Historia de Caieiras Vanice - Jeronymo

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

VANICE JERONYMO

Caieiras: núcleo fabril e preservação

São Carlos
2011
VANICE JERONYMO

Caieiras: núcleo fabril e preservação

Dissertação de mestrado apresentada ao


Instituto de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo para obtenção
do título de Mestre em Arquitetura.

Área de Concentração: Teoria e História


da Arquitetura e do Urbanismo

Orientador: Profª. Dra. Telma de Barros Correia

São Carlos
2011
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Ficha catalográfica preparada pela Seção de Tratamento


da Informação do Serviço de Biblioteca – EESC/USP

Jeronymo, Vanice.
J56c Caieiras: núcleo fabril e preservação. / Vanice
Jeronymo ; orientadora Telma de Barros Correia. São
Carlos, 2011.

Dissertação – Mestrado (Arquitetura com Área de


Concentração em Teoria e História da Arquitetura e do
urbanismo)-- Instituto de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo, 2011.

1. Núcleo fabril. 2. Habitação operária. 3. Desmonte.


4. Patrimônio industrial. I. Título.
Para Danillo e Nathália.
AGRADECIMENTOS

Toda pesquisa aqui desenvolvida não seria possível sem o auxílio de tantos que
comigo partilharam deste processo. Começo com a Profª. Drª. Telma de Barros Correia,
orientadora deste trabalho, a quem devo agradecer por toda a atenção dedicada, pelo exemplo,
paciência e por todas as oportunidades proporcionadas.

À FAPESP pelo auxílio financeiro, imprescindível para a dedicação a esta pesquisa.

Às professoras membros da banca examinadora Profª. Drª. Maria Angela Bortolucci e


Profª. Drª Ivone Salgado pela leitura minuciosa e valiosas sugestões que engrandeceram e
enriqueceram o trabalho.

A todos os funcionários da EESC-USP, em especial do IAU-USP e Biblioteca e aos


funcionários do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Agradeço aos amigos pelo companheirismo, sugestões e incentivo constante, em


especial Bonfilio Alves Ferreira, Carolina Dal Ben Pádua, Cristiane Souza Gonçalves,
Cristina Pegurer, Diego Ferretto, Iolanda Silva, João Tonucci, Priscila Miura, Tarsila
Miyasato, Thais Cruz, Rodrigo Sartori Jabur, Sidnei da Silva, Suzi Francielli, Vandercy
Soares de Lacerda e Wellington Ramalhoso.

À Iná Rosa, companheira nas “causas juquerienses”.

A todos os ex-moradores das vilas do núcleo fabril da Companhia Melhoramentos e


seus descendentes que abriram suas portas inúmeras vezes para colaborar com a pesquisa, em
especial, Antonio Eusébio, Bonno van Bellen, Chico Trem, Cleide de Azevedo Minkevicius,
Francisca Doratiotto, Geraldino Ferreira de Almeida, Joel Csernik, Paulo Polkorny, Regina e
Ana Paula Gimenez, Rosa Menegatti de Azevedo, Sirlei Bertolini Soares e Zeferino Prando.

Agradeço especialmente à família de Izidro e Vanda Gabrielli, que não mediu esforços
para colaborar com o trabalho de identificação das vilas.

À família Martinho, em especial Rosi e Rosana, por tudo que fizeram desde que
cheguei a Caieiras.

Ao Dr. Accácio de Jesus por me receber sempre que solicitado.

A toda minha família pelo apoio e proteção.

E encerrando, agradeço a Marcelo Augusti pelos debates filosóficos, compreensão,


carinho e confiança.
Vendo aquelas casas, aquelas igrejas, de surpresa em surpresa, a gente
como que se encontra, fica contente, feliz, e se lembra de coisas esquecidas,
de coisas que a gente nunca soube, mas que estavam dentro de nós [...]
Lucio Costa
RESUMO

JERONYMO, V. Caieiras: núcleo fabril e preservação. 2011. Dissertação de Mestrado –


Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

Esta dissertação trata da formação do núcleo fabril constituído pela Companhia


Melhoramentos de São Paulo na cidade de Caieiras (SP). Constituíram-se como objetos de
pesquisa as edificações erigidas durante o período de crescimento do núcleo, o cotidiano dos
trabalhadores e a formação populacional, o processo de desmonte do núcleo e as iniciativas
voltadas para preservação dos edifícios remanescentes. Analisa a arquitetura dos edifícios
domésticos e coletivos, tais como as moradias operárias e de chefias, as igrejas, os clubes, o
cinema, os armazéns, as escolas, a estação ferroviária e os edifícios ligados ao trabalho e à
produção industrial. Nesta análise foi observada a predominância da arquitetura eclética
revestida de elementos da linguagem clássica. O objetivo principal desta dissertação é a análise
da formação espacial do núcleo fabril e a reflexão acerca de medidas favoráveis à preservação
dos edifícios remanescentes no contexto atual onde o patrimônio da Companhia
Melhoramentos está inserido no processo de fragmentação e valorização imobiliária. Observa
a necessidade do aprofundamento das questões relacionadas à prática e à implantação de
políticas de preservação do patrimônio, em Caieiras, ressaltando as fragilidades da atual
legislação municipal que versa sobre a necessidade de proteger o patrimônio cultural da
cidade. A elaboração da pesquisa foi baseada em pesquisa bibliográfica sobre o tema
abordado, na sistematização do material obtido através da pesquisa em arquivos históricos, nos
levantamentos métricos, iconográficos e nas entrevistas feitas com antigos moradores e
trabalhadores do núcleo fabril de Caieiras.

Palavras-chave: Núcleo fabril. Habitação operária. Desmonte. Patrimônio industrial.


ABSTRACT

JERONYMO, V. Caieiras: industrial nucleus and preservation. 2011. Dissertação de Mestrado


– Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

This dissertation deals with the formation of core manufacturing improvements made by the
Company in Caieiras (SP). Established themselves as research subjects the buildings erected
during the growth period of the nucleus, the daily training of workers and population, the
process of dismantling the core and initiatives aimed at preserving the remaining buildings.
Analyzes the architecture of buildings and collective household such as housing for workers
and managers, churches, clubs, cinema, stores, schools, railway station buildings and work-
related and industrial production. In this analysis we observed the predominance of the
eclectic architecture of coated elements of classical language. The main objective of this
dissertation is to examine the spatial formation of the core manufacturing and thinking about
measures for the conservation of buildings remaining in the current context where the assets
of the company rather is embedded in the process of fragmentation and real estate
appreciation. Notes the need for further discussion on issues related to the practice and
implementation of policies for heritage preservation in Caieiras, highlighting the weaknesses
of the current municipal legislation which deals with the need to protect the cultural heritage
of the city. The completion of this study was based on literature about the topic, the
systematization of the material obtained through research in historical archives, in metric
surveys, and the iconographic interviews with former residents and workers in the industrial
core of Caieiras.

Keywords: Industiral Nucleus. Housing workers. Dismount. Industrial heritage.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Organização das vilas em Caieiras até meados do século XX .................................. 74


Tabela 2 Quadro comparativo de dados entre os anos 1920, 1925, 1935, 1940, 1958 ............ 75
Tabela 3 Crescimento populacional de Juquery e Parnahyba, período de 1874 a 1920........... 96
Tabela 4 Percentual do crescimento populacional de Juquery e Parnahyba, período 1874 a
1920. ......................................................................................................................................... 96
Tabela 5 Quadro resumo: crescimento de Caieiras. ................................................................. 98
Tabela 6 Estrangeiros em Juquery e Parnahyba entre os anos de 1874 e 1920. ..................... 101
Tabela 7 Relação das primeiras trabalhadoras contratadas pela Companhia ......................... 124
Tabela 8 Valores para utilização das casas ............................................................................. 194
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Mapa da região metropolitana de São Paulo .............................................................. 39 


Figura 2 Propaganda Publicitária da Casa Rodovalho publicada na Revista Moderna –
Anno I Nº 3 ............................................................................................................................... 44 
Figura 3 As casas de colonos no bairro da Cerâmica ............................................................... 64 
Figura 4 Demonstrativo do crescimento da produção do papel, 1950 ..................................... 67 
Figura 5 O bairro da fábrica, 1888-1889 .................................................................................. 69 
Figura 6 O bairro da fábrica por volta de 1900. Nota-se à direita, o enfileiramento das casas 69 
Figura 7 O bairro da fábrica, 1920. .......................................................................................... 70 
Figura 8 O bairro da fábrica, 1926 ........................................................................................... 70 
Figura 9 Organograma do serviço social de Caieiras – SESCA............................................... 76 
Figura 10 Recreação das famílias de gerentes e chefes na chamada piscina, década de 1950. 78 
Figura 11 Procissão e coreto em frente à Igreja Nª Sª do Rosário............................................ 79 
Figura 12 O “auto-trem”, veículo adaptado para a linha férrea interna, década de 1920......... 80 
Figura 13 Passeio pela Rua dos Coqueiros em carros adaptados, década de 1920 .................. 80 
Figura 14 Sistema de estradas dentro da Companhia Melhoramentos, década de 1930 .......... 81 
Figura 15 Vista de Cresciúma em 1965. Ao alto a Igreja de Santo Antonio. Próxima à seta
preta a casa do Dr. Armando Pinto. Abaixo da ferrovia, próximas à seta rosa, algumas
casas da Companhia Melhoramentos ....................................................................................... 86 
Figura 16 Arruamento nas proximidades da Igreja de Santo Antonio. A seta branca indica a
localização da Praça onde está localizada a Igreja de Santo Antonio. ..................................... 87 
Figura 17 Casa do Dr. Armando Pinto ..................................................................................... 88 
Figura 18 Casa do Dr. Armando Pinto, 1970, inauguração do primeiro hospital. ................... 88 
Figura 19 Hospital após reforma .............................................................................................. 88 
Figura 20 Casa de Luis Lopes Lansac, ..................................................................................... 88 
Figura 21 Vista geral de Caieiras durante a década de 1930. Azul: vista das vilas dentro do
núcleo. Rosa: oficinas da Companhia e estação de trem. Amarelo: primeiras ocupações
fora do núcleo, no Cresciúma. .................................................................................................. 89 
Figura 22 Padre José e outros moradores durante as obras de infraestrutura nas áreas
externas à fábrica ...................................................................................................................... 92 
Figura 23 Das 20 casas sorteadas esta é a que mais se aproxima das características
originais .................................................................................................................................... 92 
Figura 24 Modelo de casa do Jardim Santo Antonio. .............................................................. 93 
Figura 25 Fachada de casa do Jardim Santo Antonio .............................................................. 93 
Figura 26 Em vermelho, casas remanescentes no bairro de Nova Caieiras. Em lilás, Nova
Caieiras. Em amarelo: Companhia Melhoramentos. Em azul: Estação ferroviária ................. 93 
Figura 27 Demolição das arquibancadas do Clube CRM ........................................................ 94 
Figura 28 Demolição do Clube CRM ...................................................................................... 94 
Figura 29 Demolição do CRM ................................................................................................. 94 
Figura 30 Demolição do conjunto de Nova Caieiras. .............................................................. 94 
Figura 31 Indicação da região Monjolinho, Olhos d’Água, Cristais e Califórnia. ................ 104 
Figura 32 Entre os trabalhadores da Companhia Melhoramentos, funcionários da gerência,
entre eles o gerente Elhert, em pé, à direita .......................................................................... 117 
Figura 33 Floresta de eucaliptos ............................................................................................ 119 
Figura 34 Escolhedoras de papel na Companhia ................................................................... 124 
Figura 35 Separação de caroços de algodão .......................................................................... 125 
Figura 36 Processo de trabalho com o linter (fibras de casca de algodão), 1942-1943 ......... 125 
Figura 37 A fiscalização na plantação de eucalipto em vistoria. ........................................... 129 
Figura 38 O viveiro na Companhia Melhoramentos.............................................................. 129 
Figura 39 O preparo do terreno para plantar eucaliptos......................................................... 131 
Figura 40 O Horto Florestal da Companhia ........................................................................... 131 
Figura 41 O Bairro da Fábrica em Caieiras. No alto, à esquerda, a capela de São José ........ 137 
Figura 42 Entre outras celebridades, o Monsenhor José Cezar de Oliveira nos eventos
políticos e festivos de Caieiras ............................................................................................... 140 
Figura 43 Campanha política do Monsenhor entre os moradores da Companhia ................. 140 
Figura 44 Comemoração de carnaval em Caieiras................................................................. 146 
Figura 45 As fantasias de carnaval em Caieiras .................................................................... 146 
Figura 46 Comemoração do casamento de Johannes Ehlert, 1926, em Caieiras ................... 148 
Figura 47 Corporação Musical, (1940) .................................................................................. 148 
Figura 48 Procissão religiosa ................................................................................................. 149 
Figura 49 Festa de 7 de setembro em Caieiras....................................................................... 150 
Figura 50 Aniversário 75 anos da Companhia ....................................................................... 150 
Figura 51 Instalações da Cimento Porltland Perus ................................................................ 157 
Figura 52 Vila Triângulo da Cimento .................................................................................... 157 
Figura 53 Grupo escolar da Vila Água Fria, Cajamar ........................................................... 157 
Figura 54 Casas da Vila Água Fria, Cajamar......................................................................... 157 
Figura 55 Levantamento métrico do conjunto construído nas proximidades da estação de
trem, atual bairro de Nova Caieiras ........................................................................................ 167 
Figura 56 Fachada do conjunto próximo à estação ................................................................ 167 
Figura 57 Conjunto próximo à estação. À exceção da casa da esquerda, todas foram
demolidas em 2010 ................................................................................................................. 168 
Figura 58 Casas amarelas geminadas (já demolidas) na Rua dos Coqueiros nas
proximidades da Igreja do Rosário ......................................................................................... 169 
Figura 59 Data da empena conjunto Nova Caieiras .............................................................. 170 
Figura 60 Detalhe da taipa de mão nas casas do conjunto próximo à estação, no bairro de
Nova Caieiras ......................................................................................................................... 170 
Figura 61 Renques de casas, já demolidas, no bairro da fábrica ............................................ 170 
Figura 62 Em Caieiras, casas de porta e janela, demolidas .................................................... 170 
Figura 63 Renque de casas na Rua dos Coqueiros demolidas depois do ano de 2004........... 170 
Figura 64 Madeiramento do telhado nas casas do conjunto de Nova Caieiras ...................... 171 
Figura 65 Detalhe das vigas, ripas e forro de tábuas das casas do conjunto de Nova
Caieiras ................................................................................................................................... 171 
Figura 66 Casa construída em barro, telhado de sapê, bairro do Barreiro, 1940, demolida... 172 
Figura 67 Planta elaborada pela autora a partir de croqui feito por Antonio Eusébio. Casas
enfileiradas com três cômodos, Vila Foresto, construídos no final da década de 1940.
Grupo com 6 casas. Nota-se a diferenciação pelo alpendre das casas das extremidades.
Legenda: A=alpendre, S=sala, C=cozinha, D=dormitório, T=tanque, B=banheiro. Casas
em cinza apenas para facilitar a visualização das unidades.Casas demolidas ................... 173 
Figura 68 Planta elaborada pela autora a partir de croqui feito por Antonio Eusébio. Casas
enfileiradas com quatro cômodos, Vila Foresto, construídos no final da década de 1940.
Grupo com 6 casas. Nota-se a diferenciação pelo alpendre das casas das extremidades.
Legenda: A=alpendre, S=sala, C=cozinha, D=dormitório, T=tanque, B=banheiro. Casas
em cinza apenas para facilitar a visualização das unidades.Casas demolidas. .................. 173 
Figura 69 Ficha da casa E48 ou E49. Casa no bairro da Calcárea ocupada pela família de
Afonso Alves da Silva A correção do nome parece ser a atualização dos ocupantes. A
casa de pau-a-pique tinha dois quartos (ou 1 quarto e uma sala), 1 cozinha com fogão
simples, porta simples, soalho de tijolo em todos os ambientes. Janelas de escuro feitas
de tábuas ................................................................................................................................. 174 
Figura 70 Ficha da casa C232. Casa do bairro da Chic, pertencente à fábrica, ocupada pela
família de Matias Rodrigues Gil. A correção do nome parece ser a atualização dos
ocupantes. A casa de tijolo construída em 1938 tinha dois quartos com forro de
estuque, porta simples janela guilhotina e escuro feito em tábuas, soalho de cimento;
sala com as mesmas descrições do quarto; cozinha com fogão classificado como
econômico, forro de estuque e ripa, pia sem água, soalho cimentado; 1w.c. contendo 1
chuveiro, soalho cimentado, forro de estuque, bacia com tampa, caixa d’água; corredor
com soalho e forro de madeira; terraço com soalho e forro de estuque; porão com
soalho de tijolo e forro de madeira. ..................................................................................... 175 
Figura 71 Planta casa para operários geminadas duas-a-duas, construída em 1938 (atual
Rodovia Tancredo Neves) ...................................................................................................... 176 
Figura 72 Planta casa para operários geminadas duas-a-duas, construída no bairro do
Charco Fundo, feito a partir de croqui de Sirlei Bertolini Soares, filha de ex-moradores do
núcleo ..................................................................................................................................... 176 
Figura 73: Vista da casa para operários geminadas duas-a-duas, atual Rodovia Tancredo
Neves...................................................................................................................................... 177 
Figura 74 Casas geminadas construídas em 1933, na Vila Chic. Casas Existentes ............... 177 
Figura 75 Casas do Barreiro, construída em 1940. ................................................................ 177 
Figura 76 Casa construída na década de 1940 em grupo de quatro unidades. Extremidades
com casas maiores. Casas existentes...................................................................................... 177 
Figura 77 Planta de casas duas-a-duas elaborado pela autora a partir da publicação A Obra
Social da Companhia Melhoramentos – Transcrições do Sr. Luis Carlos Mancini, 1940.
Fachada elaborada à partir de levantamentos da autora ......................................................... 178 
Figura 78 A casa que tinha sido ocupada pelo coronel Rodovalho, década de 1920 ............ 180 
Figura 79 Vista da residência da família Bellen. À direita, ao fundo, vê-se o Pico do
Jaraguá ................................................................................................................................... 182 
Figura 80 Casa de ocupada por chefia no barro do Sobradinho. A casa ainda existe é hoje é
utilizada como centro de treinamento para os funcionários ................................................... 182 
Figura 81 Casa ocupada por chefia, demolida ....................................................................... 182 
Figura 82 Casa ocupada pela diretoria técnica....................................................................... 182 
Figura 83 No alto, à esquerda da chaminé, as já demolidas casas geminadas utilizadas pela
chefia com varandas no fundo, 1926 ..................................................................................... 183 
Figura 84 Casa de hóspedes, próxima à estacão. Foi moradia de médicos da Companhia e
ainda está preservada. ............................................................................................................ 183 
Figura 85 Casas geminadas existentes construídas em 1946 com “apartamentos para
solteiros” entre duas casas para famílias ................................................................................ 184 
Figura 86 Vestígios da casa ocupada pela família Eusébio: caixas d’ águas ......................... 186 
Figura 87 A família Zovaro no apiário montado na Companhia Melhoramentos, década de
1920 ........................................................................................................................................ 190 
Figura 88 Acomodação das caixas de abelhas para exportação ............................................. 191 
Figura 89 Os jardins floridos das casas da Companhia Melhoramentos. ............................... 192 
Figura 90 Parada da São Paulo Railway, em 1883 ................................................................. 196 
Figura 91 Primeira Estação Juquery. ...................................................................................... 196 
Figura 92 Projeto tipo para estações de 3ª classe ................................................................... 197 
Figura 93 Estação de Caieiras, 1922, tipo 3ª classe. Ao fundo, à esquerda, a passarela
metálica. À direita o casarão que alguns moradores de Caieiras afirmam ter sido a
residência de Bertha e Walther Weiszflog, demolida na década de 1960 .............................. 198 
Figura 94 Detalhe dos pináculos e lambrequins atuais .......................................................... 199 
Figura 95 Detalhe do Bebedouro ............................................................................................ 199 
Figura 96 Padrão de passarela utilizada para fazer a travessia da linha férrea ....................... 199 
Figura 97 Passarela metálica de Caieiras ............................................................................... 200 
Figura 98 Passarela metálica em Caieiras com duas escadas de acesso ................................. 200 
Figura 99 Passarela metálica projetada para o pátio das oficinas da Lapa, 1928. .................. 200 
Figura 100 Estação Ferroviária. Observa-se a ........................................................................ 201 
Figura 101 Estação Ferroviária. Nota-se o telhado ................................................................ 201 
Figura 102 Estação Ferroviária, por volta de 1950, durante a construção da subestação
elétrica. ................................................................................................................................... 202 
Figura 103 Estação Ferroviária por volta de 1980. Passarela com escada única na
plataforma sentido Jundiaí. ..................................................................................................... 202 
Figura 104 Consoles e capitéis das colunas de ferro fundido................................................. 202 
Figura 105 Estação Ferroviária de Caieiras, década de 1980 ................................................. 202 
Figura 106 Estação ferroviária. Ao fundo, as casas do Barreiro ............................................ 202 
Figura 107 Estação Ferroviária durante demolição ................................................................ 202 
Figura 108 Fachada do edifício administrativo do Hospital do.............................................. 205 
Figura 109 Vista dos fornos do Monjolinho, 1901................................................................. 207 
Figura 110 Forno projetado por Ramos de Azevedo.............................................................. 207 
Figura 111 Levantamento gráfico dos fornos de cal existentes no Monjolinho ..................... 209 
Figura 112 Vista lateral do forno de barranco ........................................................................ 210 
Figura 113 Forno de barranco apoiado na encosta, em Caieiras ............................................ 210 
Figura 114 Passarela de acesso para carregamento do Forno 6 ............................................. 211 
Figura 115 Vista do forno 1 ................................................................................................... 211 
Figura 116 Vista do Forno 2 .................................................................................................. 211 
Figura 117 Vista do Forno 6 .................................................................................................. 211 
Figura 118 Forno 1. Passarela para carregamento ................................................................. 212 
Figura 119 Forno 2. Passarela para carregamento ................................................................. 212 
Figura 120 Vista do Macalé ................................................................................................... 214 
Figura 121 Vista interna do Macalé. ...................................................................................... 214 
Figura 122 Detalhe dos tijolos. .............................................................................................. 214 
Figura 123 Detalhe da alvenaria do Macalé........................................................................... 214 
Figura 124 Porta em ferro fundido para acesso à remoção das cinzas .................................. 214 
Figura 125 Porta em ferro fundido para remoção da cal........................................................ 214 
Figura 126 Esquema da estrutura do assoalho ....................................................................... 214 
Figura 127 Pavimento térreo .................................................................................................. 214 
Figura 128 Arcos de abertura de acesso................................................................................. 215 
Figura 129 Vão de abertura para ventilação do 1º pavimento Fonte: JERONYMO (2006).. 215 
Figura 130 Peitoril da............................................................................................................. 215 
Figura 131 Escada de acesso .................................................................................................. 215 
Figura 132 Alçapão de limpeza; ............................................................................................ 216 
Figura 133 Portas circulares em ferro fundido....................................................................... 216 
Figura 134 Detalhe da porta circular...................................................................................... 216 
Figura 135 Alterações nos vãos das portas. ........................................................................... 216 
Figura 136 Travamento da estrutura ...................................................................................... 216 
Figura 137 Janela de inspeção próxima ao ............................................................................ 216 
Figura 138 Bandas metálicas de tensão ................................................................................. 217 
Figura 139 Vista do piso do 2º pavimento e estrutura ........................................................... 217 
Figura 140 Vestígios de fixação de escada para acesso do pavimento superior .................... 217 
Figura 141 Ao centro o Macalé. À esquerda, um dos fornos demolidos e o outro................ 218 
Figura 142 Bandeira de Caieiras. ........................................................................................... 218 
Figura 143 Brasão de Caieiras. .............................................................................................. 218 
Figura 144 À direita o bairro do Monjolinho, já demolido. Abaixo, próximo ao lago, o
edifício do armazém do Monjolinho ...................................................................................... 219 
Figura 145 Fornos de cal em desuso ...................................................................................... 219 
Figura 146 Edifício do armazém, final do século XIX .......................................................... 220 
Figura 147 Chegada da linha férrea interna em frente ao armazém ...................................... 220 
Figura 148 Edifício anexo ao armazém, onde funcionou também, durante algum tempo, o
departamento de vigilância e grupo de escoteiros .................................................................. 222 
Figura 149 Edifício do armazém ............................................................................................ 222 
Figura 150 Detalhes do edifício do armazém: A. aplique com cabeça de leão; B. frontão; C.
porta do pavimento térreo; D. janela pavimento superior ...................................................... 222 
Figura 151 À direita, edifício do armazém e edifício do Grupo Escolar de Caieiras que
abrigou parte do Grupo Escolar Otto Weiszflog, em 1930. À esquerda, grupo escolar Otto
Weiszflog e a rampa de acesso à plataforma da estação ferroviária ...................................... 224 
Figura 152 À esquerda e ao fundo, Grupo escolar Otto Weiszflog. À frente, à esquerda,
plataforma da estação ............................................................................................................. 224 
Figura 153 Armazém e edifício que abrigava parte do Grupo escolar Otto Weiszflog ......... 224 
Figura 154 Vista do edifício onde funcionou o Grupo Escolar de Caieiras e parte do Grupo
Escolar Otto Weiszflog, 1930................................................................................................. 224 
Figura 155 Grupo Escolar Otto Weiszflog. No pavimento térreo funcionavam alguns
serviços como barbearia e sapataria ....................................................................................... 224 
Figura 156 Vista lateral e posterior do Grupo Escolar Otto Weiszflog.................................. 225 
Figura 157 Vista da fachada do Grupo Escolar OttoWeiszflog voltada para a estação
ferroviária ............................................................................................................................... 225 
Figura 158 Lateral do Grupo Escolar Otto Weiszflog............................................................ 225 
Figura 159 Lateral do Grupo Escolar Otto Weiszflog............................................................ 225 
Figura 160 Grupo Escolar do Bairro da Fábrica..................................................................... 226 
Figura 161 Escolar Alfried Weiszflog, durante a década de 1940 ......................................... 227 
Figura 162 Vista do Grupo Escolar Alfried Weiszflog .......................................................... 227 
Figura 163 Construção edificada junto ao edifício principal ................................................. 228 
Figura 164 Edifício de apoio .................................................................................................. 228 
Figura 165 Detalhe da entrada principal................................................................................. 228 
Figura 166 Vista do Grupo Escolar Alfried Weiszflog .......................................................... 228 
Figura 167 Primeiro edifício do Cine Cayeirense .................................................................. 229 
Figura 168 Enchente na rua do cinema, década de 1940. Notamos a inexistência do
primeiro edifício do conjunto e das palmeiras imperiais........................................................ 230 
Figura 169 Cine Cayeirense ................................................................................................... 230 
Figura 170 Carreata da emancipação, por volta de 1958. Observamos as duas edificações
ao lado do cinema e os jardins das casas operárias em primeiro plano .................................. 230 
Figura 171 Excursões das famílias. Ao fundo, o cinema e edifícios vizinhos. Em primeiro
plano os jardins das casas operárias ....................................................................................... 230 
Figura 172 Os edifícios adjacentes ao cinema em processo de demolição ............................ 230 
Figura 173 Festa de encerramento do ano letivo em Caieiras, 1940. À esquerda, casa de
chefia, cinema, casas operárias. Ao fundo as garagens das máquinas que faziam o
transporte dos operários. À direita, a curva do Rio Juqueri ................................................... 231 
Figura 174 Clube Recreativo Melhoramentos, por volta de 1940 ......................................... 233 
Figura 175 Arquibancada do CRM ........................................................................................ 234 
Figura 176 O edifício do novo CRM em demolição .............................................................. 234 
Figura 177 Separação dos tijolos da demolição do CRM ...................................................... 234 
Figura 178 Emblema do CRM ............................................................................................... 235 
Figura 179 Emblema do CRM ............................................................................................... 235 
Figura 180 Vista lateral direita da Igreja do Rosário ............................................................. 236 
Figura 181 Anexo lateral, antes da modificação Rosário ...................................................... 236 
Figura 182 Data do anexo. ..................................................................................................... 236 
Figura 183 Vista do campanário. ........................................................................................... 237 
Figura 184 Vista frontal com portal destacado do corpo principal ........................................ 237 
Figura 185 Ornamentação do campanário ............................................................................. 238 
Figura 186 O Cruzeiro na área externa .................................................................................. 238 
Figura 187 A Estrutura semelhante aos contrafortes ............................................................. 238 
Figura 188 A recém construída oficina mecânica de Caieiras. .............................................. 239 
Figura 189 Fachada posterior da Oficina paralela à linha férrea ........................................... 240 
Figura 190 Vista interna da oficina ........................................................................................ 240 
Figura 191 Fachada vista pelo interior da fábrica .................................................................. 240 
Figura 192 Detalhe da inscrição da data. ............................................................................... 241 
Figura 193 Edifícios do entorno. Em primeiro plano o galpão datado de 1935 .................... 241 
Figura 194: Galpões posteriores. Este preservou escada de acesso ....................................... 242 
Figura 195 Galpões com novas estruturas finalizados em 1957 ............................................ 242 
Figura 196 Capela São José ................................................................................................... 245 
Figura 197 Detalhe da janela lateral ...................................................................................... 247 
Figura 198 Detalhe da portada ............................................................................................... 247 
Figura 199 Lateral esquerda da capela ................................................................................... 247 
Figura 200 Lateral direita da capela ....................................................................................... 247 
Figura 201 Descarregamento do material importado na Ponte Seca entre os anos de 1888 e
1889. ....................................................................................................................................... 248 
Figura 202 Trabalhadores e materiais que chegavam à fábrica pelo transporte fluvial ......... 248 
Figura 203 Construção da barragem entre os anos de 1888 e 1889 ....................................... 249 
Figura 204 A fábrica de papel movida pela energia hidráulica da represa do Rio Juqueri,
1890 ........................................................................................................................................ 249 
Figura 205 A fábrica por volta de 1906. ................................................................................. 249 
Figura 206 Vista dos edifícios da fábrica antes do início da demolição para construção do
novo edifício, entre os anos 1938 e 1939 ............................................................................... 250 
Figura 207 Demolição de parte do antigo edifício da fábrica, anos 1938 e 1939 .................. 250 
Figura 208 Início da obra do novo edifício, 1938-1939 ......................................................... 250 
Figura 209 O novo edifício da fábrica construído entre os anos de 1938-1939. .................... 250 
Figura 210 Vista geral da nova fábrica, 1939......................................................................... 250 
Figura 211 Vista do bairro da fábrica, década de 1960 .......................................................... 251 
Figura 212 Edifício do armazém da fábrica ........................................................................... 251 
Figura 213 Obras do viaduto. A) edifício do armazém às margens da .................................. 279 
Figura 214 Em primeiro plano as obras do viaduto. A) Armazém. B) Estação ferroviária ... 280 
SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................. 29
1 História da Companhia ....................................................................................................... 39
1.1 Caieiras e a Companhia Melhoramentos ......................................................................... 39
1.2 Antonio Proost Rodovalho: as ações do fundador .......................................................... 41
1.3 Da fazenda à consolidação da Companhia Melhoramentos ........................................... 46
1.4 A incorporação à Weiszflog Irmãos ................................................................................. 53
2 Organização Social e Espacial de Caieiras ........................................................................ 63
2.1 A organização das vilas .................................................................................................... 63
2.1.1 1877-1920: primeiras ocupações................................................................................... 63
2.1.2 1930-1960: surgimento das novas vilas ........................................................................ 71
2.1.3 1960-2010: loteamentos e desmonte ............................................................................. 85
2.2 O povoamento das vilas .................................................................................................... 95
2.2.1 Crescimento da população ............................................................................................. 95
2.2.2 Famílias imigrantes ........................................................................................................ 99
2.3 O trabalho na Companhia ............................................................................................... 112
2.3.1 O trabalho masculino ................................................................................................... 117
2.3.2 Mulheres e crianças...................................................................................................... 123
2.3.3 Greves ......................................................................................................................... 131
2.4 A formação e educação do trabalhador: a participação da igreja e da escola ............. 135
2.5 Bem estar físico e mental: as comemorações, cultura, saúde e utilização das horas livres ... 142
2.6 A localização estratégica: isolamento e proximidade com a capital ............................ 150
2.7 A região do Juqueri ......................................................................................................... 154
3 Habitação e Arquitetura ................................................................................................... 163
3.1 Moradia em Caieiras ....................................................................................................... 163
3.1.1 As casas operárias até a década de 1920 .................................................................... 165
3.1.2 Modernização da moradia nas décadas de 1930 e 1940 ............................................ 171
3.1.3 Moradia para chefes ..................................................................................................... 179
3.1.4 Habitação dos solteiros ................................................................................................ 183
3.1.5 Instalações sanitárias ................................................................................................... 185
3.1.6 Áreas livres, quintais e porões .................................................................................... 187
3.1.7 O princípio da não gratuidade ..................................................................................... 192
3.2 Arquitetura ....................................................................................................................... 195
3.2.1 Arquitetura ferroviária .................................................................................................195
3.2.2 Arquitetura da era industrial ........................................................................................203
3.2.3 Neoclassicismo e Ecletismo .........................................................................................204
3.2.3.1 Os fornos de cal ..........................................................................................................206
3.2.3.2 Armazém e escolas .....................................................................................................219
3.2.3.3 Cinemas e clubes ........................................................................................................228
3.2.3.4 Igreja do Rosário ........................................................................................................235
3.2.3.5 Oficina mecânica ........................................................................................................238
3.2.4 O Neocolonial: Capela São José ..................................................................................242
3.2.5 A nova Fábrica de Papel: da linguagem clássica ao modernismo ............................ 247
4 Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes ................................................... 255
4.1 Considerações sobre a preservação e atribuição de valores ......................................... 255
4.2 IPHAN e CONDEPHAAT ............................................................................................. 256
4.3 Algumas considerações sobre o Patrimônio Industrial ................................................ 260
4.4 Caieiras como representação do Patrimônio Industrial ................................................ 266
4.5 A lei de proteção, manutenção e a demolição dos edifícios ........................................ 269
4.6 Dinâmica urbana e patrimônio ....................................................................................... 275
Considerações Finais ........................................................................................................... 283
Referências............................................................................................................................ 289
Apêndices .............................................................................................................................. 301
Anexos ................................................................................................................................... 305
Introdução 29

Introdução

A partir da segunda metade do século XIX intensificou-se, no Brasil, a


construção de moradias para operários, promovida por empresas privadas e,
posteriormente, estatais. A criação de vilas operárias em centros urbanos e de núcleos
fabris em localidades rurais foi uma prática que se difundiu amplamente no país até o final
do século XX. Este padrão de gestão operária suscitou a formação de um cotidiano
bastante peculiar nestes espaços que eram organizados de forma intrinsecamente ligada à
produção industrial das unidades fabris.
Esta dissertação trata da emergência do núcleo fabril constituído pela
Companhia Melhoramentos de São Paulo, em Caieiras (SP), no final do século XIX, sua
ascensão e declínio e também de questões que abordam a importância de preservar o
legado cultural formado pelos seus remanescentes. A implantação deste núcleo
impulsionou o desenvolvimento da região e culminou, posteriormente, na criação e
desenvolvimento da cidade de Caieiras. O período estudado compreende do final do
século XIX até a primeira década do século XXI. Assim, estabelecemos uma periodização
fundamentada na trajetória administrativa da Companhia Melhoramentos, nas primeiras
ações em defesa do patrimônio cultural de Caieiras e nas recentes intervenções que
alteram a sua paisagem urbana:
 1877-1920 – período que compreende o início das atividades industriais em
Caieiras, após a construção dos dois fornos de barranco na fazenda do coronel Rodovalho,
conhecida por Fazenda Industrial Cayeiras. A fazenda foi transformada, posteriormente,
em Companhia Melhoramentos de São Paulo, quando já produzia além da cal, papéis e
também produtos cerâmicos que eram ofertados ao mercado paulistano. Neste período, a
estrutura de grandes proporções do núcleo fabril construído ao redor das fábricas para
fixação dos funcionários no local já despontava com significativos números de edificações
tanto residenciais quanto de uso coletivo.
 1920-1960 - fase que marca a incorporação da Companhia à empresa
Weiszflog Irmãos, que já atuava no ramo das artes gráficas em São Paulo. Período de
expansão e renovação da estrutura anteriormente estabelecida. Momento de implantação
de grande parte de vilas residenciais, que emergiam entre as antigas edificações
30

obedecendo a modelos padronizados de moradias. Destacamos neste período a


emancipação de Caieiras como município, em 1958.
 1960-2010 – nesta conjuntura se inicia o incentivo à saída dos moradores
das vilas do núcleo fabril e intensifica-se o povoamento fora das áreas de propriedade da
Companhia. É marcado pela consolidação de empresas ligadas à Companhia
Melhoramentos que são voltadas às atividades urbanizadoras. É notória, neste período, a
intensificação do processo de desmonte durante a década de 1980, concomitantemente à
formação de novos loteamentos, por meio de empresas urbanizadoras ligadas à
Companhia, em áreas fora dos domínios fabris. Essas ações geraram, durante a década de
1990, as primeiras iniciativas, ainda que frágeis, em defesa do patrimônio remanescente.
Esta forma de apreensão do objeto de pesquisa nos auxiliou no mapeamento do
arcabouço edificado pela Companhia Melhoramentos, desde a formação da Fazenda
Industrial Cayeiras até as recentes intervenções que modificam o cenário composto pelos
edifícios remanescentes formadores do patrimônio cultural da cidade.
A Companhia configura-se um entre outros casos de núcleos fabris emergidos no
Brasil a partir da segunda metade do século XIX que seguiam um padrão de gestão
operária onde os modelos adotados empenhavam-se em subsidiar o trabalhador na
pluralidade de suas necessidades, garantindo o controle quase que absoluto dos espaços por
ela geridos. A estrutura engendrada pela Companhia Melhoramentos de São Paulo não se
caracterizou apenas pelas instalações fabris e moradias operárias, mas também por uma
estrutura urbana de dimensões grandiosas totalmente ligadas ao ritmo de sua produção
industrial, que era pautada, fundamentalmente, na fabricação da cal, produtos cerâmicos e
papéis. O papel e seus derivados tornaram-se, posteriormente, os principais produtos
fabricados pela empresa, tornando-a indústria de grande porte, visibilidade, destaque
nacional e internacional. Esta indústria gerou a sua volta uma urbe movimentada pelos
funcionários da empresa que se fixaram nas vilas residenciais ao redor de suas fábricas.
Pretendemos, nesta esta pesquisa, fazer uma análise deste núcleo fabril e mostrar
como a cidade se estruturou, inicialmente, ao redor das fábricas da Companhia
Melhoramentos, em mais de trinta vilas residenciais, dotadas de infraestrutura urbana que
abarcava diversos equipamentos coletivos, como armazéns, escolas, igrejas, clubes
recreativos e transporte, todos estrategicamente distribuídos entre as vilas e
posteriormente, como o centro urbano foi transferido para as áreas externas à empresa.
Para o desenvolvimento deste trabalho, nos pautamos na bibliografia sobre a
concepção de moradias por empresas para seus funcionários, das quais consideramos
Introdução 31

relevantes os trabalhos dos arquitetos Phillip Gunn e Telma de Barros Correia, da


socióloga Eva Blay, da historiadora Palmira Petratti Teixeira1. Os autores tratam de
questões históricas e sociais vinculadas à constituição e modificação destes espaços. Além
desta abordagem, os trabalhos de Gunn e Correia pronunciam uma articulação urbana e
arquitetônica da formação destes assentamentos. Blay versa, especificamente, sobre a
criação de moradias para operários em vilas constituídas em São Paulo e Teixeira analisa
as ações de Jorge Street durante o contexto de criação da Vila Maria Zélia, em São Paulo.
Outros arquitetos também se debruçaram em análises sobre a questão da moradia operária
promovida por empresas no estado de São Paulo, entre os quais citamos os trabalhos de
Carla Milano Benclowicz, de Mary Helle Moda Balleiras e de Geórgia C. C. da Costa2.
A preocupação em preservar conjuntos e sítios arqueológicos relativos às atividades
industriais tem crescido nas últimas décadas e assim, é crescente também a difusão dos
estudos acerca da preservação destas instalações. No Brasil, entre os historiadores que se
voltam para o entendimento, discussão e difusão destes assuntos destacamos os pioneiros
trabalhos desenvolvidos durante a década de 1970 e 1980 por Warren Dean, sobre a fábrica
de tecidos São Luiz, em Itu, e Ulpiano Bezerra de Meneses, que discorre sobre questões
metodológicas, incluindo usos/funções dos espaços fabris e suas relações com a dinâmica

1
CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip. O mundo fabril penetra na cidade. In: CAMPOS, Cândido
Malta; GAMA, Lúcia H.; SACCHETA, Vladimir. São Paulo, metrópole em trânsito: percursos urbanos e
culturais. São Paulo, SENAC, 2004. pp. 82-89. CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip. Ascensão e
declínio de um modo de morar: vilas operárias e núcleos fabris no estado de São Paulo. Desígnio. V 6, 2006, pp.
143-164. CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip. A industrialização brasileira e a dimensão geográfica
dos estabelecimentos fabris. Revista Brasileira de Estudos Urbanos Regionais, V 7, N1, maio de 2005. PP. 17-
53. CORREIA, Telma de Barros. Pedra: Plano e cotidiano operário no sertão. Campinas: Papirus, 1998. –
(Série Ofício de arte e forma). CORREIA, Telma de Barros. A construção do habitat moderno. São Carlos:
Rima, 2004; CORREIA, Telma de Barros. A indústria e o habitat operário no Brasil. In: Panet, Amélia (org).
Estrutura urbana, trabalho e cotidiano. João Pessoa: UNIPÊ Editora, 2002; CORREIA, Telma de Barros.
Núcleo Fabril x Cidade Livre: os projetos urbanos da Klabin do Paraná. Anais do V Seminário de História da
Cidade e do Urbanismo. Campinas, 1998; CORREIA, Telma de Barros. De vila operária a cidade-companhia: as
aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular. Revista Brasileira de Estudos
Urbanos e Regionais. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional,
São Paulo, N4, maio de 2001. pp. 83-98; CORREIA, Telma de Barros. Núcleos fabris e de mineração no Brasil:
As experiências pioneiras. Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-Graduação e
Pesquisa do Departamento de Arquitetura e Urbanismo EESC-USP, n. 3, p. 15-42, 2006; CORREIA, Telma de
Barros. A indústria moderna no cenário clássico. Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Programa
de Pós-Graduação e Pesquisa do Departamento de Arquitetura e Urbanismo EESC-USP, n. 8, p. 69-101, 2008;
CORREIA, Telma de Barros. Art decó e Indústria, Brasil décadas de 1930 e 1940. Anais do Museu Paulista, V.
16, N.2, jul-dez 2008, PP. 47-104; BLAY, Eva A. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São
Paulo. São Paulo, Nobel, 1985, TEIXEIRA, Palmira Petratti. A fábrica do sonho: trajetórias do industrial
Jorge Street. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
2
BENCLOWICZ, Carla Milano. Prelúdio Modernista, Construindo a Habitação Operária em São Paulo.
São Paulo, USP, 1989. Dissertação de Mestrado apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo;
BALLEIRAS, Mary Helle Moda. Indústria e Habitação, Arquitetura fabril no interior de São Paulo. São
Carlos, EESC-USP, 2002. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo; COSTA. Georgia Carolina
Capristano da. Batatuba, Brasil – uma “cidade serial”. In: Anais do Oitavo Seminário DOCOMOMO Brasil.
Rio de Janeiro, 2009.
32

sócio-econômica brasileira3. Entre os arquitetos que se dedicam ao estudo da importância


histórica, preservação e restauro destes conjuntos damos ênfase aos trabalhos de Beatriz
Mugayar Kühl, que versam amplamente sobre o entendimento destas questões e os
cuidados necessários para intervenções criteriosas nos conjuntos industriais sem que se
hajam perdas significativas de seus elementos4.
Entre os estudos que focam o desenvolvimento do núcleo fabril da Companhia
Melhoramentos, destacamos o trabalho do historiador Hernani Donato, que subsidiou um
considerável número de pesquisas posteriores sobre o tema; do advogado Marcílio Dias, do
professor Marcelo Vagner Bruggemann e da jornalista Celina de Jorge Graziano Peres5.
Estes trabalhos abordam o assunto sob óticas diversas e muitas vezes a partir da própria
experiência vivida dentro do núcleo. À exceção do trabalho de Bruggemann, as posturas
destes autores enaltecem o caráter filantrópico e abordam a criação do núcleo como fruto
da generosidade dos industriais para com seus funcionários. Bruggemann, que procura
adotar uma postura mais crítica em relação à formação do núcleo, analisa a construção do
espaço de Caieiras a partir do ponto de vista geográfico e urbano. Damos ênfase à
publicação feita a partir das transcrições das impressões de Luis Carlos Mancini6, para a
Revista Serviço Social, publicada pela Companhia em 1940 e à obra sobre a evolução da
Grande São Paulo elaborada pelo Professor Juergen Richard Langenbuch7 que foram de
grande relevância para nossa pesquisa.
Em termos metodológicos procuramos, sempre que possível, fazer análises
comparativas do núcleo objeto de nossa pesquisa com experiências diversas e tentar balizar
os pontos que foram comuns a estes tipos de assentamentos e as questões que foram
específicas do núcleo de Caieiras. Buscamos no material fruto das entrevistas realizadas

3
DEAN, Warren. A fábrica São Luiz de Itu: um estudo de Arqueologia Industrial. In: Anais de História, 1976,
Assis, SP: Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, ano VIII, 1976, p.9-25;
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Patrimônio Industrial e Política Cultural. In: Anais do I Seminário Nacional de
História e Energia, 1986, p. 68-73.
4
KÜHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexos sobre sua
preservação. São Paulo: Ateliê Editorial: Fapesp: Secretaria da cultura, 1998; KÜHL, Beatriz Mugayar.
Preservação do Patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê
Editorial, 2008.
5
DONATO, Hernâni. 100 Anos de Melhoramentos. São Paulo: Melhoramentos, 1990; BRUGGEMANN,
Marcelo Vagner. Caieiras: A construção do espaço. São Paulo: Parma, 2007; PERES, Celina Graziano Jorge de.
Cidade dos Pinheirais, a saga de uma brava gente. São Paulo: Perfil Editora, 2008.
6
Luis Carlos Mancini (1917-2011). Assistente social e um dos fundadores do Instituto de Serviço Social criado
em São Paulo em 1940. Primeiro presidente da Associação Brasileira de Assistentes Sociais (disponível em
http://publique.rdc.puc-rio.br/jornaldapuc/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2115&sid=29&tpl=printerview.
Acessado em 17-06-2011 às 16:41h).
7
LANGENBUCH, Jurgen Richard. A Estruturação da Grande São Paulo. Estudo de geografia urbana. Rio de
Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia. Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e
Cartográfica, 1971.
Introdução 33

com os antigos moradores e trabalhadores da Companhia trazer à luz parte do cotidiano


vivido pelos trabalhadores que foram arregimentados para o trabalho neste ambiente
agroindustrial. As entrevistas foram elaboradas em dois momentos: o primeiro momento
foi caracterizado por entrevistas informais, que ocorriam simultaneamente aos
levantamentos de acervo fotográfico das famílias ex-moradoras do núcleo. O segundo
momento foi direcionado para as questões sobre imigração, relações trabalhistas, aspectos
da arquitetura doméstica, transferência dos moradores para as áreas externas à área fabril e
alterações pelas quais o núcleo fabril passou. Optamos por transcrever os trechos das
entrevistas sem fazer correções gramaticais que eventualmente coubessem no contexto.
Devido às dificuldades encontradas para acessar os arquivos da Companhia
Melhoramentos, que segundo a assessoria jurídica da empresa foram danificados durante as
enchentes ocorridas nas propriedades da empresa, e de se encontrar registros na Prefeitura
sobre a implantação e desenvolvimento do núcleo, o material produzido nas entrevistas e
nos levantamentos de campo se constituíram em ricas fontes de consulta.
É importante destacarmos a utilização do acervo do Arquivo Público do Estado de
São Paulo, onde pudemos consultar os prontuários do DEOPS8, que foram fundamentais
para o conhecimento do contexto em que se encontravam os proprietários alemães da
empresa durante os anos da II Guerra Mundial e seus reflexos no cotidiano do núcleo de
Caieiras. Neste sentido, é rica também a documentação existente no Instituto Martius-
Staden, onde parte da literatura autobiográfica produzida pela gráfica da empresa pode ser
encontrada9.
Assim, organizamos este trabalho em quatro capítulos destinados a abordar a
trajetória da empresa, formação, auge e declínio do núcleo fabril por ela constituído,
analisar as edificações e ações de preservação do patrimônio remanescente. O primeiro
capítulo pretende explicitar ao leitor as relações entre a cidade de Caieiras e a Companhia
Melhoramentos, dando ênfase às mudanças administrativas que englobaram assuntos
referentes à produção, quadro de acionistas e proprietários da empresa. Desta forma, damos

8
Prontuário 96964 e 44311 – Companhia Melhoramentos; Prontuário 98023 – Alfredo Weiszflog; Prontuário
51149 – Frederico Guilherme Weiszflog; Prontuário 21264: Johannes Ehlert; Prontuário 22140 – Walter
Weiszflog; Prontuário 51156- Christian Christensen Niels.
9
COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO – INDÚSTRIA DE PAPEL 1890-1950. São Paulo:
Companhia Melhoramentos, s.d.; COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO (Weiszflog Irmãos
inc.) Fábrica de Papel – Editora – Oficinas Gráficas, Fundada em 1890. São Paulo – Caieiras –Rio de
Janeiro. São Paulo: Companhia Melhoramentos, s.d.; O PROBLEMA DA MATÉRIA PRIMA DO PAPEL NO
BRASIL. ESTUDOS E REALISAÇÕES FEITOS EM CAYEIRAS PELA COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO. São Paulo: Companhia Melhoramentos, s.d.
34

destaque ao fundador da Companhia, o empreendedor Antonio Proost Rodovalho e à


família Weiszflog que incorporou sua empresa já existente em São Paulo à Companhia.
O segundo capítulo pretende abordar questões sobre a localização e constituição do
núcleo com suas características sobre o funcionamento, circulação, distribuição das vilas e
equipamentos e a formação do cotidiano ali estabelecido. A análise do cotidiano deu maior
ênfase às décadas de 1920 e 1960, período de auge e crescimento da Companhia. A
documentação consultada no Arquivo Público do Estado de São Paulo, assim como o
material que resultou das entrevistas com os antigos trabalhadores e moradores das vilas
acabam por contemplar, especialmente, este período. O material produzido com as
entrevistas referencia o período estabelecido entre as décadas de 1940 e 1960 e, de forma
mais superficial, as décadas de 1920 e 1930, devido à proximidade temporal entre os
entrevistados, pois suas experiências e o conhecimento transmitido a eles pelas gerações
anteriores – pais e avós – referem-se a este recorte temporal.
No intuito de trazer ao conhecimento do leitor as origens da população que se
instalou na região procuramos investigar a participação da mão-de-obra estrangeira e
nacional nas unidades produtivas da Companhia Melhoramentos. Devido à variedade de
nacionalidades encontradas no núcleo de Caieiras, optamos por investigar as relações do
núcleo com a imigração alemã, devido às origens da família Weiszflog e com a imigração
italiana, predominante entre os operários. O trabalho versa sobre a formação, religiosidade,
educação e rotina de lazer e trabalho de homens, mulheres e crianças. Para tanto,
utilizamos de forma vasta os relatos dos ex-trabalhadores e ex-moradores que trazem
detalhes sobre os fazeres deste contingente que transitava entre as atividades rurais e
industriais e sobre as distrações e divertimentos que lhes eram oferecidos pela
administração do núcleo.
No capítulo 3 trataremos da configuração arquitetônica do núcleo fabril de Caieiras
trazendo à luz a gênese das soluções originais e as transformações sofridas ao longo de sua
existência, identificando seus elementos e técnicas construtivas. Optamos por agrupar os
edifícios estudados por estilos aos quais estão mais próximos: Neoclássico, Eclético,
Neocolonial, Moderno e tratar separadamente a arquitetura doméstica, a partir da
identificação das tipologias, técnicas e materiais utilizados, bem como das diferenças
existentes entre os padrões hierárquicos de moradia e das formas de cobrança de aluguéis
pelo uso do imóvel.
A nova dinâmica que a cidade apreendeu no início do século XXI será abordada no
quarto capítulo sob três vertentes: a primeira, vinculada às melhorias de acesso à região,
Introdução 35

promovidas, principalmente pela finalização do trecho Oeste do Rodoanel de São Paulo,


tornando-a alvo de interesses imobiliários; a segunda que podemos, em partes, entender
como conseqüência da primeira, está ligada à intensificação do processo de fragmentação
do patrimônio fabril e territorial da Companhia, que colocou a região em posição de
desenvolvimento potencial destinada a implantação e investimentos de grandes dimensões
devido às extensas áreas livres disponibilizadas para comercialização. Neste contexto,
formado por valorização e fragmentação de patrimônio, abordamos a terceira vertente
dedicada à importância de preservar o legado cultural remanescente do núcleo fabril como
ícones da memória urbanística, arquitetônica e paisagística da cidade.
Assim, ao considerarmos o núcleo de Caieiras, um importante colaborador para a
compreensão do desenvolvimento do período de industrialização do país e suas
construções remanescentes como significativos representantes do patrimônio industrial
integrantes da história local no âmbito da arquitetura, da tecnologia, das relações sociais e
da própria origem do município, além da representatividade que estas instalações têm
perante a população, encontramos os argumentos que justificam a elaboração e
desenvolvimento desta pesquisa.
36
37

Capítulo I
História da Companhia
38
História da Companhia 39

1 História da companhia

1.1 Caieiras e a Companhia Melhoramentos


Caieiras compreende, atualmente, um dos 39 municípios que formam a Região
Metropolitana de São Paulo10 e tem extensão de, aproximadamente, 96km² . Entretanto,
cerca de 50% da área territorial de Caieiras pertencem a Companhia Melhoramentos de São
Paulo.

