figuras 15a, 15b e 15c).141
O edifício Paula Souza apresenta uma linguagem neorrenascentista,
composto por corpo central e dois torreões laterais. Tem amplos e numerosos
vãos, que permitem ventilação e iluminação natural no interior dos ambientes,
reforçadas pela existência de um prisma central que promove a ventilação
cruzada pelos cômodos, incluindo, no térreo, um lanternim que cria um efeito
chaminé, exaustando o ar quente do ambiente. Já o Grupo Escolar Rodrigues
Alves apresenta uma fachada sóbria, em estilo neoclássico e dois pavimentos.

30 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


Figuras 15a, 15b e 15c – Vistas do Edifício Paula Souza e do Grupo Escolar Conselheiro Rodrigues Alves, em 2022.

Dada a preparação para o Centenário da Independência, o edifício- 142. São Paulo (1894).

monumento, segundo a pesquisa documental, não contemplava mais espaços 143. Revista do Museu Pau-
lista (1895, p. 12).
para abrigar salas expositivas.

OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO DO MUSEU NOS PRIMEIROS ANOS

Desde a reorganização do Museu do Estado no edifício-monumento, foram


também previstas atividades-meio: (1) um diretor – responsável pelas atividades
administrativas, como a inspeção e fiscalização de todos os ramos de serviço,
nomeação, suspensão e demissão dos empregados do Museu, além de autorizar
despesas dentro das disposições do orçamento; (1) um zelador – ajudante científico
do diretor e substituto dele, como um vice-diretor; e (3) um servente.142
Com o início da gestão de Ihering foram realizadas importantes
instalações, como para-raios, fossa e abastecimento de água e escoamento de
águas pluviais; como pode ser observado no texto do diretor:

Assentaram-se os pararaios; a casa dos serventes levou grandes reparos, construiu-se uma
secreta e cercou-se o terreno situado atraz do Monumento. No anno corrente fez-se muito
pela conservação do Monumento, especialmente concertando os telhados que muito ha-
viam sofrido. Foi o Monumento abastecido de agua encanada, vinda de Cassununga,
sendo colocadas duas caixas d’agua de deposito em baixo do telhado. No vestíbulo e
concertou-se o aterro, muito estragado pelas aguas pluviais, sendo as rampas do aterro
plantadas de gramma, e construídas sarjetas para o esgoto das aguas pluviais.143

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 31


144. Id., 1900.
Outras importantes ações realizadas estão relacionadas à segurança
145. Id., 1902, p. 11-12. patrimonial. Grades de ferro foram instaladas nas janelas e criada uma subunidade da
146. Id., 1904, p. 3. polícia para o monitoramento noturno do edifício-monumento. Estas ações foram
147. Id., 1907, p. 11. desencadeadas pelo roubo de moedas de ouro na seção de numismática, em 1898.144
148. Id., 1914, p. 8, 14. Obras e reparos também foram extensamente realizadas entre os anos
149. Ibid. de 1899 e 1900 por um empreiteiro sob a fiscalização de um engenheiro da
Repartição de Obras Públicas, apesar da circular do Governo do Estado de
São Paulo, de 21 de dezembro de 1899, declarando suspensos os reparos
nos prédios em que abrigam repartições públicas.145 Com a supressão de verba
a partir de 1901, os reparos regulares foram reduzidos, se não extintos em
alguns casos. No entanto, o pessoal da conservação interna e dos serviços de
reparo nos para-raios, nas claraboias e nos telhados foram mantidos.146
Entre 1903 e 1905, novos reparos foram realizados no telhado,
condutores de água pluvial e claraboia, assim como, a instalação de dezessete
portões, dos quais doze foram instalados nas galerias e cinco na fachada a
fim de proteger a edificação das intempéries e potenciais roubos. Os portões
instalados contribuíram com a vigilância realizada pelos serventes do Museu,
devidamente uniformizados, e por soldados da Guarda Civil.147
A partir de 1911, o serviço de vigilância noturno passou a ser realizado
por equipe contratada. Enquanto a vigilância diurna, durante a visitação, era
feita por serventes e jardineiros do Museu. Nessa mesma época, a velha casa
ocupada pelos jardineiros foi demolida, dando lugar a uma nova construção,
executada pela Secretaria de Obras Públicas.148
Apesar dos reparos executados anteriormente nos telhados, o edifício-
monumento era acometido por constantes infiltrações. As ações de manutenção
corretiva eram recorrentes, principalmente na área sobre as loggias do pavimento
superior. A fim de solucionar os problemas de estanqueidade à água, entre 1910
e 1912 foram instaladas chapas metálicas na cobertura. Então, o edifício-
monumento já necessitava de pintura geral. No entanto, foram realizadas
intervenções pontuais em áreas mais vulneráveis ao tempo, com pintura à óleo,
uma vez que havia a impossibilidade de realizar o serviço geral.149
Com a crescente demanda de serviços, postos de trabalho para as atividades-
meio foram criados e substituições foram realizadas a fim de atender às expectativas
quanto aos serviços realizados. Exemplo disso foi a contratação de um terceiro
servente em 1° de fevereiro de 1914 e a substituição de dois guardas noturnos em
1915. Devido ao orçamento disponibilizado para 1916, o servente Ernesto Amadeu
foi dispensado. Com equipe enxuta, os funcionários também se dedicaram aos

