Historia de Caieiras Vanice - Jeronymo
Historia de Caieiras Vanice - Jeronymo
Historia de Caieiras Vanice - Jeronymo
VANICE JERONYMO
São Carlos
2011
VANICE JERONYMO
São Carlos
2011
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Jeronymo, Vanice.
J56c Caieiras: núcleo fabril e preservação. / Vanice
Jeronymo ; orientadora Telma de Barros Correia. São
Carlos, 2011.
Toda pesquisa aqui desenvolvida não seria possível sem o auxílio de tantos que
comigo partilharam deste processo. Começo com a Profª. Drª. Telma de Barros Correia,
orientadora deste trabalho, a quem devo agradecer por toda a atenção dedicada, pelo exemplo,
paciência e por todas as oportunidades proporcionadas.
Agradeço especialmente à família de Izidro e Vanda Gabrielli, que não mediu esforços
para colaborar com o trabalho de identificação das vilas.
À família Martinho, em especial Rosi e Rosana, por tudo que fizeram desde que
cheguei a Caieiras.
This dissertation deals with the formation of core manufacturing improvements made by the
Company in Caieiras (SP). Established themselves as research subjects the buildings erected
during the growth period of the nucleus, the daily training of workers and population, the
process of dismantling the core and initiatives aimed at preserving the remaining buildings.
Analyzes the architecture of buildings and collective household such as housing for workers
and managers, churches, clubs, cinema, stores, schools, railway station buildings and work-
related and industrial production. In this analysis we observed the predominance of the
eclectic architecture of coated elements of classical language. The main objective of this
dissertation is to examine the spatial formation of the core manufacturing and thinking about
measures for the conservation of buildings remaining in the current context where the assets
of the company rather is embedded in the process of fragmentation and real estate
appreciation. Notes the need for further discussion on issues related to the practice and
implementation of policies for heritage preservation in Caieiras, highlighting the weaknesses
of the current municipal legislation which deals with the need to protect the cultural heritage
of the city. The completion of this study was based on literature about the topic, the
systematization of the material obtained through research in historical archives, in metric
surveys, and the iconographic interviews with former residents and workers in the industrial
core of Caieiras.
Introdução ................................................................................................................................. 29
1 História da Companhia ....................................................................................................... 39
1.1 Caieiras e a Companhia Melhoramentos ......................................................................... 39
1.2 Antonio Proost Rodovalho: as ações do fundador .......................................................... 41
1.3 Da fazenda à consolidação da Companhia Melhoramentos ........................................... 46
1.4 A incorporação à Weiszflog Irmãos ................................................................................. 53
2 Organização Social e Espacial de Caieiras ........................................................................ 63
2.1 A organização das vilas .................................................................................................... 63
2.1.1 1877-1920: primeiras ocupações................................................................................... 63
2.1.2 1930-1960: surgimento das novas vilas ........................................................................ 71
2.1.3 1960-2010: loteamentos e desmonte ............................................................................. 85
2.2 O povoamento das vilas .................................................................................................... 95
2.2.1 Crescimento da população ............................................................................................. 95
2.2.2 Famílias imigrantes ........................................................................................................ 99
2.3 O trabalho na Companhia ............................................................................................... 112
2.3.1 O trabalho masculino ................................................................................................... 117
2.3.2 Mulheres e crianças...................................................................................................... 123
2.3.3 Greves ......................................................................................................................... 131
2.4 A formação e educação do trabalhador: a participação da igreja e da escola ............. 135
2.5 Bem estar físico e mental: as comemorações, cultura, saúde e utilização das horas livres ... 142
2.6 A localização estratégica: isolamento e proximidade com a capital ............................ 150
2.7 A região do Juqueri ......................................................................................................... 154
3 Habitação e Arquitetura ................................................................................................... 163
3.1 Moradia em Caieiras ....................................................................................................... 163
3.1.1 As casas operárias até a década de 1920 .................................................................... 165
3.1.2 Modernização da moradia nas décadas de 1930 e 1940 ............................................ 171
3.1.3 Moradia para chefes ..................................................................................................... 179
3.1.4 Habitação dos solteiros ................................................................................................ 183
3.1.5 Instalações sanitárias ................................................................................................... 185
3.1.6 Áreas livres, quintais e porões .................................................................................... 187
3.1.7 O princípio da não gratuidade ..................................................................................... 192
3.2 Arquitetura ....................................................................................................................... 195
3.2.1 Arquitetura ferroviária .................................................................................................195
3.2.2 Arquitetura da era industrial ........................................................................................203
3.2.3 Neoclassicismo e Ecletismo .........................................................................................204
3.2.3.1 Os fornos de cal ..........................................................................................................206
3.2.3.2 Armazém e escolas .....................................................................................................219
3.2.3.3 Cinemas e clubes ........................................................................................................228
3.2.3.4 Igreja do Rosário ........................................................................................................235
3.2.3.5 Oficina mecânica ........................................................................................................238
3.2.4 O Neocolonial: Capela São José ..................................................................................242
3.2.5 A nova Fábrica de Papel: da linguagem clássica ao modernismo ............................ 247
4 Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes ................................................... 255
4.1 Considerações sobre a preservação e atribuição de valores ......................................... 255
4.2 IPHAN e CONDEPHAAT ............................................................................................. 256
4.3 Algumas considerações sobre o Patrimônio Industrial ................................................ 260
4.4 Caieiras como representação do Patrimônio Industrial ................................................ 266
4.5 A lei de proteção, manutenção e a demolição dos edifícios ........................................ 269
4.6 Dinâmica urbana e patrimônio ....................................................................................... 275
Considerações Finais ........................................................................................................... 283
Referências............................................................................................................................ 289
Apêndices .............................................................................................................................. 301
Anexos ................................................................................................................................... 305
Introdução 29
Introdução
1
CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip. O mundo fabril penetra na cidade. In: CAMPOS, Cândido
Malta; GAMA, Lúcia H.; SACCHETA, Vladimir. São Paulo, metrópole em trânsito: percursos urbanos e
culturais. São Paulo, SENAC, 2004. pp. 82-89. CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip. Ascensão e
declínio de um modo de morar: vilas operárias e núcleos fabris no estado de São Paulo. Desígnio. V 6, 2006, pp.
143-164. CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip. A industrialização brasileira e a dimensão geográfica
dos estabelecimentos fabris. Revista Brasileira de Estudos Urbanos Regionais, V 7, N1, maio de 2005. PP. 17-
53. CORREIA, Telma de Barros. Pedra: Plano e cotidiano operário no sertão. Campinas: Papirus, 1998. –
(Série Ofício de arte e forma). CORREIA, Telma de Barros. A construção do habitat moderno. São Carlos:
Rima, 2004; CORREIA, Telma de Barros. A indústria e o habitat operário no Brasil. In: Panet, Amélia (org).
Estrutura urbana, trabalho e cotidiano. João Pessoa: UNIPÊ Editora, 2002; CORREIA, Telma de Barros.
Núcleo Fabril x Cidade Livre: os projetos urbanos da Klabin do Paraná. Anais do V Seminário de História da
Cidade e do Urbanismo. Campinas, 1998; CORREIA, Telma de Barros. De vila operária a cidade-companhia: as
aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular. Revista Brasileira de Estudos
Urbanos e Regionais. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional,
São Paulo, N4, maio de 2001. pp. 83-98; CORREIA, Telma de Barros. Núcleos fabris e de mineração no Brasil:
As experiências pioneiras. Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-Graduação e
Pesquisa do Departamento de Arquitetura e Urbanismo EESC-USP, n. 3, p. 15-42, 2006; CORREIA, Telma de
Barros. A indústria moderna no cenário clássico. Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Programa
de Pós-Graduação e Pesquisa do Departamento de Arquitetura e Urbanismo EESC-USP, n. 8, p. 69-101, 2008;
CORREIA, Telma de Barros. Art decó e Indústria, Brasil décadas de 1930 e 1940. Anais do Museu Paulista, V.
16, N.2, jul-dez 2008, PP. 47-104; BLAY, Eva A. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São
Paulo. São Paulo, Nobel, 1985, TEIXEIRA, Palmira Petratti. A fábrica do sonho: trajetórias do industrial
Jorge Street. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
2
BENCLOWICZ, Carla Milano. Prelúdio Modernista, Construindo a Habitação Operária em São Paulo.
São Paulo, USP, 1989. Dissertação de Mestrado apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo;
BALLEIRAS, Mary Helle Moda. Indústria e Habitação, Arquitetura fabril no interior de São Paulo. São
Carlos, EESC-USP, 2002. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo; COSTA. Georgia Carolina
Capristano da. Batatuba, Brasil – uma “cidade serial”. In: Anais do Oitavo Seminário DOCOMOMO Brasil.
Rio de Janeiro, 2009.
32
3
DEAN, Warren. A fábrica São Luiz de Itu: um estudo de Arqueologia Industrial. In: Anais de História, 1976,
Assis, SP: Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, ano VIII, 1976, p.9-25;
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Patrimônio Industrial e Política Cultural. In: Anais do I Seminário Nacional de
História e Energia, 1986, p. 68-73.
4
KÜHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexos sobre sua
preservação. São Paulo: Ateliê Editorial: Fapesp: Secretaria da cultura, 1998; KÜHL, Beatriz Mugayar.
Preservação do Patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê
Editorial, 2008.
5
DONATO, Hernâni. 100 Anos de Melhoramentos. São Paulo: Melhoramentos, 1990; BRUGGEMANN,
Marcelo Vagner. Caieiras: A construção do espaço. São Paulo: Parma, 2007; PERES, Celina Graziano Jorge de.
Cidade dos Pinheirais, a saga de uma brava gente. São Paulo: Perfil Editora, 2008.
6
Luis Carlos Mancini (1917-2011). Assistente social e um dos fundadores do Instituto de Serviço Social criado
em São Paulo em 1940. Primeiro presidente da Associação Brasileira de Assistentes Sociais (disponível em
http://publique.rdc.puc-rio.br/jornaldapuc/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2115&sid=29&tpl=printerview.
Acessado em 17-06-2011 às 16:41h).
7
LANGENBUCH, Jurgen Richard. A Estruturação da Grande São Paulo. Estudo de geografia urbana. Rio de
Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia. Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e
Cartográfica, 1971.
Introdução 33
8
Prontuário 96964 e 44311 – Companhia Melhoramentos; Prontuário 98023 – Alfredo Weiszflog; Prontuário
51149 – Frederico Guilherme Weiszflog; Prontuário 21264: Johannes Ehlert; Prontuário 22140 – Walter
Weiszflog; Prontuário 51156- Christian Christensen Niels.
9
COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO – INDÚSTRIA DE PAPEL 1890-1950. São Paulo:
Companhia Melhoramentos, s.d.; COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO (Weiszflog Irmãos
inc.) Fábrica de Papel – Editora – Oficinas Gráficas, Fundada em 1890. São Paulo – Caieiras –Rio de
Janeiro. São Paulo: Companhia Melhoramentos, s.d.; O PROBLEMA DA MATÉRIA PRIMA DO PAPEL NO
BRASIL. ESTUDOS E REALISAÇÕES FEITOS EM CAYEIRAS PELA COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO. São Paulo: Companhia Melhoramentos, s.d.
34
Capítulo I
História da Companhia
38
História da Companhia 39
1 História da companhia
10
Os limites de Caieiras foram fixados ao norte com o município de Franco da Rocha, ao leste com Mairiporã, ao
sul com São Paulo (bairro de Perus) e a oeste com Cajamar.
40
vegetação original, formada por matas nativas, deu lugar às florestas de reflorestamento -
necessárias como matéria prima para a produção de papéis - promovidas pela Companhia
Melhoramentos.
Pode-se dizer que até a década de 1930 o desenvolvimento de Caieiras foi restrito às
vilas do núcleo fabril constituído nos limites territoriais da Companhia. O núcleo chegou a
abrigar, por volta de 1960, quase 10.000 pessoas. Com o início da ocupação das áreas
externas à Companhia, novos bairros começaram a surgir dando continuidade ao
crescimento territorial e demográfico da cidade fora da área da empresa, enquanto as
antigas vilas construídas nas áreas internas começavam a desaparecer gradativamente. Na
década de 1980 o desmonte das vilas internas foi intensificado, chegando quase à total
demolição das casas e edifícios de uso coletivo. Neste período a Companhia
Melhoramentos deu início a atividades imobiliárias promovendo novos loteamentos.
Após a emancipação de Caieiras, o recém constituído município contava com
recursos financeiros para aplicação em melhorias urbanas e a região começou atrair novos
empreendimentos industriais. O crescimento industrial da cidade foi intensificado a partir
da década de 1970 com a transferência de indústrias paulistanas seduzidas pelas vantagens
fiscais e pela localização favorável (próxima da capital e com fácil acesso para o interior)
oferecida para os empresários que começavam a se instalar nas proximidades da antiga
Estrada Velha de Campinas (BRUGGEMANN, 2007).
Paralelo ao crescimento industrial, o crescimento da população foi ininterrupto,
contabilizando, em 2009 cerca de 90.000 habitantes estimados pelo IBGE. Esta população
se distribui em bairros e vilas constituídos fora dos limites da Companhia11. Este
crescimento teve grande intensificação entre as décadas de 1990 e 2007 quando o censo do
IBGE apontava um “salto” de 39069 para 81163 habitantes. Parte deste crescimento pode
ser atribuído às melhorias de acesso à região, promovidas pela inauguração do trecho oeste
do Rodoanel de São Paulo que ocorreu neste período e contribuiu para uma nova
11
As atuais vilas e bairros que formam a cidade de Caieiras são externos à área da Companhia. Considera-se a
Melhoramentos com um dos bairros que formam o município. Ver Bruggemann (2007) para as características
gerais de cada vila e bairro. Os loteamentos existentes cadastrados na Prefeitura são: Alpes de Caieiras, Calcárea,
Centro, Chácara Paraíso da Serra, Cresciúma, Desmembramento Alceu Rabello, Fazenda Cantareira, Jardim San
Diego, Jardim Adelfiori, Jardim Boa Vista, Jardim dos Eucaliptos, Jardim Esperança, Jardim Helena, Jardim
Marcelino, Jardim Maria Luiza, Jardim Monte Alegre, Jardim Nova Era, Jardim Novos Rumos, Jardim Regina,
Jardim São Francisco, Jardim Santo Antonio, Jardim Vera Tereza, Jardim Virgínia, Jardim Vitória, Jardim
Planalto, Jardim São Simão, Laranjeiras, Morro Grande, Nova Caieiras I, II, III, IV, Nova Baviera, Portal das
Laranjeiras, Parque das Esmeraldas, Parque Deniolli, Parque do Alto, Parque Industrial Araucárea, Parque Santo
Inês, Ninho Verde, Nova Baviera, Parque São Rafael, Parque Suiça, Residencial Val Verde, Santa Edwiges, Sítio
Aparecida, Vila dos Pinheiros, Vila Miraval, Vila Nova Pinheiros, Vila Ajoá, Vila Angélica, Vila Gerturdes, Vila
Industrial, Vila Maria, Vila Rosina, Vila São Gonçalo, Vila São João, Vila São Miguel, Vila São Simão.
História da Companhia 41
12
Após o apoio ao Exército na Guerra do Paraguai (1865-1870), Rodovalho recebeu o título de coronel (Donato,
1990).
42
13
O engenheiro responsável pela construção da ferrovia José Elias Pacheco Jordão, Antonio de Queiroz Telles e
Antonio Paes de Barros estavam entre os fundadores da Cia. Ituana (VICENTINI, 2007).
14
Eram eles: Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, Clemente Falcão de Souza Filho, Joaquim Egídio de
Souza Aranha e membros da família Prado compunham o quadro de fundadores da Cia. São Paulo e Rio de
Janeiro (VICENTINI, 2007).
15
Entre os organizadores da Cia. Bragantina estavam Luis de Oliveira Lins de Vasconcelos, Clemente Falcão de
Souza Filho, Bernardo Avelino Gavião Peixoto e membros da família Dias da Silva (VICENTINI, 2007).
História da Companhia 43
Donato (1990) aponta o ano de 1877 para a construção de dois fornos de barranco
para produção de cal na fazenda de Rodovalho. Nesta fazenda, localizada às margens do
prolongamento da São Paulo Railway para Jundiaí e às margens do Rio Juqueri, foi
constatado a presença de minerais ricos em carbonato de cálcio. A fazenda foi adquirida na
década de 1860, provavelmente com o conhecimento do parecer elaborado em 1863 pelo
engenheiro Brunless16 que considerava o manancial localizado nesta área como o mais
indicado para o abastecimento da cidade de São Paulo, já que o pai de Rodovalho pertencia
à Câmara Municipal (BRUNO, 1984, v.II). Nesta mesma época, o Coronel Rodovalho
juntamente com Benedito Antonio da Silva17 e Daniel Makinson Fox18 fundaram a
Companhia Cantareira de Esgotos visando à extração dos recursos naturais do manancial
próximo à região da fazenda para prestação de serviços de higienização na Capital. O
desenvolvimento da Companhia Cantareira de Esgotos e a extensão de fabricação dos
produtos como cal, manilhas, ladrilhos, guias, sarjetas e posteriormente tijolos e telhas,
atraíram diversos trabalhadores para o local. Para acomodação deste contingente foram
construídas originalmente, 180 residências no local, constituindo-se um dos primeiros
núcleos habitacionais organizados para trabalhadores livres do Brasil (DONATO, 1990). O
recrutamento dos imigrantes para o trabalho na fazenda de Rodovalho era facilitado pelo
serviço da própria empresa de imigração que ele possuía na cidade de Santos
(MAGALHÃES, 2002). E para suprir a necessidade de escoamento da produção,
Rodovalho e seus sócios ingleses da Cantareira conseguiram a criação de uma parada de
trens da São Paulo Railway na região, criando assim, em 1883, a Estação Ferroviária de
Caieyras, cujo nome era uma referência aos fornos de cal (DONATO, 1990).
Atento às novas necessidades do mercado que apontava a falta de papel e também a
iminente diminuição da demanda da produção de derivados da cal que eram ofertados ao
município de São Paulo, Rodovalho deu início a um novo projeto: o aprimoramento de
substâncias experimentais para o fabrico de papel. Com isto, iniciava-se, em 1887, o
projeto para a nova fábrica e, para tanto, a empresa Gebrüder Hemmer, Neidemburg, Pfalz
foi convidada. No ano de 1890, com o funcionamento da primeira das três máquinas da
fábrica, iniciou a produção de papel industrializado, consolidando, neste mesmo ano, a
16
Neste ano, o governo da província comissionou o engenheiro inglês James Brunless para fazer um estudo para
um plano geral de abastecimento. Auxiliado pelo colega Hooper e por Fox, Brunless apresentou um relatório em
que dizia ser a água do Ribeirão da Pedra Branca, na serra da Cantareira, preferida para o abastecimento da cidade
de São Paulo. No mesmo ano, a utilização da água da Cantareira foi indicada também por outro especialista, o
engenheiro Charles Romieu (BRUNO, 1984, v. II).
17
Capitalista, prestador de serviços da província da construção civil em São Paulo, foi acionista de companhias
ferroviárias (BRITO, 2000).
18
Fox foi, em 1874, o superintendente da São Paulo Railway
44
19
As caixas econômicas recebiam pequenas quantias em depósitos com finalidade de rendimento de juros que
seriam capitalizados ao final de cada semestre do ano civil e os montes de socorro tinha como propósito fazer
empréstimos sob penhor de pequenas somas às pessoas de classes econômicas menos favorecidas (VICENTINI,
2007).
20
Rodovalho foi casado com Ana Etelvina Dutra Rodrigues Rodovalho e deste casamento nasceram os filhos:
Henriqueta Rodovalho, Antonio Proost Rodovalho Junior, Maria Rodovalho, Joanna Rodovalho e Antonio
Joaquim Tavares Rodovalho.
História da Companhia 45
21
Participaram da constituição da Companhia Viação Paulista: João Batista de Mello Oliveira, Francisco Maria
de Mello Oliveira, Joaquim Egídio de Souza Aranha, Olavo Egídio de Souza Aranha, Ismael Dias da Silva,
Samuel Dias da Silva, Domingos de Moraes, Antonio Lacerda Franco, Joaquim Franco de Lacerda, Carlos
Teixeira de Carvalho, Luis Pucci, Bráulio Gomes, Carlos de Campos e Camilo Cresta (BRITO, 2000).
22
Associados à Companhia Industrial Rodovalho: Antonio Proost Rodovalho Junior, Cícero Bastos, João Pinto
Gonçalves, Vitor Nothmann, Luis Pucci, Gabriel Dias da Silva, Ismael Dias da Silva, Lins de Vasconcellos,
Eugenio de Carvalho, Domingos Sertório e Randolpho Margarido da Silva (BRITO, 2000).
23
A Companhia Ítalo Paulista foi fundada em sociedade com Luis Pucci, João Pinto Gonçalves, Vítor Nothmann,
Camilo Cresta e Tarquínio Taranti (BRITTO, 2000).
46
24
SIMONSEN, Roberto C. Evolução industrial no Brasil e outros estudos. São Paulo: Nacional; Ed.USP,
1973.
História da Companhia 47
25
O paternalismo era caracterizado por três traços principais: a presença física do patrão no local de produção,
relações socais do trabalho concebidas conforme o modelo familiar (o patrão é o pai e os operários são os filhos),
a constante participação dos operários nas festas promovidas pelo patrão e a aceitação desta integração pelos
operários que se orgulhavam de participar da empresa com a qual se identificavam (PERROT, 1988).
26
Na periferia norte da cidade de São Paulo havia por volta de 4.000 operários, na década de 1890, que
trabalhavam em diferentes caieiras e pedreiras, para a construção de novos bairros – uma exigência da expansão
urbana da época (HARDMAN, 1982).
48
27
No primeiro momento de difusão da indústria no Brasil, os grupos de casas localizados em áreas rurais eram
chamados muitas vezes de “vilas” ou “povoado”, por tratar-se de local com população reduzida e subordinação
política a uma cidade, ou eram chamados de “fazenda” em referência ao vínculo agrário do empreendimento
industrial, onde em muitos casos a empresa se constituía em uma antiga fazenda e assim continuava a ser
chamada (CORREIA, 2001).
História da Companhia 49
28
RAFFARD, Henri. Alguns dias na Paulicéa. Revista do Instituto Histórico e Geográphico Brazileiro, Rio de
Janeiro, 55 (parte 2):159-258, 1892.
29
O parecer foi assinado por Theophilo Teixeira de Almeida, Virgilio Ramos Gordilho, José Pinto de Oliveira.
Posto a votos, foi aprovado unaninemente. A assembléia foi presidida por Luis Martins do Amaral e teve como
primeiro e segundos secretários Eduardo P. Guinle e João Gomes Ribeiro de Avellar. O presidente da Assembléia
proclamou a diretoria da Companhia Melhoramentos de São Paulo, de conformidade com os estatutos aprovados
por Manuel Vicente Lisboa, presidente, Antonio Alves de Carvalho, tesoureiro, Carlos César de Oliveiras
Sampaio, diretor industrial, Manuel Dias do Prado, diretor agrícola. Os membros do conselho fiscal efetivo:
coronel Antonio Proost Rodovalho, Fabio de Mendonça Uchoa, Luis Raphael Vieira Souto, Frederico Augusto
Schimidt, André Gustavo Paulo de Fontin e suplentes do mesmo conselho: Virgilio Ramos Gordilho, comendador
José Ferreira Alegria, Manuel Candido Pinto de Azevedo, comendador Joaquim Álvaro da Armada, Alfredo
Coelho da Rocha (DONATO, 1990).
História da Companhia 51
conhecida como encilhamento30, que incentivou a abertura de muitas empresas, das quais,
diversas não seriam finalizadas (VICENTINI, 2007). Entretanto, as instalações de Caieiras
tiveram intenso crescimento nos anos seguintes e destaque pela sua grandiosidade e
qualidade da produção:
que operavam com freqüência, apenas três, em 1916, continuavam funcionando. Segundo
Donato (1990) a produção de papel não sofreu reduções neste período. Por outro lado, o
funcionamento dos fornos foi diminuindo até a paralisação total em meados do século XX
(LEMOS, 1989).
32
Inicialmente a empresa pertencia aos irmãos Otto e Alfried Weiszflog. Após a morte de Otto, em abril de 1919,
Walther passou a integrar a sociedade (DONATO, 1990).
33
Alfried Theodor Weiszflog. Nasceu em Hamburgo a 29-11-1872. Chegou em São Paulo em 24-06-1896, onde
faleceu em 1942.
34
Os filhos de Wilhem Henrich Weiszflog, todos nascidos em Hamburgo:Hermann Richard, Otto Friederich,
Franz August, Theodor Alfried, Adolf Max, Anna Caroline, Elsa Antonie, Gertrud, Gottlob Ernest, Lilly Jenny
Mathilde, Dora Amanda, Bruno Walther (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG,
1926, p. 26, 27,28, 29, 30, tradução nossa).
35
Johanna (Jane) Maria Mathilde Lüdes, nascida em Hamburgo em 19-07-1849. Falecida em Timmendorfestrand
em 1-7-1919. Era filha Nicolaus Wilhem Lüdes, nascido em Hamburgo e Thirza Wyborn, nascida em Great
Wakring, Condado de Essex, Inglaterra (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG,
1926, p. 26, tradução nossa).
36
Entretanto Otto não foi o primeiro da família Weiszflog a instalar-se no Brasil. O guia genealógico da família
Weiszflog mostra que o comerciante hamburguês Adolfo Wilhem Weiszflog (1822-1897) primo de Wilhem
Henrich Weiszflog, pai de Otto, viveu durante algum tempo em Porto Alegre, onde teria estabelecido uma firma
que levava o próprio nome (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG, 1926, p.11,
tradução nossa).
54
Com o casamento entre Otto e Ana Maria Kuhlmann37, em 1899, o pai Wilhelm
veio ao Brasil e investiu na associação de Alfried e Otto com Bühnaeds. Os irmãos
Weiszflog substituíram o sócio comanditário de Bühnaeds e firmaram, então, a M. L.
Bühnaeds & Cia. A gerência de produção foi assumida por Otto, enquanto a da
comercialização ficou sob a responsabilidade de Alfried. Algum tempo depois Alfried
contraiu tifo e retornou a Alemanha. Ao recuperar-se se casou com Alice Köcher38. Neste
período em que esteve na Alemanha, iniciou Walther, o irmão caçula, nos assuntos
relativos à encadernação, composição, impressão litográfica, douração e pautação. Ao
reassumir a firma, Alfried ampliou os negócios com a incorporação de uma tipografia e
firmou acordo com a Companhia Melhoramentos para fornecimento de papel (DONATO,
1990).
Com o crescimento da M.L. Bühnaeds & Cia., em 1904 Walther Weiszflog39
chegou ao Brasil para trabalhar na empresa. A litografia de Victor Steidel, na Rua da
Glória foi adquirida pela M.L. Bühnaeds & Cia. Com a necessidade de acomodar os
negócios em um único edifício, empenharam-se em comprar as áreas ao redor da Cia. para
edificar o prédio do estabelecimento gráfico. Com o agravamento de sua saúde, devido à
diabetes, Bühnaeds desligou-se da Cia. tornando Otto e Alfried os proprietários, passando
a constituir a Weiszflog Irmãos – Estabelecimentos Gráficos.
As duas empresas, Cia. Melhoramentos e Weiszflog Irmãos, durante os primeiros
anos do século XX cresceram e marcaram presença na Exposição Nacional Comemorativa
37
Anna Maria Kuhlmann nasceu no Espírito Santo, em 14-08-1875. Era filha do engenheiro civil alemão Alberto
George Kuhlmann, (nascido em Bremerhaven e falecido no Brasil em 1905) e da francesa Josephine Beniche
(nascida em Granville) (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG, 1926, p. 32,
traduação nossa). Alberto chegou ao Brasil em 1864. Em São Paulo foi autor de um projeto inovador que
beneficiaria os habitantes da capital e do Planalto Paulista. Em 1883 solicitou ao governo provincial autorização
para explorar uma linha de carris que fizesse a ligação do centro da capital com a vila de Santo Amaro. Com a
concessão da autorização iniciava a Companhia Carris de Ferro de São Paulo a Santo Amaro. (SIRIANI, 2003).
Do casamento entre Otto e Anna Maria, nasceram 5 filhos no Brasil: Jane (1899), Fritz Wilhem Richard (1901),
Gerda Eugenia (1905), Wolfgang Hugo Otto (1908), Annemarie Lucie (1910). Filha nascida em Hamburgo: Hilda
Josephine Anna (1903) (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG, 1926, p. 32 e 33,
tradução nossa). O prontuário DEOPS 51149 aponta Frederico Guilherme Weiszflog, nascido por volta de 1902,
como filho de Otto e Anna Maria.
38
Auguste Henriette Alice Köcher nasceu em Magdeburg, em 15-11.1874. Era filha de Alexander Köcher e
Marie Klusemann. Marie Klusemann era irmã de Hugo Paul Karl Klusemann casado com Anna Carolina
Weiszflog, irmã de Alfried. Filhos de Alfried e Alice que nasceram no Brasil: Heinz Alexander (1901), Karla
Maria (1903), Karola Alice (1907), Hasso Alfried (1910). Filhos do casal nascidos fora do Brasil: Ingeborg Jane
(nascida em Hamburgo em 1904) e Adolpha Maria Orca (nascida em Berlim em 1915) (GENEALOGISCHES
HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG, 1926, p. 33 e 34, tradução nossa). A filha Karola Alice morreu em
1978. Hasso Weizflog casou-se com Dora Carmem Antonieta Senise. Ingeborg casou-se com Gerard Reimann e
Adolfa Maria casou-se com Paul Otto Ploeger. Alice Köcher faleceu em São Paulo em 1968 (O ESTADO DE
SÃO PAULO, 03-05-1968).
39
Bruno Walther Weiszflog (1885-1962).
História da Companhia 55
Ramos de Azevedo não foi um mero espectador dessa festa argentária, pois logo
depois de 15 de novembro engajou-se, com amigos, na “Companhia
Melhoramentos de São Paulo”, presidida por Joaquim José Vieira de Carvalho.
Essa companhia propunha-se a negociar terrenos e casas “nesta capital ou em
seus subúrbios”, empreitando, fazendo hipotecas, empréstimos e corretagem em
geral. Também recebia dinheiro a juros. O escritório central era na Rua 15 de
Novembro, nº 19, sobrado. Durante o mês de dezembro de 1889 e os seguintes
de 1890, diariamente, saía matéria paga dessa companhia nos jornais,
principalmente no “O Correio Paulistano” e nesses anúncios aparecia com
destaque o nome de Ramos de Azevedo, ali tido como o responsável técnico e
garantia de correto atendimento. Todos os seus companheiros nessa sociedade
faziam parte da mais fina flor cafezista como Antonio Paes de Barros, José
Vicente de Azevedo, João Batista Mello Oliveira e Francisco Paula Rantz. Aos
poucos, Ruy Barbosa foi “aperfeiçoando” a sua política econômica e um seu
decreto de janeiro de 1890, o de nº 165, fez com que surgissem bancos
progressistas interessados em negócios ainda não cogitados pelos
estabelecimentos que só pensavam no café e empréstimos a juros. Assim nos
escritórios da Cia. Melhoramentos de São Paulo urdiu-se a constituição de um
banco, cuja licença de funcionamento fora obtida nos dias do citado decreto pelo
capitalista Antonio Lacerda Franco. Esse novo banco constituiu-se, afinal, em
fins de abril de 1890, tendo absorvido todos os bens da Cia. Melhoramentos de
São Paulo. Em resumo, tinha as seguintes atribuições: 1 – Empréstimos,
descontos e câmbio; 2 – hipotecas; 3 – penhores agrícolas; 4 – adiantamentos
sobre instrumentos de trabalho, como máquinas de todos os meios de produção
agrícola; 5 – empréstimos para a construção de edifícios; 6 – compra e venda de
terras, inclusive, parcelando-as; 7 – colonização de grandes áreas; 8 –
beneficiamento e drenagem de propriedades em geral e, finalmente,
levantamentos topográficos e abertura de estradas. No dia 4 de maio de 1890
noticia-se, nos jornais, a assembléia geral de instalação da nova entidade que se
chamou Banco União de São Paulo. Foi eleita a diretoria: presidente, Antonio de
Lacerda Franco; diretores, João Batista de Mello Oliveira, Joaquim Lopes
Chaves, Antonio Paes de Barros, Victoriano Gonçalves Carmillo, Bento Quirino
História da Companhia 57
Para Donato (1990) esta empresa ligada aos negócios envolvidos com empréstimos
e financiamentos era uma homônima que nada tinha a ver com a Companhia
Melhoramentos de São Paulo, fundada no Rio de Janeiro e estabelecida em Caieiras pelo
coronel Rodovalho e acionistas. Para o autor, a utilização do mesmo nome devia-se ao fato
do termo “Melhoramentos” estar muito em voga na época da fundação das duas empresas.
Não podemos negar, entretanto, que havia certa proximidade entre os empresários que
compunham a nata cafezista com os estabelecimentos de Caieiras. Estas aproximações são
assinaladas com a presença de Vieira de Carvalho, presidente da Companhia
Melhoramentos voltada ao ramo imobiliário; do diretor Paes de Barros e do arquiteto
Ramos de Azevedo, a quem estaria atribuída a responsabilidade técnica da empresa, na
excursão ocorrida em Caieiras em 20-04-1890, poucos dias antes da fundação do Banco
União, que teria absorvido os bens da Companhia Melhoramentos. É fato que os nomes
que compõem as duas diretorias não coincidem e que a Companhia Melhoramentos de São
Paulo estabelecida em Caieiras surgiria 5 meses após a fundação do Banco União, mas o
próprio Coronel Rodovalho participou da fundação do Banco União, portanto estava
envolvido com os objetivos da empresa. Nesta conjuntura não podemos compartilhar das
colocações de Donato (1990) quando o autor afirma que a empresa homônima tinha
interesses distintos daqueles expressos por Rodovalho:
Antonio Paes de Barros – João Batista de Mello Oliveira – dr. José Vicente de
Azevedo” (Correio Paulistano, página 3, 1ª coluna, 23.1.1890) Nada a ver com
os propósitos da campanha do coronel Rodovalho (DONATO, 1990, p. 33).
Paulo, a sede seria transferida para a capital paulista. Após esta tramitação legal, a empresa
foi registrada na junta comercial de São Paulo em 1903. Assim, Vicentini (2007) considera
[...] que é possível acreditar que se tratava da mesma companhia, pois no
período em que ocorreu a transferência de sua sede, seu objeto social podia
então ser incorporado ao Banco União, como o restante da empresa. Assim, ao
aproveitar a concessão obtida por Antonio de Lacerda Franco para a constituição
de um banco, a diretoria da Companhia Melhoramentos de São Paulo adotou
uma medida estratégica, participando da constituição desse banco, tornando-se
sua segunda maior acionista e incorporando seus bens àquela instituição
financeira. Dessa forma, a Melhoramentos estava sob controle do Banco União,
beneficiando-se com a possibilidade de maiores investimentos, uma vez que,
entre suas funções, o banco poderia investir em construção, comercialização e
financiamento de imóveis, bem como na produção de material para a construção,
exatamente o que foi feito pela Companhia Melhoramentos. Embora não
disponhamos do quadro completo dos acionistas da Companhia Melhoramentos
de São Paulo e do Banco União, ao observarmos os nomes dos principais sócios,
portadores de maior número de ações, constatamos que vários estavam presentes
nos dois empreendimentos. Quanto aos investidores que compraram ações da
Melhoramentos, quando foi registrada no Rio de Janeiro, conhecemos apenas o
nome do conselho fiscal. A documentação existente não nos permite garantir que
se tratava da mesma empresa. Acreditamos que sim (VICENTINI, 2007, p. 102).