Figura 1 Mapa da região metropolitana de São Paulo


Fonte: Plano diretor de Caieiras (2006)

O surgimento de Caieiras está estritamente vinculado às atividades da Fazenda


Industrial Cayeiras, de propriedade do Coronel Antonio Proost Rodovalho, ligadas à
produção de insumos da construção civil, juntamente com a Companhia Cantareira de
Esgotos. Ambas tiveram início no ano de 1877, favorecidas pela linha férrea da São Paulo
Railway que atravessava a região e foram grandes atrativos para que diversos contingentes
de trabalhadores começassem a se fixar nesta área. A vila produtora de cal, tijolos e telhas,
após algumas experiências, passou a produzir papel, produto escasso na época e assim,
começou a investir também neste setor, fundando no ano de 1890 a Companhia
Melhoramentos de Papéis. A partir de então, Caieiras começou a se desenvolver e a se
modificar tendo a Companhia Melhoramentos como seu principal provedor. A paisagem de
Caieiras destacava-se, sobretudo, pela abundância de recursos naturais. Parte de sua

10
Os limites de Caieiras foram fixados ao norte com o município de Franco da Rocha, ao leste com Mairiporã, ao
sul com São Paulo (bairro de Perus) e a oeste com Cajamar.
40

vegetação original, formada por matas nativas, deu lugar às florestas de reflorestamento -
necessárias como matéria prima para a produção de papéis - promovidas pela Companhia
Melhoramentos.

Pode-se dizer que até a década de 1930 o desenvolvimento de Caieiras foi restrito às
vilas do núcleo fabril constituído nos limites territoriais da Companhia. O núcleo chegou a
abrigar, por volta de 1960, quase 10.000 pessoas. Com o início da ocupação das áreas
externas à Companhia, novos bairros começaram a surgir dando continuidade ao
crescimento territorial e demográfico da cidade fora da área da empresa, enquanto as
antigas vilas construídas nas áreas internas começavam a desaparecer gradativamente. Na
década de 1980 o desmonte das vilas internas foi intensificado, chegando quase à total
demolição das casas e edifícios de uso coletivo. Neste período a Companhia
Melhoramentos deu início a atividades imobiliárias promovendo novos loteamentos.
Após a emancipação de Caieiras, o recém constituído município contava com
recursos financeiros para aplicação em melhorias urbanas e a região começou atrair novos
empreendimentos industriais. O crescimento industrial da cidade foi intensificado a partir
da década de 1970 com a transferência de indústrias paulistanas seduzidas pelas vantagens
fiscais e pela localização favorável (próxima da capital e com fácil acesso para o interior)
oferecida para os empresários que começavam a se instalar nas proximidades da antiga
Estrada Velha de Campinas (BRUGGEMANN, 2007).
Paralelo ao crescimento industrial, o crescimento da população foi ininterrupto,
contabilizando, em 2009 cerca de 90.000 habitantes estimados pelo IBGE. Esta população
se distribui em bairros e vilas constituídos fora dos limites da Companhia11. Este
crescimento teve grande intensificação entre as décadas de 1990 e 2007 quando o censo do
IBGE apontava um “salto” de 39069 para 81163 habitantes. Parte deste crescimento pode
ser atribuído às melhorias de acesso à região, promovidas pela inauguração do trecho oeste
do Rodoanel de São Paulo que ocorreu neste período e contribuiu para uma nova

11
As atuais vilas e bairros que formam a cidade de Caieiras são externos à área da Companhia. Considera-se a
Melhoramentos com um dos bairros que formam o município. Ver Bruggemann (2007) para as características
gerais de cada vila e bairro. Os loteamentos existentes cadastrados na Prefeitura são: Alpes de Caieiras, Calcárea,
Centro, Chácara Paraíso da Serra, Cresciúma, Desmembramento Alceu Rabello, Fazenda Cantareira, Jardim San
Diego, Jardim Adelfiori, Jardim Boa Vista, Jardim dos Eucaliptos, Jardim Esperança, Jardim Helena, Jardim
Marcelino, Jardim Maria Luiza, Jardim Monte Alegre, Jardim Nova Era, Jardim Novos Rumos, Jardim Regina,
Jardim São Francisco, Jardim Santo Antonio, Jardim Vera Tereza, Jardim Virgínia, Jardim Vitória, Jardim
Planalto, Jardim São Simão, Laranjeiras, Morro Grande, Nova Caieiras I, II, III, IV, Nova Baviera, Portal das
Laranjeiras, Parque das Esmeraldas, Parque Deniolli, Parque do Alto, Parque Industrial Araucárea, Parque Santo
Inês, Ninho Verde, Nova Baviera, Parque São Rafael, Parque Suiça, Residencial Val Verde, Santa Edwiges, Sítio
Aparecida, Vila dos Pinheiros, Vila Miraval, Vila Nova Pinheiros, Vila Ajoá, Vila Angélica, Vila Gerturdes, Vila
Industrial, Vila Maria, Vila Rosina, Vila São Gonçalo, Vila São João, Vila São Miguel, Vila São Simão.
História da Companhia 41

valorização da cidade. O crescimento populacional tende a continuar aumentando com os


novos projetos imobiliários que têm surgido como propostas à ocupação das áreas da
Companhia Melhoramentos. A venda de uma grande área da Companhia para uma
construtora e as novas diretrizes estabelecidas pelo plano diretor trouxeram incertezas para
o futuro do município.

1.2 Antonio Proost Rodovalho: as ações do fundador


O coronel Antonio Proost Rodovalho12 teve grande participação nas atividades
empresariais e políticas de algumas cidades do estado de São Paulo, especialmente em
Caieiras. Paulistano, nascido em 27 de janeiro de 1838, desde a infância esteve envolvido
com as atividades comerciais. Seu pai, Antonio Joaquim Tavares Rodovalho era
proprietário de um armazém de comissão de gêneros do país e do exterior sediado no
mesmo endereço domiciliar da família e sua mãe, Henriqueta Proost Rodovalho, descendia
de uma tradicional família santista ligada às atividades comissárias.
Aos 12 anos de idade Antonio Proost Rodovalho começou a trabalhar no comércio e
aos 25 anos já era proprietário de seu próprio estabelecimento localizado na capital com
filiais nas cidades de Santos e Campinas. Suas atividades estavam ligadas à
comercialização, por atacado, de açúcar, café e sal, além das operações por comissões,
consignações, importações e exportações. Era também acionista das firmas pertencentes a
seus irmãos Joaquim Proost Rodovalho, na cidade de São Paulo e João Proost Rodovalho,
em Campinas e no almanaque da província de São Paulo, no ano de 1878, aparece como
capitalista e proprietário (VICENTINI, 2007).
Em sua pesquisa sobre a trajetória de Rodovalho, Vicentini (2007) aponta as várias
referências ao sobrenome Proost nos almanaques da Província de São Paulo para a década
de 1880, como a casa de importação Proost de Souza & Cia, em Santos e uma casa de
comissão de café em Campinas pertencente à “Viúva Proost de Souza”. A casa era de
propriedade de José Proost de Souza, vereador e representante do Banco do Brasil na
cidade de Santos. A família ocupou cargos também em bancos. José Proost de Souza atuou
no Banco do Brasil, em Santos, mesmo banco no qual Antonio Proost Rodovalho atuou
como gerente tesoureiro na cidade de São Paulo. Antonio Affonso Proost de Souza foi
subgerente do Banco Comercial, em Santos, onde Antonio Proost Rodovalho ocupou a
presidência, na capital.

12
Após o apoio ao Exército na Guerra do Paraguai (1865-1870), Rodovalho recebeu o título de coronel (Donato,
1990).
42

Vicentini (2007) aponta a primeira fase empreendedora do Coronel Rodovalho a


partir da década de 1860. Entre estas ações, está a aquisição dos direitos de fornecimento
de energia para iluminação e ruas de São Paulo. Diante do empenho do governo provincial
e da Câmara Municipal em promover melhorias para a cidade e da falta de recursos
financeiros para instalação dos equipamentos necessários para o desenvolvimento urbano
de São Paulo tanto da parte do governo quanto dos particulares, Rodovalho viajou para a
Inglaterra, que naquele período era exportadora de capitais e tecnologias, e conseguiu
atrair o interesse de alguns investidores, que formaram a San Paulo Gas Company Limited,
com sede em Londres, da qual detinha um quarto das ações. O bem sucedido investimento
deteve o monopólio da iluminação pública a gás para a capital paulista até o final do século
XIX, quando foi substituída pela energia elétrica.
Durante a década de 1870, Rodovalho participou da fundação de três das principais
companhias de estrada de ferro do estado de São Paulo e com outros investidores13, fundou
a Companhia Ituana de Estrada de Ferro, da qual foi diretor na década seguinte. O trecho
inicial desta estrada ligava a cidade de Jundiaí à Itu. Posteriormente a linha foi estendida
servindo Itaici, Capivari e Piracicaba. Após a inauguração do trecho completo, em 1879,
houve um prolongamento até São Pedro e em 1888 a última estação foi inaugurada em São
Manoel.
Em 1872, também em sociedade com outros investidores14, Rodovalho fundou a
Cia. São Paulo e Rio de Janeiro, que passava pelas cidades do Vale do Paraíba: Mogi das
Cruzes, Jacareí, São José dos Campos, Caçapava, Taubaté, Pindamonhangaba,
Guaratinguetá até chegar à cidade de Cachoeira. Os trabalhos para conclusão desta estrada
ocorreram em 1877 e, na década de 1880, Rodovalho ocupou a diretoria desta empresa. Ele
também estava entre os sócios organizadores15 da Cia. Bragantina em 1877. O objetivo era
construir a estrada de ferro da atual cidade de Campo Limpo, passando por Atibaia até
chegar a Bragança Paulista. A conclusão destas obras ocorreu em 1884 e para as três
companhias foram concedidos privilégios como os de noventa anos para exploração dos
serviços.

13
O engenheiro responsável pela construção da ferrovia José Elias Pacheco Jordão, Antonio de Queiroz Telles e
Antonio Paes de Barros estavam entre os fundadores da Cia. Ituana (VICENTINI, 2007).
14
Eram eles: Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, Clemente Falcão de Souza Filho, Joaquim Egídio de
Souza Aranha e membros da família Prado compunham o quadro de fundadores da Cia. São Paulo e Rio de
Janeiro (VICENTINI, 2007).
15
Entre os organizadores da Cia. Bragantina estavam Luis de Oliveira Lins de Vasconcelos, Clemente Falcão de
Souza Filho, Bernardo Avelino Gavião Peixoto e membros da família Dias da Silva (VICENTINI, 2007).
História da Companhia 43

Donato (1990) aponta o ano de 1877 para a construção de dois fornos de barranco
para produção de cal na fazenda de Rodovalho. Nesta fazenda, localizada às margens do
prolongamento da São Paulo Railway para Jundiaí e às margens do Rio Juqueri, foi
constatado a presença de minerais ricos em carbonato de cálcio. A fazenda foi adquirida na
década de 1860, provavelmente com o conhecimento do parecer elaborado em 1863 pelo
engenheiro Brunless16 que considerava o manancial localizado nesta área como o mais
indicado para o abastecimento da cidade de São Paulo, já que o pai de Rodovalho pertencia
à Câmara Municipal (BRUNO, 1984, v.II). Nesta mesma época, o Coronel Rodovalho
juntamente com Benedito Antonio da Silva17 e Daniel Makinson Fox18 fundaram a
Companhia Cantareira de Esgotos visando à extração dos recursos naturais do manancial
próximo à região da fazenda para prestação de serviços de higienização na Capital. O
desenvolvimento da Companhia Cantareira de Esgotos e a extensão de fabricação dos
produtos como cal, manilhas, ladrilhos, guias, sarjetas e posteriormente tijolos e telhas,
atraíram diversos trabalhadores para o local. Para acomodação deste contingente foram
construídas originalmente, 180 residências no local, constituindo-se um dos primeiros
núcleos habitacionais organizados para trabalhadores livres do Brasil (DONATO, 1990). O
recrutamento dos imigrantes para o trabalho na fazenda de Rodovalho era facilitado pelo
serviço da própria empresa de imigração que ele possuía na cidade de Santos
(MAGALHÃES, 2002). E para suprir a necessidade de escoamento da produção,
Rodovalho e seus sócios ingleses da Cantareira conseguiram a criação de uma parada de
trens da São Paulo Railway na região, criando assim, em 1883, a Estação Ferroviária de
Caieyras, cujo nome era uma referência aos fornos de cal (DONATO, 1990).
Atento às novas necessidades do mercado que apontava a falta de papel e também a
iminente diminuição da demanda da produção de derivados da cal que eram ofertados ao
município de São Paulo, Rodovalho deu início a um novo projeto: o aprimoramento de
substâncias experimentais para o fabrico de papel. Com isto, iniciava-se, em 1887, o
projeto para a nova fábrica e, para tanto, a empresa Gebrüder Hemmer, Neidemburg, Pfalz
foi convidada. No ano de 1890, com o funcionamento da primeira das três máquinas da
fábrica, iniciou a produção de papel industrializado, consolidando, neste mesmo ano, a
16
Neste ano, o governo da província comissionou o engenheiro inglês James Brunless para fazer um estudo para
um plano geral de abastecimento. Auxiliado pelo colega Hooper e por Fox, Brunless apresentou um relatório em
que dizia ser a água do Ribeirão da Pedra Branca, na serra da Cantareira, preferida para o abastecimento da cidade
de São Paulo. No mesmo ano, a utilização da água da Cantareira foi indicada também por outro especialista, o
engenheiro Charles Romieu (BRUNO, 1984, v. II).
17
Capitalista, prestador de serviços da província da construção civil em São Paulo, foi acionista de companhias
ferroviárias (BRITO, 2000).
18
Fox foi, em 1874, o superintendente da São Paulo Railway
44

Companhia Melhoramentos de São Paulo (DONATO, 1990). Participou como fundador e


acionista, no ano de 1886, da Fábrica de Tecido e Fiação Anhaia, e teve participação na
sociedade da Serraria a Vapor Gustavo Sydow. Na década seguinte, após o decreto 5594 de
1874 – que autorizava a criação de caixas econômicas e montes de socorro19 nas capitais
das províncias – Rodovalho participou da criação e do conselho fiscal da Caixa Econômica
e Monte de Socorro da Província de São Paulo, com sede situada no Pátio do Colégio. E,
dentre tantos outros empreendimentos, Rodovalho, em sociedade com seu filho20 Antonio
Proost Rodovalho Junior e Oscar Horta, fundou em 1889, a Casa Rodovalho que fabricava
carroças, charretes, carruagens e bondes. A empresa foi contratada, em 1893, pela Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo, onde Rodovalho ocupava desde o início da década de
1880 o cargo de tesoureiro, para o serviço funerário. No ano seguinte, a Casa Rodovalho
adquiriu a Companhia Locomotiva Paulista (VICENTINI, 2007).

Figura 2 Propaganda Publicitária da Casa Rodovalho publicada na Revista Moderna – Anno I Nº 3


Fonte: Arquivo do Estado de São Paulo

19
As caixas econômicas recebiam pequenas quantias em depósitos com finalidade de rendimento de juros que
seriam capitalizados ao final de cada semestre do ano civil e os montes de socorro tinha como propósito fazer
empréstimos sob penhor de pequenas somas às pessoas de classes econômicas menos favorecidas (VICENTINI,
2007).
20
Rodovalho foi casado com Ana Etelvina Dutra Rodrigues Rodovalho e deste casamento nasceram os filhos:
Henriqueta Rodovalho, Antonio Proost Rodovalho Junior, Maria Rodovalho, Joanna Rodovalho e Antonio
Joaquim Tavares Rodovalho.
História da Companhia 45

Em 1889, Rodovalho participou da constituição da Companhia Viação Paulista21 e


no ano seguinte fundou a Companhia Melhoramentos Urbanos e Rurais de São Paulo que
objetivava a compra e venda de terrenos na cidade de São Paulo e em alguns municípios
paulistas, além de implantar melhorias. Fundou também a Companhia Industrial
Rodovalho22, empresa também voltada à compra e venda de terrenos. Em 1891,
Rodovalho participou da fundação da Companhia Econômica de Gás, Água e Esgoto e no
ano seguinte da Companhia Ítalo-Paulista23 que importava produtos italianos e mármores.
Neste mesmo ano ocupou o cargo de subdiretor da Bolsa Livre – primeira bolsa de valores
paulistana, que fora criada em 1890. Rodovalho também participou do Banco União de
São Paulo, fundado em 1890. Este banco adquiriu, mais tarde, grande quantidade de terras
na região de Sorocaba, incluindo a fazenda Cachoeira Votorantim, onde montou uma
grande fábrica de tecelagem inaugurada em 1904. Votorantim se tornou um complexo
industrial com a existência de uma represa para geração de energia, uma vila para
operários, uma olaria, uma fábrica de cal e atividades ligadas à extração, corte e polimento
de pedras calcáreas e mármores (BRITO, 2000). Na Fábrica de Cimento Rodovalho, em
Sorocaba, no início do século XX, a intensa utilização do trabalho infantil pode ser
observada pela quantidade de trabalhadores: 40 eram crianças e 30 eram adultos
(BANDEIRA JUNIOR, 1901).
Rodovalho teve atuação política relevante desde 1869 quando foi eleito vereador
da Câmara Municipal de São Paulo pelo Partido Conservador. Ocupou o cargo até 1873,
ano em que assumiu a presidência da casa. Foi nomeado membro da comissão de contas e
da comissão de obras públicas. Em 1896, atuou como Intendente de Finanças e Presidente
da Câmara. A carreira de Rodovalho seguiu articulando as atividades empresariais com os
cargos públicos e participou de várias companhias prestadoras de serviços de
abastecimento de água, iluminação pública e particular, viação pública, serviço funerário,
organização de loteamentos, fabricação de material para construção, ferrovias, bancos
públicos e particulares, além de ter sido um industrial inovador com a fabricação de papel
à partir da celulose (VICENTINI, 2007).

21
Participaram da constituição da Companhia Viação Paulista: João Batista de Mello Oliveira, Francisco Maria
de Mello Oliveira, Joaquim Egídio de Souza Aranha, Olavo Egídio de Souza Aranha, Ismael Dias da Silva,
Samuel Dias da Silva, Domingos de Moraes, Antonio Lacerda Franco, Joaquim Franco de Lacerda, Carlos
Teixeira de Carvalho, Luis Pucci, Bráulio Gomes, Carlos de Campos e Camilo Cresta (BRITO, 2000).
22
Associados à Companhia Industrial Rodovalho: Antonio Proost Rodovalho Junior, Cícero Bastos, João Pinto
Gonçalves, Vitor Nothmann, Luis Pucci, Gabriel Dias da Silva, Ismael Dias da Silva, Lins de Vasconcellos,
Eugenio de Carvalho, Domingos Sertório e Randolpho Margarido da Silva (BRITO, 2000).
23
A Companhia Ítalo Paulista foi fundada em sociedade com Luis Pucci, João Pinto Gonçalves, Vítor Nothmann,
Camilo Cresta e Tarquínio Taranti (BRITTO, 2000).
46

Antonio Proost Rodovalho faleceu em 30 de dezembro de 1913, aos 75 anos e


segundo o Jornal do Commercio, morreu “relativamente pobre diante dos esforços que
empregara conjuntamente com a fortuna que obtivera antes em negócios de vulto [...]”
(DONATO, 1990, p. 31).

1.3 Da fazenda à consolidação da Companhia Melhoramentos


No final do século XIX, algumas mudanças importantes na sociedade brasileira
começavam a ocorrer. Entre as quais, destacamos a ampla difusão do trabalho assalariado
e de atividades industriais. A abolição significou o fim dos entraves à expansão do
trabalho assalariado e favoreceu a imigração. A década de 1880 a 1890 representou
também um surto industrial no país. Em 1885 o estado de São Paulo registrava treze
fábricas têxteis com 1670 operários, três fábricas de chapéus com 315 operários, sete
empresas metalúrgicas com 500 operários. Em 1889 havia no Brasil cerca de 636
empresas industriais onde trabalhavam cerca de 54 mil operários. Em 1901, entre as 91
mais importantes empresas industriais paulistas, 33 empregavam de 10 a 49 operários,
outras 33 de 50 a 199, e 22 de 200 a 499, duas outras ocupavam 600 operários cada e
apenas uma dessas empresas possuía cerca de 800 operários (SIMONSEN24, 1973 apud
SILVA, 1995).
Este surto industrial no país é uma dimensão da Revolução Industrial iniciada no
século XVIII, na Inglaterra, que alterou significativamente as formas de utilização da
força de trabalho. A instauração de uma sociedade industrial implicava em uma nova
ordem, uma nova racionalidade, em transformações econômicas, tecnológicas e na criação
de novas regras e disciplina. A fábrica passou a compor mais uma das muitas instituições
que elaboraram regulamentações como a escola, o exército, a prisão. Porém, a maior
dificuldade da fábrica, foi conseguir que pessoas livres assumissem o trabalho regular e a
pontualidade. Durante este processo, as grandes fábricas coexistiram ao lado das pequenas
oficinas e abrigavam, muitas vezes, formas variadas de organização de trabalho. Ao
referir-se à França, Perrot (1988) mostra que eram recorrentes as reivindicações de
operários contra as regras de horário fixo, jogos e bebidas durante o trabalho e o direito de
sair para se refrescar do lado de fora, observadas no início do século XX. Como solução a

24
SIMONSEN, Roberto C. Evolução industrial no Brasil e outros estudos. São Paulo: Nacional; Ed.USP,
1973.
História da Companhia 47

esses conflitos foi introduzido um novo modelo de gerenciamento, largamente utilizado


até o final do século XIX: o paternalismo25 (PERROT, 1988).
No Brasil, a primeira metade do século XIX foi caracterizada pelo regime
escravista que imperava nos latifúndios com um sistema de transporte deficiente e
rudimentar (carros de boi e tropas de mulas em estradas que ofereciam péssimas condições
para o fluxo), e um grau ainda incipiente de urbanização. As dificuldades ainda eram
compostas pelas grandes distâncias entre os principais centros urbanos e a dificuldade de
estabelecer comunicação, além de uma limitação do mercado interno que se apresentava
restrito e fragmentado e uma escassez de capital para investimento em máquinas. Foi a
partir da atividade industrial, mostrada com mais determinação durante as décadas de
1880-1890, que ocorreu uma alteração significativa na cidade. Podemos citar como
exemplo desse fenômeno, a cidade paulista de Salto que, com suas fábricas têxteis, de
papel e fiação e estamparia, proporcionou a alteração das condições urbanas, como
construção de pontes, jardins e iluminação pública. Vale destacar que, em São Paulo,
além do crescente número de indústrias têxteis que proliferaram nesse período, haviam um
elevado número de pequenas fábricas onde patrão e empregados trabalhavam juntos, como
as atividades desenvolvidas em olarias, cerâmicas, pedreiras e marmorarias26
(HARDMAN; LEONARDI, 1982). Assim como na Europa, durante o processo de
instauração da sociedade industrial, no Brasil, também co-existiam pequenas unidades de
trabalho ao lado de grandes indústrias que começavam a surgir.
A segunda metade do século XIX, entretanto, mostrou-se prodigiosa para a indústria
paulista, principalmente com a valorização do café no mercado internacional. O café
promoveu a expansão territorial, urbana e do capital. Assim, estradas de ferro foram
estendidas pelo interior, cidades foram fundadas, bancos, escolas e indústrias foram
instaladas, máquinas foram importadas e com o fim do trabalho escravo, muitos imigrantes
desembarcavam no porto de Santos à procura de oportunidade de trabalho e fortuna. É
neste cenário que surge, se expande e se consolida a Cia. Melhoramentos e seu núcleo
fabril fundado por Antonio Proost Rodovalho.

25
O paternalismo era caracterizado por três traços principais: a presença física do patrão no local de produção,
relações socais do trabalho concebidas conforme o modelo familiar (o patrão é o pai e os operários são os filhos),
a constante participação dos operários nas festas promovidas pelo patrão e a aceitação desta integração pelos
operários que se orgulhavam de participar da empresa com a qual se identificavam (PERROT, 1988).
26
Na periferia norte da cidade de São Paulo havia por volta de 4.000 operários, na década de 1890, que
trabalhavam em diferentes caieiras e pedreiras, para a construção de novos bairros – uma exigência da expansão
urbana da época (HARDMAN, 1982).
48

Como já vimos, a consolidação da Companhia Melhoramentos ocorreu em 1890, a


partir dos estabelecimentos fabris do coronel Rodovalho. Com o projeto elaborado pela
empresa Gebrüder Hemmer, iniciava-se a construção da fábrica utilizando-se pedras de
um morro próximo - conhecido por Tico-Tico - cimento e folhas de zinco importados da
Europa. Começaram também as pesquisas de análise para matéria prima, com a utilização
da cal na celulose. A situação geográfica era favorável para o empreendimento com a
utilização do Rio Juqueri que fornecia energia hidráulica para o funcionamento das
máquinas e favorecia o transporte fluvial de cargas que, juntamente com o transporte
ferroviário interno trazia movimentação à região (DONATO, 1990).
Até a consolidação da Companhia Melhoramentos de São Paulo, a empresa de
Rodovalho ainda era anunciada como Fazenda Industrial Caieyras27 (VICENTINI, 2007).
A notícia publicada na primeira página do jornal O Estado de São Paulo, em 1890, sob o
título EXCURSÃO A´S CAYEIRAS retratava o prestígio dos estabelecimentos de
Rodovalho:

O sr. Coronel Antonio Proost Rodovalho convidou alguns amigos a visitar


hontem os seus grandes estabelecimentos industriaes situados juncto à estação
das Cayeiras.
As pessoas que foram gosar o agradável e pittoresco passeio, salvo desculpavel
esquecimento, foram as seguintes:
Dr. Governador do Estado, Drs. Paula Souza, Rubião Junior, Paes de Barros,
José Luiz de Almeida Nogueira, do Correio Paulistano, Ignacio Cochrane,
Vieira de Carvalho, Delfino Cintra, Dino Bueno, Americo dos Santos, A. Pinto,
Ernesto Silva, Ramos de Azevedo, Cantinho, Lins de Vasconcellos, Silveira
Mello, Ezequiel Ramos, Lencke, Marcos Arruda, barões de Jaguará e de Mello
Oliveira, commendador Hammond, Anselmo de Carvalho, Horácio de Carvalho;
Hippolyto da Silva e Filinto d´Almeida, d´esta folha.
Tendo tomado lugar em uma carruagem especial do trem das 6,20 da manhã
apeiou-se a longa companha, uma hora depois, na estação das Cayeiras, perto da
qual havia uma casa onde lhe foi servido o indispensável café.
Em seguida começou a viagem mais variada do que é possível fazer-se: Dois
kilometros de bonds a vapor até a ponte do rio Juquery que corta a grande
propriedade do coronel Rodovalho; embarque em duas lanchas rebocadas por
um vaporsinho – tres kilometros de navegação pelo rio pittoresco, encantador,
marginado por uma vegetação abundante, cortado por pontilhões, afestoado de
cipós e lianas bellissimas. Desembarque junto aos edifícios em construcção para
a fabrica de papel que deve ser inaugurada em principio em Julho e onde já estão
assentados quase todos os grandes machinismos, tesouras, enormes caldeiras
suspensas e gyratorias para a cocção das fibras textis, trituradores,
clarificadores, turbinas gigantescas ao lado de uma extensa represa do rio, sobre
a qual as aguas se despenham magestosamente, e, occupado todo o vasto edificio
inferior, as duas monstruosas machinas de cilindragem, extensíssimas, de uma

27
No primeiro momento de difusão da indústria no Brasil, os grupos de casas localizados em áreas rurais eram
chamados muitas vezes de “vilas” ou “povoado”, por tratar-se de local com população reduzida e subordinação
política a uma cidade, ou eram chamados de “fazenda” em referência ao vínculo agrário do empreendimento
industrial, onde em muitos casos a empresa se constituía em uma antiga fazenda e assim continuava a ser
chamada (CORREIA, 2001).
História da Companhia 49

entontecedora quantidade de cilindros desde os de um ou dois centímetros de


diametro até os de mais de um metro.
Vistos os bellos edificios, todos construídos de pedra, cal e tijolos, sobre rocha
viva, e admirados os machinismos que o administrador techino sr. Frederico
Sidow teve a amabilidade de explicar minuciosamente aos circumstantes, estes
montaram a cavallo e foram até o primeiro e elegantíssimo fôrno continuo das
cayeiras.
Ali houve ainda mudança do meio de transporte: como chovesse, tiveram de ir
todos de carros... de bois, mas carros já preparados para a excusão, com bancos
e cobertos de lona e palmas. Nestes carros foi companha até ao local desejado do
almoço, perto do segundo grande fôrno continuo.
Depois do almoço visita ao fôrno, de onde vimos cahir o calcareo calcinado e
assistimos ao processo simplicimo mas curioso da hydratação: sobre as pequenas
pedras calcinadas os operarios atiram baldes de agua e ellas vão-se esboroando
pela acção do vapor desenvolvido, até ficarem reduzidas a pó.
Voltâmos nos carros de bois até o primeiro fôrno contínuo, tendo visto os vários
outros intermittentes, situados no caminho do segundo.
Livres dos carros de bois a que a dura necessidade nos obrigara, expirimentámos
ainda outro systema de viação: um ascensor funicular, que sobe um plano
inclinado suavemente, até galgar a plataforma quase plana da montanha que
conduz à pedreira calcarea. No alto da montanha, foi desatrelada a locomotiva e
os carros passaram a ser tirados por bestas.
Vimos a pedreira calcárea de pedra negra semelhante à ardosia na apparencia.
Bebemos agua fresquissima numa fonte próxima e tornamos a subir a vertente
da montanha; no alto começa a descida de tracção: deslisam sobre os trilhos, de
breack apertado.
Chegamos ao ponto de partida, esperavam-nos a pequena locomotiva com os
seus dois carros, que nos conduziram até a grande olaria, onde assistimos a
fabricação rapida de tijolos e telhas de todos os feitios e onde se está
construindo um grande forno para cinco milheiros de tijolos. Em uma das
vastíssimas dependências da olaria vimos fabricar papel à mão; o processo é
simples: em uma tina está a materia-prima, a fibra, reduzida a liquido; um
operario mergulha nesse liquido numa peneira quadrada, de rêde finíssima; o
que fica dentro da peneira já é papel, que outro operario vae collocando folha a
folha entre quadrados de baeta; d´alli vae a uma pequena prensa de mão onde é
premido; depois disso falta apenas pôl-o a seccar. E assim se faz o papel
ordinario, para embrulho, pardo e amarellado, e o branco para phyltrar.
Vistas todas estas curiosidades industriaes, tão variadas e complexas, que dão
trabalho a cerca de mil e quatrocentos operarios, homens, mulheres e crianças, e
que são devidas à extraordinaria iniciativa e ao poderoso espírito emprehendedor
de um único cidadão – o coronel Rodovalho; tendo recebido a mais grata
impressão de todo aquelle enorme esforço em prol do grogresso inegualavel
deste estado, voltámos até à casa junta a estação das Cayeiras, onde nos
esperava um jantar não menos lauto e bem servido do que o almoço.
Acabado o jantar entrámos no wagon da linha ingleza.
De um lado e de outro do trem, formados em longa fila, os operarios agitavam as
bandeiras das suas respectivas nacionalidades, italianas, suissas, francezas,
allemãs, e erguiam calorosos vivas ao coronel Rodovalho, ao dr. Governador do
Estado e aos outros convidados. No meio do enthusiasmo d´aquelles rudes
trabalhadores, o trem apitou e partio [...] Ao tomarmos pela primeira vez os
bonds a vapor, passámos pela escola dos estabelecimentos, à frente da qual
estavam os seus 70 alumnos em fórma. O professor ergueu vivas ao dr.
Governador, ao coronel Rodovalho e à república.
Agradecendo ao digno e notável industrial que nos proporcionou tão gentilmente
as inolvidaveis impressões do dia de hontem, devemos também agradecer aos
três administradores das officinas, sr. Ascagno, Sidow e Fischop as muitas
amabilidades que tiveram para comnosco, assim como para todos os convidados.
Além das industrias já estabelecidas pretende ainda o sr. coronel Rodovalho
montar nas caieiras uma pelleteria ou cortume, para o qual já lá estão todos os
50

machinismos necessários (Jornal o Estado de São Paulo, 20 de abril de 1890,


p.1).

Henri Raffard apontava a visão administrativa de Rodovalho em relato de 1890:

A 26 quilômetros de São Paulo, pode-se igualmente ver uma instalação de luz


elétrica com lâmpadas Edison da força de 20 velas nas propriedades do coronel
Antonio Proost Rodovalho, vizinhas da estação de Caieiras na linha inglesa,
onde este capitalista fez montar uma fábrica de cal, depois outra de cerâmica e
ultimamente uma de papel (RAFFARD28, 1892 apud LEMOS, 1989, p.46-47).

Diante das demandas das principais cidades brasileiras e com a facilitação de


recursos às empresas comprometidas com as melhorias de infraestrutura urbana, a
Empresa Industrial de Melhoramentos no Brasil pretendia criar Companhias de
Melhoramentos nos estados. Atraído pela possibilidade de transformar a Fazenda
Industrial Caieiras em empresa e incorporar os seus estabelecimentos fabris a uma
companhia nacional, Rodovalho percebeu a oportunidade de ampliar seu mercado
consumidor. Assim, na sede do Banco do Brasil, representantes da Empresa Industrial de
Melhoramentos no Brasil e acionistas da Companhia Melhoramentos de São Paulo
selaram sua instalação.
Quanto à avaliação dos bens a serem incorporados à Companhia, a Ata da
Assembléia Geral de instalação em 12 de setembro de 1890 emitiu o parecer29 de
avaliação:

[...] Os louvados abaixo assinados eleitos pela assembléia geral constituinte da


Companhia Melhoramentos de São Paulo passam a emitir o seu laudo
relativamente às propriedades e estabelecimentos industriais, as quais de
conformidade com o artigo 20º, parágrafo 2º, têm de ser incorporados à
companhia. Estas propriedades podem se dividir em dois grupos: o primeiro
industrial e o segundo agrícola. Fazem parte deste primeiro grupo os
estabelecimentos industriais montados nas propriedades territoriais de Caieiras,
pertencentes ao coronel Antonio Proost Rodovalho e estas mesmas propriedades,
as quais representam uma área de cerca de seis léguas quadradas formada pelas
fazendas da Conceição, Monjolinho, Bom Sucesso e Manquinho, Cresciuma e

28
RAFFARD, Henri. Alguns dias na Paulicéa. Revista do Instituto Histórico e Geográphico Brazileiro, Rio de
Janeiro, 55 (parte 2):159-258, 1892.
29
O parecer foi assinado por Theophilo Teixeira de Almeida, Virgilio Ramos Gordilho, José Pinto de Oliveira.
Posto a votos, foi aprovado unaninemente. A assembléia foi presidida por Luis Martins do Amaral e teve como
primeiro e segundos secretários Eduardo P. Guinle e João Gomes Ribeiro de Avellar. O presidente da Assembléia
proclamou a diretoria da Companhia Melhoramentos de São Paulo, de conformidade com os estatutos aprovados
por Manuel Vicente Lisboa, presidente, Antonio Alves de Carvalho, tesoureiro, Carlos César de Oliveiras
Sampaio, diretor industrial, Manuel Dias do Prado, diretor agrícola. Os membros do conselho fiscal efetivo:
coronel Antonio Proost Rodovalho, Fabio de Mendonça Uchoa, Luis Raphael Vieira Souto, Frederico Augusto
Schimidt, André Gustavo Paulo de Fontin e suplentes do mesmo conselho: Virgilio Ramos Gordilho, comendador
José Ferreira Alegria, Manuel Candido Pinto de Azevedo, comendador Joaquim Álvaro da Armada, Alfredo
Coelho da Rocha (DONATO, 1990).
História da Companhia 51

Fazendinha. As indústrias aí estabelecidas são as seguintes: caieiras, olarias,


pedreiras para cantaria, paralelepípedos e alvenaria.
Existem plantações desenvolvidas de videiras atingindo já a oitenta mil pés.
Importantes matas fornecem o combustível necessário às duas primeiras
indústrias, outrossim estão assentadas nas propriedades linhas férreas, tendo 15
quilômetros de extensão e no Rio Juqueri há navegação por lancha a vapor já
criada. Avaliamos estas propriedades, inclusive os estabelecimentos industriais,
lavoura, gado, vias férreas, casas para armazéns e colonos, lanchas a vapor e
todos os demais acessórios em três mil e oitocentos contos de réis.
Na Fazendinha está a concluir-se a montagem de uma fábrica de papel do tipo
mais aperfeiçoada, dotada de todas as máquinas necessárias, edifício
incombustível, força motriz hidráulica, três turbinas e etc. Os louvados são de
parecer que a conclusão desta importante fábrica de papel deverá ser ultimada
pela atual proprietária e incluindo a matéria prima já em depósito avaliam esta
fábrica de papel em mil e duzentos contos de réis. Fica assim avaliado o
primeiro grupo de propriedades a serem incorporados à companhia e que
constitui as caieiras em cinco mil contos de réis.
Pertencem a este grupo as seguintes propriedades agrícolas:
Santa Olímpia, Santa Carolina, Três Barras, Bela Vista, Boa Vista, Canaam, São
Joaquim e Luis Antonio no município de São Simão. Rio Corrente, Anunciação
e Santa Rosa no município de Pirassununga. Estas fazendas situadas no oeste de
São Paulo possuem mais de dois mil alqueires de terra roxa, mais de dois mil e
quinhentos alqueires de terras baixadas ou em pastos, cerca de oitocentos mil
pés de café formados e aproximadamente um milhão de pés de um, dois e três
anos. A produção do ano vindouro deve exceder a oitocentas mil arrobas, e a
colheita dentro de três anos, só pelo que existe de cafezais a formar-se e elevar-
se-á a perto de cento e oitenta mil arrobas. Os louvados avaliam estas
propriedades agrícolas em quatro mil contos de réis [...] (DONATO, 1990, p.33
e 34)

Um artigo publicado em 1890 demonstra a insatisfação de alguns com o anúncio da


instalação da nova companhia:

Mais uma Califórnia! É um assombro de riqueza, um mundo por um real! Desta


vez coube a honra de enormíssimo presente à Companhia Melhoramentos do
Brasil, única incorporadora desse novo prodígio de tentação. O prospecto é
bonito, um encanto! Mas não está completo. Não disse ao público, com todos os
guizos do reclame, o preço por quanto foram adquiridas as fazendas do Sr.
Rodovalho, e o preço por quanto terão de ser transferidas à nova companhia que
vai receber a carga.
Fala-se por aí em uma vantagemsila de 4000 contos que, reunidos ao preço da
compra, salga um pouco o lombo dos que ainda acreditam no ovo de três gemas.
Tem a palavra a honrada diretoria da Companhia Melhoramentos do Brasil
(Jornal do Commercio, 4 de setembro de 1890, p. 9).

As colocações estariam pautadas na desconfiança em relação ao emprego dos


recursos disponíveis em decorrência da política econômica adotada pelo governo,
52

conhecida como encilhamento30, que incentivou a abertura de muitas empresas, das quais,
diversas não seriam finalizadas (VICENTINI, 2007). Entretanto, as instalações de Caieiras
tiveram intenso crescimento nos anos seguintes e destaque pela sua grandiosidade e
qualidade da produção:

O mais interessante conjunto industrial surgiu, contudo, em Caieiras,


associando três ramos industriais, todos ligados ao campo através de sua
matéria-prima. Trata-se do empreendimento fundado, já antes de 1890, pelo
coronel Antonio Proost Rodovalho, e que compreendia a extração de pedras de
cantaria, e fábrica de cal, produtos cerâmicos e papel. Êste conjunto industrial se
distinguia das indústrias enumeradas acima, por não se localizar junto à estação,
mas por se encontrarem os vários estabelecimentos dispersos pelo campo, não
longe, é verdade da estação – à qual se ligavam por teleférico e por “tramway”
de tracção animal, o qual seria posteriormente ampliado e dotado de tracção
mecânica. Fica patenteada a relação locacional com a ferrovia. Em 1890 o
conjunto de fábrica era adquirido pela Companhia Melhoramentos de São Paulo.
Os estabelecimentos fabris de Caieiras caracterizavam essa área como um dos
principais centros industriais dos arredores paulistanos na época. A fábrica de
cal, em 1888, era considerada como uma das duas mais importantes da
província, e à cerâmica era atribuída a primazia absoluta entre os
estabelecimentos congêneres. A fábrica de papel era mencionada bem mais
tarde, em 1924, como sendo a mais importante do país (LANGENBUCH, 1971,
p. 107 e 108)

Descontente com algumas decisões e posicionamentos da diretoria da empresa, o


Coronel Rodovalho desligou-se, em 1900, definitivamente da Companhia (DONATO,
1990). Entretanto, os autos do Inventário do coronel, mostram que Rodovalho manteve até
o final de sua vida dois sítios no distrito de Juqueri – Toucinho e Canduá – que a princípio
não faziam parte dos empreendimentos disponibilizados para a consolidação da
Companhia e o sítio Olhos d´Água, anexado à Fazenda Industrial Cayeiras31, onde ocorria
a extração de pedras (VICENTINI, 2007).
Com a crescente demanda para o mercado papeleiro, o plantio de eucaliptos,
matéria-prima na fabricação do papel foi intensificado, como descreve o relato de um
viajante: “tornara-se verde, com o plantio de 70.000 eucaliptos, dos quais 46.000 em
1912” (DONATO, 1990. p.46 ).
A diminuição do número das obras públicas e particulares, em decorrência dos
efeitos da Primeira Guerra, reduziu a exploração da cal. Dos nove fornos já construídos
30
Tratava-se da tentativa de estimular a industrialização do Brasil durante o governo provisório de Deodoro da
Fonseca (1889-1891). O então Ministro da Fazenda Rui Barbosa adotou uma política baseada em créditos livres
aos investimentos industriais garantidos pelas emissões monetárias. A especulação financeira, a inflação e os
boicotes através de empresas-fantasmas e ações sem lastro desencadearam, em 1890, a Crise do Encilhamento. O
ato de encilhar refere-se às apostas que seriam o modo com que os especuladores atuavam na Bolsa de Valores
com as empresas fantasmas. Esta crise causou o aumento da inflação, crise na economia e aumento da dívida
externa. A política econômica conteve a emissão da moeda e procurou estimular o crescimento industrial do país.
31
Certidão arquivada no Cartório de Registro de Imóveis de Franco da Rocha.
História da Companhia 53

que operavam com freqüência, apenas três, em 1916, continuavam funcionando. Segundo
Donato (1990) a produção de papel não sofreu reduções neste período. Por outro lado, o
funcionamento dos fornos foi diminuindo até a paralisação total em meados do século XX
(LEMOS, 1989).