32 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


cuidados com os oito hectares de jardim e horto botânico. À época, o serviço era 150. Id., 1918, p. 25.

realizado por apenas quatro pessoas, três homens e um menino.150 151. Ibid.

152. Id., 1919, p. 893.


Após a substituição de Ihering por Armando da Silva Prado, em 1916,
153. Ibid.
novas ações corretivas e preventivas foram realizadas nas esquadrias. As portas
e janelas empenadas foram consertadas, e os elementos externos de fechamento 154. Ibid.

dos vãos foram envernizados e aluminizados. Mais uma vez, os telhados foram 155. Id., 1920, p. 451.

reparados, bem como o conjunto de calhas.151 156. Id., 1926, p. 689.

157. Id., 1922, p. 1296.


Depois de nova substituição na diretoria, em relatório, Affonso D’Escragnolle
Taunay faz menção ao cuidado e zelo do parque pelo jardineiro Angelo Amadio.
Citou também o desligamento do jardineiro auxiliar José Paradella, substituído pelo
jornaleiro Antônio Pedro.152 Ressalta-se aqui a oportunidade dada a uma pessoa
de boa vontade, mas que, devido à falta experiência em jardinagem, desconhecia
as atividades a serem realizadas nas áreas vegetadas.
Em 1918, Taunay também providenciou o reparo de frestas e juntas do
mobiliário com massa de vidraceiro, bem como a pintura interna e externa dos armários.
A execução dos reparos foi organizada para que fosse feita uma sala por mês.153
A respeito do edifício como um todo, em 1918 e 1919, Taunay informou
a perfeita conservação, tendo realizado, em 1918, serviços pontuais, como o
conserto dos mastros alçados nos dias festivos já deteriorados,154 além de
comunicar a necessidade de reparo no telhado da casa dos jardineiros. Em
1919, uma nova substituição dos postos de jardinagem foi realizada por meio
da contratação de Seraphim Brisola e Caetano Casa.155
Houve uma nova tentativa de roubo da coleção de numismática Campos
Salles, mas foi detida pelo servente André Soares Pinheiro. A ação foi realizada
quando o assaltante arrombava a vitrine do armário. Esta interceptação foi
possível porque os funcionários estavam alocados para repouso em cômodo
próximo ao acervo. Depois disso, as esquadrias da sala foram chapeadas de
ferro e grades de ferro foram provisionadas para o corredor adjacente, assim
como a instalação de aparelho de alarme.156
Em 1920, o mesmo servente, André Soares Pinheiro, foi exonerado do cargo
e nomeado porteiro do Grupo Escolar José Bonifácio. Devido à dedicação do
profissional, Taunay redigiu um atestado evidenciando os excelentes serviços prestados
pelo servente ao Museu. Em seu lugar foi nomeado o jardineiro Valentim Pagotto e
Angelo Amadio, elogiado pelo diretor pelos serviços executados nas áreas externas.157