Capítulo II
Organização Social e Espacial de Caieiras
62
Organização Social e Espacial de Caieiras 63
40
Em outros exemplos, alguns núcleos fabris tiveram planos urbanísticos elaborados por profissionais e outros
seguiram implantações informais. Entre os núcleos que seguiram planos elaborados por profissionais, Correia
(1998) destaca, na França, a ampliação de Mulhouse, projetada por Émile Muller, em 1852; o núcleo da fábrica
têxtil de Marquette, projetado pelo arquiteto Tierce, em 1846 e a ampliação do núcleo de Noisel, projetada pelo
arquiteto Jules Salnier. Na Inglaterra, destacou o plano geral para o núcleo de Saltaire – fábrica e partes dos
projetos de arquitetura de casas e equipamentos coletivos – que foi projetado pelos arquitetos Henry Lockwood e
William Mawson; a contratação de muitos arquitetos para projetar moradias e prédios em Port Sunlight; os planos
e projetos de arquitetura elaborados pelo arquiteto Alexander Harvey para Bournville; o plano urbano e os
primeiros prédios de New Earswick concebidos por Raymond Uwin e Barry Parker; a criação na década de 1840
por indústria têxtil de Copley, projetado pelo arquiteto George Scott e Julian Hill que projetou Bromborough
Pool. No Brasil a ocorrência de núcleos fabris com planos projetados por profissionais construídos até a década
de 1930 é rara. Em Santa Catarina existe informação sobre plano elaborado por engenheiro-arquiteto alemão em
1925 para a Fábrica Renaux e no Rio Grande do Sul, há informações de projetos elaborados por arquitetos
uruguaios para prédios construídos pelo Frigorífico Armour (HERING, 1987; ALBORNOZ, 1997).
64
diversos sítios, terras que por continuidade do território formavam a Fazenda Cayeiras. As
primeiras ocupações da Companhia Melhoramentos, ao que tudo indica, deram
continuidade à ocupação das casas de colonos que já existiam nas propriedades formadoras
da Fazenda Cayeiras na ocasião da consolidação da Cia. Melhoramentos, ou foram
construídas posteriormente ampliando-se o número de unidades existentes para abrigar o
contingente de trabalhadores.
Deste modo, a formação das vilas durante os últimos anos do século XIX foi
iniciada com as casas de colonos existentes e seguiu este modelo durante os primeiros anos
do século XX. Este fato pode ser comprovado com a observação da construção de casas de
aspecto rural nas proximidades da estação de trem, durante primeira década do século XX
(ver figuras 57,59 e 60 - item As casas operárias até a década de 1920). As casas de
colonos estavam locadas nas proximidades dos setores produtivos e assim, através de fotos
e relatos, observamos que existiram, neste período, em pelo menos oito localidades: Rua
dos Coqueiros, Sobradinho, Calcária, Bonsucesso, Cerâmica, Fábrica de Papéis, Caieiras e
nas proximidades do Tancão.
Caieiras, Antonio Eusébio (2011), ex-morador do núcleo, retrata algumas lembranças sobre
as colônias:
Tinha a Cerâmica que eram casas mais antigas, bem antigas, não sei te dizer de
quando que era. (Os habitantes das colônias) que vieram de tantos lugares, né?
Vinham de Campinas, deste interior de São Paulo. Tinha o pessoal que veio
assim como imigrantes, foram pra roça, pra lá e depois vieram da roça trabalhar
na Melhoramentos. E aí começaram a “colonizar” estas pessoas que vinham do
interior pra ser funcionários ali...então tinha uma colônia ali embaixo, mas isso
eu era muito criança...tinha 6 ou 7 anos...eu lembro bem dessa colônia. Agora lá
em cima na Vila Floresto41, lá pra frente, os bairros eram todos antigos, porque
depois do Floresto tinha a Aldeia [...] Ficava perto do Horto, entre o Horto e o
Tancão tinha uma vila que ficava afastada assim, no mato assim, né, chamava
Aldeia. Lá era que nem uma aldeia, chamava aldeia porque era uma aldeia
mesmo. Porque era assim, uma vilinha de casas que tinha uma casa aqui, uma
casa aqui, no centro tinha um poço comunitário. Então tinha aqui uma vilinha de
casas que morava meu avô. Uma vila, uma outra vila de casas de outras pessoas,
devia ter umas três ou quatro casas e aqui uma outra vila de casas que tinha mais
duas ou três casas...é...tudo grudado, mania de fazer tudo grudado, até parece
que não tinha espaço, tanta terra, né?Então era assim aqui tinha uma vila, meu
avô morava aqui, aqui tinha mais duas ou três casas, o pessoal dos Silveira
moraram nestas casas aqui e formava que nem uma aldeia, e a gente nem falava
aldeia, né? Era “ardeia, ardeia” (EUSÉBIO,2011).
O relato de Eusébio trata da existência desta vila pouco lembrada atualmente pelos
antigos moradores, cujo nome Aldeia foi aplicado devido à configuração da implantação
dos grupos enfileirados de casas dispostos em “U” ao redor do poço de água. A descrição
das moradias desta vila nos pareceu seguir modelo semelhante ao das casas de colônia.
O núcleo de Caieiras, em 1920, já mostrava porte e tomava dimensões
surpreendentes. Já era um prenúncio da nova estrutura que se instalaria nos próximos
anos partilhando o espaço com as antigas instalações rurais:
41
Alguns ex-moradores tratam o lugar como Vila Floresto e outros como Vila Foresto. À exceção da transcrição
dos relatos, adotaremos Vila Foresto.
66
[...] eles tinham uma casa lá, do outro lado do rio [...] mas a gente, os “mortais”,
não íamos lá, a casa ficava lá no meio do mato, meio escondida, mas eles não
estavam sempre lá, tinha um sobradão, uma casa grande, e tinha também uma
pessoa meio diferenciada que morava perto da estação de trem mesmo [...] tinha
perto da fábrica, você descia, ali do outro lado do rio tinha um casarão também
mas era onde os “mortais” não chegavam. Você chegava perto, mas os
seguranças não deixavam você ir para lá. Na minha lembrança aquela casa era
dos Weiszflog (BELLEN, 2011).
42
Alguns membros da família Weiszflog não residiam em Caieiras. De acordo com os relatos dos antigos
trabalhadores, eles residiam no Alto da Lapa, em São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 69
Figura 6 O bairro da fábrica por volta de 1900. Nota-se à direita, o enfileiramento das casas
Fonte: Donato (1990, p. 40)
70
família e cada solteiro ocupavam uma habitação computada, considerando que os solteiros
ocupavam quartos e não casas, e mesmo assim, somando um quarto individual para cada
solteiro, o número de habitações que temos ainda é menor àquele declarado em 1920.
Pode-se supor que a declaração de 1920 sugeriu números aproximados de habitações ou
que começava, naquele momento, algumas demolições. A tabela ressalta também que entre
nos anos de 1926 e 1957 a média de moradores dentro de uma casa de família foi alterada.
Em 1926 a média estabelecida era de 4,83 moradores por casa e em 1957, ocorreu uma
pequena redução, passando a 4,56. Os relatos de antigos moradores afirmam que a
ocupação das casas muitas vezes ocorria com números bem maiores que os números
aferidos na média do quadro resumo, chegando a ter 5, 6, 7 até 11 moradores de uma
mesma família em casas de quatro cômodos.
43
Motivo justificado pela assessoria jurídica da Companhia Melhoramentos quando solicitamos consulta a tais
arquivos.
72
[...] (a Companhia) cedeu o terreno, Naquele tempo era fácil, né? Eles davam o
terreno e a pessoa construía como podia. Tinha que fazer, mas não era casa de
alvenaria não, era de barro (EUSÉBIO, 2011).
Uma matéria publicada em 1935 pelo jornal O Estado de São Paulo, mostrava que
o núcleo fabril
[...] possue uma das maiores fabricas de papel da America do Sul, pertencendo à
Cia. Melhoramentos de São Paulo; possue ainda 3 escolas publicas, uma escola
particular, agencia de correios, 2 cinemas, 3 alfaiatarias, 3 sapatarias, 1
pharmacia, 1 gabinete dentario, 4 emporios, 3 olarias, 2 egrejas, salões de
barbeiro, 1 açougue, 1 fabrica de cal com 7 fornos contínuos; tem ainda (...)
diversas organisações recreativas, 2 bandas de música, o Club de
Melhoramentos de São Paulo, com mais de 300 socios, com um patrimonio de
70:000$000; a União Recreativa Melhoramentos de São Paulo, com 368 socios e
um patrimônio de 35:000$000; o Italo Brasileiro Futebol Clube, com 165 sócios
e um patrimonio de 12:000$000. A população é de mais de 6.000 habitantes. Só
a Companhia Melhoramentos de São Paulo dá emprego a mais de 1.000
operarios, todos alli residentes, o que é uma grande demonstração da vitalidade
daquella empreza que gosa de justos titulos de benemerencia, entre seus
trabalhadores, attestando ainda as grandes possibilidades daquella prospera
população que tão bem corresponde ás esperanças daquelles bandeirantes
modernos da industria nacional (O Estado de São Paulo publicado em
3/12/1935).
44
Situação semelhante foi observada no núcleo fabril constituído por indústria têxtil em Paulista (PE). Neste
núcleo até a década de 1930 as casas construídas pela fábrica abrigavam apenas funcionários especializados,
como gerentes e técnicos e parte dos operários. A maioria dos trabalhadores operários morava em mocambos
cobertos de palha. Tais mocambos eram construídos em terras cedidas pela empresa pelos próprios operários e
comercializados entre eles (CORREIA, 1998). Esta condição formava, assim como em Caieiras, um cenário
mesclado entre as edificações. Entretanto, em Caieiras não tivemos conhecimento de comercialização destas casas
erguidas pelo próprio funcionário com outros trabalhadores como ocorria em Paulista.
Organização Social e Espacial de Caieiras 73
A estrutura de Caieiras podia ser comparada a uma “pequena cidade”, que abrigava
os operários e funcionários especializados em setores da produção de papel, capaz de reter
os trabalhadores no local, já que durante muitas décadas pouco havia além das vilas da
Companhia naquela região. Para uma leitura acerca do desenvolvimento de Caieiras entre
os anos de 1920 e 1958, propomos análise do quadro da tabela 2.
A Companhia se obrigava a atender a todas as necessidades dos moradores
referentes ao transporte, subsistência, higiene, segurança interna, recreação, rede interna de
luz, de telefone, água e esgoto, serviços ferroviários e rodoviários coletivos. Os serviços
eram oferecidos, “mantidos ou subsidiados dentro de seus terrenos particulares e em
benefício exclusivo de seus empregados e famílias” e era “garantia do nível e condições de
vida assegurado a tôda coletividade trabalhadora da empresa” (PRONTUÁRIO DEOPS nº
96964, p. 2-3).
Assim, em cada comunidade a Cia. oferecia armazéns de abastecimento, escola e
clubes para suprir a necessidade dos trabalhadores. Ao final do ano de 1950 a Companhia
publicava os resultados de seus serviços de assistência social própria:
A legislação brasileira, em matéria de assistência e de previdência sociais,
apontada como uma das mais avançadas do mundo impõe à indústria em geral, a
obrigatoriedade de contribuições ou encargos que já oneram sensivelmente os
custos de produção. Sem embargo, por motivos da mais variada espécie, o
custoso aparelhamento assistencial e previdenciário existente não tem podido
corresponder aos justos anseios das classes trabalhadoras, nem tem podido
prescindir, como seria de justiça e ideal, da ação supletiva ou complementar que
as emprêsas, via de regra, são obrigadas a manter, às próprias expensas e com
sobrecarga das suas já pesadas contribuições compulsórias. Assim, sem prejuízo
de sua ação no sentido de que seus empregados e dependentes usufruam o
máximo dos benefícios assistenciais dos órgãos e serviços criados por lei,
desenvolve a Companhia Melhoramentos de São Paulo – Indústria de Papel de
conformidade com a peculiaridade de sua organização, vasto e complexo serviço
de assistência social própria [...]. Sempre que possível, a administração e a
responsabilidade pelos serviços sociais são confiadas aos próprios empregados,
com um máximo de autonomia e, apenas, a indispensável interferência
planificadora, por parte da emprêsa, no interêsse da consecução de ideais e
objetivos comuns. Para que se tenha rápida noção do que tem realizado a
Companhia, nos sessenta anos de sua existência, por exemplo, em Caieiras,
basta considerar que, na atualidade, dentro dos terrenos particulares da empresa,
estão edificados vários núcleos residenciais com cêrca de 1000 residências, de
vários tipos e padrões; igrejas; escolas e grupos escolares; três clubes esportivos
e recreativos, com ótimas instalações. Foram organizados serviços de assistência
médica, odontológica e farmacêutica; serviços de abastecimentos de secos e
molhados e armarinhos; serviços de segurança, limpeza e higiene internas;
serviços de luz, água, esgoto, telefone, transporte, etc. [...] (COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO, INDÚSTRIAS DE PAPEL 1890-1950,
p.32e 34).
74
Tabela 2 Quadro comparativo de dados entre os anos 1920, 1925, 1935, 1940, 1958
Dados RELATOS
1920 1925 1935 1940 1958
Açougue 1 3
Agência de correios 1
Alfaiatarias 3 3
Banda de música 2 2 1 1
Barbeiro + do que 1 8
Bares 9
Bares e sorveterias 3
Bazar 1
Biblioteca 1* Nas sedes dos clubes
Casas 650 600
Casas de móveis 2
Cinemas 1 2 2
Clubes e sócios mais do que 1 3 ** 3*** 3 4
Dentista 1 2
Empórios/Armazéns 5 4 5 3****
Escolas e alunos 7( freqüência 5 com 200 4 (3 públicas 5 com freqüência de 7 (3 Grupos;1 mista
média de 40 alunos e 660 alunos estadual; 2 mistas
alunos 1 particular municipais;1 de corte e
costura
Escoteiros 100 escoteiros 50 escolteiros 1 grupo
Escritório comercial 1
Fábrica de Celulose 1
Fábrica de Cerâmica 1
Fábrica de Papel 1 1
Fábrica de talco 1
Farmácia 1 1 1 2
Fazenda 1
Ferrovia 30 Km 28 Km com 7
locomotivas
Fornos de cal 7 contínuos Alguns
Granja 1
Hospital 1 em 1 projeto do sindicato
construção para hospital
Igreja 1 1 2 2 8*****
Jornal 1 2 ( O Pharol e
CAIB)
Leiteria 2
Lojas de fazenda e 3
armarinhos
Lojas de ferragens 2
Marcenarias 2
Oficinas de costura 1
Oficinas mecânicas 7
Olarias 3 13
Operários 1500 +1000 1500
Padarias 2
População +6000 3000 (+ ou -) 8000
Profissionais liberais Alguns******
Quitandas 3
Relojoaria e Joalheria 1
Sapatarias 3
Sindicato 1 1
Teatro 1 1 sociedade cultural
artística
Usina termo-elétrica 1
Fontes: A marca d´água no papel de imprensa e a industria nacional de papel apud Correia, 1998.; Correio Paulistano,
5 de abril de 1925, apud DONATO, 1990, p.77 ; Jornal O Estado de São Paulo, 1935; A Obra Social da Companhia
Melhoramentos de São Paulo, 1940; Abaixo assinado apresentado à Assembléia Legislativa do Estado de SP para
criação do município de Caieiras com informações sobre estabelecimentos dentro e fora da Companhia, 1958, in
PERES, 2008.
* com 200 volumes na clube da seção cal
** clubes e 1 associação feminina esportiva e de palestra literárias
*** CRM com300 sócios; RMSP com 368 sócios e o IBFC com 165 sócios
**** + 1 cooperativa de consumo
***** 3 Igrejas católicas; 3 centros espíritas; 1 centro racionalista; 1 Assembléia de Deus
****** 3 advogados; 1 engenheiro; 1 químico industrial; 10 professores primários; 5 professores secundários; 4 médicos; 4
farmacêuticos; 2 dentistas; 2 enfermeiros; 1 capelão-padre
76
O terreno era bem grande [...] eram casas de tijolo à vista e tinha sala, três ou
quatro quartos, um porão embaixo, tinha fogão à lenha ainda e o aquecimento da
água da casa passava no fogão à lenha, então, tinha água quente na casa desde
que você mantivesse o fogão aceso e tinha um telefone que eu não esqueço, de
manivela ainda, então você ligava para a telefonista e fazia a ligação pra fora
(BELLEN, 2011).
45
Ver valores cobrados e quantidades distribuídas no item 3.1.7 O princípio da não gratuidade.
46
Cleide A. Minkevicius é filha de trabalhadores do núcleo.
78
Figura 10 Recreação das famílias de gerentes e chefes na chamada piscina, década de 1950
Fonte: Acervo particular Bono van Bellen.
47
Companhia Melhoramentos de São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 79
linha férrea havia duplicado a extensão, passando a 30 kilometros. Notamos que durante a
década de 1930 (ver figura 14) não existia o ramal que dava acesso ao bairro da Calcárea.
48
A demarcação da entrada principal com a suntuosidade das palmeiras imperiais pode ser observada também no
núcleo fabril de Rio Tinto, Estado da Paraíba, como expõe detalhadamente Panet (2002). A semelhança também
ocorre com a implantação de casas brancas e azuis ao longo da avenida. Esta prática é bastante recorrente nas
instalações rurais onde os caminhos que levam à casa principal da fazenda, são também muitas vezes marcados
por estas longas alamedas.
80
Figura 12 O “auto-trem”, veículo adaptado Figura 13 Passeio pela Rua dos Coqueiros
para a linha férrea interna, década de 1920 em carros adaptados, década de 1920
Fonte: Donato (1990) Fonte: Donato (1990)
49
Prontuário Deops número 44.311, de 22-01-1952. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo
50
Durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, deu-se início a um período de vigilância
policial articulada e informada no interior paulista de forma intensa em busca de grupos políticos e indivíduos
subversivos que estariam comprometendo a ordem instituída. O esquema de segurança foi articulado por Filinto
Müller, chefe da Polícia Federal, que se empenhou em controlar as atividades políticas do interior brasileiro. Da
revolução de 1930 ao Estado Novo, em 1937, ocorreu uma intensa articulação política por parte dos movimentos
de esquerda e de direita instalados na maioria das cidades paulistas. Atuavam neste período grupos como a
Aliança Nacional Libertadora, Juventude Comunista, Ação Integralista Brasileira, associações culturais e
sindicatos operários que agiam na clandestinidade, organizando-se para uma revolução. Em nome da Segurança
Nacional, a Polícia Política exercia um papel repressor, proibindo a liberdade de expressão dos pensamentos. A
partir do início da II Guerra Mundial, com o apoio do governo brasileiro aos Aliados, a perseguição policial
voltou-se contra os “Súditos do Eixo”, transformando estrangeiros - principalmente, italianos, japoneses, alemães,
lituanos e espanhóis - em suspeitos contra a ordem nacional. A ligação destes grupos com qualquer sindicato ou
associação comunitária acentuava a suspeita acerca do caráter criminoso destas pessoas. Eram obrigadas a
portarem o salvo-conduto para poderem transitar pelo território nacional. As colônias estrangeiras eram obrigadas
a incorporar hábitos da cultura brasileira para assim evitar que fossem identificadas como “inimigos da nação”. A
ação policial contou com a colaboração de parte da sociedade civil que seduzidos pelo discurso oficial,
denunciava os suspeitos de subversão, acreditando estar cumprindo com seu dever cívico (BRUSANTIN, 2003).
Desta forma, as instalações de Caieiras estariam no alvo destas ações investigativas ligadas tanto às questões da
Guerra, quanto às ações que poderiam dar indícios de focos subversivos na região.
82
aos indivíduos que estariam depredando o transporte, já que naquela época as pessoas que
utilizavam os transportes eram funcionários da Companhia ou familiares e nos dois casos o
uso do transporte era permitido, quanto às razões das acusações. O relato de Prando
(2011), um dos menores envolvidos neste episódio ocorrido da década de 1950, revela que
a princípio, tudo não passou de uma rixa entre os trabalhadores, ligada à interferência da
chefia no direito de uso de tais transportes:
[...] eu comecei a trabalhar em São Paulo, eu e mais uns três ou quatro amigos,
[...] e da estação até o bairro do Monjolinho era meio longe, e tinha condução da
própria Companhia que levava, mas ela levava funcionário, filho de funcionário,
e tinha um chefe [...] que não queria deixar nós embarcar. Aí começou, porque
nós não trabalhávamos na Melhoramentos. Não trabalho na Melhoramentos mas
sou filho de funcionário da Melhoramentos. Não posso embarcar aqui?
Embarquei toda vida! [...] Agora não posso por que? E nós tínhamos um amigo
que chamava Francisco Ortega. [...] O “Quito Ortega”, morava no Monjolinho
também [...] ele tinha um bigodão grande, sabe, ele viajava, [...], ele era
respeitado, porque era bom de briga, boa gente [...] bom jogador de bola, mas
sabia brigar, a turma respeitava ele. Então ele tava junto e pegava a condução.
Esse [...] que era o chefe, ele chegava, olhava, não falava nada pra nós. Quando
ele não tava, queria tirar nós fora. Era um pau-de-arara que tinha, era um
caminhão, queria tirar nós fora e que fosse a pé do Monjolinho. Mesmo sendo
filho. Então nós falávamos pra ele, falta de conhecimento dele, então a gente
falava:
- Por que quando tá o bigodudo aí o senhor não põe a cara?
A gente era moleque, né? [...] eu e mais os outros, era tudo. E nós xingava ele
mesmo. E o que ele fez? Comunicou a Melhoramentos na Água Branca que
tinha o fulano de tal, sabia meu nome, e que nós éramos comunistas, o bigodudo
que ele falava era o Stalin! só que eu [...] nem sabia nada disso...
Aí chegou a intimação, meu pai pegou e [...] fomos pro Deops, meu pai até
representou um, dois amiguinhos meus. Foi lá e o delegado quis fazer umas
perguntas pra mim [...]. Aí ele começou a perguntar:
- Escuta, por que vocês chamam lá o bigodudo? Quem é esse bigodudo? Vocês
falam que o homem que quando tá lá...
- O bigodudo é um amigo nosso, jogador de bola, é [...], o Francisco Ortega [...].
O nome dele é Francisco Ortega e ele é um rapaz bom, é respeitado lá em
Caieiras, quando ele tá na condução, esse senhor chega e dá de cara com ele e
não fala nada, e nós viajamos, quando ele não tá, ele invoca, quer tirar nós.
Aí perguntou pro meu pai:
-O senhor trabalha há quantos anos na Melhoramentos?
- [...] Eu já trabalho mais de trinta anos. Tenho uma família na Melhoramentos
- [...] Era só isso que eu queria ouvir (PRANDO, 2011).
[...] naquele tempo não tinha carro, a Melhoramentos tinha uns jipes, e tinha que
levar no Sepaco51, em São Paulo, era na Rua Antonio Carlos, perto da Frei
Caneca. Eu já era casado, morava já na vila Kohl, minha irmã [...] era solteira e
morava lá no Monjolinho. Eu esperava ela antes do horário de ela começar no
trabalho, pra bater um papinho e saber como é que tava o pai e a mãe. Eu sabia
que tinha que levar o pai pra engessar, ele tava enfaixado. E ela me disse:
- Ih, o pai tá bravo, hein! Não mandaram condução pra levar o pai...
Ele já estava assim fazia uma semana!E ela continuou:
- Ele ligou lá pro seu Vitor – que era o farmacêutico na época – e seu Vítor falou
que foi o [...] que não mandou.
Eu fiquei louco da vida! [...] eu falei pro meu chefe [...]:
- Me marca lá que eu quero falar com o [...] eu quero saber por que a condução
não levou meu pai [...].
Levei um chá de cadeira. Ele passava e nem te olhava na cara e eu sentado
esperando. Falei pra secretária que ele tava demorando, aí ele falou de lá:
- Tá com pressa?
Com aquela cara de pouco caso, sabe?E mandou entrar.
-Qual é o problema?
- Problema vou perguntar eu. Por que a condução não foi levar meu pai?
Ele olhou pra mim e falou:
- Condução pra levar seu pai? Por que?
- Como assim, o senhor tá sabendo, [...] meu pai tá tudo enfaixado. Quebrou a
clavícula!
- Ah! Quebrou a clavícula, não quebrou a perna, então pode andar!
Aí não me mandaram embora naquele tempo porque eu já tinha os dez anos e era
estabilidade, não tinha fundo de garantia, não tinha nada, mas já era estável. Eu
falei pra ele [...]:
- Olha, é o seguinte, quando você perdeu o braço52 [...] a engrenagem tinha que
ter passado no pescoço que era uma tranqueira a menos aqui! [...] Depois que eu
saí, eu fui falar com o Seu Vítor, que disse:
- Pedir, eu pedi. Você sabe que a condução é pouca – e naquele tempo era pouca
mesmo – [...] é que não mandou (PRANDO, 2011).
Depois de muita discussão o caso foi resolvido com o envio do jipe para São Paulo
para tratar dos ferimentos de Bruno Prando no Sepaco.
Durante a década de 1960 a quantidade de carros era extremamente reduzida não só
no núcleo fabril da Companhia, mas em toda Caieiras. O Anuário Estatístico do Estado de
São Paulo, Anos: 1960 e 1965 contabilizou 56 carros no município em 1960 e 119 em
1965. Este foi um período de ampliação da circulação rodoviária de passageiros nos
subúrbios paulistanos. Na década de 1960 foram contabilizadas 25 viagens diárias de
ônibus de São Paulo para Caieiras/Franco da Rocha, que foram aumentadas para 32 no ano
de 1965, quando apenas 25 passageiros estabeleciam ligação com o distrito de São Paulo,
via rodovia. Os 15 trens diários da linha ferroviária que transportavam passageiros, em
51
Serviço Social da Indústria de Papel e Cortiça do Estado de São Paulo. Iniciou as atividades como Serviço
Social e evoluiu para Assistência Médico Hospitalar, por força das ações dos dirigentes da Federação dos
Trabalhadores da Indústria Papeleira. O Sepaco foi constituído na convenção da categoria papeleira em 1956,
entendendo-se como categoria papeleira os três setores ligados ao papel: Setor de Papel e Celulose, Setor de
Artefatos de Papel e Setor de Papelão Ondulado
(www.eaesp.fgvsp.br/subportais/gvsaude/pesquisas_publicacoes/debates/05/55.pdf).
52
Referindo-se ao acidente do Chefe que lhe valeu um braço perdido na engrenagem das máquinas.
84
1960, utilizavam trinta e seis minutos para fazer o percurso entre a estação de Caieiras e a
estação central em São Paulo. A média diária de embarques na estação de Caieiras era de
2057 pessoas, das quais, 74,5 a 76,6% atingiam São Paulo. Estes números mostram que
apenas cerca de 20% da população saía diariamente de Caieiras pelos trilhos da via e pela
rodovia, o que ressalta a importância, ainda nesta época, da Companhia Melhoramentos
como empregadora e provedora da região (LANGENBUCH, 1971). Neste período, para
suprir as dificuldades de transporte, Diogo Alarcon começou a fazer pequenas viagens com
um carro particular (ano 1933). Inicialmente começou a transportar passageiros
principalmente entre Caieiras e os bairros de Perus (em São Paulo), e a cidade de Franco
da Rocha. Alarcon passou a investir no negócio de transportes, comprando em 1957 um
carro mais novo (ano 1937). Com a procura pelos serviços de transporte aumentando,
Alarcon comprou uma perua Ford com 10 lugares, conhecida por “jardineira”. O serviço já
estava organizado em quatro horários: às 06:00h, às 10:00h, às 14:00h e às 22:00h. Em
1960, com o aumento da demanda, foi solicita uma linha ao Departamento de Estradas e
Rodagens e assim oficializada a atividade da Auto Viação Santo Antônio (REGIONAL
NEWS, 13 de dezembro de 2002, p. 3-C3).
[...] a única condução que tinha pra gente ir pra estação e pra voltar [...] era uma
jardineira. Quando eu era criança, mas eu tinha um medo da jardineira [...] era
tipo um ônibus, com aquela frentona bem antiga, ela chegava no começo da
subida [...] ela ia, quando chegava no meio ela voltava pra trás! Eu tinha medo!
Eu nunca queria embarcar naquilo, eu queria sempre vir a pé, andando por aí,
porque eu chorava [...] e se chovesse então? Ela patinava, dava medo. Mas era
engraçada! Era do Sr. Diogo... (MINKEVICIUS, 2011).
53
Após a morte do pai, os filhos Ambrosina do Carmo Buonaguide (1882-1962) e Domingos Estevão do Carmo
receberam como herança dez alqueires de terra em Cresciúma. Alguns alqueires foram vendidos para Carmem
Peres de Oliveira e para Terezinha Camargo Pinto. Em 1930 os irmãos fizeram a partilha das terras ficando cada
um com a metade dos alqueires. D. Ambrosina deu início à formação do povoado quando começou um
loteamento a partir da abertura da Avenida Cresciúma e da Avenida Magnólia no local. O projeto do loteamento
foi desenvolvido pelo topógrafo Valdomiro Valim, fazendeiro em São João da Boa Vista. Cerca de 28.000m²
foram comercializados. Terezinha Camargo Pinto também passou a lotear seus alqueires (MORAES, 1995).
54
A Avenida Cresciúma é atualmente a Avenida 14 de Dezembro e a Av. Magnólia passou a se chamar R. Dr.
Armando Pinto.
86
casal Terezinha Camargo Pinto e Dr. Armando Pinto55, Luiz Lopes Lansac e José Pereira
dos Santos (MORAES, 1995).
Com intuito de motivar o crescimento do loteamento proposto, D. Ambrosina do
Carmo Buonaguide doou para a Diocese de Bragança Paulista cerca de 8600,00m² para a
construção da Igreja de Santo Antonio, da casa paroquial, da concha acústica e do jardim
da praça56 (MORAES, 1995). O desenvolvimento de Caieiras, com a doação de D.
Ambrosina, embora tivesse semelhança com o processo de geração de cidades, estaria
muito mais ligado ao processo de urbanização, ocorrido durante o século XX, em áreas
próximas à ferrovia já implantada.
Figura 15 Vista de Cresciúma em 1965. Ao alto a Igreja de Santo Antonio. Próxima à seta preta a casa do Dr.
Armando Pinto. Abaixo da ferrovia, próximas à seta rosa, algumas casas da Companhia Melhoramentos
Fonte: Jornal Regional News ( Dezembro, 2006)
55
Dr. Armando Pinto, advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo. Foi
fundador do Culto à Instrução, entidade cultura voltada para os jovens, situada em Franco da Rocha. Militante do
Fórum de São Paulo possuía um escritório de advocacia na rua São Bento.
56
Esta iniciativa poderia ser herança do costume que deu origem a diversas cidades do interior paulista. A
lavoura de café, engrenada pela força de trabalho do imigrante, proporcionou a abertura de centenas de
patrimônios religiosos, futuras cidades. Entretanto, a doação por fazendeiros de parte de suas terras rurais à
Igreja Católica em áreas rurais, ao redor das plantações de café, era, a princípio, boa estratégia para conseguir em
longo prazo a implantação da ferrovia e valorizar suas terras, em meados do século XIX. Assim, a ocupação do
território paulista, impulsionada pela economia do café, a partir de meados de 1850: “pedia padrão de
arruamento fácil e rápido de ser executado, por agrimensores habituados ao ‘corte’ de propriedades rurais. Em
todo esse processo, nota-se a extrema eficiência do traçado urbano reticulado, aplicado exaustivamente aos
patrimônios” [...] (GHIRARDELLO, 2010, p.21)..
Organização Social e Espacial de Caieiras 87
Figura 16 Arruamento nas proximidades da Igreja de Santo Antonio. A seta branca indica a localização da Praça
onde está localizada a Igreja de Santo Antonio.
Fonte: Emplasa, (1981)
[...] uma linda e espaçosa residência, que continha no andar superior uma sala
ampla e dormitórios reservados para suas constantes visitas. A casa vivia sempre
em festa, numa atmosfera de paz e alegria. Havia também cozinha, copa e
despensa com armários, onde D. Terezinha guardava com carinho seus potes de
doces de frutas em compotas, tudo feito por ela e suas empregadas. Esses
costumes de D. Terezinha derivavam de sua descendência alemã. Seus ancestrais
pertenciam a famílias tradicionais da aldeia de Düsseldorffe, Alemanha. O
abastecimento de água da casa também era peculiar e europeizado, sendo feito
por meio de um moinho de vento típico da Holanda, já que luz elétrica ainda era
um sonho para o povo de Cresciúma. Nos porões da residência, encontravam-se
novas salas, entre as quais, a biblioteca de Dr. Armando, na qual o advogado
estudava durante horas da noite os seus processos. Era nessa biblioteca que
ocorriam também reuniões com amigos para discutir planos em benefício da
futura cidade de Caieiras. A biblioteca era vasta e constituída de coleções
literárias de inestimável gabarito. No ambiente de cordialidade daqueles
encontros noturnos com amigos, foi fundada a Sociedade Amigos de Caieiras, à
57
A casa hospedava ainda alguns jovens pensionistas vindos de cidades do interior de São Paulo. Ervim Weber,
vindo da cidade de Assis, interior do estado, para trabalhar na Ford Motor Company, no bairro do Bom Retiro, em
São Paulo, foi pensionista da casa do Dr.Armando Pinto. Weber casou-se com Maria Carvalho, que vivia na casa
em regime de tutela desde a infância. Foi também pensionista da casa a professora vinda de São João da Boa
Vista Aninha Valim (filha de Valdomiro Valim, responsável pelo projeto do loteamento de Cresciúma) e Bela
Crema que foi pensionista até casar-se (MORAES, 1995).
88
qual Dr. Armando canalizou muito de suas forças. O jornal Vida Nova também
foi criado dessas reuniões, escrito pelo proprietário da casa e por seus tantos
colaboradores [...] (MORAES, 1995, p.162).
Em 1970 esta casa foi transformada em hospital e dois anos depois foi construído,
imediatamente ao lado do casarão já modificado, o novo hospital de Caieiras (MORAES,
1985).
Figura 17 Casa do Dr. Armando Pinto Figura 18 Casa do Dr. Armando Pinto, 1970,
Fonte: Moraes (1995) inauguração do primeiro hospital.
Fonte: Moraes (1995)
58
Luis Lopes Lansac era radialista em na rádio Record, em São Paulo, cidade onde foi também vereador. A
convite do Dr. Armando conheceu e mudou-se com a esposa – uma fazendeira de Mococa – para Caieiras.
Organização Social e Espacial de Caieiras 89
Avenida 14 de Dezembro até o início da década de 2000, quando foi demolido para a
construção de uma loja de departamentos.
O Sindicado dos trabalhadores de Caieiras foi criado em 1937, associado às
reformas varguistas. Durante o governo de Getúlio Vargas e a consolidação do Estado
Novo algumas intervenções ligadas ao trabalho ocorreram. Devido à crise na agricultura,
um número cada vez maior de trabalhadores deixou o campo em busca de melhores
condições nos centros urbanos. Havia oportunidade de trabalho nas indústrias, mas a mão-
de-obra excedia em muito a quantidade de vagas e, desta maneira, agravava-se a crise
social que contribuía para o aumento do movimento operário que lutava por melhores
condições. Assim, o Governo tinha dois fortes motivos para intervir: conter o avanço do
movimento dos trabalhadores e criar mercado para alguns setores da indústria nacional que
também estavam em crise. O Governo Vargas institucionalizava o controle da classe
trabalhadora, como por exemplo, por meio da aprovação da Lei de Sindicalização, em
1931. A política centralizadora do Estado assumia além de um sentido industrializante,
também, em muitos aspectos, um sentido nacionalista.
Figura 21 Vista geral de Caieiras durante a década de 1930. Azul: vista das vilas dentro do núcleo. Rosa:
oficinas da Companhia e estação de trem. Amarelo: primeiras ocupações fora do núcleo, no Cresciúma.