1.4 A incorporação à Weiszflog Irmãos


Em 1920, a Cia. Melhoramentos foi incorporada à firma Weiszflog Irmãos32, de
propriedade dos irmãos alemães Alfried33 e Walther Weiszflog, que já atuava no campo
das artes gráficas e da produção de artefatos de papel passando a se chamar Companhia
Melhoramentos de São Paulo – Weiszflog Irmãos.
Na narrativa de Donato (1990), a família Weiszflog era tradicional nas atividades
relacionadas à fabricação de charutos em Hamburgo. Wilhelm Weiszflog, o patriarca da
família, dirigia a fábrica Weiszflog & Tischer. Dos filhos34 que teve com a esposa Jane
Maria35, Otto Weiszflog, com certa experiência em comércio exterior, foi o primeiro a se
interessar pelo Brasil36, onde chegou no ano de 1894. A princípio trabalhou na firma de
exportação e importação Hermann Stolz & Co. e pouco tempo depois entrou para o ramo
papeleiro, trabalhando com o compatriota M. L. Bühnaeds que inovava com uma oficina
de encadernação, papelaria e fabricação de livros, na empresa localizada à Rua Líbero
Badaró, em São Paulo (DONATO, 1990).
Alfried, que trabalhava em Viena, chegou ao Brasil em 1896. Trabalhou como
atendente na caixa da agência do Brasilianische Bank fuer Deutschland – Banco Brasileiro
para a Alemanha.

32
Inicialmente a empresa pertencia aos irmãos Otto e Alfried Weiszflog. Após a morte de Otto, em abril de 1919,
Walther passou a integrar a sociedade (DONATO, 1990).
33
Alfried Theodor Weiszflog. Nasceu em Hamburgo a 29-11-1872. Chegou em São Paulo em 24-06-1896, onde
faleceu em 1942.
34
Os filhos de Wilhem Henrich Weiszflog, todos nascidos em Hamburgo:Hermann Richard, Otto Friederich,
Franz August, Theodor Alfried, Adolf Max, Anna Caroline, Elsa Antonie, Gertrud, Gottlob Ernest, Lilly Jenny
Mathilde, Dora Amanda, Bruno Walther (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG,
1926, p. 26, 27,28, 29, 30, tradução nossa).
35
Johanna (Jane) Maria Mathilde Lüdes, nascida em Hamburgo em 19-07-1849. Falecida em Timmendorfestrand
em 1-7-1919. Era filha Nicolaus Wilhem Lüdes, nascido em Hamburgo e Thirza Wyborn, nascida em Great
Wakring, Condado de Essex, Inglaterra (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG,
1926, p. 26, tradução nossa).
36
Entretanto Otto não foi o primeiro da família Weiszflog a instalar-se no Brasil. O guia genealógico da família
Weiszflog mostra que o comerciante hamburguês Adolfo Wilhem Weiszflog (1822-1897) primo de Wilhem
Henrich Weiszflog, pai de Otto, viveu durante algum tempo em Porto Alegre, onde teria estabelecido uma firma
que levava o próprio nome (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG, 1926, p.11,
tradução nossa).
54

Com o casamento entre Otto e Ana Maria Kuhlmann37, em 1899, o pai Wilhelm
veio ao Brasil e investiu na associação de Alfried e Otto com Bühnaeds. Os irmãos
Weiszflog substituíram o sócio comanditário de Bühnaeds e firmaram, então, a M. L.
Bühnaeds & Cia. A gerência de produção foi assumida por Otto, enquanto a da
comercialização ficou sob a responsabilidade de Alfried. Algum tempo depois Alfried
contraiu tifo e retornou a Alemanha. Ao recuperar-se se casou com Alice Köcher38. Neste
período em que esteve na Alemanha, iniciou Walther, o irmão caçula, nos assuntos
relativos à encadernação, composição, impressão litográfica, douração e pautação. Ao
reassumir a firma, Alfried ampliou os negócios com a incorporação de uma tipografia e
firmou acordo com a Companhia Melhoramentos para fornecimento de papel (DONATO,
1990).
Com o crescimento da M.L. Bühnaeds & Cia., em 1904 Walther Weiszflog39
chegou ao Brasil para trabalhar na empresa. A litografia de Victor Steidel, na Rua da
Glória foi adquirida pela M.L. Bühnaeds & Cia. Com a necessidade de acomodar os
negócios em um único edifício, empenharam-se em comprar as áreas ao redor da Cia. para
edificar o prédio do estabelecimento gráfico. Com o agravamento de sua saúde, devido à
diabetes, Bühnaeds desligou-se da Cia. tornando Otto e Alfried os proprietários, passando
a constituir a Weiszflog Irmãos – Estabelecimentos Gráficos.
As duas empresas, Cia. Melhoramentos e Weiszflog Irmãos, durante os primeiros
anos do século XX cresceram e marcaram presença na Exposição Nacional Comemorativa

37
Anna Maria Kuhlmann nasceu no Espírito Santo, em 14-08-1875. Era filha do engenheiro civil alemão Alberto
George Kuhlmann, (nascido em Bremerhaven e falecido no Brasil em 1905) e da francesa Josephine Beniche
(nascida em Granville) (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG, 1926, p. 32,
traduação nossa). Alberto chegou ao Brasil em 1864. Em São Paulo foi autor de um projeto inovador que
beneficiaria os habitantes da capital e do Planalto Paulista. Em 1883 solicitou ao governo provincial autorização
para explorar uma linha de carris que fizesse a ligação do centro da capital com a vila de Santo Amaro. Com a
concessão da autorização iniciava a Companhia Carris de Ferro de São Paulo a Santo Amaro. (SIRIANI, 2003).
Do casamento entre Otto e Anna Maria, nasceram 5 filhos no Brasil: Jane (1899), Fritz Wilhem Richard (1901),
Gerda Eugenia (1905), Wolfgang Hugo Otto (1908), Annemarie Lucie (1910). Filha nascida em Hamburgo: Hilda
Josephine Anna (1903) (GENEALOGISCHES HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG, 1926, p. 32 e 33,
tradução nossa). O prontuário DEOPS 51149 aponta Frederico Guilherme Weiszflog, nascido por volta de 1902,
como filho de Otto e Anna Maria.
38
Auguste Henriette Alice Köcher nasceu em Magdeburg, em 15-11.1874. Era filha de Alexander Köcher e
Marie Klusemann. Marie Klusemann era irmã de Hugo Paul Karl Klusemann casado com Anna Carolina
Weiszflog, irmã de Alfried. Filhos de Alfried e Alice que nasceram no Brasil: Heinz Alexander (1901), Karla
Maria (1903), Karola Alice (1907), Hasso Alfried (1910). Filhos do casal nascidos fora do Brasil: Ingeborg Jane
(nascida em Hamburgo em 1904) e Adolpha Maria Orca (nascida em Berlim em 1915) (GENEALOGISCHES
HANDBUCH DER FAMILIE WEISZFLOG, 1926, p. 33 e 34, tradução nossa). A filha Karola Alice morreu em
1978. Hasso Weizflog casou-se com Dora Carmem Antonieta Senise. Ingeborg casou-se com Gerard Reimann e
Adolfa Maria casou-se com Paul Otto Ploeger. Alice Köcher faleceu em São Paulo em 1968 (O ESTADO DE
SÃO PAULO, 03-05-1968).
39
Bruno Walther Weiszflog (1885-1962).
História da Companhia 55

do Centenário da Abertura dos Portos, ocorrida em 1908. A Cia. Melhoramentos recebeu a


Medalha de Ouro para a cal e a manilha e também o Grande Prêmio destinado ao papel. A
Weiszflog Irmãos recebeu o Grande Prêmio destinado à encadernação e impressão.
A chegada da MP II e da MP III, máquinas para a produção de papel, em 1906 e
em 1913, respectivamente, na Companhia Melhoramentos, provocou avanços e maior
desenvolvimento das áreas de Caieiras, enquanto a Weiszflog Irmãos acumulava
experiência na produção de livros e de material didático e ampliava as instalações do
parque gráfico com a ocupação dos edifícios entre a Rua Líbero Badaró e o Vale do
Anhangabaú.
A instabilidade econômica provocada pelo início da Grande Guerra, em 1914,
reduziu a produção das duas empresas. Na Cia. Melhoramentos, a redução foi drástica,
limitando a capacidade da MP III, programada para produzir de doze a quinze
toneladas/dia, a 1100 toneladas durante o seu primeiro ano de funcionamento. A
Weiszflog Irmãos sofreu o boicote promovido pelos países aliados aos negócios com
empresas de proprietários alemães. O preço e a escassez de papel na indústria nacional
motivaram os Weiszflog a procurar um local para a construção de uma fábrica de papel. A
princípio, foram a Barueri onde terras com os requisitos básicos para a implantação da
nova fábrica estavam disponíveis, mas este plano foi arquivado após a morte de Otto, em
1919, que suscitou também a compra de sua parte na empresa pelo irmão Alfried
(DONATO, 1990).
A Cia. Melhoramentos obteve vantagem em relação à produção de celulose, já que
a importação deste material estava dificultado pela Guerra. Foi possível fazer
investimentos, durante este período nas instalações fabris, mas a produção de cal e
cerâmica sofreu redução com a diminuição de obras públicas e isto levou à maior
contratação de funcionários ligados à fábrica de papel que nas outras atividades
(DONATO, 1990).
Os irmãos Weiszflog, ainda imbuídos na problemática da tarifação de importação
de papel que afetava as publicações da empresa, procuravam uma alternativa para as
oscilações do mercado e buscaram a possibilidade de associar-se ou incorporar-se a
alguma fábrica de papel já existente. A Companhia Melhoramentos veio ao encontro das
necessidades da Weiszflog Irmãos, pois tinha começado a enfrentar problemas, com o
reaparecimento de papéis estrangeiros e com a manutenção precária de seu maquinário
durante os anos de maior produção. Além disto, os acionistas da Cia., incluindo o grupo
56

Pugliese-Crespi, entraram em atrito em relação à valorização das ações nas cotações da


Bolsa, dando início a uma crise interna (DONATO, 1990).
Com a venda de parte do prédio sede da firma, Alfried Weiszflog comprou as ações
do grupo Pugliese-Crespi, e em 1920 ocorreu a assembléia para fundir a Cia.
Melhoramentos e a Weiszflog Irmãos, nascendo desta incorporação a Companhia
Melhoramentos de São Paulo – Weiszflog Irmãos Incorporada.
Durante os primeiros anos de República ocorreu um grande incentivo à abertura de
sociedades destinadas, principalmente, à exploração imobiliária, quando o então ministro
da fazenda Ruy Barbosa, movimentou as finanças do país com o estímulo à abertura deste
tipo de negócio. Lemos, (1993) relata que neste período foi fundado o Banco União,
vinculado à Companhia Melhoramentos. Embora Donato (1990) tenha feito restrições
quanto à possibilidade de ter sido a Companhia Melhoramentos de São Paulo a mesma
empresa envolvida na criação do Banco União, onde Ramos de Azevedo estava
diretamente vinculado, achamos pertinente mencionar as circunstâncias que uniam o
arquiteto, o banco e a empresa ligada ao ramo de investimentos imobiliários:

Ramos de Azevedo não foi um mero espectador dessa festa argentária, pois logo
depois de 15 de novembro engajou-se, com amigos, na “Companhia
Melhoramentos de São Paulo”, presidida por Joaquim José Vieira de Carvalho.
Essa companhia propunha-se a negociar terrenos e casas “nesta capital ou em
seus subúrbios”, empreitando, fazendo hipotecas, empréstimos e corretagem em
geral. Também recebia dinheiro a juros. O escritório central era na Rua 15 de
Novembro, nº 19, sobrado. Durante o mês de dezembro de 1889 e os seguintes
de 1890, diariamente, saía matéria paga dessa companhia nos jornais,
principalmente no “O Correio Paulistano” e nesses anúncios aparecia com
destaque o nome de Ramos de Azevedo, ali tido como o responsável técnico e
garantia de correto atendimento. Todos os seus companheiros nessa sociedade
faziam parte da mais fina flor cafezista como Antonio Paes de Barros, José
Vicente de Azevedo, João Batista Mello Oliveira e Francisco Paula Rantz. Aos
poucos, Ruy Barbosa foi “aperfeiçoando” a sua política econômica e um seu
decreto de janeiro de 1890, o de nº 165, fez com que surgissem bancos
progressistas interessados em negócios ainda não cogitados pelos
estabelecimentos que só pensavam no café e empréstimos a juros. Assim nos
escritórios da Cia. Melhoramentos de São Paulo urdiu-se a constituição de um
banco, cuja licença de funcionamento fora obtida nos dias do citado decreto pelo
capitalista Antonio Lacerda Franco. Esse novo banco constituiu-se, afinal, em
fins de abril de 1890, tendo absorvido todos os bens da Cia. Melhoramentos de
São Paulo. Em resumo, tinha as seguintes atribuições: 1 – Empréstimos,
descontos e câmbio; 2 – hipotecas; 3 – penhores agrícolas; 4 – adiantamentos
sobre instrumentos de trabalho, como máquinas de todos os meios de produção
agrícola; 5 – empréstimos para a construção de edifícios; 6 – compra e venda de
terras, inclusive, parcelando-as; 7 – colonização de grandes áreas; 8 –
beneficiamento e drenagem de propriedades em geral e, finalmente,
levantamentos topográficos e abertura de estradas. No dia 4 de maio de 1890
noticia-se, nos jornais, a assembléia geral de instalação da nova entidade que se
chamou Banco União de São Paulo. Foi eleita a diretoria: presidente, Antonio de
Lacerda Franco; diretores, João Batista de Mello Oliveira, Joaquim Lopes
Chaves, Antonio Paes de Barros, Victoriano Gonçalves Carmillo, Bento Quirino
História da Companhia 57

dos Santos e João Tobias de Aguiar e Castro. Não sabemos se Ramos de


Azevedo subscreveu ações desse banco, como também não sabemos se era sócio
capitalista da empresa absorvida Melhoramentos de São Paulo. Mas o fato é que
continuou como diretor técnico. Os textos consultados dizem que ele foi o chefe
da carteira imobiliária do Banco União. [...] O entusiasmo dos meses iniciais foi
muito grande e o banco tratou, inclusive, de estabelecer bases fornecedoras de
matéria-prima para construções. Comprou a fazenda Ituparanga, que produzia
mármores e cal virgem [...] e constituiu a “Companhia Paraná Industrial”, para
fornecer pinho e demais madeiras para construção (LEMOS, 1993, p.35 e 36).

Para Donato (1990) esta empresa ligada aos negócios envolvidos com empréstimos
e financiamentos era uma homônima que nada tinha a ver com a Companhia
Melhoramentos de São Paulo, fundada no Rio de Janeiro e estabelecida em Caieiras pelo
coronel Rodovalho e acionistas. Para o autor, a utilização do mesmo nome devia-se ao fato
do termo “Melhoramentos” estar muito em voga na época da fundação das duas empresas.
Não podemos negar, entretanto, que havia certa proximidade entre os empresários que
compunham a nata cafezista com os estabelecimentos de Caieiras. Estas aproximações são
assinaladas com a presença de Vieira de Carvalho, presidente da Companhia
Melhoramentos voltada ao ramo imobiliário; do diretor Paes de Barros e do arquiteto
Ramos de Azevedo, a quem estaria atribuída a responsabilidade técnica da empresa, na
excursão ocorrida em Caieiras em 20-04-1890, poucos dias antes da fundação do Banco
União, que teria absorvido os bens da Companhia Melhoramentos. É fato que os nomes
que compõem as duas diretorias não coincidem e que a Companhia Melhoramentos de São
Paulo estabelecida em Caieiras surgiria 5 meses após a fundação do Banco União, mas o
próprio Coronel Rodovalho participou da fundação do Banco União, portanto estava
envolvido com os objetivos da empresa. Nesta conjuntura não podemos compartilhar das
colocações de Donato (1990) quando o autor afirma que a empresa homônima tinha
interesses distintos daqueles expressos por Rodovalho:

Existira, em começo de 1890, uma Companhia Melhoramentos de S.Paulo.


Melhoramentos era uma palavra e disposição muito em moda. Os dois principais
jornais paulistanos publicaram, todo o mês de janeiro, este anúncio: “Companhia
Melhoramentos de São Paulo. / Compra, de contar própria ou alheia, terrenos e
casas nesta capital e em seus subúrbios. / Toma empreitada de obras públicas e
de construções de prédios particulares, recebendo o pagamento em amortizações
mensais, mediante hipoteca do prédio, e pelo prazo de 1 a 10 anos. / Empresta
pra construção de prédios de 1 até 25:000$000 réis, mediante hipoteca e
pagamento por amortizações mensais e prazo de 1 a 10 anos. / Empresta sob
hipoteca de casas e terrenos no município desta capital e pelo prazo de 1 a 5
anos, sendo o pagamento na forma que se convencionar. / Encarrega-se de venda
de terrenos em lotes, na forma convencionada com os proprietários. / Recebe
dinheiro a prêmio por prazo nunca menor de um ano. / Escritório – rua 15 de
novembro nº 19, sobrado. / Diretores: Presidente, dr. Joaquim José Vieira de
Carvalho – Superintendente dr. Francisco de Paula Ramos de Azevedo – dr.
58

Antonio Paes de Barros – João Batista de Mello Oliveira – dr. José Vicente de
Azevedo” (Correio Paulistano, página 3, 1ª coluna, 23.1.1890) Nada a ver com
os propósitos da campanha do coronel Rodovalho (DONATO, 1990, p. 33).

Como vimos, a Companhia Melhoramentos foi fundada em setembro de 1890, no


Rio de Janeiro e registrada na junta comercial da capital federal, com objetivo de explorar
atividades agrícolas em suas fazendas, extração de minérios e fabricação de materiais para
construção e papéis. Mônica Silveira Brito (2000) afirma que a Companhia Melhoramentos
instalada na capital paulista no início de 1890 tinha, inicialmente, objetivo de adquirir e
comercializar terrenos e casas na capital paulista; vendas de materiais para construção;
construção de obras públicas e particulares. A autora afirma que faziam parte desta
diretoria: J.J. Vieira de Carvalho, Francisco de Paula Mayrink, Francisco de Paula Ramos
de Azevedo, Antonio Paes de Barros, João Batista Mello de Oliveira, Antonio de Lacerda
Franco, Pedro Vicente de Azevedo, Carlos de O. Sampaio e Antonio Proost Rodovalho.
A organização desta empresa em São Paulo no mesmo ano em que Rodovalho
promoveu a fundação da Companhia Melhoramentos de São Paulo, no Rio de Janeiro, nos
mostra um conflito que envolve nomes idênticos das empresas, ambas com a participação
de Rodovalho, entretanto com sedes e objetos sociais diferentes. Vicentini (2007) aponta
uma alternativa para o entendimento desta questão que nos parece bastante aceitável e
mostra dados que permitem acreditar que as duas empresas poderiam ser a mesma. A
Companhia Melhoramentos ligada à Companhia Melhoramentos do Brasil, era ligada às
atividades agrícolas, produção de materiais de construção e extração de minérios. A outra
empresa, ligada à compra e venda de terrenos e construção de casas, instalada na capital
paulista, começou a explorar pedreiras, produzir cal, produtos cerâmicos e papéis a partir
de 1901. Até esta data, esta fabricação era feita pela empresa sediada no Rio de Janeiro,
com estabelecimentos fabris em Caieiras. Neste período estava em curso a transferência da
empresa do Rio de Janeiro para São Paulo, o que foi concretizado em 1903 (VICENTINI,
2007). Donato (1990) aponta uma séria crise ocorrida com a empresa nos primeiros anos
da década de 1890. Neste período o valor das ações caiu de 700 para 200 réis e em 1892,
com a redução do capital o total de ações caiu de 75 mil para 33 mil. Neste ano, optou-se
pela continuidade apenas dos serviços industriais, extinguindo-se as atividades agrícolas.
Após tentativas de sanar a crise econômica instituída na empresa, a diretoria da Companhia
decidiu por vender Caieiras, decisão que desagradava Rodovalho. Não existindo mais
interesse da Companhia Melhoramentos do Brasil em manter a Melhoramentos de São
História da Companhia 59

Paulo, a sede seria transferida para a capital paulista. Após esta tramitação legal, a empresa
foi registrada na junta comercial de São Paulo em 1903. Assim, Vicentini (2007) considera
[...] que é possível acreditar que se tratava da mesma companhia, pois no
período em que ocorreu a transferência de sua sede, seu objeto social podia
então ser incorporado ao Banco União, como o restante da empresa. Assim, ao
aproveitar a concessão obtida por Antonio de Lacerda Franco para a constituição
de um banco, a diretoria da Companhia Melhoramentos de São Paulo adotou
uma medida estratégica, participando da constituição desse banco, tornando-se
sua segunda maior acionista e incorporando seus bens àquela instituição
financeira. Dessa forma, a Melhoramentos estava sob controle do Banco União,
beneficiando-se com a possibilidade de maiores investimentos, uma vez que,
entre suas funções, o banco poderia investir em construção, comercialização e
financiamento de imóveis, bem como na produção de material para a construção,
exatamente o que foi feito pela Companhia Melhoramentos. Embora não
disponhamos do quadro completo dos acionistas da Companhia Melhoramentos
de São Paulo e do Banco União, ao observarmos os nomes dos principais sócios,
portadores de maior número de ações, constatamos que vários estavam presentes
nos dois empreendimentos. Quanto aos investidores que compraram ações da
Melhoramentos, quando foi registrada no Rio de Janeiro, conhecemos apenas o
nome do conselho fiscal. A documentação existente não nos permite garantir que
se tratava da mesma empresa. Acreditamos que sim (VICENTINI, 2007, p. 102).

E, desta forma, justificar-se-ia a existência das duas empresas homônimas.


60
61

Capítulo II
Organização Social e Espacial de Caieiras
62
Organização Social e Espacial de Caieiras 63

2 Organização Social e Espacial de Caieiras

2.1 A organização das vilas


Os núcleos fabris constituídos por empresas costumavam oferecer ao trabalhador
uma estrutura complexa que compreendia muito mais do que apenas as moradias. Estes
lugares seriam, nos dizeres de Correia (1998), concebidos para produzir mercadorias e
reproduzir uma força de trabalho capacitada para o trabalho industrial. Ali, a fábrica seria o
centro da vida local. O cotidiano e o tempo dos operários estariam controlados e moldados
pelas necessidades produtivas. Em comum, estes lugares tinham a preocupação com a
segurança, higiene, saúde e economia. Correia (1998) aponta que os núcleos tendiam à
hierarquização e divisão funcional dos espaços. Essa idéia estaria associada ao controle dos
comportamentos individuais que seriam percebidos também na organização do interior das
casas, que teriam espaços com dimensões e estrutura compatíveis com a separação das
funções, dos sexos e idades. Abordamos aqui a organização estabelecida no núcleo fabril
da Companhia Melhoramentos, que era formada a partir das unidades produtivas e oferecia
ao trabalhador uma complexa estrutura composta por vilas residenciais, escolas, armazéns,
lazer, serviços e assistência médica. Além da distribuição destes elementos que compunha
o núcleo fabril de Caieiras trataremos ainda dos primeiros grupos de moradores que se
fixaram na região.

2.1.1 1877-1920: primeiras ocupações


Desconhecemos algum plano oficial40 para o traçado urbano de Caieiras que tenha
sido elaborado para sua implantação a partir do século XIX. Entretanto, pode-se observar
que a estrutura espacial de Caieiras seguiu um plano, mesmo que informal, ao começar a se
desenvolver ao redor das principais unidades produtivas estabelecidas, inicialmente, nos

40
Em outros exemplos, alguns núcleos fabris tiveram planos urbanísticos elaborados por profissionais e outros
seguiram implantações informais. Entre os núcleos que seguiram planos elaborados por profissionais, Correia
(1998) destaca, na França, a ampliação de Mulhouse, projetada por Émile Muller, em 1852; o núcleo da fábrica
têxtil de Marquette, projetado pelo arquiteto Tierce, em 1846 e a ampliação do núcleo de Noisel, projetada pelo
arquiteto Jules Salnier. Na Inglaterra, destacou o plano geral para o núcleo de Saltaire – fábrica e partes dos
projetos de arquitetura de casas e equipamentos coletivos – que foi projetado pelos arquitetos Henry Lockwood e
William Mawson; a contratação de muitos arquitetos para projetar moradias e prédios em Port Sunlight; os planos
e projetos de arquitetura elaborados pelo arquiteto Alexander Harvey para Bournville; o plano urbano e os
primeiros prédios de New Earswick concebidos por Raymond Uwin e Barry Parker; a criação na década de 1840
por indústria têxtil de Copley, projetado pelo arquiteto George Scott e Julian Hill que projetou Bromborough
Pool. No Brasil a ocorrência de núcleos fabris com planos projetados por profissionais construídos até a década
de 1930 é rara. Em Santa Catarina existe informação sobre plano elaborado por engenheiro-arquiteto alemão em
1925 para a Fábrica Renaux e no Rio Grande do Sul, há informações de projetos elaborados por arquitetos
uruguaios para prédios construídos pelo Frigorífico Armour (HERING, 1987; ALBORNOZ, 1997).
64

diversos sítios, terras que por continuidade do território formavam a Fazenda Cayeiras. As
primeiras ocupações da Companhia Melhoramentos, ao que tudo indica, deram
continuidade à ocupação das casas de colonos que já existiam nas propriedades formadoras
da Fazenda Cayeiras na ocasião da consolidação da Cia. Melhoramentos, ou foram
construídas posteriormente ampliando-se o número de unidades existentes para abrigar o
contingente de trabalhadores.
Deste modo, a formação das vilas durante os últimos anos do século XIX foi
iniciada com as casas de colonos existentes e seguiu este modelo durante os primeiros anos
do século XX. Este fato pode ser comprovado com a observação da construção de casas de
aspecto rural nas proximidades da estação de trem, durante primeira década do século XX
(ver figuras 57,59 e 60 - item As casas operárias até a década de 1920). As casas de
colonos estavam locadas nas proximidades dos setores produtivos e assim, através de fotos
e relatos, observamos que existiram, neste período, em pelo menos oito localidades: Rua
dos Coqueiros, Sobradinho, Calcária, Bonsucesso, Cerâmica, Fábrica de Papéis, Caieiras e
nas proximidades do Tancão.

Figura 3 As casas de colonos no bairro da Cerâmica


Fonte: Donato (1900)

As casas de colonos da Fazenda Cayeiras receberam grande número de famílias de


trabalhadores imigrantes que deram impulso ao povoamento e desenvolvimento da região
ainda antes da implantação do núcleo, assunto que será abordado no item O povoamento
das vilas. Dando início aos relatos sobre as primitivas vilas que compuseram o núcleo de
Organização Social e Espacial de Caieiras 65

Caieiras, Antonio Eusébio (2011), ex-morador do núcleo, retrata algumas lembranças sobre
as colônias:
Tinha a Cerâmica que eram casas mais antigas, bem antigas, não sei te dizer de
quando que era. (Os habitantes das colônias) que vieram de tantos lugares, né?
Vinham de Campinas, deste interior de São Paulo. Tinha o pessoal que veio
assim como imigrantes, foram pra roça, pra lá e depois vieram da roça trabalhar
na Melhoramentos. E aí começaram a “colonizar” estas pessoas que vinham do
interior pra ser funcionários ali...então tinha uma colônia ali embaixo, mas isso
eu era muito criança...tinha 6 ou 7 anos...eu lembro bem dessa colônia. Agora lá
em cima na Vila Floresto41, lá pra frente, os bairros eram todos antigos, porque
depois do Floresto tinha a Aldeia [...] Ficava perto do Horto, entre o Horto e o
Tancão tinha uma vila que ficava afastada assim, no mato assim, né, chamava
Aldeia. Lá era que nem uma aldeia, chamava aldeia porque era uma aldeia
mesmo. Porque era assim, uma vilinha de casas que tinha uma casa aqui, uma
casa aqui, no centro tinha um poço comunitário. Então tinha aqui uma vilinha de
casas que morava meu avô. Uma vila, uma outra vila de casas de outras pessoas,
devia ter umas três ou quatro casas e aqui uma outra vila de casas que tinha mais
duas ou três casas...é...tudo grudado, mania de fazer tudo grudado, até parece
que não tinha espaço, tanta terra, né?Então era assim aqui tinha uma vila, meu
avô morava aqui, aqui tinha mais duas ou três casas, o pessoal dos Silveira
moraram nestas casas aqui e formava que nem uma aldeia, e a gente nem falava
aldeia, né? Era “ardeia, ardeia” (EUSÉBIO,2011).

O relato de Eusébio trata da existência desta vila pouco lembrada atualmente pelos
antigos moradores, cujo nome Aldeia foi aplicado devido à configuração da implantação
dos grupos enfileirados de casas dispostos em “U” ao redor do poço de água. A descrição
das moradias desta vila nos pareceu seguir modelo semelhante ao das casas de colônia.
O núcleo de Caieiras, em 1920, já mostrava porte e tomava dimensões
surpreendentes. Já era um prenúncio da nova estrutura que se instalaria nos próximos
anos partilhando o espaço com as antigas instalações rurais:

Possue Cayeiras 650 casas, para operários e administração; 4000 alqueires de


terra, quasi todos plantados de especies vegetaes proprias para a industria do
papel, como sejam eucalyptos, cruptomea japonica, casuarinas, etc; linha férrea
na extensão de 30 kilometros corta a propriedade em diversas direcções; possue
7 escolas com media de frequencia de 40 alumnos e um grupo de 100 escoteiros,
filiados á Associação Brasileira de Escoteiros; 1500 operarios e suas familias;
pharmacia; templo religioso, theatro, hospital em construção, associações
recreativas e desportivas, jornal publicado por auxiliares da Companhia, etc. (A
MARCA D´ÁGUA NO PAPEL DE IMPRENSA E A INDUSTRIA NACIONAL
DE PAPEL s.d., p.38 apud CORREIA, 1998, p.94-95).

O relato acima mostra que a estrutura de Caieiras já estava se definindo como um


grande núcleo fabril que tendia a crescer ainda mais nas décadas seguintes, principalmente
com o aumento de moradias e com instalação de armazéns e igrejas para atender às novas

41
Alguns ex-moradores tratam o lugar como Vila Floresto e outros como Vila Foresto. À exceção da transcrição
dos relatos, adotaremos Vila Foresto.
66

demandas. Podemos associar o porte da indústria de Caieiras neste ano a um reflexo da I


Guerra. A importação de celulose havia sido suspensa colocando as indústrias do setor
papeleiro em dificuldades. Diante desta suspensão, Caieiras assumiu uma posição
produtiva privilegiada devido à sua auto-suficiência em relação à matéria-prima, chegando
a produzir em 1919 cerca de 240 toneladas de papel. O período de ausência do produto
estrangeiro competidor permitiu o crescimento da Companhia Melhoramentos ainda
durante a primeira década do século XX. Em 1916 foi fundado o primeiro grêmio, o
Melhoramentos Futebol Clube e no ano seguinte, foi inaugurada a Igreja Nossa Senhora
do Rosário, na Rua dos Coqueiros. A produção de papel, neste período, contrabalanceava
a produção de cal e cerâmica que foram bastante reduzidas com a diminuição das obras
públicas. Com isso, em 1918, o número de trabalhadores da fábrica de papel superava o de
outras atividades. Foi também a dificuldade de encontrar papéis no mercado durante o
período de guerra que motivou a Weiszflog Irmãos a procurar uma parceria que resolvesse
esta dependência do mercado de matéria-prima, culminando na incorporação das duas
empresas, em 1920 (DONATO, 1990). O gráfico demonstrativo da produção de papel
referente ao período compreendido entre os anos de 1892 e 1950 mostra que a fábrica
manteve um ritmo sempre positivo e crescente (figura 4).
Entretanto, nas imagens dos mapas consultados que correspondem às datas de
1901, 1908, 1912 e 1925, não foi possível constatar o crescimento da estrutura física do
núcleo de Caieiras. Os mapas mostram pequenos aglomerados na Rua dos Coqueiros e nas
proximidades da fábrica (ver Anexos A, B, C, D).
Durante a década de 1920, o consumo de madeira para abastecimento dos
maquinários e dos fogões à lenha das casas, levou as florestas na Companhia a uma
situação preocupante em relação à quantidade de áreas ainda cobertas por matas. Um
levantamento feito neste período mostrava que dos 4000 alqueires de terra da empresa,
apenas 30% estavam recobertos por matas, 66% eram campos e 4% estavam ocupados
com plantações. Isso levou a Companhia a investir em experiências e na criação do
viveiro de mudas, nascendo, neste período a vila do Horto Florestal. Assim, um estudo
feito em Caieiras mostra que

Emquanto iamos colhendo os dados theoricos e praticos, iniciamos a


construcção de casas operárias para podermos atacar com vigôr este problema, e
não tardou para que cerca de 200 operarios estivessem empregados na plantação
dos primeiros Eucalyptus, cujo número com o tempo elevou-se a quase
1.000.000 pés (O PROBLEMA DA MATERIA PRIMA DO PAPEL NO
Organização Social e Espacial de Caieiras 67

BRASIL - ESTUDO E REALISAÇÕES FEITOS EM CAYEIRAS PELA


COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO, [19-]).

A descrição da implantação desta vila coincide exatamente com a explicação de


Joel Csernik (2011), ex-morador do núcleo, sobre a forma de implantar as vilas operárias
nas proximidades dos setores produtivos:
[...] tinha o setor de plantio, então existia um grupo de casa ali. Tinha um setor
de produção, então eles faziam as casas mais próximas daquele setor. Então
assim eles foram fazendo. Então cada setor, tinha seu pessoal especializado [...]
eles foram dividindo, né? Que nem lá no Monjolinho mais era quem trabalhava
no cal, na plantação pra fazer mudas de eucalipto, então, eles pegavam por
setores (CSERNIK, 2011).

Figura 4 Demonstrativo do crescimento da produção do papel, 1950


Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo–Indústrias de Papel–1890-1950

As figuras 5,6,7,8, mostram um aumento de habitações de aspecto rural no entorno


da fábrica e o surgimento de novas edificações tanto fabris como habitacionais. Na figura
5, temos uma vista da fábrica, referente ao período entre 1888-1889, durante a construção
da barragem para elevar o rio Juqueri com intuito de fornecimento de energia hidráulica.
Notamos no canto superior esquerdo uma pequena casa implantada na declividade do
terreno, que segue os padrões das casas rurais. De certo, trata-se de um grupo de casas
enfileiradas já existentes no local quando da construção da fábrica ou construído nos
mesmos moldes das anteriores para moradia das famílias dos trabalhadores que ali se
estabeleceriam. O panorama da figura 6 mostra grande quantidade de casas rurais
implantadas nas imediações da fábrica de papel, que neste momento, ano 1900, já estava
68

em funcionamento. À medida que os trabalhos na fábrica foram aumentando, ampliou-se o


número de moradias no local. A figura 7 nos permite uma avaliação mais detalhada do
local. Nela temos uma vista geral do bairro da fábrica em 1920, ano que marca a posse da
diretoria pela família Weiszflog. Observa-se a ampliação das edificações fabris e a
formação do entorno cercado, de pelo menos 21 unidades de moradias alinhadas,
enfileiradas e que obedeciam em suas implantações à declividade do terreno. A arquitetura
destas casas será analisada, posteriormente, no item Moradia em Caieiras. Observamos à
esquerda da chaminé uma edificação isolada (figura 7). Sabemos que durante a
administração dos alemães esta casa foi destinada à moradia de gerente. Junto dela, nos
anos seguintes, também na administração Weiszflog outras foram construídas com a
mesma finalidade: abrigar as famílias de gerentes e chefes. Assim, esta faixa de terrenos
altos do bairro da fábrica formou um aglomerado de residências caracterizado pela moradia
de funcionários que ocupavam os cargos mais altos da empresa, a exceção dos Weiszflog.
Estas casas são perfeitamente visíveis na figura 8, datada de 1926. Os depoimentos dos
antigos moradores apontam que moraram nestas casas os Faltin, os Khoeller, os Satrapa, os
van Bellen, os Glaser, os Kohl, todos funcionários da chamada “alta chefia” em meados do
século XX. Os patrões alemães42 implantaram suas residências em locais amplos e
isolados, que garantia certa distância das casas de operários e mesmo de chefes, como a
casa conhecida por Sobradinho, no bairro de mesmo nome, e as chácaras, como a
conhecida hoje por chácara da Dona Bertha, formada por um amplo terreno que garantia o
isolamento da moradia próxima à estação.

[...] eles tinham uma casa lá, do outro lado do rio [...] mas a gente, os “mortais”,
não íamos lá, a casa ficava lá no meio do mato, meio escondida, mas eles não
estavam sempre lá, tinha um sobradão, uma casa grande, e tinha também uma
pessoa meio diferenciada que morava perto da estação de trem mesmo [...] tinha
perto da fábrica, você descia, ali do outro lado do rio tinha um casarão também
mas era onde os “mortais” não chegavam. Você chegava perto, mas os
seguranças não deixavam você ir para lá. Na minha lembrança aquela casa era
dos Weiszflog (BELLEN, 2011).

A descrição de Bonno van Bellen (2011), ex-morador do núcleo, refere-se


provavelmente à casa de Walther e Bertha Weiszflog, que era próxima à estação e a outras
propriedades da família nas proximidades da fábrica.

42
Alguns membros da família Weiszflog não residiam em Caieiras. De acordo com os relatos dos antigos
trabalhadores, eles residiam no Alto da Lapa, em São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 69

Figura 5 O bairro da fábrica, 1888-1889


Fonte: Donato (1990, p. 37)

Figura 6 O bairro da fábrica por volta de 1900. Nota-se à direita, o enfileiramento das casas
Fonte: Donato (1990, p. 40)
70

Figura 7 O bairro da fábrica, 1920.


Fonte: Donato (1990, p. 64)

Figura 8 O bairro da fábrica, 1926


Fonte: Donato (1990, p.85)

Ao analisarmos o quadro da tabela 5, notamos que alguns dados são incompatíveis


em relação a um crescimento contínuo do núcleo habitacional constituído na Companhia
Melhoramentos. Notamos que em 1920, foi declarado haver 650 casas em Caieiras.
Entendemos que nas 650 casas já estariam incluídas moradias ocupadas por solteiros. Seis
anos depois, o número de famílias somado ao número de solteiros era de 588. Se cada
Organização Social e Espacial de Caieiras 71

família e cada solteiro ocupavam uma habitação computada, considerando que os solteiros
ocupavam quartos e não casas, e mesmo assim, somando um quarto individual para cada
solteiro, o número de habitações que temos ainda é menor àquele declarado em 1920.
Pode-se supor que a declaração de 1920 sugeriu números aproximados de habitações ou
que começava, naquele momento, algumas demolições. A tabela ressalta também que entre
nos anos de 1926 e 1957 a média de moradores dentro de uma casa de família foi alterada.
Em 1926 a média estabelecida era de 4,83 moradores por casa e em 1957, ocorreu uma
pequena redução, passando a 4,56. Os relatos de antigos moradores afirmam que a
ocupação das casas muitas vezes ocorria com números bem maiores que os números
aferidos na média do quadro resumo, chegando a ter 5, 6, 7 até 11 moradores de uma
mesma família em casas de quatro cômodos.

2.1.2 1930-1960: surgimento das novas vilas


A partir da década de 1930, Caieiras passou por ampliação e renovação de suas
vilas. Entretanto, a falta de registros na Prefeitura acerca de demolições e novas
construções e a perda, devido à enchente de 198743, dos registros referentes às
construções, dificultaram a identificação exata do surgimento e demolição de vilas.
Tomamos como referência as fotos encontradas, as placas de inscrição da data da
construção das poucas casas remanescentes e os relatos feitos por moradores e de
literatura, que se tornaram importantes documentos para esta investigação.
Pode-se dizer que o núcleo fabril de Caieiras chegou ao início da década de 1950
estruturado em três comunidades principais que se desdobravam em pequenas vilas:
Caieiras/Cerâmica, Fábrica de Papel e Monjolinho. Desta forma, as comunidades
continuaram a se organizar ao redor dos setores produtivos que havia dentro do núcleo.
Cada comunidade era formada por vilas que, muitas vezes, eram identificadas apenas pelos
nomes das ruas e a nomenclatura destas ruas estava, muitas vezes, relacionada aos
sobrenomes das primeiras famílias que chegaram ao local ou faziam referência aos
serviços ali prestados. Assim, propusemos com base nos levantamentos citados uma
estrutura aproximada sobre a organização das vilas dentro das principais comunidades e
sua situação no ano de 2010 (ver tabela 1).
É interessante notar que mesmo durante o período de renovação das casas para
trabalhadores, que fez surgir novas vilas no núcleo fabril da Companhia, ainda era

43
Motivo justificado pela assessoria jurídica da Companhia Melhoramentos quando solicitamos consulta a tais
arquivos.
72

permitido ao trabalhador a construção autônoma de sua residência. Ao mesmo tempo em


que começavam a surgir, durante as décadas de 1930 e 1940, vilas inteiras padronizadas,
com construção gerenciada pela Cia., como as vilas do Barreiro, Barreirinho,Vila Chic,
Vila Leão, parte da Rua dos Coqueiros, surgiam também construções autônomas,
construídas por funcionários que, autorizados pela Companhia, erguiam suas casas
utilizando a taipa como técnica construtiva produzindo nas vilas um cenário mesclado
entre a simplicidade de alguns agrupamentos e certa sofisticação de outros44. Izidro
Gabrielli (2011), ex-morador do núcleo, se lembra de ter visto algumas casas de barro,
entre elas a ocupada pela família de Benedito Furquim, serem demolidas na Vila Chic,
onde já havia na mesma época casas novas construídas com tijolos queimados e
acabamento aparente desde a década de 1930. No terreno da casa da família Furquim foi
construído no final da década de 1940 o Grupo Escolar Alfried Weiszflog. Antonio
Eusébio (2011) relata que a casa de barro construída pelo pai, em 1936, foi a primeira da
Vila Foresto, quando nesta ocasião

[...] (a Companhia) cedeu o terreno, Naquele tempo era fácil, né? Eles davam o
terreno e a pessoa construía como podia. Tinha que fazer, mas não era casa de
alvenaria não, era de barro (EUSÉBIO, 2011).

Uma matéria publicada em 1935 pelo jornal O Estado de São Paulo, mostrava que
o núcleo fabril
[...] possue uma das maiores fabricas de papel da America do Sul, pertencendo à
Cia. Melhoramentos de São Paulo; possue ainda 3 escolas publicas, uma escola
particular, agencia de correios, 2 cinemas, 3 alfaiatarias, 3 sapatarias, 1
pharmacia, 1 gabinete dentario, 4 emporios, 3 olarias, 2 egrejas, salões de
barbeiro, 1 açougue, 1 fabrica de cal com 7 fornos contínuos; tem ainda (...)
diversas organisações recreativas, 2 bandas de música, o Club de
Melhoramentos de São Paulo, com mais de 300 socios, com um patrimonio de
70:000$000; a União Recreativa Melhoramentos de São Paulo, com 368 socios e
um patrimônio de 35:000$000; o Italo Brasileiro Futebol Clube, com 165 sócios
e um patrimonio de 12:000$000. A população é de mais de 6.000 habitantes. Só
a Companhia Melhoramentos de São Paulo dá emprego a mais de 1.000
operarios, todos alli residentes, o que é uma grande demonstração da vitalidade
daquella empreza que gosa de justos titulos de benemerencia, entre seus
trabalhadores, attestando ainda as grandes possibilidades daquella prospera
população que tão bem corresponde ás esperanças daquelles bandeirantes
modernos da industria nacional (O Estado de São Paulo publicado em
3/12/1935).

44
Situação semelhante foi observada no núcleo fabril constituído por indústria têxtil em Paulista (PE). Neste
núcleo até a década de 1930 as casas construídas pela fábrica abrigavam apenas funcionários especializados,
como gerentes e técnicos e parte dos operários. A maioria dos trabalhadores operários morava em mocambos
cobertos de palha. Tais mocambos eram construídos em terras cedidas pela empresa pelos próprios operários e
comercializados entre eles (CORREIA, 1998). Esta condição formava, assim como em Caieiras, um cenário
mesclado entre as edificações. Entretanto, em Caieiras não tivemos conhecimento de comercialização destas casas
erguidas pelo próprio funcionário com outros trabalhadores como ocorria em Paulista.
Organização Social e Espacial de Caieiras 73

A estrutura de Caieiras podia ser comparada a uma “pequena cidade”, que abrigava
os operários e funcionários especializados em setores da produção de papel, capaz de reter
os trabalhadores no local, já que durante muitas décadas pouco havia além das vilas da
Companhia naquela região. Para uma leitura acerca do desenvolvimento de Caieiras entre
os anos de 1920 e 1958, propomos análise do quadro da tabela 2.
A Companhia se obrigava a atender a todas as necessidades dos moradores
referentes ao transporte, subsistência, higiene, segurança interna, recreação, rede interna de
luz, de telefone, água e esgoto, serviços ferroviários e rodoviários coletivos. Os serviços
eram oferecidos, “mantidos ou subsidiados dentro de seus terrenos particulares e em
benefício exclusivo de seus empregados e famílias” e era “garantia do nível e condições de
vida assegurado a tôda coletividade trabalhadora da empresa” (PRONTUÁRIO DEOPS nº
96964, p. 2-3).
Assim, em cada comunidade a Cia. oferecia armazéns de abastecimento, escola e
clubes para suprir a necessidade dos trabalhadores. Ao final do ano de 1950 a Companhia
publicava os resultados de seus serviços de assistência social própria:
A legislação brasileira, em matéria de assistência e de previdência sociais,
apontada como uma das mais avançadas do mundo impõe à indústria em geral, a
obrigatoriedade de contribuições ou encargos que já oneram sensivelmente os
custos de produção. Sem embargo, por motivos da mais variada espécie, o
custoso aparelhamento assistencial e previdenciário existente não tem podido
corresponder aos justos anseios das classes trabalhadoras, nem tem podido
prescindir, como seria de justiça e ideal, da ação supletiva ou complementar que
as emprêsas, via de regra, são obrigadas a manter, às próprias expensas e com
sobrecarga das suas já pesadas contribuições compulsórias. Assim, sem prejuízo
de sua ação no sentido de que seus empregados e dependentes usufruam o
máximo dos benefícios assistenciais dos órgãos e serviços criados por lei,
desenvolve a Companhia Melhoramentos de São Paulo – Indústria de Papel de
conformidade com a peculiaridade de sua organização, vasto e complexo serviço
de assistência social própria [...]. Sempre que possível, a administração e a
responsabilidade pelos serviços sociais são confiadas aos próprios empregados,
com um máximo de autonomia e, apenas, a indispensável interferência
planificadora, por parte da emprêsa, no interêsse da consecução de ideais e
objetivos comuns. Para que se tenha rápida noção do que tem realizado a
Companhia, nos sessenta anos de sua existência, por exemplo, em Caieiras,
basta considerar que, na atualidade, dentro dos terrenos particulares da empresa,
estão edificados vários núcleos residenciais com cêrca de 1000 residências, de
vários tipos e padrões; igrejas; escolas e grupos escolares; três clubes esportivos
e recreativos, com ótimas instalações. Foram organizados serviços de assistência
médica, odontológica e farmacêutica; serviços de abastecimentos de secos e
molhados e armarinhos; serviços de segurança, limpeza e higiene internas;
serviços de luz, água, esgoto, telefone, transporte, etc. [...] (COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO, INDÚSTRIAS DE PAPEL 1890-1950,
p.32e 34).
74

Tabela 1 Organização das vilas em Caieiras até meados do século XX


Provável início das construções
Comunidade Situação
Vila Até ou durante a Durante as décadas de
2010
década de 1920 1930-1940
Rua dos Coqueiros  Poucas casas.
Vila Pinheirinho  Demolida
Vila Barreiro  Poucas casas.
Vila Kholl  Demolida
Charco Fundo  Demolida
Caieiras/Cerâmica Barreirinho  Demolido
Cerâmica  Demolida
Mato-Grosso  Demolida
Vila dos Ventura  Demolida
Vila das Cabras  Demolida
Vila Foresto 
Olaria  Demolida
Aldeia  Demolida
Horto Florestal  Poucas casas
Bairro Monjolinho  Apenas os fornos
Monjolinho Bomsucesso  Demolida
Sobradinho  Apenas o Sobrado
Calcárea  Demolida
Tanquinho  Demolida
Cascatinha  Demolida
Bom Retiro  Demolida
Vila Morumbi  Demolida
Bairro Chic*  Poucas casas
Rua da Farmácia  Demolida
Rua do Filtro (Rua do 
Demolida
Satrapa)
Rua da Pensão  Demolida
Rua do Barbeiro  Demolida
Fábrica Rua do Polato  Demolida
Vila Pereira  Demolida
Vila Nova  Demolida
Vila Leão  Demolida
Bairro da Curva  Demolida
Vila Pansutti  Demolida
Vila Eduardo  Demolida
Ilha das Cobras  Demolida
Ponte Seca  Demolida
* Na vila Chic foram observadas construções de aspecto rural surgidas durante a década de 1920,
entretando, o nome Chic refere-se à feição que a vila assumiu após a renovação das casas ocorrida
durante as décadas de 1930 e 1940.
Fonte: Acervo da autora (2011)
Organização Social e Espacial de Caieiras 75

Tabela 2 Quadro comparativo de dados entre os anos 1920, 1925, 1935, 1940, 1958
Dados RELATOS
1920 1925 1935 1940 1958

Açougue 1 3
Agência de correios 1
Alfaiatarias 3 3
Banda de música 2 2 1 1
Barbeiro + do que 1 8
Bares 9
Bares e sorveterias 3
Bazar 1
Biblioteca 1* Nas sedes dos clubes
Casas 650 600
Casas de móveis 2
Cinemas 1 2 2
Clubes e sócios mais do que 1 3 ** 3*** 3 4

Dentista 1 2
Empórios/Armazéns 5 4 5 3****
Escolas e alunos 7( freqüência 5 com 200 4 (3 públicas 5 com freqüência de 7 (3 Grupos;1 mista
média de 40 alunos e 660 alunos estadual; 2 mistas
alunos 1 particular municipais;1 de corte e
costura
Escoteiros 100 escoteiros 50 escolteiros 1 grupo
Escritório comercial 1
Fábrica de Celulose 1
Fábrica de Cerâmica 1
Fábrica de Papel 1 1
Fábrica de talco 1
Farmácia 1 1 1 2
Fazenda 1
Ferrovia 30 Km 28 Km com 7
locomotivas
Fornos de cal 7 contínuos Alguns
Granja 1
Hospital 1 em 1 projeto do sindicato
construção para hospital
Igreja 1 1 2 2 8*****
Jornal 1 2 ( O Pharol e
CAIB)
Leiteria 2
Lojas de fazenda e 3
armarinhos
Lojas de ferragens 2
Marcenarias 2
Oficinas de costura 1
Oficinas mecânicas 7
Olarias 3 13
Operários 1500 +1000 1500
Padarias 2
População +6000 3000 (+ ou -) 8000
Profissionais liberais Alguns******
Quitandas 3
Relojoaria e Joalheria 1
Sapatarias 3
Sindicato 1 1
Teatro 1 1 sociedade cultural
artística
Usina termo-elétrica 1
Fontes: A marca d´água no papel de imprensa e a industria nacional de papel apud Correia, 1998.; Correio Paulistano,
5 de abril de 1925, apud DONATO, 1990, p.77 ; Jornal O Estado de São Paulo, 1935; A Obra Social da Companhia
Melhoramentos de São Paulo, 1940; Abaixo assinado apresentado à Assembléia Legislativa do Estado de SP para
criação do município de Caieiras com informações sobre estabelecimentos dentro e fora da Companhia, 1958, in
PERES, 2008.
* com 200 volumes na clube da seção cal
** clubes e 1 associação feminina esportiva e de palestra literárias
*** CRM com300 sócios; RMSP com 368 sócios e o IBFC com 165 sócios
**** + 1 cooperativa de consumo
***** 3 Igrejas católicas; 3 centros espíritas; 1 centro racionalista; 1 Assembléia de Deus
****** 3 advogados; 1 engenheiro; 1 químico industrial; 10 professores primários; 5 professores secundários; 4 médicos; 4
farmacêuticos; 2 dentistas; 2 enfermeiros; 1 capelão-padre
76

A estruturação do serviço social descrito na citação anterior está traduzida com


bastante clareza no organograma da figura 9, onde podemos ver toda distribuição e
controle da empresa sobre tais serviços:

Figura 9 Organograma do serviço social de Caieiras – SESCA


Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo, Indústrias de papel 1890-1950 ([19-] p. 35)

Zeferino Prando (2011), ex-morador do núcleo, relata a existência de armazéns nos


seguintes bairros durante a década de 1940 e 1950:
[...] armazéns tinha no Bonsucesso, na Calcária tinha também armazém da
Melhoramentos [...], no Monjolinho tinha armazém, na fábrica tinha armazém e
em Caieiras.Tinha cinco armazéns. Era armazém que vendia de tudo, inclusive
na época, a Melhoramentos pagava muitas vezes com ficha, tipo de um vale.
Então você ia no armazém com o vale de 10 centavos, 50 centavos e naquele
tempo você comprava um quilo de feijão! Tinha ficha pra todo mundo. Então
isso funcionou muitos anos assim e funcionou bem. Não tinha problema. Os
armazéns da Melhoramentos tinham de tudo. [...] eu me lembro do bacalhau. [...]
naquele tempo ninguém sabia fazer o bacalhau, o bacalhau era tudo importado
naquela época. Bacalhau da Noruega, bacalhau do bom mesmo! Ninguém queria
[...] e custava uma mixaria o bacalhau (PRANDO, 2011).