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 33


158. Ibid.
Esses fatos demonstram a observação do diretor Taunay pela progressão
159. Id., 1926, p. 701. de carreira dentro da instituição museal, permitindo aos profissionais de
160. Ibid. excelência alçar cargos de maior responsabilidade.
161. Ibid. Apesar dos bons serviços prestados no museu, a falta de água durante
162. Ibid. meses causou enorme transtorno. Houve uma revisão na rede de abastecimento do
163. Ibid.
Museu por parte da Repartição de Água.158 Para suprir a falta de água, sobretudo
no verão, e a ameaça de incêndio, Mario Whately prometeu construir um tanque
164. Ibid.
com capacidade de 100 mil metros cúbicos durante as obras de preparação do
entorno para o Centenário. Entretanto, a promessa não se cumpriu.159
A constante busca por manutenção predial permitiu a execução da
pintura geral em 1921, almejada desde 1910 e 1912. Com isso, todos os
armários existentes nas salas foram deslocados dos locais de origem. Como
medida mitigadora à deterioração dos objetos, as frestas das portas dos
armários foram obstruídas com papel. O que não impediu a depreciação dos
armários, que tiveram que ser novamente pintados.160
A construção de instalações sanitárias adequadas ao uso foi um ganho para
os usuários do museu durante a preparação do edifício-monumento para a
comemoração do Centenário da Independência. O engenheiro-arquiteto Bruno
Simões Magro foi o profissional incumbido para essa obra. Anteriormente, como o
edifício-monumento não tinha sistema de coleta de esgoto, os guardas eram instruídos
a indicar, aos visitantes, as rudimentares instalações sanitárias fora da edificação.161
Com o grande número de operários no interior do edifício-monumento
devido às obras de preparação para o Centenário e o receio de incêndios,
Taunay fez um seguro relativo à edificação e às coleções no valor de mil contos
de réis. O trabalho da equipe foi intenso, com destaque e elogio pelo diretor
ao porteiro Ricardo Lopes por sua incansável fiscalização no acesso ao edifício-
monumento, junto com o servente José Soares Pinheiro.162
O receio de Taunay com os incêndios foi constatado em 15 de fevereiro de
1922, quando houve um princípio de incêndio decorrente da ponta de um cigarro,
no qual quatro metros quadrados de assoalho foram destruídos. Segundo relato do
próprio diretor, o “começo de incêndio poderia ter devorado todo o Museu, dando
ao patrimônio do estado um prejuízo quiçá de uns 8 a dez mil contos de réis”.163
Para mitigar o risco de incêndio, foi cogitado e executada a transferência
do material em álcool para a antiga casa do diretor do museu, imóvel adjacente
ao edifício-monumento e recém adquirido pelo Estado. 164 Paralelamente a isso,
a casa dos jardineiros foi demolida por Mario Whately a pedido do diretor
devido ao estado de degradação dela.

34 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


Os preparativos finais para a comemoração do Centenário da Independência 165. Ibid.

demandaram ainda mais dos funcionários, cabendo ao contínuo José Barroso auxiliar 166. Ibid.

Taunay na reorganização das salas de história e ao servente Hygino Romano apoiar 167. Ibid.

Angelo Amadio, Valentim Pagotto e Seraphim Marzola na montagem das salas de


história natural. Posteriormente, o jardineiro Valentim Pagotto se despediu do cargo
e foi substituído por Saul Silva.165 Possivelmente, o jardineiro tenha se desligado do
museu devido a alteração de função e/ou sobrecarga sofrida no período que
antecedeu a reabertura do edifício-monumento aos visitantes.
Além do fechamento programado dos portões do Museu aos visitantes,
em 1921, durante a preparação do edifício-monumento para a comemoração
do Centenário da Independência, também houve outros casos isolados de
fechamento devido às chuvas, que enlamearam o entorno. Essa ação motivou
ameaças de depredação dos vidros do edifício-monumento.166
Em 1923, o incansável servente José Soares Pinheiro gozou de férias
remuneradas após doze anos de trabalho ininterrupto. Nesse mesmo ano, houve
nova substituição de jardineiro, o Caetano Casagrande foi exonerado a seu
pedido e Humberto Devedisi foi contratado.167
No recorte temporal deste artigo, fica claro os ajustes realizados no
edifício-monumento por meio de reparos e melhorias nas instalações, e também
junto à equipe orgânica e terceirizada constituída de serventes, jardineiros,
auxiliares e guardas que pretendiam prover ao museu maior eficácia no
atendimento ao público e ao acervo abrigado nos ambientes internos do Museu.