Fonte: Jornal Regional News (2007, folha 1C2)
pelo Governo, sob a suspeita de formarem uma rede de espionagem junto ao nazismo, e
desta maneira, incluídas na chamada Lista Negra. O DEOPS controlava a trajetória de
todas as pessoas que pudessem ser consideradas suspeitas. A Companhia retirou de sua
denominação, em 1940, o “Weiszflog Incorporada” passando a chamar-se “Companhia
Melhoramentos de São Paulo, Indústrias de Papel”. Entre as ações que objetivavam
amenizar as tensões e conflitos políticos, estava o convite ao Ministro da Educação,
Gustavo Capanema e ao General Maurício Cardoso para visitarem as instalações e
atestarem a “brasilidade” da Companhia e de seus dirigentes (DONATO, 1990).
Para Moraes (1995) durante a Segunda Grande Guerra Caieiras viveu um momento
de grande estabilidade social:
Por paradoxal que pareça, a década de 40, a pior para o mundo devido à Segunda
Guerra Mundial, foi ótima para Caieiras. A Companhia Melhoramentos era
constituída de um conjunto populacional de centenas de famílias que viviam
numa atmosfera de paz e harmonia, a ponto de dar a impressão de que toda a
comunidade era formada por uma só família: a família caieirense (MORAES,
1995, p.26).
[...] Não tinha nada, eu nem conhecia nada pra cá. Eu vinha pra Caieiras, pra
Cresciúma, porque a gente dizia, eu vou pra Caieiras. Caieiras era a estação, não
tinha cidade ainda. Eu já tinha 18 anos quando a cidade foi criada, em 58. Então,
a gente vinha pra cá...só tinha uma rua, a gente passava ali onde é o hospital, e
vinha direto sair aqui na João Dártora e atravessava por aqui..tinha duas ruinhas
que subia que é hoje a Ambrosina e a Armando Pinto e as outras ...Guadalajara
não tinha a rua...a de cá do sindicato que é Domingos do Carmo Leite, também
não tinha...só tinha as duas primeiras ruas só. E subia ia [...]. Só tinha as
principais, só tinha aquelas, que era a de trás e da frente da Igreja e a Igreja
ficava no centro onde ficou o centro de Caieiras (EUSÉBIO, 2011).
Ah..de lá nós mudamos em 64. Porque meu pai aposentou, e meu pai construiu a
casa onde a gente morava [...]. E meu pai construiu a casa lá, justamente pra
gente morar no que era da gente, né? Aí meu pai como ia aposentar, meu pai
nem aposentou em 64, meu pai aposentou em 66...ou 65 se não me engano..foi
logo que ele mudou que ele aposentou. Não sei se foi 65 ou 66 que meu pai
aposentou. Mas ele saiu antes de lá da casa porque pra nós lá era ruim. Morar na
cidade era melhor! Quanta burrice [...]! Porque lá (na Companhia) era melhor!
Só que era longe, meu pai achava que morar na cidade era melhor. Aqui era a
cidade. Ainda [...] poucas casas, mas era melhor que lá, a preocupação do meu
pai, por causa da condução, não tinha condução mais, porque tinha tirado a
maquininha, e era pau de arara, mas era muito difícil, não tinha horário certo e
aqui em cima pra ele, ele gostava muito daqui [...] (EUSÉBIO, 2011).
[...] fiquei lá até 58. 1958 eu vim pra Caieiras59, antiga Cresciúma. Era terra, eu
vim menino. [...] meu pai achou que lá nós não ia ter futuro, na escola de lá da
Melhoramentos, porque Caieiras era melhor, desenvolvia mais, lá dentro era o
básico, que era da própria empresa [...] aí viemos pra escola [...] de Caieiras. A
Dona Marta, mãe do Névio foi minha professora nessa escola. Era um espaço
cedido por um clube [...] o SERC. Então, o SERC cedeu este espaço para a
escola. Ele era durante a semana escola e fim de semana era clube. Então tinha
bailes, eles tiravam as carteiras, tiravam tudo e faziam o baile no salão. A escola
era mantida pela Prefeitura Municipal, porque quando emancipou Caieiras eu
estava com 10 anos, foi em 58. (CSERNIK, 2011).
59
Muitos moradores de Caieiras referem-se ao atual centro da cidade, formado pelo bairro de Cresciúma como
Caieiras, propriamente dita. Desta forma, ao longo deste trabalho, encontramos referência à Caieiras como as
áreas ao redor da estação ferroviária, dentro do núcleo e, posteriormente, às primeiras áreas constituídas fora da
empresa.
92
Figura 22 Padre José e outros moradores durante Figura 23 Das 20 casas sorteadas esta é a que mais
as obras de infraestrutura nas áreas externas à se aproxima das características originais
fábrica Fonte: Acervo da autora
Fonte: Acervo particular Geraldino Ferreira de
Almeida
Figura 24 Modelo de casa do Jardim Santo Antonio. Figura 25 Fachada de casa do Jardim Santo Antonio
Fonte: Levantamento da autora (2009) Fonte: Levantamento da autora (2009)
Figura 26 Em vermelho, casas remanescentes no bairro de Nova Caieiras. Em lilás, Nova Caieiras. Em amarelo:
Companhia Melhoramentos. Em azul: Estação ferroviária
Fonte: Google (2010)
94
60
Com a delimitação das áreas fabris e implantação de novos loteamentos, o conjunto já estava locado fora das
áreas fabris da empresa. Até a década de 2000 sua utilização estava vinculada à sede da imobiliária que efetuava
as vendas dos lotes pertencentes aos loteamentos promovidos pela Companhia. Algum tempo depois, o imóvel
foi vendido e incorporado ao Bairro Nova Caieiras.
61
Nova Caieiras não constitui juridicamente um condomínio mas alguns dos moradores do bairro se uniram para
formar uma associação. Os moradores que aderiram a esta associação pagam uma taxa mensal para manutenção e
segurança do bairro e desta forma promoveram a construção de muros em quase toda a extensão e instalação de
uma portaria com controle de entrada e saída de visitantes.
62
Em 1º de maio de 1939, por meio do Decreto 9775, foi criado o Distrito de Paz de Caieiras do município de
Juquery, atual Franco da Rocha.
96
pouca distância da estrada de ferro Santos-Jundiaí, foi deslocada para Oeste. Deste modo, a
fábrica de papel da Companhia Melhoramentos e sua vila operária passaram do município
de Parnayba para Juquery. Com este deslocamento a comparação do crescimento
populacional da região entre o recenseamento de 1920 e o de 1940, fica dificultada, devido
ao prejuízo de população atribuída à Parnayba com a transferência da divisa. O trecho da
matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, transcrito anteriormente (ver p. 80) dá
uma ordem de grandeza acerca da população em 1935, ao dizer que “[...] a população é de
mais de 6.000 habitantes. Só a Companhia Melhoramentos de São Paulo dá emprego a
mais de 1.000 operarios”. Entretanto, o Recenseamento Geral do Brasil de 1940, cinco
anos depois, expressa números mais exatos e mostra que em Caieiras a população perfazia
um total de 5.934 pessoas.
Em 1939, foi criado o Distrito de Paz de Caieiras, pertencente ao município de
Juquery. Com a autonomia de Franco da Rocha, em 1944, Juquery passou a ser chamado
de Mairiporã e Caieiras passou a pertencer a Franco da Rocha e assim permaneceu até 14
de dezembro de 1958, quando ocorreu a emancipação. O primeiro levantamento
demográfico de Caieiras, de 1957, apontava um total de 8715 pessoas distribuídas em 539
residências construídas na Vila Cresciúma63 para 2.235 pessoas enquanto nos bairros da
Companhia havia 1842 residências, número suficiente para o pedido de emancipação
mesmo sob os protestos de Franco da Rocha (PERES, 2008).
Em 1960 o recenseamento mostra que o número de habitantes cresceu para 9.405
(LANGENBUCH, 1971). O Departamento de Estatística da Secretaria de Economia e
Planejamento elaborou uma planilha considerando a média estimativa do período de julho
de 1962 e julho de 1963 acerca do quadro de pessoal e estabelecimentos industriais da
grande São Paulo. Este quadro revela que neste período a população de Caieiras figurava
um total de 10.376 pessoas e que a Companhia Melhoramentos ocupava 98% da mão-de-
obra industrial da região, ou seja, dos 1780 trabalhadores da indústria, 1752 trabalhavam
para a Cia. Melhoramentos. Em uma tentativa de compilar os dados que conseguimos entre
os anos de 1920 e 1962 acerca do crescimento populacional de Caieiras compomos a
seguinte tabela:
63
A Vila de Cresciúma foi uma das primeiras ocupações fora do núcleo fabril da Companhia Melhoramentos.
98
Podemos dizer que o número que mais nos chamou a atenção neste quadro refere-se
ao de trabalhadores apontado no ano de 1920 e a queda expressa pelo número apontado em
1926. Estes números podem estar ligados à crise ocorrida na Companhia antes da
incorporação com a Weiszflog Irnãos. Como já citado, a Companhia vinha de uma intensa
fabricação de papéis neste período, sem enfrentar a concorrência do papel importado, o que
lhe favoreceu o aumento de produção e configurou um período de crescimento. Entretanto,
Donato (1990) afirma que por volta de 1920 os papéis estrangeiros reapareceram com
maior sofisticação e preços baixos no momento em que o maquinário da Companhia havia
sofrido desgaste devido à intensa produção dos anos anteriores. Com uma máquina
desmontada e duas outras funcionando de maneira precária, esta situação gerou a
diminuição da produtividade em Caieiras. O capital social da empresa foi partilhado entre
grupos empresariais. Um elevado percentual das ações da Companhia foi adquirido por um
grupo empresarial norueguês. Outra parte foi adquirida por bancos internacionais: Italo-
Belga, London and River Plate Bank, London and Brazilian Bank e o The National City
Bank of New York. Os interesses diversos do grupo heterogêneo composto pelos acionistas
da empresa culminaram em uma crise na direção. A diretoria da empresa propôs a
recuperação dos maquinários e retomada do ritmo de produção. Esta proposta envolveria
uma avolumada importância financeira e acabou por gerar a discordância entre os
Organização Social e Espacial de Caieiras 99
acionistas resultando na queda do valor das ações. Em meio a esta crise, os noruegueses
desistiram da participação entre os acionistas. Nicola Puglisi e Rodolpho Crespi estavam
entre os diretores da Companhia que tentavam manter o controle da crise e negociar a
incorporação ou venda da empresa (DONATO, 1990).
64
Em bairros como Cresciúma, São Francisco, Santo Antonio, Nova Caieiras e Serpa onde existe grande
concentração de ex-moradores do núcleo e ex-trabalhadores da Companhia é fácil encontrar descendentes de
famílias de origem italiana como: Agostinelli, Alviani, Baboin, Barichello, Barnabé, Baseggio, Beltrame, Berti,
Bertolini, Bertolo, Bertolucci, Bimbatti, Bonavita, Calandrim, Calzavara, Campagnolo, Caniato, Casarotto,
Cestarolli, Chiati, Chrispim, Cogheto, Crema, Dalosto, Dártora, De Jorge, Descreci, Degani, Degrande, Dela
Beta, Della Torre, Di Girolamo, Fávero, Foresto, Gabrielli, Gallo, Gardim, Gazzola, Gondari, Guidolim,
Guilharducci, Latorre, Lisa, Lucietto, Mandri, Marquesini, Massaia, Massarollo, Matiazzo, Mollo, Molinari,
Mucelim, Nani, Nardi, Paladi, Parizotto, Pastro, Pauletto, Paulon, Pelizari,Perin, Ricci, Rosolen,Senati,
Simonetti, Spera, Spingarollo, Tasca, Toigo, Valbuza, Vilafranca, Zaniratto, Zanon, Zerbinatti, Zovaro, Zuglian.
Em menor número, os alemães: Dauchau, Faberlow, Graf, Muller, Winheski, Hansen, Polkorny; os romenos:
Chernik, Laszlo, Szentes, Turbuck; os austríacos Fetka, Mancz; os espanhóis Alarcon, Bogagio, Christo, Nicola,
Romero, Rubbio, Sanches, Vasques; os porturgueses Chrispim, Donas, Gaspar, Monteiro; os Sírios Nagy; os
tchecos, Iugoslávos e Húngaros: Maderick, Satrapa, Kiss, Udvari; entre outros.
Organização Social e Espacial de Caieiras 101
65
Bandeira Junior mostra que na Fábrica de Sabão e Graxa São Caetano, em São Caetano, a proporção de
trabalhadores era de 2 brasileiros para 100 estrangeiros. Na Grande Fábrica Nacional-Materiaes de águas e
exgotos (Sensaud de Levaud & C.), localizada em Osasco, havia cerca de 150 operários, em sua maioria,
estrangeiros. Ao referir-se à Fábrica de tecidos e fiação Anhaia, o autor destaca a desproporção ao afirmar que
havia 9 trabalhadores brasileiros e 301 estrangeiros. Na Fábrica de Formicida Paulista, em São Caetano, a
situação era exceção, pois o autor relata que havia 35 operários todos nacionais (BANDEIRA JUNIOR, 1901,
p.55; PINTO, 1900, p. 148).
102
66
Decreto de 16 de março de 1820 ver SIRIANI, 2003-anexo I.
67
Inicialmente estes imigrantes seriam enviados para os núcleos coloniais – grandes extensões de terra cultiváveis
e repartidas em porções para que cada família dali extraísse o sustento, preferencialmente no interior da província.
Entretanto, as autoridades locais estavam livres para decidir a melhor região para acomodar estes imigrantes.
Assim, ficou estabelecido que, inicialmente, as terras devolutas do sertão de Santo Amaro, seria o local ideal para
a formação do núcleo, devido à localização privilegiada entre a cidade e o litoral (SIRIANI, 2003).
68
As transformações que ocorriam na economia dos Estados alemães estão associadas a um gradativo processo de
industrialização. As pequenas oficinas artesanais eram pressionadas pela grande indústria e isto gerou
conseqüências bastante negativas para a população que vivia do artesanato ou da agricultura, pois não podiam
concorrer com os novos maquinários que tinham capacidade de produzir muito mais. Esta situação acabou por
gerar diversos problemas sociais - assim como ocorreu em diversos locais da Europa - e fez com que a imigração
surgisse como uma alternativa para escapar da iminente ruína financeira. Assim, a região da Alemanha foi se
transformando de região agrícola em industrial. Os trabalhadores que se adaptavam ao trabalho nas indústrias
sujeitavam-se aos baixos salários. As inovações ocorridas também no campo com as tecnologias que
possibilitavam maior produção e maior lucro fizeram com que os proprietários de terra começassem a remover os
camponeses de suas propriedades. Os camponeses por sua vez, que pagavam para utilizar estas terras reagiram
exigindo o fim da servidão e a completa posse de propriedade da terra. Estes conflitos resultaram em
modificações da relação entre o camponês e a terra (RENAUX, 1995).
69
Ver o trabalho de Warren Dean: Rio Claro – um sistema Brasileiro de Grande Lavoura 1820-1920 e o trabalho
de Andrea Mara Souto Karastojanov: Vir, viver e talvez morrer em Campinas.
Organização Social e Espacial de Caieiras 103
da Alemanha, em 1871, foi estendido a todos os povos que formaram o novo Império. Esta
proibição fundamentava-se, principalmente, na situação precária em que os imigrantes
alemães residentes nestes núcleos coloniais oficiais se encontravam.
Em meados do século XIX, foram observados grupos de alemães nas proximidades
da região onde posteriormente foi formada a Fazenda Cayeiras. Ao discorrer sobre os
pousos de tropa nos arredores de São Paulo, Langenbuch (1971) analisa os relatos dos
viajantes sobre as pousadas existentes na estrada de Goiás, entre São Paulo e Jundiaí.
Mesmo com as divergências dos relatos feitos pelos viajantes, provavelmente em função
das retificações da estrada que pode ter promovido a substituição de pousos situados nos
trechos abandonados por outros novos, verificou-se, através do relato de Alfredo
D’Escragnolle Taunay que em “Jaguari-Açu (denominado por outros de Juqueri), nas
proximidades da atual localidade de Gato Preto, Monjolinho, Olhos d’ Água, Cristais e
Califórnia”, havia pousos para tropeiros (LANGENBUCH, 1971, p.38). Baseado em tais
relatos, o autor constata que “os alemães pareciam ter certa vocação para estalajadeiros” e
destaca a observação feita por Taunay, em 1865, específica para a hospedaria de
California, na região do Juquery: “Estes pontos todos são ocupados por allemães, que se
dão perfeitamente nesta parte da província de S. Paulo (...)” (TAUNAY70, 1874, apud
LANGENBUCH, 1971, p. 73). O Ensaio de Müller, elaborado em 1836, que analisa a
composição por grupos raciais de freguesias e municípios aponta que na região de Juquery
a população, que totalizava naquele ano 2.181 pessoas, era formada por 1353 brancos, 601
pardos e 227 pretos (MÜLLER71, 1838 apud Langenbuch, 1971, p. 70). Este quadro
ressalta que, entre os recenseados, a população branca configurava uma maioria de 62% do
total de habitantes na região. O quadro IV deste mesmo Ensaio aponta ainda que o
crescimento da população total de Juquery durante os 38 anos seguintes, portanto
contabilizada novamente em 1874, foi de apenas 24%. Langenbuch (1971) destaca também
grupos alemães em Jundiaí, região vizinha à região do Juquery e Parnahyba:
Em 1847 inaugurava-se na província de São Paulo o “colonato de parceria”
através do estabelecimento de 400 alemães provenientes de cidades hanseáticas
na fazenda Ibicaba, do senador Vergueiro, em Limeira. Êste sistema de
colonização e a correspondente imigração, que tanta difusão conheceu na
província de São Paulo, quase não afetou os arredores paulistanos por se
relacionar estritamente com a lavoura cafeeira, não praticada aqui. Apenas as
70
TAUNAY, Alfredo Escragnolle. Relatorio Geral da Comissão de Engenheiros Junto às Forças Para a Provincia
de Mato Grosso 1865-1866, Correcto, Argumentado, e Apresentado ao Instituto Historico e Geografico Brasileiro
pelo ex-Secretario da Mesma Comissão de Bacharel...in Revista Trimestral do Instituto Historico Geografico e
Etnografico do Brasil, tomo XXXVII, parte segunda (1874) Rio de Janeiro.
71
MÜLLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um Quadro Estatístico da Província de São Paulo (Reedição Literal do
original de 1838). “O Estado de São Paulo”, São Paulo 1923.
104
Através da minuciosa pesquisa sobre imigração alemã para a cidade de São Paulo,
intitulada Uma São Paulo alemã: vida cotidiana dos Imigrantes Germânicos na Região da
Capital (1827-1889) feita por Siriani (2003) foi possível relacionar alguns dos nomes
estudados pela autora com algumas famílias que estiveram em Caieiras ainda no final do
século XIX. Em sua pesquisa, Siriani (2003) listou cerca de mil nomes de imigrantes
alemães residentes em São Paulo, Santo Amaro e Itapecerica. Entre os quais destacou a
vinda de Otto Weiszflog e da família Kuhlmann, a qual pertenceu Ana Maria Kuhlmann,
esposa de Otto Weiszflog, ambos pertencentes já a um segundo grupo de imigrantes que
chegavam ao Brasil com recursos próprios e com condições financeiras muito superiores
ao primeiro grupo de imigrantes.
Para a identificação de alguns destes estrangeiros que estiveram em Caieiras no
final do século XIX, partimos para uma investigação acerca dos contatos do Coronel
Rodovalho. Além de ser proprietário de uma empresa de recrutamento de estrangeiros para
o trabalho nas fazendas, na cidade de Santos, o coronel era um empreendedor envolvido
em diversos negócios no estado de São Paulo. Mantinha relações comerciais com muitos
dos industriais e empreendedores deste período, entre eles, alguns da colônia alemã. Estas
circunstâncias, entre outras que iremos descrever adiante, justificam a presença de diversos
estrangeiros na região. As relações de Rodovalho, com a colônia alemã podem ser
observadas em diversas ocorrências ao longo de seus investimentos no estado de São
Paulo, como por exemplo, durante a aquisição de terras na região do Juqueri que
posteriormente viria a compor as propriedades da Companhia Melhoramentos de São
Paulo. Como já comentado, a fazenda foi adquirida na década de 1860, provavelmente com
o conhecimento do parecer de 1863 elaborado pelo engenheiro Brunless que considerava o
manancial localizado nesta área como o mais indicado para o abastecimento da cidade de
São Paulo, já que o pai de Rodovalho pertencia à Câmara Municipal, o que facilitaria o
conhecimento dos Rodovalho destes pareceres. Bruno (1984) esclarece que o engenheiro
inglês James Brunless era comissionado pelo governo da província para estudar um plano
geral de abastecimento. Auxiliado por Hooper e Daniel Maxison Fox, que se tornou sócio
de Rodovalho na fundação da Companhia Cantareira de Esgotos alguns anos mais tarde,
Brunless apresentou um relatório que indicava a água do Ribeirão da Pedra Branca, na
Serra da Cantareira, ser ideal para o abastecimento. A qualidade desta água foi atestada
pelo farmacêutico alemão Gustav Schaumann, que chegou a Santos em 1848, mudando-se
para São Paulo em 1853 (Siriani, 2003). A família Rodovalho também mantinha relações
106
comerciais com a família Schunk que se estabeleceu na região do Planalto Paulista por
volta de 1828. Siriani (2003, p. 76 e 77) afirma que
72
Siriani (2003) descreve a trajetória da família quando “João Henrique Sydow, um modesto artista, fabricante
de sinos, dirigiu-se ao Brasil, vindo de Hamburgo, em meados da década de 1850, em companhia da esposa
Eliza e de seus seis filhos. A família, remediada, contava com a colaboração de todos os filhos homens para o
auxílio na pequena fundição que possuíam, num imóvel alugado. Quando faleceu os três filhos mais velhos,
Gustavo, Adolpho e Frederico, deram continuidade ao trabalho artesanal de fundição de ferro que haviam
aprendido com seu pai. Pouco a pouco foram conquistando seu espaço produtivo da cidade. Porém, separam-se,
mantendo, cada um, as suas próprias fundições. A de Gustavo - a que mais prosperou - foi montada por volta de
1872, na Rua Barão de Itapetininga, num imenso terreno, posteriormente ocupado pelo teatro Municipal. Ali,
realizava outros trabalhos artesanais, tais como a fabricação de móveis, possuindo no mesmo prédio uma serraria
e uma marcenaria que, com o crescimento do negócio, modernizaram-se, utilizando o vapor como força motriz.
A de Adolpho tomou contorno de grande indústria, fabricando essencialmente maquinário pesado para a
agricultura, bombas e rodas hidráulicas, entre outros. O único a manter o espírito artesanal na fabricação de
artigos de ferro fundido foi o caçula Frederico que, tendo se instalado na Alameda Barão de Piracicaba,
continuou fabricando sinos, portões, grades estátuas” (SIRIANI, 2003, p. 120 e 121).
73
Ernani Silva Bruno complementa a localização dos estabelecimentos do Gustavo Sydow dizendo que “outro
pioneiro da indústria de São Paulo, nesse tempo, foi o emigrado alemão Gustav Sydow, que montou serraria a
vapor no morro do Chá, no local agora ocupado pelo Teatro Municipal e pelo Hotel Esplanada” (BRUNO, 1984,
p. 1170) e Campos (2008) afirma que o chalé de Rodovalho era localizado no terreno onde posteriormente foi
edificado o Teatro Municipal de São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 107
A entrevista feita por Gabrielli (2010) esclarece que a família morta neste episódio
era de Francisco Bausch e algumas questões acerca deste episódio são pouco esclarecidas,
entre elas a causa da morte da família. Todos os ex-moradores das vilas de Caieiras
entrevistados para esta pesquisa afirmam ter ouvido a história da morte da família alemã,
entretanto alguns disseram ter ouvido que os integrantes da família morreram por ingerir
mandioca brava, fruto selvagem, soda cáustica confundindo-se com açúcar, ou por terem o
alimento contaminado ao cozinhar em panela de cobre não forrada com estanho.
Entretanto, Donato (1990) afirma que a família foi instalada na área vizinha à barragem
para defender as instalações e desta forma, levantamos ainda a hipótese de ter ocorrido
alguma represália relacionada à “disputa da barragem”, hipótese muito precoce que merece
investigação. Em suma, a família Bausch que chegou ao Brasil com o sonho de conseguir
108
melhores condições de vida, teve o sonho interrompido por este episódio ocorrido em
Caieiras.
Com o advento da República, começou uma nova fase de imigração alemã em São
Paulo. Os novos alemães chegavam e permaneciam nas cidades ocupando situação bastante
diferente da dos imigrantes da fase inicial. Vinham com recursos próprios, desvinculados
das firmas particulares ou do governo. Nesta segunda fase de imigração, os alemães
chegavam livres de dívidas e comprometimento com as empresas agenciadoras e tinham
condições de investir em novos empreendimentos no Brasil. Enquadram-se neste perfil de
imigrantes os integrantes da família Weiszflog.
Após as medidas restritivas em relação à imigração alemã, os grupos germânicos
ainda chegavam a Santos, porém, em número insuficiente para suprir a necessidade da
lavoura, que passou a contar com os colonos italianos74. Zuleika M. F. Alvim, em sua
pesquisa intitulada Brava Gente! Os italianos em São Paulo mostra que durante cinqüenta
anos, entre os anos de 1870 e 1920, a imigração italiana foi fundamental para o
desenvolvimento do estado de São Paulo75.
A fazenda de propriedade de Antonio Álvaro, por exemplo, localizada em Campinas
recebeu diversas famílias italianas para o trabalho na lavoura. Entre as famílias enviadas
para esta fazenda estava a família Dragoni, que chegou ao Brasil em novembro de 1901. A
documentação disponível no APESP76 referente à imigração foi de grande importância para
traçar a trajetória destes exemplos que abordamos neste item. Augusto Dragoni, de 52
anos, saiu de Gênova, na Itália, em direção ao porto de Santos no vapor Rio Amazonas.
Junto com ele vieram os filhos Ulderico com 13 anos, Elvira com 14, a esposa Pia com 33
74
Para maior conhecimento acerca dos períodos, razões, estratégias de arregimentação, regiões que produziram os
maiores contingentes de emigrantes na Itália, ver ALVIM, (1986).
75
A autora divide este período de imigração em três fases: “o primeiro momento – 1870-1902 – caracteriza-se
pela articulação política do grupo do Oeste, paralelamente à desagregação da mão-de-obra escrava; pelas
primeiras tentativas de se apoiar a produção cafeeira na mão-de-obra livre; e pela ausência de uma política
imigratória definida. Neste período os italianos ainda não eram maioria dos imigrantes. Num segundo momento –
1885-1902 – consolida-se nova facção econômica no poder – os fazendeiros do Oeste – enquanto o mercado de
trabalho se apóia de fato na mão-de-obra livre, definindo-se então, uma política imigratória, basicamente calcada
no imigrante italiano. Finalmente – 1902-1920 – período em que o poder político do novo grupo se mantém
inalterado e em que se consolida, em todo o país, a política imigratória iniciada por São Paulo. Com uma
diferença, porém, definida pela queda brusca na entrada de italianos, basicamente porque passaram a ser atraídos
pelo mercado de trabalho norte-americano, e menos em decorrência das restrições determinadas pelo Decreto
Prinetti, com que o governo italiano, em 1902, proibiu a emigração desenfreada de seus súditos para o nosso país
(ALVIM, 1986, p. 21).
76
Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 109
e o pai Frederico, com 78. Os Dragoni vieram para o Brasil por conta do governo brasileiro
em parceria com a Companhia La Liguri Brasiliana77.
Estavam estabelecidos também em Campinas, desde o final da década de 1880, os
integrantes da família Barichelli, também italiana. Em abril de 1887, chegou ao porto de
Santos o navio Bearn, trazendo grupos de imigrantes e entre eles, Domênico Barichelli
com 36 anos de idade, acompanhado de sua esposa Mônica Gardin com 39 anos e dos
filhos Frederico, com 10 anos e Inocente, com 7. Frederico Barichelli casou-se com Elvira
Dragoni, por volta de 1904, e deste casamento nasceu Judith Maria Pia. As notícias sobre
as instalações industriais de Caieiras já se espalhavam e atraíam muitos dos trabalhadores
rurais estabelecidos nas fazendas do interior paulista. Frederico e a família78 foram
trabalhar na Companhia Melhoramentos e estabeleceram moradia inicialmente no
Monjolinho e depois na vila Sobradinho. Mais tarde, Judith, filha do casal, conheceu e se
casou com Bruno Prando.
Bruno também descendia de italianos. Era filho de Bonifácio e Maria Prando79,
trabalhadores das lavouras de Bragança Paulista. Contam os familiares80 que após a morte
de Bonifácio, a viúva e os filhos saíram de Bragança em busca de trabalho em outros
lugares e estabeleceram-se em Itatiba, onde foram criados e trabalharam na Fazenda dos
Pereira81. Sabe-se que a filha Olga permaneceu nesta fazenda e os filhos Bruno, Ângelo e
Mário vieram para a região de Juquery e Paranahyba. Ângelo e Mário82 trabalharam no
hospital do Juquery e Bruno foi para a Companhia Melhoramentos, por volta de 192083.
Rosi Aparecida Martinho, neta de Bruno Prando, conta que os avós se conheceram
no cinema da Companhia Melhoramentos. Deste casamento, entre Bruno e Judith nasceram
seis filhos, que também trabalharam na Companhia Melhoramentos, entre eles Zeferino
Prando.
Outro exemplo de descendente de famílias italianas que vieram para o Brasil com
objetivo de trabalhar nas lavouras cafeeiras e posteriormente fixaram-se em Caieiras é de
Rosa Menegatti de Azevedo, que trabalhou durante quase dez anos na seção de papel
77
Entre os anos de 1876 e 1920, emigraram da região da Ligúria com destino ao Brasil cerca de 9.328 italianos
(ALVIM, 1986).
78
Inocenti também acompanhou o irmão para Caieiras.
79
Prontuário DEOPS número 44311 sobre investigações acerca da depredação do transporte coletivo em Caieiras.
80
Entrevista a Rosi Aparecida Martinho, fevereiro de 2011 e Zeferino Prando, março de 2011.
81
Um dos filhos de Olga chegou a ser administrador desta fazenda.
82
Posteriormente Mário, que era carpinteiro, mudou-se para Piracaia, interior de São Paulo.
83
No prontuário DEOPS número 44311 sobre investigações acerca da depredação do transporte coletivo em
Caieiras, Bruno declarou em 1952 que era funcionário da Companhia há 32 anos, sendo admitido na empresa,
portanto, por volta de 1920.
110
84
Veneza faz parte da região do Veneto, de onde cerca de 365.710 italianos partiram em direção ao Brasil entre
os anos de 1876 e 1920 (ALVIM, 1986).
85
Estas atividades estarão descritas no item Mulheres e Crianças.
86
O SENAI – Serviço de Ensino e Aprendizagem Industrial – onde Antonio estudou ficava no bairro da Lapa em
São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 111
Silva Eusébio veio de São José do Rio Pardo para Caieiras. Nascida em Caconde, era filha
de um feitor de fazendas. Devido à ocupação do pai, a família de Sebastiana não ficava
muito tempo na mesma cidade. Moraram em Caconde, São José do Rio Pardo,
Muzambinho, Guaxupé e várias outras cidades da região de Mococa. Quando a mãe de
Sebastiana adoeceu, foi levada pelo marido para a Santa Casa de Misericórdia em São
Paulo, onde deu início ao tratamento da doença, que segundo os familiares pode ter sido
malária. Primeiro veio o marido, depois trouxe a esposa doente. Depois disso, fixaram-se
no Tancão.
Durante a administração dos Weiszflog, muitos funcionários de origem germânica
ou europeus de forma geral foram contratados para administrar os serviços da fábrica. Os
relatos dos antigos moradores afirmam que uma maioria destes imigrantes ocupava cargos
de chefia e gerência:
[...] naquela época, dentro da empresa, o brasileiro era pra trabalhar, só. Você
contava nos dedos se tivesse um encarregado, um chefe brasileiro. Tinha. Mas
era muito pouco. Era só alemães que vinha (PRANDO, 2011).
O relato do Dr. Bonno Van Bellen87 sobre a chegada de sua família na Companhia
Melhoramentos retrata a contratação do pai durante o período de pós-guerra, em Caieiras:
[...] meu pai trabalhava na produção do papel, lá naquelas maquinonas, ele era
engenheiro lá, ele foi trabalhar lá [...] ele trabalhava com cana de açúcar, aí ele
veio para o Brasil, porque sou holandês, [...] eu e meus irmãos todos nascemos
fora do Brasil, aí depois da guerra, em 1950, ele migrou para cá, e como ele
trabalhava com negócio de açúcar, ele trabalhava na verdade na Indonésia, que
era colônia da Holanda, onde nasceram meus irmãos, que são mais velhos do
que eu. E eu nasci na Holanda, na guerra, em 43 [...]. Depois da guerra ele
retornou para a Indonésia, e aí deu a independência ali, e a Holanda perdeu a
colônia, aí ele conseguiu um contrato para trabalhar numa usina de açúcar aqui
no Brasil, em Campos, no estado do Rio. Aí de lá [...] a gente foi para Maceió,
depois de Maceió para Ribeirão Preto, aí ele saiu dessa área e foi trabalhar na
Lever, que é a Gessy Lever hoje, né? Que era lá no Anastácio, na Anhanguera,
por ali [...] aí ele saiu de lá e foi trabalhar na Melhoramentos (BELLEN, 2011).
87
O Dr. Bonno Van Bellen é médico, holandês e é filho de um engenheiro que foi chefe do setor da fábrica da
Companhia Melhoramentos. Bonno morou em Caieiras entre os anos de 1957 a 1962, aproximadamente. Sua
saída de Caieiras está relacionada aos estudos, entretanto a família permaneceu por mais tempo.
112
[...] a “Lista de Schindler”, era uma fábrica de panela que pegou e guardou todo
mundo. A mesma coisa foi na Melhoramentos aqui. A Melhoramentos trouxe
muita gente. Não era gente que fosse carrasco de guerra [...]. É que fugiram da
opressão, né? Mas acho que o Menghele morou aqui também. Dizem que ele
morava perto da Serra dos Abreus [...] E tudo aqui era Melhoramentos [...] na
casa da D. Bertha88, nunca teve acesso a ninguém [...] a plantação deles pegava
até Cajamar, daí ia longe, Santana do Parnaíba, então a plantação de eucalipto
era muito grande (CSERNIK, 2011).
88
Referindo-se à chácara ainda existente em Caieiras de Bertha Weiszflog, esposa de Walther Weiszflog.
Organização Social e Espacial de Caieiras 113
181 estabelecia a proibição do trabalho noturno para meninos menores do que 15 anos e
mulheres até 21 anos. O governo estadual de São Paulo por meio do Decreto nº 2141, de
1911, permitia serviços leves para crianças entre 10 e 12 anos e proibia o trabalho noturno
aos menores com idade entre 10 e 18 anos, sem fazer referência ao trabalho feminino
(TEIXEIRA, 1990).
Na década de 1910, os industriais paulistas se organizaram em associações de
classe com objetivo de defender alguns de seus interesses específicos. Estas associações
que agiam em nome dos interesses do comércio e da indústria, assumiam uma posição
intermediária entre o Estado e os movimentos operários e tinham como objetivo principal
a questão da legislação social e o estabelecimento dos limites da regulamentação do
trabalho pelo Estado.