O fornecimento de energia e de água para as casas de funcionários também era


incumbência da Companhia. Os serviços de luz eram distribuídos entre os moradores com
Organização Social e Espacial de Caieiras 77

diferenciação no consumo permitido45. Notamos no depoimento de Bellen (2011) sobre a


descrição da casa em que sua família morava em meados da década de 1950, que esta era
uma condição inclusive para as casas da “alta chefia”, caso do pai de Bonno:

O terreno era bem grande [...] eram casas de tijolo à vista e tinha sala, três ou
quatro quartos, um porão embaixo, tinha fogão à lenha ainda e o aquecimento da
água da casa passava no fogão à lenha, então, tinha água quente na casa desde
que você mantivesse o fogão aceso e tinha um telefone que eu não esqueço, de
manivela ainda, então você ligava para a telefonista e fazia a ligação pra fora
(BELLEN, 2011).

As escolas também eram distribuídas entre as principais aglomerações. Prando


relatou a existência de escolas nos anos entre 1940 e 1950 nos bairros do Monjolinho,
Caieiras, Fábrica e Calcária.
Os divertimentos no núcleo eram caracterizados pelas festas, que descreveremos
adiante, e pelas diversões nos clubes, nas águas represadas do Tancão e na piscina, que
também eram águas represadas. Estes divertimentos eram também setorizados. O Tancão,
inicialmente, de acordo com os relatos dos antigos moradores, era aberto ao público e
tinha certo policiamento. A piscina, também conhecida por Recreio dos Alemães era de
uso exclusivo das famílias de gerentes e chefes que se recreavam neste local, onde era
proibida a freqüência de operários.

[...] tinha o trampolim, a gente falava o trampolim. Lá tinha a cabine deles se


trocarem, as árvores, tinha as mesas deles fazerem o pic-nic deles, tinha o
trampolim [...] Ah se um guarda pegasse um moleque lá, mas nós ia!
(EUSÉBIO, 2011).

Ah! Eu cheguei a conhecer o Recreio dos Alemães! Assim na fábrica era um


lugar muito bonito, uma piscina muito bonita, [...] foi uma amiguinha minha que
me levou, ela era alemã e pai dela tinha acesso ao clube. Funcionário não tinha
acesso (MINKEVICIUS46, 2011).

45
Ver valores cobrados e quantidades distribuídas no item 3.1.7 O princípio da não gratuidade.
46
Cleide A. Minkevicius é filha de trabalhadores do núcleo.
78

Figura 10 Recreação das famílias de gerentes e chefes na chamada piscina, década de 1950
Fonte: Acervo particular Bono van Bellen.

As igrejas também foram distribuídas no núcleo de Caieiras em locais estratégicos.


A Igreja do Rosário tinha uma localização mais centralizada se comparada às outras duas
igrejas. Na Rosário eram marcadas as festividades, as saídas de excursões e até mesmo a
existência de um coreto à sua frente conotava esta característica de ponto central do
núcleo. A capela de São José tinha localização mais restrita nas proximidades da fábrica.
Essa igreja também fazia parte do trajeto percorrido pelas procissões, entretanto não tinha
esse caráter central dado à Igreja Nª. Sª. Do Rosário. Sabemos pouco sobre a Capela
Sagrado Coração. Os relatos dos antigos moradores afirmam que esta igreja foi construída
pelos próprios moradores da vila e foi demolida durante o processo de desmonte junto com
o restante da vila.
Em Caieiras, a circulação, tanto de pessoas como de carga, no núcleo fabril da
Companhia Melhoramentos de São Paulo era garantida pela utilização de uma ferrovia
interna que movimentava tanto a carga para a estação ferroviária quanto os moradores das
diversas vilas formadas no núcleo da CMSP47. Em 1890, na ocasião da avaliação dos bens
que formariam a Companhia Melhoramentos, o parecer de avaliação declarava a existência
desta linha férrea interna com 15 quilômetros de extensão. Observamos nos Anexos – A, B,
C e D que a linha férrea particular da CMSP conectava a estação de Cayeiras até os
longínquos bairros de Bonsucesso, Calcárea, e Fábrica. Em 1920, relato apontava que a

47
Companhia Melhoramentos de São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 79

linha férrea havia duplicado a extensão, passando a 30 kilometros. Notamos que durante a
década de 1930 (ver figura 14) não existia o ramal que dava acesso ao bairro da Calcárea.

Figura 11 Procissão e coreto em frente à Igreja Nª Sª do Rosário


Fonte: Acervo Geraldino Ferreira.

A rua principal, conhecida por Rua dos Coqueiros, delimitava o sentido da


circulação por dois extensos enfileiramentos de palmeiras imperiais48. Esta rua conduzia da
estação ferroviária à Cerâmica.
É interessante observar que carros da Companhia Melhoramentos utilizavam-se
também das linhas da ferrovia interna por meio de uma adaptação para os trilhos.
Certamente este era um recurso que tornava a utilização dos carros bastante econômica. As
figuras 12 e 13 mostram este recurso utilizado durante a década de 1920.

48
A demarcação da entrada principal com a suntuosidade das palmeiras imperiais pode ser observada também no
núcleo fabril de Rio Tinto, Estado da Paraíba, como expõe detalhadamente Panet (2002). A semelhança também
ocorre com a implantação de casas brancas e azuis ao longo da avenida. Esta prática é bastante recorrente nas
instalações rurais onde os caminhos que levam à casa principal da fazenda, são também muitas vezes marcados
por estas longas alamedas.
80

Figura 12 O “auto-trem”, veículo adaptado Figura 13 Passeio pela Rua dos Coqueiros
para a linha férrea interna, década de 1920 em carros adaptados, década de 1920
Fonte: Donato (1990) Fonte: Donato (1990)

Em relação à circulação a matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, em


1935, que manifestava o interesse de reverter a transferência de Cayeiras para Juquery,
mostra as dificuldades de acesso na região:
Cayeiras dista de Parnahyba 20 kilometros pela estrada de Peru’s. Essa distancia
será consideravelmente diminuida logo que fique concluida a nova estrada
projectada. Seus moradores, para se dirigirem à sede do município, utilizam-se
da estrada de rodagem ou da Estrada de Ferro Peru’s Pirapora, que lhes presta
relevantes serviços. Com a criação do districto de Franco da Rocha, pertencente
ao município de Juquery, e a passagem de Cayeiras para aquelle districto e
município, a população de Cayeiras foi colcada em difficuldades, quaes sejam a
distancia augmentada da séde e a falta de meios de communicação, por isso que
tendo Cayeiras pertencido sempre a Parnahyba durante longos annos, o trabalho
de ambas as populações foi no sentido de se intercomunicarem e despenderem
esforços, ora coroados de êxito, pelos diversos meios de comunicação entre si,
emquanto que, no intercambio com Juquery, no momento, terá que se sujeitar a
estradas completamente intransitaveis nos tempos chuvosos, que, em S. Paulo se
verificam quasi todo anno, a não ser que torne ao sacrifício que já fez na lida de
construir caminhos, ou então que faça o trajecto via Sant’Anna, que é S. Paulo,
seguido pela estrada de Bragança percorrendo, neste caso, nada menos que a
distancia de 100 kilometros. Esta hypotese é inacceitável. Dizer-se que o trajeto
poderá ser feito via Franco da Rocha, não é de nenhuma vantagem por isso que
seria necessario utilisar-se de dois meios de communicação – a estrada de ferro e
o automovel. Além de dispendioso e demorado este meio de communicação,
accresce a circumstancia de que o districto de Franco da Rocha não dispõe de
boa estrada para sua sede municipal, que é Juquery, o que não só difficulta a
passagem dos automoveis, como tambem encarece o preço das viagens. [...] É
quanto basta, para justificar a necessidade da volta de Cayeiras ao município de
Parnahyba, por onde já tem os seus meios de communicação perfeitamente
regulares, na sua sequencia de bairros, principalmente quando se concluirem as
obras da estrada projectada, ligando as duas localidades por distancia bem
menor que a actual de 20 kilometros, incomparavelmente menor que a distancia
de Juquery, que é de 35 kilometros, por pessimas condições de estrada. As
difficuldades de communicação são tamanhas, que os commerciantes e outros
contribuintes preferem depositar o valor dos impostos, pela difficuldade de
leval-lo a Juquery, sendo que Cayeiras paga annualmente, só de impostos
municipaes, cerca de 25:000$000 (O Estado de São Paulo, 03/12/1935).
Organização Social e Espacial de Caieiras 81

Figura 14 Sistema de estradas dentro da Companhia Melhoramentos, década de 1930


Figura Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo (Weiszflog Irmãos inc.) Fábrica de papel – Editora
– Gráficas 

A Companhia Melhoramentos disponibilizava os serviços da ferrovia interna para


locomoção dos funcionários e familiares. Entretanto, as declarações prestadas49, em 1952,
no Departamento Estadual de Ordem Política e Social – DEOPS – mencionavam ameaças
de depredações do transporte da Cia. Melhoramentos por indivíduos dela não empregados,
atribuídos à difusão de idéias comunistas50. Estas acusações são curiosas tanto em relação

49
Prontuário Deops número 44.311, de 22-01-1952. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo
50
Durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, deu-se início a um período de vigilância
policial articulada e informada no interior paulista de forma intensa em busca de grupos políticos e indivíduos
subversivos que estariam comprometendo a ordem instituída. O esquema de segurança foi articulado por Filinto
Müller, chefe da Polícia Federal, que se empenhou em controlar as atividades políticas do interior brasileiro. Da
revolução de 1930 ao Estado Novo, em 1937, ocorreu uma intensa articulação política por parte dos movimentos
de esquerda e de direita instalados na maioria das cidades paulistas. Atuavam neste período grupos como a
Aliança Nacional Libertadora, Juventude Comunista, Ação Integralista Brasileira, associações culturais e
sindicatos operários que agiam na clandestinidade, organizando-se para uma revolução. Em nome da Segurança
Nacional, a Polícia Política exercia um papel repressor, proibindo a liberdade de expressão dos pensamentos. A
partir do início da II Guerra Mundial, com o apoio do governo brasileiro aos Aliados, a perseguição policial
voltou-se contra os “Súditos do Eixo”, transformando estrangeiros - principalmente, italianos, japoneses, alemães,
lituanos e espanhóis - em suspeitos contra a ordem nacional. A ligação destes grupos com qualquer sindicato ou
associação comunitária acentuava a suspeita acerca do caráter criminoso destas pessoas. Eram obrigadas a
portarem o salvo-conduto para poderem transitar pelo território nacional. As colônias estrangeiras eram obrigadas
a incorporar hábitos da cultura brasileira para assim evitar que fossem identificadas como “inimigos da nação”. A
ação policial contou com a colaboração de parte da sociedade civil que seduzidos pelo discurso oficial,
denunciava os suspeitos de subversão, acreditando estar cumprindo com seu dever cívico (BRUSANTIN, 2003).
Desta forma, as instalações de Caieiras estariam no alvo destas ações investigativas ligadas tanto às questões da
Guerra, quanto às ações que poderiam dar indícios de focos subversivos na região.
82

aos indivíduos que estariam depredando o transporte, já que naquela época as pessoas que
utilizavam os transportes eram funcionários da Companhia ou familiares e nos dois casos o
uso do transporte era permitido, quanto às razões das acusações. O relato de Prando
(2011), um dos menores envolvidos neste episódio ocorrido da década de 1950, revela que
a princípio, tudo não passou de uma rixa entre os trabalhadores, ligada à interferência da
chefia no direito de uso de tais transportes:
[...] eu comecei a trabalhar em São Paulo, eu e mais uns três ou quatro amigos,
[...] e da estação até o bairro do Monjolinho era meio longe, e tinha condução da
própria Companhia que levava, mas ela levava funcionário, filho de funcionário,
e tinha um chefe [...] que não queria deixar nós embarcar. Aí começou, porque
nós não trabalhávamos na Melhoramentos. Não trabalho na Melhoramentos mas
sou filho de funcionário da Melhoramentos. Não posso embarcar aqui?
Embarquei toda vida! [...] Agora não posso por que? E nós tínhamos um amigo
que chamava Francisco Ortega. [...] O “Quito Ortega”, morava no Monjolinho
também [...] ele tinha um bigodão grande, sabe, ele viajava, [...], ele era
respeitado, porque era bom de briga, boa gente [...] bom jogador de bola, mas
sabia brigar, a turma respeitava ele. Então ele tava junto e pegava a condução.
Esse [...] que era o chefe, ele chegava, olhava, não falava nada pra nós. Quando
ele não tava, queria tirar nós fora. Era um pau-de-arara que tinha, era um
caminhão, queria tirar nós fora e que fosse a pé do Monjolinho. Mesmo sendo
filho. Então nós falávamos pra ele, falta de conhecimento dele, então a gente
falava:
- Por que quando tá o bigodudo aí o senhor não põe a cara?
A gente era moleque, né? [...] eu e mais os outros, era tudo. E nós xingava ele
mesmo. E o que ele fez? Comunicou a Melhoramentos na Água Branca que
tinha o fulano de tal, sabia meu nome, e que nós éramos comunistas, o bigodudo
que ele falava era o Stalin! só que eu [...] nem sabia nada disso...
Aí chegou a intimação, meu pai pegou e [...] fomos pro Deops, meu pai até
representou um, dois amiguinhos meus. Foi lá e o delegado quis fazer umas
perguntas pra mim [...]. Aí ele começou a perguntar:
- Escuta, por que vocês chamam lá o bigodudo? Quem é esse bigodudo? Vocês
falam que o homem que quando tá lá...
- O bigodudo é um amigo nosso, jogador de bola, é [...], o Francisco Ortega [...].
O nome dele é Francisco Ortega e ele é um rapaz bom, é respeitado lá em
Caieiras, quando ele tá na condução, esse senhor chega e dá de cara com ele e
não fala nada, e nós viajamos, quando ele não tá, ele invoca, quer tirar nós.
Aí perguntou pro meu pai:
-O senhor trabalha há quantos anos na Melhoramentos?
- [...] Eu já trabalho mais de trinta anos. Tenho uma família na Melhoramentos
- [...] Era só isso que eu queria ouvir (PRANDO, 2011).

Além da ferrovia havia também um automóvel de passeio disponível para as


famílias que necessitavam o transporte em caso de enfermidades, acidentes de trabalho,
casos emergenciais (MORAES, 1995). O depoimento de Prando (2011) mostra que a
disponibilidade destes automóveis era restrita e dependia não apenas do parecer do médico
ou farmacêutico, mas também da avaliação da chefia para que a liberação do veículo
ocorresse. O caso do acidente de Bruno Prando durante o expediente de trabalho, ocorrido
na década de 1960, ilustra bem esta condição:
Organização Social e Espacial de Caieiras 83

[...] naquele tempo não tinha carro, a Melhoramentos tinha uns jipes, e tinha que
levar no Sepaco51, em São Paulo, era na Rua Antonio Carlos, perto da Frei
Caneca. Eu já era casado, morava já na vila Kohl, minha irmã [...] era solteira e
morava lá no Monjolinho. Eu esperava ela antes do horário de ela começar no
trabalho, pra bater um papinho e saber como é que tava o pai e a mãe. Eu sabia
que tinha que levar o pai pra engessar, ele tava enfaixado. E ela me disse:
- Ih, o pai tá bravo, hein! Não mandaram condução pra levar o pai...
Ele já estava assim fazia uma semana!E ela continuou:
- Ele ligou lá pro seu Vitor – que era o farmacêutico na época – e seu Vítor falou
que foi o [...] que não mandou.
Eu fiquei louco da vida! [...] eu falei pro meu chefe [...]:
- Me marca lá que eu quero falar com o [...] eu quero saber por que a condução
não levou meu pai [...].
Levei um chá de cadeira. Ele passava e nem te olhava na cara e eu sentado
esperando. Falei pra secretária que ele tava demorando, aí ele falou de lá:
- Tá com pressa?
Com aquela cara de pouco caso, sabe?E mandou entrar.
-Qual é o problema?
- Problema vou perguntar eu. Por que a condução não foi levar meu pai?
Ele olhou pra mim e falou:
- Condução pra levar seu pai? Por que?
- Como assim, o senhor tá sabendo, [...] meu pai tá tudo enfaixado. Quebrou a
clavícula!
- Ah! Quebrou a clavícula, não quebrou a perna, então pode andar!
Aí não me mandaram embora naquele tempo porque eu já tinha os dez anos e era
estabilidade, não tinha fundo de garantia, não tinha nada, mas já era estável. Eu
falei pra ele [...]:
- Olha, é o seguinte, quando você perdeu o braço52 [...] a engrenagem tinha que
ter passado no pescoço que era uma tranqueira a menos aqui! [...] Depois que eu
saí, eu fui falar com o Seu Vítor, que disse:
- Pedir, eu pedi. Você sabe que a condução é pouca – e naquele tempo era pouca
mesmo – [...] é que não mandou (PRANDO, 2011).

Depois de muita discussão o caso foi resolvido com o envio do jipe para São Paulo
para tratar dos ferimentos de Bruno Prando no Sepaco.
Durante a década de 1960 a quantidade de carros era extremamente reduzida não só
no núcleo fabril da Companhia, mas em toda Caieiras. O Anuário Estatístico do Estado de
São Paulo, Anos: 1960 e 1965 contabilizou 56 carros no município em 1960 e 119 em
1965. Este foi um período de ampliação da circulação rodoviária de passageiros nos
subúrbios paulistanos. Na década de 1960 foram contabilizadas 25 viagens diárias de
ônibus de São Paulo para Caieiras/Franco da Rocha, que foram aumentadas para 32 no ano
de 1965, quando apenas 25 passageiros estabeleciam ligação com o distrito de São Paulo,
via rodovia. Os 15 trens diários da linha ferroviária que transportavam passageiros, em

51
Serviço Social da Indústria de Papel e Cortiça do Estado de São Paulo. Iniciou as atividades como Serviço
Social e evoluiu para Assistência Médico Hospitalar, por força das ações dos dirigentes da Federação dos
Trabalhadores da Indústria Papeleira. O Sepaco foi constituído na convenção da categoria papeleira em 1956,
entendendo-se como categoria papeleira os três setores ligados ao papel: Setor de Papel e Celulose, Setor de
Artefatos de Papel e Setor de Papelão Ondulado
(www.eaesp.fgvsp.br/subportais/gvsaude/pesquisas_publicacoes/debates/05/55.pdf).
52
Referindo-se ao acidente do Chefe que lhe valeu um braço perdido na engrenagem das máquinas.
84

1960, utilizavam trinta e seis minutos para fazer o percurso entre a estação de Caieiras e a
estação central em São Paulo. A média diária de embarques na estação de Caieiras era de
2057 pessoas, das quais, 74,5 a 76,6% atingiam São Paulo. Estes números mostram que
apenas cerca de 20% da população saía diariamente de Caieiras pelos trilhos da via e pela
rodovia, o que ressalta a importância, ainda nesta época, da Companhia Melhoramentos
como empregadora e provedora da região (LANGENBUCH, 1971). Neste período, para
suprir as dificuldades de transporte, Diogo Alarcon começou a fazer pequenas viagens com
um carro particular (ano 1933). Inicialmente começou a transportar passageiros
principalmente entre Caieiras e os bairros de Perus (em São Paulo), e a cidade de Franco
da Rocha. Alarcon passou a investir no negócio de transportes, comprando em 1957 um
carro mais novo (ano 1937). Com a procura pelos serviços de transporte aumentando,
Alarcon comprou uma perua Ford com 10 lugares, conhecida por “jardineira”. O serviço já
estava organizado em quatro horários: às 06:00h, às 10:00h, às 14:00h e às 22:00h. Em
1960, com o aumento da demanda, foi solicita uma linha ao Departamento de Estradas e
Rodagens e assim oficializada a atividade da Auto Viação Santo Antônio (REGIONAL
NEWS, 13 de dezembro de 2002, p. 3-C3).
[...] a única condução que tinha pra gente ir pra estação e pra voltar [...] era uma
jardineira. Quando eu era criança, mas eu tinha um medo da jardineira [...] era
tipo um ônibus, com aquela frentona bem antiga, ela chegava no começo da
subida [...] ela ia, quando chegava no meio ela voltava pra trás! Eu tinha medo!
Eu nunca queria embarcar naquilo, eu queria sempre vir a pé, andando por aí,
porque eu chorava [...] e se chovesse então? Ela patinava, dava medo. Mas era
engraçada! Era do Sr. Diogo... (MINKEVICIUS, 2011).

Quando começou a diminuição e desativação dos dois ramais da ferrovia interna,


aproximadamente na década de 1960, os operários passaram a utilizar, para locomoção
dentro do núcleo, os caminhões chamados pau-de-arara.
A utilização dos transportes oferecidos pela Companhia era comum às famílias de
todos os funcionários:
A gente ia pra estação de trenzinho, né [...] ou então ia com o pau-de-arara! O
caminhão pegava a gente aqui na capela e a gente ia sentado, [...] porque a
maioria estudava em São Paulo, eu por exemplo estudava no Anhanguera, lá na
Lapa [...] depois eu saí de lá e fui estudar aqui na Rua Stella, no Bandeirantes, e
vim morar em São Paulo. A gente ia pra estação [...] e tinha o trem, na época
ainda era trem de madeira [...] depois é que chegaram os trens metálicos, mas
tinha trem de madeira ainda [...] e o trem da manhã só era estudante que ia pra
Lapa. Tinha freqüência de trens, porque não tinha outro jeito de ir para lá. Era
Pirituba, Jaraguá, Franco da Rocha, todo mundo ia de trem, não tinha outro jeito.
Tinha a estrada velha de Campinas, mas que era um tranco andar por ali, né?
(BELLEN, 2011).
Organização Social e Espacial de Caieiras 85

Independente do grau ou setor que ocupavam na empresa, os filhos de funcionários


da gerência, por exemplo, utilizavam o transporte para chegarem à estação e de lá
seguirem para o bairro da Lapa, onde costumavam estudar.

2.1.3 1960-2010: loteamentos e desmonte


Na década de 1930, tomou impulso uma expansão em Caieiras de áreas
urbanizadas externas às terras da fábrica. Iniciou-se, em 1931, o loteamento no alto da
encosta do morro do Cresciúma, localizado a mil metros, aproximadamente, de distância
da estação ferroviária de Caieiras. Bruggemann (2007), afirma que a aquisição de lotes
pelos trabalhadores da Companhia, que investiram suas economias no local, impulsionou
o desenvolvimento do loteamento. Desta maneira, o bairro que não pertencia à
Companhia, assumia características de “bairro dormitório” já que boa parte de seus
moradores trabalhavam na Companhia ou nos bairros paulistanos próximos às estações
ferroviárias como, por exemplo, o bairro da Lapa. Neste período o novo bairro ainda era
bastante inóspito e os moradores se lembram que o desenvolvimento desta região foi
ocorrendo lentamente. Rosa Mengatti de Azevedo (2011), antiga moradora do local,
estima que “não tinha dez casas [...] em Cresciúma em 38”.
O bairro do Cresciúma foi formado a partir da divisão das terras da família
Carmo53. Os terrenos que formavam o loteamento tinham frente para a Av. Magnólia e
fundos para a Av. Cresciúma54. Sabe-se que Jorge Simões, um dos primeiros adquirentes
dos lotes vendidos por D. Ambrosina, construiu em seu lote um armazém de secos e
molhados e uma residência à na Avenida Cresciúma. Outras edificações começaram a
surgir nos lotes vizinhos. As casas eram erguidas em terrenos onde era necessária a
abertura poços para obtenção de água potável e fossas para despejo dos dejetos. Nos
fundos dos lotes, segundo Moraes (1995) era comum a locação das latrinas. Ao final do
ano de 1931 já estavam construídas em Cresciúma as casas de Pedro Muro Vasquez, do

53
Após a morte do pai, os filhos Ambrosina do Carmo Buonaguide (1882-1962) e Domingos Estevão do Carmo
receberam como herança dez alqueires de terra em Cresciúma. Alguns alqueires foram vendidos para Carmem
Peres de Oliveira e para Terezinha Camargo Pinto. Em 1930 os irmãos fizeram a partilha das terras ficando cada
um com a metade dos alqueires. D. Ambrosina deu início à formação do povoado quando começou um
loteamento a partir da abertura da Avenida Cresciúma e da Avenida Magnólia no local. O projeto do loteamento
foi desenvolvido pelo topógrafo Valdomiro Valim, fazendeiro em São João da Boa Vista. Cerca de 28.000m²
foram comercializados. Terezinha Camargo Pinto também passou a lotear seus alqueires (MORAES, 1995).
54
A Avenida Cresciúma é atualmente a Avenida 14 de Dezembro e a Av. Magnólia passou a se chamar R. Dr.
Armando Pinto.
86

casal Terezinha Camargo Pinto e Dr. Armando Pinto55, Luiz Lopes Lansac e José Pereira
dos Santos (MORAES, 1995).
Com intuito de motivar o crescimento do loteamento proposto, D. Ambrosina do
Carmo Buonaguide doou para a Diocese de Bragança Paulista cerca de 8600,00m² para a
construção da Igreja de Santo Antonio, da casa paroquial, da concha acústica e do jardim
da praça56 (MORAES, 1995). O desenvolvimento de Caieiras, com a doação de D.
Ambrosina, embora tivesse semelhança com o processo de geração de cidades, estaria
muito mais ligado ao processo de urbanização, ocorrido durante o século XX, em áreas
próximas à ferrovia já implantada.

Figura 15 Vista de Cresciúma em 1965. Ao alto a Igreja de Santo Antonio. Próxima à seta preta a casa do Dr.
Armando Pinto. Abaixo da ferrovia, próximas à seta rosa, algumas casas da Companhia Melhoramentos
Fonte: Jornal Regional News ( Dezembro, 2006) 

55
Dr. Armando Pinto, advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo. Foi
fundador do Culto à Instrução, entidade cultura voltada para os jovens, situada em Franco da Rocha. Militante do
Fórum de São Paulo possuía um escritório de advocacia na rua São Bento.
56
Esta iniciativa poderia ser herança do costume que deu origem a diversas cidades do interior paulista. A
lavoura de café, engrenada pela força de trabalho do imigrante, proporcionou a abertura de centenas de
patrimônios religiosos, futuras cidades. Entretanto, a doação por fazendeiros de parte de suas terras rurais à
Igreja Católica em áreas rurais, ao redor das plantações de café, era, a princípio, boa estratégia para conseguir em
longo prazo a implantação da ferrovia e valorizar suas terras, em meados do século XIX. Assim, a ocupação do
território paulista, impulsionada pela economia do café, a partir de meados de 1850: “pedia padrão de
arruamento fácil e rápido de ser executado, por agrimensores habituados ao ‘corte’ de propriedades rurais. Em
todo esse processo, nota-se a extrema eficiência do traçado urbano reticulado, aplicado exaustivamente aos
patrimônios” [...] (GHIRARDELLO, 2010, p.21)..
Organização Social e Espacial de Caieiras 87

Figura 16 Arruamento nas proximidades da Igreja de Santo Antonio. A seta branca indica a localização da Praça
onde está localizada a Igreja de Santo Antonio.
Fonte: Emplasa, (1981)

Entre as primeiras casas que surgiram em Cresciúma ressaltamos a casa do Dr.


Armando Pinto57 e a chácara de Luis Lopes Lansac. A primeira destacava-se tanto pela
arquitetura eclética e localização privilegiadas como por ter sido local de reuniões
políticas. Implantada no alto do morro a casa, nos dizeres de Moraes (1995), era

[...] uma linda e espaçosa residência, que continha no andar superior uma sala
ampla e dormitórios reservados para suas constantes visitas. A casa vivia sempre
em festa, numa atmosfera de paz e alegria. Havia também cozinha, copa e
despensa com armários, onde D. Terezinha guardava com carinho seus potes de
doces de frutas em compotas, tudo feito por ela e suas empregadas. Esses
costumes de D. Terezinha derivavam de sua descendência alemã. Seus ancestrais
pertenciam a famílias tradicionais da aldeia de Düsseldorffe, Alemanha. O
abastecimento de água da casa também era peculiar e europeizado, sendo feito
por meio de um moinho de vento típico da Holanda, já que luz elétrica ainda era
um sonho para o povo de Cresciúma. Nos porões da residência, encontravam-se
novas salas, entre as quais, a biblioteca de Dr. Armando, na qual o advogado
estudava durante horas da noite os seus processos. Era nessa biblioteca que
ocorriam também reuniões com amigos para discutir planos em benefício da
futura cidade de Caieiras. A biblioteca era vasta e constituída de coleções
literárias de inestimável gabarito. No ambiente de cordialidade daqueles
encontros noturnos com amigos, foi fundada a Sociedade Amigos de Caieiras, à

57
A casa hospedava ainda alguns jovens pensionistas vindos de cidades do interior de São Paulo. Ervim Weber,
vindo da cidade de Assis, interior do estado, para trabalhar na Ford Motor Company, no bairro do Bom Retiro, em
São Paulo, foi pensionista da casa do Dr.Armando Pinto. Weber casou-se com Maria Carvalho, que vivia na casa
em regime de tutela desde a infância. Foi também pensionista da casa a professora vinda de São João da Boa
Vista Aninha Valim (filha de Valdomiro Valim, responsável pelo projeto do loteamento de Cresciúma) e Bela
Crema que foi pensionista até casar-se (MORAES, 1995).
88

qual Dr. Armando canalizou muito de suas forças. O jornal Vida Nova também
foi criado dessas reuniões, escrito pelo proprietário da casa e por seus tantos
colaboradores [...] (MORAES, 1995, p.162).

Em 1970 esta casa foi transformada em hospital e dois anos depois foi construído,
imediatamente ao lado do casarão já modificado, o novo hospital de Caieiras (MORAES,
1985).

Figura 17 Casa do Dr. Armando Pinto Figura 18 Casa do Dr. Armando Pinto, 1970,
Fonte: Moraes (1995) inauguração do primeiro hospital.
Fonte: Moraes (1995) 

Figura 19 Hospital após reforma Figura 20 Casa de Luis Lopes Lansac,


Fonte: acervo da autora (2010) Fonte: Acervo Paulo Polkorny
 

Na chácara de Luis Lopes Lansac58, adquirida na década de 1930, em frente à casa


do Dr. Armando foi construída uma ampla casa de arquitetura eclética. Com o passar do
tempo o terreno da chácara foi loteado e o casarão permaneceu em destaque na atual

58
Luis Lopes Lansac era radialista em na rádio Record, em São Paulo, cidade onde foi também vereador. A
convite do Dr. Armando conheceu e mudou-se com a esposa – uma fazendeira de Mococa – para Caieiras.
Organização Social e Espacial de Caieiras 89

Avenida 14 de Dezembro até o início da década de 2000, quando foi demolido para a
construção de uma loja de departamentos.
O Sindicado dos trabalhadores de Caieiras foi criado em 1937, associado às
reformas varguistas. Durante o governo de Getúlio Vargas e a consolidação do Estado
Novo algumas intervenções ligadas ao trabalho ocorreram. Devido à crise na agricultura,
um número cada vez maior de trabalhadores deixou o campo em busca de melhores
condições nos centros urbanos. Havia oportunidade de trabalho nas indústrias, mas a mão-
de-obra excedia em muito a quantidade de vagas e, desta maneira, agravava-se a crise
social que contribuía para o aumento do movimento operário que lutava por melhores
condições. Assim, o Governo tinha dois fortes motivos para intervir: conter o avanço do
movimento dos trabalhadores e criar mercado para alguns setores da indústria nacional que
também estavam em crise. O Governo Vargas institucionalizava o controle da classe
trabalhadora, como por exemplo, por meio da aprovação da Lei de Sindicalização, em
1931. A política centralizadora do Estado assumia além de um sentido industrializante,
também, em muitos aspectos, um sentido nacionalista.

Figura 21 Vista geral de Caieiras durante a década de 1930. Azul: vista das vilas dentro do núcleo. Rosa:
oficinas da Companhia e estação de trem. Amarelo: primeiras ocupações fora do núcleo, no Cresciúma.
Fonte: Jornal Regional News (2007, folha 1C2)

A Segunda Guerra teve efeitos profundos em Caieiras. No Brasil, os reflexos da


Segunda Guerra Mundial fizeram com que comunidades alemãs fossem supervisionadas
90

pelo Governo, sob a suspeita de formarem uma rede de espionagem junto ao nazismo, e
desta maneira, incluídas na chamada Lista Negra. O DEOPS controlava a trajetória de
todas as pessoas que pudessem ser consideradas suspeitas. A Companhia retirou de sua
denominação, em 1940, o “Weiszflog Incorporada” passando a chamar-se “Companhia
Melhoramentos de São Paulo, Indústrias de Papel”. Entre as ações que objetivavam
amenizar as tensões e conflitos políticos, estava o convite ao Ministro da Educação,
Gustavo Capanema e ao General Maurício Cardoso para visitarem as instalações e
atestarem a “brasilidade” da Companhia e de seus dirigentes (DONATO, 1990).
Para Moraes (1995) durante a Segunda Grande Guerra Caieiras viveu um momento
de grande estabilidade social:
Por paradoxal que pareça, a década de 40, a pior para o mundo devido à Segunda
Guerra Mundial, foi ótima para Caieiras. A Companhia Melhoramentos era
constituída de um conjunto populacional de centenas de famílias que viviam
numa atmosfera de paz e harmonia, a ponto de dar a impressão de que toda a
comunidade era formada por uma só família: a família caieirense (MORAES,
1995, p.26).

Entretanto, especialmente para a família Weiszflog, os últimos anos da década de


1940 foram marcados pelas perseguições e hostilidades contra as comunidades alemãs. As
acusações sobre colaboração com o nazismo recaíram sobre a Companhia, seus
funcionários e membros da família Weiszflog. Todos esses fatores políticos e trabalhistas
contribuíram para que o interesse em fixar os trabalhadores próximos à fábrica diminuísse.
Os trabalhadores passaram, aos poucos, a ocupar as áreas do Morro do Cresciúma. Para os
industriais, a responsabilidade do controle de funcionários passava a ser do Estado.
No final da década de 1950, cerca de 80% dos trabalhadores de Caieiras ainda
habitavam as vilas do núcleo fabril. Com a constituição em 1961 da Urbanização e
Expansão Social Ltda. – Urbes - empresa do ramo imobiliário vinculada à Companhia,
deu-se ainda maior expansão às áreas do entorno da empresa. O crescimento das cidades
vizinhas e do próprio município - que já havia sido emancipado em 1958 - e o início da
ocupação fora do núcleo iniciada na década de 1930 foram acelerados quando a
Melhoramentos entrou em atividade urbanizadora, resultando na intensificação da
desmobilização do núcleo primitivo nascido em função das instalações industriais. O
trabalho da Urbes foi iniciado com as obras de um loteamento denominado Jardim Santo
Antonio, que abriu as vendas dos lotes em 1962. Vinte casas foram construídas e sorteadas
entre os trabalhadores da Companhia que puderam fazer o financiamento dos imóveis
Organização Social e Espacial de Caieiras 91

(DONATO, 1990). Referindo-se ao início do desenvolvimento de Cresciúma, Eusébio


(2011) relata:

[...] Não tinha nada, eu nem conhecia nada pra cá. Eu vinha pra Caieiras, pra
Cresciúma, porque a gente dizia, eu vou pra Caieiras. Caieiras era a estação, não
tinha cidade ainda. Eu já tinha 18 anos quando a cidade foi criada, em 58. Então,
a gente vinha pra cá...só tinha uma rua, a gente passava ali onde é o hospital, e
vinha direto sair aqui na João Dártora e atravessava por aqui..tinha duas ruinhas
que subia que é hoje a Ambrosina e a Armando Pinto e as outras ...Guadalajara
não tinha a rua...a de cá do sindicato que é Domingos do Carmo Leite, também
não tinha...só tinha as duas primeiras ruas só. E subia ia [...]. Só tinha as
principais, só tinha aquelas, que era a de trás e da frente da Igreja e a Igreja
ficava no centro onde ficou o centro de Caieiras (EUSÉBIO, 2011).

Os moradores começavam a ser atraídos pelos investimentos nas áreas externas à


fábrica que se mostravam prósperas com a emancipação e davam indícios de futuro
desenvolvimento. Assim, os antigos moradores do núcleo passavam a ter expectativas
quanto às oportunidades fora da fábrica:

Ah..de lá nós mudamos em 64. Porque meu pai aposentou, e meu pai construiu a
casa onde a gente morava [...]. E meu pai construiu a casa lá, justamente pra
gente morar no que era da gente, né? Aí meu pai como ia aposentar, meu pai
nem aposentou em 64, meu pai aposentou em 66...ou 65 se não me engano..foi
logo que ele mudou que ele aposentou. Não sei se foi 65 ou 66 que meu pai
aposentou. Mas ele saiu antes de lá da casa porque pra nós lá era ruim. Morar na
cidade era melhor! Quanta burrice [...]! Porque lá (na Companhia) era melhor!
Só que era longe, meu pai achava que morar na cidade era melhor. Aqui era a
cidade. Ainda [...] poucas casas, mas era melhor que lá, a preocupação do meu
pai, por causa da condução, não tinha condução mais, porque tinha tirado a
maquininha, e era pau de arara, mas era muito difícil, não tinha horário certo e
aqui em cima pra ele, ele gostava muito daqui [...] (EUSÉBIO, 2011).

[...] fiquei lá até 58. 1958 eu vim pra Caieiras59, antiga Cresciúma. Era terra, eu
vim menino. [...] meu pai achou que lá nós não ia ter futuro, na escola de lá da
Melhoramentos, porque Caieiras era melhor, desenvolvia mais, lá dentro era o
básico, que era da própria empresa [...] aí viemos pra escola [...] de Caieiras. A
Dona Marta, mãe do Névio foi minha professora nessa escola. Era um espaço
cedido por um clube [...] o SERC. Então, o SERC cedeu este espaço para a
escola. Ele era durante a semana escola e fim de semana era clube. Então tinha
bailes, eles tiravam as carteiras, tiravam tudo e faziam o baile no salão. A escola
era mantida pela Prefeitura Municipal, porque quando emancipou Caieiras eu
estava com 10 anos, foi em 58. (CSERNIK, 2011).

59
Muitos moradores de Caieiras referem-se ao atual centro da cidade, formado pelo bairro de Cresciúma como
Caieiras, propriamente dita. Desta forma, ao longo deste trabalho, encontramos referência à Caieiras como as
áreas ao redor da estação ferroviária, dentro do núcleo e, posteriormente, às primeiras áreas constituídas fora da
empresa.
92

Figura 22 Padre José e outros moradores durante Figura 23 Das 20 casas sorteadas esta é a que mais
as obras de infraestrutura nas áreas externas à se aproxima das características originais
fábrica Fonte: Acervo da autora
Fonte: Acervo particular Geraldino Ferreira de
Almeida

A Companhia Melhoramentos associou-se, em 1972, à MD Papéis. Desta


associação e da venda das máquinas de papel e de 193.077m² de área fabril da Cia
Melhoramentos à MD Papéis, constituiu-se a MD Nicolaus. Em 1976 cerca de 1.264.000
metros quadrados de área de reflorestamento da Companhia foram desapropriados para a
construção da Rodovia Bandeirantes que embora construída nas proximidades do
Monjolinho, não efetuava conexão com o município (DONATO, 1990).
Com a denominação Melhoramentos de São Paulo – Urbanização Ltda., outro
grupo do ramo imobiliário foi formado, em 1986. O foco desta empresa estava na venda
de lotes e construções de nível médio-alto. Os lotes eram vendidos, com facilidade na
forma de pagamento, aos funcionários ou oferecidos como parte de pagamento das
indenizações trabalhistas referentes às rescisões contratuais da empresa. À medida que o
funcionário deixava a residência do núcleo, iniciava-se o processo de demolição e todo o
material em condições de aproveitamento era oferecido ao funcionário para que assim
desse início à construção de sua nova moradia fora do núcleo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 93

Figura 24 Modelo de casa do Jardim Santo Antonio. Figura 25 Fachada de casa do Jardim Santo Antonio
Fonte: Levantamento da autora (2009) Fonte: Levantamento da autora (2009)

Figura 26 Em vermelho, casas remanescentes no bairro de Nova Caieiras. Em lilás, Nova Caieiras. Em amarelo:
Companhia Melhoramentos. Em azul: Estação ferroviária
Fonte: Google (2010)
94

O desmonte do núcleo foi intensificado, principalmente, a partir da década de 1980


com a demolição de praticamente todas as vilas que constituíam o núcleo. Entre os
edifícios que permaneceram podemos destacar algumas residências, a igreja de São José
construída em 1933; a Igreja Nossa Senhora do Rosário, construída em 1917; oficinas e
galpões construídos em 1922; alguns dos fornos de cal, entre eles o Macalé que simboliza
o município, a fábrica, o prédio do Armazém de 1885 e os grupos escolares de Caieiras,
Alfredo Weiszflog e Otto Weiszflog. A falta de uso dos edifícios remanescentes associada
à falta de manutenção dos mesmos deu início a intenso processo de deterioração.

Figura 27 Demolição das arquibancadas do Clube Figura 28 Demolição do Clube CRM


CRM Fonte: Acervo Paulo Polkorny ([198-])
Fonte: Acervo Paulo Polkorny ([198-])

Figura 29 Demolição do CRM Figura 30 Demolição do conjunto de Nova Caieiras.


Fonte: Acervo Paulo Polkorny ([198-]) Fonte: Acervo da autora (2010)
Organização Social e Espacial de Caieiras 95

Quanto às residências, os modelos de casas enfileiradas foram substancialmente


demolidos dentro da Companhia Melhoramentos. Os últimos exemplares dispostos em
renque que restaram nas áreas fabris estavam na Rua dos Coqueiros, mas foram
desmanchados após 2004 (ver figura 63). Um grupo de casas enfileiradas remanescente
das casas do núcleo fabril permaneceu até 2010 como único remanescente do núcleo, mas
devido à fragmentação das terras60 da Companhia este grupo foi inserido no Bairro Nova
Caieiras. Como Nova Caieiras tem características de condomínio fechado61 e foi projetado
para a classe média alta (BRUGGEMANN, 2007), a localização deste grupo de casas nos
permitiu considerá-lo um elo remanescente entre a ocupação original do núcleo operário -
praticamente demolido - e os novos loteamentos que começaram a surgir a partir do
desmonte das vilas. Parte do conjunto visto na figura 57 foi demolido em 2010 (ver figura
30), quando apenas a casa da extremidade esquerda restou. Mas devido às condições
precárias do edifício, novas alterações foram feitas, como substituição das janelas e telhas.
Em dezembro de 2010, edificações residenciais do Barreiro também foram demolidas. À
medida que os trabalhadores vão se desligando do trabalho da Companhia, o desmonte das
moradias é continuado.