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 35


Figura 16 – Síntese das ações de atividades realizadas no edifício-monumento, 2022. Elaborado pelos autores a partir de adap-
tação de base gráfica de projeto de arquitetura de Hereñú + Ferroni Arquitetos cedido pelo Museu Paulista para fins exclusivos de
pesquisa acadêmica.

O edifício-monumento desde o início da fase de UOM, demandou diversas


ações de manutenção predial, principalmente corretivas, intensificação de segurança
patrimonial e serviços de limpeza e jardinagem que implicaram na ampliação das
equipes de apoio, concomitante ao crescimento do número de visitantes.

36 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme descrito e analisado, seis décadas decorreram entre a fase de


planejamento e a elaboração do projeto definitivo e a construção do edifício do
Museu Paulista. O recurso financeiro ficou evidenciado como o principal desafio na
fase de planejamento, enquanto os recursos humanos tiveram um relevante papel no
desenvolvimento do projeto e no decorrer da obra. Possivelmente, o requinte projetado
para a construção, detalhado durante a execução, e a escassez de mão de obra
especializada provocaram atrasos na entrega. O recurso material pode ser citado
como um desafio para a fase de adequação ao uso, com a aquisição de mobiliário
e novos elementos decorativos para os interiores do edifício-monumento que contava
com pequenos cômodos ou ambientes fechados e grandes áreas de circulação.
Durante os anos iniciais de operação e manutenção, o edifício-monumento,
abrigando o Museu Paulista, apresentou: (1) equipe muito reduzida e com
elevada rotatividade; (2) orçamentos para reparos e reformas reduzidos ou
cancelados; e (3) a própria edificação e entorno incompletos; as chuvas
constantes e a elevada umidade também podem ter contribuído para a evolução
dos problemas físico-técnicos e a degradação da edificação que a acompanhou
até o século XXI. Durante os primeiros sessenta anos, ocorreram várias adaptações
e complementações ao edifício já em uso, mas não previstas em projeto, incluindo
instalações hidráulicas, sistema de coleta de esgoto, instalação de caixa d’água,
entre outras. Somam-se a essas questões, preocupações em relação à
possibilidade de prevenção de incêndios, dificuldades persistentes para o
escoamento de águas pluviais pelos telhados, eventual inexistência de manutenção
periódica, como a pintura das fachadas e a gestão administrativa, com equipes
reduzidas para fazer a manutenção da própria edificação, dos jardins do entorno
e da própria segurança patrimonial. Os documentos analisados também indicam
o mobiliário inadequado e insuficiente para abrigar e expor as tipologias de
acervos e a recorrente necessidade de ampliação de espaços e de edificações
para abrigar as coleções, numerosas e em constante crescimento. A realização
dos levantamentos documentais permitiu a identificação das significativas ações
empreendidas pelos primeiros gestores e suas equipes para manter o Museu
aberto à visitação e aos pesquisadores, mesmo em um contexto turbulento.
A empreitada do edifício-monumento nos primeiros cem anos — desde a
ideação, passando pelo projeto, construção, adaptação, até a fase de UOM —
apontava para implantação em área urbana consolidada, com infraestrutura viária
e de transporte para pessoas, técnicos, funcionários, estudantes e/ou visitantes, e
para materiais, equipamentos e posteriormente acervos. Entretanto, o entorno, com