O período compreendido entre 1917 e 1920 foi marcado por discussões sobre as
questões sociais, principalmente após os movimentos grevistas de 1917 e com os projetos
de regulamentação que começaram a surgir com as preocupações sobre o trabalho
feminino nas indústrias. Muitos defendiam a proibição da mulher em trabalhos noturnos e
consideravam o organismo da mulher não resistente à fadiga além de considerar os
ambientes e horários não adequados àquelas que deveriam estar em casa zelando pela
família (VENÂNCIO, 2001). Considerava-se, então, o modelo de família em que o
homem era o provedor do sustento da família, enquanto a mulher realizava um trabalho
extra doméstico para complementar a renda familiar. A Lei Estadual nº 1596, de 1917, que
alterava o código sanitário, elevava a idade de admissão dos menores de 10 para 12 anos e
entre 12 e 15 anos os menores não poderiam trabalhar em fábricas de bebidas alcoólicas,
em maquinismos perigosos, em serviços que exigissem a concentração e atenção, em
transportes de carga, serviços gráficos, limitando o horário de trabalho para cinco horas
diárias. Por esta Lei a admissão dos menores nas fábricas só poderia ocorrer com a
apresentação do atestado de freqüência escolar e de aptidão física e as mulheres durante o
primeiro mês de gravidez e primeiro do puerpério não poderiam trabalhar em
estabelecimentos industriais. Apesar das medidas de proteção previstas em lei muitos
industriais não cumpriram o estabelecido devido, principalmente, ao fato de não haver
fiscalização suficiente que garantisse à obediência89 (TEIXEIRA, 1990).
Em São Paulo, em 1919, foi sancionada a Lei de Acidentes de Trabalho.
Entretanto, o Código de Trabalho não chegou a ser votado e voltou à Câmara somente nos
89
Em 1917, os industriais do Rio de Janeiro igualmente desrespeitavam a proteção ao menor estabelecida pela lei
municipal. Em Pernambuco, os projetos relativos à legislação social também foram rejeitados (TEIXEIRA, 1990).
Organização Social e Espacial de Caieiras 115
90
Em 1915, o senador paulista Adolpho Gordo levou para a consideração do Senado Federal o projeto de lei que
estabelecia a obrigatoriedade dos patrões em reparar os danos em caso de acidentes de trabalho com operários.
Em 1919 este projeto foi transformado em lei. Após a publicação do projeto de Adopho Gordo no Diário Oficial,
o Centro Industrial do Brasil elaborou um estudo enviado ao Congresso Nacional propondo mudanças que
favoreciam seus interesses, justificando suas posições. Em 1917, Maurício de Lacerda, apresentou um projeto de
formulação do Código de Trabalho com indicações para leis trabalhistas, para a Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara, tais como jornada de trabalho de oito horas, redução do turno e proibição do trabalho noturno
para as mulheres, licença à parturiente pré e pós-parto, proibição do trabalho do menor de 14 anos com jornada de
seis horas de seis horas diárias, com salário nunca inferior a dois terços do salário adulto. Estas proposições
geraram muitas discussões entre industriais e operários, principalmente em relação às questões referentes à idade
do menor operário e carga horária. O projeto de Código de Trabalho permaneceu parado até 1918, quando foi
apresentado um novo substitutivo, conhecido como projeto de lei operária e de acidente de trabalho que surgia
com certo retrocesso em relação ao projeto do Código, parecendo ceder às pressões industriais. A jornada de
trabalho passava a ser de dez horas para ambos os sexos e também para os menores com mais do que 16 anos. Era
permitido aos patrões o prolongamento deste horário desde que houvesse o pagamento de horas extras. O
princípio da reparação dos danos em caso de acidente de trabalho foi alterado de maneira que a indenização só
ocorreria quando o acidente não se devesse a força maior, culpa ou dolo da própria vítima ou de estranhos.
Descontente com as proposições da lei operária, o deputado Nicanor Nascimento apresentou um requerimento à
Câmara pretendendo uma Comissão Especial de Legislação Social, para tratar especialmente das questões sociais.
A partir de então, as questões referentes à elaboração de uma legislação social seria encaminhadas a esta
Comissão. O projeto que regularia os acidentes de trabalho foi desmembrado do projeto de Código de Trabalho
(TEIXEIRA, 1990).
91
Em 1923 foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, órgão consultivo do governo federal em assuntos
trabalhistas. Em meados da década de 1920 foi assinado o Código de Menores e discussões sobre o trabalho
feminino, incluindo o atendimento à mulher grávida também aconteceram neste período (VENÂNCIO, 2001).
Em 1923 o Projeto do Novo Código do Trabalho foi posto em discussão pela Câmara, mas o patronato reagiu
contra o projeto, principalmente no que se referia à carga horária de oito horas; a instituição do descanso
dominical para certos tipos de empresas; à concessão de 15 dias de férias para cada operário por ano trabalhado;
à proibição do trabalho do menor de 14 anos; sob alegação de tal medida ser prejudicial à família operária; à
proibição do trabalho noturno da mulher em certos serviços; descanso da parturiente 30 dias antes e 40 dias
depois do parto (TEIXEIRA, 1990).
92
Em 1932 foi promulgado o decreto que proibia o trabalho noturno das mulheres exceto aquelas que
trabalhassem junto a outros membros da família ou em atividades relacionadas à telefonia, radiofonia, hospitais,
clínicas, manicômios ou sanatórios. Entre as determinações, estavam também as proibições do trabalho feminino
em locais considerados insalubres ou de periculosidade. Definiu o horário a ser entendido como horário noturno e
instituiu a jornada de trabalho de 8 horas de trabalho na indústria, assim como definiu benefícios para o período
de gravidez e amamentação. Leis que haviam sido elaboradas durante os 30 primeiros anos do século XX foram
regulamentadas, mais tarde, na década de 1940 (VENÂNCIO, 2001).
116
93
Benedito Eusébio começou a trabalhar na Companhia por volta de 1925.
118
[...] foi assim, começou a trabalhar num setor, depois foi pra outro setor, quando
eu era já jovem meu pai já era condutor. Condutor era uma escala, vamos dizer
assim, de profissão, no sentido do trabalho. Então tinha o ajudante, o condutor,
depois o contra-mestre, a chefia, enfim ia subindo, né? Meu pai era condutor de
calandra quando ele aposentou. [...], trabalhou um tempo na fabricação até pegar
o jeito e depois trabalhou na calandra. Calandra era uma máquina aonde se fazia
o papel pergaminho. Aonde se fazia o papel cartão, cartolina, esse tipo de papel.
Tinha muitos tipos de papel. Todo papel que tinha aquele brilho passava pela
calandra. Era uma máquina que nem fosse uma maquininha de macarrão, uma
coisa assim, em vários cilindros, um em cima do outro. Alta, muito alta. Tinha
que subir escada, meu pai subia e descia escada não sei quantas vezes pra passar
o papel de um cilindro no outro, [...], e aquilo tudo com vapor, então, conforme
a máquina rodava aquele cilindro, entrava um papel como esse [...] sulfite hoje,
né? Ele entrava aqui embaixo, daí ele ia passando, passando, e quando ele saía lá
em cima, ele já saía um rolo lá em cima e ia desenrolando aqui e enrolando lá
em cima. A função de quem trabalhava na calandra era isso, pegar a ponta do
papel e ir passando ficava um de cada lado e passava o papel pra lá, controlando
até o papel chegar lá em cima e quando saía lá em cima já saía o produto. Se era
papel pergaminho, saía o pergaminho, e tinha uma variedade infinita que eu não
sei te dizer, cartolinas, pergaminho, um papel que chamava opaline, [...]. Hoje
nem pergaminho não se vê mais né? Hoje existe o papel manteiga. Transparente
que é liso. Mas o pergaminho se usava muito. Tinha de todas as cores. Usava pra
encapar caderno, vendia muito pergaminho pra fora, né? [...] A linha da
Melhoramentos sempre foi de primeira linha, né? Antigamente se fazia tudo
aqui. Fazia pergaminho, papel crepon, papel de seda, fazia tudo que é tipo de
papel que existia na época. Naquele tempo não tinha o plástico (EUSÉBIO,
2011).
[...] o meu pai é o Bruno. Ele começou trabalhando nos fornos de cal, ele era
forneiro94. Naquele tempo a Melhoramentos faturava muito com o cal. Naquele
tempo não tinha matéria-prima que tem hoje. E ela tinha as pedreiras [...]
próprias para fazer o cal e meu pai trabalhou nos fornos. Tinha [...] os fornos
que estão lá hoje. Tinha o Macalé, aquilo é histórico, né? [...] Vinha as carroças
[...] com lenha, tinha que pegar e ele que era o forneiro tinha um ajudante. Tudo
à lenha. Abria aquela boca lá, tudo cheio de pedra dentro e lenha, e derretia e
aquilo formava um pó, que é o cal. Então fazia o cal. Tinha o pessoal que
ensacava, a mulher que costurava e fazia a sacaria, pesava tudo [...] levava
embora e eles faturavam com isso também (PRANDO, 2011)
94
Bruno Prando começou a trabalhar na Companhia Melhoramentos por volta de 1920.
Organização Social e Espacial de Caieiras 119
Bertolini95 (2011) relatou que o pai era carregador de areia: “carregou muita areia
pra construir a Companhia”.
Muitos jovens da década de 1950 buscavam o aprimoramento profissional, assim
que possível, nos cursos técnicos oferecidos em São Paulo, pois nas escolas de Caieiras
não havia esta capacitação, excetuando-se alguns cursos dirigidos por engenheiros
destinados ao aprimoramento dos operários. A iniciação nas profissões ligada à mecânica
poderia garantir o início de uma nova carreira dentro da Companhia, que garantia,
certamente, alguns privilégios e melhores salários. Exemplo desta busca pode ser
observado na carreira de Antonio Eusébio96:
[...] eu fui pra fábrica pra sessão de expedição. Expedição o que é? É onde saía o
material vendido. As resmas, os rolos de papel, aquela coisa tinha que ter
alguém pra anotar no fardo, tinha uma numeração específica, cada um tinha seu
código, tinha que marcar na resma o tanto, a quantidade, e o código e fazer o
controle. E eu trabalhava ali. Pra marcar e também pra puxar carrinho de papel,
[...] dos depósitos, saía da máquina ia levar nos depósitos, pegar no depósito
levar até o caminhão, esse é o serviço que eu fazia, serviço pesado pra minha
idade, mas não tinha jeito tinha que fazer. Quando eu fiz 17 anos eu fui pro
Senai [...] na Lapa. Na rua N. Sª da Lapa era naquele tempo. Aí eu fiz o Senai, 1
ano de Senai, aí meu pai conseguiu transferência pra que eu fosse trabalhar na
oficina mecânica. Aí eu fui trabalhar lá em 1958, quando eu tirei o diploma do
Senai. Eu tinha 18 anos já. Aí eu trabalhava lá onde é a MD hoje, não aqui na
Cerâmica. Aí eu trabalhei lá até aposentar. Eu me formei em torneiro mecânico,
comecei a trabalhar como torneiro mecânico e trabalhei até novembro do ano
passado. Só na Melhoramentos eu trabalhei trinta e dois anos [...] (EUSÉBIO,
2011).
95
Francisca Doratiotto Bertolini nasceu em 1947, na Vila Charco Fundo, em Caieiras.
96
Antônio Eusébio é nascido em 1940, em Caieiras.
120
Às vezes a busca pelo conhecimento técnico não era atividade fácil para os rapazes
nascidos em famílias operárias, que viam na rotina de trabalho a única forma digna de
viver e prosperar. Para Jair Bertolini, também funcionário da Cia., iniciado na plantação
de mudas, o estudo exigiu dedicação e perseverança:
[...] meu pai não trabalhou muito na Companhia97, pois ele trabalhou cerca de
vinte anos na Cobrasma. Eu sei que ele era da plantação e depois da oficina. Ele
namorava a minha mãe e ela conta que como ela servia cafezinho na fábrica, ela
dava um jeito de levar café pra ele também na oficina, mas era só pra ele e os
outros chiavam! Depois de casados é que ele foi estudar. Ele fez Liceu e Protec.
Eu lembro de finais e finais de semana do meu pai na prancheta. E ele conta que
o pai dele, o Augusto Bertolini, sempre dizia para minha mãe:
- Vê se tira essa idéia da cabeça dele, de estudar! Fica chegando tarde em casa,
nem vê os filhos! (SOARES, 2011).
[...] tempo da escravatura, sabe? Que você comia mas cê tava dependente do
patrão e tinha que trabalhar pra pagar? Era assim. Praticamente isso. Porque
você ia no armazém e tinha o vale. Mas esse vale era descontado do teu
pagamento. Então você tinha “x” de vale. De acordo com o seu ordenado era o
tanto que a Companhia te dava o vale. Então, no dia de vale você fazia despesa.
Mas esse vale vinha descontado na folha de pagamento. Se você ia no médico e
gastasse na farmácia, vinha descontado na folha de pagamento (EUSÉBIO,
2011).
97
Jair Bertolini começou a trabalhar na Companhia por volta de 1961, com 14 anos.
Organização Social e Espacial de Caieiras 121
Para os operários, esta era uma oportunidade que não se poderia desperdiçar e valia alguns
sacrifícios:
[...] tinha oito horas de trabalho na carteira. Mas você ficava e trabalhava, eu
cheguei trabalhar durante a semana das sete às nove da noite, às dez da noite, só
que ganhava extra. E sábado e domingo trabalhava. Muito tempo trabalhei de
domingo, porque quando eu construí aqui a minha casa98 eu fiz muito hora extra,
eu ganhava às vezes o tanto de ordenado o tanto de hora extra. Vamos dizer, que
eu ganhava mil reais, e mil de hora extra. Porque a hora-extra era assim, eles
pagavam 30% a noite e no domingo era 100%. E a gente usava muito a hora-
extra porque nos feriados e domingos parava-se a fabricação. Hoje não para
mais, mas naquele tempo parava. Hoje não para, hoje é regime contínuo, né?
Mas antigamente, até nem sei como eles fazem os reparos hoje, porque
antigamente era assim, a fábrica parava domingo de manhã e só ia funcionar na
segunda-feira de manhã, às seis. Porque a fabricação era três turnos: das seis as
duas, das duas as dez e das dez às seis. Nós trabalhávamos das sete às cinco.
Então o nosso horário, passou das cinco horas já era extra. Sábado nós tínhamos
que trabalhar até o meio dia. Passou desse horário era extra. Então a gente saía
três, quatro horas da tarde. Domingo, às vezes eu ficava até....e os meus filhos
não me viram quase. Eu vivia na fábrica. [...] era assim [...], eu saía de manhã,
almoçava porque lá tinha refeitório, eles davam. Davam não, vinha descontado
no hollerith, uns valezinhos, e você almoçava, mas era coisa bem pouquinha (o
desconto), então a gente dava o valinho almoçava, jantava, e quando a gente ia
jantar o vale não era descontado do pagamento. Por exemplo, se eu ficasse das
sete as cinco o almoço tinha o valinho que vinha descontado. No jantar eles
davam um papel escrito pelo chefe. Então a gente apresentava aquele papel no
refeitório e comia. Porque era tudo da Companhia mesmo então com aquele vale
que eles davam você jantava quando era hora-extra, domingo e sábado, era tudo
extra e você tinha alimentação. Por isso que eu digo, não temos do que reclamar,
né? Tinha as vantagens! (EUSÉBIO, 2011).
98
Referindo-se à casa construída fora da Companhia Melhoramentos.
122
Que tava saindo na época. E muitos não tinham assinado o fundo de garantia.
Quem não tinha assinado e tava perto de aposentadoria eles ofereceram este
acordo. Então, você não recebeu nada por trabalhar trinta anos. Da Companhia
nada. Você recebeu os trinta anos que foi feito os cálculos de depósito de INSS e
foi dando o salário. Na época dava pra mim um bom salário, porque eu recebia 5
salários mínimos e meio. Na época era bastante. Era um bom salário...
(EUSÉBIO, 2011).
Figura 35 Separação de caroços de algodão Figura 36 Processo de trabalho com o linter (fibras
Fonte: Donato (1990, p. 104) de casca de algodão), 1942-1943
Fonte: Donato (1990, p.104)
Sebastiana era feito nos barracões de zinco do Bairro da Cerâmica. Estes barracões eram
grandes espaços cobertos onde era feita a seleção de revistas e jornais usados que seriam
utilizados para a fabricação do novo papel:
Minha mãe trabalhou bastante. Até 47 ela trabalhou num barracão [...] ali onde é
a cerâmica, era tudo barracões de zinco. Enormes, tudo nesses barracões e lá
embaixo, é, vinha muita revista, eu adorava ir trabalhar com a minha mãe porque
vinha revista de tudo que era lado pra gente, pra eles escolherem, tirar aqueles
grampinhos, tal e punha nos fardos, prensava, fazia os fardos de papel pra ir pra
fábrica pra moer aquilo e fazer papel. Era matéria prima que eles usavam assim
[...] Lá tinha muitas mulheres que trabalhavam lá só pra fazer isso. Escolher
papel, ensacar e depois levava na prensa, [...] prensava e fazia uns fardos e daí ia
pra fábrica. Minha mãe trabalhou lá até 1947. Quando meu irmão nasceu meu
pai não deixou mais ela trabalhar e ela saiu (EUSÉBIO, 2011).
[...] Então eles começaram a se rebelar contra ela e começaram a fazer parada.
Pararam uma vez doze dias, outra vez quinze dias e ficavam lá, fora da firma e
ninguém entrava e se entrasse a turma não deixava mesmo. Foi, foi, foi que a
Organização Social e Espacial de Caieiras 127
Companhia resolveu tirar essa mulher de lá se não eles não voltavam trabalhar.
Aí puseram ela a trabalhar no arquivo onde a Companhia guardava uns livros de
registro da Companhia, não sei como é que chama aquilo, não era uma
biblioteca, era um arquivo deles mesmo [...] ela judiava das moças que fazia as
moças chorar. Quantas vezes me lembro de ver minha irmã que chegava em casa
chorando que a mulher tinha feito isso, que falava aquilo, ela judiava mesmo
[...]. Fisicamente não. Mas verbalmente ela judiava. Não podia olhar. As
meninas trabalhavam numa mesa assim. Só que era uma mesa bem comprida.
[...] Não podia olhar pra você e nem você pra mim. Tinha que olhar aqui (o
papel). [...] Você não podia olhar. Se ela visse você olhando pra outra ela vinha
e descia a lenha. E tinha que trabalhar de produção. E não ganha de produção.
Não parava pra nada. Só mesmo na hora do jantar e do almoço. E as meninas
eram obrigadas a trabalhar até as nove da noite. Bem puxado. Esse foi um tempo
mesmo de escravidão lá dentro (EUSÉBIO, 2011).
[...] ela era rígida, mas era competente [...] eu conheci [...] foi chefe da minha
mulher. Ela trabalhou na sala de escolha. [...] naquele tempo a gente paquerava a
mulherada. Tudo moça nova! [...] se uma moça olhasse pra um de nós, assim que
a gente saísse, ela chamava lá e Nossa Senhora! A mulherada tremia de medo
dela. A gente ia lá e elas falavam:
- Não fala comigo, não fala comigo...
Elas tinham medo dela (PRANDO, 2011).
O setor de papel crepom foi também local de trabalho de muitas mulheres, como
Rosa Menegatti de Azevedo. O trabalho neste setor consistia em fazer as “fitas” de papel
crepom. Para Rosa, que iniciou na Companhia em 1938, aproximadamente aos 15 anos de
idade, o trabalho na Companhia não era tão exaustivo, e era possível cumprir as atividades
semanalmente no horário das 07:00h às 17:00h e aos sábados das 7:00h às 12:00h. Para
ela,
[...] o trabalho lá era uma maravilha! Patrão bom são os alemães. O meu chefe
era o seu Constantino Toigo, [...] Eu saí quando tive a Cleide, aí já não dava
mais tempo, era muita coisa (...). Eu trabalhei faltou três meses pra completar
dez anos. [...] minha irmã trabalhou no setor do papel higiênico. [...] agora a
chefe da sala de escolha, dizem que era ruim, eu nem cheguei a conhecer!
(AZEVEDO, 2011).
Outra opção de trabalhos para as meninas das vilas de Caieiras era as casas dos
chefes. Lá elas exerciam um trabalho voltado para o cuidado com a casa, o preparo dos
128
alimentos, a administração dos serviços gerais domésticos. Para alguns, o trabalho nas
casas dos chefes era uma espécie de trabalho que antecedia o ingresso oficial na
Companhia:
Então, minha irmã entrou pra trabalhar com 14 anos como eu. Eu também entrei
com 14, a minha irmã já entrou na sala de escolha, onde mamãe entrou também
quando era mocinha, a sala de escolha era antiga, né? Desde que começou a
Companhia. Foram muitas gerações que passaram por ali, né? Então minha irmã
também trabalhou ali. [...] com 9 anos ela foi trabalhar em casa de família,
quando era criança, servicinho de menina, né...quando ela era criança, lá pro
Monjolinho, na casa dos chefes, a chefaiada sempre tinha uma empregadinha,
né? Então, o pobre é que ia...e com 14 anos ela entrou na sala de escolha
(EUSÉBIO, 2011).
Para outros, o trabalho nas casas dos chefes era uma experiência que lhes oferecia
uma oportunidade de estar próximo dos alemães, a quem costumavam considerar,
respeitar e admirar. Com eles, viam oportunidade de aprender um pouco de seus costumes
e culinária:
[...] os alemães eram bons. Tinha o Seu Ehlert, você já ouviu falar? Ele era
gerente. Nossa! Aquele homem era um santo! Bom pra todo mundo! [...] era
alemão. A minha irmã [...] foi mandada pra trabalhar na casa do seu Ehlert.
Você imagina, ela tinha 16 anos e era cozinheira para ele! Que beleza hein! Ela
gostava! Aprendeu tudo que era comida alemã deles [...] e sabe até hoje! [...]
nossa, eles adoravam ela! Eles não queriam que a gente saísse de jeito nenhum!
(AZEVEDO, 2011).
Os rapazes das famílias operárias também passavam por uma etapa, que podemos
classificar como estágio ou atividade preparatória para o ingresso na Companhia. Aqueles
que beiravam os 14 anos durante a primeira metade do século XX, assumiam tarefas
associadas diretamente ao trabalho braçal, como o plantio das mudas de eucalipto no
viveiro, atividades de apoio às equipes da roça, e aqueles com menos sorte e físico
avantajado, assumiam a temida “enxada”. Este trabalho é lembrado pelos antigos
trabalhadores como tarefa de extremo esforço físico que muitos dos meninos preferiam
evitar:
buscar nas nascentes a água nas costas pra levar pro pessoal tomar [...].
Esquentar almoço quando era hora de almoço, catar lenha no mato pra fazer
fogueirinha pra esquentar caldeirão de comida, esquentar o almoço do pessoal,
para que na hora o almoço estivesse feito e buscar água para eles tomar o dia
inteiro. Esse era o meu serviço. Fiquei ali mais ou menos [...] um mês no horto,
fiquei mais ou menos três meses na roça, e depois eu passei pra trabalhar na
cocheira. Cuidar de limpar a cocheira porque tinha muito animal naquele tempo,
porque tinha muita carroça, charrete, essas coisas, né, que tinha em 55. [...]
Então, eu tinha que cuidar dos animais. Ou seja, de manhã, tratava, limpava o
espaço que ficava os animais, [...] limpava as cocheiras e tal, punha a comida
pros animais quando chegava com as carroças à tarde, já ficava tudo as baias
cheias de alfafa, essa coisa toda, né? Tinha que limpar, ali era o serviço, tinha
alguns moleques, eu não era sozinho [...] (EUSÉBIO, 2011).
99
Prando nasceu em 1936, no Monjolinho, em Caieiras.
100
Diploma de ensino básico.
101
Gerente alemão da Companhia.
130
E naquele tempo, o pai falava tinha que abaixar a cabeça, não tinha conversa,
né?
Aí eu falei:
- Só que tem uma coisa. Eu, na Florestal, eu não entro. Na plantação não.
- Não, eu arrumo pra você vir direto trabalhar aqui comigo na oficina.
- Tá bom.
Falei, tá bom. Mas não vão falar mais nada. 15 dias e me chamaram. Fui no
departamento pessoal, já acertei a documentação [...] aí no dia 02 de fevereiro de
54 eu comecei aqui, direto na oficina. Ah! Me livrei da plantação! Isso pra
gente, nossa! Você tem que carpir lá! Eu não, eu tô na mecânica! Aí fui
trabalhar lá onde é a MD hoje. Trabalhei quase 12 anos lá, até a montagem da
máquina aqui, depois que eu vim pra Cerâmica aqui. Era tudo Melhoramentos,
naquele tempo não tinha nada de MD não. Era tudo Melhoramentos, e assim foi,
fui fazendo a carreira e me aposentei como gerente industrial (PRANDO, 2011).
2.3.3 Greves
O controle social, moral e as punições andavam juntos nos núcleos fabris durante o
século XIX. Os muros que costumavam cercar grande parte dos núcleos constituídos
tinham a entrada e a saída controlada102. Entretanto, as vilas de Caieiras sempre foram
abertas, sem este controle de entrada e saída, até 1946. É possível que o isolamento da
região - proporcionado pela distância, acesso restrito e grandes áreas verdes que
circundavam o núcleo - e a falta de atrativos externos dispensassem estes controles. Foi a
partir de 1946 - período de intensa fiscalização e controle do Departamento de Ordem e
Política Social às comunidades alemãs no Brasil - que muros e cercas foram colocados em
toda a extensão da fábrica e estabelecimentos afins de Caieiras. Assim, um rigoroso
controle na circulação das pessoas e materiais passou a vigorar, incluindo a colocação de
relógios de ponto e a criação do Serviço de Vigilância. Nesta época a situação de conflito
entre os interesses de patrões e empregados começou a suscitar movimentos grevistas,
com a instalação do sindicato desde 1937 (DONATO, 1990). Donato (1990) relata que
uma das primeiras greves ocorridas em Caieiras, após 1946, foi declarada em
solidariedade aos grevistas de uma fábrica de biscoitos. A partir desta greve, outras
surgiram. As greves de maiores repercussões foram relatas pelos entrevistados e pela
102
No Brasil, isto pode ser observado pelo comentário de um memorialista operário, ao referir-se à Fábrica da
Boa Viagem, situada na península de Itapagipe, Salvador, no estado da Bahia, de propriedade do industrial Luís
Tarquínio, dizia que “os costumes, igualmente, era objeto de zelo. Não se admitia mulheres de vida duvidosa
(mulher-dama), bêbados, nem namoros nos portões que eram fechados às vinte e uma horas. Qualquer infração
ao regulamento era punida” (HARDMAN; LEONARDI, 1982).
132
literatura sobre Caieiras. Em 1959, Donato (1990) destaca o movimento de mulheres que
reivindicavam o afastamento de uma chefe de seção. Os funcionários relembram estes
momentos ao dizer
[...] o famoso advogado que faliu o Abdalla em Perus. Ele foi o advogado que o
sindicato acabou contratando [...] Dr. Mário Carvalho de Jesus! Era um
excelente advogado que pra classe operária, não existia outro advogado que
pudesse brigar com ele. Ele se formou, segundo ele falou pra gente, com o Dr.
Mário de Toledo de Moraes, que era o advogado, superintendente da
103
O sindicato em Caieiras já estava instalado desde 1937 (DONATO, 1990).
104
Mario Carvalho de Jesus foi organizador do livro Cimento Perus – 40 anos de ação sindical transformam velha
fábrica em centro cultura, 1992.
105
O salário-família era uma verba destinada ao operário casado que auxiliasse com as despesas da mulher e do
filho melhor que ficavam em casa (JESUS, 1992).
Organização Social e Espacial de Caieiras 133
Zeferino Prando relatou em quais circunstâncias o Dr. Mário foi contratado pelo
sindicato dos trabalhadores de Caieiras:
[...] naquele tempo a fábrica parava aos domingos pra fazer manutenção. Era
uma época de carnaval e três funcionários não apareceram pra fazer a
manutenção do domingo, [...]. E o Faltin, que era o chefe, suspendeu os três. O
Faltin era enérgico, fora do serviço era bom, esportista [...] mas no serviço era
duro! [...] Então ele suspendeu e o pessoal não concordava com a suspensão
destes três funcionários e depois estavam também pleiteando um prêmio de
produção [...] e a Melhoramentos não pagava esse prêmio para eles! E aí então
parou todo mundo. Oficina parou, carpintaria, parou! Aí foram pra Perus. O Dr.
Mário estava em Perus, contaram lá pra ele a história. Ele marcou uma reunião
no outro dia aqui na Melhoramentos. Não queriam nem atender ele. Então, ele
fez a reunião com o pessoal em frente ao escritório da Melhoramentos [...]. Aí
foram obrigados a mandar ele entrar. Aí não chegou em um acordo e todo
mundo parou, até a fábrica de papel. Parou tudo! E fazia piquete na Cerâmica,
fazia piquete lá na Fábrica [...] foi em 60 e alguma coisa. Foi uns dez, doze dias,
não lembro a quantidade de dias que ficamos parados. E aí o sindicato contratou
o Dr. Mário. Aí ele atendeu o sindicato e trabalhou aqui muitos anos como
advogado sindical. Ele vinha toda segunda-feira [...] pra dar plantão. Aí recebia
todas as reclamações, da Melhoramentos inteira! Aí [...] a Melhoramentos ficou
bronqueada porque todo 1º de maio a Melhoramentos dava uma festa aqui que
era brincadeira! Tudo por conta da Melhoramentos [...] daquele dia em diante, a
Melhoramentos cortou isso. [...] aí o pessoal sofria qualquer problema lá dentro,
vinha reclamar e ele já metia uma ação trabalhista. Ganhava todas! [...] porque o
pessoal que comandava, não a diretoria, mas a parte de chefia, não conhecia a lei
coisa nenhuma, era na raça, então faziam punições que muitas vezes...e o
pessoal ganhava quase todas. [...] eu ficava muito com o Dr. Mário [...] depois
eu fiz parte da diretoria do sindicato. Eu vinha toda segunda-feira para aprender,
porque eu queria muito aprender. [...] E ele dava um show o Dr. Mário!
Explicava tudo nos mínimos detalhes. Eu [...] gravava tudo o que ele falava e
aprendi muita coisa com ele (PRANDO, 2011).
[...] tinha o hidrapulper, que era igual a um liquidificador, só que era assim, um
liquidificador abaixo do piso. Eles iam com carrinho e jogavam o fardo de papel
lá dentro e aquilo trabalhando. Moía papel. Fazendo a massa de papel. Uma vez
caiu uma pessoa, tentou jogar o carrinho e foi junto. Morreu! Outra vez morreu
um que caiu do elevador, porque tinha elevador, era 2, 3 andares, pra subir com
os fardos de papel e descer, né? Caiu um do elevador lá embaixo caiu no buraco
e morreu. A máquina pegou vários [...] O [...], não é do meu tempo, um chefão
lá, antes de ele ser chefão ele era funcionário, era chefe de sessão [...] ele tinha
um braço só. Um braço dele ficou na máquina de papel! É foi pego na máquina
[...]. Foi amputado aqui (na altura do ombro). E foi na máquina de papel. Não é
do meu tempo. Tempo do papai criança. Ele é bem antigo mesmo. Eu já conheci
134
ele sendo chefão aí. Eu imagino que ele deve ter vindo como imigrante alemão.
Ficou trabalhando como funcionário ali e cresceu por conta desse acidente.
Porque era da raça deles e eles não iam menosprezar. Naquele tempo não tinha
esse negócio de por braço mecânico. Cortou, ficava sem. [...] O que tinha de
ruim na Companhia era isso, você não podia falar em segurança, você não podia
falar em nada que fosse pra te proteger. As coisas começaram a vir com o
tempo, depois com as greves e tal e foram abrindo os olhos dos funcionários e
foram vendo, puxa, eu tenho direito disso, então eu vou brigar por isso, e foi aí
que começou, mas foi de 60 pra cá. Aí que começou as greves as coisas e nem
sempre se conseguia tudo às vezes o funcionário era forçado a voltar a trabalhar
porque tinha que comer. Porque não ganhava. Fazia greve perdia mesmo. Tinha
aquele negócio também, como sempre existe, aqueles que aceitam greve e outros
que não aceitam e ficam forçando a volta (EUSÉBIO, 2011).
[...] O enviado das autoridades trabalhistas teve o seu trem detido por
manifestantes à saída da estação de Caieiras. Alguns deitaram-se nos trilhos.
Outros estenderam bandeira nacional diante da locomotiva. O impasse, assistido
pela maioria dos grevistas, acabou desatado por eloqüente discurso patriótico
pronunciado pela autoridade trabalhista. Transferida a bandeira para a
locomotiva, desimpedida a linha, o trem prosseguiu entre vivórios. O acordo que
pôs fim à greve foi selado sob os cuidados de Mário Toledo de Moraes106. Este,
porém, advertiu ser improfícuo solucionar as greves uma por uma, discutindo
especificidades. Aconselhava a procura de solução geral, de longo alcance. A
exemplo, de um contrato coletivo de trabalho (DONATO, 1990, p. 111 e 112)
106
Diretor Secretário da Companhia em 1960. Já atuava como diretor social desde 1948 (DONATO, 1990).
Organização Social e Espacial de Caieiras 135
entrou com uma ação trabalhista solicitando o pagamento de horas-extras que fazia com
freqüência já há 3 ou 4 anos. Segundo Prando, sua saída do setor provocou queda na
produção e por este motivo foi chamado novamente para ocupar o antigo cargo. Para
retornar, negociou com o gerente da época o pagamento das horas e desta forma se
comprometeu em dar baixa no processo trabalhista:
[...] eu ganhava dois salários só de hora-extra. Já fazia três ou quatro anos que
eu fazia isso. Já tinha direito adquirido. Veja como valeu a pena eu aprender
com o Dr. Mário [...] cheguei no departamento pessoal, tinha o Antonio
Castelani, muito amigo meu:
- Toninho, eu vim dar baixa num processo.
- Não acredito!
- Mas antes disso, cê faz um documento aqui que o Dr. Edward, assume toda a
responsabilidade e me deve, a Melhoramentos me deve [...] e vai pagar em duas
vezes. Eu quero assinatura dele. Se ele não assinar, não tem baixa no processo!
(PRANDO, 2011).
107
Na França, por exemplo, havia igrejas católicas nos núcleos de Marquette, Val-des-Bois (criado por fábrica
têxtil) e Mulhouse. No núcleo de Port Sunlight (criado pela indústria de sabonetes Lever, na Inglaterra), havia
uma igreja congregacional; em Bournville (criado na Inglaterra pela fábrica de chocolate Cadbury) havia uma
igreja anglicana e uma Friend´s Meeting House (quaker); na Osaka Spining Cia., (fundada por fábrica de tecidos
no Japão), foi construído um templo budista; em New Earswick (criado na Inglaterra pela fábrica de chocolates
Rowntree), havia igrejas anglicanas e metodistas e espaço para reuniões aos domingos para católicos e quakers
(CORREIA,1998).
136
Ao capelão está afeta larga função educativa. Sua missão não acaba, mas
começa com a celebração da missa. A empresa concede-lhe toda liberdade,
podendo mesmo, a qualquer instante, interpelar ou ocupar um empregado (A
OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-
IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM
‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24, Dezembro de 1940, p. 10)
108
A este respeito Correia (1998) cita os privilégios oferecidos pelo industrial Titus Salt, em Saltaire, que
construiu 45 casas ao redor de uma praça para ex-operários idosos, que para ter acesso a este privilégio
precisariam ser considerados pelo patrão pessoas de bom caráter (CORREIA, 1998).
Organização Social e Espacial de Caieiras 137
O relato acima mostra que os capelães eram figuras respeitadas e muito ativas
dentro das comunidades. Exemplo desta atuação foi observado durante a década de 1930,
quando o padre Aquiles Silvestre109 ocupava este posto. Em 1938 padre Aquiles fundou a
Associação Mariana Nossa Senhora do Rosário que contava com cerca de 150 jovens e
possuía um time de futebol – o Juvenil São Luiz do Gonzaga – e um de voleibol. A
Associação Mariana mantinha um corpo cênico formado por moças e rapazes e oferecia
curso de teatro, coreografias e caracterizações diversas. Na sede da Associação Mariana
havia jogos de xadrez, dama, pingue-pong tênis de mesa e uma biblioteca. Em 1940, o
padre Aquiles fundou o grupo Pio União das Filhas de Maria. Além destas atividades, o
padre instruía uma equipe de catequistas encarregados da preparação da Primeira
Comunhão das crianças. Nesta década, fundou um curso para adultos, equivalente ao
curso supletivo. Para as moças, ele criou uma escola profissionalizante com aulas de
educação moral e cívica, literatura, música, corte e costura, higiene, culinária e trabalhos
artesanais (MORAES, 1995).