2.2 O povoamento das vilas


2.2.1 Crescimento da população

Embora seja difícil ter um quadro preciso acerca do crescimento populacional de


Caieiras antes de 1939, quando foi criado o Distrito de Paz de Caieiras62, podemos tomar
como referência levantamentos feitos em alguns períodos. Estabelecemos um comparativo
de crescimento entre os anos de 1874 e 1920, com ressalvas devido à modificação da área
de Caieiras, que neste período estava dividida entre dois municípios: Parnahyba e Juquery.
Consideremos, então, que até 1934 a Fábrica de Papel da Companhia Melhoramentos e sua
vila pertenciam à Parnahyba (LANGENBUCH, 1971). Mas, para traçarmos um panorama

60
Com a delimitação das áreas fabris e implantação de novos loteamentos, o conjunto já estava locado fora das
áreas fabris da empresa. Até a década de 2000 sua utilização estava vinculada à sede da imobiliária que efetuava
as vendas dos lotes pertencentes aos loteamentos promovidos pela Companhia. Algum tempo depois, o imóvel
foi vendido e incorporado ao Bairro Nova Caieiras.
61
Nova Caieiras não constitui juridicamente um condomínio mas alguns dos moradores do bairro se uniram para
formar uma associação. Os moradores que aderiram a esta associação pagam uma taxa mensal para manutenção e
segurança do bairro e desta forma promoveram a construção de muros em quase toda a extensão e instalação de
uma portaria com controle de entrada e saída de visitantes.
62
Em 1º de maio de 1939, por meio do Decreto 9775, foi criado o Distrito de Paz de Caieiras do município de
Juquery, atual Franco da Rocha.
96

também dos arredores consideramos, na análise, os dois municípios. Abaixo, a tabela


populacional entre os anos de 1874 e 1920 da região de Juquery e Parnahyba, ressalta que
Parnahyba teve maior crescimento entre os anos de 1874 a 1900, período de implantação
das fábricas do Coronel Rodovalho, permanecendo relativamente estável até 1920.
Enquanto isso, Juquery aponta significativo crescimento a partir de 1886, talvez após a
instalação posterior da estação ferroviária no local e do Hospital Psiquiátrico, e continua
com grande desenvolvimento até 1920.
Tabela 3 Crescimento populacional de Juquery e Parnahyba, período de 1874 a 1920
Ano População em Juquery População em Parnahyba
1874 2720 3338
1886 3363 4931
1900 5263 7406
1920 9098 7981
Fonte: Recenseamento Geral do Brasil, 1920 apud Langenbuch (1971, p. 123)

Tabela 4 Percentual do crescimento populacional de Juquery e Parnahyba (1874 a 1920).


Variação do crescimento População em Juquery População em Parnahyba
1874-1886 23,6% 47,7%

1886-1900 56,4% 50,1%

1900-1920 72,8% 7,7%


Fonte: Recenseamento Geral do Brasil, 1920 apud Langenbuch (1971, p. 123)

Considera-se nos números expressos referentes à formação de Juquery os atuais


municípios de Mairiporã, parte de Caieiras e parte de Franco da Rocha. No que se refere à
população de Parnahyba refere-se aos atuais municípios de Santana de Parnaíba,
Carapicuíba, Barueri, Pirapora do Bom Jesus, Cajamar, parte de Caieiras e parte de Franco
da Rocha.
Durante o começo do século XX, quando o desenvolvimento da Companhia
Melhoramentos de São Paulo tomou força, referir-se à Caieiras era referir-se às
instalações da Companhia.
[..] até 1930, Caieiras era Companhia Melhoramentos de São Paulo, em sua
atividade sempre crescente , pois o que somente não lhe pertencia era a Estação
Ferroviária da antiga Inglesa (História do município de Caieiras, 1973, apud
DONATO, 1990, p.72).

Em 1934 foi criado o distrito de Franco da Rocha. A divisa Parnahyba- Juquery


que antes se estendia ao longo do rio Juqueri e de seu afluente, o ribeirão Euzébio – a
Organização Social e Espacial de Caieiras 97

pouca distância da estrada de ferro Santos-Jundiaí, foi deslocada para Oeste. Deste modo, a
fábrica de papel da Companhia Melhoramentos e sua vila operária passaram do município
de Parnayba para Juquery. Com este deslocamento a comparação do crescimento
populacional da região entre o recenseamento de 1920 e o de 1940, fica dificultada, devido
ao prejuízo de população atribuída à Parnayba com a transferência da divisa. O trecho da
matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, transcrito anteriormente (ver p. 80) dá
uma ordem de grandeza acerca da população em 1935, ao dizer que “[...] a população é de
mais de 6.000 habitantes. Só a Companhia Melhoramentos de São Paulo dá emprego a
mais de 1.000 operarios”. Entretanto, o Recenseamento Geral do Brasil de 1940, cinco
anos depois, expressa números mais exatos e mostra que em Caieiras a população perfazia
um total de 5.934 pessoas.
Em 1939, foi criado o Distrito de Paz de Caieiras, pertencente ao município de
Juquery. Com a autonomia de Franco da Rocha, em 1944, Juquery passou a ser chamado
de Mairiporã e Caieiras passou a pertencer a Franco da Rocha e assim permaneceu até 14
de dezembro de 1958, quando ocorreu a emancipação. O primeiro levantamento
demográfico de Caieiras, de 1957, apontava um total de 8715 pessoas distribuídas em 539
residências construídas na Vila Cresciúma63 para 2.235 pessoas enquanto nos bairros da
Companhia havia 1842 residências, número suficiente para o pedido de emancipação
mesmo sob os protestos de Franco da Rocha (PERES, 2008).
Em 1960 o recenseamento mostra que o número de habitantes cresceu para 9.405
(LANGENBUCH, 1971). O Departamento de Estatística da Secretaria de Economia e
Planejamento elaborou uma planilha considerando a média estimativa do período de julho
de 1962 e julho de 1963 acerca do quadro de pessoal e estabelecimentos industriais da
grande São Paulo. Este quadro revela que neste período a população de Caieiras figurava
um total de 10.376 pessoas e que a Companhia Melhoramentos ocupava 98% da mão-de-
obra industrial da região, ou seja, dos 1780 trabalhadores da indústria, 1752 trabalhavam
para a Cia. Melhoramentos. Em uma tentativa de compilar os dados que conseguimos entre
os anos de 1920 e 1962 acerca do crescimento populacional de Caieiras compomos a
seguinte tabela:

63
A Vila de Cresciúma foi uma das primeiras ocupações fora do núcleo fabril da Companhia Melhoramentos.
98

Tabela 5 Quadro resumo: crescimento de Caieiras.


População Famílias Solteiros Casas
Funcionários da
Ano Fora da estabelecidas na estabelecidos na CMSP
CMSP Total CMSP CMSP
CMSP CMSP

1920 1500 650


Não
1926 2400 2400 946 472 116
havia
1930 1084
Superior
1935 Superior a 1000
a 6.000
1940 5.934
1949 8000 1800 900
1957 5949 2235 8.715
1960 9.405
1962 10.376 1752
Fonte: A marca d’água, Recenseamento Geral do Brasil de 1920 apud Correia, 1998; Recenseamento Geral do Brasil,
1940 apud Langenbuch, 1971; Dados compilados no Departamento de Estatística da Secretaria de Economia e
Planejamento; Jornal O Estado de São Paulo, dezembro de 1935; DONATO, 1990; PERES, 2008, Prontuário Deops nº
96964.

Podemos dizer que o número que mais nos chamou a atenção neste quadro refere-se
ao de trabalhadores apontado no ano de 1920 e a queda expressa pelo número apontado em
1926. Estes números podem estar ligados à crise ocorrida na Companhia antes da
incorporação com a Weiszflog Irnãos. Como já citado, a Companhia vinha de uma intensa
fabricação de papéis neste período, sem enfrentar a concorrência do papel importado, o que
lhe favoreceu o aumento de produção e configurou um período de crescimento. Entretanto,
Donato (1990) afirma que por volta de 1920 os papéis estrangeiros reapareceram com
maior sofisticação e preços baixos no momento em que o maquinário da Companhia havia
sofrido desgaste devido à intensa produção dos anos anteriores. Com uma máquina
desmontada e duas outras funcionando de maneira precária, esta situação gerou a
diminuição da produtividade em Caieiras. O capital social da empresa foi partilhado entre
grupos empresariais. Um elevado percentual das ações da Companhia foi adquirido por um
grupo empresarial norueguês. Outra parte foi adquirida por bancos internacionais: Italo-
Belga, London and River Plate Bank, London and Brazilian Bank e o The National City
Bank of New York. Os interesses diversos do grupo heterogêneo composto pelos acionistas
da empresa culminaram em uma crise na direção. A diretoria da empresa propôs a
recuperação dos maquinários e retomada do ritmo de produção. Esta proposta envolveria
uma avolumada importância financeira e acabou por gerar a discordância entre os
Organização Social e Espacial de Caieiras 99

acionistas resultando na queda do valor das ações. Em meio a esta crise, os noruegueses
desistiram da participação entre os acionistas. Nicola Puglisi e Rodolpho Crespi estavam
entre os diretores da Companhia que tentavam manter o controle da crise e negociar a
incorporação ou venda da empresa (DONATO, 1990).

[...] a terra, a fábrica, o mercado lá fora e principalmente o futuro, pesaram mais


do que o balanço financeiro, o mau estado do equipamento, a técnica rudimentar
em uso no produzir e no comercializar. Alfried optou pela compra. [...] apenas
concluído o negócio, o novo dono da Melhoramentos corre à Europa, à procura
de técnica e de técnicos. Voltaria com Johannes Ehlert [...] para direção da
fábrica de papel (DONATO, 1990, p.58).

Com a nova administração que visava, principalmente, o aperfeiçoamento técnico


da produção o crescimento da Melhoramentos foi retomado. Neste mesmo ano, Alfried
comprou um terreno localizado entre o Bairro da Água Branca e Lapa com intenção de
ampliar as instalações gráficas que estavam locadas no prédio da Líbero Badaró. Alfried
argumentava:
[...] em pouco tempo as instalações daqui da Líbero serão pequenas para o nosso
crescimento. E vamos crescer. Por isso comprei um terreno. Na Água Branca ou
Lapa [...] mas é deserto. Não há nada na Água Branca-Lapa [...] mas o progresso
vai para lá. Está na direção o oeste, de Caieiras, das ferrovias, da estrada de
rodagem para Campinas (DONATO, 1990, p.67).

O edifício da oficina da Lapa foi iniciado em 1921 e mudada a gráfica da Líbero


para as novas instalações da Lapa, o transporte do material da fábrica ficaria facilitado
tanto pela proximidade entre Lapa e Caieiras quanto pelas melhorias de acesso à Caieiras
com a inauguração da estrada São Paulo-Campinas (atual av. Raimundo Pereira de
Magalhães e rodovia Tancredo Neves, antes conhecida por Estrada Velha de Campinas).

2.2.2 Famílias imigrantes

A participação do trabalhador estrangeiro em Caieiras foi fundamental para o


desenvolvimento da atividade industrial estabelecida na região. Muitas das famílias que
deram impulso ao povoamento e desenvolvimento de Caieiras eram oriundas ou
descendentes de famílias de origens diversas que chegaram ao Brasil em busca de trabalho
100

e oportunidades de melhorias de vida64. O número de famílias italianas em Caieiras é


superior ao das outras nacionalidades, mas nem por isso, fez com que os grupos que
chegaram em menor número fossem menos importantes. Esta pesquisa não tem a
pretensão de realizar um estudo profundo acerca da imigração em Caieiras, porém,
pretende abordar questões que elucidem os caminhos percorridos pelos importantes grupos
que povoaram e colaboraram com o desenvolvimento da região. A imigração em Caieiras
merece um estudo aprofundado que não é nosso objetivo neste momento. Entretanto, nos
pareceu adequado ilustrar o quadro de imigrantes que chegaram à Companhia
Melhoramentos em busca de oportunidades de trabalho, citando alguns exemplos. É
evidente que cada família tem sua história particular, mas no que tangencia as razões de
saída de seus países de origem – normalmente razões ligadas à situação das relações de
trabalho e propriedade de terra ou a miséria dos períodos de guerra - e a entrada no Brasil,
são semelhantes em diversos aspectos. Os exemplos que seguem nos servem apenas como
indicadores preliminares desta imigração que poderá ter um estudo apropriado com a
devida profundidade em outro momento.
Ao analisar a arregimentação de mão-de-obra para as indústrias locadas ao redor
das estações ferroviárias, Langenbuch (1971) afirma que é provável que as várias fábricas
tenham utilizado de forma bastante diminuta para atividades que não necessitassem de
especialização, a mão-de-obra caipira das vizinhanças. Esta afirmação baseia-se na
proporção de trabalhadores brasileiros, tanto nas indústrias da cidade, quanto naquelas
implantadas nos arredores paulistanos. Os estrangeiros predominavam e a proporção dos
trabalhadores brasileiros era bem pequena, chegando a ser desprezível em alguns casos.
Bandeira Junior (1901) mostra que na Companhia Melhoramentos, em Caieiras, o número
de trabalhadores brasileiros quantificava um total de 16 homens, enquanto que os

64
Em bairros como Cresciúma, São Francisco, Santo Antonio, Nova Caieiras e Serpa onde existe grande
concentração de ex-moradores do núcleo e ex-trabalhadores da Companhia é fácil encontrar descendentes de
famílias de origem italiana como: Agostinelli, Alviani, Baboin, Barichello, Barnabé, Baseggio, Beltrame, Berti,
Bertolini, Bertolo, Bertolucci, Bimbatti, Bonavita, Calandrim, Calzavara, Campagnolo, Caniato, Casarotto,
Cestarolli, Chiati, Chrispim, Cogheto, Crema, Dalosto, Dártora, De Jorge, Descreci, Degani, Degrande, Dela
Beta, Della Torre, Di Girolamo, Fávero, Foresto, Gabrielli, Gallo, Gardim, Gazzola, Gondari, Guidolim,
Guilharducci, Latorre, Lisa, Lucietto, Mandri, Marquesini, Massaia, Massarollo, Matiazzo, Mollo, Molinari,
Mucelim, Nani, Nardi, Paladi, Parizotto, Pastro, Pauletto, Paulon, Pelizari,Perin, Ricci, Rosolen,Senati,
Simonetti, Spera, Spingarollo, Tasca, Toigo, Valbuza, Vilafranca, Zaniratto, Zanon, Zerbinatti, Zovaro, Zuglian.
Em menor número, os alemães: Dauchau, Faberlow, Graf, Muller, Winheski, Hansen, Polkorny; os romenos:
Chernik, Laszlo, Szentes, Turbuck; os austríacos Fetka, Mancz; os espanhóis Alarcon, Bogagio, Christo, Nicola,
Romero, Rubbio, Sanches, Vasques; os porturgueses Chrispim, Donas, Gaspar, Monteiro; os Sírios Nagy; os
tchecos, Iugoslávos e Húngaros: Maderick, Satrapa, Kiss, Udvari; entre outros.
Organização Social e Espacial de Caieiras 101

estrangeiros eram representados por 197 homens, 20 mulheres e 19 menores65


(BANDEIRA JUNIOR, 1901).
Em 1920, a população de Juquery e Parnahyba era formada por brasileiros e muitos
grupos de estrangeiros: vinte nacionalidades declaradas existentes em Juquery e dezesseis
em Parnahyba. Os italianos lideravam, neste momento, o número de estrangeiros na
região. No recenseamento feito neste ano não foram considerados habitantes de
“nacionalidade ignorada”. Os brasileiros configuravam a maioria e já se levava em
consideração entre eles os filhos dos imigrantes nascidos no país, o que provavelmente
colocou o contingente brasileiro em tal posição. Entre as nacionalidades contabilizadas
neste recenseamento, Langenbuch (1971) destacou:

Tabela 6 Estrangeiros em Juquery e Parnahyba entre os anos de 1874 e 1920.


Quantidade em
Nacionalidade Quantidade em Juquery
Parnahyba
Brasileiros 7504 7058
Italianos 559 410
Portugueses 410 278
Espanhóis 346 101
Alemães 32 27
Japoneses 176 ------
Turcos 33 27
Outros 38 55
Total 9098 7956
Fonte: Recenseamento Geral do Brasil, 1920 apud Langenbuch (1971, p. 123)

Em Caieiras atribuía-se à administração dos Weiszflog, iniciada em 1920, a


contratação de muitos funcionários de origem alemã, já que os patrões eram hamburgueses
e a contratação de técnicos alemães para supervisão dos serviços da fábrica ocorreu com
frequência durante esta gestão. Entretanto, nota-se que desde as primeiras referências
citadas, ainda durante a administração Rodovalho, os sobrenomes estrangeiros são
constantes. A matéria do jornal O Estado de São Paulo, de 20 de abril de 1890, transcrita
anteriormente, aponta que durante a “excursão às Cayeiras” era possível ver italianos,
franceses, suíços e alemães compondo o quadro de trabalhadores da Companhia. Assim,

65
Bandeira Junior mostra que na Fábrica de Sabão e Graxa São Caetano, em São Caetano, a proporção de
trabalhadores era de 2 brasileiros para 100 estrangeiros. Na Grande Fábrica Nacional-Materiaes de águas e
exgotos (Sensaud de Levaud & C.), localizada em Osasco, havia cerca de 150 operários, em sua maioria,
estrangeiros. Ao referir-se à Fábrica de tecidos e fiação Anhaia, o autor destaca a desproporção ao afirmar que
havia 9 trabalhadores brasileiros e 301 estrangeiros. Na Fábrica de Formicida Paulista, em São Caetano, a
situação era exceção, pois o autor relata que havia 35 operários todos nacionais (BANDEIRA JUNIOR, 1901,
p.55; PINTO, 1900, p. 148).
102

podemos observar imigrantes alemães em Caieiras antes da incorporação das duas


empresas – Companhia Melhoramentos e Weiszflog Irmãos.
Este fato está relacionado a uma “onda” imigratória para a província de São Paulo
durante o período Imperial brasileiro. Esta imigração teve seu auge ainda antes da era
republicana. O desenvolvimento das lavouras cafeeiras contou com a força de trabalho de
grandes contingentes estrangeiros. A proibição do tráfico negreiro para o Brasil, instituída
pela Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, foi um dos fatores que colaboraram para a
aceleração da entrada dos grupos estrangeiros no país. Assim, o Brasil já recebia
imigrantes alemães vindos das regiões atingidas por conflitos referentes à propriedade de
terras e crises econômicas desde 1827 quando a galera Maria chegou ao porto de Santos,
trazendo por ordem Imperial66 para fins de povoamento duzentos e vinte e seis imigrantes67
de povos de língua germânica (regiões que após 1871 formaram a Alemanha unificada)68
(SIRIANI, 2003). No Brasil o desenvolvimento industrial estava começando e havia a
possibilidade destes imigrantes exercerem as mesmas profissões que desenvolviam em seus
países originais (KARASTOJANOV, 1999).
A cidade de Hamburgo caracterizou-se como forte ponto de saída de trabalhadores
devido ao Porto e à condição de cidade livre dedicada ao comércio, o que justifica o fato de
que muitos emigrados de Hamburgo terem desenvolvido atividades comerciais,
manufatureiras e industriais (SIRIANI, 2003).
O afluxo de alemães que se intensificou não apenas para a capital, mas também para
Campinas e Rio Claro69, praticamente parou quando foi estabelecido o Rescrito Heidt, em
1859, que proibia a imigração dos prussianos para o Brasil e posteriormente à unificação

66
Decreto de 16 de março de 1820 ver SIRIANI, 2003-anexo I.
67
Inicialmente estes imigrantes seriam enviados para os núcleos coloniais – grandes extensões de terra cultiváveis
e repartidas em porções para que cada família dali extraísse o sustento, preferencialmente no interior da província.
Entretanto, as autoridades locais estavam livres para decidir a melhor região para acomodar estes imigrantes.
Assim, ficou estabelecido que, inicialmente, as terras devolutas do sertão de Santo Amaro, seria o local ideal para
a formação do núcleo, devido à localização privilegiada entre a cidade e o litoral (SIRIANI, 2003).
68
As transformações que ocorriam na economia dos Estados alemães estão associadas a um gradativo processo de
industrialização. As pequenas oficinas artesanais eram pressionadas pela grande indústria e isto gerou
conseqüências bastante negativas para a população que vivia do artesanato ou da agricultura, pois não podiam
concorrer com os novos maquinários que tinham capacidade de produzir muito mais. Esta situação acabou por
gerar diversos problemas sociais - assim como ocorreu em diversos locais da Europa - e fez com que a imigração
surgisse como uma alternativa para escapar da iminente ruína financeira. Assim, a região da Alemanha foi se
transformando de região agrícola em industrial. Os trabalhadores que se adaptavam ao trabalho nas indústrias
sujeitavam-se aos baixos salários. As inovações ocorridas também no campo com as tecnologias que
possibilitavam maior produção e maior lucro fizeram com que os proprietários de terra começassem a remover os
camponeses de suas propriedades. Os camponeses por sua vez, que pagavam para utilizar estas terras reagiram
exigindo o fim da servidão e a completa posse de propriedade da terra. Estes conflitos resultaram em
modificações da relação entre o camponês e a terra (RENAUX, 1995).
69
Ver o trabalho de Warren Dean: Rio Claro – um sistema Brasileiro de Grande Lavoura 1820-1920 e o trabalho
de Andrea Mara Souto Karastojanov: Vir, viver e talvez morrer em Campinas.
Organização Social e Espacial de Caieiras 103

da Alemanha, em 1871, foi estendido a todos os povos que formaram o novo Império. Esta
proibição fundamentava-se, principalmente, na situação precária em que os imigrantes
alemães residentes nestes núcleos coloniais oficiais se encontravam.
Em meados do século XIX, foram observados grupos de alemães nas proximidades
da região onde posteriormente foi formada a Fazenda Cayeiras. Ao discorrer sobre os
pousos de tropa nos arredores de São Paulo, Langenbuch (1971) analisa os relatos dos
viajantes sobre as pousadas existentes na estrada de Goiás, entre São Paulo e Jundiaí.
Mesmo com as divergências dos relatos feitos pelos viajantes, provavelmente em função
das retificações da estrada que pode ter promovido a substituição de pousos situados nos
trechos abandonados por outros novos, verificou-se, através do relato de Alfredo
D’Escragnolle Taunay que em “Jaguari-Açu (denominado por outros de Juqueri), nas
proximidades da atual localidade de Gato Preto, Monjolinho, Olhos d’ Água, Cristais e
Califórnia”, havia pousos para tropeiros (LANGENBUCH, 1971, p.38). Baseado em tais
relatos, o autor constata que “os alemães pareciam ter certa vocação para estalajadeiros” e
destaca a observação feita por Taunay, em 1865, específica para a hospedaria de
California, na região do Juquery: “Estes pontos todos são ocupados por allemães, que se
dão perfeitamente nesta parte da província de S. Paulo (...)” (TAUNAY70, 1874, apud
LANGENBUCH, 1971, p. 73). O Ensaio de Müller, elaborado em 1836, que analisa a
composição por grupos raciais de freguesias e municípios aponta que na região de Juquery
a população, que totalizava naquele ano 2.181 pessoas, era formada por 1353 brancos, 601
pardos e 227 pretos (MÜLLER71, 1838 apud Langenbuch, 1971, p. 70). Este quadro
ressalta que, entre os recenseados, a população branca configurava uma maioria de 62% do
total de habitantes na região. O quadro IV deste mesmo Ensaio aponta ainda que o
crescimento da população total de Juquery durante os 38 anos seguintes, portanto
contabilizada novamente em 1874, foi de apenas 24%. Langenbuch (1971) destaca também
grupos alemães em Jundiaí, região vizinha à região do Juquery e Parnahyba:
Em 1847 inaugurava-se na província de São Paulo o “colonato de parceria”
através do estabelecimento de 400 alemães provenientes de cidades hanseáticas
na fazenda Ibicaba, do senador Vergueiro, em Limeira. Êste sistema de
colonização e a correspondente imigração, que tanta difusão conheceu na
província de São Paulo, quase não afetou os arredores paulistanos por se
relacionar estritamente com a lavoura cafeeira, não praticada aqui. Apenas as

70
TAUNAY, Alfredo Escragnolle. Relatorio Geral da Comissão de Engenheiros Junto às Forças Para a Provincia
de Mato Grosso 1865-1866, Correcto, Argumentado, e Apresentado ao Instituto Historico e Geografico Brasileiro
pelo ex-Secretario da Mesma Comissão de Bacharel...in Revista Trimestral do Instituto Historico Geografico e
Etnografico do Brasil, tomo XXXVII, parte segunda (1874) Rio de Janeiro.
71
MÜLLER, Daniel Pedro. Ensaio d’um Quadro Estatístico da Província de São Paulo (Reedição Literal do
original de 1838). “O Estado de São Paulo”, São Paulo 1923.
104

lindes externas dos “arredores” de São Paulo conheceram um certo


desenvolvimento desta cultura, o que explica a existência de quatro “colônias”
de parceria no município de Jundiaí, na década de 1870. É um número pequeno,
e que apenas se relaciona com uma porção menos típica dos arredores
paulistanos (LANGENBUCH 1971, p. 73).

Figura 31 Indicação da região Monjolinho, Olhos d’Água, Cristais e Califórnia.


Fonte: Commissão Geographica Geologica do Estado de São Paulo. Folha Jundeahy. São Paulo: V. Steidel
& Cia, 1901. Esc. 1:10000.

As atividades industriais na Fazenda Cayeiras tiveram início durante o período de


transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado. Não tivemos notícia sobre
escravos que tivessem pertencido ao coronel Rodovalho, entretanto, Donato (1990) relata
que na década de 1940 foi retomada uma pesquisa, iniciada em 1922, sobre posseiros
fixados nas terras que originalmente formavam a Melhoramentos tendo em vista que a
origem da Fazenda Cayeiras estava vinculada à propriedades onde se cultivava café, uva,
criava-se gado e explorava-se jazidas. Segundo este relato, a última negociação com um
posseiro estabelecido no local foi feita entre o advogado da Companhia Accacio de Jesus e
Ambrósio de Oliveira, um ex-escravo, estabelecido nas terras da Companhia.
Organização Social e Espacial de Caieiras 105

Através da minuciosa pesquisa sobre imigração alemã para a cidade de São Paulo,
intitulada Uma São Paulo alemã: vida cotidiana dos Imigrantes Germânicos na Região da
Capital (1827-1889) feita por Siriani (2003) foi possível relacionar alguns dos nomes
estudados pela autora com algumas famílias que estiveram em Caieiras ainda no final do
século XIX. Em sua pesquisa, Siriani (2003) listou cerca de mil nomes de imigrantes
alemães residentes em São Paulo, Santo Amaro e Itapecerica. Entre os quais destacou a
vinda de Otto Weiszflog e da família Kuhlmann, a qual pertenceu Ana Maria Kuhlmann,
esposa de Otto Weiszflog, ambos pertencentes já a um segundo grupo de imigrantes que
chegavam ao Brasil com recursos próprios e com condições financeiras muito superiores
ao primeiro grupo de imigrantes.
Para a identificação de alguns destes estrangeiros que estiveram em Caieiras no
final do século XIX, partimos para uma investigação acerca dos contatos do Coronel
Rodovalho. Além de ser proprietário de uma empresa de recrutamento de estrangeiros para
o trabalho nas fazendas, na cidade de Santos, o coronel era um empreendedor envolvido
em diversos negócios no estado de São Paulo. Mantinha relações comerciais com muitos
dos industriais e empreendedores deste período, entre eles, alguns da colônia alemã. Estas
circunstâncias, entre outras que iremos descrever adiante, justificam a presença de diversos
estrangeiros na região. As relações de Rodovalho, com a colônia alemã podem ser
observadas em diversas ocorrências ao longo de seus investimentos no estado de São
Paulo, como por exemplo, durante a aquisição de terras na região do Juqueri que
posteriormente viria a compor as propriedades da Companhia Melhoramentos de São
Paulo. Como já comentado, a fazenda foi adquirida na década de 1860, provavelmente com
o conhecimento do parecer de 1863 elaborado pelo engenheiro Brunless que considerava o
manancial localizado nesta área como o mais indicado para o abastecimento da cidade de
São Paulo, já que o pai de Rodovalho pertencia à Câmara Municipal, o que facilitaria o
conhecimento dos Rodovalho destes pareceres. Bruno (1984) esclarece que o engenheiro
inglês James Brunless era comissionado pelo governo da província para estudar um plano
geral de abastecimento. Auxiliado por Hooper e Daniel Maxison Fox, que se tornou sócio
de Rodovalho na fundação da Companhia Cantareira de Esgotos alguns anos mais tarde,
Brunless apresentou um relatório que indicava a água do Ribeirão da Pedra Branca, na
Serra da Cantareira, ser ideal para o abastecimento. A qualidade desta água foi atestada
pelo farmacêutico alemão Gustav Schaumann, que chegou a Santos em 1848, mudando-se
para São Paulo em 1853 (Siriani, 2003). A família Rodovalho também mantinha relações
106

comerciais com a família Schunk que se estabeleceu na região do Planalto Paulista por
volta de 1828. Siriani (2003, p. 76 e 77) afirma que

A família Schunk, além de cultivar seus roçados, também vivia da criação de


gado e da fabricação de tijolos, e uma das atividades de seu chefe era o
carregamento de madeira, em carros de boi, dos sítios até os principais mercados
da região e da capital. Também revendia tecidos de algodão, baeta e maços de
linha, que comprava na capital do comerciante Antonio Joaquim Tavares
Rodovalho (...) (SIRIANI, 2003).

A encomenda do projeto da fábrica de papéis feita por Rodovalho à firma alemã


Gebrüder Hemmer, proporcionou a vinda de técnicos hamburgueses para a montagem das
máquinas (DONATO, 1990) no final da década de 1880. Observamos que a participação
do Coronel Rodovalho como sócio da Serraria a vapor de Gustavo Sydow durante a década
de 1880, citada anteriormente pode ter favorecido a contratação do administrador técnico
da fábrica de papel de Caieiras, Frederico Sydow, irmão de Gustavo. A matéria do jornal O
Estado de São Paulo, já citada anteriormente, esclarece que Frederico Sydow foi o
responsável pela demonstração dos maquinismos da fábrica aos visitantes. A família
Sydow foi uma entre as muitas famílias alemãs que chegaram ao país durante o século XIX
e se envolveram com a manufatura e o artesanato da capital paulista72.
Percebemos certa proximidade entre o Coronel Rodovalho e os irmãos Sydow.
Tanto o chalé de Rodovalho construído em 1879 quanto a fundição de Gustavo Sydow,
montada por volta de 1872, estavam locados no mesmo quarteirão do Morro do Chá73.

72
Siriani (2003) descreve a trajetória da família quando “João Henrique Sydow, um modesto artista, fabricante
de sinos, dirigiu-se ao Brasil, vindo de Hamburgo, em meados da década de 1850, em companhia da esposa
Eliza e de seus seis filhos. A família, remediada, contava com a colaboração de todos os filhos homens para o
auxílio na pequena fundição que possuíam, num imóvel alugado. Quando faleceu os três filhos mais velhos,
Gustavo, Adolpho e Frederico, deram continuidade ao trabalho artesanal de fundição de ferro que haviam
aprendido com seu pai. Pouco a pouco foram conquistando seu espaço produtivo da cidade. Porém, separam-se,
mantendo, cada um, as suas próprias fundições. A de Gustavo - a que mais prosperou - foi montada por volta de
1872, na Rua Barão de Itapetininga, num imenso terreno, posteriormente ocupado pelo teatro Municipal. Ali,
realizava outros trabalhos artesanais, tais como a fabricação de móveis, possuindo no mesmo prédio uma serraria
e uma marcenaria que, com o crescimento do negócio, modernizaram-se, utilizando o vapor como força motriz.
A de Adolpho tomou contorno de grande indústria, fabricando essencialmente maquinário pesado para a
agricultura, bombas e rodas hidráulicas, entre outros. O único a manter o espírito artesanal na fabricação de
artigos de ferro fundido foi o caçula Frederico que, tendo se instalado na Alameda Barão de Piracicaba,
continuou fabricando sinos, portões, grades estátuas” (SIRIANI, 2003, p. 120 e 121).
73
Ernani Silva Bruno complementa a localização dos estabelecimentos do Gustavo Sydow dizendo que “outro
pioneiro da indústria de São Paulo, nesse tempo, foi o emigrado alemão Gustav Sydow, que montou serraria a
vapor no morro do Chá, no local agora ocupado pelo Teatro Municipal e pelo Hotel Esplanada” (BRUNO, 1984,
p. 1170) e Campos (2008) afirma que o chalé de Rodovalho era localizado no terreno onde posteriormente foi
edificado o Teatro Municipal de São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 107

Outro nome integrante da lista de imigrantes elencada por Siriani (2003) é o de


Francisco Bausch. Francisco Bausch entrou no Brasil por volta de 1870 declarando, assim
como João Henrique Sydow, a profissão de artista. De acordo com a pesquisa de Siriani
(2003) Bausch estabeleceu inicialmente residência em São Paulo. Um fato curioso sobre
este artista alemão nos remete às instalações do Coronel Rodovalho, em Caieiras. Donato
(1990) descreve o relato de um técnico hamburguês, em carta à família, datada de 30 de
maio de 1889. Na carta o hamburguês relatava a “batalha da barragem” referindo-se ao
incidente ocorrido quando da instalação da barragem do Rio Juqueri para fornecimento de
energia hidráulica para a fábrica. A carta do técnico alemão transcrita por Donato, dizia
que

[...] no domingo, 26 de maio, este senhor (o proprietário de além Juqueri) veio


com alguns negros armados e mandou arrancar o dique [...] demos alguns tiros
de advertência para o ar, o que provocou uma resposta a bala. Depois que demos
um considerável número de tiros, eles abandonaram o trabalho e se puseram em
fuga; ao verificarem, porém, que nenhum deles estava ferido e que não
pretendíamos atingi-los, eles retornaram, o que muito nos aborreceu e ao vermos
que eles prosseguiam em seu intento descarregamos nova salva de tiros sobre
eles. Aí eles fugiram, largando tudo [...] (DONATO, 1990, p. 31).

Donato (1990, p. 31) complementa a ocorrência ao dizer que

Na área vizinha à barragem instalou-se, para defendê-la, uma comunidade


trabalhadora. Por conseqüência surgiu ali o primeiro cemitério, no qual terão
sido enterrados alemães vindos de Hamburgo, envenenados com fruta do mato
ou certo tipo de peçonha (DONATO, 1990).

A entrevista feita por Gabrielli (2010) esclarece que a família morta neste episódio
era de Francisco Bausch e algumas questões acerca deste episódio são pouco esclarecidas,
entre elas a causa da morte da família. Todos os ex-moradores das vilas de Caieiras
entrevistados para esta pesquisa afirmam ter ouvido a história da morte da família alemã,
entretanto alguns disseram ter ouvido que os integrantes da família morreram por ingerir
mandioca brava, fruto selvagem, soda cáustica confundindo-se com açúcar, ou por terem o
alimento contaminado ao cozinhar em panela de cobre não forrada com estanho.
Entretanto, Donato (1990) afirma que a família foi instalada na área vizinha à barragem
para defender as instalações e desta forma, levantamos ainda a hipótese de ter ocorrido
alguma represália relacionada à “disputa da barragem”, hipótese muito precoce que merece
investigação. Em suma, a família Bausch que chegou ao Brasil com o sonho de conseguir
108

melhores condições de vida, teve o sonho interrompido por este episódio ocorrido em
Caieiras.
Com o advento da República, começou uma nova fase de imigração alemã em São
Paulo. Os novos alemães chegavam e permaneciam nas cidades ocupando situação bastante
diferente da dos imigrantes da fase inicial. Vinham com recursos próprios, desvinculados
das firmas particulares ou do governo. Nesta segunda fase de imigração, os alemães
chegavam livres de dívidas e comprometimento com as empresas agenciadoras e tinham
condições de investir em novos empreendimentos no Brasil. Enquadram-se neste perfil de
imigrantes os integrantes da família Weiszflog.
Após as medidas restritivas em relação à imigração alemã, os grupos germânicos
ainda chegavam a Santos, porém, em número insuficiente para suprir a necessidade da
lavoura, que passou a contar com os colonos italianos74. Zuleika M. F. Alvim, em sua
pesquisa intitulada Brava Gente! Os italianos em São Paulo mostra que durante cinqüenta
anos, entre os anos de 1870 e 1920, a imigração italiana foi fundamental para o
desenvolvimento do estado de São Paulo75.
A fazenda de propriedade de Antonio Álvaro, por exemplo, localizada em Campinas
recebeu diversas famílias italianas para o trabalho na lavoura. Entre as famílias enviadas
para esta fazenda estava a família Dragoni, que chegou ao Brasil em novembro de 1901. A
documentação disponível no APESP76 referente à imigração foi de grande importância para
traçar a trajetória destes exemplos que abordamos neste item. Augusto Dragoni, de 52
anos, saiu de Gênova, na Itália, em direção ao porto de Santos no vapor Rio Amazonas.
Junto com ele vieram os filhos Ulderico com 13 anos, Elvira com 14, a esposa Pia com 33

74
Para maior conhecimento acerca dos períodos, razões, estratégias de arregimentação, regiões que produziram os
maiores contingentes de emigrantes na Itália, ver ALVIM, (1986).
75
A autora divide este período de imigração em três fases: “o primeiro momento – 1870-1902 – caracteriza-se
pela articulação política do grupo do Oeste, paralelamente à desagregação da mão-de-obra escrava; pelas
primeiras tentativas de se apoiar a produção cafeeira na mão-de-obra livre; e pela ausência de uma política
imigratória definida. Neste período os italianos ainda não eram maioria dos imigrantes. Num segundo momento –
1885-1902 – consolida-se nova facção econômica no poder – os fazendeiros do Oeste – enquanto o mercado de
trabalho se apóia de fato na mão-de-obra livre, definindo-se então, uma política imigratória, basicamente calcada
no imigrante italiano. Finalmente – 1902-1920 – período em que o poder político do novo grupo se mantém
inalterado e em que se consolida, em todo o país, a política imigratória iniciada por São Paulo. Com uma
diferença, porém, definida pela queda brusca na entrada de italianos, basicamente porque passaram a ser atraídos
pelo mercado de trabalho norte-americano, e menos em decorrência das restrições determinadas pelo Decreto
Prinetti, com que o governo italiano, em 1902, proibiu a emigração desenfreada de seus súditos para o nosso país
(ALVIM, 1986, p. 21).
76
Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 109

e o pai Frederico, com 78. Os Dragoni vieram para o Brasil por conta do governo brasileiro
em parceria com a Companhia La Liguri Brasiliana77.
Estavam estabelecidos também em Campinas, desde o final da década de 1880, os
integrantes da família Barichelli, também italiana. Em abril de 1887, chegou ao porto de
Santos o navio Bearn, trazendo grupos de imigrantes e entre eles, Domênico Barichelli
com 36 anos de idade, acompanhado de sua esposa Mônica Gardin com 39 anos e dos
filhos Frederico, com 10 anos e Inocente, com 7. Frederico Barichelli casou-se com Elvira
Dragoni, por volta de 1904, e deste casamento nasceu Judith Maria Pia. As notícias sobre
as instalações industriais de Caieiras já se espalhavam e atraíam muitos dos trabalhadores
rurais estabelecidos nas fazendas do interior paulista. Frederico e a família78 foram
trabalhar na Companhia Melhoramentos e estabeleceram moradia inicialmente no
Monjolinho e depois na vila Sobradinho. Mais tarde, Judith, filha do casal, conheceu e se
casou com Bruno Prando.
Bruno também descendia de italianos. Era filho de Bonifácio e Maria Prando79,
trabalhadores das lavouras de Bragança Paulista. Contam os familiares80 que após a morte
de Bonifácio, a viúva e os filhos saíram de Bragança em busca de trabalho em outros
lugares e estabeleceram-se em Itatiba, onde foram criados e trabalharam na Fazenda dos
Pereira81. Sabe-se que a filha Olga permaneceu nesta fazenda e os filhos Bruno, Ângelo e
Mário vieram para a região de Juquery e Paranahyba. Ângelo e Mário82 trabalharam no
hospital do Juquery e Bruno foi para a Companhia Melhoramentos, por volta de 192083.
Rosi Aparecida Martinho, neta de Bruno Prando, conta que os avós se conheceram
no cinema da Companhia Melhoramentos. Deste casamento, entre Bruno e Judith nasceram
seis filhos, que também trabalharam na Companhia Melhoramentos, entre eles Zeferino
Prando.
Outro exemplo de descendente de famílias italianas que vieram para o Brasil com
objetivo de trabalhar nas lavouras cafeeiras e posteriormente fixaram-se em Caieiras é de
Rosa Menegatti de Azevedo, que trabalhou durante quase dez anos na seção de papel

77
Entre os anos de 1876 e 1920, emigraram da região da Ligúria com destino ao Brasil cerca de 9.328 italianos
(ALVIM, 1986).
78
Inocenti também acompanhou o irmão para Caieiras.
79
Prontuário DEOPS número 44311 sobre investigações acerca da depredação do transporte coletivo em Caieiras.
80
Entrevista a Rosi Aparecida Martinho, fevereiro de 2011 e Zeferino Prando, março de 2011.
81
Um dos filhos de Olga chegou a ser administrador desta fazenda.
82
Posteriormente Mário, que era carpinteiro, mudou-se para Piracaia, interior de São Paulo.
83
No prontuário DEOPS número 44311 sobre investigações acerca da depredação do transporte coletivo em
Caieiras, Bruno declarou em 1952 que era funcionário da Companhia há 32 anos, sendo admitido na empresa,
portanto, por volta de 1920.
110

crepon da fábrica. Rosa nasceu em Jundiaí, em setembro de 1922, filha de Augusto


Menegatti e Paulina Civita Nova. Tanto Augusto quanto Paulina nasceram no interior de
São Paulo. Rosa sabe que Augusto nasceu em Tambaú e que os avós vieram da Itália: os
maternos de Nápolis e os paternos de Veneza84. A família de Rosa chegou a Caieiras, em
1938, para trabalhar na Companhia, entretanto, nunca moraram nas vilas. Augusto e sua
família, depois de morarem em Jundiaí, foram para Espírito Santo do Pinhal (SP), depois
para Botelhos (MG) e depois para Caieiras. Conseguiram, nesta época, estabelecer moradia
já em Cresciúma, onde Rosa lembra que na década de 1930, eram morros e campos que
formavam a paisagem local. Augusto chegou a ter vários imóveis em Caieiras e por isso
nunca teve interesse nas casas das vilas. Trabalhou na seção de cola da fábrica de papeis e
Paulina, na cerâmica. Nair, irmã já falecida de Rosa, foi encarregada da seção de papel
higiênico e a outra irmã Santina foi empregada na casa do gerente alemão Ehlert. Rosa
trabalhou na seção de Crepon até nascer Cleide, sua única filha com o marido Omar
Cândido de Azevedo, funcionário do Hospital Psiquiátrico do Juquery.
Como percebemos por meio dos relatos dos antigos funcionários, foram muitas
gerações de famílias dedicadas à Companhia Melhoramentos. Antônio Eusébio conta que
nasceu em Caieiras, na Vila Foresto, próximo ao Tancão, em dezembro de 1940. Eusébio
se lembra de muitos trabalhadores vindos de Campinas e do interior paulista. Seu pai,
Benedito Eusébio, por exemplo, nasceu em Caçapava, em 1915. Benedito era filho de Luis
Eusebio dos Santos, a quem Antônio atribui a origem portuguesa da família, devido ao
sobrenome. A mãe de Luis era Alzira Lopes dos Santos, que segundo Antônio, era de
descendência negra. Luis ficou viúvo em Caçapava e veio morar em Caieiras com os filhos
e conseguiu trabalho nas roças da Melhoramentos. Nesta época Benedito tinha
aproximadamente 9 anos de idade. Antonio conta que o pai começou a trabalhar já com
esta idade em serviços que ele supõe serem parecidos ao que ele próprio, Antonio,
executou quando começou a trabalhar na Companhia aos 14 anos. Eram atividades de
suporte aos trabalhadores, como buscar água, esquentar almoço, cuidar dos animais85. Mas,
em idade adulta Benedito trabalhou no transporte de pedras da calcária para os fornos de
cal. Antonio formou-se torneiro mecânico pelo SENAI86, e aos 18 anos começou a exercer
esta profissão na fábrica de papéis, onde se aposentou. A mãe de Antonio, Sebastiana da

84
Veneza faz parte da região do Veneto, de onde cerca de 365.710 italianos partiram em direção ao Brasil entre
os anos de 1876 e 1920 (ALVIM, 1986).
85
Estas atividades estarão descritas no item Mulheres e Crianças.
86
O SENAI – Serviço de Ensino e Aprendizagem Industrial – onde Antonio estudou ficava no bairro da Lapa em
São Paulo.
Organização Social e Espacial de Caieiras 111

Silva Eusébio veio de São José do Rio Pardo para Caieiras. Nascida em Caconde, era filha
de um feitor de fazendas. Devido à ocupação do pai, a família de Sebastiana não ficava
muito tempo na mesma cidade. Moraram em Caconde, São José do Rio Pardo,
Muzambinho, Guaxupé e várias outras cidades da região de Mococa. Quando a mãe de
Sebastiana adoeceu, foi levada pelo marido para a Santa Casa de Misericórdia em São
Paulo, onde deu início ao tratamento da doença, que segundo os familiares pode ter sido
malária. Primeiro veio o marido, depois trouxe a esposa doente. Depois disso, fixaram-se
no Tancão.
Durante a administração dos Weiszflog, muitos funcionários de origem germânica
ou europeus de forma geral foram contratados para administrar os serviços da fábrica. Os
relatos dos antigos moradores afirmam que uma maioria destes imigrantes ocupava cargos
de chefia e gerência:
[...] naquela época, dentro da empresa, o brasileiro era pra trabalhar, só. Você
contava nos dedos se tivesse um encarregado, um chefe brasileiro. Tinha. Mas
era muito pouco. Era só alemães que vinha (PRANDO, 2011).

O relato do Dr. Bonno Van Bellen87 sobre a chegada de sua família na Companhia
Melhoramentos retrata a contratação do pai durante o período de pós-guerra, em Caieiras:

[...] meu pai trabalhava na produção do papel, lá naquelas maquinonas, ele era
engenheiro lá, ele foi trabalhar lá [...] ele trabalhava com cana de açúcar, aí ele
veio para o Brasil, porque sou holandês, [...] eu e meus irmãos todos nascemos
fora do Brasil, aí depois da guerra, em 1950, ele migrou para cá, e como ele
trabalhava com negócio de açúcar, ele trabalhava na verdade na Indonésia, que
era colônia da Holanda, onde nasceram meus irmãos, que são mais velhos do
que eu. E eu nasci na Holanda, na guerra, em 43 [...]. Depois da guerra ele
retornou para a Indonésia, e aí deu a independência ali, e a Holanda perdeu a
colônia, aí ele conseguiu um contrato para trabalhar numa usina de açúcar aqui
no Brasil, em Campos, no estado do Rio. Aí de lá [...] a gente foi para Maceió,
depois de Maceió para Ribeirão Preto, aí ele saiu dessa área e foi trabalhar na
Lever, que é a Gessy Lever hoje, né? Que era lá no Anastácio, na Anhanguera,
por ali [...] aí ele saiu de lá e foi trabalhar na Melhoramentos (BELLEN, 2011).

A preferência por gerentes alemães ou descentes poderia estar pautada tanto na


capacitação técnica deste funcionário, que devido ao conhecimento teria melhores
condições gerenciar o trabalho nas máquinas importadas da Alemanha, quanto também,
durante a década de 1940 e 1950, nas questões políticas.
[...] lá era fundamentalmente estas Companhias alemãs que receberam muitos
alemães do pós-guerra, né? Eram muitos, muitos, [...]. Esse pessoal todo, eles
tinham ligação na guerra, né? [...] eram oficiais nazistas, e acho até que houve
um recolhimento deles aqui, como houve na Argentina, no Chile, e aqui na

87
O Dr. Bonno Van Bellen é médico, holandês e é filho de um engenheiro que foi chefe do setor da fábrica da
Companhia Melhoramentos. Bonno morou em Caieiras entre os anos de 1957 a 1962, aproximadamente. Sua
saída de Caieiras está relacionada aos estudos, entretanto a família permaneceu por mais tempo.
112

Mannesman, na Mercedez-Bens, na Volkswagen, na Melhoramentos, e eram


muitos, né? [...] e acabou formando um núcleo grande, todos eles provenientes
da guerra, na verdade, né? E acabaram formando estes núcleos alemães que
entre eles, tinham muito contato, não é?O meu pai como era holandês e a
Holanda tinha sido invadida pela Alemanha, ele tinha até uma certa dificuldade
para conviver com essa “alemanzada” toda aí. Mas no fim ele se dava bem,
porque falava alemão e na Holanda eles falam várias línguas e ele falava alemão
direitinho [...] tinha uma família, não me lembro o nome deles, eles moravam
afastados da fábrica, [...] bem longe e era proibido falar alemão, naquela época,
né? [...] eles desaprenderam falar alemão, porque como era proibido, eles
pararam de falar e não conseguiram mais falar, eles desaprenderam, porque eram
cinco ou seis anos de proibição, né? Agora os outros não, como moravam perto,
eles meio que clandestinamente falavam alemão, eles eram chefes também. [...]
e naquela época não havia alemão que não tivesse ligação com o partido nazista,
né? Era quase que obrigatório, né? Se não fosse do partido nazista você era
excluído, não é? E os alemães protegiam muito uns aos outros na comunidade,
isso era notório, eu lembro que naquela época tinha disco de 78 rotações e tinha
gente ali que ouvia discurso do Hitler! Eu ouvia, porque punha na vitrola e eles
ficavam lá ouvindo o discurso do Hitler! E já tinha acabado, né? Porque isso era
perto de 1960! (BELLEN, 2011).