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 37


o sistema viário e o parque da Independência, foi executado após a própria
edificação, num processo reverso à lógica das práticas mais adequadas nos
campos da arquitetura e da engenharia já existentes e conhecidas no período.
Cabe ainda ressaltar que as dificuldades no decorrer do projeto, da construção
e do próprio UOM foram também em decorrência do planejamento e da programação
pouco clara do que se pretendia projetar e construir. Inicialmente se tratou de um
elemento escultórico, depois, de uma edificação, num primeiro momento uma escola
e, em seguida, um museu voltado à história natural, até que finalmente se consolidou
como um museu de história do estado de São Paulo e do Brasil, com distintas tipologias
de acervos e procedimentos enquanto reservas técnicas e diretrizes para exposições.
Essas alterações de propósitos, escalas e orçamentos não subsidiaram o desenvolvimento
dos projetos e da construção do edifício-monumento, independentemente do contexto
e das circunstâncias da época. Já na sua última versão, como museu de história, a
variedade e as dimensões dos tipos de acervos e de materiais dos quais eram
constituídos, de telas de grandes formatos a pequenos objetos, como moedas, tiveram
implicações — positivas e também restrições — nas possibilidades de uso da edificação
como abrigo e espaços positivos de acervos de grande importância, ao mesmo tempo
em que a própria edificação foi definida como acervo. O Museu Paulista, no Ipiranga,
desde os seus primeiros diretores, foi definido não só como ambiente de visitação,
acolhendo centenas de milhares de visitantes no decorrer dos anos, mas também como
espaço de ensino e pesquisa de alto nível, recebendo nas últimas décadas estudantes
do ensino básico, da graduação e da pós-graduação, além de outros pesquisadores,
mesmo sem ter havido previsão de acolhimento em seu programa de necessidades
original. Essas situações, atípicas, persistentes e, muitas vezes, de caráter emergencial,
podem ter tido impactos nos processos de decisão sobre a operação e manutenção
no final do século XIX, em todo o século XX e até o início do século XXI.
É inegável que o edifício-monumento apresente elevada qualidade
estética e construtiva, servindo de referência para edificações posteriores, dos
mesmos projetistas, como o anexo do Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro,
e o Palacete da Chácara do Carvalho, em São Paulo, assim como foi o
epicentro para o desenvolvimento do bairro do Ipiranga e referência —
passada, presente e futura — nas questões vinculadas à história.
Por outro lado, o conjunto de questões, problemas e soluções identificados nos
primeiros cem anos do Museu Paulista, desde o seu planejamento até seu uso, amplia
ainda mais o entendimento das ações atuais para a restauração, recuperação,
ampliação e modernização da infraestrutura do edifício-monumento, preservadas suas
características patrimoniais, abrindo caminho para um facility management
contemporâneo a partir da reabertura no Bicentenário da Independência.

38 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


REFERÊNCIAS

FONTES MANUSCRITAS

RAMOS, Ernesto M. da Silva. Ata da Comissão do Monumento do Ipiranga, de 19 de dezembro


de 1880. São Paulo: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 2022. Acervo histórico da
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

FONTES IMPRESSAS

Publicações do Museu Paulista

ANAIS DO MUSEU PAULISTA: Comemorativo do Primeiro Cincocentenário da Fundação


do Museu. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, t.  12, 1945. Direção:
Affonso d’Escragnolle Taunay.

ANAIS DO MUSEU PAULISTA: História e Cultura Material. São Paulo: Universidade de São
Paulo, v. 10 e 11, 2003. Direção: Raquel Glezer.

ANNAES DO MUSEU PAULISTA: Commemorativo do Primeiro Centenario da Independencia


Nacional. São Paulo: Officinas do Diário Official, t. 1, 1922. Direção: Hermann von Ihering.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typ. a Vapor de Hennies Irmãoes, v. 1, 1895.
Direção: Hermann von Ihering.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typ. a Vapor de Hennies Irmãoes, v. 2, 1897.
Direção: Hermann von Ihering.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typ. a Vapor de Hennies Irmãoes, v. 3, 1900.
Direção: Hermann von Ihering.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typographia do Diário Oficinal, v. 5, 1902. Direção:
Hermann von Ihering.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typographia do Diário Oficinal, v. 6, 1904. Direção:
Hermann von Ihering.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typ. Cardozo, Filho & Cia., v. 7, 1907. Direção:
Rodolpho von Ihering.

ANNALS OF MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023. 39


REVISTA DO MUSEU PAULISTA, São Paulo: Typographia do Diário Oficinal, v. 8, 1911. Direção:
Hermann von Ihering.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typographia do Diário Oficinal, v. 9, 1914. Direção:
Hermann von Ihering.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typographia do Diário Oficinal, v.  10, 1918.
Direção: Affonso d’Escragnolle Taunay.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typographia do Diário Oficinal, v.  11, 1919.
Direção: Affonso d’Escragnolle Taunay.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Typographia do Diário Oficinal, v.  12, 1920.
Direção: Affonso d’Escragnolle Taunay.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA: Commemorativo do Primeiro Centenario da Independencia


Nacional. São Paulo: Officinas do Diário Oficinal, v. 13, 1922. Direção: Affonso d’Escragnolle
Taunay.