109
O Padre Aquiles iniciou os estudos no Seminário de Bom Jesus de Pirapora. Após cursar o Seminário Maior de
São Paulo foi ordenado padre. Chegou em Caieiras na década de 1930, já como Capelão da Companhia
Melhoramentos. Em 1942, quando o Brasil entrou na 2ª Guerra Mundial, o padre Aquiles foi convocado para
servir como capelão militar da Força Expedicionária Brasileira (FEB) atuando nos campos de batalha italianos.
Em 1945, o padre voltou para Caieiras onde permaneceu por mais algum tempo obter o posto de capitão, quando
passou a prestar assistência religiosa no quartel do Segundo Exército, em São Paulo (MORAES, 1995). Antigos
moradores acreditam que durante o período de perseguição às comunidades alemãs, quando alguns funcionários
foram detidos devido às acusações que envolviam a formação de rede nazista, a influência do Padre Aquiles foi
importante para a liberação de tais funcionários.
138
Luis Carlos Mancini descreve que ao todo, em 1940, somavam dentro do núcleo de
Caieiras 4 associações religiosas dirigidas pelo capelão: A Cruzada Eucarística, para os
menores; a Associação Aluiziana de moços, com 160 membros; a irmandade de São
Benedito, de homens com 150 aderentes e a Associação de Nossa Senhora do Rosário com
150 moças (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO
PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM
SERVIÇO SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, p.10).
A participação da Igreja nas relações entre patrões e empregados teve influência
das recomendações da Carta Encíclica “Rerum Renovarum” assinada no ano de 1891 pelo
papa Leão XIII. A carta dispunha sobre as condições dos operários e alertava sobre a
necessidade de apaziguamento entre ricos e pobres. Totalmente contrária ao socialismo, a
“Rerum Renovarum” defendia a propriedade particular como resultado da dedicação do
operário e como uma garantia às gerações futuras das famílias operárias. Pregava também
a dignidade pelo trabalho, justa remuneração, necessidades específicas da mulher de
acordo com sua “natureza” e as condições efêmeras, referindo-se à vida terrena, as quais
os operários deveriam pacientemente suportar. Para a “Rerum Novarum” as classes dos
ricos e pobres teriam necessidade uma da outra. Nesta conjuntura, o capital não poderia
existir sem o trabalho e vice-versa. As classes deveriam unir-se por laços de amizade
(CARTA ENCÍCLICA “RERUM NOVARUM” DO PAPA LEÃO XIII SOBRE A
CONDIÇÃO DOS OPERÁRIOS, 1891)110.
A força da igreja como mecanismo para apaziguar inciativas operárias, entre elas,
os movimentos políticos, pode ser percebida no depoimento de Bruno Prando quando
compareceu para representar o filho que havia sido intimado para depor à respeito da
suposta depredação dos transportes da Companhia. Nas palavras do escrivão que
datilografou o termo de declarações, os conceitos e posturas ligadas à religião católica
opunham-se claramente aos movimentos políticos:
[...] com referência a expressões de cunho comunista, que nesta delegacia ficou
sabendo terem sido usadas por pessoas que se utilizam dos transportes da
Companhia, o declarante disso não tem conhecimento, podendo afirmar ao
contrário, que a população de Caieiras é muito católica e principalmente os
trabalhadores da Companhia Melhoramentos (PRONTUÁRIO DEOPS 44311).
110
Disponível: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_15051891_rerum-
novarum_po.html. Acessado em 12 de julho de 2011, às 15:40h
Organização Social e Espacial de Caieiras 139
[...] cabe uma referência que muito recomenda o espírito social dos operários.
Mensalmente eles cotizam remetendo 1:000$000 ao Sanatório das Irmãzinhas da
Imaculada Conceição, de São José dos Campos, que retribue pondo-lhes à
disposição dois leitos (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS
CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24,
DEZEMBRO DE 1940, P.8).
111
Nascido em Fartura, interior paulista, 23-05-1925 e falecido em 2005. Foi ordenado padre em 1949 e chegou
ao título de Monsenhor. Foi o primeiro pároco nomeado da igreja de Santo Antonio, em 1966. Celebrou missas
até 2003 (PERES, 2008).
112
A primeira gestão administrativa de José Cezar de Oliveira ocorreu entre os anos de 1964 e 1968. A segunda
foi entre os anos de 1972 e 1976.
113
Em Pedra (AL), por exemplo, todas as crianças eram obrigadas a freqüentar a escola, a partir dos 5 anos de
idade. A fábrica controlava e fiscalizava as faltas dos alunos e oferecia prêmios como ingressos para o carrossel e
o rink de patinação, para os alunos que se destacassem. Para entrar no cinema, era necessário que as crianças
apresentação o comprovante de freqüência às aulas. Os incentivos para os adultos poderiam ser a permissão de
escrever cartas às namoradas (CORREIA, 1998).
140
Figura 42 Entre outras celebridades, o Monsenhor Figura 43 Campanha política do Monsenhor entre
José Cezar de Oliveira nos eventos políticos e os moradores da Companhia
festivos de Caieiras Fonte: Revista Manchete (02-11-1963. Ano 11. Nº
Fonte: Acervo: Geraldino Ferreira de Almeida 602)
Em Caieiras, a educação das crianças e dos jovens era mesclada com as atividades
religiosas e cívicas, através das associações criadas pela igreja que proporcionavam
diversos cursos aos jovens e do grupo de escotismo voltado às atividades físicas e
externas: “toda obra da Companhia tem por base a educação, a valorização do homem e
por fim, o estabelecimento da paz e da unidade profissional neste sector de trabalho” (A
OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-
IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM SERVIÇO
SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, p. 12).
Os relatos mostrados no item Organização das vilas, apontam a existência de até 7
escolas no núcleo fabril de Caieiras. No ano de 1940, funcionavam cinco escolas, as quais
eram freqüentadas por 660 alunos. Neste período, a educação dos meninos estava voltada
à formação profissional enquanto que a educação feminina direcionava-se às atividades
consideradas de “natureza feminina”, como exemplo, os cursos de corte e costura
organizados pela Associação Nossa Senhora do Rosário para as moças de Caieiras. As
peças confeccionadas pelas operárias aprendizes de costureira eram doada às comunidades
pobres da região. Havia também cursos profissionalizantes ministrados por engenheiros e
oferecidos aos operários de certos setores. Cursos noturnos eram reservados aos adultos.
Mancini (1940) relatou que os alunos de Caieiras, periodicamente, passavam por inspeção
médica e dentária, procedimento que a Companhia pretendia estender para todos os
operários como medida obrigatória (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS
Organização Social e Espacial de Caieiras 141
Me formei no Otto. Fiz o primário no Otto. E só também, né? [...] Então, mas
era assim, eu tirei o diploma em 1953. É porque eu repeti dois anos, eu entrei em
47, em 53 eu acho que eu saí. Eu fiquei 4, 5, 6 anos na escola. Porque eu repeti o
primeiro ano e o quarto. Você acredita nisso? Eu era pequenininho mas eu
lembro bem. E depois eu só fui estudar quando eu fiz o Senai só. Fiz algumas
aulinhas particulares com pessoas, professores particulares, lá na fábrica mesmo.
Assim, conhecimento de desenho mecânico, né? Relacionado à minha profissão
mesmo né? Mas pouca coisa (EUSÉBIO, 2011).
Assim, devido a esta situação, após o término do antigo curso primário, era comum
que os alunos filhos de operários encerrassem os estudos. Filhos de funcionários com
graduação maior tinham condições de freqüentar outras escolas. Alguns saíam
diariamente, via trem, para as escolas de São Paulo, principalmente para aquelas
localizadas no Bairro da Lapa como o Colégio Campos Salles e o Colégio Anhanguera.
Outros, conforme relato de antigo morador, freqüentavam internatos no interior do estado
de São Paulo.
[...] porque São Paulo era longe ainda, muitos desses filhos de alemães
estudavam em São Carlos, mas aí ficavam em internatos lá, por exemplo, os
filhos dos Faltin estudavam em São Carlos e havia mais que ficavam lá em
internato em São Carlos. Não sei que escola é. Aqui em Caieiras não tinha
escola para segundo grau (BELLEN, 2011)
142
2.5 Bem estar físico e mental: as comemorações, cultura, saúde e utilização das
horas livres
114
Exemplo desta organização pode ser observado no núcleo fabril constituído pela empresa Klabin do Paraná.
Correia (1998) mostra naquele caso a utilização das horas livres do trabalhador era comumente voltada para
divertimentos onde poderia haver um comprometimento do salário gerando danos à produção. Desta forma, nos
núcleos fabris, a promoção de bailes, competições esportivas, sessões de cinema, festas religiosas e cívicas eram
favoráveis ao afastamento dos trabalhadores dos divertimentos livres tidos pelo patrão como perigosos e nocivos
à produção. Outros exemplos descritos por Correia (1998) demonstram como as atividades de lazer dos operários
obtiveram atenção especial dos industriais construtores de núcleos fabris. No núcleo da Companhia Brasil
Industrial, próximo do Rio de Janeiro, havia clube, teatro e bilhar; no da Fábrica Carioba, em Americana (SP),
havia salão de conferências e bailes; em Votorantim (SP) havia praça, clube, cinema e campo de futebol; em
Cedro (MG) havia banda música, cinema e campos de futebol; o Cotonifício Othon Bezerra de Melo, Recife (PE)
e a Cia Alagoana de Fiação e Tecidos, Cachoeira, (AL) oferecia para seus operários bandas de música e cinema.
Em Pernambuco, a Companhia Fiação e Tecidos Goyanna, oferecia sessões gratuitas de cinema; a fábrica
Pirapama,em Escada (PE) tinha clube e banda de música e na Societé Cotonnière Belge-Brésilienne em Moreno
(PE), havia sociedade esportiva e banda de música; as fábricas Petropolitana e Aliança, no Rio de Janeiro,
também criaram bandas musicais. Panet (2002) conta que em Rio Tinto (PB), quando as sessões de cinema
passaram a ser apresentadas no cine-teatro Orion, a partir de 1944, a capacidade deste salão era de 1800 pessoas.
A diversificação das atividades e a capacidade dos espaços para cinema, como este criado em Rio Tinto, denotam
que a adesão por parte dos operários era significativa.
Organização Social e Espacial de Caieiras 143
Saudades também das festas juninas da vila Leão, com barracas de quermesse,
coelhinho, tômbola, etc. Aos 18 anos o nosso maior divertimento era os bailes
aos sábados e as matinês aos domingos no CRM (GABRIELLI, 2010).
[...] as festas de outubro no Rosário era a coisa mais maravilhosa, era muito
lindo, muito lindo, [...] é indescritível a maravilha que era. [...] no tempo que eu
era criança, eles tinham aqueles arcos iluminados pelas ruas vinha desde lá do
Barreiro até lá no cemitério da Cerâmica. Tudo iluminado, bandeirinhas...ali em
frente a Igreja tinha o coreto, a banda tocava durante a festa, o povo vinha
assim...sabe? pra nós era uma multidão, porque hoje você vê muito mais gente,
coisa muito maior, mas pra nós era muito, era uma festa muito linda, a
maquininha vinha lotada da Fábrica e os pau-de-arara. Antes de ser pau-de-
arara, a maquininha vinha do Monjolinho e também vinha lotada, depois tiraram
115
Entrevista cedida à autora. Srª. Cecília Aparecida Antônio: ex-funcionária e ex-moradora da Vila Kholl e da
Rua dos Coqueiros.
144
a maquininha e veio os pau-de-arara que vinham lotados e todo mundo ia pra lá.
O pessoal do Cresciúma aqui descia tudo lá na festa do Rosário. Era muito! [...]
e isso já em 60, 70. Ainda era assim bonito. Aí lá acabou, hoje tem essas festas
que você conhece por aqui. É tudo diferente. Porque naquele tempo podia, né?
[...] Tinha leilão, imagina se hoje se faz um leilão! [...] Tinha as prendas grandes
[...] eles davam também porcos, animais, galinhas, coisas assim, pra por no
leilão (EUSÉBIO, 2011).
[...] olha nas festas que tinha, a padroeira de Caieiras foi sempre Nossa Senhora
do Rosário [...] As festas de outubro aí, a gente comprava até terno e gravata
para ir nas festas! [...] o que você pensar tinha! As barracas tudo a
Melhoramentos que fazia [...] montava tudo aquilo, leilão e um monte de coisa!
As procissões iam da fábrica , iam de Caieiras, banda de música! Tinha uma
banda que não devia nada pra banda da Força Pública. Então era um negócio
fantástico isso aqui! (PRANDO, 2011).
[...] tinha a Igreja Nossa Senhora do Rosário que foi onde eu encontrei meu
marido, conheci ele na Festa do Rosário, foi a primeira vez que ele veio pra
Caieiras, ele era da Lapa. Ele veio pra festa! A festa era muito boa. Nossa! Tudo
era bom naquela época. Muito bonita, vinha muita gente de fora!
(MINKEVICIUS, 2011).
Tinha uma convivência muito boa entre as pessoas que viviam ali, sabe? O
pessoal que morava ao longo dessa rua era um pessoal mais diferenciado,
chefias e tudo. Tinham uma convivência bastante agradável! Eles faziam aqui na
piscina, [...] umas festinhas bonitinhas ali no salãozinho, [...] organizava as
festas, enchia a água de velinhas boiando, era, naquela época, era lindo! Eram
bonitinhas as festinhas que eles faziam. Então a convivência era boa ali na
época, dos adolescentes e pré-adolescentes [...] aquelas baladazinhas da época.
[...] a gente vinha aqui pra baixo, eu até estava recordando estes dias, a gente
tinha aula de acordeom [...] mas aí você descia, lá pra baixo era o pessoal mais
simples que ficava ali, e todo mundo se cumprimentava, todo mundo se conhecia
e essa turminha aqui, saía muitas vezes à noite, de madrugada, pra caminhar no
meio das matas ali. Eram bosques, né? E não tinha nada, era uma floresta [...]
ficavam horas caminhando e ninguém se preocupava com absolutamente nada,
porque não tinha desgraça, aquilo era ótimo (BELLEN, 2011).
Sabe por que eu conheço bem essas casas? Eu ia tomar café a noite, eu era
pobre, mais pobre, e a noite eles tinham aquela mania de tomar lanche da noite e
pra nós era regalia. Dona Zenaide era muito boa, pra nós era muito boa, [...]
então ela fazia a tal da panelinha de aveia, então era pra gente ir lá e comer um
prato de aveia! Não tinha isso na nossa casa, né? Éramos pequenos, e ela era
muito boa, então ia lá conversar, brincar com os vizinhos, os filhos dela [...] na
Melhoramentos não é como hoje que vizinhos mal se vêem. Lá não, lá um ia na
casa do outro, [...] era normal isso. Por exemplo, se juntava o pessoal na rua pra
conversar, pra bater papo, não tinha o que fazer! Quando veio a televisão, em
60, meu pai foi o primeiro morador ali do bairro a comprar a televisão. [...]
então minha mãe lutou muito pra criar nós, trabalhou bastante [...] como
empregada, trabalhou na roça, trabalhou de cortar lenha no mato, fez de tudo e
então quando foi em 60 já a minha irmã trabalhava, eu trabalhava [...] foi no
Natal...tudo se comprava no Natal! Porque vinha o abono, não era 13º que falava
naquela época era abono da Companhia, a Companhia dava abono aos
funcionários, isso a Companhia sempre fez, não era lei, ela fazia antes da lei, só
que era assim, ela dava quanto queria e quando queria. Tinha vez que ela dava o
abono na véspera do Natal pra você comprar as coisas! Então você corria e
comprava no armazém dela, né? Então, mas ela sempre deu, então se
aproveitava o abono, pra que? Pra se comprar os presentes, pra se comprar uma
coisa melhor no Natal. Então no abono juntava o meu, o do meu pai, da minha
irmã, dava um dinheirinho e a gente dava de entrada. Depois comprava tudo a
prestação, então, a televisão nossa foi comprada em 60 no Natal, na Lapa. Ah!
Lugar de comprar era na Lapa naquele tempo, tudo na Lapa, né? [...] Então,
juntava, ia todos os vizinhos, toda noite, juntava todo mundo no chão da minha
casa lá, minha casa não era muito grande [...] mas todo mundo juntava no chão
pra ver televisão ali [...] Antes de meu pai comprar a televisão, nos clubes já
tinha televisão. Os clubes foram antes, né? Compraram cada clube tinha a sua
televisão [...] Eu lembro que a gente saía e ia na Curva da Fábrica, tem um
bairro lá que chamava Curva da Fábrica. Lá meu tio morava [...] ele já tinha
televisão. A gente ia de lá do Tancão até lá a pé pra ver Miss Brasil! E voltava.
Mas ia numa turminha. Não era só meus pais e nós, ia mais gente! Os vizinhos
conhecidos dele iam lá pra ver esse programa! (EUSÉBIO, 2011).
Como podemos observar no relato acima, esta condição ainda permitia a integração
entre moradores que se agrupavam para o lazer. Quando os primeiros moradores
começaram a adquirir o equipamento, a novidade atraía a vizinhança que chegava a
percorrer longos caminhos para assistir os programas exibidos. Mas, à medida que os
aparelhos foram surgindo em cada casa, o convívio começou a se modificar.
Referindo-se às primeiras exibições do Cine Cayeirense, Moraes (1995) relatou
como eram feitas as animações das sessões de exibição dos filmes mudos, envolvendo
músicos que davam um ritmo diferenciado àquele lazer:
[...] Domingos Toigo trabalhou na organização das primeiras exibições daquele
cinema. Como os filmes ainda eram mudos, Domingos tocava violino para
animar a noite dos espectadores, enquanto Clímene mostrava seus dotes
artísticos ao piano. (MORAES, 1995).
146
Estes eventos eram propícios para que os laços entre operários, Igreja e Companhia
fossem fortalecidos, pois, comumente as festas ocorriam com a presença do capelão e dos
diretores da empresa, como descreve Morais (1995), sobre as comemorações de 1º de maio
em Caieiras:
Nessas ocasiões, a festa se realizava sob o auspício da Companhia
Melhoramentos, com um programa composto de missa campal e solene pela
Organização Social e Espacial de Caieiras 147
As comemorações do Dia do Trabalho são destacadas por Peres (2008) como uma
das mais importantes comemorações promovidas pela empresa “em razão da própria
tradição e os valores sociais propostos pela Companhia Melhoramentos” (PERES, 2008, p.
68), o que enalteceria, segundo a autora, a importância dos trabalhadores da fábrica. Nas
festas de 1º de maio ocorriam os concursos de beleza que elegiam as princesas e rainhas da
Cia. (PERES, 2008). A relevância dada por Mancini às festas atestava a disciplina que as
comandava:
A obra de moralização das diversões realizadas na Companhia é relevante. As
festas operárias realizadas com frequência, contam com a presença dos diretores
da empresa e do padre capelão. Não há em 3000 pessoas notícias de conflito
sério comum ou trabalhista. É prova eloqüente dos resultados educativos
obtidos. Em população tão numerosa não há qualquer policiamento, nem de
organização pública nem de parte da própria emprêsa. É evidente que a atuação
salutar das organizações religiosas concorre para o estabelecimento da presente
situação (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO
PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS
EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ nº 24, Dezembro de 1940, p.14).
A presença dos superiores parecia ser uma constante em quase todas as atividades
de lazer dos trabalhadores de Caieiras e buscava conotar o sentido de todos formarem uma
“grande família” com esta aproximação entre chefia e subalternos. Não podemos esquecer
que a participação dos superiores nestes momentos de lazer garantia a ordem e disciplina
entre os grupos. Este convívio podia ocorrer em outros momentos:
116
Um exemplo extremo do controle industrial sobre as horas livres do trabalhador é relatado por Teixeira (1990)
ao descrever a ação de uma intensa fiscalização nas dependências da Vila Maria Zélia, em São Paulo. O relato de
uma moradora delata a vigilância, sob as regras estabelecidas pelo industrial Jorge Street, acerca das proibições
de se dormir na sala, seguindo a lógica de que famílias maiores precisariam de casas maiores e isto representaria
mais trabalhadores para a Companhia Nacional de Tecidos de Juta. Ela dizia que não era permitido colocar camas
e sofás na sala, pois o fiscal passaria para a vistoria (TEIXEIRA, 1990).
117
Um rigoroso controle sobre as relações entre os operários solteiros e as operárias foi constatado em Pedra
(AL). Neste caso, os homens solteiros moravam fora do núcleo, em acomodações específicas, e tinham o acesso
ao núcleo e o contato com as operárias rigidamente controlados. A saída das moças do núcleo era controlada por
fiscais que faziam rondas noturnas das proximidades do local para surpreender casais de namorados, que
eventualmente, conseguissem driblar as regras. Nos cinemas, homens e mulheres sentavam-se separados, mesmo
que fossem casados (CORREIA, 1998).
Organização Social e Espacial de Caieiras 149
118
Ver item Área livre, quintais e porões.
119
A autora aponta que em exemplos como Saltaire e Port Sunlight, na Europa, haviam hospitais para os
trabalhadores. Entre os exemplos brasileiros a autora cita Moreno (PE) e Galápolis (RS), onde os serviços
médicos eram gratuitos, enquanto na Companhia Industrial Pernambucana, Camaragibe, e na Companhia de
Tecidos Porto-Alegrense eram prestados mediante contribuição dos operários e da empresa à sociedade de
assistência.
150
Esse médico ficava dando assistência pros funcionários por conta da Companhia
[...] tinha o farmacêutico que era o seu Vítor, né? Isso quando eu era criança [...]
ele cuidava de tudo, né? Tinha a parteira, iam nas casa, ia o Dr. Vitor e tinha um
médico, na farmácia ficava um médico sim, quando solicitava ele ia na
residência, não tinha esse negócio da gente ir [...] O Dr. Jeronimo já era da
época da gente ir lá no consultório. É mais recente. Esses médicos, lembro que
minha mãe contava, lembro que tinha um que chamava [...] Dr. Sete, [...] era
um tal de Dr. Sete, tinha o Dr. Moacir, era assim, médicos bem antigos, mas era
assim, cê ligava, ia na Cerâmica, que cê tinha que ir lá, naquele telefone de
manivela, pedia pro médico [...] Aí o médico ia na sua casa, mas você não
pagava a consulta, só pagava os remédios, cê tinha que ir na farmácia e comprar
(EUSÉBIO, 2011).
O relato acima, assim como outros relatos como o de Izidro Gabrielli, mostra que
muitos dos funcionários não se lembram das taxas cobradas para utilização dos serviços
médicos, talvez, por tão módica e insignificante que eram perante os salários.
A localização de Caieiras foi caracterizada durante muito tempo por uma condição
que permitia certo isolamento, devido ao difícil acesso composto por estradas precárias e
120
Ver caso relatado no item 1930-1960: surgimento das novas vilas.
Organização Social e Espacial de Caieiras 151
pelas imensas áreas verdes que circundavam a região121. Esta condição não era específica
do núcleo de Caieiras, pois os critérios que os industriais obedeciam para escolher os
terrenos onde iriam implantar seus estabelecimentos fabris acabavam por proporcionar, de
forma geral, locais isolados dos centros urbanos122.
O isolamento era garantia do afastamento de possíveis influências externas sobre o
operário, facilitando a obediência às normais locais e submetendo-os a um controle
higienista pela imposição de novos hábitos (FOUCAULT, 1979). Este modelo europeu de
controle social obrigava os operários a seguirem rigorosos regulamentos, vivendo sob as
determinações de uma única autoridade e com horários de trabalho estabelecidos de início
e fim e, além disso, eram vigiados a todo o momento por funcionários que exerciam
controle sobre os movimentos de cada um (GOFFMAN, 2005).
No Brasil, a procura por terras distantes das cidades, próximas aos rios e portos,
ricas em florestas naturais para o favorecimento do funcionamento das fábricas era
condição para a existência de muitas indústrias que se firmaram entre o final do século
XIX e começo do XX (PANET, 2002). O isolamento não configurava um desejo inerente
ao industrial, mas sim, se tornava uma conseqüência diante das características importantes
na escolha do terreno para implantação das fábricas, que deveria levar em conta a
abundância de matas para combustível dos maquinários e recursos hídricos que pudessem
gerar força hidráulica e acabava por criar uma situação favorável à estratégia de controle
social comumente aplicada pelos patrões nestes empreendimentos123. A preferência dos
industriais por áreas ricas em recursos naturais e, por conseqüência, isoladas das grandes
cidades e aglomerações urbanas favorecia a construção de um espaço de trabalho dotado de
autonomia para o industrial, possível de exercer uma forma de gestão com controle de
mercado de trabalho próprio (CORREIA, 1998). Esta estratégia permitia confinar os
operários em espaços construídos e controlados pela fábrica. A ausência de atrativos fora
das áreas limites da empresa ou ainda o fechamento dos núcleos fabris com cercas
mantinha no seu interior as atividades operárias em toda a sua abrangência, incluindo,
121
Ver condições de acesso no item 1930-1960: surgimento das novas vilas.
122
Na França, por exemplo, as fábricas que surgiam ao longo do século XIX, seguiam duas condições principais:
altura, para poder aproveitar a força motriz fornecida pelos rios e implantação térrea, com construções muitas
vezes distribuídas em torno de um pátio fechado122 (PERROT, 1988).
123
Um exemplo da aplicação destes modelos pode ser observado em Galópolis, Rio Grande do Sul, na
implantação do lanifício São Pedro, que impressiona pela proximidade à grande queda d água (CORREIA, 1998).
152
124
Este método de controle de acesso de estranhos ao interior dos núcleos fabris pode ser observado na
Votorantim, em Sorocaba, quando por volta de 1906, a empresa anunciou o encerramento do transporte
ferroviário que conduzia os operários de Sorocaba à Votorantim, obrigando-os a morar nas casas da Cia.
proprietária da fábrica, e fazer compras em suas cooperativas (ROLNIK, 1981). Em Pernambuco, a Paulista,
fundada no final do século XIX pela firma Rodrigues Lima e Cia. e adquirida posteriormente por Herman
Lundgren, tinha uma extensão de terras de propriedade da fábrica ao redor do núcleo que cumpria o papel de
controle de acesso. Outra medida tomada pelos industriais foi observada em Rio Tinto, na Paraíba, onde a fábrica
têxtil do grupo Lundgren constituiu a criação de postos de inspeção no acesso ao núcleo residencial (CORREIA,
1998).
125
No caso da fábrica têxtil de Magé, no estado do Rio de Janeiro, a indústria detinha a concessão do ramal
ferroviário – situação semelhante à observada em Caieiras (CORREIA, 1998).
Organização Social e Espacial de Caieiras 153
126
A Klabin do Paraná foi implantada, a partir de 1934, em uma área adquirida pela empresa da Fazenda Monte
Alegre ao Governo do Paraná, que havia se tornado seu proprietário ao arrematar em leilão jurídico de imóveis de
uma empresa falida. Assim como a Cia. Melhoramentos de São Paulo, a Klabin do Paraná estruturou-se com base
na autonomia na produção de papel, organizando nas instalações todas as fases da produção, desde o plantio do
eucalipto até a produção do papel. Além disso, a autonomia das duas empresas envolvia também o domínio das
técnicas, contratando-se estrangeiros para gerenciar os processos produtivos e treinar trabalhadores nacionais. A
localização afastada da Klabin permitia uma situação que possibilitava controlar um mercado de trabalho próprio.
Além disso, outras práticas, de cunho político foram observadas nos depoimentos relatados por Correia, (1998) a
respeito do pai de um funcionário da fiscalização florestal que teria ido à Monte Alegre procurando fugir de
inimigos que o perseguiam desde que havia sido demitido de uma empresa ferroviária, quando, durante a Segunda
Guerra, teria, embriagado, dado vivas a Adolf Hitler. O pai do funcionário teria ido à Monte Alegre devido à
favorável condição de esconderijo do lugar, constituindo um curioso caso de simpatizante de Hitler protegido em
território de judeus. Em Monte Alegre, existiram, sobretudo, muitos casos de contratação de técnicos e
trabalhadores judeus perseguidos na Europa, em áreas de domínio nazista, como o caso de Leonardo Schkcnner,
médico polonês de origem judia, que deixou de clinicar na Itália, no período de conflitos e obteve visto brasileiro,
com ressalva de não exercer a profissão no país. O médico aceitou em 1941, o convite de Wolf Klabin para
trabalhar em Monte Alegre longe dos órgãos que regulamentavam e fiscalizavam o exercício profissional
(CORREIA, 1998). Situação também curiosa ocorreu na Companhia de Tecidos de Rio Tinto, na Paraíba, onde
criou-se o mito de que o “palacete dos Lundgren” – família de origem sueca - destinava-se a receber Hitler
quando este vencesse a guerra na Europa (MELLO, 2002).
127
Disponível em http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_12061985.shtml. Acessado em 11 de julho de 2011,
às 18:20h.
154
128
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u65893.shtml). Acessado em 12 de julho de
2011, às 16:10h.
129
Prontuários consultados no DEOPS: 96964 e 44311Companhia Melhoramentos; 98023 Alfredo Weisflog;
51149 Frederico Guilherme Weissflog; 21264 Johannes Ehlert; 22140 Walter Weiszflog; 275 972 Kurt Faltim;
51156 Niels Christian Christensen.
Organização Social e Espacial de Caieiras 155
130
ROCHA, F.F. Hospício de Colônias do Juquery – vinte annos de assistência aos alienados em São Paulo. São
Paulo, 1912.
131
Adotamos a grafia Juquery para designar o complexo hospitalar e o município e Juqueri para referenciar o rio
(ROSA DA SILVA , 1990).
132
Ver também ROSA DA SILVA (1990).
156
dessa categoria (doentes mentais delinqüentes) em seus domínios que se iniciara no final
dos anos de 1920 (TAVOLARO, 2004).
Além da Cia. Melhoramentos, outras indústrias também foram atraídas para a região
entre os últimos anos do século XIX e os primeiros do século XX pela abundância de
recursos naturais e facilidades oferecidas pela linha férrea. Neste período estabeleceram-se
na região de Perus, a Fábrica de Pólvora133 de Hedwiges Dias, que, juntamente com a
Fábrica Ipanema, localizada em Iperó, região de Sorocaba, foi de grande importância para
o abastecimento de munição do sistema de defesa do Porto de Santos durante a Revolta da
Armada em 1893 (ANJOS Et al. 2008).
A estrada de ferro Perus-Pirapora, inaugurada em 1914, também foi atrativo a estas
indústrias, como a Brazilian Portland Cement Company ou Companhia Brasileira do
Cimento Portland134 instalada, em 1926, após adquirir as instalações da Perus-Pirapora.
Além disso, Hardman e Leonardi (1982) mostram que a evolução urbana de São Paulo,
depois dos anos 1930, intensificou a expulsão dos contingentes de trabalhadores para áreas
periféricas distantes. Os autores apontam como esta foi uma tendência geral que ocorreu
em grande parte das cidades industriais do mundo. Isso, afirmam os autores, representou
um certo “saneamento” das áreas próximas dos centros de decisão do capitalismo, onde
inicialmente estavam concentrados os operários. Assim, em São Paulo, esta mudança foi
refletida também nos meios de transporte utilizados pelas massas trabalhadoras que
passavam da utilização dos bondes com reboque para operários, das bicicletas e
caminhadas para os trens de subúrbio e ônibus. Os autores definem o surgimento de um
novo cinturão operário nas periferias de todos os quadrantes da cidade de São Paulo: a
oeste (Osasco e região), a noroeste (Pirituba, Perus, Cajamar e Caieiras), a leste (São
Miguel Paulista, Ermelindo Matarazzo) e a sudeste (região de Mauá e ABCD).
A criação da Cia. Brasileira do Cimento Portland contou com o empenho do Dr.
Sylvio de Campos135, que motivado pelo crescimento da cidade de São Paulo nos últimos
anos do Império, investiu nesta iniciativa (ANJOS Et al. 2008).
Langenbuch (1971) e Silva (1998) atribuem à topografia da região, uma das razões
que impediu que se constituísse ao longo da estrada de ferro e da rodovia Anhanguera, uma
concentração maior de indústrias e residências, se comparada às áreas que se formaram ao
133
Esta fábrica foi construída próximo à Estação de Perus (SIQUEIRA, 2001).
134
A Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus (CBCPP) foi inaugurada em 1926. Com a inauguração,
Perus ganharia posição de destaque na economia nacional como indústria pioneira no setor (SIQUEIRA, 2001).
135
Sylvio de Campos (1884-1962). Advogado, deputado federal eleito pelo Partido Republicano Paulista (1924-
1930) e (1946-1951), constituinte em 1946, participou da criação da Companhia Light e do Plano das Grandes
Avenidas de Prestes Maia entre os anos 1930 e 1940 (ANJOS et. al.).
Organização Social e Espacial de Caieiras 157
longo da mesma estrada de ferro no sentido leste e das rodovias Dutra e Anchieta, também
construídas pelo estado no mesmo período, demonstrando que as indústrias que se fixaram
neste local estavam ligadas, inicialmente, a uma modalidade rentável do uso do solo,
ocupação agroindustrial e extrativa, como a Cia. Melhoramentos (papel), Cimento Portland
de Perus (cimenteira) e a Gato Preto (cal) que detinham grandes áreas dos municípios de
Caieiras, Cajamar e Santana do Paranaíba. Neste sentido, Langenbuch (1971) já constatava
que ao contrário de outras regiões, onde a indústria atraía mais indústria, em Caieiras
[...] um dos principais centros industriais suburbanos do comêço do século, o
parque fabril já existente, não apenas deixou de atrair indústria, mas
praticamente o impediu, em vista de sua natureza. Com efeito, para abastecer
sua fábrica de papel em matéria-prima, a “Companhia Melhoramentos” passara a
adquirir todas as terras confinantes, para aí desenvolver a silvicultura, não
havendo sequer espaço disponível para outras empresas aí implantarem suas
fábricas (LANGENBUCH, 1971, p. 141).
Figura 53 Grupo escolar da Vila Água Fria, Cajamar Figura 54 Casas da Vila Água Fria, Cajamar
Fonte Acervo da autora (2010) Fonte Acervo da autora (2010)
demolida), a Vila Água Fria, a Vila do Acampamento, Vila Nova e a Vila Gato Preto
(SCHNEIDER, 2006) compondo um complexo de extração de minérios, indústrias de cal e
cimento entre a Cimento Portland de Perus, e a Companhia Beneducci em Cajamar
articuladas pela estrada de ferro Perus-Pirapora (ANJOS Et al. 2008). Lemos (1989)
mostra que a extração de minérios nesta região foi iniciada em fins do século XVIII,
conforme a carta de Francisco Vieira Goulart, que dizia, em 1798:
136
A trajetória da Perus foi marcada por muitos conflitos entre patrão e operários. O Grupo Abdalla passou a ter
o controle acionário da empresa em 1951, quando após a instalação de um novo forno expandiu a produção em
60% de sua capacidade produtiva, sem qualquer ajuste de ampliação da alimentação dimensionada para os três
fornos originais. Esta prática estava afinada com os procedimentos do Brasil pós-guerra e submeteria o
maquinário a níveis destrutivos de exigência de esforços. Durante a greve de 1958 os operários da Perus fizeram
um movimento de repercussão nacional e ganharam o apelido de “queixadas”, dado pelo jornalista Itamaraty
Martins, em referência ao espírito de união e lutas daqueles trabalhadores. O queixada seria um porco do mato,
que sozinho foge para junto dos demais e apenas agrupados investem contra o agressor, restando ao grupo as
alternativas de correr ou lutar até a morte. As greves operárias passaram a questionar a forma de gestão da
empresa, quando os operários passaram a implementar um plano de medidas alternativas em 1960-61, criando
uma situação de dualidade de poder dentro da companhia. Uma greve iniciada em solidariedade a trabalhadores
de outras empresas de Abdalla, em 1962, derivou para uma luta direta pela desapropriação da Perus com vistas a
implantar uma co-gestão Estado/Operários. Esta greve foi derrotada e para amenizar os efeitos deste movimento,
que assumiu contornos de uma insurreição popular, os trabalhadores estáveis foram reintegrados em 1969. O
desgaste das máquinas comprometeu o futuro da Perus, quadro que o confisco federal em 1973 não reverteu e em
1980 a empresa voltaria para a iniciativa privada já praticamente liquidada, funcionando de forma precária até o
encerramento em 1987 (SIQUEIRA, 2001).