Csernik, ao lembrar do isolamento de Caieiras devido às grandes áreas verdes


formadas por plantação de eucalipto da Companhia Melhoramentos e às dificuldades de
acesso nas áreas restritas aos proprietários, fez uma comparação interessante ao dizer que

[...] a “Lista de Schindler”, era uma fábrica de panela que pegou e guardou todo
mundo. A mesma coisa foi na Melhoramentos aqui. A Melhoramentos trouxe
muita gente. Não era gente que fosse carrasco de guerra [...]. É que fugiram da
opressão, né? Mas acho que o Menghele morou aqui também. Dizem que ele
morava perto da Serra dos Abreus [...] E tudo aqui era Melhoramentos [...] na
casa da D. Bertha88, nunca teve acesso a ninguém [...] a plantação deles pegava
até Cajamar, daí ia longe, Santana do Parnaíba, então a plantação de eucalipto
era muito grande (CSERNIK, 2011).

Estas questões sobre o isolamento de Caieiras configurado tanto pelas dificuldades


de acesso, já descritas no item 1930-1960: surgimento de novas vilas, quanto pelas grandes
áreas verdes que circundava toda a extensão da propriedade da Companhia com a plantação
de eucaliptos, são abordadas nos itens A localização estratégica: isolamento e proximidade
com a capital e A região do Juquery.

2.3 O trabalho na Companhia


As vilas operárias e os núcleos fabris eram locais onde indivíduos pobres, em sua
maioria, eram arregimentados para trabalhar nas fábricas. A base higienista, a
preocupação com a formação moral e religiosa, que incluía os princípios de dever e

88
Referindo-se à chácara ainda existente em Caieiras de Bertha Weiszflog, esposa de Walther Weiszflog.
Organização Social e Espacial de Caieiras 113

preocupação com a formação moral e religiosa, que incluía os princípios de dever e


lealdade e as opções de lazer costumavam ser oferecidos aos funcionários mantendo-os em
constante estado de prontidão para o trabalho (CORREIA, 1998). As vilas criadas ao redor
das grandes fábricas procuravam difundir

[...] padrões de comportamento adequados, na óptica capitalista de desempenho


do trabalho livre. Os padrões de honra exaltados, as regras de moral burguesa e
as normas de vida transmitidas pela burguesia ao operariado constituíam parcela
da ideologia a ser difundida aos subordinados [...] ( BLAY, 1980, p. 148)

Desta maneira, a imposição da disciplina para gerir os trabalhadores de acordo com


os anseios industriais, foi um instrumento para administrar e moldar os operários para as
necessidades fabris. Nas antigas fábricas da França, por exemplo, Perrot (1988) mostra
que a prática de estabelecer os regulamentos das fábricas se multiplicou ao longo do
século XIX e toda fábrica que tivesse alguma importância deveria ter o seu inspirado nos
modelos já utilizados. Os conteúdos dos regulamentos estabelecidos nas fábricas neste
período demonstram que, inicialmente, fixavam os horários e os valores das multas e
incluíam prescrições morais. A estas regras, acrescentava-se a disposição sobre os
salários, regras de higiene e segurança (em relação à utilização das máquinas), aviso-
prévio, proibições cada vez mais precisas sobre a circulação na fábrica. As multas eram,
essencialmente, aplicadas para os casos de atrasos, falhas de fabricação, deterioração das
máquinas, brigas nas dependências ou proximidades à fábrica, cachimbos mal apagados,
palavreados obscenos, condutas consideradas indecentes, embriaguez, falatórios,
insubordinação aos chefes, escritos nas paredes e todos os comportamentos julgados,
pelos patrões, inadequados (PERROT, 1988).
No Brasil, as três primeiras décadas do século XX foram de grandes discussões
acerca da legalização do trabalho e em especial do trabalho feminino e do menor. Até
Constituição de 1988, que estabelecia, pela primeira vez que os deveres e
responsabilidades decorrentes da sociedade conjugal cabem igualmente a ambos os
cônjuges, um longo caminho de discussões e movimentos foi trilhado pelas autoridades,
patrões e operários. O trabalho feminino e o trabalho do menor deparavam-se
freqüentemente com questões de exploração e preconceitos com conseqüências que
levavam à exclusão ou baixíssima remuneração.
Em São Paulo, questões sobre o trabalho do menor já eram consideradas no
Decreto nº233 que estabelecia o Código Sanitário de 1894 (CORDEIRO, 2010). O artigo
114

181 estabelecia a proibição do trabalho noturno para meninos menores do que 15 anos e
mulheres até 21 anos. O governo estadual de São Paulo por meio do Decreto nº 2141, de
1911, permitia serviços leves para crianças entre 10 e 12 anos e proibia o trabalho noturno
aos menores com idade entre 10 e 18 anos, sem fazer referência ao trabalho feminino
(TEIXEIRA, 1990).
Na década de 1910, os industriais paulistas se organizaram em associações de
classe com objetivo de defender alguns de seus interesses específicos. Estas associações
que agiam em nome dos interesses do comércio e da indústria, assumiam uma posição
intermediária entre o Estado e os movimentos operários e tinham como objetivo principal
a questão da legislação social e o estabelecimento dos limites da regulamentação do
trabalho pelo Estado.
O período compreendido entre 1917 e 1920 foi marcado por discussões sobre as
questões sociais, principalmente após os movimentos grevistas de 1917 e com os projetos
de regulamentação que começaram a surgir com as preocupações sobre o trabalho
feminino nas indústrias. Muitos defendiam a proibição da mulher em trabalhos noturnos e
consideravam o organismo da mulher não resistente à fadiga além de considerar os
ambientes e horários não adequados àquelas que deveriam estar em casa zelando pela
família (VENÂNCIO, 2001). Considerava-se, então, o modelo de família em que o
homem era o provedor do sustento da família, enquanto a mulher realizava um trabalho
extra doméstico para complementar a renda familiar. A Lei Estadual nº 1596, de 1917, que
alterava o código sanitário, elevava a idade de admissão dos menores de 10 para 12 anos e
entre 12 e 15 anos os menores não poderiam trabalhar em fábricas de bebidas alcoólicas,
em maquinismos perigosos, em serviços que exigissem a concentração e atenção, em
transportes de carga, serviços gráficos, limitando o horário de trabalho para cinco horas
diárias. Por esta Lei a admissão dos menores nas fábricas só poderia ocorrer com a
apresentação do atestado de freqüência escolar e de aptidão física e as mulheres durante o
primeiro mês de gravidez e primeiro do puerpério não poderiam trabalhar em
estabelecimentos industriais. Apesar das medidas de proteção previstas em lei muitos
industriais não cumpriram o estabelecido devido, principalmente, ao fato de não haver
fiscalização suficiente que garantisse à obediência89 (TEIXEIRA, 1990).
Em São Paulo, em 1919, foi sancionada a Lei de Acidentes de Trabalho.
Entretanto, o Código de Trabalho não chegou a ser votado e voltou à Câmara somente nos

89
Em 1917, os industriais do Rio de Janeiro igualmente desrespeitavam a proteção ao menor estabelecida pela lei
municipal. Em Pernambuco, os projetos relativos à legislação social também foram rejeitados (TEIXEIRA, 1990).
Organização Social e Espacial de Caieiras 115

anos seguintes90 (TEIXEIRA, 1990). Os empresários foram aceitando, durante os anos


1920, lentamente a intervenção do Estado nas relações trabalhistas91.
A década de 1930 foi marcada pela criação do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, pensando numa estrutura que tinha como base o estabelecimento de uma rede de
contatos entre os representantes de patrões e de empregados92.
Esse contexto de mudanças na forma de contratação dos trabalhadores vai interferir
na organização do trabalho em Caieiras. O tipo de trabalho desenvolvido na Companhia
Melhoramentos envolvia atividades diversas de caráter rural, técnico e administrativo.
Entre as atividades observadas nos documentos publicados na literatura ou relatadas pelos
entrevistados percebemos uma gama variada de serviços que envolviam todos os membros
da família operária. Para as classes menos favorecidas economicamente, eram comuns

90
Em 1915, o senador paulista Adolpho Gordo levou para a consideração do Senado Federal o projeto de lei que
estabelecia a obrigatoriedade dos patrões em reparar os danos em caso de acidentes de trabalho com operários.
Em 1919 este projeto foi transformado em lei. Após a publicação do projeto de Adopho Gordo no Diário Oficial,
o Centro Industrial do Brasil elaborou um estudo enviado ao Congresso Nacional propondo mudanças que
favoreciam seus interesses, justificando suas posições. Em 1917, Maurício de Lacerda, apresentou um projeto de
formulação do Código de Trabalho com indicações para leis trabalhistas, para a Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara, tais como jornada de trabalho de oito horas, redução do turno e proibição do trabalho noturno
para as mulheres, licença à parturiente pré e pós-parto, proibição do trabalho do menor de 14 anos com jornada de
seis horas de seis horas diárias, com salário nunca inferior a dois terços do salário adulto. Estas proposições
geraram muitas discussões entre industriais e operários, principalmente em relação às questões referentes à idade
do menor operário e carga horária. O projeto de Código de Trabalho permaneceu parado até 1918, quando foi
apresentado um novo substitutivo, conhecido como projeto de lei operária e de acidente de trabalho que surgia
com certo retrocesso em relação ao projeto do Código, parecendo ceder às pressões industriais. A jornada de
trabalho passava a ser de dez horas para ambos os sexos e também para os menores com mais do que 16 anos. Era
permitido aos patrões o prolongamento deste horário desde que houvesse o pagamento de horas extras. O
princípio da reparação dos danos em caso de acidente de trabalho foi alterado de maneira que a indenização só
ocorreria quando o acidente não se devesse a força maior, culpa ou dolo da própria vítima ou de estranhos.
Descontente com as proposições da lei operária, o deputado Nicanor Nascimento apresentou um requerimento à
Câmara pretendendo uma Comissão Especial de Legislação Social, para tratar especialmente das questões sociais.
A partir de então, as questões referentes à elaboração de uma legislação social seria encaminhadas a esta
Comissão. O projeto que regularia os acidentes de trabalho foi desmembrado do projeto de Código de Trabalho
(TEIXEIRA, 1990).
91
Em 1923 foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, órgão consultivo do governo federal em assuntos
trabalhistas. Em meados da década de 1920 foi assinado o Código de Menores e discussões sobre o trabalho
feminino, incluindo o atendimento à mulher grávida também aconteceram neste período (VENÂNCIO, 2001).
Em 1923 o Projeto do Novo Código do Trabalho foi posto em discussão pela Câmara, mas o patronato reagiu
contra o projeto, principalmente no que se referia à carga horária de oito horas; a instituição do descanso
dominical para certos tipos de empresas; à concessão de 15 dias de férias para cada operário por ano trabalhado;
à proibição do trabalho do menor de 14 anos; sob alegação de tal medida ser prejudicial à família operária; à
proibição do trabalho noturno da mulher em certos serviços; descanso da parturiente 30 dias antes e 40 dias
depois do parto (TEIXEIRA, 1990).
92
Em 1932 foi promulgado o decreto que proibia o trabalho noturno das mulheres exceto aquelas que
trabalhassem junto a outros membros da família ou em atividades relacionadas à telefonia, radiofonia, hospitais,
clínicas, manicômios ou sanatórios. Entre as determinações, estavam também as proibições do trabalho feminino
em locais considerados insalubres ou de periculosidade. Definiu o horário a ser entendido como horário noturno e
instituiu a jornada de trabalho de 8 horas de trabalho na indústria, assim como definiu benefícios para o período
de gravidez e amamentação. Leis que haviam sido elaboradas durante os 30 primeiros anos do século XX foram
regulamentadas, mais tarde, na década de 1940 (VENÂNCIO, 2001).
116

atividades masculinas voltadas ao serviço “pesado”: carregamentos e transportes de pedras,


areia, cal, fardos, os cuidados com os animais. As mulheres se ocupavam dos serviços
domésticos na casa dos chefes ou de manuseio de papéis, que embora classificados pela
Companhia como atividades limpas e apropriados às moças, não estavam livres de uma
rotina de trabalho exaustiva. Às crianças destinavam-se os serviços de apoio às equipes de
trabalho. Para homens, mulheres e crianças de condição financeira menos favorecida, o
serviço na roça, que incluía o plantio das mudas de pinheiros, araucárias e eucaliptos no
viveiro foi também muito comum. Muitas vezes, a iniciação do trabalho na Companhia se
fazia por meio deste setor. Entretanto, à medida que o funcionário tivesse um
aprimoramento profissional ou alguma experiência dentro da própria Companhia que lhe
diferenciasse dos demais, poderia iniciar algum trabalho nas oficinas, nas fábricas e nos
escritórios. Muitos trabalhadores que começaram suas vidas profissionais na Companhia
com o plantio de mudas, conseguiram se especializar profissionalmente como torneiros
mecânicos, desenhistas, projetistas ou ainda acabavam por comandar equipes. A rotina de
alguns dos trabalhadores de Caieiras será descrita com intenção de trazer ao leitor melhor
compreensão sobre o cotidiano nas vilas de Caieiras, que era pautado, de forma
contundente, nos resultados da produção industrial. São relatos que revelam, em partes, a
sólida e extensa estrutura de trabalho agroindustrial dentro da Companhia Melhoramentos.
A investigação acerca destas atividades apoiou-se na literatura específica sobre Caieiras e
Companhia Melhoramentos e, principalmente, nos relatos dos trabalhadores que foram de
suma importância para traçarmos, em linhas gerais, um quadro que trouxesse à luz as
atividades rotineiras desta grande indústria.
Organização Social e Espacial de Caieiras 117

Figura 32 Entre os trabalhadores da Companhia Melhoramentos,


funcionários da gerência, entre eles o gerente Ehlert, em pé, à direita.
Fonte: Jornal Regional News, capa, ano XV, 12 de dezembro, 2006.

2.3.1 O trabalho masculino


Como vimos, o trabalho dentro da Companhia incluía atividades diversas que
poderiam ir desde o campo até as atividades dentro das oficinas e dos escritórios. A
experiência e domínio do conhecimento de um ofício poderiam permitir que o funcionário
galgasse degraus e avançasse na carreira profissional. Esta conduta, normalmente aplicada
aos funcionários sem estudo, era bastante recorrente. A busca pela especialização como
meio para alcançar um patamar mais elevado e com isso conseguir não apenas melhores
salários, mas também vantagens em relação às atividades executadas e às condições de
moradia eram fatores que motivavam o empenho e investimento na carreira, que muitas
vezes era encerrada dentro da mesma Companhia, de acordo com o tempo de serviço.
Sobre esta condição, Eusébio descreve a carreira do pai Benedito93:

93
Benedito Eusébio começou a trabalhar na Companhia por volta de 1925.
118

[...] foi assim, começou a trabalhar num setor, depois foi pra outro setor, quando
eu era já jovem meu pai já era condutor. Condutor era uma escala, vamos dizer
assim, de profissão, no sentido do trabalho. Então tinha o ajudante, o condutor,
depois o contra-mestre, a chefia, enfim ia subindo, né? Meu pai era condutor de
calandra quando ele aposentou. [...], trabalhou um tempo na fabricação até pegar
o jeito e depois trabalhou na calandra. Calandra era uma máquina aonde se fazia
o papel pergaminho. Aonde se fazia o papel cartão, cartolina, esse tipo de papel.
Tinha muitos tipos de papel. Todo papel que tinha aquele brilho passava pela
calandra. Era uma máquina que nem fosse uma maquininha de macarrão, uma
coisa assim, em vários cilindros, um em cima do outro. Alta, muito alta. Tinha
que subir escada, meu pai subia e descia escada não sei quantas vezes pra passar
o papel de um cilindro no outro, [...], e aquilo tudo com vapor, então, conforme
a máquina rodava aquele cilindro, entrava um papel como esse [...] sulfite hoje,
né? Ele entrava aqui embaixo, daí ele ia passando, passando, e quando ele saía lá
em cima, ele já saía um rolo lá em cima e ia desenrolando aqui e enrolando lá
em cima. A função de quem trabalhava na calandra era isso, pegar a ponta do
papel e ir passando ficava um de cada lado e passava o papel pra lá, controlando
até o papel chegar lá em cima e quando saía lá em cima já saía o produto. Se era
papel pergaminho, saía o pergaminho, e tinha uma variedade infinita que eu não
sei te dizer, cartolinas, pergaminho, um papel que chamava opaline, [...]. Hoje
nem pergaminho não se vê mais né? Hoje existe o papel manteiga. Transparente
que é liso. Mas o pergaminho se usava muito. Tinha de todas as cores. Usava pra
encapar caderno, vendia muito pergaminho pra fora, né? [...] A linha da
Melhoramentos sempre foi de primeira linha, né? Antigamente se fazia tudo
aqui. Fazia pergaminho, papel crepon, papel de seda, fazia tudo que é tipo de
papel que existia na época. Naquele tempo não tinha o plástico (EUSÉBIO,
2011).

Eram trabalhadores do horto, da calcária, da olaria, da fábrica de papel, que se


dividiam em funções como carregadores de material, forneiros, caldeireiros, mecânicos,
projetistas e engenheiros. A variedade de ofícios existentes na Companhia envolvia o
processo completo de fabricação: matéria-prima, fabricação, acabamentos,
acondicionamento dos produtos, transportes e administração geral.

[...] o meu pai é o Bruno. Ele começou trabalhando nos fornos de cal, ele era
forneiro94. Naquele tempo a Melhoramentos faturava muito com o cal. Naquele
tempo não tinha matéria-prima que tem hoje. E ela tinha as pedreiras [...]
próprias para fazer o cal e meu pai trabalhou nos fornos. Tinha [...] os fornos
que estão lá hoje. Tinha o Macalé, aquilo é histórico, né? [...] Vinha as carroças
[...] com lenha, tinha que pegar e ele que era o forneiro tinha um ajudante. Tudo
à lenha. Abria aquela boca lá, tudo cheio de pedra dentro e lenha, e derretia e
aquilo formava um pó, que é o cal. Então fazia o cal. Tinha o pessoal que
ensacava, a mulher que costurava e fazia a sacaria, pesava tudo [...] levava
embora e eles faturavam com isso também (PRANDO, 2011)

94
Bruno Prando começou a trabalhar na Companhia Melhoramentos por volta de 1920.
Organização Social e Espacial de Caieiras 119

Figura 33 Floresta de eucaliptos


Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo
(Weiszflog Irmãos inc.) Fábrica de papel-Editora-Oficinas Gráficas

Bertolini95 (2011) relatou que o pai era carregador de areia: “carregou muita areia
pra construir a Companhia”.
Muitos jovens da década de 1950 buscavam o aprimoramento profissional, assim
que possível, nos cursos técnicos oferecidos em São Paulo, pois nas escolas de Caieiras
não havia esta capacitação, excetuando-se alguns cursos dirigidos por engenheiros
destinados ao aprimoramento dos operários. A iniciação nas profissões ligada à mecânica
poderia garantir o início de uma nova carreira dentro da Companhia, que garantia,
certamente, alguns privilégios e melhores salários. Exemplo desta busca pode ser
observado na carreira de Antonio Eusébio96:

[...] eu fui pra fábrica pra sessão de expedição. Expedição o que é? É onde saía o
material vendido. As resmas, os rolos de papel, aquela coisa tinha que ter
alguém pra anotar no fardo, tinha uma numeração específica, cada um tinha seu
código, tinha que marcar na resma o tanto, a quantidade, e o código e fazer o
controle. E eu trabalhava ali. Pra marcar e também pra puxar carrinho de papel,
[...] dos depósitos, saía da máquina ia levar nos depósitos, pegar no depósito
levar até o caminhão, esse é o serviço que eu fazia, serviço pesado pra minha
idade, mas não tinha jeito tinha que fazer. Quando eu fiz 17 anos eu fui pro
Senai [...] na Lapa. Na rua N. Sª da Lapa era naquele tempo. Aí eu fiz o Senai, 1
ano de Senai, aí meu pai conseguiu transferência pra que eu fosse trabalhar na
oficina mecânica. Aí eu fui trabalhar lá em 1958, quando eu tirei o diploma do
Senai. Eu tinha 18 anos já. Aí eu trabalhava lá onde é a MD hoje, não aqui na
Cerâmica. Aí eu trabalhei lá até aposentar. Eu me formei em torneiro mecânico,
comecei a trabalhar como torneiro mecânico e trabalhei até novembro do ano
passado. Só na Melhoramentos eu trabalhei trinta e dois anos [...] (EUSÉBIO,
2011).

95
Francisca Doratiotto Bertolini nasceu em 1947, na Vila Charco Fundo, em Caieiras.
96
Antônio Eusébio é nascido em 1940, em Caieiras.
120

Às vezes a busca pelo conhecimento técnico não era atividade fácil para os rapazes
nascidos em famílias operárias, que viam na rotina de trabalho a única forma digna de
viver e prosperar. Para Jair Bertolini, também funcionário da Cia., iniciado na plantação
de mudas, o estudo exigiu dedicação e perseverança:

[...] meu pai não trabalhou muito na Companhia97, pois ele trabalhou cerca de
vinte anos na Cobrasma. Eu sei que ele era da plantação e depois da oficina. Ele
namorava a minha mãe e ela conta que como ela servia cafezinho na fábrica, ela
dava um jeito de levar café pra ele também na oficina, mas era só pra ele e os
outros chiavam! Depois de casados é que ele foi estudar. Ele fez Liceu e Protec.
Eu lembro de finais e finais de semana do meu pai na prancheta. E ele conta que
o pai dele, o Augusto Bertolini, sempre dizia para minha mãe:
- Vê se tira essa idéia da cabeça dele, de estudar! Fica chegando tarde em casa,
nem vê os filhos! (SOARES, 2011).

Antonio Eusébio, ao caracterizar a extenuante jornada que os funcionários da


Companhia enfrentavam, interpreta a força de trabalho como uma moeda corrente, e
compara aquela rotina ao

[...] tempo da escravatura, sabe? Que você comia mas cê tava dependente do
patrão e tinha que trabalhar pra pagar? Era assim. Praticamente isso. Porque
você ia no armazém e tinha o vale. Mas esse vale era descontado do teu
pagamento. Então você tinha “x” de vale. De acordo com o seu ordenado era o
tanto que a Companhia te dava o vale. Então, no dia de vale você fazia despesa.
Mas esse vale vinha descontado na folha de pagamento. Se você ia no médico e
gastasse na farmácia, vinha descontado na folha de pagamento (EUSÉBIO,
2011).

Csernik (2011), baseado na vivência de sua família dentro da Companhia


Melhoramentos, acredita que trabalhar nos núcleos fabris fazia do funcionário “um
escravo, porque eles já põem a pessoa dentro da empresa, que é pra pessoa não ver outra
coisa a não ser a empresa [...] então você não ia conhecer outra coisa”. Referindo-se não
apenas à jornada de trabalho nas oficinas e fábricas da Companhia Melhoramentos, mas
também, àquela rotina que envolvia na vida doméstica o cuidado com hortas e animais,
Prando afirma que naquela época o povo “[...] trabalhava, hein! Trabalhava que nem um
cavalo. Trabalhava! Dinheiro não tinha não, mas o que comer, isso Graças à Deus nunca
faltou! E era coisa boa!” (PRANDO, 2011).
As jornadas que já eram longas e exaustivas poderiam ser ainda maiores com a
possibilidade de aumentar os ganhos praticando horas-extras se assim o trabalho exigisse.

97
Jair Bertolini começou a trabalhar na Companhia por volta de 1961, com 14 anos.
Organização Social e Espacial de Caieiras 121

Para os operários, esta era uma oportunidade que não se poderia desperdiçar e valia alguns
sacrifícios:
[...] tinha oito horas de trabalho na carteira. Mas você ficava e trabalhava, eu
cheguei trabalhar durante a semana das sete às nove da noite, às dez da noite, só
que ganhava extra. E sábado e domingo trabalhava. Muito tempo trabalhei de
domingo, porque quando eu construí aqui a minha casa98 eu fiz muito hora extra,
eu ganhava às vezes o tanto de ordenado o tanto de hora extra. Vamos dizer, que
eu ganhava mil reais, e mil de hora extra. Porque a hora-extra era assim, eles
pagavam 30% a noite e no domingo era 100%. E a gente usava muito a hora-
extra porque nos feriados e domingos parava-se a fabricação. Hoje não para
mais, mas naquele tempo parava. Hoje não para, hoje é regime contínuo, né?
Mas antigamente, até nem sei como eles fazem os reparos hoje, porque
antigamente era assim, a fábrica parava domingo de manhã e só ia funcionar na
segunda-feira de manhã, às seis. Porque a fabricação era três turnos: das seis as
duas, das duas as dez e das dez às seis. Nós trabalhávamos das sete às cinco.
Então o nosso horário, passou das cinco horas já era extra. Sábado nós tínhamos
que trabalhar até o meio dia. Passou desse horário era extra. Então a gente saía
três, quatro horas da tarde. Domingo, às vezes eu ficava até....e os meus filhos
não me viram quase. Eu vivia na fábrica. [...] era assim [...], eu saía de manhã,
almoçava porque lá tinha refeitório, eles davam. Davam não, vinha descontado
no hollerith, uns valezinhos, e você almoçava, mas era coisa bem pouquinha (o
desconto), então a gente dava o valinho almoçava, jantava, e quando a gente ia
jantar o vale não era descontado do pagamento. Por exemplo, se eu ficasse das
sete as cinco o almoço tinha o valinho que vinha descontado. No jantar eles
davam um papel escrito pelo chefe. Então a gente apresentava aquele papel no
refeitório e comia. Porque era tudo da Companhia mesmo então com aquele vale
que eles davam você jantava quando era hora-extra, domingo e sábado, era tudo
extra e você tinha alimentação. Por isso que eu digo, não temos do que reclamar,
né? Tinha as vantagens! (EUSÉBIO, 2011).

O processo de aposentadoria de Antonio Eusébio envolveu um acordo que


novamente o fez considerar as vantagens financeiras daquele momento. Na ocasião, já
havia ocorrido o desmembramento da Companhia Melhoramentos em MD Papéis, e a
transferência dos funcionários de uma firma para outra

[...] só trocou o nome na carteira e pronto. Ninguém indenizou ninguém, ficou


por isso mesmo. Nós trabalhávamos pra Melhoramentos, de repente começamos
a trabalhar pra Meliorpel, que era a firma sucessora da Melhoramentos, a
Meliorpel vendeu para a MD, passamos para a MD, e foi isso, foi contando anos
de carteira. Com trinta e dois anos eu aposentei [...] minha aposentadoria foi
assim: quando eu fiz trinta anos, a Companhia chamou não eu, mas todos da
época, a fazer um acordo. Se a gente quisesse aposentar, eles davam dez salários
nosso, do salário que ganhava na época. Dez salários. Se a gente aceitasse
aquela proposta, a gente tinha como prêmio, vamos dizer assim, mais dois anos
pra trabalhar lá, como contratado. Aí já era como contratado, não era
mais...(funcionário) recebia normalmente como se não tivesse acontecido nada.
Só que vencendo esses dois anos, a gente saia, sem nenhuma indenização,
parava, simplesmente parava. Era um contrato de dois anos. Nesta época eu
estava construindo minha casa aqui, esta casa que eu moro. Então pra mim foi
vantajoso e eu aceitei. Quem não aceitasse, depois o castigo era ficar
trabalhando e depois não teria nenhuma gratificação. Ia aposentar e só receberia
o que era de lei e mais nada. O que era de lei o que era? O fundo de garantia.

98
Referindo-se à casa construída fora da Companhia Melhoramentos.
122

Que tava saindo na época. E muitos não tinham assinado o fundo de garantia.
Quem não tinha assinado e tava perto de aposentadoria eles ofereceram este
acordo. Então, você não recebeu nada por trabalhar trinta anos. Da Companhia
nada. Você recebeu os trinta anos que foi feito os cálculos de depósito de INSS e
foi dando o salário. Na época dava pra mim um bom salário, porque eu recebia 5
salários mínimos e meio. Na época era bastante. Era um bom salário...
(EUSÉBIO, 2011).

A rotina implantada na fábrica durante as décadas de administração dos alemães foi


de trabalho penoso que exigiu dos trabalhadores profunda dedicação. O esforço da gerência
em impor um padrão de disciplina entre homens, mulheres e crianças e delas extrair o
máximo possível de produção é perceptível em todos os relatos acerca das atividades
exercidas na Companhia. Entretanto, nota-se que esta conduta parece não ter afetado ou
diminuído o apreço dos trabalhadores pelos patrões alemães. Assim, os muitos operários
consideravam a convivência com os Weiszflog “tranqüila. Os patrões mesmo, eles eram
bons. O que era ruim era a chefia. Muitos das chefias eram descendentes de alemães. Então
esses eram ruins. Tratavam mal os funcionários, pisoteavam mesmo” (EUSÉBIO, 2011).
As fábricas tinham a necessidade de um pessoal especializado para fazer a
fiscalização técnica dos trabalhadores. Freqüentemente este pessoal esteve muito mais
ligado ao patrão do que aos trabalhadores. O patronato se empenhava em oferecer aos
fiscais e agentes vantagens materiais ou simbólicas. Observa-se, entre os relatos dos
operários que permaneciam sob as regras e imposição de disciplina nos ambientes fabris,
que o temor em relação às punições e repressões era proveniente da conduta desta camada
intermediária – chefes e encarregados - que tinha como função instaurar a ordem e o ritmo
para que a produção não fosse prejudicada e assim, apresentar às suas gerências e
diretorias resultados satisfatórios. Os patrões alemães, embora rígidos em suas rotinas,
eram tidos pelos operários como exemplos de boa conduta, organização, disciplina e
educação. Para o operário de Caieiras, o respeito que os Weiszflog demonstravam por
qualquer funcionário estabelecido dentro da Companhia Melhoramentos era a forma de
expressar a consideração e apreço pelo trabalhador. Os alemães personificavam um
exemplo de conduta e sabedoria:
[...] agora, aprendemos muito com eles também, né? [...] mas eles eram,
especialmente a família Weiszflog, espetacular! A família Weiszflog era gente
finíssima! Seu Hasso, ele dava uma volta na fábrica, ele cumprimentava desde o
faxineiro até o gerente, e perguntava, queria saber do andamento, era um homem
muito educado. Agora já depois, veio os Plöger, que é família também, porque a
esposa do seu Hasso era irmã da esposa do Plöger. E eles já eram mais durão,
mais secão. Já quase não era muito de conversa. Mas a família Weiszflog era
espetacular, só tenho que falar bem da família Weiszflog. [...] Ele tem uma filha
que se chama Adriana também, minha filha se chama Adriana por causa da filha
deles (PRANDO, 2011).
Organização Social e Espacial de Caieiras 123

O relato de Prando exprime um sentimento de orgulho e admiração por Hasso e


toda família Weiszflog e a escolha do nome da filha lhe pareceu ser uma justa homenagem
àquela família.

2.3.2 Mulheres e crianças


Para a empresa, o trabalho da mulher deveria estar entre as atividades mais leves e
limpas. Neste sentido, o trabalho das esposas dos diretores da Companhia estava centrado
nas atividades leves ligadas à figura benevolente da mulher. Elas atuavam junto às
comunidades na assistência social, na promoção de eventos, concursos e promoções que
motivavam as donas-de-casa operárias a dedicarem-se também a estas causas. Donato
(1990) destaca, neste sentido, o trabalho de Bertha Moraes Weiszflog, Ingeborg Reimann,
Karola Weiszflog e Adofa Plöger.
Já as mulheres operárias que precisavam complementar a renda familiar
dedicavam-se às atividades braçais como a seleção de caroços de algodão e de papeis,
entre outras atividades que descreveremos a seguir.
Os primeiros registros trabalhistas femininos da Companhia Melhoramentos
surgiram a partir de 1901 e variavam quanto à naturalidade e idade das trabalhadoras,
como mostra o primeiro documento oficial de contratação de mulher na Companhia.
Abaixo, transcrevemos os contratos e observações elencadas por Peres (2008):
124

Tabela 7 Relação das primeiras trabalhadoras contratadas pela Companhia


Nome Admissão e idade Função Naturalidade Observações
Primeira contratação
Magdalena Mucelini 1901 Operária Vicenza/Itália oficial de mulher da
Companhia
Idalina Leme 1920 Operária Caieiras Viúva, analfabeta.
Maria Favero 1923 Operária Campinas Casada, alfabetizada
Anna Szenter 1923, aos 12 anos ---- Romênia Solteira, alfabetizada
1924, aos 13 anos ---- Caieiras Foi “funcionária
exemplar” como
contra-mestre. Salário
Joanna Zuglian em 1950 era de
CR$5,00
(horista).Trabalhou na
empresa até 1967.
Maria Gabrielli 1925, aos 12 anos ---- Campinas Solteira e alfabetizada
-----, aos 20 anos ---- São Paulo Solteira e alfabetizada,
Ada Bassi foi a sétima contratada
pela Cia.
-----, 13 anos ---- Caieiras Solteira e alfabetizada,
Waldomira Rodrigues
nasceu em Caieiras
1928, aos 11 anos e ---- Jundiaí Solteira e alfabetizada
Martha Vicente da Silva
11 meses
Angelina Inácia de Moraes 1928, aos 27 anos Encarregada MG Casada e analfabeta
----, aos 14 anos Parnahyba Alfabetizada, morava
em Caieiras, tinha
ficha sanitária e o
Alcinda Chrispim
prontuário não tem
marcado o número da
carteira profissional
1929, aos 13 anos ---- Campinas Morava na fábrica de
Ida Faccio papel, solteira e
alfabetizada
1929, aos 14 anos e Escolha de papel Caieiras Saiu em 1938
Ignez Massaia
11 meses
Ermelinda Perin 1930 ---- Campinas Alfabetizada
Itália Forresto 1930, aos 16 anos ---- Várzea/Itália Solteira e alfabetizada
Fonte: Peres (2008)

Figura 34 Escolhedoras de papel na Companhia


Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo. Indústria de papel. 1890-1950 ([19-] p. 22)
Organização Social e Espacial de Caieiras 125

Figura 35 Separação de caroços de algodão Figura 36 Processo de trabalho com o linter (fibras
Fonte: Donato (1990, p. 104) de casca de algodão), 1942-1943
Fonte: Donato (1990, p.104)

Na publicação “A obra social da Companhia Melhoramentos de São Paulo –


impressões do Sr. Luis Carlos Mancini, transcritas em ‘Serviço Social’ (nº 24, de
Dezembro de 1940), a diretoria da empresa afirmava que entre os 1500 operários da Cia
daquele ano, 200 eram mulheres. A elas, a empresa reservava “tarefas condizentes com a
sua natureza, sendo quasi todas escolhedoras de papel” (A OBRA SOCIAL DA
COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO – IMPRESSÕES DO SR. LUIS
CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ - nº 24, de Dezembro
de 1940, p.5).
Esta realidade descrita por Mancini acerca das atividades femininas que estavam
quase sempre ligadas aos diversos setores de escolha de papeis durante a década de 1940 é
afirmada por Francisca Doratiotto Bertolini que julgava sua atividade dentro da
Companhia, já em meados da década de 1960, uma exceção à regra que incluía quase
todas as mulheres:

Eu comecei a trabalhar com quase 18 anos na Melhoramentos. Primeiro eu fui


trabalhar na Barra Funda, quando eu ia fazer 15 anos. Aí quando eu ia completar
18 a Companhia chamou. Eu fui trabalhar na copa do escritório. A maioria das
mulheres ia trabalhar como escolhedora de papéis, mas eu fui pra copa, acho que
ninguém queria trabalhar lá, e me chamaram. Eu lembro bem que logo que
comecei a trabalhar, naqueles dias a Companhia ia fazer 75 anos e teve uma
festa pra comemorar. Na festa eu ganhei um cheque com o valor de 75! Isso me
marcou muito porque eles sortearam algumas pessoas para ganhar este cheque e
eu fui a primeira a ser sorteada! (BERTOLINI, 2011).

Era comum, durante a década de 1940, em Caieiras, que a mulher iniciasse o


trabalho com 14 anos, de acordo com a regulamentação da Lei, e o interrompesse com o
matrimônio ou nascimento dos filhos. Foi o caso de Sebastiana da Silva Eusébio que foi
escolhedora de papel até 1947, ano de nascimento do filho mais novo. O trabalho de
126

Sebastiana era feito nos barracões de zinco do Bairro da Cerâmica. Estes barracões eram
grandes espaços cobertos onde era feita a seleção de revistas e jornais usados que seriam
utilizados para a fabricação do novo papel:

Minha mãe trabalhou bastante. Até 47 ela trabalhou num barracão [...] ali onde é
a cerâmica, era tudo barracões de zinco. Enormes, tudo nesses barracões e lá
embaixo, é, vinha muita revista, eu adorava ir trabalhar com a minha mãe porque
vinha revista de tudo que era lado pra gente, pra eles escolherem, tirar aqueles
grampinhos, tal e punha nos fardos, prensava, fazia os fardos de papel pra ir pra
fábrica pra moer aquilo e fazer papel. Era matéria prima que eles usavam assim
[...] Lá tinha muitas mulheres que trabalhavam lá só pra fazer isso. Escolher
papel, ensacar e depois levava na prensa, [...] prensava e fazia uns fardos e daí ia
pra fábrica. Minha mãe trabalhou lá até 1947. Quando meu irmão nasceu meu
pai não deixou mais ela trabalhar e ela saiu (EUSÉBIO, 2011).

Quando Sebastiana começou a trabalhar na Companhia, ainda bem jovem, morava


com os pais perto do moinho que havia fora dos limites da Companhia. O trabalho da
jovem foi um dos fatores que contribuíram para que a família pleiteasse moradia no bairro
do Tancão:
Porque minha mãe quando veio do interior ela [...] já era mocinha. Eu não sei a
idade que ela veio. Eu não sei, nunca tive a curiosidade de perguntar que ano
eles vieram, né? Eu sei, que eu posso dizer pra você, que quando minha tia
Noêmia que é a caçula delas nasceu, ela nasceu aqui embaixo no Moinho. [...]
naquele meio ali, existia uma casa que moía milho pra fazer fubá, fazer farinha
de milho, e chamava-se Moinho. Então, meu avô, ali tinha umas casinhas em
volta, também, tudo casas que não é as de hoje, tudo casa de barro mesmo, e
meu avô veio morar ali. Depois quando minha mãe foi trabalhar pra fábrica, e
era difícil naquele tempo pras mocinhas irem daqui lá que não tinha luz, não
tinha nada, e trabalhavam, vinham de noite no escuro, e ela contava [...], que às
vezes ia indo pro pasto, [...], e tinha vaca no meio e às vezes caiam por cima das
vacas, as mocinhas! [...] Porque a maquininha te pegava e sempre pegou ali
perto da estação, ali era o ponto final da maquininha. Então, meu avô conseguiu
na Companhia mudar lá pro Tancão pra ficar mais fácil pras meninas que era a
minha mãe, minha tia Olímpia, e os meninos que eram muito jovens [...]
(EUSÉBIO, 2011).

No setor conhecido como “sala de escolha” muitas gerações de mulheres


dedicaram horas de concentração à atividade quase mecânica de manusear a escolha do
papel. O rígido controle e a forte pressão exercida pela chefe sobre o grupo de moças
deste setor, durante a década de 1950, acabou por motivar uma das greves dos
funcionários, culminada no início da década de 60, e provocou revolta e indignação de
muitos moradores e trabalhadores da Companhia diante do tratamento que consideravam
abusivo:

[...] Então eles começaram a se rebelar contra ela e começaram a fazer parada.
Pararam uma vez doze dias, outra vez quinze dias e ficavam lá, fora da firma e
ninguém entrava e se entrasse a turma não deixava mesmo. Foi, foi, foi que a
Organização Social e Espacial de Caieiras 127

Companhia resolveu tirar essa mulher de lá se não eles não voltavam trabalhar.
Aí puseram ela a trabalhar no arquivo onde a Companhia guardava uns livros de
registro da Companhia, não sei como é que chama aquilo, não era uma
biblioteca, era um arquivo deles mesmo [...] ela judiava das moças que fazia as
moças chorar. Quantas vezes me lembro de ver minha irmã que chegava em casa
chorando que a mulher tinha feito isso, que falava aquilo, ela judiava mesmo
[...]. Fisicamente não. Mas verbalmente ela judiava. Não podia olhar. As
meninas trabalhavam numa mesa assim. Só que era uma mesa bem comprida.
[...] Não podia olhar pra você e nem você pra mim. Tinha que olhar aqui (o
papel). [...] Você não podia olhar. Se ela visse você olhando pra outra ela vinha
e descia a lenha. E tinha que trabalhar de produção. E não ganha de produção.
Não parava pra nada. Só mesmo na hora do jantar e do almoço. E as meninas
eram obrigadas a trabalhar até as nove da noite. Bem puxado. Esse foi um tempo
mesmo de escravidão lá dentro (EUSÉBIO, 2011).

A conduta desta mulher despertava o medo das trabalhadoras que evitavam


qualquer contato com trabalhadores de outros setores, principalmente rapazes, durante o
expediente. Entretanto, esta chefe de setor conseguia também despertar o reconhecimento
de sua competência. Para a Companhia, segundo as observações de Peres (2008) ela era
funcionária exemplar como contra-mestre. Para Prando, ao referir-se à forma de gestão de
pessoal instaurada na sala de escolha,

[...] ela era rígida, mas era competente [...] eu conheci [...] foi chefe da minha
mulher. Ela trabalhou na sala de escolha. [...] naquele tempo a gente paquerava a
mulherada. Tudo moça nova! [...] se uma moça olhasse pra um de nós, assim que
a gente saísse, ela chamava lá e Nossa Senhora! A mulherada tremia de medo
dela. A gente ia lá e elas falavam:
- Não fala comigo, não fala comigo...
Elas tinham medo dela (PRANDO, 2011).

O setor de papel crepom foi também local de trabalho de muitas mulheres, como
Rosa Menegatti de Azevedo. O trabalho neste setor consistia em fazer as “fitas” de papel
crepom. Para Rosa, que iniciou na Companhia em 1938, aproximadamente aos 15 anos de
idade, o trabalho na Companhia não era tão exaustivo, e era possível cumprir as atividades
semanalmente no horário das 07:00h às 17:00h e aos sábados das 7:00h às 12:00h. Para
ela,

[...] o trabalho lá era uma maravilha! Patrão bom são os alemães. O meu chefe
era o seu Constantino Toigo, [...] Eu saí quando tive a Cleide, aí já não dava
mais tempo, era muita coisa (...). Eu trabalhei faltou três meses pra completar
dez anos. [...] minha irmã trabalhou no setor do papel higiênico. [...] agora a
chefe da sala de escolha, dizem que era ruim, eu nem cheguei a conhecer!
(AZEVEDO, 2011).

Outra opção de trabalhos para as meninas das vilas de Caieiras era as casas dos
chefes. Lá elas exerciam um trabalho voltado para o cuidado com a casa, o preparo dos
128

alimentos, a administração dos serviços gerais domésticos. Para alguns, o trabalho nas
casas dos chefes era uma espécie de trabalho que antecedia o ingresso oficial na
Companhia:

Então, minha irmã entrou pra trabalhar com 14 anos como eu. Eu também entrei
com 14, a minha irmã já entrou na sala de escolha, onde mamãe entrou também
quando era mocinha, a sala de escolha era antiga, né? Desde que começou a
Companhia. Foram muitas gerações que passaram por ali, né? Então minha irmã
também trabalhou ali. [...] com 9 anos ela foi trabalhar em casa de família,
quando era criança, servicinho de menina, né...quando ela era criança, lá pro
Monjolinho, na casa dos chefes, a chefaiada sempre tinha uma empregadinha,
né? Então, o pobre é que ia...e com 14 anos ela entrou na sala de escolha
(EUSÉBIO, 2011).

Para outros, o trabalho nas casas dos chefes era uma experiência que lhes oferecia
uma oportunidade de estar próximo dos alemães, a quem costumavam considerar,
respeitar e admirar. Com eles, viam oportunidade de aprender um pouco de seus costumes
e culinária:

[...] os alemães eram bons. Tinha o Seu Ehlert, você já ouviu falar? Ele era
gerente. Nossa! Aquele homem era um santo! Bom pra todo mundo! [...] era
alemão. A minha irmã [...] foi mandada pra trabalhar na casa do seu Ehlert.
Você imagina, ela tinha 16 anos e era cozinheira para ele! Que beleza hein! Ela
gostava! Aprendeu tudo que era comida alemã deles [...] e sabe até hoje! [...]
nossa, eles adoravam ela! Eles não queriam que a gente saísse de jeito nenhum!
(AZEVEDO, 2011).

Os rapazes das famílias operárias também passavam por uma etapa, que podemos
classificar como estágio ou atividade preparatória para o ingresso na Companhia. Aqueles
que beiravam os 14 anos durante a primeira metade do século XX, assumiam tarefas
associadas diretamente ao trabalho braçal, como o plantio das mudas de eucalipto no
viveiro, atividades de apoio às equipes da roça, e aqueles com menos sorte e físico
avantajado, assumiam a temida “enxada”. Este trabalho é lembrado pelos antigos
trabalhadores como tarefa de extremo esforço físico que muitos dos meninos preferiam
evitar:

[...] com 14 anos eu fui empregado na Companhia, trabalhei na florestal, durante


seis meses, que era um estágio que filho de pobre tinha que fazer. Filho de chefe
não, eles iam direto pra fábrica, mas os de pobre tinham que fazer estágio na
plantação seis meses, mas era um tempo indeterminado [...] a gente plantava
muda de planta, carpia, dependendo do físico do menino, porque 14 anos
naquele tempo, eu [...] tinha 1,60 [...] era naniquinho...e aí eles distribuíam
como precisava. Eu tive a sorte de não pegar na enxada...porque eu era [...]
muito pequeno...então eu comecei a plantar mudas de pinheiro, eucalipto, na
roça, no horto ali, onde fazia as mudas. Dali eu fui pra roça, mas eu fui pra roça
pra carregar água [...] pra turma ali que tava trabalhando, tinha menino que ia
Organização Social e Espacial de Caieiras 129

buscar nas nascentes a água nas costas pra levar pro pessoal tomar [...].
Esquentar almoço quando era hora de almoço, catar lenha no mato pra fazer
fogueirinha pra esquentar caldeirão de comida, esquentar o almoço do pessoal,
para que na hora o almoço estivesse feito e buscar água para eles tomar o dia
inteiro. Esse era o meu serviço. Fiquei ali mais ou menos [...] um mês no horto,
fiquei mais ou menos três meses na roça, e depois eu passei pra trabalhar na
cocheira. Cuidar de limpar a cocheira porque tinha muito animal naquele tempo,
porque tinha muita carroça, charrete, essas coisas, né, que tinha em 55. [...]
Então, eu tinha que cuidar dos animais. Ou seja, de manhã, tratava, limpava o
espaço que ficava os animais, [...] limpava as cocheiras e tal, punha a comida
pros animais quando chegava com as carroças à tarde, já ficava tudo as baias
cheias de alfafa, essa coisa toda, né? Tinha que limpar, ali era o serviço, tinha
alguns moleques, eu não era sozinho [...] (EUSÉBIO, 2011).

Figura 37 A fiscalização na plantação de eucalipto Figura 38 O viveiro na Companhia Melhoramentos.


em vistoria. Fonte: O Problema da Matéria Prima do Papel no
Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo Brasil. Estudos e Realisações feitos em Cayeiras pela
(Weiszflog Irmãos inc.) Fábrica de papel-editora- Companhia Melhoramentos de São Paulo. [19-].
oficinas gráficas, [19-].

Além do trabalho na roça ser de extrema exaustão para os meninos, conseguir


iniciar na Companhia sem precisar passar por este “estágio”, como classificou Eusébio, era
uma sorte invejável que poucos iriam conseguir. A experiência de Prando99 transparece
bem este sentimento de alívio por conseguir a “passagem livre” pelo viveiro:

Eu comecei a trabalhar em São Paulo com 14 anos [...]. Eu tirei o diploma100 e


fui trabalhar pra São Paulo. Porque naquela época, pra entrar na Melhoramentos,
a garotada tinha que trabalhar na plantação e carpir. Eu falei:
- Não, não. Plantação, eu não. Ah, isso eu não vou não.
[...] um dia, eu venho de São Paulo, chegava em casa às sete da noite, essa hora
mais ou menos. Chego em casa, tava lá o Faltin101 e o filho dele [...] Meu pai era
massagista dos clubes aí também. Cheguei lá e ele falou pro meu pai:
[...] Quer vir trabalhar aqui na Melhoramentos?
[...] Eu era moleque né? E meu pai já falou:
- Se o senhor arrumar ele vai já!