REVISTA DO MUSEU PAULISTA. São Paulo: Officinas do Diário Oficinal, v. 14, 1926. Direção:
Affonso d’Escragnolle Taunay.

Outras publicações

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p. 383, 1892.

LÖEFGREN, Alberto. Boletim da Commissão Geographica e Geologica do Província de S. Paulo:


Dados Climatologicos dos anos de 1887 e 1888. São Paulo: Leroy King Bookwalter Typographia
King, 1889. 38 p.

LÖEFGREN, Alberto. Boletim da Commissão Geographica e Geologica do Província de S. Paulo:


Dados Climatologicos dos anos de 1889. São Paulo: Leroy King Bookwalter Typographia King,
1890. 55 p.

LÖEFGREN, Alberto. Boletim da Commissão Geographica e Geologica do Estado de S. Paulo:


Dados Climatologicos dos anos de 1890. São Paulo: Leroy King Bookwalter Typographia King,
1891. 78 p.

MEMORIAL SOBRE A RESCISÃO DOS CONTRACTOS DO ENGENHEIRO BEZZI REFERENTES


AO MONUMENTO DO YPIRANGA. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1905.

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RAMALHO, Joaquim Ignacio (Barão de Ramalho). Relatório do presidente da comissão do


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Leroy King Bookwalter, 1886.

RAMALHO, Joaquim Ignacio (Barão de Ramalho). Relatório do presidente da comissão do


Monumento do Ypiranga, lido na sessão de 7 de setembro de 1888. São Paulo: Typographia de
Leroy King Bookwalter, 1888.

RAMOS, Ernesto M. Da Silva. Ata da Comissão do Monumento do Ipiranga, de 19 de dezembro


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Fotografia

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Vicente de Azevedo da Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga (FUNSAI).

Mapas

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Escala: 1:20.000.

MACHADO, Agenor; CORBISIER, Georges NORONHA, Silvio Cabral. Mappa topographico do


municipio de São Paulo, 1930. São Paulo: Sara Brasil, 1930. 1 mapa, color. Escala: 1:5000.

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SÃO PAULO. Planta geral da cidade de São Paulo. São Paulo: Secretaria de Estado de Economia
e Planejamento, 1905. 1 mapa, color. Escala: 1:10000.

SÃO PAULO. Planta geral da cidade de São Paulo. São Paulo: Secretaria de Estado de Economia
e Planejamento, 1913. 1 mapa, color. Escala: 1:15000.

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e Planejamento, 1916. 1 mapa, color. Escala: 1:20000.

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Normas Técnicas

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CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E


TURÍSTICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (CONDEPHAAT). Processo de tombamento
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CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E


TURÍSTICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (CONDEPHAAT). Processo de tombamento
nº 22106/82. São Paulo: CONDEPHAAT, 1982. Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 236,
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CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E


TURÍSTICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (CONDEPHAAT). Processo de tombamento
nº 23.046/84. São Paulo: CONDEPHAAT, 1984. Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 373, 10
ago. 2010. Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL (INEPAC). Processo de tombamento


nº E-03/039.569/78. Rio de Janeiro: Inepac, 1978a. Tombamento Definitivo: 18 nov. 1987. Clube
Naval, Rio de Janeiro.

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL (INEPAC). Processo de tombamento


nº E-03/033.716/78. Rio de Janeiro: Inepac, 1978b. Tombamento Definitivo: 14 mar. 1979.
Palacete Conde de Itamaraty.

42 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 31, 2023.


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SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Fazenda. Lei nº 76, de 19 de julho de 1892. Diário Oficial,
São Paulo, 19 jul. 1892.

SÃO PAULO. Secretaria de Estado dos Negócios do Interior. Decreto nº 249, de 26 de julho de
1894. Diário Oficial, São Paulo, 26 jul. 1894.

SÃO PAULO. Secretaria de Estado dos Negócios do Interior. Lei nº 200, de 29 de agosto de
1893. Diário Oficial, São Paulo, 29 ago. 1893.

SÃO PAULO. Secretaria do Governo da Província de S. Paulo. Lei nº 10, de 13 de fevereiro de


1881. Diário Oficial, São Paulo, 13 fev. 1881.

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Artigo apresentado em: 28/07/2022. Aprovado em: 21/12/2022.

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