160
161
Capítulo III
Habitação e Arquitetura
162
Habitação e Arquitetura 163
3 Habitação e Arquitetura
137
O crescimento da população, a ausência de um sistema sanitário eficaz, transporte coletivo e sistema viário
contribuíram para que as cidades se transformassem em focos de epidemias. As mudanças sociais ocorridas no
Brasil, no final da década de 1880, com a abolição do trabalho escravo, colaboraram para agravar os problemas
urbanos. Com a decadência de antigas propriedades rurais, negros livres desempregados migraram para as
cidades. Além disso, a modificação da ocupação das cidades e das casas brasileiras e também as tecnologias que
surgiam, principalmente, no que se refere à distribuição de água, alteraram significativamente o funcionamento
das cidades. Até então, os escravos eram os responsáveis pelo serviço domiciliar de abastecimento de água.
Buscavam a água nos chafarizes espalhados pelas cidades e eram responsáveis por todo o serviço de limpeza e
coleta de esgotos. Com a introdução das novas tecnologias e melhorias da infra-estrutura, que proporcionava à
cidade a independência do trabalho escravo para execução do abastecimento de água, muitas alterações no modo
de vida urbano ocorreram e os pobres perderam algumas de suas funções na cidade (FREYRE, 2004).
138
O estímulo à imigração européia promovido pelo governo brasileiro com objetivo de suprir a extinção de mão-
de-obra escrava no país motivou a vinda de estrangeiros em grande número. Uma parte deste contingente seguiu
para as fazendas cafeeiras nas áreas rurais, principalmente no oeste paulista, mas um significativo número se
dirigiu para as cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Com isso, ocorreu um aumento da
população e também dos moradores de cortiços (REIS FILHO, 1994). Sobre as condições dos cortiços na região
central da cidade de São Paulo, principalmente, no bairro de Santa Ifigênia que apontava as condições mais
preocupantes daquele período, Código Sanitário de 1894 e plantas de casas de operários e de cortiços, ver a
publicação do Relatório da Commissão de exame e inspeção das habitações operarias e cortiços no districto de
Sta. Ephigênia, de 1893, organizada por Simone Lucena Cordeiro intitulada Os cortiços de Santa Ifigênia:
sanitarismo e urbanização (1893). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo / Arquivo público do
Estado de São Paulo, 2010.
164
139
As experiências brasileiras voltadas à construção para o trabalhador foram promovidas por empresas,
indústrias, empreendedores particulares e costumam ser nomeadas de forma genérica, pelo termo vilas operárias.
Sobre casas construídas por indústrias, Telma de Barros Correia (1998) considera que a denominação genérica
prejudica o entendimento das diferenças entre estas iniciativas, que em alguns casos podem ser o conjunto de
casas construídas em cidades existentes ou no campo. Assim, julga adequado classificar como “núcleo fabril” os
empreendimentos que ofereciam uma complexa estrutura erguida no campo e como “vila operária” os
empreendimentos localizados dentro das cidades ou subúrbios (CORREIA, 1998).
Habitação e Arquitetura 165
divididos por divisórias dispostas em cruz (BENINCASA, 2003). No Brasil, foi comum
no período entre o final do século XIX e início do XX a incidência de construções urbanas
nos núcleos fabris e vilas operárias:
140
Atual bairro de Nova Caieiras.
Habitação e Arquitetura 167
entre as telhas aparentes. Esta condição, anterior à execução dos forros, motivava as
famílias a higienizarem os telhados, internamente, com uma tocha de fogo antes de
dormir. Com autorização da Companhia, cada família executava, quando possível, o forro
da casa. O piso de cimentado vermelho, descrito também por Inês Martins, seria uma
inovação aos pisos originalmente em terra.
Figura 55 Levantamento métrico do conjunto construído nas proximidades da estação de trem, atual bairro de
Nova Caieiras
Fonte Levantamento da autora (2009)
Figura 57 Conjunto próximo à estação. À exceção da casa da esquerda, todas foram demolidas em 2010
Fonte: Acervo da autora (2009)
cômodos. Quando era uma casa de encarregado, aí era uma casa um pouquinho
melhor, pouquinho maior, então tinha vários cômodos, conforme o grau do
funcionário, né? E do lado esquerdo, aí já era de duas em duas. Hoje tem um
escritório lá, [...] Este escritório existia. Seguindo tinha mais duas casas, casas
de chefes, casas boas, depois tinha mais duas, passando aquelas duas, tinha mais
uma coloniazinha de 4 ou 5 casas, do lado esquerdo, aí terminava. Aí era só do
lado direito, aí era aquele colonião que ia até lá embaixo, do lado direito. Me
parece que demoliram tudo agora, né? Era branco e azul [...]. Aí onde é o
Federzoni141 ai, era tudo colônia, tudo casinha junto. Nós chamávamos de Vila
das Cabras lá [...] dos dois lados era Melhoramentos. Tinha uma Paineira grande
ali, um pouquinho pra cá do Federzoni, mais ou menos ali, era uma Paineira
enorme ali, e o resto era tudo as casinhas, tudo emendado, as casinhas
amarelas... (PRANDO, 2011).
Figura 58 Casas amarelas geminadas (já demolidas) na Rua dos Coqueiros nas proximidades da Igreja do
Rosário
Fonte: Acervo Paulo Polkorny
O aspecto externo das casas de Caieiras era também bastante simplificado. Tratava-
se de casas de fachadas com porta e janela dispostas em blocos que recebiam acabamentos
em reboco, com ou sem ornatos, pintura de cor branca ou amarela para alvenarias e azuis
para portas e janelas. Geralmente, eram cobertas por duas ou quatro águas de telhas de
barro tipo canal ou francesa com beirais paralelos ao alinhamento da rua.
141
Supermercado de Caieiras.
170
Figura 59 Data da empena conjunto Nova Caieiras Figura 60 Detalhe da taipa de mão nas casas do
Fonte: Acervo da autora (2009) conjunto próximo à estação, no bairro de Nova
Caieiras
Fonte: Acervo da autora (2009)
Figura 61 Renques de casas, já demolidas, no bairro Figura 62 Em Caieiras, casas de porta e janela,
da fábrica demolidas
Fonte: Peres (2008) Fonte: Jornal Regional News (2002, p.2C-2, 13 de
dezembro, 2002)
Figura 63 Renque de casas na Rua dos Coqueiros demolidas depois do ano de 2004
Fonte: Acervo da autora, 2003
Habitação e Arquitetura 171
Figura 64 Madeiramento do telhado nas casas do Figura 65 Detalhe das vigas, ripas e forro de tábuas
conjunto de Nova Caieiras das casas do conjunto de Nova Caieiras
Fonte: Acervo da autora (2009) Fonte: Acervo da autora (2009)
Onde meu avô morava eram casas de barro, mas eu não sei se foram por eles
feito ou se já era feita, isso eu não posso dizer, porque eu não lembro. Porque
quando eu era criança em 50, que meu avô morreu, ainda ele morava nesta casa.
[...] meu pai fez a casa do lado da casa do meu avô que ainda era tapera...era de
barro. A casa do meu avô aqui, pai da minha mãe do lado da casa do meu pai,
também era de barro. Só que depois foi demolida. Em 46, mais ou menos, foi
construído um grupo de casas que tava lá até pouco tempo que a Companhia
derrubou. [...] eu morava numa casinha sozinha. Minha casa era espaçosa...tinha
quintal de um lado, quintal do outro, quintal pra frente, pro fundo, porque foi a
primeira ali do bairro, então, foi meu pai que construiu uma casa de barro e
ficou lá a vida inteira [...] na época que meu pai construiu, isso foi em 1935. No
início do ano ele começou a fazer a casa. Em 1935..não foi em 1936, no começo
do ano ele começou a fazer a casa. E em 36 em dezembro ele se casou. Ele fez a
casa pra casar (EUSÉBIO, 2011).
172
[...] a minha casa era [...] com cômodos de 3x4, no máximo. Com certeza não
posso te dizer, não posso garantir, mas [...] acho que era barro que tiravam dali,
a madeira eles tinham liberdade de cortar e mão-de-obra ele mesmo fazia. E meu
pai falava: eu e meus irmãos fizemos esta casa. Os irmãos dele, ou seja, eles
eram moços na época, né? [...] E a minha casa era uma casa assim: era um
terreno bem amplo...era um terreno bem amplo e meu pai construiu uma casinha
no meio...o terreno tinha uma horta aqui...aqui era uma passagem, tal, e o meu
pai construiu uma casa aqui no meio. A minha casa era muito simples. Ela era
assim..era uma cruz, na verdade...minha casa era isso aqui...quatro
cômodos...aqui tinha uma janela, aqui era a porta da sala no canto..aqui a
sala...aqui da sala saía pro quarto da minha mãe que era aqui, tinha a janela e
aqui era a rua...depois aqui nesta mesma porta tinha a porta que entrava para a
cozinha...do lado da cozinha tinha a porta ela era assim...sala, quarto, quarto,
aqui é a sala e aqui é a cozinha, e tudo muito pequenininho, pequeno mesmo
(EUSÉBIO, 2011).
Uma matéria publicada no jornal Regional News, afirma que plantas definiam os
detalhes das casas oferecidas aos funcionários e mostra as fichas que constam nas figuras
69 e 70 como projetos que definiam estas casas. Julgamos que estas fichas podem ser
levantamentos feitos pela empresa acerca do arcabouço de moradias existentes dentro da
Companhia e não necessariamente, os projetos. Estas fichas podem ter sido utilizadas para
ajudar a compor a classificação das moradias, questão que será abordada no item
Princípio da não gratuidade.
Figura 66 Casa construída em barro, telhado de sapê, bairro do Barreiro, 1940, demolida
Fonte: Peres (2008)
Habitação e Arquitetura 173
Estes novos modelos que começavam a emergir após a década de 1930, eram
inspirados nos bangalôs americanos. Surgiam casas isoladas, geminadas duas-a-duas ou em
blocos. Pequenas varandas apareciam em localizações diversas, ora nas fachadas frontais,
nos fundos das moradias, ou nos modelos geminados, lado a lado com a casa vizinha ou na
extremidade oposta. Porém a varanda não surgia como elemento compartilhado entre duas
casas, pois a divisória em alvenaria ou o distanciamento entre elas garantia certo
isolamento. Os programas destas casas variavam quanto à quantidade de dormitórios.
Foram observadas casas construídas com sala, cozinha, dois ou três dormitórios. As
coberturas destas edificações eram geralmente compostas por quatro águas de telha de
barro capa-canal ou tipo francesa.
Figura 67 Planta elaborada pela autora a partir de croqui feito por Antonio Eusébio. Casas enfileiradas com três
cômodos, Vila Foresto, construídos no final da década de 1940. Grupo com 6 casas. Nota-se a diferenciação
pelo alpendre das casas das extremidades. Legenda: A=alpendre, S=sala, C=cozinha, D=dormitório,
T=tanque, B=banheiro. Casas em cinza apenas para facilitar a visualização das unidades.Casas demolidas
Fonte: Acervo da autora (2010)
Figura 68 Planta elaborada pela autora a partir de croqui feito por Antonio Eusébio. Casas enfileiradas com
quatro cômodos, Vila Foresto, construídos no final da década de 1940. Grupo com 6 casas. Nota-se a
diferenciação pelo alpendre das casas das extremidades. Legenda: A=alpendre, S=sala, C=cozinha,
D=dormitório, T=tanque, B=banheiro. Casas em cinza apenas para facilitar a visualização das
unidades.Casas demolidas.
Fonte: Acervo da autora (2010)
174
Figura 69 Ficha da casa E48 ou E49. Casa no bairro da Calcárea ocupada pela família de Afonso Alves da Silva
A correção do nome parece ser a atualização dos ocupantes. A casa de pau-a-pique tinha dois quartos (ou 1
quarto e uma sala), 1 cozinha com fogão simples, porta simples, soalho de tijolo em todos os ambientes.
Janelas de escuro feitas de tábuas
Fonte: Jornal Regional News (10 dedezembro de 2010 p. 5 C4)
Habitação e Arquitetura 175
Figura 70 Ficha da casa C232. Casa do bairro da Chic, pertencente à fábrica, ocupada pela família de Matias
Rodrigues Gil. A correção do nome parece ser a atualização dos ocupantes. A casa de tijolo construída em
1938 tinha dois quartos com forro de estuque, porta simples janela guilhotina e escuro feito em tábuas,
soalho de cimento; sala com as mesmas descrições do quarto; cozinha com fogão classificado como
econômico, forro de estuque e ripa, pia sem água, soalho cimentado; 1w.c. contendo 1 chuveiro, soalho
cimentado, forro de estuque, bacia com tampa, caixa d’água; corredor com soalho e forro de madeira;
terraço com soalho e forro de estuque; porão com soalho de tijolo e forro de madeira.
Fonte: Jornal Regional News (10 de dezembro de 2010, p. 5 C4)
176
Figura 71 Planta casa para operários geminadas duas-a-duas, construída em 1938 (atual Rodovia Tancredo Neves)
Fonte: Levantamento da autora (2010)
Figura 72 Planta casa para operários geminadas duas-a-duas,construída no bairro do Charco Fundo, feito a partir
de croqui de Sirlei Bertolini Soares, filha de ex-moradores do núcleo
Fonte: Acervo da autora (2010)
Habitação e Arquitetura 177
Figura 73: Vista da casa para operários geminadas Figura 74 Casas geminadas construídas em 1933, na
duas-a-duas, atual Rodovia Tancredo Neves. Vila Chic. Casas existentes
Fonte: Levantamento da autora, 2010. Fonte: Levantamento da autora, 2010.
Figura 75 Casas do Barreiro, construída em 1940. Figura 76 Casa construída na década de 1940 em
Fonte: Acervo da autora (2010) grupo de quatro unidades. Extremidades com casas
maiores. Casas existentes
Fonte: Acervo da autora (2010)
178
Figura 77 Planta de casas duas-a-duas elaborado pela autora a partir da publicação A Obra Social da Companhia
Melhoramentos – Transcrições do Sr. Luis Carlos Mancini, 1940. Fachada elaborada à partir de levantamentos
da autora
Fonte: Acervo da autora (2009)
Habitação e Arquitetura 179
[...] e a casa que nós morávamos [...] a Companhia fez 2 casas novas aí já era
tijolo à vista, era uma casa melhor, tinha 3 quartos, sala cozinha, só tinha duas
casas, que era a nossa e a dos Gardin. [...] Moramos a vida inteira lá, e quando
me casei eu vim aqui pro Bairro da Cerâmica [...] até 81. Casas boas, tudo tijolo
à vista, isto no Bairro da Vila Kohl [...] tinha a fábrica de madeira ali [...] então
esse bairro onde eu morava quando me casei, eram casas boas, tudo tijolo à
vista, bem conservado, a própria Melhoramentos dava manutenção pra casa:
fechadura, torneira, o probleminha que tinha na casa, ligava e já vinha um
mecânico, carpinteiro, seja lá quem fosse e fazia a manutenção [...] (PRANDO,
2011).
[...] as casas dos funcionários já era um padrão, né? A Vila Leão era geminada.
[...] onde era a Vila Kohl, eram todas iguais, era um padrão, é de 30, 40, 42. A
arquitetura era a mesma. Eles usavam um padrão e montavam. Tanto na vila
Eduardo, quanto na Vila Pansutti. A minha família, os meus tios, moraram na
Vila Pansutti. Vila Eduardo era uma vila mais retirada, foi uma das últimas a ser
feita. Não sei por volta de quando, porque a gente saiu de lá muito novo e a
gente não guardou muita coisa assim de datas, essas coisas (CSERNIK, 2011).
142
Pode-se encontrar certa semelhança à descrição das casas de sítio feitas por Gilberto Freyre (2004): “Na sua
arquitetura, a casa de sítio ou a chácara parece que foi por muito tempo mais casas de fazenda do que de cidade.
Mais horizontal do que vertical. [...] aspecto de casarão quadrado e com alpendre que geralmente tinham as casas
de engenho (FREYRE, 2004, p. 323).
180
em região alta pode ser entendida como herança do tradicional posicionamento da casa-
grande, que se destacava das demais edificações da fazenda, revelando sua importância no
conjunto. A localização destas edificações nas fazendas paulistas não era ao acaso,
tratava-se de uma estratégia do patrão:
Ela não está em destaque por acaso: a casa-grande se mostra a todo o conjunto
de edificações, de modo a lembrar, constantemente, que é de lá que vem o poder,
assim como a punição. Não à toa, instalou-se à sua frente, aberto para todas as
demais edificações, o observatório oficial do fazendeiro: o alpendre. Deste local
o fazendeiro exerceu o poder, vigiou e controlou toda a movimentação da
propriedade (BENINCASA, 2003, p.134).
Figura 78 A casa que tinha sido ocupada pelo coronel Rodovalho, década de 1920
Fonte: Peres (2008)
Na casa, as antigas janelas de escuro, originalmente construídas com tábuas, passaram a ser
substituídas por novos modelos de venezianas. Além disto, tinha números de cômodos e
pé-direito maiores que as demais. As varandas também constituíam elementos que
destacavam as casas dos chefes. Nos blocos de moradias da Vila Foresto (ver figura 67 e
68), as casas das extremidades possuíam pequenas varandas que ressaltavam a moradia da
chefia. Esta forma de dispor as residências de chefia nas extremidades foi adotada por
alguns núcleos para garantir a ordem daquele renque de residências. Assim, funcionários
mais graduados supervisionavam os vizinhos operários143.
Algumas casas de chefia e de hóspedes também foram construídas inspiradas nos
bangalôs e nos chalés europeus. Estas casas eram ocupadas por profissionais com cargos
melhores, os cargos formados pela chamada “alta chefia”. Nestes casos, as casas tinham
ambientes mais amplos e em maior número que as demais. Surgiam isoladas ou geminadas
duas-a-duas, como as casas da Rua do Filtro, que foram ocupadas por chefes. Estas casas
eram implantadas nas áreas mais altas do terreno e tinham varandas privilegiadas com vista
para a fábrica de papéis ou áreas livres (ver figuras 79 e 83).
No Bairro da Fábrica, descendo a Igreja de São José, logo que começa a descida,
do lado direito, foi construída uma casa de tijolo à vista, linda! Uma casa de
gerente, era um médico que morava ali, o médico da empresa que morava ali.
Depois tinha no Bairro do Filtro, um pouquinho mais pra baixo, na rua que
entrava assim, só que já era, não era bem colônia, eram umas casas enormes.
Morava o [...], ele morava ali. O pessoal de Caieiras ninguém quer escutar falar
o nome dele, de ruim que ele era. [...] então, aí tinha a casa dele que era uma
casona enorme e depois tinha tipo de uma colônia, só que já era umas casas
boas, sabe? [...] mas era tudo junto, era enfileirado, tinha uma varanda grande na
frente que pegava quase toda ela assim e era branca e azul também só que era
umas casas enormes, bonitas, casa pra chefe vai. E pra chefe era outro padrão,
mas era tipo de uma colônia. E tinha o Bairro do Filtro, ou Rua do Filtro. Depois
vinha a Vila Leão [...] aí era tudo tijolo à vista. O do Filtro, quando eu nasci já
tinha aquilo [...] descendo a Igreja de São José [...] tem uma entrada à esquerda e
tem um tanque de água grande, é o filtro, que filtrava água pra fábrica de papel.
Naquela rua já derrubaram várias casas também. [...] então depois o Bairro Vila
Leão [...] eu devia ter uns 14 anos (quando fizeram) [...] era tudo casa de tijolo à
vista. Tinha algumas que eram geminadas e devia ter umas 8 ou 9. Era um bairro
grande lá na Vila Leão. Tinha umas 8 ou 9 que logo que você entrava no Bairro
Leão, à esquerda tinha umas geminadas, mas de tijolo à vista, já diferente, nada
a ver com aquelas (de colônia). O resto era de duas ou uma. Fizeram uma igreja
lá também [...] Sagrado Coração [...] uma capelinha que o próprio pessoal fez
(PRANDO, 2011).
As enormes casas, que Prando (2011) encontra certa semelhança com colônias eram
casas geminadas duas-a-duas, com grandes varandas divididas por pilares com vista para a
143
Este modelo foi observado também em Pedra (AL) onde enfileiramentos bem maiores do que os de Caieiras
eram supervisionados pelas casas das extremidades ocupadas por funcionários graduados (CORREIA, 1998).
182
fábrica de papéis que remetiam às casas de aspecto rural devido às avantajadas áreas
avarandadas (ver figura 83).
Para Moraes (1995), a casa ocupada pela diretoria técnica, inicialmente pela
família do gerente Ehlert e posteriormente pela família Köeller, mostrada na figura 82,
[...] era uma mansão em estilo europeu, tendo na frente um terraço nobre,
composto de colunas em estilo romano e encimadas por capitéis esculpidos nos
moldes coríntios. No telhado, havia torres com janelas para aeração e iluminação
dos quartos de hóspedes (MORAES, 1995, p.156).
Figura 79 Vista da residência da família Bellen. À Figura 80 Casa de ocupada por chefia no barro do
direita, ao fundo, vê-se o Pico do Jaraguá Sobradinho. A casa ainda existe é hoje é utilizada
Fonte: Acervo Bonno van Bellen como centro de treinamento para os funcionários
Fonte: Paulo Polkorny
Figura 81 Casa ocupada por chefia, demolida Figura 82 Casa ocupada pela diretoria técnica
Fonte: Paulo Polkorny Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo
(Weiszflog Irmãos inc). Fábrica de Papel-Editora-
Oficinas Gráficas, [19-]
Habitação e Arquitetura 183
Figura 83 No alto, à esquerda da chaminé, as já demolidas casas geminadas utilizadas pela chefia com varandas
no fundo, 1926
Fonte: Donato (1990)
Figura 84 Casa de hóspedes, próxima à estacão. Foi moradia de médicos da Companhia e ainda está preservada.
Fonte: Acervo da autora (2010)
144
Exemplo desta condição foi descrito no item Bem estar físico e mental: as comemorações, cultura, saúde e
utilização das horas livres ao referirmos à condição dos solteiros em Pedra, no Sertão de Alagoas, onde as
moradias para solteiros se constituíam em pensões fora do núcleo – na Pedra Velha – e seus moradores tinham o
acesso ao núcleo e o contato com as operárias controlados pelos vigias. A prevenção em relação ao homem
solteiro se fundamentava na sua caracterização como elementos capazes de oferecer risco a si próprio e também à
sociedade. O comportamento deles estaria associado à ausência de freios que uma família poderia exercer no
indivíduo. Assim, estariam propensos aos excessos, às contestações e aos prazeres relacionados ao sexo, álcool e
jogo (CORREIA, 1998).
184
Figura 85 Casas geminadas existentes construídas em 1946 com “apartamentos para solteiros” entre duas casas
para famílias
Fonte: Acervo da autora (2010)
No Monjolinho tinha moradia pra solteiro. Na vila Pereira também. Era igual, o
mesmo sistema. Era assim, na vila Pereira, era casa com porão. As casas subiam
numa escada ao lado da casa, a casa era em cima. Independente, embaixo, eram
porões. Então embaixo eram os quartos de solteiro. Em cima eram famílias. Por
exemplo, lá na fábrica não tinha colônias de muitas casas, era duas casas.
Sempre duas. Duas-a-duas. Então tinha os porões, mas só na vila Pereira que
tinha isso. Específico pra solteiro eu conheci no Monjolinho. Tinha uma
construção grande, tinha os quartos assim, tinha uma entrada no centro, depois
tinha um corredor e depois tinha os quartos de solteiros. Só que era assim, tinha
os quartos e o banheiro era comunitário, né? Dois banheiros se não me engano.
Em cada ponta. Era chuveiro, banheiro tudo comunitário. E aqui os quartos. Era
bastante, viu, acho que uns 8, 10 quartos de solteiros. Porque do lado dos
quartos de solteiro tinha a pensão. A pensão não era [...] um restaurante. Porque
era assim, tinha a dona da pensão, a D. Argentina, depois passou pra outras
145
Instalações de moradias específicas para solteiros foi observada nos núcleos de Mulhouse, Marquette, Krupp,
Val-des-Bois e New Lanark. Em Val-des-Bois os alojamentos eram ocupados pelas operárias solteiras sem
família (CORREIA, 1998).
Habitação e Arquitetura 185
pessoas, [...] eu era criança, era uma casa, uma residência da família, depois
tinha um salão, e uma cozinha grande aonde elas faziam comida para o povo
solteiro, e eles pagavam a pensão pra dona da pensão. Era particular. As pessoas
trabalhavam por conta delas. A Companhia cedia o serviço. Tinha na fábrica
essa pensão e tinha no Monjolinho. Isso desde que eu era criança. Desde 1950,
vamos dizer assim, já exista essa pensão. Isso só acabou quando acabou as
coisas no Monjolinho. Foi acabando gradativamente, é difícil dar uma data, né?
[...] ano a ano foi acabando as coisas. A pensão era uma casa normal, lógico de
dependências maiores, de condições melhores, porque também, quem era a dona
da pensão? Dona não, a gente falava dona, mas era quem administrava aquilo.
Sempre era uma família mais avantajada. Então, tinha até uma casa melhor, uma
casa maior, né? Pois tinha a casa, era uma construção só, uma parte era a casa da
família depois tinha no meio o salão onde chegavam os pensionistas que a gente
falava, e depois a cozinha grande. Eles tinham a casa em um ambiente e a
cozinha de trabalho. Na pensão ficava a dona da pensão e os empregados que ela
contratava por conta dela [...]. Então elas serviam marmita e serviam também
refeição local para os meninos, pros moços na época, né? Mas geralmente eram
pessoas que não tinham família [...], moravam nesses quartos de solteiro. Meus
três tios moraram nesses quartos de solteiro (EUSÉBIO, 2011).
Antônio Eusébio afirma que em Caieiras os solteiros eram bem integrados na vida
comunitária:
E quem era funcionário tinha a pensão, por que? Por que eles tinham que ter
aonde comer, alguém que tratasse do café, do almoço, do jantar. Como eles
estavam trabalhando elas tinham empregados que levavam as marmitas até na
condução pra ir pra fábrica e quando eles estavam em casa iam comer lá no local
da pensão. Bom pra todos. Só que aí era assim, elas tomavam conta, elas
compravam material, cobravam, sei lá, quanto queriam e os lucros eram delas,
né? A Companhia cedia o local, só. E elas ganhavam pelo trabalho delas. E eram
famílias que ia passando de pai pra filho. A D. Argentina era uma italiana. Ela
foi dona da pensão no Monjolinho muitos anos e ela morreu ficou os filhos no
lugar. A dona Irene, dona Irene, isso, não sei se é viva ainda hoje, ficou no lugar
da D. Argentina [...] (EUSÉBIO, 2011).
[...] e nós não tínhamos água encanada, não tínhamos banheiro, não tínhamos
nada, só tínhamos luz elétrica. Então nadar e tomar banho, a gente ia no tancão
[...] Isso desde a minha época de criança até adolescente..até
jovem...(EUSÉBIO, 2011)
foram trazidos para junto das casas. No caso da moradia da família Eusébio, a construção
do banheiro ocorreu junto à parede dos fundos da casa:
No começo não tínhamos banheiro. Era uma casa, quando eu era bem criança,
que tinha um quintal enorme. Lá no fundo do quintal era uma latrina. [...] uma
fossa negra com banheiro e você usa ali, mas era bem no fundo, bem longe da
casa [...] Porque depois, em 49 ou 50, quando começaram o primeiro grupo [...]
de casas146, aí meu pai fez pedido pra Companhia e eles permitiram que meu pai
construísse por conta um banheirinho, aí meu pai pegou e puxou aqui, já com
tijolo, puxou aqui uma parede, fez um banheirinho aqui, né? Mudou essa parede
deste quarto pra cá, e aqui ficou um banheirinho. Aí o que o meu pai
fez...aproveitou essa parede do banheirinho e já fez uma cobertura..como se
fosse um terração assim, de madeira bruta, coberto com telha mas de madeira
bruta...esse terraço pegava assim, desde a entrada do banheiro vinha assim, era
uma cobertura só, não tinha mais nada. De madeira com telhado, né? Daí nesse
canto o meu pai colocou uma pia [...] porque até então lavava em cima de uma
mesa, uma bacia, um tacho né? Era bem assim, a água a gente tinha que buscar
no mato, na bica, água de se beber, de se cozinhar a gente ia buscar no mato,
longe, na nascente, a gente ia na nascente buscar. E por muitos anos isso foi.
Depois a Companhia fez aquela caixa (ver figura 86) no meu quintal, vamos
dizer que a caixa fica aqui assim, que é aquela caixa que eu te mostrei. Então
dessa caixa distribuía água para a vila de casa que tinha lá...pra outra de cima...e
pras nossas casas de baixo...e pro lado de baixo tinha um grupo de casas de
quatro casas que eu tava começando a te dizer (EUSÉBIO, 2011).
146
Eusébio (2011) referindo-se aos blocos de casas construídas no final da década de 1940 (ver figuras 67 e 68).
Habitação e Arquitetura 187
[...] e tinha terreno pra você plantar à vontade! Tinha pasto para a criação, cada
um tinha suas vacas, criava seus porcos, suas galinhas, todo mundo tinha. [...] A
Melhoramentos dava o terreno de acordo com o que você quisesse, quanto
queria. A gente fazia roça, eu me lembro quando garoto, meu pai trabalhava [...]
em três horários, quando ele saía às 2 horas, nesse “solão” quente, eu e meus
irmãos, meus irmãos mais do que eu, porque eu era mais novo, ia fazer roça pra
plantar milho, plantar feijão, batata, tudo na enxada. Naquele tempo não tinha
máquina, não tinha nada e com aquilo, sustentava a criação. Não comprava
147
A separação entre moradia e local de trabalho foi uma tendência dos núcleos fabris. Entretanto esta separação
é bastante variável. Na França do século XIX, por exemplo, existiam núcleos onde as casas eram totalmente
reduzidas à função residencial, excluindo-se qualquer atividade relacionada ao trabalho. Em Dago-Kertell, na
Rússia, o núcleo fabril construído por indústria têxtil em 1844, tinha casas situadas em terrenos de 2 mil metros
quadrados que permitiam o desenvolvimento de atividades de criação e culturas agrícolas. Em Val-des-Bois,
núcleo fabril francês criado por fábrica têxtil em 1848, as casas tinham amplos jardins e dispunham de
construções anexas para criação de animais e guarda de instrumentos agrícolas (CORREIA, 1998).
188
também ração, nada. Era feito tudo ali. Você fazia, matava um porco, por
exemplo, para comer uma carne de porco [...] (PRANDO, 2011).
[...] meu pai tinha cavalo, tinha vaca nas terras dele. Quando morava na Vila
Leão. No fundo do quintal, ele tinha uma cocheira, lá ele criava vaca, criava
cavalo, tinha lá os animais lá. E plantava milho nas terras lá. Tinha muitos pés
de goiaba lá [...] e vendia, consumia. As vacas, ele vendia o leite, era assim [...]
era muita terra, muita terra [...] (CSERNIK, 2011).
Estas atividades exigiam dos moradores de Caieiras muita disposição física para
tratar das plantações e percorrer os longos caminhos entre as vilas a fim de fazer as vendas
dos produtos.
Nós chegamos a ter dez, doze vacas de leite. Nós vendíamos leite, eu e meus
irmãos. Naquele tempo a gente chamava de “sapiquá”, fazia um negócio com
esses sacos de farelo, entrava assim como uma camiseta, ficava uma parte no
peito e outra parte nas costas. Seis litros na frente e seis litros atrás. Andando,
vinha a pé e andava tudo esses bairros entregando leite pela vila inteira. Vinha
do Monjolinho até Caieiras a pé! [...] entregando leite pra um, pra outro, e tudo
era permitido. Então isso aí ajudava também na renda da casa [...] (PRANDO,
2011).
[...] a minha avó, mãe do meu pai, deu uma bacia de roupas pra eles, porque eles
não tinham nada! [...] ela plantava e saía vendendo em uma carriola e os filhos
ficavam lá. E eles foram crescendo ali e a Melhoramentos cedeu um terreno pra
eles plantar. Então, como era à beira do rio era fácil. Aí começaram a plantar
repolho, verdura e vendiam em Caieiras. Aí compraram um “Fordinho 29” e
saíram pra vender verdura, fruta, já vendia mais coisas com o caminhãozinho.
Ela saía com uma carroça. Ela sentava na carroça e saía vendendo. Então tudo
começou ali. [...] os filhos dela hoje são advogados, dentistas, médicos
formados, mas saíram de lá de dentro da Melhoramentos (CSERNIK, 2011).
porco: “meu pai fazia lingüiça, codeguim e panceta148. Fomos criados com isso. Fazia
aqueles varais, porque não tinha geladeira...” (PRANDO, 2011).
A manutenção das plantações era feita com muitas dificuldades devido à falta de
tecnologia para fazer a irrigação das hortas. No relato sobre a localização do terreno da
família japonesa, notamos a facilidade devido à proximidade com o rio. Entretanto, outros
terrenos não contavam com a mesma condição. As hortas da família Prando foram durante
muito tempo mantidos com irrigação feita a regador e somente depois de muitos anos, a
execução de um encanamento clandestino, feito por etapas, promoveu melhorias na
plantação:
A horta era muito grande [...] E naquele tempo você molhava tudo no regador.
Você tinha que vir com o regador pesado e não tinha jeito. Aí, depois de muitos
anos, eu já era casado, [...] e eu disse pro meu pai:
- Ô pai, eu vou ver se eu quebro o galho, vou ver se eu consigo fazer um
encanamento que sai daqui de casa, atravessa a estrada e vai lá na outra horta –
meu pai tinha duas ou três hortas...
[...] Aí canalizamos tudo lá. Meu pai colocou uma barrica grande, nós tínhamos
torneira lá, aí corremos a mangueira, aí regava já com a mangueira, né? Mas isso
foi depois de muitos anos de sofrimento! (PRANDO, 2011).
148
Linguiças feitas com carne de porco
190
149
“Establishing colonies in abandoned walls, on the underside of rocks, on cave walls damp with waterfall
spray, under tree roots, in abandoned cars, in telephone booths and even in the traffic lights, the Africans have
killed birds, chickens, dogs, horses and four people. Four months ago, a resident of Caieiras, near São Paulo,
tried to burn an African beehive stuck in a chimney of a local bar. In a “buzzing mass that darkeried the sun”,
one man reported, the Africans swarmed into the bar, stung a traveling wine salesman senseless, left so many
stingers in the bald dome of the bartender that He “thought He was gorwing hair again”. In three hours the bees
stung 500 people. Then they buzzed of across nearby farms where they left behind flocks of dead chickens, a
dozen writhing dogs, and two horses so badly stung that they could not eat for three days” (ENTOMOLOGY:
DANGER FROM DE AFRICAN QUEENS in TIMES MAGAZINE, 24-09-1965, disponível em
http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,834375,00.html. Acessado em 11-07-2011, às 18:25h ).
Habitação e Arquitetura 191
150
Nos núcleos franceses de Bournville, incluía-se nos contratos de arrendamento ou locação das casas uma
cláusula que exigia o cultivo de jardins. Em Mulhouse havia incentivo aos cuidados com os jardins concedendo
prêmios às casas e jardins considerados mais bem cuidados (CORREIA, 1998). Na Vila Maria Zélia, em São
Paulo, fundada pelo industrial Jorge Street, os jardins eram incentivados pela fábrica que promovia concursos
anuais, feitos na primavera, para os considerados mais bonitos (TEIXEIRA, 1990).