99
Prando nasceu em 1936, no Monjolinho, em Caieiras.
100
Diploma de ensino básico.
101
Gerente alemão da Companhia.
130

E naquele tempo, o pai falava tinha que abaixar a cabeça, não tinha conversa,
né?
Aí eu falei:
- Só que tem uma coisa. Eu, na Florestal, eu não entro. Na plantação não.
- Não, eu arrumo pra você vir direto trabalhar aqui comigo na oficina.
- Tá bom.
Falei, tá bom. Mas não vão falar mais nada. 15 dias e me chamaram. Fui no
departamento pessoal, já acertei a documentação [...] aí no dia 02 de fevereiro de
54 eu comecei aqui, direto na oficina. Ah! Me livrei da plantação! Isso pra
gente, nossa! Você tem que carpir lá! Eu não, eu tô na mecânica! Aí fui
trabalhar lá onde é a MD hoje. Trabalhei quase 12 anos lá, até a montagem da
máquina aqui, depois que eu vim pra Cerâmica aqui. Era tudo Melhoramentos,
naquele tempo não tinha nada de MD não. Era tudo Melhoramentos, e assim foi,
fui fazendo a carreira e me aposentei como gerente industrial (PRANDO, 2011).

A rotina de trabalho pesado nas atividades da Companhia também foi a de Benedito


Eusébio, por volta de 1925, quando ele, segundo o filho, deveria ter não mais do que dez
anos de idade. O trabalho de Benedito, relatado pelo filho Antônio, ocorria no bairro do
Monjolinho e envolvia as atividades relacionadas à produção da cal:

O meu pai, quando ele começou, trabalhando na máquina, lá na calcária, existia


uma pedreira, eles transportavam as pedras pros fornos de cal, só que era uma
subida, a Calcária ficava num buraco. [...]. Então, lá ficava uma máquina, com
um negócio, uma roda, um cabo de aço que puxava os vagõezinhos com pedra
que vinha lá de baixo do buraco da pedreira e trazia aqui encima no assento do
morro. Ali no assento do morro tinha uma maquininha, uma máquina mesmo,
que trazia até nos fornos, e meu pai trabalhava ali, com aquele povo. Meu pai
começou a trabalhar com uns 9 anos. Não sei qual era função, mas ele começou
trabalhando nesse lugar. [...] Meu pai começou a trabalhar nessa máquina [...].
Ele começou a trabalhar lá de ajudar lá, não sei qual era a função de uma criança
num serviço pesado desse e ele trabalhava nessa função. Eu acredito que tenha a
mesma função que a minha, que era servir os funcionários adultos, com
alimentação, levar marmita no caso, essas coisas nesse sentido. Depois meu pai
quando já jovenzinho foi pra fábrica trabalhar de ajudante trabalhar na
fabricação de papel (EUSÉBIO, 2011).

A rotina de trabalho, em Caieiras, começou gradativamente a ser alterada,


principalmente depois que os funcionários começaram a reivindicar direitos e deveres de
patrões e empregados, e desta forma começaram a questionar as relações trabalhistas. Na
década de 1960 começaram a ocorrer alguns movimentos grevistas e manifestações. Para
Donato (1990) o período de “greves deflagradas sob as mais diversas alegações revelou
estar superado o período “familiar” na gestão do relacionamento empresa-empregado”
(DONATO, 1990, p. 111).
Organização Social e Espacial de Caieiras 131

Figura 39 O preparo do terreno para plantar Figura 40 O Horto Florestal da Companhia


eucaliptos Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo
Fonte: O Problema da Matéria Prima do Papel no (Weiszflog Irmãos inc.) Fábrica de papel-editora-
Brasil. Estudos e Realisações feitos em Cayeiras oficinas gráficas, [19-]
pela Companhia Melhoramentos de São Paulo.
[19-]

2.3.3 Greves

O controle social, moral e as punições andavam juntos nos núcleos fabris durante o
século XIX. Os muros que costumavam cercar grande parte dos núcleos constituídos
tinham a entrada e a saída controlada102. Entretanto, as vilas de Caieiras sempre foram
abertas, sem este controle de entrada e saída, até 1946. É possível que o isolamento da
região - proporcionado pela distância, acesso restrito e grandes áreas verdes que
circundavam o núcleo - e a falta de atrativos externos dispensassem estes controles. Foi a
partir de 1946 - período de intensa fiscalização e controle do Departamento de Ordem e
Política Social às comunidades alemãs no Brasil - que muros e cercas foram colocados em
toda a extensão da fábrica e estabelecimentos afins de Caieiras. Assim, um rigoroso
controle na circulação das pessoas e materiais passou a vigorar, incluindo a colocação de
relógios de ponto e a criação do Serviço de Vigilância. Nesta época a situação de conflito
entre os interesses de patrões e empregados começou a suscitar movimentos grevistas,
com a instalação do sindicato desde 1937 (DONATO, 1990). Donato (1990) relata que
uma das primeiras greves ocorridas em Caieiras, após 1946, foi declarada em
solidariedade aos grevistas de uma fábrica de biscoitos. A partir desta greve, outras
surgiram. As greves de maiores repercussões foram relatas pelos entrevistados e pela
102
No Brasil, isto pode ser observado pelo comentário de um memorialista operário, ao referir-se à Fábrica da
Boa Viagem, situada na península de Itapagipe, Salvador, no estado da Bahia, de propriedade do industrial Luís
Tarquínio, dizia que “os costumes, igualmente, era objeto de zelo. Não se admitia mulheres de vida duvidosa
(mulher-dama), bêbados, nem namoros nos portões que eram fechados às vinte e uma horas. Qualquer infração
ao regulamento era punida” (HARDMAN; LEONARDI, 1982).
132

literatura sobre Caieiras. Em 1959, Donato (1990) destaca o movimento de mulheres que
reivindicavam o afastamento de uma chefe de seção. Os funcionários relembram estes
momentos ao dizer

[...] as greves saíam por causa de salário...porque a Companhia pagava muito


pouco...por causa de chefia...porque na sala de escolha diz que tinha uma
senhora [...] ela era muito má. Ela judiava muito das meninas. Ela era
muito...assim...severa, carrasca para as funcionárias. Ela achava que aquilo era
dela. Ela judiava mesmo. [...] E houve uma época que apareceu aqui em Caieiras
através do sindicato um tal de Dr. Mario, que defendia as causas trabalhistas. E
ele começou a influenciar então, e os funcionários começaram a se rebelar
contra a maldade dessa mulher (EUSÉBIO, 2011).

Zeferino Prando, que foi diretor do sindicato103 dos trabalhadores da


Melhoramentos durante algum tempo, declarou em entrevista que o Dr. Mário a quem
Antonio Eusébio se referia era Mário Carvalho de Jesus104, advogado que já tratava das
questões trabalhistas travadas entre os trabalhadores e o Grupo Abdalla, que dirigia a
Companhia Brasileira de Cimento Portland, em Perus e Cajamar. Em 1959, o Dr. Mário
participou da cooperativa do “queixada”, para dar assistência aos trabalhadores da Perus.
Em 1960, colaborou com a fundação da associação civil da Frente Nacional do Trabalho.
Depois da fundação da Frente, a ação do grupo responsável pela fundação estendeu a ação
para outras fábricas, entre elas a Companhia Melhoramentos, onde afirma ter ocorrido
duas greves bem sucedidas e obtido o primeiro contrato coletivo de trabalho em uma
empresa privada. A Frente Nacional do Trabalho participou da greve da fábrica de
biscoito Aymoré, em 1960, durante 156 dias. Conseguiram o salário-família105 para os
trabalhadores de três empresas, antes que essa verba fosse transformada em lei: na Perus,
na CICA e na Melhoramentos (JESUS, 1992). Prando define o trabalho do Dr. Mário
como ação fundamental para as conquistas operárias em Caieiras. Para este operário, o Dr.
Mário era

[...] o famoso advogado que faliu o Abdalla em Perus. Ele foi o advogado que o
sindicato acabou contratando [...] Dr. Mário Carvalho de Jesus! Era um
excelente advogado que pra classe operária, não existia outro advogado que
pudesse brigar com ele. Ele se formou, segundo ele falou pra gente, com o Dr.
Mário de Toledo de Moraes, que era o advogado, superintendente da

103
O sindicato em Caieiras já estava instalado desde 1937 (DONATO, 1990).
104
Mario Carvalho de Jesus foi organizador do livro Cimento Perus – 40 anos de ação sindical transformam velha
fábrica em centro cultura, 1992.
105
O salário-família era uma verba destinada ao operário casado que auxiliasse com as despesas da mulher e do
filho melhor que ficavam em casa (JESUS, 1992).
Organização Social e Espacial de Caieiras 133

Melhoramentos. Se formaram juntos [...] depois eu fui diretor do sindicato [...]


(PRANDO, 2011).

Zeferino Prando relatou em quais circunstâncias o Dr. Mário foi contratado pelo
sindicato dos trabalhadores de Caieiras:

[...] naquele tempo a fábrica parava aos domingos pra fazer manutenção. Era
uma época de carnaval e três funcionários não apareceram pra fazer a
manutenção do domingo, [...]. E o Faltin, que era o chefe, suspendeu os três. O
Faltin era enérgico, fora do serviço era bom, esportista [...] mas no serviço era
duro! [...] Então ele suspendeu e o pessoal não concordava com a suspensão
destes três funcionários e depois estavam também pleiteando um prêmio de
produção [...] e a Melhoramentos não pagava esse prêmio para eles! E aí então
parou todo mundo. Oficina parou, carpintaria, parou! Aí foram pra Perus. O Dr.
Mário estava em Perus, contaram lá pra ele a história. Ele marcou uma reunião
no outro dia aqui na Melhoramentos. Não queriam nem atender ele. Então, ele
fez a reunião com o pessoal em frente ao escritório da Melhoramentos [...]. Aí
foram obrigados a mandar ele entrar. Aí não chegou em um acordo e todo
mundo parou, até a fábrica de papel. Parou tudo! E fazia piquete na Cerâmica,
fazia piquete lá na Fábrica [...] foi em 60 e alguma coisa. Foi uns dez, doze dias,
não lembro a quantidade de dias que ficamos parados. E aí o sindicato contratou
o Dr. Mário. Aí ele atendeu o sindicato e trabalhou aqui muitos anos como
advogado sindical. Ele vinha toda segunda-feira [...] pra dar plantão. Aí recebia
todas as reclamações, da Melhoramentos inteira! Aí [...] a Melhoramentos ficou
bronqueada porque todo 1º de maio a Melhoramentos dava uma festa aqui que
era brincadeira! Tudo por conta da Melhoramentos [...] daquele dia em diante, a
Melhoramentos cortou isso. [...] aí o pessoal sofria qualquer problema lá dentro,
vinha reclamar e ele já metia uma ação trabalhista. Ganhava todas! [...] porque o
pessoal que comandava, não a diretoria, mas a parte de chefia, não conhecia a lei
coisa nenhuma, era na raça, então faziam punições que muitas vezes...e o
pessoal ganhava quase todas. [...] eu ficava muito com o Dr. Mário [...] depois
eu fiz parte da diretoria do sindicato. Eu vinha toda segunda-feira para aprender,
porque eu queria muito aprender. [...] E ele dava um show o Dr. Mário!
Explicava tudo nos mínimos detalhes. Eu [...] gravava tudo o que ele falava e
aprendi muita coisa com ele (PRANDO, 2011).

A presença do Dr. Mário em Caieiras começou a alterar o comportamento dos


funcionários que passavam a perceber que tinham direitos trabalhistas em relação a muitas
situações, como por exemplo, aos acidentes ocorridos durante a execução das tarefas
dentro do ambiente de trabalho.

[...] tinha o hidrapulper, que era igual a um liquidificador, só que era assim, um
liquidificador abaixo do piso. Eles iam com carrinho e jogavam o fardo de papel
lá dentro e aquilo trabalhando. Moía papel. Fazendo a massa de papel. Uma vez
caiu uma pessoa, tentou jogar o carrinho e foi junto. Morreu! Outra vez morreu
um que caiu do elevador, porque tinha elevador, era 2, 3 andares, pra subir com
os fardos de papel e descer, né? Caiu um do elevador lá embaixo caiu no buraco
e morreu. A máquina pegou vários [...] O [...], não é do meu tempo, um chefão
lá, antes de ele ser chefão ele era funcionário, era chefe de sessão [...] ele tinha
um braço só. Um braço dele ficou na máquina de papel! É foi pego na máquina
[...]. Foi amputado aqui (na altura do ombro). E foi na máquina de papel. Não é
do meu tempo. Tempo do papai criança. Ele é bem antigo mesmo. Eu já conheci
134

ele sendo chefão aí. Eu imagino que ele deve ter vindo como imigrante alemão.
Ficou trabalhando como funcionário ali e cresceu por conta desse acidente.
Porque era da raça deles e eles não iam menosprezar. Naquele tempo não tinha
esse negócio de por braço mecânico. Cortou, ficava sem. [...] O que tinha de
ruim na Companhia era isso, você não podia falar em segurança, você não podia
falar em nada que fosse pra te proteger. As coisas começaram a vir com o
tempo, depois com as greves e tal e foram abrindo os olhos dos funcionários e
foram vendo, puxa, eu tenho direito disso, então eu vou brigar por isso, e foi aí
que começou, mas foi de 60 pra cá. Aí que começou as greves as coisas e nem
sempre se conseguia tudo às vezes o funcionário era forçado a voltar a trabalhar
porque tinha que comer. Porque não ganhava. Fazia greve perdia mesmo. Tinha
aquele negócio também, como sempre existe, aqueles que aceitam greve e outros
que não aceitam e ficam forçando a volta (EUSÉBIO, 2011).

Referindo-se à adesão dos trabalhadores aos movimentos grevistas, Eusébio relatou


que a atitude de muitos colegas, que optavam por “furar” a greve acabava por enfraquecer
o movimento. A greve de 1960 é relatada por Donato (1990) como uma greve que durou
oito dias, um momento marcante e diferente das outras que surgiram nos anos anteriores:

[...] O enviado das autoridades trabalhistas teve o seu trem detido por
manifestantes à saída da estação de Caieiras. Alguns deitaram-se nos trilhos.
Outros estenderam bandeira nacional diante da locomotiva. O impasse, assistido
pela maioria dos grevistas, acabou desatado por eloqüente discurso patriótico
pronunciado pela autoridade trabalhista. Transferida a bandeira para a
locomotiva, desimpedida a linha, o trem prosseguiu entre vivórios. O acordo que
pôs fim à greve foi selado sob os cuidados de Mário Toledo de Moraes106. Este,
porém, advertiu ser improfícuo solucionar as greves uma por uma, discutindo
especificidades. Aconselhava a procura de solução geral, de longo alcance. A
exemplo, de um contrato coletivo de trabalho (DONATO, 1990, p. 111 e 112)

Assim, o trabalhador passava a questionar a conduta da gerência e com isso


percebia a possibilidade de reverter certas situações, coisas que antes pareciam ser
impossíveis de conseguir. Prando relatou que, como diretor do sindicato, certa vez foi
responsabilizado pela parada das moças da sessão do papel higiênico Sul América, onde
também era o mecânico responsável pelo funcionamento das máquinas. As moças
reivindicavam um prêmio por produção que a Companhia costumava pagar aos setores
produtivos e por alguma razão não efetuava tal pagamento ao setor do Sul América.
Prando foi responsabilizado pela ocorrência como mentor desta manifestação, embora,
afirme que apenas tenha encaminhado o caso para o advogado sindical. Após este início
de manifestação grevista iniciado pelo setor do Sul América, Prando foi repreendido
verbalmente e como punição foi transferido para outro setor onde trabalharia com
máquinas que não eram as de acabamento, sua especialidade. Neste momento, o mecânico

106
Diretor Secretário da Companhia em 1960. Já atuava como diretor social desde 1948 (DONATO, 1990).
Organização Social e Espacial de Caieiras 135

entrou com uma ação trabalhista solicitando o pagamento de horas-extras que fazia com
freqüência já há 3 ou 4 anos. Segundo Prando, sua saída do setor provocou queda na
produção e por este motivo foi chamado novamente para ocupar o antigo cargo. Para
retornar, negociou com o gerente da época o pagamento das horas e desta forma se
comprometeu em dar baixa no processo trabalhista:

[...] eu ganhava dois salários só de hora-extra. Já fazia três ou quatro anos que
eu fazia isso. Já tinha direito adquirido. Veja como valeu a pena eu aprender
com o Dr. Mário [...] cheguei no departamento pessoal, tinha o Antonio
Castelani, muito amigo meu:
- Toninho, eu vim dar baixa num processo.
- Não acredito!
- Mas antes disso, cê faz um documento aqui que o Dr. Edward, assume toda a
responsabilidade e me deve, a Melhoramentos me deve [...] e vai pagar em duas
vezes. Eu quero assinatura dele. Se ele não assinar, não tem baixa no processo!
(PRANDO, 2011).

Segundo os entrevistados, a chegada do Dr. Mário Carvalho de Jesus foi uma


espécie de “divisor de águas”. A ação deste advogado e do sindicato alterou
definitivamente o comportamento dos trabalhadores de Caieiras, que passaram a ver o
trabalho dentro da Companhia de outra forma, considerando as leis trabalhistas e os
limites por elas estabelecidos.

2.4 A formação e educação do trabalhador: a participação da igreja e da escola

O controle e a moralização dos trabalhadores nos núcleos fabris eram exercidos


muitas vezes tendo a igreja e a escola como aliadas. Os casos de inexistência de igrejas em
núcleos fabris constituíam exceções, pois era costume promover a construção de uma ou
mais igrejas de acordo com a filiação religiosa dos operários107. O papel da igreja poderia
ser valorizado pelos industriais no empenho de incutir no trabalhador um comportamento
acomodado em sua rotina e conformado com as condições de vida que poderiam incluir a
rotina de um trabalho pesado e mal remunerado. Este conceito estaria ainda afinado com o
combate ao alcoolismo, a glorificação do trabalho, aceitação das diferenças sociais,

107
Na França, por exemplo, havia igrejas católicas nos núcleos de Marquette, Val-des-Bois (criado por fábrica
têxtil) e Mulhouse. No núcleo de Port Sunlight (criado pela indústria de sabonetes Lever, na Inglaterra), havia
uma igreja congregacional; em Bournville (criado na Inglaterra pela fábrica de chocolate Cadbury) havia uma
igreja anglicana e uma Friend´s Meeting House (quaker); na Osaka Spining Cia., (fundada por fábrica de tecidos
no Japão), foi construído um templo budista; em New Earswick (criado na Inglaterra pela fábrica de chocolates
Rowntree), havia igrejas anglicanas e metodistas e espaço para reuniões aos domingos para católicos e quakers
(CORREIA,1998).
136

paciência e aceitação do sofrimento como algo passageiro e terreno (CORREIA, 1998). O


caráter também era tido como um requisito fundamental à qualificação das pessoas108 e
participação da igreja para a formação considerada adequada era fundamental. Em
Caieiras, a importância desta colocação pode ser observada na descrição da qualificação
da parteira da Cia. Ao referir-se àquela profissional, o Sr. Luis Carlos Mancini ressaltava
que

A parteira, senhora de excelente formação religiosa, está investida de larga


função moral. Além de suas atribuições propriamente obstétricas, faz visitas
domiciliares sistemáticas, ministrando também aulas pré-nupciais às noivas. O
resultado de seus trabalhos tem sido compensador; di-lo bem o fato de não ter
havido até agora um único caso de aborto criminoso (A OBRA SOCIAL D
COMPANHIA MELHORAMENTOS-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS
MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24, Dezembro de
1940, p.8).

Neste sentido, associando o comportamento do trabalhador à sua formação moral,


Mancini ainda faz referência às festas promovidas pela empresa enaltecendo que não
havia conflitos sérios ou trabalhistas entre os moradores do núcleo durante tais eventos.
Assim, o autor afirma que “a obra de moralização das diversões realizadas na Companhia
é relevante” (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO
PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM
SERVIÇO SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, p. 14)
Como vimos, em meados do século XX, havia dentro da Companhia.
Melhoramentos três de igrejas distribuídas entre as vilas: Igreja Nª Sª do Rosário, Capela
de São José e a Sagrado Coração de Jesus. Para administrar as igrejas havia os capelães da
Companhia que gozavam de autonomia para intervir nas atividades dos operários. Ao
referir-se às atividades que o capelão exercia dentro da empresa, Mancini (1940) descreve
que

Ao capelão está afeta larga função educativa. Sua missão não acaba, mas
começa com a celebração da missa. A empresa concede-lhe toda liberdade,
podendo mesmo, a qualquer instante, interpelar ou ocupar um empregado (A
OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-
IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM
‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24, Dezembro de 1940, p. 10)

108
A este respeito Correia (1998) cita os privilégios oferecidos pelo industrial Titus Salt, em Saltaire, que
construiu 45 casas ao redor de uma praça para ex-operários idosos, que para ter acesso a este privilégio
precisariam ser considerados pelo patrão pessoas de bom caráter (CORREIA, 1998).
Organização Social e Espacial de Caieiras 137

O relato acima mostra que os capelães eram figuras respeitadas e muito ativas
dentro das comunidades. Exemplo desta atuação foi observado durante a década de 1930,
quando o padre Aquiles Silvestre109 ocupava este posto. Em 1938 padre Aquiles fundou a
Associação Mariana Nossa Senhora do Rosário que contava com cerca de 150 jovens e
possuía um time de futebol – o Juvenil São Luiz do Gonzaga – e um de voleibol. A
Associação Mariana mantinha um corpo cênico formado por moças e rapazes e oferecia
curso de teatro, coreografias e caracterizações diversas. Na sede da Associação Mariana
havia jogos de xadrez, dama, pingue-pong tênis de mesa e uma biblioteca. Em 1940, o
padre Aquiles fundou o grupo Pio União das Filhas de Maria. Além destas atividades, o
padre instruía uma equipe de catequistas encarregados da preparação da Primeira
Comunhão das crianças. Nesta década, fundou um curso para adultos, equivalente ao
curso supletivo. Para as moças, ele criou uma escola profissionalizante com aulas de
educação moral e cívica, literatura, música, corte e costura, higiene, culinária e trabalhos
artesanais (MORAES, 1995).

Figura 41 O Bairro da Fábrica em Caieiras. No alto, à esquerda, a capela de São José


Fonte: A viagem ao maravilhoso mundo do papel e do livro. Melhoramentos (1965)

109
O Padre Aquiles iniciou os estudos no Seminário de Bom Jesus de Pirapora. Após cursar o Seminário Maior de
São Paulo foi ordenado padre. Chegou em Caieiras na década de 1930, já como Capelão da Companhia
Melhoramentos. Em 1942, quando o Brasil entrou na 2ª Guerra Mundial, o padre Aquiles foi convocado para
servir como capelão militar da Força Expedicionária Brasileira (FEB) atuando nos campos de batalha italianos.
Em 1945, o padre voltou para Caieiras onde permaneceu por mais algum tempo obter o posto de capitão, quando
passou a prestar assistência religiosa no quartel do Segundo Exército, em São Paulo (MORAES, 1995). Antigos
moradores acreditam que durante o período de perseguição às comunidades alemãs, quando alguns funcionários
foram detidos devido às acusações que envolviam a formação de rede nazista, a influência do Padre Aquiles foi
importante para a liberação de tais funcionários.
138

Luis Carlos Mancini descreve que ao todo, em 1940, somavam dentro do núcleo de
Caieiras 4 associações religiosas dirigidas pelo capelão: A Cruzada Eucarística, para os
menores; a Associação Aluiziana de moços, com 160 membros; a irmandade de São
Benedito, de homens com 150 aderentes e a Associação de Nossa Senhora do Rosário com
150 moças (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO
PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM
SERVIÇO SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, p.10).
A participação da Igreja nas relações entre patrões e empregados teve influência
das recomendações da Carta Encíclica “Rerum Renovarum” assinada no ano de 1891 pelo
papa Leão XIII. A carta dispunha sobre as condições dos operários e alertava sobre a
necessidade de apaziguamento entre ricos e pobres. Totalmente contrária ao socialismo, a
“Rerum Renovarum” defendia a propriedade particular como resultado da dedicação do
operário e como uma garantia às gerações futuras das famílias operárias. Pregava também
a dignidade pelo trabalho, justa remuneração, necessidades específicas da mulher de
acordo com sua “natureza” e as condições efêmeras, referindo-se à vida terrena, as quais
os operários deveriam pacientemente suportar. Para a “Rerum Novarum” as classes dos
ricos e pobres teriam necessidade uma da outra. Nesta conjuntura, o capital não poderia
existir sem o trabalho e vice-versa. As classes deveriam unir-se por laços de amizade
(CARTA ENCÍCLICA “RERUM NOVARUM” DO PAPA LEÃO XIII SOBRE A
CONDIÇÃO DOS OPERÁRIOS, 1891)110.
A força da igreja como mecanismo para apaziguar inciativas operárias, entre elas,
os movimentos políticos, pode ser percebida no depoimento de Bruno Prando quando
compareceu para representar o filho que havia sido intimado para depor à respeito da
suposta depredação dos transportes da Companhia. Nas palavras do escrivão que
datilografou o termo de declarações, os conceitos e posturas ligadas à religião católica
opunham-se claramente aos movimentos políticos:

[...] com referência a expressões de cunho comunista, que nesta delegacia ficou
sabendo terem sido usadas por pessoas que se utilizam dos transportes da
Companhia, o declarante disso não tem conhecimento, podendo afirmar ao
contrário, que a população de Caieiras é muito católica e principalmente os
trabalhadores da Companhia Melhoramentos (PRONTUÁRIO DEOPS 44311).

110
Disponível: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_15051891_rerum-
novarum_po.html. Acessado em 12 de julho de 2011, às 15:40h
Organização Social e Espacial de Caieiras 139

As ações beneméritas promovidas no núcleo também ganhavam destaque como


ações que enalteciam a obra moralizadora da empresa:

[...] cabe uma referência que muito recomenda o espírito social dos operários.
Mensalmente eles cotizam remetendo 1:000$000 ao Sanatório das Irmãzinhas da
Imaculada Conceição, de São José dos Campos, que retribue pondo-lhes à
disposição dois leitos (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS
CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24,
DEZEMBRO DE 1940, P.8).

A presença da Igreja Católica mostrou-se sempre muito forte nas comunidades de


Caieiras. A popularidade dos religiosos entre os operários e as ações comunitárias que
faziam em benefício da população fortalecia o capelão como figura política. Logo após a
emancipação do município, chegou a Caieiras o vigário José Cezar de Oliveira111, que
assumiu o posto de capelão da Companhia em 1961. Devido à sua força de atuação entre os
operários e à admiração que despertava nos mesmos, o capelão foi eleito Prefeito de
Caieiras por duas vezes112.
De maneira geral, nos núcleos fabris brasileiros, a escola também interferia na
conduta e hábitos dos trabalhadores. Nestes casos, a fábrica exercia controle direto sobre o
ensino dos alunos, que era voltado a preceitos de obediência, moral e regras de bom
comportamento113. A educação das crianças tinha papel fundamental no controle social
sobre as famílias operárias. Nas escolas existentes nos núcleos fabris brasileiros prevalecia
uma educação voltada para a formação de futuros operários dedicados ao trabalho
(CORREIA, 1998).

111
Nascido em Fartura, interior paulista, 23-05-1925 e falecido em 2005. Foi ordenado padre em 1949 e chegou
ao título de Monsenhor. Foi o primeiro pároco nomeado da igreja de Santo Antonio, em 1966. Celebrou missas
até 2003 (PERES, 2008).
112
A primeira gestão administrativa de José Cezar de Oliveira ocorreu entre os anos de 1964 e 1968. A segunda
foi entre os anos de 1972 e 1976.
113
Em Pedra (AL), por exemplo, todas as crianças eram obrigadas a freqüentar a escola, a partir dos 5 anos de
idade. A fábrica controlava e fiscalizava as faltas dos alunos e oferecia prêmios como ingressos para o carrossel e
o rink de patinação, para os alunos que se destacassem. Para entrar no cinema, era necessário que as crianças
apresentação o comprovante de freqüência às aulas. Os incentivos para os adultos poderiam ser a permissão de
escrever cartas às namoradas (CORREIA, 1998).
140

Figura 42 Entre outras celebridades, o Monsenhor Figura 43 Campanha política do Monsenhor entre
José Cezar de Oliveira nos eventos políticos e os moradores da Companhia
festivos de Caieiras Fonte: Revista Manchete (02-11-1963. Ano 11. Nº
Fonte: Acervo: Geraldino Ferreira de Almeida 602)

Em Caieiras, a educação das crianças e dos jovens era mesclada com as atividades
religiosas e cívicas, através das associações criadas pela igreja que proporcionavam
diversos cursos aos jovens e do grupo de escotismo voltado às atividades físicas e
externas: “toda obra da Companhia tem por base a educação, a valorização do homem e
por fim, o estabelecimento da paz e da unidade profissional neste sector de trabalho” (A
OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-
IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM SERVIÇO
SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, p. 12).
Os relatos mostrados no item Organização das vilas, apontam a existência de até 7
escolas no núcleo fabril de Caieiras. No ano de 1940, funcionavam cinco escolas, as quais
eram freqüentadas por 660 alunos. Neste período, a educação dos meninos estava voltada
à formação profissional enquanto que a educação feminina direcionava-se às atividades
consideradas de “natureza feminina”, como exemplo, os cursos de corte e costura
organizados pela Associação Nossa Senhora do Rosário para as moças de Caieiras. As
peças confeccionadas pelas operárias aprendizes de costureira eram doada às comunidades
pobres da região. Havia também cursos profissionalizantes ministrados por engenheiros e
oferecidos aos operários de certos setores. Cursos noturnos eram reservados aos adultos.
Mancini (1940) relatou que os alunos de Caieiras, periodicamente, passavam por inspeção
médica e dentária, procedimento que a Companhia pretendia estender para todos os
operários como medida obrigatória (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS
Organização Social e Espacial de Caieiras 141

MANCINI, TRANSCRITAS EM SERVIÇO SOCIAL Nº24, Dezembro de 1940, pp. 8, 9,


10).
O ensino nas escolas do núcleo fabril da Companhia Melhoramentos ocorria em
escolas primárias e não visava uma formação que fosse além do ensino básico para o
operário. Muitos trabalhadores não continuavam os estudos devido às limitações
existentes nas escolas e às dificuldades de se conciliar trabalho, estudo e distância
existente para chegar às escolas com ensino mais avançado.

Eu estudei no Monjolinho, era Escola Mista do Monjolinho. Depois do segundo


ano eu vim pra Caieiras, no Otto Weiszflog, [...] naquele tempo era até o quarto
ano e não tinha ginásio, não tinha nada [...] eu fui fazer o ginásio depois [...] que
eu já tinha os quatro filhos, aí fui fazer ginásio e era madureza ainda! Fiz o
ginásio e o colegial ali em Franco da Rocha, fiz com o Milton Nicodemo. Escola
tinha na Fábrica e tinha também na Calcárea. A Calcárea não existe mais, a via
Norte, a Bandeirantes, passou lá e demoliu tudo (PRANDO, 2011).

Me formei no Otto. Fiz o primário no Otto. E só também, né? [...] Então, mas
era assim, eu tirei o diploma em 1953. É porque eu repeti dois anos, eu entrei em
47, em 53 eu acho que eu saí. Eu fiquei 4, 5, 6 anos na escola. Porque eu repeti o
primeiro ano e o quarto. Você acredita nisso? Eu era pequenininho mas eu
lembro bem. E depois eu só fui estudar quando eu fiz o Senai só. Fiz algumas
aulinhas particulares com pessoas, professores particulares, lá na fábrica mesmo.
Assim, conhecimento de desenho mecânico, né? Relacionado à minha profissão
mesmo né? Mas pouca coisa (EUSÉBIO, 2011).

Ao completar sete anos, ingressei no Grupo Escolar “Alfredo Weiszflog” no ano


de 1951, onde terminei o 4º ano primário em 1954. As escolas existentes nas
comunidades eram construídas pela Companhia, a qual contratava professores de
São Paulo e outros locais para ensinar as crianças que estudavam até a conclusão
do curso primário. Não havia criança fora da escola (GABRIELLI, 2010).

Assim, devido a esta situação, após o término do antigo curso primário, era comum
que os alunos filhos de operários encerrassem os estudos. Filhos de funcionários com
graduação maior tinham condições de freqüentar outras escolas. Alguns saíam
diariamente, via trem, para as escolas de São Paulo, principalmente para aquelas
localizadas no Bairro da Lapa como o Colégio Campos Salles e o Colégio Anhanguera.
Outros, conforme relato de antigo morador, freqüentavam internatos no interior do estado
de São Paulo.

[...] porque São Paulo era longe ainda, muitos desses filhos de alemães
estudavam em São Carlos, mas aí ficavam em internatos lá, por exemplo, os
filhos dos Faltin estudavam em São Carlos e havia mais que ficavam lá em
internato em São Carlos. Não sei que escola é. Aqui em Caieiras não tinha
escola para segundo grau (BELLEN, 2011)
142

Como vimos no item 1960-2010 Loteamentos e desmonte, relatos apontam que a


busca por escolas que oferecessem um conteúdo mais avançado começou a ocorrer mesmo
entre os operários, e esta busca motivou a saída de alguns funcionários do núcleo. Com a
emancipação de Caieiras, ocorrida em 1958, a escola externa passou a ser vista como uma
oportunidade de crescimento do aluno e as escolas do núcleo passavam a ser percebidas
como instituições com certa limitação.

2.5 Bem estar físico e mental: as comemorações, cultura, saúde e utilização das
horas livres

Os núcleos fabris constituídos no Brasil no período compreendido entre o final do


século XIX e início do XX, assemelhavam-se em muitos aspectos. A busca de ocupação
das horas livres do trabalhador pelas empresas, por exemplo, constituía uma prática
comum. A organização de festas, concursos, atividades esportivas, sessões de cinema e
promoção de passeios fazia parte da estratégia industrial de ocupação das horas livres
operárias e costumavam ter aceitação por parte dos trabalhadores.
A preocupação com os danos que os divertimentos livres poderiam causar à
produção mobilizava os industriais a investirem na organização de formas alternativas de
lazer114. O pensamento industrial rejeitava a idéia de ócio dentro dos núcleos fabris. O ócio
era entendido como nocivo e prejudicial à vida do trabalhador. Era considerado um
caminho aos vícios e à vida desregrada e como conseqüência, causaria danos à produção
industrial, já que consideravam que este tipo de vida levaria ao esgotamento físico e ao

114
Exemplo desta organização pode ser observado no núcleo fabril constituído pela empresa Klabin do Paraná.
Correia (1998) mostra naquele caso a utilização das horas livres do trabalhador era comumente voltada para
divertimentos onde poderia haver um comprometimento do salário gerando danos à produção. Desta forma, nos
núcleos fabris, a promoção de bailes, competições esportivas, sessões de cinema, festas religiosas e cívicas eram
favoráveis ao afastamento dos trabalhadores dos divertimentos livres tidos pelo patrão como perigosos e nocivos
à produção. Outros exemplos descritos por Correia (1998) demonstram como as atividades de lazer dos operários
obtiveram atenção especial dos industriais construtores de núcleos fabris. No núcleo da Companhia Brasil
Industrial, próximo do Rio de Janeiro, havia clube, teatro e bilhar; no da Fábrica Carioba, em Americana (SP),
havia salão de conferências e bailes; em Votorantim (SP) havia praça, clube, cinema e campo de futebol; em
Cedro (MG) havia banda música, cinema e campos de futebol; o Cotonifício Othon Bezerra de Melo, Recife (PE)
e a Cia Alagoana de Fiação e Tecidos, Cachoeira, (AL) oferecia para seus operários bandas de música e cinema.
Em Pernambuco, a Companhia Fiação e Tecidos Goyanna, oferecia sessões gratuitas de cinema; a fábrica
Pirapama,em Escada (PE) tinha clube e banda de música e na Societé Cotonnière Belge-Brésilienne em Moreno
(PE), havia sociedade esportiva e banda de música; as fábricas Petropolitana e Aliança, no Rio de Janeiro,
também criaram bandas musicais. Panet (2002) conta que em Rio Tinto (PB), quando as sessões de cinema
passaram a ser apresentadas no cine-teatro Orion, a partir de 1944, a capacidade deste salão era de 1800 pessoas.
A diversificação das atividades e a capacidade dos espaços para cinema, como este criado em Rio Tinto, denotam
que a adesão por parte dos operários era significativa.
Organização Social e Espacial de Caieiras 143

desperdício do salário. Atividades capazes de regenerar as energias do trabalhador tinham


a preferência dos patrões. Para tanto, a promoção do lazer incentivava às atividades
coletivas e submetidas às regras. Neste aspecto, os esportes preenchiam visivelmente estas
necessidades: atenderiam não somente ao quesito das atividades coletivas e submetidas às
regras, como também, à melhoria da saúde e das aptidões físicas do trabalhador, o que
resultaria em um melhor desempenho das atividades relativas ao trabalho.
Esta idéia, em Caieiras, era explicitada pelo incentivo ao lazer em clubes, cinemas,
festas organizadas com aval da Companhia. Os clubes foram fundados nos terrenos e
prédios da empresa e eram iniciativas operárias “subvencionadas pelo patronato”. Nas
sedes eram proporcionados jogos de salão e procurava-se “desenvolver uma biblioteca que
continha além dos livros de literatura também obras de estudo, geralmente doadas pela
Companhia” (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO
PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM
‘SERVIÇO SOCIAL , nº 24, Dezembro, 1940, p. 11).
Os bailes, as festas e as distrações como as sessões de cinema e teatro são
lembradas com nostalgia pelos ex-moradores de Caieiras. Entre as festas religiosas,
especialmente a Festa do Rosário, realizada anualmente durante o mês de outubro, atraía
não apenas os moradores de Caieiras, mas também moradores de alguns bairros de São
Paulo, pois era um evento que assumia grandes proporções em meados do século XX.
Segundo os antigos moradores, as festas eram oportunidades de confraternização entre os
jovens moradores de Caieiras:

Como é que se diz? Nós éramos felizes e não sabíamos! As amizades, as


festinhas... muito bom...E as festinhas? As festas duravam até 3 dias...Vinha,
antes das festas, um senhor lá de Perus só pra preparar os frangos...
(ANTÔNIO, 2009)115.

Saudades também das festas juninas da vila Leão, com barracas de quermesse,
coelhinho, tômbola, etc. Aos 18 anos o nosso maior divertimento era os bailes
aos sábados e as matinês aos domingos no CRM (GABRIELLI, 2010).

[...] as festas de outubro no Rosário era a coisa mais maravilhosa, era muito
lindo, muito lindo, [...] é indescritível a maravilha que era. [...] no tempo que eu
era criança, eles tinham aqueles arcos iluminados pelas ruas vinha desde lá do
Barreiro até lá no cemitério da Cerâmica. Tudo iluminado, bandeirinhas...ali em
frente a Igreja tinha o coreto, a banda tocava durante a festa, o povo vinha
assim...sabe? pra nós era uma multidão, porque hoje você vê muito mais gente,
coisa muito maior, mas pra nós era muito, era uma festa muito linda, a
maquininha vinha lotada da Fábrica e os pau-de-arara. Antes de ser pau-de-
arara, a maquininha vinha do Monjolinho e também vinha lotada, depois tiraram

115
Entrevista cedida à autora. Srª. Cecília Aparecida Antônio: ex-funcionária e ex-moradora da Vila Kholl e da
Rua dos Coqueiros.
144

a maquininha e veio os pau-de-arara que vinham lotados e todo mundo ia pra lá.
O pessoal do Cresciúma aqui descia tudo lá na festa do Rosário. Era muito! [...]
e isso já em 60, 70. Ainda era assim bonito. Aí lá acabou, hoje tem essas festas
que você conhece por aqui. É tudo diferente. Porque naquele tempo podia, né?
[...] Tinha leilão, imagina se hoje se faz um leilão! [...] Tinha as prendas grandes
[...] eles davam também porcos, animais, galinhas, coisas assim, pra por no
leilão (EUSÉBIO, 2011).

[...] olha nas festas que tinha, a padroeira de Caieiras foi sempre Nossa Senhora
do Rosário [...] As festas de outubro aí, a gente comprava até terno e gravata
para ir nas festas! [...] o que você pensar tinha! As barracas tudo a
Melhoramentos que fazia [...] montava tudo aquilo, leilão e um monte de coisa!
As procissões iam da fábrica , iam de Caieiras, banda de música! Tinha uma
banda que não devia nada pra banda da Força Pública. Então era um negócio
fantástico isso aqui! (PRANDO, 2011).

[...] tinha a Igreja Nossa Senhora do Rosário que foi onde eu encontrei meu
marido, conheci ele na Festa do Rosário, foi a primeira vez que ele veio pra
Caieiras, ele era da Lapa. Ele veio pra festa! A festa era muito boa. Nossa! Tudo
era bom naquela época. Muito bonita, vinha muita gente de fora!
(MINKEVICIUS, 2011).

As festas da Companhia Melhoramentos eram também apreciadas pelas famílias


das chefias que aderiam às festividades comuns a todo núcleo ou organizavam eventos
mais restritos.

Tinha uma convivência muito boa entre as pessoas que viviam ali, sabe? O
pessoal que morava ao longo dessa rua era um pessoal mais diferenciado,
chefias e tudo. Tinham uma convivência bastante agradável! Eles faziam aqui na
piscina, [...] umas festinhas bonitinhas ali no salãozinho, [...] organizava as
festas, enchia a água de velinhas boiando, era, naquela época, era lindo! Eram
bonitinhas as festinhas que eles faziam. Então a convivência era boa ali na
época, dos adolescentes e pré-adolescentes [...] aquelas baladazinhas da época.
[...] a gente vinha aqui pra baixo, eu até estava recordando estes dias, a gente
tinha aula de acordeom [...] mas aí você descia, lá pra baixo era o pessoal mais
simples que ficava ali, e todo mundo se cumprimentava, todo mundo se conhecia
e essa turminha aqui, saía muitas vezes à noite, de madrugada, pra caminhar no
meio das matas ali. Eram bosques, né? E não tinha nada, era uma floresta [...]
ficavam horas caminhando e ninguém se preocupava com absolutamente nada,
porque não tinha desgraça, aquilo era ótimo (BELLEN, 2011).

O convívio em Caieiras, mesmo com tantas diferenças mostradas em sua


organização social que envolvia obrigações e subordinações parece ter sido relativamente
pacífico. Os relatos transparecem uma aproximação intensa entre os moradores do núcleo.
Grupos se formavam de acordo com a identificação entre as pessoas, e na maioria das
vezes operários estreitavam laços com operários e chefes com chefes, mas não havia
tensões específicas conseqüentes destes agrupamentos. Segundo alguns antigos moradores
a sociabilidade era mais intensa até a chegada da televisão nas casas do núcleo. Quando os
Organização Social e Espacial de Caieiras 145

primeiros aparelhos de televisão chegaram a Caieiras, foram dispostos nos clubes


recreativos onde as pessoas se reuniam para assistir aos programas.

Sabe por que eu conheço bem essas casas? Eu ia tomar café a noite, eu era
pobre, mais pobre, e a noite eles tinham aquela mania de tomar lanche da noite e
pra nós era regalia. Dona Zenaide era muito boa, pra nós era muito boa, [...]
então ela fazia a tal da panelinha de aveia, então era pra gente ir lá e comer um
prato de aveia! Não tinha isso na nossa casa, né? Éramos pequenos, e ela era
muito boa, então ia lá conversar, brincar com os vizinhos, os filhos dela [...] na
Melhoramentos não é como hoje que vizinhos mal se vêem. Lá não, lá um ia na
casa do outro, [...] era normal isso. Por exemplo, se juntava o pessoal na rua pra
conversar, pra bater papo, não tinha o que fazer! Quando veio a televisão, em
60, meu pai foi o primeiro morador ali do bairro a comprar a televisão. [...]
então minha mãe lutou muito pra criar nós, trabalhou bastante [...] como
empregada, trabalhou na roça, trabalhou de cortar lenha no mato, fez de tudo e
então quando foi em 60 já a minha irmã trabalhava, eu trabalhava [...] foi no
Natal...tudo se comprava no Natal! Porque vinha o abono, não era 13º que falava
naquela época era abono da Companhia, a Companhia dava abono aos
funcionários, isso a Companhia sempre fez, não era lei, ela fazia antes da lei, só
que era assim, ela dava quanto queria e quando queria. Tinha vez que ela dava o
abono na véspera do Natal pra você comprar as coisas! Então você corria e
comprava no armazém dela, né? Então, mas ela sempre deu, então se
aproveitava o abono, pra que? Pra se comprar os presentes, pra se comprar uma
coisa melhor no Natal. Então no abono juntava o meu, o do meu pai, da minha
irmã, dava um dinheirinho e a gente dava de entrada. Depois comprava tudo a
prestação, então, a televisão nossa foi comprada em 60 no Natal, na Lapa. Ah!
Lugar de comprar era na Lapa naquele tempo, tudo na Lapa, né? [...] Então,
juntava, ia todos os vizinhos, toda noite, juntava todo mundo no chão da minha
casa lá, minha casa não era muito grande [...] mas todo mundo juntava no chão
pra ver televisão ali [...] Antes de meu pai comprar a televisão, nos clubes já
tinha televisão. Os clubes foram antes, né? Compraram cada clube tinha a sua
televisão [...] Eu lembro que a gente saía e ia na Curva da Fábrica, tem um
bairro lá que chamava Curva da Fábrica. Lá meu tio morava [...] ele já tinha
televisão. A gente ia de lá do Tancão até lá a pé pra ver Miss Brasil! E voltava.
Mas ia numa turminha. Não era só meus pais e nós, ia mais gente! Os vizinhos
conhecidos dele iam lá pra ver esse programa! (EUSÉBIO, 2011).

Como podemos observar no relato acima, esta condição ainda permitia a integração
entre moradores que se agrupavam para o lazer. Quando os primeiros moradores
começaram a adquirir o equipamento, a novidade atraía a vizinhança que chegava a
percorrer longos caminhos para assistir os programas exibidos. Mas, à medida que os
aparelhos foram surgindo em cada casa, o convívio começou a se modificar.
Referindo-se às primeiras exibições do Cine Cayeirense, Moraes (1995) relatou
como eram feitas as animações das sessões de exibição dos filmes mudos, envolvendo
músicos que davam um ritmo diferenciado àquele lazer:
[...] Domingos Toigo trabalhou na organização das primeiras exibições daquele
cinema. Como os filmes ainda eram mudos, Domingos tocava violino para
animar a noite dos espectadores, enquanto Clímene mostrava seus dotes
artísticos ao piano. (MORAES, 1995).
146

Em entrevista Gabrielli (2010) relatou que durante a década de 1950 as sessões de


cinema eram exibidas aos funcionários da Companhia três vezes por semana (às quartas-
feiras – filmes para maiores – aos sábados e domingos – filmes livres). Antes dos filmes
era costume se exibir um documentário, um curta-metragem ou um jogo de futebol.
Gabrielli (2010) relembra os filmes assistidos nas sessões de cinemas da Melhoramentos:
“filmes de Mazzaropi, Libertala Marques, Maria Antonieta Pons, Pedro Armendáriz,
clássicos mexicanos, Tarzan, Sangue e Areia” (GABRIELLI, 2010).
Outras festividades que tiveram destaque no núcleo de Caieiras foram as de
carnaval. Eram atividades organizadas com bastante empenho pela Companhia e
funcionários. Os carnavais comemorados no núcleo chamavam a atenção pelo porte e
capricho com que eram preparados os bailes e fantasias. Donato (1990) destaca ainda que
a Companhia produzia um tipo de confete e serpentina e além de garantir as festividades
em Caieiras, exportava o produto para os carnavais de várias cidades brasileiras.
Durante a década de 1950 um incêndio ocorrido no salão de festas da Companhia
pôs fim aos corsos de carnaval armazenados no local (GABRIELLI, 2010).