192
No Brasil era comum que as empresas cobrassem uma taxa para o pagamento do
aluguel das casas151 (CORREIA, 1998). Esta prática também norteou os industriais da
Companhia Melhoramentos. Quando inquiridos pelo DEOPS152, em 1949, acerca das
moradias oferecidas aos operários e relações entre empresa e funcionários, a Companhia
transcreveu trechos do artigo de Mancini (1940) – então diretor do Departamento
Nacional de Previdência Social do Ministério do Trabalho - publicado pela própria
151
Dados de um levantamento realizado pelo Departamento Estadual do Trabalho no Estado de São Paulo, em
1919, apontam que a maioria das vilas constituídas por empresas estavam no interior do estado e pertenciam,
muitas vezes, às empresas ligadas à estrada de ferro e que as casas poderiam ser cedidas gratuitamente ou por
aluguéis simbólicos. Este levantamento mostra que os alugueis cobrados pelas vilas paulistanas, no começo do
século XX, tinham preço menor que o mercado. A Indústria Têxtil do Belenzinho alugava a seus operários casas
por 44$000; a Fiação da Saúde, por 25$000; a Silex, indústria metalúrgica, por 30$000; a tinturaria das indústrias
Reunidas Matarazzo, por 44$000; a Ítalo- Brasileira de vestuário, por 25$000; e a casa Rodovalho, por
R$35$000. Se comparados às vilas particulares de baixo padrão, a quantidade de casas era equivalente e os
valores eram menores, pois os aluguéis das vilas particulares variavam de 45$000 a 50$000 (BONDUKI, 1998).
Alguns industriais, entretanto, optaram pela venda da casa aos operários. A opção pela venda estava embasa em
um suposto efeito positivo que a propriedade exerceria sobre o trabalhador (CORREIA, 1998). Na Cimento
Portland Perus, fundada no começo do século XX, em São Paulo, a questão dos aluguéis das casas operárias,
durante a década de 1960, tentou ser negociada por meio de um acordo entre o Grupo Abdalla, proprietário da
empresa, e os operários. Neste acordo haveria um comprometimento por parte da empresa em construir um
loteamento nas terras ociosas. No loteamento, as casas seriam construídas através de mutirão pelos operários. Em
contrapartida seriam descontados 5% do salário dos operários para a constituição do Fundo da Casa Própria, que
permitira a todos a compra de um lote. Esta negociação foi homologada no acordo salarial de 1960, mas o Grupo
Abdalla não cumpriu o estabelecido (JESUS, 1992).
152
Prontuário nº 96964 consultado no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Habitação e Arquitetura 193
A Companhia utilizava para cobrança dos valores para uso das casas um cálculo
fundamentado na organização da ficha de classificação ponderada das moradias, que
passava a substituir o anterior sistema de fixação empírica das taxas de contribuição de
cada empregado-beneficiário. Este novo modelo foi inicialmente implantado
gradativamente, ou seja, para as casas novas que eram construídas ou para as casas que
vagassem e fossem ocupadas por novos moradores. Ao constatar a dificuldade de manter
dois sistemas diferentes – um com base empírica e outro considerado mais racional e
equitativo, baseado na ficha de ponderação - para cobrança das taxas durante o período de
transição, enquadrou todos os empregados-beneficiários no mesmo sistema de ficha de
classificação, apresentando uma demonstração dos valores cobrados a partir de setembro
de 1948, após o reajuste geral salarial dos funcionários (PRONTUÁRIO DEOPS 96964):
153
Correia (1998) relata que um observador francês do século XIX já condenava a prática de cessão gratuita das
casas para os operários argumentando que o operário não daria valor ao que lhe seria cedido gratuitamente. A este
respeito, Carpintéro (1997) transcreve uma citação de Prestes Maia durante o Primeiro Congresso da Habitação,
afirmando seu desinteresse pela solução de Vilas Operárias, por considerá-las ineficientes pelas mesmas razões do
observador francês (CARPINTÉRO, 1997).
194
A tabela acima mostra que os valores cobrados para utilização das casas em
Caieiras eram simbólicos e não ultrapassavam 15% dos valores salariais154. As entrevistas
feitas com os antigos moradores reafirmam esta colocação. Alguns nem sequer lembram-se
dos valores que pagavam para ter o direito de moradia em Caieiras, devido a pouca
significância que os valores tinham em relação aos seus salários. Os ex-moradores relatam
que os valores cobrados para utilização de energia elétrica já estavam incluídos nas taxas
pagas para utilização das casas.
(...) a gente pagava uma taxa, mas era tão irrisória aquela taxa, muito baixinha,
muito, eu não me lembro pra dizer pra você quanto, mas era muito pouco. Só
que era assim: tinha um relógio medidor de força e eles davam uma taxa pra
você gastar. Eu me lembro que para os mais baixos era 50kw mensal. Se
passasse daquilo, eles cortavam a luz. Então ninguém tinha que gastar, imagina
pra gastar 50kw, hoje eu gasto em uma semana. A gente tinha que gastar em um
mês. Também, naquela época a gente não tinha geladeira. Mas também não tinha
nada, era luz elétrica e ferro de passar roupa, só isso. Não tinha enceradeira, não
tinha nada dessas coisas, então dava. Apesar que a gente viveu assim e bem.
Dava, né? Tinha por exemplo, chefia grande, era 150, 120kw. Era uma
discrepância muito grande entre os funcionários e os grandes. Tinha pessoas que
eram “chefinhos mais ou menos” que era 60kw, outros era 80. Não tinha uma
regra. Os mais baixos, era 50 pra todo mundo. Depois conforme a graduação da
pessoa na firma, é que ia aumentando, tinha umas regalias assim. Água não tinha
mesmo e quando encanaram a água não se cobrava. Era gratuito (EUSÉBIO,
2011).
154
Eva Blay (1985) mostra algumas situações relativas à moradia de aluguel em vilas operárias em São Paulo.
Nas vilas das indústrias Beltramo, Nadir Figueiredo e Guilherme Giorgi as casas eram sempre alugadas aos
operários. Em entrevista à autora uma operária afirma que em 1955 pagava $650,00 por uma casa na vila
Guilherme Giorgi e o salário era de $1190,00. A renda dela e do marido somavam $3000,00. Estes números
expressam que os aluguéis chegavam, nesta vila, a 50% dos valores dos salários operários (BLAY, 1985, p. 179).
Habitação e Arquitetura 195
3.2 Arquitetura
3.2.1 Arquitetura ferroviária
A implantação do transporte ferroviário, no Brasil, data de meados do século
XIX155. A São Paulo Railway foi inaugurada no momento em que a produção de café
tornava-se sinônimo de riqueza e prosperidade. Teve seu primeiro trecho – São Paulo até
Santos – inaugurado em 1866 e seu prolongamento até Jundiaí, em 1867. Devido à
necessidade de escoar a produção de cal da Fazenda Industrial Cayeiras foi inaugurada
155
Em 1854, por iniciativa do Barão de Mauá foi implantado o primeiro trecho de estrada de ferro no país. Este
trecho fazia a ligação entre o Porto de Mauá até a estação de Fragoso, no Rio de Janeiro. A participação do Barão
com investimentos foi também fundamental no estabelecimento da Estrada de Ferro de Recife ao São Francisco,
da Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco, da Estrada de Ferro Dom Pedro II e da São Paulo Railway. Grande
parte da implantação da rede ferroviária brasileira e de seus edifícios esteve sob a responsabilidade de firmas
inglesas. Normalmente utilizava-se técnica mista para edificar as estações. Os prédios que serviam aos
passageiros e à administração costumavam ser erguidos em alvenaria enquanto as coberturas das plataformas
eram erguidas em estrutura metálica. Em estações de menor porte havia plataformas abrigadas por estruturas de
madeira ou metal acopladas ao edifício de alvenaria. A utilização do metal para construção foi difundida, pois
possibilitava construções rápidas favorecendo o atendimento das demandas crescentes devido à ampliação do
comércio, favorecido pela abertura dos portos, após a vinda da Corte (KÜHL, 1998). Na segunda metade do
século XIX, com novos transportes, surgiu um novo fenômeno na arquitetura brasileira: a importação de edifícios,
de madeira ou de metal, inteiramente produzidos na Europa (REIS FILHO, 1987). A importação de edifícios
metálicos teve maior êxito nos locais que apresentavam rápido crescimento econômico, muitas vezes em locais
onde a mão-de-obra qualificada para construção era escassa. Outro fator que favoreceu a utilização dos edifícios
europeus foi a necessidade de uma aproximação política e cultural entre o Brasil e os países “desenvolvidos”. A
aceitação das soluções arquitetônicas européias, mesmo que defasadas em relação à origem, favorecia uma
afirmação social embasada em preceitos de desenvolvimento e progresso tecnológico (KÜLH, 2008). Exemplo de
edifício importado foi o da Estação da Luz, em São Paulo. Os conjuntos ferroviários, no Brasil, eram compostos
por uma estrutura que garantia a funcionalidade do complexo. Assim, armazéns de carga e mercadoria, oficinas
de manutenção, locais para manobra de composições, caixas d’águas suspensas para abastecimento das caldeiras
das locomotivas, depósito de carvão, casas para funcionários, abrigos para máquinas paradas, entre outras
edificações, costumavam compor o cenário ferroviário (SOUKEF JUNIOR, 2008).
196
uma parada para trens dando início à Estação Ferroviária de Cayeiras, em 1º de julho de
1883 (DONATO, 1990).
O edifício construído para a parada de trem, em Caieiras, era uma construção de
pequeno porte que mesclava a alvenaria em tijolos de barros com a construção em
madeira. Anexo a este edifício, a plataforma parecia ter não mais do que 5,00m de
extensão, protegida por uma cobertura acoplada ao edifício principal. A madeira era
material abundante na região - devido à quantidade de mata nativa - e parecia compor a
cobertura e parte do edifício principal, o piso e a estrutura da plataforma. A chaminé,
disposta na extremidade do edifício principal, construída em tijolos de barro pode sugerir
a existência de um fogão à lenha ou algum tipo de aquecedor. O telhado em duas águas
com beirais protegia as guilhotinas vedadas com vidro. Esta arquitetura inspirava-se, de
forma simplificada, na linguagem da arquitetura vernácula européia dos chalés. Em seu
porte, aspecto formal e natureza dos materiais empregados para a construção da parada de
trem de Cayeiras nota-se semelhança com a Estação Juquery, atual Estação Franco da
Rocha.
Figura 90 Parada da São Paulo Railway, em 1883 Figura 91 Primeira Estação Juquery.
Fonte: Donato (1990, p. 15) Fonte: Mazzocco e Santos (2005)
Figura 93 Estação de Caieiras, 1922, tipo 3ª classe. Ao fundo, à esquerda, a passarela metálica. À direita o
casarão que alguns moradores de Caieiras afirmam ter sido a residência de Bertha e Walther Weiszflog,
demolida na década de 1960
Fonte: Mazzoco e Santos (2005)
Habitação e Arquitetura 199
Estas passarelas surgiam nos tratados ferroviários de língua francesa do século XIX
sob a denominação de passarelle anglaise (FLAMACHE156, 1889 apud KÜHL, 2008).
156
A. Flamache, A. Huberti e A. Stévart. Traité d´Exploitation dês Chemins de Fer. Bruxelles, Mayolez. 1889, pl.
XVIII.
200
Percebemos pelas fotos (ver figuras 97, 98, 103 e 105), que a passarela metálica,
em Caieiras, passou por modificações157. Ela surge, na plataforma sentido São Paulo, ora
com uma escada, ora com duas, em configuração semelhante, no que se refere à posição
das duas escadas, ao projeto da passarela para empregados no pátio da oficina da Lapa, de
1928.
157
Com as transformações viárias e o crescimento de Caieiras, a plataforma metálica tornou-se parcialmente
obsoleta, pois não atende à necessidade do usuário de fazer, por meio da passarela, a travessia da linha férrea e da
SP-332 (antiga Estrada Velha de Campinas) de uma só vez, havendo a necessidade de arriscar-se, na descida da
passarela, para fazer a travessia da estrada. Desta forma, o usuário prefere fazer a travessia da linha férrea no nível
do cruzamento com a estrada, preferencialmente, no momento em que as cancelas estão abaixadas aguardando a
passagem da composição, garantindo sua segurança, de um lado ao atravessar a estrada com as cancelas
abaixadas, e expondo-se ao risco, por outro lado, ao atravessar a linha férrea minutos antes da saída do trem.
Habitação e Arquitetura 201
Figura 100 Estação Ferroviária. Observa-se a Figura 101 Estação Ferroviária. Nota-se o telhado
marquise sobre a plataforma e oitões ornamentados de duas águas sobre a plataforma e remoção da
Fonte: Acervo Chico Trem ornamentação do telhado
Fonte: Acervo da autora, 2009
A plataforma da estação era coberta por uma marquise que se apoiava, de um lado,
sobre colunas de ferro fundido, uniformemente distribuídas paralelas à linha férrea, e de
outro, na parede do edifício da estação. As colunas eram encimadas por capitéis e acima
deles havia consoles de ferro fundido, ora agrupados dois a dois, ora agrupados quatro a
quatro, dependendo da posição da coluna (nas extremidades da cobertura ou na parte
central). Consoles iguais aos de Caieiras reaparecem nas estações de Rio Grande da Serra,
Ribeirão Pires, Jaraguá, Franco da Rocha, Várzea Paulista e Estação da Luz (KÜHL,1998).
A marquise ladeava o edifício da estação de forma que ficassem protegidas: a face
imediatamente paralela à linha férrea e uma de suas laterais. Nota-se que esta marquise fora
substituída por uma cobertura de duas águas que acompanha o desenho da cobertura do
edifício de alvenaria. Os oitões do edifício tinham ornamentação que foram removidas,
posteriormente com as reformas e ampliações. Os lambrequins de madeira com desenhos
geométricos ornamentavam os beirais das coberturas158.
O transporte ferroviário constitui importante forma de acesso dos moradores de
Caieiras para as cidades vizinhas.
158
A superlotação dos trens e os freqüentes atrasos das composições culminaram na revolta de alguns usuários,
que em 1983 provocaram um incêndio na estação como forma de protesto a esta situação. O fogo danificou grande
parte da estação - plataforma sentido São Paulo. O edifício foi reconstruído em dois anos, mas notam-se nas
imagens, o desaparecimento dos ornamentos, como aqueles que faziam o acabamento dos oitões nas laterais do
edifício. Com o aumento significativo da quantidade de usuários que utilizam diariamente os serviços ferroviários,
as plataformas e coberturas foram ampliadas.
202
Figura 102 Estação Ferroviária, por volta de 1950, Figura 103 Estação Ferroviária por volta de 1980.
durante a construção da subestação elétrica. Passarela com escada única na plataforma sentido
Fonte: Acervo David Lustosa Nogueira. Jundiaí.
Fonte: Acervo Paulo Polkorny.
Figura 104 Consoles e capitéis das colunas de ferro Figura 105 Estação Ferroviária de Caieiras, década
fundido de 1980
Fonte: Acervo Paulo Polkorny (2000) Fonte: Google Earth
Figura 106 Estação ferroviária. Ao fundo, as casas Figura 107 Estação Ferroviária durante demolição
do Barreiro da plataforma
Fonte: Acervo Chico Trem Fonte: Paulo Polkorny
Habitação e Arquitetura 203
altas e compactas, com dois andares e janelas pequenas, paredes brancas ou amarelas, seria
uma variação deste modelo e poderia ser representado pela Cervejaria Antártica, no bairro
da Mooca, São Paulo, SP e a Fábrica de Tecidos Carioba, em Americana, SP, ambas
ligadas ao capital germânico.
O papel da arquitetura nos ambientes fabris interferiria também nos mecanismos de
exploração do trabalho no interior das fábricas já que diante do argumento da necessidade
da máxima atenção ao sistema de máquinas, a arquitetura fabril poderia surgir com suas
paredes elevadas, com abertura de janelas no alto, impedindo a visão exterior (FAUSTO,
1976).
As instalações fabris construídas seguindo ou aproveitando os modelos utilizados
nas instalações agrícolas baseadas nos antigos engenhos e mineradoras, ou já com algum
aperfeiçoamento para e espaço industrial, fizeram uso de vários elementos da linguagem
clássica Assim, as construções ligadas à fábrica surgiam a partir de elementos do período
colonial – implantação e materiais - como uma continuidade da tendência dos modelos
formados por engenhos, fábricas e mineradoras até 1880 ou empregando, de forma
recorrente, elementos como frontões, entablamentos, óculos, platibandas, colunas, pilastras
e alpendres nas diversas construções ligadas à indústria, tais como fábricas, equipamentos
coletivos e habitações (CORREIA, 2008).
159
As inovações dos meios de comunicação ocorridas com as novas tecnologias trazidas pela Revolução
Industrial possibilitaram um intercâmbio de informações que resultou em profundas transformações culturais. A
Revolução Industrial possibilitou a comercialização em grande escala de produtos industrializados e métodos
construtivos que começavam a se disseminar. Estas transformações se associam ao surgimento de uma nova
arquitetura que se difundiu no século XIX, a eclética. As transformações arquitetônicas ocorridas na Europa
durante o século XIX tiveram uma estreita relação com o desenvolvimento do capitalismo industrial e com a
burguesia, que passava a expressar suas exigências arquitetônicas que priorizavam o conforto, o progresso e as
novidades. As solicitações da burguesia impulsionaram uma rápida alteração das tipologias arquitetônicas, que
passavam a acolher um variado número de expressões formais em um único edifício (PATETTA, 1987).
Habitação e Arquitetura 205
escrava160. Muitos destes trabalhadores eram profissionais ligados à construção civil como
pedreiros, carpinteiros e artesãos, que em pouco tempo deixariam as lavouras para
trabalharem na construção civil. Estes profissionais eram detentores do conhecimento das
técnicas construtivas e dos materiais de construção, favorecendo as construções em tijolo
aparente ou dotadas de ornatos de matriz neoclássica ou eclética. Assim, muitas
modificações ocorreram. Surgiram novos espaços e a tecnologia construtiva também foi
modificada. Em São Paulo, o arquiteto Ramos de Azevedo teve importante participação
nas transformações da cidade. Diversas obras surgiram a partir de projetos que estavam sob
a responsabilidade do escritório deste arquiteto, alterando significativamente a aparência
da cidade. Entre estes projetos, destacamos o Teatro Municipal de São Paulo, inaugurado
em 1913. Na região do Juqueri Ramos de Azevedo foi o responsável pelo projeto de alguns
edifícios do Hospital Psiquiátrico no final do século XIX.
160
O ecletismo encontrou sua maior propagação, no Brasil, quando foi reconhecido como estilo oficial da
República. Desta forma, a difusão do ecletismo ocorreu, no país, de maneira ampla, em edifícios públicos e
particulares, por meio de novas construções ou reformas. No Brasil, os primeiros indícios que demonstraram a
influência das tendências neoclássicas remontam ao século XVIII. A difusão de elementos da arquitetura
neoclássica foi expressa, inicialmente, no Pará, a partir de engenheiros militares e, principalmente, do arquiteto
italiano Antonio José Landi. Entretanto, foi com a vinda de Grandjean de Montigny para o Rio de Janeiro, em
1816, que o neoclássico foi introduzido efetivamente no país, devido à quantidade de obras do arquiteto
construídas no Rio de Janeiro e à sua atuação como professor na Academia Imperial de Belas Artes.
(SALGUEIRO, 1987).
206
161
A Companhia afirma que possuía apenas o material referente à construção das moradias e desconhece os
projetos dos edifícios coletivos. Sobre o acervo referente à construção das casas a empresa afirma ter se perdido
com as enchentes ocorridas em Caieiras. O costume da época de datar as edificações com inscrições visíveis
favoreceu o desenvolvimento das pesquisas.
162
Havia fornos também no Bairro do Bonsucesso, mas não conseguimos imagens e não sabemos se eram olarias
ou produtores de cal.
163
A mineração da cal, devido ao desenvolvimento de técnicas de fabricação da cal virgem e hidratada, passou
por um processo industrial de evolução contínua durante o século XX. Essa evolução ocorreu, principalmente,
devido ao crescimento contínuo da produção e à multiplicidade de aplicação do produto em setores como
siderurgia, meio-ambiente e construção civil. Foi a partir de 1930, sobretudo, que o setor da cal foi ampliado e
aperfeiçoado, devido a alguns fatores como a criação de centros de pesquisa relacionados aos estudos químicos,
físicos, mineralógicos e estruturais em diversos países. Na Europa e nos Estados Unidos os fornos tiveram uma
evolução rápida, contínua e progressiva ao longo do século XX, passando das antigas medas e fornos primitivos
para os atuais calcinadores rotativos, verticais, horizontais e inclinados. As medas eram fornos onde se fazia a
queima de conchas de ostras e blocos de corais misturados com lenha. Algumas empresas complementaram as
suas instalações com fornos verticais metálicos e deram início, na década de 1940, a era das grandes instalações
de fornos rotativos e verticais, metálicos, de grande produção, como já ocorria nos Estados Unidos e Europa.
Exemplos destas inovações podem ser observados no Complexo da Perus-Pirapora, ligada à Companhia
Brasileira de Cimento Portland, em Cajamar (SP), na Usina Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ), na
Barroso (MG) e na Votorantim, Itapeva (SP) (GUIMARÃES, 2002).
Habitação e Arquitetura 207
semelhanças encontradas entre o forno Macalé e o forno construído em 1894 pelo Banco
União na fazenda de Itupararanga, Votorantim, próximo à Sorocaba, projetado por Ramos
de Azevedo sugerem que o forno de Caieiras pode ter sido projeto do mesmo arquiteto ou
ter sido inspirado em suas obras (ver figura 110). Além disso, a passagem de Ramos pela
região, evidenciada pelo projeto de alguns edifícios do complexo hospitalar do Juquery
construídos durante a década de 1890, ocorreu em épocas próximas à construção dos
fornos. Notamos a semelhança no formato poligonal, na composição dos pavimentos, no
acabamento da chaminé. Entretanto, o forno da fazenda de Itupararanga, possui conjuntos
de janelas em arco distribuídas em trio ao redor do segundo pavimento com riqueza de
detalhes em sua ornamentação externa que conotam um acabamento mais refinado do que
o observado em Caieiras, assim como a cobertura do forno desta fazenda também se
mostra como um elemento de maior sofisticação.
164
Projeto do forno da Fazenda de Santa Maria, 1924. Número P.AZ25/728.6 FSM. O projeto encontra-se no
acervo Ramos de Azevedo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, porém não
está disponível para consulta devido à fragilidade do substrato do projeto.
165
De maneira geral os fornos para queima da cal eram erguidos em alvenaria estrutural com tijolos ou pedras.
Para construções desse tipo era necessário contar com uma mão-de-obra hábil para a execução das amarrações e
arcos. Além disto, devia-se considerar que tais edifícios teriam máxima exposição às variações térmicas e, quando
aquecidos, haveria expansão dos materiais. Portanto, as argamassas de assentamento ideais para estes casos,
seriam aquelas de cal e areia que permitiam elasticidade; e não de cimento, pois a dureza deste material
proporcionaria o surgimento de trincas. Estas estruturas, necessariamente altas, eram formadas por grandes (em
altura e diâmetro) dutos capazes de conterem, em seu interior, zonas para resfriamento, separação, pré-
aquecimento e estocagem das pedras depositadas para queima. Para tanto, as fundações destas estruturas deviam
garantir a estabilidade do edifício e resistirem ao peso do forno totalmente carregado sem deformações
excessivas. Para que o calor produzido no forno não fosse desperdiçado, eventualmente, se atravessasse o muro
de contenção seria necessário que fosse feito um isolamento adequado. Normalmente deveria ser previsto uma
camada de isolamento entre a parede interna e a parede estrutural do forno. O método mais simples para garantir
este isolamento era deixando um vão de ar entre as duas paredes. Para proteger estas estruturas da chuva, que
reduziria a temperatura do forno, eram construídos telhados ao redor dos dutos que proporcionavam ambientes
favoráveis ao trabalho. Para garantir que a carga escoasse sem dificuldades eram deixados buracos de inspeção ao
longo dos dutos, por onde era possível bater, com uma haste de ferro, para desobstruir a passagem e para acessar
estes buracos de inspeção eram construídas plataformas com superfícies antiderrapantes, com largura mínima de
1,5m (WINGATE, 1985)
Habitação e Arquitetura 209
Optamos por numerar os fornos para facilitar a compreensão das descrições (ver
figura 111), pois a identificação por nomes, feita a partir das declarações dos antigos
trabalhadores apresentava inconsistências quanto à identificação dos fornos que não
fossem o Macalé ou os de barranco.
Fornos de Barranco
Bonsucesso (atualmente demolidos) seriam os mais antigos e entre eles estaria o forno de
barranco originalmente construído por Rodovalho. Entretanto, os dois fornos de barranco
do Monjolinho também apresentam características semelhantes às descrições dos fornos de
barranco construídos a mando do coronel.
Figura 112 Vista lateral do forno de barranco Figura 113 Forno de barranco apoiado na encosta,
Fonte: Acervo da autora (2006) em Caieiras
Fonte: Acervo da autora (2006)
Figura 114 Passarela de acesso para carregamento Figura 115 Vista do forno 1
do Forno 6 Fonte: Acervo da autora (2006)
Fonte: Acervo da autora (2006)
Figura 118 Forno 1. Passarela para carregamento Figura 119 Forno 2. Passarela para carregamento
Fonte: Acervo da autora (2006) Fonte: Acervo da autora (2006)
Macalé
166
Relatos de ex-moradores afirmam que os fornos trabalhavam de forma contínua havendo turnos consecutivos
de trabalho – 06:00h às 14:00h; das 14:00h às 22:00h e das 22:00h às 06:00h. Apenas no domingo o forno parava
para manutenção.
167
A redução do consumo de combustível nestes fornos foi significativa e a carga continuava a ser feita pelos
barrancos (GUIMARÃES, 2002).
214
Figura 122 Detalhe dos tijolos. Figura 123 Detalhe da alvenaria Figura 124 Porta em ferro fundido
Fonte: Acervo da autora do Macalé para acesso à remoção das cinzas
(2006) Fonte: Acervo da autora (2006) Fonte: Acervo da autora (2006)
Figura 128 Arcos de abertura Figura 129 Vão de abertura Figura 130 Peitoril da
de acesso para ventilação do 1º pavimento abertura de ventilação.
Fonte: JERONYMO (2006) Fonte: JERONYMO (2006) Fonte: JERONYMO (2006)
Figura 132 Alçapão de limpeza; Figura 133 Portas circulares em ferro fundido.
Fonte: Acervo da autora, 2006. Fonte: Acervo da autora, 2006.
Figura 138 Bandas metálicas de Figura 139 Vista do piso do 2º Figura 140 Vestígios de
tensão pavimento e estrutura fixação de escada para acesso
Fonte: Acervo da autora (2006) Fonte: Acervo da autora (2006) do pavimento superior
Fonte: Acervo da autora (2006)
218
168
Lei 326, de 9 de agosto de 1965, que estabeleceu uma nova redação da Lei 158, de 13 de julho de 1962,
instituiu o brasão do município. O Macalé representa a indústria que originou a cidade, a fumaça indica o trabalho
e os pinheiros simétricos pontuam a farta presença dessa árvore no local e sua importância na fabricação do papel.
A inscrição Urbis Pinetorum foi criada por Olindo Dártora, ex-prefeito da cidade que lutou para a emancipação e
a data 14 de dezembro de 1958 refere-se ao dia da emancipação (PERES, 2008).
169
Lei 844, de 16 de novembro de 1973, oficializou a criação da bandeira do município com as atuais
configurações. A Bandeira foi escolhida em um concurso. O criador é Nelson Antonio de Gaspero (PERES,
2008).
Habitação e Arquitetura 219
Figura 144 À direita o bairro do Monjolinho, já Figura 145 Fornos de cal em desuso
demolido. Abaixo, próximo ao lago, o edifício do Fonte: Paulo Polkorny
armazém do Monjolinho
Fonte: Paulo Polkorny
170
As datas de construção e do início da utilização do edifício como armazém pela Companhia Melhoramentos
são incertas. Donato (1990) relatou um “Dia festivo na Caieiras de 1885”, quando a Fábrica de Massas à Vapor
Fratelli Secchi já estava instalada no edifício onde funcionou o Armazém da Companhia Melhoramentos
(DONATO, 1990, p. 16). Entretanto, Bandeira Jr. (1901), Blay (1985), Marcovitch (2006) e Cenni (2003) relatam
a fundação da Fratelli Secchi no ano de 1896.
220
171
“O aspecto exterior da arquitetura neoclássica é caracterizado pela parede frontal do templo grego com
tímpano triangular, ou pela elevação com colunas (pórtico). Meias colunas, pilastras e cornijas conferem
harmonia ao edifício, enquanto mútulos, pérolas, contas, palmetas e os ornamentos sinuosos da Grécia clássica
[...] funcionam como decoração ao lado de guirlandas, urnas e rosáceas” (KOCH, 2008, p.60).
222
Figura 150 Detalhes do edifício do armazém: A. aplique com cabeça de leão; B. frontão; C. porta do pavimento
térreo; D. janela pavimento superior
Fonte: Acervo da autora (2009)
Habitação e Arquitetura 223
172
Segundo Moraes (1995) logo que foi estabelecida a população de Cresciúma, no início da década de 1930, os
moradores manifestaram a necessidade de construção de uma escola para as crianças. Inicialmente, houve
tentativa de estabelecer uma escola no bairro do Morro Grande, mas devido às dificuldades de estabelecer a
freqüência dos alunos e dos professores, optou-se por implantar a nova escola no citado edifício, inaugurando-se
em 18 de fevereiro de 1942 a Escola Mista de Caieiras.
224
Figura 151 À direita, edifício do armazém e edifício do Grupo Escolar de Caieiras que abrigou parte do Grupo
Escolar Otto Weiszflog, em 1930. À esquerda, grupo escolar Otto Weiszflog e a rampa de acesso à plataforma da
estação ferroviária
Fonte: Jornal Regional News, Ano X, nº 607 (13 de dezembro de 2002, p. 1 C2)
Figura 152 À esquerda e ao fundo, Grupo escolar Otto Weiszflog. À frente, à esquerda, plataforma da estação
Fonte: Acervo Paulo Polkorny
Figura 153 Armazém e edifício que abrigava parte do Grupo escolar Otto Weiszflog
Fonte: Acervo da autora (2009)
Figura 154 Vista do edifício onde funcionou o Figura 155 Grupo Escolar Otto Weiszflog. No
Grupo Escolar de Caieiras e parte do Grupo Escolar pavimento térreo funcionavam alguns serviços como
Otto Weiszflog, 1930 barbearia e sapataria
Fonte: Donato (1990, p. 100) Fonte: Acervo Paulo Polkorny(1999)
Habitação e Arquitetura 225
Figura 156 Vista lateral e posterior do Grupo Figura 157 Vista da fachada do Grupo Escolar
Escolar Otto Weiszflog OttoWeiszflog voltada para a estação ferroviária
Fonte: Acervo Paulo Polkorny (1999) Fonte: Acervo da autora (2009)
Figura 158 Lateral do Grupo Escolar Otto Figura 159 Lateral do Grupo Escolar Otto Weiszflog
Weiszflog Fonte: Acervo da autora (2009)
Fonte: Acervo da autora (2009)
e 166) e aquelas geradas pela ação do tempo e ausência de manutenção da construção, que
causam danos, principalmente, devido às más condições do telhado – atualmente tomado
pela vegetação - e de seu sistema de captação de águas de chuva, danificando visivelmente
a edificação.
Figura 163 Construção edificada Figura 164 Edifício de apoio Figura 165 Detalhe da entrada
junto ao edifício principal Fonte: Acervo da autora (2010) principal
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)
permitiu supor tratar-se do primeiro edifício do Cine Cayeirense. Com pé-direito alto,
aproximadamente 3,50m de altura, e duas aberturas de acesso o edifício de pequeno porte
surge, na imagem, coroado por platibanda escalonada em desenho geométrico como
suporte ao letreiro festivo “Cayeirense”. Notamos em Caieiras a ocorrência comum de
edifícios deste porte lado a lado com construções mais singelas. Parece ser este um padrão
de modernização e sofisticação para edifícios de maior importância seja pelo uso coletivo
ou pela moradia de um funcionário especializado. A ornamentação da fachada restringe-se
às cornijas que arrematam a platibanda, aos apliques sobressalentes das aberturas de portas
e às bossagens nos cantos que dão maior destaque à porção central da construção. Ao
contrário do edifício vizinho, provavelmente uma residência de chefia, o edifício do
cinema não tinha o coroamento das aberturas feitos por frontões triangulares ou cimbrados.
O novo edifício do cinema, construído durante a década de 1940, foi uma reforma e
ampliação do edifício original.
Figura 168 Enchente na rua do cinema, década de Figura 169 Cine Cayeirense
1940. Notamos a inexistência do primeiro edifício Fonte: Donato, (1990, p.74)
do conjunto e das palmeiras imperiais
Fonte: Peres (2008, p164)
Figura 170 Carreata da emancipação, por Figura 171 Excursões das famílias. Ao
volta de 1958. Observamos as duas fundo, o cinema e edifícios vizinhos. Em
edificações ao lado do cinema e os jardins primeiro plano os jardins das casas operárias
das casas operárias em primeiro plano Fonte: Peres (2008, p. 218)
Fonte: Peres (2008, p.219)
Figura 173 Festa de encerramento do ano letivo em Caieiras, 1940. À esquerda, casa de chefia, cinema, casas
operárias. Ao fundo as garagens das máquinas que faziam o transporte dos operários. À direita, a curva do Rio
Juqueri
Fonte: Acervo Jornal Regional News
173
A proximidade com o Rio Juquery tornava o cinema vulnerável às enchentes que avançavam pelo pavimento
térreo
174
O surgimento, em São Paulo, de edificações com arquitetura inspirada nos chalés, pode ter tido sua origem
com a influência dos engenheiros ingleses que trabalhavam na S.P.R. (CAMPOS, 2008). Esta hipótese foi
aprofundada por Campos (2008), ao tomar como referência a Estação de São Bernardo, construída por volta de
1867 - com seus elementos que remetem às construções inglesas medievalizantes incorporadas aos chalés
oitocentistas - como possibilidade de afirmação desta hipótese. O estilo teve ampla difusão na cidade,
principalmente a partir da década de 1870, nas casas erguidas para as classes mais abastadas, nos subúrbios
paulistanos. Os chalés eram construídos com os tijolos de barro, produzidos em abundância, desde a década de
1860, madeiras, elementos de ferro fundido importados ou produzidos na cidade, telhas planas importadas de
Marselha, ou ainda aquelas produzidas a sua semelhança nas fábricas próximas como as da fazenda do Coronel
Rodovalho, em Caieiras. Algumas vezes os chalés eram inteiramente fabricados no exterior e montados no Brasil.
232
Figura 176 O edifício do novo CRM em demolição Figura 177 Separação dos tijolos da demolição do
Fonte: Acervo Paulo Polkorny (1981) CRM
Fonte: Acervo Paulo Polkorny (1981)
Habitação e Arquitetura 235
175
A arquitetura românica começou a se difundir com os Carolíngios na Europa Ocidental e Central, após a
exaustão e colapso do Império Romano Ocidental. Foi a partir do século XIX, apenas, que o termo “românico”
passou a ser utilizado. A difusão do Românico foi além dos povos de origem românica, ou seja, aqueles
influenciados pela cultura da Roma antiga (BREITLING et al, 2001).
236
Figura 181 Anexo lateral, antes da modificação Figura 182 Data do anexo.
Rosário Fonte: Acervo da autora (2010)
Fonte: Peres (2008)
O campanário é coberto por ornamentos que sugerem uma inspiração art nouveau
ou floreal. Os pilaretes que sustentam o telhado de torre são ornamentados em suas bases
com frisos geométricos e no topo com frisos que remetem à formas florais e voluptuosas.
Habitação e Arquitetura 237
Figura 183 Vista do campanário. Figura 184 Vista frontal com portal destacado do corpo
Fonte: Acervo da autora (2010) principal
Fonte: Acervo da autora (2010)
176
No estilo românico, cada arquivolta, geralmente, se apóia em pequenas colunas encimadas por capitéis e são
ornamentadas por frisos geométricos.
238
Figura 185 Ornamentação do Figura 186 O Cruzeiro na área Figura 187 A Estrutura semelhante
campanário externa aos contrafortes
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)
177
Camillo Boito (1836-1914). Arquiteto, restaurador, crítico, historiador, professor, teórico, literato.
178
Para Boito a conservação é necessária e pode evitar a restauração, que segundo este teórico, pode ser em
muitos casos perigosa e ameaçadora (BOITO, 1884).
Habitação e Arquitetura 239
179
De acordo com a afirmação de Summerson (2006): “[...] a arquitetura clássica é reconhecível como tal
quando contém alguma alusão, ainda que vaga, ainda que residual, às “ordens” da Antiguidade. Tal alusão pode
não ser mais do que um sulco ou uma saliência que sugira a presença de uma cornija ou uma distribuição de
janelas que sugira a razão entre pedestal e coluna, entre coluna e entablamento” (SUMMERSON, 2006, p.5).
240
O edifício era protegido por um telhado simples com quatro águas inclinadas. Com
o tempo este telhado foi alterado. O oitão foi fechado com telhas metálicas onduladas
permanecendo apenas as duas águas paralelas à rua e à linha ferroviária. Esta alteração
pode ter ocorrido devido às construções posteriores de novos galpões, que começaram a
surgir imediatamente acopladas ao edifício da oficina, como o edifício à direita construído
em 1957 e os galpões da esquerda construídos em 1935 e 1956 – datas identificadas pelas
inscrições afixadas em pequenas placas nas paredes externas.
Figura 190 Vista interna da oficina Figura 191 Fachada vista pelo interior da fábrica
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)
Habitação e Arquitetura 241
Figura 192 Detalhe da inscrição da data. Figura 193 Edifícios do entorno. Em primeiro plano o
Fonte: Acervo da autora (2010) galpão datado de 1935
Fonte: Acervo da autora (2010)
Figura 194: Galpões posteriores. Este preservou Figura 195 Galpões com novas estruturas finalizados
escada de acesso em 1957
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)
Nosso estilo deve ser decorrente natural do estilo com que os avós nos dotaram.
Sempre vivo, sempre em função do meio, se quer fugir á pecha de
rastacuerismo180 deve retomar a linha do passado e desenvolve-la a luz da estesia
moderna. Para isso existem os artistas, temperamentos de eleição através dos
180
O autor utiliza o termo “rastocoères” para chamar aqueles que se imbuíam dos hábitos franceses fazendo uma
comparação aos “arrasta-couros” dos saladeiros argentinos que escondiam a profissão inicial depois de
enriquecerem.
Habitação e Arquitetura 243
quais a natureza se côa e surge transfeita em arte. Côe-se arte colonial através
dum temperamento profundamente estético, filho da terra, produto do ambiente,
alma aberta á compreensão da nossa natureza: e a arte colonial surgirá
modernissima, bela, fidalga e gentil como a língua bárbara de Vaz Caminha sai
bela, fidalga, gentil e moderníssima dum verso de Olavo Bilac (LOBATO, 1951,
p.33).
181
Ricardo Severo (1869-1940). Engenheiro civil e de minas na Academia de Politécnica do Porto, em 1891,
exilou-se no Brasil devido ao seu envolvimento com o movimento republicano português. Retornou a Portugal
entre os anos de 1898 e 1908, quando editou uma publicação – Portugália - sobre a valorização da cultura
portuguesa. Em 1909 radiou-se definitivamente no Brasil e associou-se ao escritório de Ramos de Azevedo.
182
José Mariano Filho (1881-1946). Médico e historiador de arte. Ativista do movimento neocolonial .
244
As ações primárias têm que ser a revolução; mas a essência da obra construtiva é
apenas a tradição; e a meta desse tradicionalismo revolucionário é o mesmo
desenvolvimento do progresso que todos os povos buscam na mais angustiosa
das ansiedades. Em matéria de arte, alistar-me-ia ‘a priori’ como ‘futurista’ –
consoante o termo em moda – se este pseudofuturismo não significasse um
ilogismo anarquizante, se não fosse uma negativa, se não denunciasse uma
facção de fato retrógrada [...]. Porém este tradicionalismo revolucionário é
também futurista (SEVERO, 1926).
Em 1918, Wasth Rodrigues havia feito suas primeiras viagens a Iguape e Minas
Gerais com intuito de iniciar um levantamento sobre as principais características
arquitetônicas do período colonial brasileiro. Posteriormente, este levantamento tornou-se
o livro Documentário Arquitetônico, publicada apenas em 1940. Muitos autores atribuem a
Ricardo Severo a encomenda deste levantamento ao jovem pintor, entretanto, Pinheiro
(2003) chama atenção para o fato de ter sido à memória de Otto Weiszflog, sócio da
Melhoramentos, a homenagem feita por Wasth Rodrigues, sem qualquer referência a
Severo:
Ao que parece, Otto Weiszflog pode ter financiado a pesquisa de Wasth Rodrigues,
conotando o apreço do industrial à investigação dos elementos arquitetônicos do período
colonial brasileiro. O apogeu do “movimento neocolonial” ocorreu durante a década de
1920. Nas décadas seguintes fora apropriado popularmente e passou também a ser
reproduzido de forma destituída das formulações originais postuladas por seus fundadores.
Habitação e Arquitetura 245
Entre as últimas obras relevantes neocoloniais construídas em São Paulo, estaria o edifício
da Faculdade de Direito de São Paulo, projeto de reforma de Ricardo Severo (SEGAWA,
2002).
O estímulo de Otto Weiszflog ao estilo voltado às origens coloniais e a busca de
uma representação genuinamente nacional, poderia expressar o desejo do alemão atestar
sua “brasilidade” formalmente materializada.
associação não foi consolidada, segundo Donato (1990), devido à Revolução de 1924 que
trouxe instabilidade para as empresas e desmotivou Lobato a investir neste negócio
fazendo com que o escritor se concentrasse no esforço de salvar da crise a sua própria
empresa183 (DONATO, 1990). Se considerarmos a possibilidade do arquiteto Ramos de
Azevedo ter tido grande aproximação com a Companhia Melhoramentos, podemos supor a
possibilidade de nomes como Ricardo Severo e Victor Dubugras, profissionais ligados ao
escritório de Ramos e ao movimento Neocolonial, serem eventuais autores do projeto da
capela de São José.
Na capela de São José184, erguida quando Caieiras pertencia aos Weiszflog, notamos
a mescla de elementos da arquitetura neocolonial fundamentada em origem luso-brasileira
(que foi popularizado pelo termo neocolonial) e da arquitetura neocolonial de origem
hispânica, também conhecida pelos termos “estilo missões”, “estilo mexicano” ou ainda
“estilo californiano”. Nela podemos identificar elementos da arquitetura do período
colonial visíveis, principalmente na configuração do telhado e do alpendre. A utilização de
pedras no embasamento do edifício e o anexo circular na fachada posterior configura um
recurso bastante utilizado no estilo missões. Para Santos (1981),
183
Com a desistência de Lobato, Pires do Rio concebeu o seu próprio plano. A idéia de Pires do Rio era montar
uma empresa gráfico-editora que se chamaria Companhia Impressora do Brasil com sede em São Paulo e filial no
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Bahia, Recife e Porto Alegre. O capital de cinco mil contos de réis estaria
dividido com 15% com os Weiszflog e o restante com o grupo financeiro carioca Vieira Cunha. No momento de
avaliação dos bens da Companhia Melhoramentos o projeto foi encerrado e a associação não ocorreu (DONATO,
1990).
184
Desconhecemos a autoria do projeto desta capela, entretanto, nos parece ser um projeto erudito, elaborado
provavelmente por arquiteto.
Habitação e Arquitetura 247
Figura 199 Lateral esquerda da capela Figura 200 Lateral direita da capela
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora, (2010)
.
Seca, localizada entre Caieiras e a região de Os Perus - atual bairro de Perus – de onde
seguiam por navegação até o local onde começaria a implantação da fábrica (DONATO,
1990).
Figura 201 Descarregamento do material importado na Ponte Seca entre os anos de 1888 e 1889.
Fonte: DONATO (1990, p. 18)
Figura 202 Trabalhadores e materiais que chegavam à fábrica pelo transporte fluvial
Fonte: Donato (1990)
Habitação e Arquitetura 249
Notamos que a concepção do edifício com a simetria e proporção dos vãos em arco
remete à linguagem clássica. Para Correia (2008)
Figura 203 Construção da Figura 204 A fábrica de papel Figura 205 A fábrica por volta
barragem entre os anos de 1888 e movida pela energia hidráulica da de 1906.
1889 represa do Rio Juqueri, 1890 Fonte: Donato (1990, p. 42)
Fonte: Donato (1990, p. 40) Fonte: Calendário
100 anos da Melhoramentos(1990)
armazém do bairro da fábrica também mostrava a influência desta nova arquitetura (ver
figura 212).
Figura 206 Vista dos edifícios da fábrica antes do Figura 207 Demolição de parte do antigo edifício da
início da demolição para construção do novo fábrica, anos 1938 e 1939
edifício, entre os anos 1938 e 1939 Fonte: Donato (1990, p.162)
Fonte: Donato (1990, p.162)
Figura 208 Início da obra do novo edifício, 1938- Figura 209 O novo edifício da fábrica construído
1939 entre os anos de 1938-1939.
Fonte: Donato (1990, p.162) Fonte: Donato (1990, p.162)
185
A rejeição ao ornamento foi uma característica marcante do modernismo. Em 1908, Adolf Loos lançou um
ensaio com o título “Ornamento é Crime”, onde criticava a arquitetura que se utilizasse deste recurso como uma
prática de adoção de elementos supérfluos. As idéias ligadas aos conceitos de “menos é mais” e “a forma segue a
função”, difundidas por Mies van der Rohe e Louis Sullivan, tornaram-se a representação e síntese do ideário
moderno.
186
O modernismo firmou-se como ideologia com idéias de origens diversas como a Bauhaus, na Alemanha; Le
Corbusier, na França; Frank Loyd White, nos Estados Unidos e pelas reuniões do “CIAM” (Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna) que estabeleciam pontos de convergência destes ideários.
252
253
Capítulo IV
Caieiras e a preservação dos edifícios
remanescentes
254
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 255
187
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual denominação do antigo SPHAN.
258
188
Conjunto residencial construído durante a década de 1920, na Bela Vista, em São Paulo (RODRIGUES, 2000,
p.122).
260
[...] any building or order fixed structure – especially of the period of the
Industrial Revolution – which either alone or in association with plant or
equipment, illustrates or is significantly associated with the beginnings and
evolution of industrial and technical processes. These may be concerned with
189
either production or communications (HUDSON, 1976, p. 19).
Dessa forma, o ponto de partida para a preservação dos bens da indústria, definido a
partir da Revolução Industrial constituía uma ação justificável e na Grã-Bretanha, devido
ao pioneirismo e importância nas atividades industriais e as conseqüências mundiais em
diferentes épocas e fases da industrialização, assim como pelos riscos sempre crescentes de
destruição dos bens. Ainda nesta década, um avanço sobre estas questões foi percebido na
Inglaterra, quando fatores como o desenvolvimento urbano e modernização das indústrias
começaram a levar à destruição exemplares diversos do patrimônio industrial. Estas razões,
associadas à qualidade e quantidade do patrimônio em questão que começava a
desaparecer, motivavam muitas empresas a, de forma espontânea, iniciar a organização e
preservação de seus arquivos e bens. Este momento propiciou o surgimento das primeiras
literaturas sobre o assunto como o livro “Industrial Archaeology - A New Introduction”, de
1963, de Kenneth Hudson (1916-1999), também responsável pela revista “The Journal of
Industrial Archaeology”, posteriormente renomeada “Industrial Archaeology Review. A
expansão deste movimento fomentou o surgimento de publicações e manifestações a este
respeito (KÜHL, 1998).
Em diversos países a preocupação com o tema começou a ocorrer nos anos
seguintes. Na Alemanha, por exemplo, as primeiras iniciativas começaram a partir da
década de 1960, nos meios universitários e institucionais. Nos Estados Unidos, a partir de
1965190. A Suécia passou a ocupar posição de destaque no que se refere aos estudos
relacionados à preservação dos bens industriais desde a década de 1970, quando diversos
países passaram a se interessar pelo assunto, como a Bélgica, que recenseou seu patrimônio
industrial a partir de 1975 e a Itália que vem desenvolvendo rigorosas pesquisas sobre o
patrimônio industrial desde a década de 1970 (KÜHL, 2008).
Foi a partir de 1960 que, na Inglaterra, observou-se o início do interesse público
pelos edifícios industriais, não só por questões históricas como também por questões
189
“(...) qualquer edificação ou outra estrutura permanente – especialmente do período da Revolução Industrial –
que sozinha ou associada à maquinaria ou equipamento, ilustra ou é significativamente associada ao começo e
evolução de processos industriais e técnicos. Isso pode referir-se tanto à produção quanto aos meios de
comunicação” (KÜHL, 1998, p. 222).
190
Os Estados Unidos iniciaram, desde 1965, diversos estudos de campo a partir do trabalho conjunto entre o
Smithsonian Institution, Historic American Building Survey e o American Institute of Architect que em 1969 se
uniram à American Society of Civil Engineers objetivando recensear todos os sítios industriais americanos
(KÜHL, 1998).
262
191
Duas manifestações marcaram o fato: a iniciativa de várias organizações e sociedades em tentar, em vão,
salvar a Estação Euston, em Londres, da demolição e a demolição do Coal Exchange Building para alargamento
de uma avenida, ambos os casos iniciados em 1962. As manifestações, entretanto, tiveram êxito com o caso da
ponte de Telford, sobre o Conway, no país de Gales (KÜHL, 1998).
192
Donald Dudley – professor da Universidade de Birmingham, Inglaterra.
193
Michael Rix. Professor de arqueologia medieval e romana da University de Birmingham.
194
“Arqueologia industrial é a descoberta, registro e estudo dos resíduos físicos de indústria e meios de
comunicação do passado” (KÜHL, 1998, p. 223).
195
Angus Buchanan, professor britânico de história da tecnologia.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 263
196
Arthur Raistrick. Estudioso da geologia, 1896-1991.
197
Neil Cossons. Estudioso da geografia histórica.
264
198
Jean Yves Andrieux. Professor de história da arte contemporânea e arquitetura na Universidade de Rennes.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 265
199
Entre as reuniões científicas ocorridas recentemente, podemos dar destaque aquelas organizadas pelo
Movimento de Preservação Ferroviária, I Encontro Latino-Americano/V Seminário Nacional de Preservação e
Revitalização Ferroviária, realizado na UNIMEP, em Piracicaba em 2001; o Encontro “Território, Patrimônio e
Memória”, em Santa Maria, RS em 2001, organizado pelo ICOMOS/RS e pela Universidade Federal de Santa
Maria; o “VIII Encontro de Teoria e História da Arquitetura do Rio Grande do Sul: Arquitetura Industrial”,
promovido pela Faculdade de Arquitetura e Engenharia de Passo Fundo em 2003; I Encontro de Patrimônio
Industrial, organizado pelo IFICH-UNICAMP em Campinas em 2004, quando foi instituído o Comitê Brasileiro
do TICCIH - The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (KÜHL, 2008). Foram
realizados também o II Encontro de Patrimônio Industrial, realizado nas Faculdades Belas Artes, em São Paulo,
em 2009 e o Segundo Seminário do Patrimônio Agroindustrial, em São Carlos, em 2010.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 267
200
O arquivo público e o centro cultural de Caieiras poderiam ser fortes aliados à divulgação e disponibilização
do inventário das instalações fabris da Companhia e desta forma, as intervenções feitas no entorno dos edifícios
históricos só seriam possíveis após estudo profundo do inventário e assim, propostas de intervenção produziriam
resultados embasados no conhecimento amplo das instalações.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 269
201
É interessante destacar que em 1984, a Secretaria de Estados dos Negócios Metropolitanos – SNM, a Empresa
Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A – Emplasa e a Secretaria Municipal de Planejamento –
Sempla lançaram uma importante publicação intitulada Bens Culturais Arquitetônicos no Município e na Região
Metropolitana de São Paulo, que tinha por objetivo “localizar, organizar e divulgar os bens culturais de
reconhecido valor para a formação histórico-cultural, rural e urbana da Região Metropolitana de São Paulo”
(Secretaria de Estados dos Negócios Metropolitanos et al, 1984, p. 9). Na referida obra foram selecionados os
exemplares tombados pela União e pelo Estado, assim como os de reconhecido valor para a Região Metropolitana
e para o município de São Paulo, resultantes de uma listagem empreendida pela Emplasa/SNM e Sempla. Os bens
foram classificados em função do significado histórico que assumiam na formação urbana e regional paulista.
Desta forma, os fornos permeiam esta lista como bens de interesse de reconhecido valor da arquitetura industrial.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 271
Esta definição lançou um olhar diferente aos bens que o município elegeu como
Patrimônio Histórico e Cultural, incluindo as casas, fábrica e a estação como itens de
importância histórica e cultural ainda não observados nas definições das leis anteriores.
O processo aberto em 1994 teve seqüência de análise pelo Condephaat. Embora não
tenha sido possível obter as vistas deste processo pelo órgão estadual, pudemos, pelo
arquivo municipal, acompanhar as recentes solicitações do Condephaat à Prefeitura. De
acordo com o oficio 102/09, emitido em janeiro de 2009, inúmeras solicitações foram
feitas à Prefeitura para a complementação de documentação mínima a ser anexada ao
pedido de tombamento, com finalidade de fornecer informações para instruir uma possível
abertura de processo de tombamento dos referidos bens. Segundo o ofício não houve por
parte dos interessados, até o momento da emissão daquele ofício, resposta às solicitações.
Conforme publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo, de setembro de
1992, os pedidos de tombamento devem ser compostos por documentação complementar
quanto ao ano de construção, seu construtor, planta do imóvel, ocupação em relação ao
terreno e localização na área envoltória de 300metros, documentação histórica sobre o
bem, na qual deverá constar seu valor em relação ao desenvolvimento sócio-econômico-
cultural do município ou estado, informações sobre o estado de conservação do bem, atual
utilização e documentação de propriedade.
Em resposta ao pedido de complementação, fotos e alguns dados foram
acrescentados à documentação:
202
A Corporação Musical Fábrica de Papel foi criada em 1921, com a participação dos funcionários da
Companhia Melhoramentos. Em 1959, após a emancipação da cidade, formou-se a Corporação Musical
Melhoramentos Caieiras que atuou até 1999, quando foi reestruturada passando a Orquestra de Sopros
Melhoramentos Caieiras. Em 2004, novamente alterada passou a chamar-se Orquestra Filarmônica
Melhoramentos Caieiras. (Fonte: www.regionalnews.com.br, acessado em 29/07/2009).
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 273
203
Consulta a ata da terceira reunião da comissão de desenvolvimento dos estudos de concepção e elaboração do
termo de referência do projeto básico do eco-parque linear de Caieiras, realizada em 25 de junho de 2009.
274
implantação de ciclovias e vias para caminhadas, além da utilização dos edifícios aos quais
se refere o artigo 41 da Lei 4160/08. Em uma etapa preliminar, as áreas foram
classificadas, nesta proposta, em núcleos:
- núcleo 1 – núcleo histórico. Pretende abranger os edifícios protegidos pelas UP´s,
(inclusive o da atual Estação Ferroviária que poderá não mais ser utilizada passando a
funcionar como museu da cidade) e propor a utilização cultural dos galpões como áreas
para exposições e a construção do teatro de dança;
- núcleo 2 – núcleo de eventos. Pretende abranger as edificações do M.A.C. –
Melhoramentos Atlético Clube204 - e criar o teatro da cidade, o espaço cívico e unidades
administrativas;
- núcleo 3 – núcleo esportivo. Pretende abranger o existente e ainda pouquíssimo utilizado
velódromo, e propor a construção do conjunto aquático.
A proposta prevê a integração total do parque e dos transportes públicos com
incentivo à utilização das futuras ciclovias e pistas de caminhadas, em substituição ao atual
e perigoso hábito de “ganhar tempo” diminuindo as distâncias com os percursos a pé pela
linha ferroviária. Pretende-se, ainda, implantar uma linha de teleférico que sairia do parque
em direção ao mirante da cidade.
O Parque Linear do Rio Juqueri estaria em uma consonância entre os interesses da
CPTM, que ultimamente tem investido no turismo ferroviário, além de representar uma
possibilidade em potencial de área para compensação ambiental205, e suprir a carência na
região de soluções que envolvam transporte, lazer e cultura.
Arantes (1987) alerta que é necessário “aprofundar o conhecimento do processo de
reelaboração (ou apropriação simbólica) que se dá no plano sociológico” ao se pensar na
complexidade do processo chamado “de preservação”. Para o autor, os bens, através de
acréscimos de significados e transformações simbólicas, “são como que recriados
culturalmente pela preservação, passando a carregar consigo inclusive as marcas do
204
O conturbado histórico sobre a propriedade do M.A.C envolveu a disputa entre a Prefeitura e o Sindicato dos
Servidores Municipais. O galpão foi dado em pagamento pela Companhia Melhoramentos para a Prefeitura por
conta de débitos tributários. O prefeito Névio Dártora cedeu o galpão para o Sindicato dos Servidores Municipais,
a princípio para atividades de lazer dos funcionários. O Sindicato optou por locar o edifício para uma empresa do
ramo de eventos. O novo prefeito Roberto Hamamoto, na primeira sessão extradiordinária do ano, enviou um
projeto de lei para a Câmara tomando a propriedade de volta para o Município. O projeto foi aprovado e
transformado em lei, causando descontentamento e revolta do Sindicato. Em meio a este processo, levantou-se a
discussão da propriedade da Melhoramentos sobre este galpão, que a princípio, não possui o registro no Cartório
de Imóveis e portanto não poderia apresentá-lo como pagamentos de impostos.
205
Programa de compensação ambiental decorrente das obras de modernização das linhas ferroviárias. O
programa atende aos Termos de Compromisso Ambiental firmados com o Departamento Estadual de Proteção de
Recursos Naturais – DEPRN – da Secretaria do Estado do Meio Ambiente (www.cptm.sp.gov.br, publicado em
08/04/2008).
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 275
206
As edificações que compõem um agrupamento de três residências enfileiradas, inseridas, recentemente, no
bairro de Nova Caieiras, são exemplos dessas indefinições. Os atuais proprietários dessas residências são
sucessores da Melhoramentos, as casas são exemplares do ano de 1904, e estão entre as mais antigas do núcleo.
As características destas casas foram descritas no capítulo 3 – Arquitetura e Habitação.
207
Resposta à autorização de consulta ao acervo da Companhia Melhoramentos, para subsidiar esta pesquisa,
negada pelo setor de Patrimônio da empresa. Data: 19/05/2009.
276
Caieiras possui, hoje, uma considerável quantidade de terras que, como vimos, tem
se tornado alvo constante das atenções dos interesses imobiliários. Com a fragmentação do
patrimônio da Cia. Melhoramentos que vem ocorrendo de forma mais evidente desde a
década de 1980, quando o processo de desmonte do núcleo fabril constituído pela Cia. foi
intensificado, alterações significativas na paisagem da cidade começaram a ocorrer208.
A transferência de praticamente a totalidade das moradias dos funcionários para
fora do núcleo, as novas atividades da Cia. voltadas para o ramo imobiliário, o crescimento
dos parques industriais e a ampliação e modificação do sistema viário alteraram a
configuração espacial de Caieiras.
209
A “Cidade dos Pinheirais” , que foram substituídos pelos reflorestamentos de
eucaliptos, mais recentemente está sendo ocupada por novos loteamentos residenciais e
industriais, que se alastram por todo o seu território. Esta situação não é um fenômeno
pontual de Caieiras e nem raro nas cidades que possuem grandes áreas industriais. São
Paulo, por exemplo, tem hoje grandes áreas que embora testemunhos referentes ao início
da industrialização paulistana, estão em avançado estado de degradação. Basta, hoje, fazer
o percurso ferroviário da estação de Caieiras até a estação da Luz, em São Paulo – e se
quisermos ampliar este panorama, seguir da Luz para Rio Grande da Serra – para constatar
esta observação. Ao partirmos da Estação de Caieiras em direção à Estação da Luz, vão
surgindo, em seqüência, áreas com certa semelhança em seu estado de abandono, processo
de deterioração, risco ou demolição completa de edifícios: o desaparecimento das vilas
operárias da Companhia. Melhoramentos; a ocupação precária do palecete da família Dias
da fábrica de pólvora, em Perus; a fábrica de Cimento Portland Perus, abandonada e
sombria; as torres solitárias remanescentes das indústrias Matarazzo; os galpões industriais
da Barra Funda ocupados de forma precária por pessoas em situação de risco, entre outros
exemplares não menos importantes.
Os “vazios” constituídos originalmente nestas áreas industriais eram áreas livres
necessárias à produtividade, ao fluxo de operários e a confluência de todas as ações nos
espaços da fábrica que se unificavam por um objetivo comum. A ocupação industrial das
cidades imprimiu alterações na construção do desenho urbano. As novidades relacionadas
às atividades produtivas formavam, junto com as alterações de desenho, um complexo
208
No final do ano de 2007, a notícia publicada pelo jornal O Globo anunciava a venda de 5,2 milhões de metros
quadrados das terras da Companhia Melhoramentos, localizada no município de Caieiras - SP, para a Construtora
Camargo Correia (Camargo Correia compra terreno para desenvolver empreendimento imobiliário de até 3
bilhões. Publicado em 21/12/2007 no site www.globo.com).
209
Caieiras é conhecida por Cidade dos Pinheirais devido à grande quantidade de Pinheiros que já teve em suas
terras.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 277
fenômeno que envolvia alterações do espaço físico e das relações sociais. No caso da sorte
dos modelos fabris implantados durante o período que finaliza o século XIX e o início do
XX nas cidades brasileiras, os fatores como produção em série, necessidade de grande
número de trabalhadores, fixação de operários por meio das casas, participação social
intensa do operário no meio oferecido pela fábrica determinaram uma transformação da
sociedade por meio de novos valores que evidenciavam a separação entre o “espaço do
trabalho/cidade industrial” e o “espaço real/cidade comercial-residencial”. Esta condição
pode ser determinada por barreiras físicas como os rios ou as ferrovias que delimitavam, de
certo modo, a divisão social entre patrões e operários (RUFINONI, 2004).
Em Caieiras, esta barreira física muitas vezes constituída pelas ferrovias e rios, não
delimitou uma segregação social, como observado, por exemplo, na cidade de São Paulo.
Caieiras se expandiu emergindo da classe operária, que passara a desenvolver, como
anteriormente visto, as áreas em ascensão fora da empresa, seja por meio de investimento
dos recursos próprios, aproveitando as oportunidades de financiamentos oferecidas pela
Cia. a preços bastante atraentes à classe operária ou recebendo os terrenos em forma de
indenização trabalhista (DONATO, 1990). Desta forma, constitui-se em Caieiras, uma
segregação intangível entre os bairros formados fora da Companhia. Esta segregação não
ocorreu entre operários e patrões, mas sim entre as famílias “tradicionais” de Caieiras210,
que em maior número se fixaram nos bairros mais próximos da Companhia, levando para
fora do núcleo muito dos hábitos adquiridos nas vilas operárias, entre eles a própria
concepção de moradia, enquanto os novos bairros, formados em áreas mais distantes
atraíram, em grande parte, migrantes das cidades vizinhas. Este vínculo entre as famílias
“tradicionais” existe, ainda hoje, de forma bastante viva e fortalecida, mesmo após trinta
anos da intensificação do desmonte das vilas do núcleo, e forma uma rede social
diferenciada. O aspecto afetivo das famílias dos trabalhadores em relação aos espaços
constituídos dentro da Cia. revela a identidade que se estabeleceu entre estas famílias e os
espaços concebidos nas instalações fabris e transparece o peso do “sentimento de perda”
produzido pelas demolições. Como dissera Cossons (1978) muito da preocupação com a
destruição dos monumentos, pode estar embasada neste “sentimento de perda” que uma
nova economia poderia instaurar ao destruir o existente para se construir algo novo.
Entretanto, a manifestação coletiva em defesa do patrimônio cultural e histórico de
uma cidade, demonstrando a insatisfação popular em relação às demolições,
210
Nomeamos “tradicionais” as famílias que trabalharam ou descendem de trabalhadores da Companhia
Melhoramentos.
278
principalmente vinda das comunidades que mantêm vínculos com este patrimônio, é bem
vinda e importante para resultados mais eficazes. Esta força coletiva representaria a
tradução dos lamentos e da nostalgia em ações práticas contra o desaparecimento dos bens.
A inspiração para estas ações pode surgir de exemplos como aqueles vistos nos
trabalhadores da Ciment Portland Perus, até hoje conhecidos por “queixadas”, devido à sua
união e força coletiva utilizadas em suas reivindicações e nos moradores do bairro da Lapa,
em São Paulo, que em manifestação para chamar a atenção das autoridades sobre o
tombamento municipal apenas parcial do prédio da filial da Cia. Melhoramentos, que teve
sua construção iniciada neste bairro na década de 1920, se uniram em um ato simbólico
para um “abraço a Melhoramentos”, reivindicando o tombamento integral dos galpões.
A dinâmica urbana, aliada aos interesses da Companhia e dos poderes públicos,
delineou durante décadas o destino dos edifícios considerados patrimônio histórico e
cultural de Caieiras. Exemplo mais recente de uma intervenção de grande porte pode ser
constatado nas obras do viaduto para transposição da ferrovia. As obras do viaduto que
começam a se elevar sobre a linha férrea, embora não tenham destruído nenhum dos
edifícios considerados patrimônio cultural de Caieiras, provocam uma brutal alteração
espacial entre os componentes da estação ferroviária e do seu entorno, incluindo os
edifícios do armazém e o grupo escolar da Companhia. O viaduto tem como objetivo
aliviar o trânsito que se forma próximo à passagem de nível, principalmente nos horários
de pico. A necessidade de resolver o problema do congestionamento demanda ações que
considerassem que as intervenções nas proximidades dos edifícios históricos devam ser as
mínimas e menos agressivas possíveis. Estes edifícios representam para Caieiras o que a
Estação da Luz, por exemplo, representa para São Paulo. São referenciais para cidade,
testemunhos da industrialização pioneira de Caieiras. A estação ferroviária, além de seu
valor histórico e artístico tem ainda um papel atual fundamental para a população que se
utiliza diariamente dos trens urbanos como a forma mais rápida e econômica de chegar a
São Paulo.
O momento é oportuno, em Caieiras, para uma profunda reflexão acerca da
reutilização dos edifícios remanescentes da industrialização. Como colocado por Cossons
(1978) estas grandes áreas têm potencial para adaptar-se a novos usos comerciais ou
culturais. Como vimos, vários edifícios remanescentes da industrialização poderão ser
elementos adaptados para o projeto do Parque Ecológico de Caieiras – o Ecoparque.
Assim, é importante considerar de que forma serão feitas estas adaptações, que deverão
considerar as questões históricas, artísticas, estético-formais e sociais.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 279
As propostas e alertas sobre riscos aos quais estaria exposto o patrimônio artístico
austríaco, escritas por Max Dvořák211, há quase cem anos, no “Catecismo da Preservação
dos Monumentos”, são bastante pertinentes se aplicadas às práticas intervencionistas atuais
em várias cidades brasileiras. O autor alerta sobre a origem dos perigos que ameaçam o
patrimônio, que estaria fundamentada na ignorância e negligência; na cobiça e na fraude;
nos equívocos em relação ao desenvolvimento e progresso da atualidade; na busca
desenfreada pelo embelezamento e renovação das cidades e em uma precária educação
estética. Além disto, o autor faz ressalvas e aconselhamentos para alguns casos específicos,
entre eles, para as cidades rurais e para as urbanas. Estes aconselhamentos, com adaptações
e filtros para cada caso poderiam nortear com maior embasamento as intervenções em
pequenas e médias cidades brasileiras. Entre estes conselhos para as cidades rurais,
destacamos o alerta de que estas cidades não devem imitar as grandes cidades e que a
importância do tráfego não deve ser sobreposta à das antigas construções. Para as grandes
cidades, o autor adverte para que as intervenções não se realizem ao acaso, submetidas
apenas a interesses materiais, critérios arbitrários de escritórios de construção ou órgãos
administrativos, devendo-se ter conhecimento profundo de todas as exigências, não apenas
práticas, mas também estéticas, da arquitetura urbana, dos direitos e exigências da
preservação de monumentos.
211
Max Dvořák (1874-1921). Historiador da arte ligado à Escola de Viena (DVOŘÁK, 2008)
280
Considerações finais
282
Considerações Finais 283
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou entender a formação espacial do núcleo fabril constituído pela
Companhia Melhoramentos, em Caieiras (SP), através dos princípios utilizados para
implantação das vilas residenciais formadoras deste assentamento operário e daqueles que
influenciaram no seu desmonte. A partir desta premissa, resgatamos a trajetória
administrativa da Companhia Melhoramentos que norteou a expansão e desenvolvimento,
inicialmente, do núcleo fabril originado em suas dependências e, posteriormente, da
própria cidade de Caieiras.
As razões que levaram à constituição deste núcleo fabril fundamentaram-se,
primeiramente, na configuração geográfica da região do rio Juqueri. Afastada dos centros
urbanos, condição que costumava depreciar o valor das terras, acessível por via férrea e
rica em matas e recursos hídricos, propícios para o funcionamento das atividades
industriais, a área onde se constituiu a Fazenda Industrial Cayeiras oferecia situação
favorável à implantação de empreendimentos de grandes vultos. No caso de Caieiras,
podemos dizer que a escolha da área para início do assentamento operário contou ainda
com a qualidade da água do manancial localizado na região indicada para o abastecimento
de São Paulo, que levou Rodovalho e sócios a consolidaram a Companhia Cantareira de
Esgotos, fato que provavelmente influenciou na escolha das terras onde, mais tarde, o
empreendedor iniciaria a produção da cal, cerâmica e papéis.
Assim, a ausência de uma estrutura urbana preexistente nas proximidades das
unidades fabris e a necessidade de atrair mão-de-obra para o local, alavancou a
urbanização das áreas envoltórias às fábricas. A oferta de uma infraestrutura mínima que
garantisse o suprimento das necessidades básicas do trabalhador garantiria ao industrial a
fixação do proletariado no local. Entretanto, a estrutura montada em Caieiras mostrou-se
complexa e grandiosa desde as primeiras décadas do século XX, oferecendo ao contingente
operário muito mais do que moradias.
Podemos dizer, que por um lado, a suntuosa estrutura disposta no núcleo fabril era
gerida e controlada pela Companhia de forma quase que absoluta, pois, imbuídos nos
padrões da época que buscavam moldar o comportamento do trabalhador de acordo com as
necessidades industriais, ofertavam às famílias operárias escolas, diversões, assistência
médica e abastecimento. Assim, na medida em que utilizava estes equipamentos como
instrumentos favoráveis à garantia da ordem e disciplina dentro do núcleo, ações
284
Referências
288
Referências 289
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APÊNDICES
302
Apêndices 303
ANEXOS
306
Anexos 307
Legenda: Demarcação da Gleba Melhoramentos no município de Caieiras. Demarcação aproximada da área vendida para a construtora Camargo Correia (feita por nós). Notar
que as áreas não pertencentes à Companhia que estão inseridas na Gleba são áreas vendidas para outras empresas como exemplo, a Fábrica de Papel (do lado esquerdo da linha
férrea), que foi recentemente vendida para um Grupo Chileno Fonte: Apresentação feita por Jorge Wilheim, em Caieiras, sobre as possibilidades de ocupação das Glebas
Melhoramentos, incluindo demarcação da Gleba Melhoramentos e demais áreas do município. (2011)
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