Figura 44 Comemoração de carnaval em Caieiras Figura 45 As fantasias de carnaval em Caieiras


Fonte: Jornal Regional News (2007, folha 3C6) Fonte: Jornal Regional News (2007, folha 3C6)

Estes eventos eram propícios para que os laços entre operários, Igreja e Companhia
fossem fortalecidos, pois, comumente as festas ocorriam com a presença do capelão e dos
diretores da empresa, como descreve Morais (1995), sobre as comemorações de 1º de maio
em Caieiras:
Nessas ocasiões, a festa se realizava sob o auspício da Companhia
Melhoramentos, com um programa composto de missa campal e solene pela
Organização Social e Espacial de Caieiras 147

manhã, celebrada pelo então padre Aquiles Silvestre, capelão da Companhia. A


seguir, era a vez das gincanas, com brincadeiras para crianças e adultos. No
período da tarde, competições de futebol com clubes da região e outros
convidados. Durante todo o dia, havia farta distribuição de chope, sanduíche e
outras guloseimas. Essas festas eram sempre prestigiadas com a presença do
diretor técnico da Melhoramentos, Johanes Ferdinand Ehlert, de sua esposa, D.
Alice, e de sua filha, Renata (MORAES, 1995, p.99).

As comemorações do Dia do Trabalho são destacadas por Peres (2008) como uma
das mais importantes comemorações promovidas pela empresa “em razão da própria
tradição e os valores sociais propostos pela Companhia Melhoramentos” (PERES, 2008, p.
68), o que enalteceria, segundo a autora, a importância dos trabalhadores da fábrica. Nas
festas de 1º de maio ocorriam os concursos de beleza que elegiam as princesas e rainhas da
Cia. (PERES, 2008). A relevância dada por Mancini às festas atestava a disciplina que as
comandava:
A obra de moralização das diversões realizadas na Companhia é relevante. As
festas operárias realizadas com frequência, contam com a presença dos diretores
da empresa e do padre capelão. Não há em 3000 pessoas notícias de conflito
sério comum ou trabalhista. É prova eloqüente dos resultados educativos
obtidos. Em população tão numerosa não há qualquer policiamento, nem de
organização pública nem de parte da própria emprêsa. É evidente que a atuação
salutar das organizações religiosas concorre para o estabelecimento da presente
situação (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO
PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS
EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ nº 24, Dezembro de 1940, p.14).

A presença dos superiores parecia ser uma constante em quase todas as atividades
de lazer dos trabalhadores de Caieiras e buscava conotar o sentido de todos formarem uma
“grande família” com esta aproximação entre chefia e subalternos. Não podemos esquecer
que a participação dos superiores nestes momentos de lazer garantia a ordem e disciplina
entre os grupos. Este convívio podia ocorrer em outros momentos:

A empresa criou e administra um restaurante popular destinado principalmente


aos empregados sem família. As instalações, a cozinha e a modicidade dos
preços satisfazem plenamente as exigências requeridas. Neste restaurante
hombream-se, em franca cordialidade, chefes e subalternos (A OBRA SOCIAL
DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO
SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ nº
24, Dezembro de 1940, p.10).

O controle sobre as horas livres fazia parte da estratégia de controle do trabalhador


e, como afirma Rolnik (1981), a vila operária funcionava como um laboratório de uma
sociedade disciplinar, onde era possível combinar um saber higienista com um poder que
148

ao mesmo tempo proibia, punia, reprimia e educava116. Imbuídos na estratégia de edificar


a família nuclear, moralizada e recolhida ao lar, industriais impunham nas vilas e núcleos
fabris brasileiros, o controle que avançava, até mesmo, sobre as relações amorosas dos
jovens, proibindo os namoros nas dependências da fábrica117. Em Caieiras, os namoros
eram controlados pelas próprias famílias operárias. Os relatos constantes no item
Mulheres e crianças mostram que embora não houvesse por parte da Companhia uma
política clara de separação dos sexos nas dependências da empresa, como em outros
núcleos onde esta ação era visivelmente implantada, as operárias eram rigidamente
fiscalizadas em suas atividades e evitavam, para não serem repreendidas pela chefia,
qualquer contato com o sexo masculino sob as vistas da supervisão.
Além das festas religiosas, havia as festas cívicas comemorativas como as de 7 de
Setembro e os aniversários da Companhia. Estas comemorações contavam com a
participação da Corporação Musical de Caieiras e sempre com a participação do capelão e
dos diretores da empresa.

Figura 46 Comemoração do casamento de Figura 47 Corporação Musical, (1940)


Johannes Ehlert, 1926, em Caieiras Fonte: A OBRA SOCIAL COMPANHIA
Fonte: Donato, 1990 MELHORAMENTOS – TRANSCRIÇÕES DO SR.
LUIS CARLOS MANCINI. TRANSCRITAS EM
‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24, DEZ. DE 1940, P. 8.

116
Um exemplo extremo do controle industrial sobre as horas livres do trabalhador é relatado por Teixeira (1990)
ao descrever a ação de uma intensa fiscalização nas dependências da Vila Maria Zélia, em São Paulo. O relato de
uma moradora delata a vigilância, sob as regras estabelecidas pelo industrial Jorge Street, acerca das proibições
de se dormir na sala, seguindo a lógica de que famílias maiores precisariam de casas maiores e isto representaria
mais trabalhadores para a Companhia Nacional de Tecidos de Juta. Ela dizia que não era permitido colocar camas
e sofás na sala, pois o fiscal passaria para a vistoria (TEIXEIRA, 1990).
117
Um rigoroso controle sobre as relações entre os operários solteiros e as operárias foi constatado em Pedra
(AL). Neste caso, os homens solteiros moravam fora do núcleo, em acomodações específicas, e tinham o acesso
ao núcleo e o contato com as operárias rigidamente controlados. A saída das moças do núcleo era controlada por
fiscais que faziam rondas noturnas das proximidades do local para surpreender casais de namorados, que
eventualmente, conseguissem driblar as regras. Nos cinemas, homens e mulheres sentavam-se separados, mesmo
que fossem casados (CORREIA, 1998).
Organização Social e Espacial de Caieiras 149

Um recurso utilizado entre os industriais para ligarem os moradores ao local era


por meio das atividades agrícolas. Havia incentivo, nas horas livres, ao cultivo de
agricultura e jardinagem. Nas vilas de Caieiras, além do incentivo ao cultivo de cereais
aconteciam concursos e promoções para incentivar a manutenção da limpeza e das
fachadas floridas das residências118.
A saúde dos trabalhadores dos núcleos brasileiros costumava ser protegida através
da oferta de serviços médicos gratuitos aos funcionários. Correia (1998) salienta a
importância do saber médico na introdução dos novos hábitos de higiene no cotidiano
operário. Segundo a autora, estes profissionais tiveram importante participação na inserção
também de novas formas de vestir, novas noções de boas maneiras e novos costumes119.

Figura 48 Procissão religiosa


Fonte: Geraldino Ferreira de Almeida

118
Ver item Área livre, quintais e porões.
119
A autora aponta que em exemplos como Saltaire e Port Sunlight, na Europa, haviam hospitais para os
trabalhadores. Entre os exemplos brasileiros a autora cita Moreno (PE) e Galápolis (RS), onde os serviços
médicos eram gratuitos, enquanto na Companhia Industrial Pernambucana, Camaragibe, e na Companhia de
Tecidos Porto-Alegrense eram prestados mediante contribuição dos operários e da empresa à sociedade de
assistência.
150

Figura 49 Festa de 7 de setembro em Caieiras Figura 50 Aniversário 75 anos da Companhia


Fonte: Geraldino Ferreira de Almeida ([196-]) Fonte: Geraldino Ferreira de Almeida (1965)

Para ter direito a assistência médica, odontológica, farmacêutica e obstétrica os


operários de Caieiras contribuíam, em 1940, com uma taxa mensal de 2$500 (A OBRA
SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO
SR. LUIS CARLOS MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL’ Nº 24,
Dezembro de 1940, p.6). Em casos de enfermidades mais graves, era necessário que o
doente fosse levado para hospitais da capital e para isso a empresa disponibilizava um
carro particular (MORAES, 1995). Esta situação dependia do aval das chefias120.

Esse médico ficava dando assistência pros funcionários por conta da Companhia
[...] tinha o farmacêutico que era o seu Vítor, né? Isso quando eu era criança [...]
ele cuidava de tudo, né? Tinha a parteira, iam nas casa, ia o Dr. Vitor e tinha um
médico, na farmácia ficava um médico sim, quando solicitava ele ia na
residência, não tinha esse negócio da gente ir [...] O Dr. Jeronimo já era da
época da gente ir lá no consultório. É mais recente. Esses médicos, lembro que
minha mãe contava, lembro que tinha um que chamava [...] Dr. Sete, [...] era
um tal de Dr. Sete, tinha o Dr. Moacir, era assim, médicos bem antigos, mas era
assim, cê ligava, ia na Cerâmica, que cê tinha que ir lá, naquele telefone de
manivela, pedia pro médico [...] Aí o médico ia na sua casa, mas você não
pagava a consulta, só pagava os remédios, cê tinha que ir na farmácia e comprar
(EUSÉBIO, 2011).

O relato acima, assim como outros relatos como o de Izidro Gabrielli, mostra que
muitos dos funcionários não se lembram das taxas cobradas para utilização dos serviços
médicos, talvez, por tão módica e insignificante que eram perante os salários.

2.6 A localização estratégica: isolamento e proximidade com a capital

A localização de Caieiras foi caracterizada durante muito tempo por uma condição
que permitia certo isolamento, devido ao difícil acesso composto por estradas precárias e

120
Ver caso relatado no item 1930-1960: surgimento das novas vilas.
Organização Social e Espacial de Caieiras 151

pelas imensas áreas verdes que circundavam a região121. Esta condição não era específica
do núcleo de Caieiras, pois os critérios que os industriais obedeciam para escolher os
terrenos onde iriam implantar seus estabelecimentos fabris acabavam por proporcionar, de
forma geral, locais isolados dos centros urbanos122.
O isolamento era garantia do afastamento de possíveis influências externas sobre o
operário, facilitando a obediência às normais locais e submetendo-os a um controle
higienista pela imposição de novos hábitos (FOUCAULT, 1979). Este modelo europeu de
controle social obrigava os operários a seguirem rigorosos regulamentos, vivendo sob as
determinações de uma única autoridade e com horários de trabalho estabelecidos de início
e fim e, além disso, eram vigiados a todo o momento por funcionários que exerciam
controle sobre os movimentos de cada um (GOFFMAN, 2005).
No Brasil, a procura por terras distantes das cidades, próximas aos rios e portos,
ricas em florestas naturais para o favorecimento do funcionamento das fábricas era
condição para a existência de muitas indústrias que se firmaram entre o final do século
XIX e começo do XX (PANET, 2002). O isolamento não configurava um desejo inerente
ao industrial, mas sim, se tornava uma conseqüência diante das características importantes
na escolha do terreno para implantação das fábricas, que deveria levar em conta a
abundância de matas para combustível dos maquinários e recursos hídricos que pudessem
gerar força hidráulica e acabava por criar uma situação favorável à estratégia de controle
social comumente aplicada pelos patrões nestes empreendimentos123. A preferência dos
industriais por áreas ricas em recursos naturais e, por conseqüência, isoladas das grandes
cidades e aglomerações urbanas favorecia a construção de um espaço de trabalho dotado de
autonomia para o industrial, possível de exercer uma forma de gestão com controle de
mercado de trabalho próprio (CORREIA, 1998). Esta estratégia permitia confinar os
operários em espaços construídos e controlados pela fábrica. A ausência de atrativos fora
das áreas limites da empresa ou ainda o fechamento dos núcleos fabris com cercas
mantinha no seu interior as atividades operárias em toda a sua abrangência, incluindo,

121
Ver condições de acesso no item 1930-1960: surgimento das novas vilas.
122
Na França, por exemplo, as fábricas que surgiam ao longo do século XIX, seguiam duas condições principais:
altura, para poder aproveitar a força motriz fornecida pelos rios e implantação térrea, com construções muitas
vezes distribuídas em torno de um pátio fechado122 (PERROT, 1988).
123
Um exemplo da aplicação destes modelos pode ser observado em Galópolis, Rio Grande do Sul, na
implantação do lanifício São Pedro, que impressiona pela proximidade à grande queda d água (CORREIA, 1998).
152

como vimos anteriormente, além das atividades relacionadas ao trabalho, também as


demais atividades sociais, religiosas, culturais, etc124.
Em muitos casos, as distâncias percorridas pelos funcionários, quando não havia o
transporte ferroviário, tinham que ser feitas a pé. A alternativa de transporte ferroviário,
comum a estes tipos de núcleos fabris, dependia, muitas vezes, de um transporte submetido
a horário e passível ao controle da fábrica125 (CORREIA, 1998). Em Caieiras, como vimos,
os transportes oferecidos ao trabalhador para que pudessem circular entre os bairros
estabelecidos dentro da empresa e para chegar até a estação ferroviária, centrava-se na
linha férrea interna e nos caminhões pau-de-arara.
A diversificação das atividades produtivas e os serviços direcionados para os
operários possibilitavam esse isolamento social dentro dos limites da propriedade das
indústrias. Alguns estabelecimentos criavam estruturas tão complexas – caso de Caieiras -
que permitiam a comparação dos núcleos a uma “pequena cidade” com moradias,
farmácias, igrejas, escolas, armazéns, clubes recreativos, cinemas, teatros, hospital, sistema
de abastecimento de água e esgoto, inclusive com possibilidade de plantio para
subsistência.
O isolamento, em alguns casos, era o principal atrativo que motivava alguns
funcionários a trabalhar nestes núcleos afastados. Estas localizações permitiam a
ocorrência de curiosas situações que envolviam questões políticas, impossíveis nos grandes
centros.

124
Este método de controle de acesso de estranhos ao interior dos núcleos fabris pode ser observado na
Votorantim, em Sorocaba, quando por volta de 1906, a empresa anunciou o encerramento do transporte
ferroviário que conduzia os operários de Sorocaba à Votorantim, obrigando-os a morar nas casas da Cia.
proprietária da fábrica, e fazer compras em suas cooperativas (ROLNIK, 1981). Em Pernambuco, a Paulista,
fundada no final do século XIX pela firma Rodrigues Lima e Cia. e adquirida posteriormente por Herman
Lundgren, tinha uma extensão de terras de propriedade da fábrica ao redor do núcleo que cumpria o papel de
controle de acesso. Outra medida tomada pelos industriais foi observada em Rio Tinto, na Paraíba, onde a fábrica
têxtil do grupo Lundgren constituiu a criação de postos de inspeção no acesso ao núcleo residencial (CORREIA,
1998).
125
No caso da fábrica têxtil de Magé, no estado do Rio de Janeiro, a indústria detinha a concessão do ramal
ferroviário – situação semelhante à observada em Caieiras (CORREIA, 1998).
Organização Social e Espacial de Caieiras 153

Exemplos neste sentido são os casos da Klabin do Paraná e de Rio Tinto126.


Em Caieiras, em entrevista, um ex-funcionário nos afirmou ter trabalhado
submetido às ordens de Joseph Mengele, enquanto este estaria trabalhando como
funcionário da Companhia Melhoramentos. Na década de 1980, uma ossada encontrada em
Embu, levantou e reforçou a hipótese do médico nazista ter residido no Brasil, refugiado da
Europa. As matérias publicadas nesta época, afirmavam que ele teria encontrado em
Caieiras, apoio e trabalho dentro da Companhia Melhoramentos, atendendo pelo nome de
Sr. Pedro:

Wolfram Bossert, um ex-cabo do Exército nazista que mora no Brasil desde


1952, foi apresentado a Mengele em 1970 num sítio no município de Caieiras, a
30 quilômetros de São Paulo, por Wolfgang Gerhard, um compatriota austríaco
que chegara ao país quatro anos depois do fim da II Guerra Mundial. Gerhard
apresentou-o a Bossert como “Peter Gerhard” um viúvo que estava sendo
perseguido por motivos políticos e saíra poucos meses antes do Paraguai, onde
vivia escondido desde 1959 [...] Não há dúvida de que alguns amigos
efetivamente ajudaram o fugitivo. Entre 1969 e 1974, “Peter” ou “seu Pedro”,
viveu como hóspede no sítio de Caieiras em que fora apresentado a Wolfram
Bossert. O sítio, de 5 hectares, pertencia ao imigrante húngaro Gesa Stammer,
que prestava serviços como topógrafo à prefeitura do município e ali morava em
companhia da mulher, Gittara (A Exumação do Enigma – O mistério do caso
Mengele pode estar chegando ao fim, publicado pela Revista Veja em 12 de
junho de 1985)127.

A Folha de São Paulo publicou em 2004:


Relatos do médico nazista Josef Mengele revelam que ele trabalhou
formalmente em duas empresas por pelo menos 10 dos 19 anos em que viveu no
Brasil. Numa carta ao amigo austríaco Wolfgang Gerhard, de 22 de novembro de
1972, Mengele lamenta ter sido demitido após cinco anos como chefe de

126
A Klabin do Paraná foi implantada, a partir de 1934, em uma área adquirida pela empresa da Fazenda Monte
Alegre ao Governo do Paraná, que havia se tornado seu proprietário ao arrematar em leilão jurídico de imóveis de
uma empresa falida. Assim como a Cia. Melhoramentos de São Paulo, a Klabin do Paraná estruturou-se com base
na autonomia na produção de papel, organizando nas instalações todas as fases da produção, desde o plantio do
eucalipto até a produção do papel. Além disso, a autonomia das duas empresas envolvia também o domínio das
técnicas, contratando-se estrangeiros para gerenciar os processos produtivos e treinar trabalhadores nacionais. A
localização afastada da Klabin permitia uma situação que possibilitava controlar um mercado de trabalho próprio.
Além disso, outras práticas, de cunho político foram observadas nos depoimentos relatados por Correia, (1998) a
respeito do pai de um funcionário da fiscalização florestal que teria ido à Monte Alegre procurando fugir de
inimigos que o perseguiam desde que havia sido demitido de uma empresa ferroviária, quando, durante a Segunda
Guerra, teria, embriagado, dado vivas a Adolf Hitler. O pai do funcionário teria ido à Monte Alegre devido à
favorável condição de esconderijo do lugar, constituindo um curioso caso de simpatizante de Hitler protegido em
território de judeus. Em Monte Alegre, existiram, sobretudo, muitos casos de contratação de técnicos e
trabalhadores judeus perseguidos na Europa, em áreas de domínio nazista, como o caso de Leonardo Schkcnner,
médico polonês de origem judia, que deixou de clinicar na Itália, no período de conflitos e obteve visto brasileiro,
com ressalva de não exercer a profissão no país. O médico aceitou em 1941, o convite de Wolf Klabin para
trabalhar em Monte Alegre longe dos órgãos que regulamentavam e fiscalizavam o exercício profissional
(CORREIA, 1998). Situação também curiosa ocorreu na Companhia de Tecidos de Rio Tinto, na Paraíba, onde
criou-se o mito de que o “palacete dos Lundgren” – família de origem sueca - destinava-se a receber Hitler
quando este vencesse a guerra na Europa (MELLO, 2002).
127
Disponível em http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_12061985.shtml. Acessado em 11 de julho de 2011,
às 18:20h.
154

manutenção da Melhoramentos, fábrica de papel de Caieiras (SP). E planeja


procurar outro emprego. “Como agora posso comprovar que tive dois empregos,
um após o outro, cada um por cinco anos, como ‘chefe de manutenção’, não é
problema achar um novo emprego, mas certamente o (problema será) escolher o
‘certo’ para mim; talvez porque eu então novamente – conforme o meu jeito –
fique por lá eternamente.”
A carta faz parte do conjunto de 85 documentos em alemão que integravam os
arquivos de Mengele apreendidos pela Polícia Federal em 1985 e aos quais a
Folha teve acesso (Mengele trabalhou dez anos no Brasil, publicado no site
Folhaonline, em 24 de novembro de 2004)128

Durante os conflitos da Segunda Guerra, a Companhia e alguns diretores tiveram


seus nomes incluídos na Lista Negra e foram afastados de seus cargos129. Os membros da
família Weiszflog foram vigiados. Para as viagens dos funcionários que necessitavam ir
de Caieiras para São Paulo ou Santos era necessário o pedido de salvo-conduto. Johannes
Ehlert – técnico geral e supervisor dos estabelecimentos fabris de Caieiras - requereu
vários salvos condutos às autoridades policiais, inclusive com justificativas médicas que
alegavam as necessidades de uma estadia à beira mar. Kurt Faltim – engenheiro da fábrica
e residente do núcleo - e Frederico Guilherme Weiszflog – filho de Otto e Anna Maria
Weiszflog – foram detidos e tiveram, de acordo com os apontamentos dos prontuários,
envolvimento com o nazismo.
Assim, como atesta o caso de Mengele, é provável que o isolamento e a autonomia
patronal em Caieiras tenha favorecido o abrigo a refugiados alemães do pós-guerra.

2.7 A região do Juqueri


Como vimos a fazenda do coronel Rodovalho se constituía em uma extensa área
atravessada pelo Rio Juqueri, cercada por matas e morros e distante dos centros urbanos.
As matas constituíam uma importante reserva de matéria prima para as indústrias de papel,
além de garantirem o abastecimento dos fornos de cal, olarias e caldeiras. Esta região que
se beneficiava com a passagem do Rio Juqueri devido às suas características naturais,
atraiu instituições que procuravam locais favoráveis ao confinamento, mesmo com a
proximidade da linha férrea. A região distava cerca de 25 km de São Paulo. A área não se
constituía como uma região de aglomeração urbana com acesso fácil às grandes cidades
que estava restrito, sobretudo, às ferrovias.

128
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u65893.shtml). Acessado em 12 de julho de
2011, às 16:10h.
129
Prontuários consultados no DEOPS: 96964 e 44311Companhia Melhoramentos; 98023 Alfredo Weisflog;
51149 Frederico Guilherme Weissflog; 21264 Johannes Ehlert; 22140 Walter Weiszflog; 275 972 Kurt Faltim;
51156 Niels Christian Christensen.
Organização Social e Espacial de Caieiras 155

O hospital psiquiátrico do Dr. Franco da Rocha, obra do governo do Estado,


encontrou na região, situação ideal para implantar um modelo inovador de assistência ao
doente mental, baseado em tratamentos terapêuticos. O hospital foi estabelecido em terras
vizinhas à Cia. Melhoramentos, distante aproximadamente 6 km do bairro da cerâmica.
Empenhado em iniciar uma campanha de criação de uma instituição modelo capaz de
assegurar a melhoria da imagem do antigo hospício de São Paulo, Franco da Rocha dizia
que em 1891, o antigo hospício começava a apresentar contrastes profundos com a noção
de progresso que se queria implantar no estado em todos os ramos da administração
pública, havendo a necessidade de uma urgente reforma da assistência aos alienados
(ROCHA130, 1912, apud BARBOSA, 1992).
A instalação do Hospital do Juquery131 ocorreu após quatro anos de busca de um
terreno que atendesse às necessidades identificadas. A área deveria ter terras de baixo
preço, oferecer espaço para uma colônia agrícola, abundância de água, facilidade de
transporte para a capital e distância possível de ser percorrida em no máximo uma hora e
meia de viagem. Em 1895 deu-se início à construção do novo asilo, com projeto de Ramos
de Azevedo, em um terreno de 150 hectares à margem da linha férrea, próximo à estação
de Juqueri, inaugurada em 1888. Em 1898, foi inaugurada a colônia agrícola, com 80
pacientes; em 1901, o hospital central e demais instalações destinadas às dependências
masculinas; e em 1903, os pavilhões femininos. A superlotação do hospício do Juquery,
projetado originalmente para 800 leitos, levou à iniciativa da primeira ampliação, em 1907.
Em 1921 foi construído o pavilhão destinado especificamente a alcoólatras e taxicômanos
e posteriormente um pavilhão para sifilíticos (BARBOSA, 1992)132.
Outro empreendimento do governo estadual implantado em Franco da Rocha foi o
Manicômio Judiciário, inaugurado em 31 de dezembro de 1933, pelo professor de
Medicina Legal Dr. Alcântara Machado. Atualmente, é denominado de Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima. O objetivo desta
obra era atender às demandas relacionadas aos doentes mentais delinquentes, cuja
iniciativa foi encabeçada pelo médico Antonio Carlos Pacheco e Silva e pelo Dr. Franco
da Rocha, empenhados em retirar do Juquery a superlotação ocasionada pela inclusão

130
ROCHA, F.F. Hospício de Colônias do Juquery – vinte annos de assistência aos alienados em São Paulo. São
Paulo, 1912.
131
Adotamos a grafia Juquery para designar o complexo hospitalar e o município e Juqueri para referenciar o rio
(ROSA DA SILVA , 1990).
132
Ver também ROSA DA SILVA (1990).
156

dessa categoria (doentes mentais delinqüentes) em seus domínios que se iniciara no final
dos anos de 1920 (TAVOLARO, 2004).
Além da Cia. Melhoramentos, outras indústrias também foram atraídas para a região
entre os últimos anos do século XIX e os primeiros do século XX pela abundância de
recursos naturais e facilidades oferecidas pela linha férrea. Neste período estabeleceram-se
na região de Perus, a Fábrica de Pólvora133 de Hedwiges Dias, que, juntamente com a
Fábrica Ipanema, localizada em Iperó, região de Sorocaba, foi de grande importância para
o abastecimento de munição do sistema de defesa do Porto de Santos durante a Revolta da
Armada em 1893 (ANJOS Et al. 2008).
A estrada de ferro Perus-Pirapora, inaugurada em 1914, também foi atrativo a estas
indústrias, como a Brazilian Portland Cement Company ou Companhia Brasileira do
Cimento Portland134 instalada, em 1926, após adquirir as instalações da Perus-Pirapora.
Além disso, Hardman e Leonardi (1982) mostram que a evolução urbana de São Paulo,
depois dos anos 1930, intensificou a expulsão dos contingentes de trabalhadores para áreas
periféricas distantes. Os autores apontam como esta foi uma tendência geral que ocorreu
em grande parte das cidades industriais do mundo. Isso, afirmam os autores, representou
um certo “saneamento” das áreas próximas dos centros de decisão do capitalismo, onde
inicialmente estavam concentrados os operários. Assim, em São Paulo, esta mudança foi
refletida também nos meios de transporte utilizados pelas massas trabalhadoras que
passavam da utilização dos bondes com reboque para operários, das bicicletas e
caminhadas para os trens de subúrbio e ônibus. Os autores definem o surgimento de um
novo cinturão operário nas periferias de todos os quadrantes da cidade de São Paulo: a
oeste (Osasco e região), a noroeste (Pirituba, Perus, Cajamar e Caieiras), a leste (São
Miguel Paulista, Ermelindo Matarazzo) e a sudeste (região de Mauá e ABCD).
A criação da Cia. Brasileira do Cimento Portland contou com o empenho do Dr.
Sylvio de Campos135, que motivado pelo crescimento da cidade de São Paulo nos últimos
anos do Império, investiu nesta iniciativa (ANJOS Et al. 2008).
Langenbuch (1971) e Silva (1998) atribuem à topografia da região, uma das razões
que impediu que se constituísse ao longo da estrada de ferro e da rodovia Anhanguera, uma
concentração maior de indústrias e residências, se comparada às áreas que se formaram ao

133
Esta fábrica foi construída próximo à Estação de Perus (SIQUEIRA, 2001).
134
A Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus (CBCPP) foi inaugurada em 1926. Com a inauguração,
Perus ganharia posição de destaque na economia nacional como indústria pioneira no setor (SIQUEIRA, 2001).
135
Sylvio de Campos (1884-1962). Advogado, deputado federal eleito pelo Partido Republicano Paulista (1924-
1930) e (1946-1951), constituinte em 1946, participou da criação da Companhia Light e do Plano das Grandes
Avenidas de Prestes Maia entre os anos 1930 e 1940 (ANJOS et. al.).
Organização Social e Espacial de Caieiras 157

longo da mesma estrada de ferro no sentido leste e das rodovias Dutra e Anchieta, também
construídas pelo estado no mesmo período, demonstrando que as indústrias que se fixaram
neste local estavam ligadas, inicialmente, a uma modalidade rentável do uso do solo,
ocupação agroindustrial e extrativa, como a Cia. Melhoramentos (papel), Cimento Portland
de Perus (cimenteira) e a Gato Preto (cal) que detinham grandes áreas dos municípios de
Caieiras, Cajamar e Santana do Paranaíba. Neste sentido, Langenbuch (1971) já constatava
que ao contrário de outras regiões, onde a indústria atraía mais indústria, em Caieiras
[...] um dos principais centros industriais suburbanos do comêço do século, o
parque fabril já existente, não apenas deixou de atrair indústria, mas
praticamente o impediu, em vista de sua natureza. Com efeito, para abastecer
sua fábrica de papel em matéria-prima, a “Companhia Melhoramentos” passara a
adquirir todas as terras confinantes, para aí desenvolver a silvicultura, não
havendo sequer espaço disponível para outras empresas aí implantarem suas
fábricas (LANGENBUCH, 1971, p. 141).

Figura 51 Instalações da Cimento Porltland Perus Figura 52 Vila Triângulo da Cimento


Fonte: Acervo da autora (2010) Portland Perus
Fonte Acervo da autora (2010)

Figura 53 Grupo escolar da Vila Água Fria, Cajamar Figura 54 Casas da Vila Água Fria, Cajamar
Fonte Acervo da autora (2010) Fonte Acervo da autora (2010)

A exploração de minérios em Cajamar permitiu a formação de algumas vilas para


operários naquela região, como a vila constituída ao lado da Pedreira dos Pires (já
158

demolida), a Vila Água Fria, a Vila do Acampamento, Vila Nova e a Vila Gato Preto
(SCHNEIDER, 2006) compondo um complexo de extração de minérios, indústrias de cal e
cimento entre a Cimento Portland de Perus, e a Companhia Beneducci em Cajamar
articuladas pela estrada de ferro Perus-Pirapora (ANJOS Et al. 2008). Lemos (1989)
mostra que a extração de minérios nesta região foi iniciada em fins do século XVIII,
conforme a carta de Francisco Vieira Goulart, que dizia, em 1798:

No sítio do Morro Branco, distrito da Villa de Parnahyba, onde actualmente


rezido para ensinar a construir fornos de cal na fazenda de criação de bestas do
Coronel Polycarpo Joaquim de Oliveira, situada na borda do rio Tietê, se acha
uma grande pedreira de cal, a qual segue por algum tempo a direção do rio.
(Documentos interessantes para a história de São Paulo, v. 31: 183, 1901, apud
LEMOS, 1989, p.45 e 46).

O ciclo da cal antecedeu, viabilizou e concorreu com a produção de cimento até,


aproximadamente, o final da década de 1940. Em Perus, a Cimento Portland mantinha as
vilas operárias próximas ao prédio da fábrica. Estas empresas mantiveram por décadas o
monopólio das terras e dominavam absolutas como fontes geradoras de trabalho em suas
regiões. Perus, embora constituído bairro da cidade de São Paulo, pela distância e
isolamento em relação ao centro da cidade, mais se assemelhava a uma pequena cidade que
começou a crescer ao redor da fábrica de cimento. As áreas que formavam o entorno da
fábrica de cimento eram desvalorizadas por conta do lançamento de pó de cimento no ar.
Interessante notar que nas áreas de maior incidência de depósito de pó arrastados pelo
vento, constituiu-se maior concentração de população pobre devido à desvalorização. A
igreja católica interveio na questão da poluição do ar com o pó cimentício, organizando em
1973 uma passeata que reivindicava a instalação de equipamentos não poluidores (ANJOS
Et al. 2008). Este problema já havia afastado da região, muitos anos antes, a família Dias,
proprietária da fábrica de pólvora. Depois da inauguração da Perus, a fábrica de pólvora foi
desativada e a família mudou-se do palecete, construído à beira da linha da São Paulo
Railway por Hedwiges Dias por volta de 1894, para o outro palecete também construído
pela família no bairro dos Campos Elíseos, em São Paulo, devido ao incômodo causado
pelo pó lançado pelas chaminés da Perus. O palacete, que era a sede dos sítios Joá e
Fazendinha, de propriedade da família Dias, foi alugado por vinte anos pela Perus e depois,
em 1950, adquirido para acomodação dos funcionários graduados (SIQUEIRA, 2001).
Organização Social e Espacial de Caieiras 159

Alguns comerciantes defendiam o fechamento da fábrica como forma de liquidar os


“dois males de Perus”: o pó de cimento e o “foco de subversão” 136, referindo-se à poluição
ambiental e aos movimentos operários (ANJOS Et al. 2008). Este conflito, resultou na
desativação do forno 4, em 1980 e na constituição de uma comissão de Vigilantes
Comunitários com poderes para paralisar a fábrica caso a poluição retornasse. Esta
Comissão era credenciada pela CETESB. A fábrica de Perus teve as atividades finalizadas
em 1987 e a Estrada de Ferro Perus-Pirapora encerrou as atividades em 1983.
A distância compreendida entre a capital e a região do Juqueri, parecia formar a
justa medida necessária para acomodar os excessos da grande cidade ou nela buscar os
recursos naturais que garantissem o bom desenvolvimento da capital.

136
A trajetória da Perus foi marcada por muitos conflitos entre patrão e operários. O Grupo Abdalla passou a ter
o controle acionário da empresa em 1951, quando após a instalação de um novo forno expandiu a produção em
60% de sua capacidade produtiva, sem qualquer ajuste de ampliação da alimentação dimensionada para os três
fornos originais. Esta prática estava afinada com os procedimentos do Brasil pós-guerra e submeteria o
maquinário a níveis destrutivos de exigência de esforços. Durante a greve de 1958 os operários da Perus fizeram
um movimento de repercussão nacional e ganharam o apelido de “queixadas”, dado pelo jornalista Itamaraty
Martins, em referência ao espírito de união e lutas daqueles trabalhadores. O queixada seria um porco do mato,
que sozinho foge para junto dos demais e apenas agrupados investem contra o agressor, restando ao grupo as
alternativas de correr ou lutar até a morte. As greves operárias passaram a questionar a forma de gestão da
empresa, quando os operários passaram a implementar um plano de medidas alternativas em 1960-61, criando
uma situação de dualidade de poder dentro da companhia. Uma greve iniciada em solidariedade a trabalhadores
de outras empresas de Abdalla, em 1962, derivou para uma luta direta pela desapropriação da Perus com vistas a
implantar uma co-gestão Estado/Operários. Esta greve foi derrotada e para amenizar os efeitos deste movimento,
que assumiu contornos de uma insurreição popular, os trabalhadores estáveis foram reintegrados em 1969. O
desgaste das máquinas comprometeu o futuro da Perus, quadro que o confisco federal em 1973 não reverteu e em
1980 a empresa voltaria para a iniciativa privada já praticamente liquidada, funcionando de forma precária até o
encerramento em 1987 (SIQUEIRA, 2001).
160
161

Capítulo III
Habitação e Arquitetura
162
Habitação e Arquitetura 163

3 Habitação e Arquitetura

3.1 Moradia em Caieiras


As primeiras residências construídas para trabalhadores em Caieiras remontam ao
final da década de 1870 quando foram construídas 180 unidades para suprir a necessidade
de moradia para aqueles que trabalhavam na construção dos fornos para produção de cal
na Fazenda Industrial Cayeiras e na Companhia Cantareira de Esgotos, ambos os
empreendimentos promovidos pelo Coronel Rodovalho (DONATO, 1990).
A segunda metade do século XIX mostrou-se prodigiosa para a indústria paulista,
principalmente com a valorização do café no mercado internacional, o que fez de São
Paulo o produtor número um do país. O café promoveu a expansão territorial, urbana e do
capital. Assim, estradas de ferro foram estendidas pelo interior, cidades foram fundadas,
bancos, e indústrias foram instalados, máquinas foram importadas e com o fim do trabalho
escravo, muitos imigrantes desembarcavam no porto de Santos à procura de oportunidade
de trabalho e fortuna.
A formação do núcleo fabril da Companhia Melhoramentos emergiu em um
contexto onde as principais cidades brasileiras estavam em processo de aumento de
população, devido ao fim do trabalho escravo137 e à vinda de grande contingente de
trabalhadores estrangeiros138, tornando a situação habitacional proletária caótica em razão
do acúmulo de moradias insalubres nos centros urbanos. Esta situação despertava
inquietação das classes dominantes em relação aos riscos que estes aglomerados

137
O crescimento da população, a ausência de um sistema sanitário eficaz, transporte coletivo e sistema viário
contribuíram para que as cidades se transformassem em focos de epidemias. As mudanças sociais ocorridas no
Brasil, no final da década de 1880, com a abolição do trabalho escravo, colaboraram para agravar os problemas
urbanos. Com a decadência de antigas propriedades rurais, negros livres desempregados migraram para as
cidades. Além disso, a modificação da ocupação das cidades e das casas brasileiras e também as tecnologias que
surgiam, principalmente, no que se refere à distribuição de água, alteraram significativamente o funcionamento
das cidades. Até então, os escravos eram os responsáveis pelo serviço domiciliar de abastecimento de água.
Buscavam a água nos chafarizes espalhados pelas cidades e eram responsáveis por todo o serviço de limpeza e
coleta de esgotos. Com a introdução das novas tecnologias e melhorias da infra-estrutura, que proporcionava à
cidade a independência do trabalho escravo para execução do abastecimento de água, muitas alterações no modo
de vida urbano ocorreram e os pobres perderam algumas de suas funções na cidade (FREYRE, 2004).
138
O estímulo à imigração européia promovido pelo governo brasileiro com objetivo de suprir a extinção de mão-
de-obra escrava no país motivou a vinda de estrangeiros em grande número. Uma parte deste contingente seguiu
para as fazendas cafeeiras nas áreas rurais, principalmente no oeste paulista, mas um significativo número se
dirigiu para as cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Com isso, ocorreu um aumento da
população e também dos moradores de cortiços (REIS FILHO, 1994). Sobre as condições dos cortiços na região
central da cidade de São Paulo, principalmente, no bairro de Santa Ifigênia que apontava as condições mais
preocupantes daquele período, Código Sanitário de 1894 e plantas de casas de operários e de cortiços, ver a
publicação do Relatório da Commissão de exame e inspeção das habitações operarias e cortiços no districto de
Sta. Ephigênia, de 1893, organizada por Simone Lucena Cordeiro intitulada Os cortiços de Santa Ifigênia:
sanitarismo e urbanização (1893). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo / Arquivo público do
Estado de São Paulo, 2010.
164

significavam para a toda a população. Assim, notou-se no Brasil o empenho de industriais,


companhias ferroviárias e empresas imobiliárias em construir casas salubres e econômicas
para o proletário. Este empenho em transformar a casa e o cotidiano dos operários integrou
uma ação conjunta das elites em instituir novos controles sobre o trabalhador. Desta forma,

Os discursos de engenheiros e médicos e as ações desencadeadas por


reformadores sociais, governantes e industriais permitem pensar na constituição
entre alguns setores das classes dominantes de um projeto – não explicitado – de
reordenamento da cidade, capaz de convertê-la em espaço normalizado,
composto por uma reunião de lares regrados e por um conjunto de espaços de
produção, consumo e lazer organizado e controlado pelas classes dominantes,
por seus aliados e auxiliares. Trata-se, evidentemente, de um projeto não
amplamente realizado, cujas estratégias, embora tenham alterado profundamente
a vida e o espaço urbano, não conseguiram impedir tensões, as confusões e os
conflitos que povoam e definem o ambiente da cidade. As vilas operárias e,
sobretudo, os núcleos fabris construídos por industriais, representam, sem
dúvida, o momento em que esse projeto esteve mais próximo de se concretizar
(CORREIA, 1998, p. 40).

A criação de núcleos fabris se fundamentou em uma importante estratégia para


impor aos trabalhadores a idéia de uma vida dedicada ao trabalho, oferecendo emprego
fabril e buscando retê-los nessa atividade. Caracterizava-se pela supervisão patronal sobre
o cotidiano operário, por meio do controle da fábrica sobre instituições como escola e
igreja que eram instrumentalizadas como meio de difusão dos valores relacionados à ética
do trabalho139 (CORREIA, 1998).
Antes de iniciar a produção industrial, na Fazenda Industrial Cayeiras havia o
cultivo de uva e criação de gado. Não sabemos precisar a estrutura existente na fazenda
antes do desenvolvimento industrial, mas certamente, contava com uma composição
mínima para acomodação destes trabalhadores. Muitas das residências que surgiram em
Caieiras, entre final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX seguiam
padrões de construções rurais com programas e dimensões modestas e técnicas
construtivas tradicionais, muitas vezes utilizando-se taipa, tijolos de barro cozido
produzidos na própria fábrica, ou utilizando-se a técnica mista – taipa e tijolos. As casas
de três ou quatro cômodos costumavam surgir em fileiras diretamente alinhadas.

139
As experiências brasileiras voltadas à construção para o trabalhador foram promovidas por empresas,
indústrias, empreendedores particulares e costumam ser nomeadas de forma genérica, pelo termo vilas operárias.
Sobre casas construídas por indústrias, Telma de Barros Correia (1998) considera que a denominação genérica
prejudica o entendimento das diferenças entre estas iniciativas, que em alguns casos podem ser o conjunto de
casas construídas em cidades existentes ou no campo. Assim, julga adequado classificar como “núcleo fabril” os
empreendimentos que ofereciam uma complexa estrutura erguida no campo e como “vila operária” os
empreendimentos localizados dentro das cidades ou subúrbios (CORREIA, 1998).
Habitação e Arquitetura 165

Como vimos anteriormente, mesmo após o período de renovação e ampliação das


vilas de Caieiras, ocorrido durante as décadas de 1930 e 1940, algumas residências que
seguiam os modelos anteriores perduraram fazendo com que o cenário das vilas fosse
composto por uma mescla entre edificações modernas e outras ligadas à arquitetura
remanescente da Fazenda Industrial. Observamos que os modelos de moradia operária
padronizada em casas geminadas duas-a-duas, constituído em grande escala nas vilas da
Companhia entre as décadas de 1930 e 1940, tornou-se símbolo do “padrão
Melhoramentos”. Entretanto, modelos alternativos foram observados. Além das já citadas
casas de padrão rural, outros modelos foram notados: casas agrupadas em blocos com
quatro unidades (extremidades com casas maiores e miolo com casas menores), blocos
construídos com seis casas de três ou quatro cômodos, além das casas construídas pelos
operários em terrenos cedidos pela Companhia.
Assim, o núcleo era formado por um panorama diversificado de tipos de moradias
e categoria de trabalhadores. Desta forma, a distribuição das casas entre os funcionários
da Companhia obedecia a critérios que consideravam a hierarquia profissional do
empregado.
Pretendemos analisar a arquitetura destes variados modelos de moradia e a maneira
como a Companhia gerenciou a distribuição das casas para os funcionários, estabelecendo
valores a serem pagos pelos trabalhadores para utilização das moradias e promovendo
manutenção dos edifícios. Para tanto, a análise será feita considerando a arquitetura
produzida para as moradias dos trabalhadores até a década de 1920 e durante o período de
renovação entre as décadas de 1930 e 1940. Nos dois períodos faremos a análise das casas
para operários e chefias de níveis diversos. Este capítulo também inclui análise de prédios
com outros usos – escolas, igrejas, cinemas, clubes, entre outros – construídos em
Caieiras.

3.1.1 As casas operárias até a década de 1920


O início do desenvolvimento industrial em Caieiras, marcado pela construção dos
fornos em 1877, está inserido no contexto de expansão das fazendas cafeeiras do interior
paulista e da expansão ferroviária. Neste período, como vimos anteriormente, as fazendas
contavam com vasta mão-de-obra assalariada – os colonos imigrantes - que chegavam
para suprir a demanda de trabalho nas lavouras. Longas fileiras de casas de colonos
caracterizavam o interior destas fazendas. As construções mais comuns eram compostas
de casas de pequenas dimensões, com telhados de duas águas, com quatro cômodos
166

divididos por divisórias dispostas em cruz (BENINCASA, 2003). No Brasil, foi comum
no período entre o final do século XIX e início do XX a incidência de construções urbanas
nos núcleos fabris e vilas operárias:

Na arquitetura de vilas operárias e núcleos fabris, no período entre 1880 a 1950,


surge freqüentemente exemplares inspirados em modelos tradicionais brasileiros
de moradia urbana. Nesse momento foi bastante comum nestes lugares a
ocorrência do padrão urbano de casas térreas de porta e janela, dispostas em
renque, desprovidas de recuos frontais ou laterais. Os telhados em duas águas
[...] são cobertos com telhas cerâmicas do tipo canal ou francesa (CORREIA,
2008, p.70).

A composição padrão de algumas das casas de colonos do interior paulista era


formada por dois quartos, sala e cozinha, às vezes conjugados. Algumas apresentavam
uma extensão nos fundos, um “puxado” e desta forma liberavam o espaço do retângulo
interno para acomodação de mais um dormitório (BENINCASA, 2003). As edificações de
Caieiras que surgiram neste período apresentam peculiaridades presentes nas casas de
colonos do interior do estado. Nas casas enfileiradas construídas em 1904 próximas à
estação de trem140, por exemplo, (ver figuras 55, 56 e 57) notamos a divisão em cruz na
faixa anterior da construção e nos fundos uma ampliação, possivelmente posterior à
construção original, para acomodação da cozinha e instalações sanitárias. Desta forma o
retângulo anterior, fica liberado para mais um dormitório ou sala. À exceção da casa da
extremidade esquerda deste conjunto, que comentaremos no item Casas para a chefia, as
casas erguidas em tijolos de barro cozido e taipa de mão apresentavam um acabamento
simplificado. A condição da empresa como produtora de tijolos de barro cozido e telhas
cerâmicas facilitava a disponibilidade de materiais para construção. Os antigos moradores
contam que o barro utilizado na produção dos materiais e na execução das casas de taipa
era retirado dos Bairros do Barreiro e Barreirinho. O uso de telhas de barro tipo capa e
canal e telhas do tipo francesa – que imitavam as telhas de Marselha – foi muito comum
nas casas do núcleo fabril de Caieiras. A antiga moradora de uma unidade deste conjunto,
Inês Martins, afirmou que entre os anos de 1940 e 1960, período que a família ocupou a
casa, não havia forros internos. Durante o levantamento que fizemos no ano de 2009,
notamos que forros em condições muito precárias, existiam. Francisca Doratiotto, ex-
moradora da vila Charco Fundo, declarou que muitos forros foram construídos nas casas
de Caieiras por iniciativa de cada família na tentativa de prevenir de insetos que surgiam

140
Atual bairro de Nova Caieiras.
Habitação e Arquitetura 167

entre as telhas aparentes. Esta condição, anterior à execução dos forros, motivava as
famílias a higienizarem os telhados, internamente, com uma tocha de fogo antes de
dormir. Com autorização da Companhia, cada família executava, quando possível, o forro
da casa. O piso de cimentado vermelho, descrito também por Inês Martins, seria uma
inovação aos pisos originalmente em terra.

Figura 55 Levantamento métrico do conjunto construído nas proximidades da estação de trem, atual bairro de
Nova Caieiras
Fonte Levantamento da autora (2009)

Figura 56 Fachada do conjunto próximo à estação


Fonte Levantamento da autora (2009)
168

Figura 57 Conjunto próximo à estação. À exceção da casa da esquerda, todas foram demolidas em 2010
Fonte: Acervo da autora (2009)

Estes tipos de casas tinham privacidade mínima, devido à proximidade entre as


unidades e as janelas – destituídas de vidros – que permaneciam a maior parte do tempo
abertas (GARCEZ MARINS, 2008). Muitas das casas observadas em Caieiras tinham
vidros desde pelo menos a década de 1920 (ver figuras 12 e 13). Outras, como o conjunto
observado na figura 57, permaneceram até a década de 2000 como janelas de escuro -
apenas com as folhas de madeira.

Tinha o bairro do Monjolinho, um pouquinho pra cima tinha outro bairro,


chamava Sobradinho [...] que era uma vila que nem uma colônia que tinha no
Sobradinho [...] uma rua de casas, casinhas tudo geminadas assim e moravam
muitos italianos [...]. O Monjolinho também era um bairro que tinha umas
casinhas, era toda ela geminada, quase toda ela. Eram várias. No Sobradinho era
exatamente uma colônia [...], exatamente [...] era amarela, janela azul, pintada
de azul... Aquelas caidinhas da casa, casinha simples, mas era casinha boa.
Tinha o Bairro do Bonsucesso, era só colônia; tinha o Bairro da Calcárea, só
colônia; tinha o Sobradinho, só colônia; tinha também ao redor da fábrica, não
me lembro o nome do bairro ali, ah...era Rua da Pensão, ali era uma colônia! Era
tudo janelão pintado de azul e quando a casa não era branca era amarela e a
janela era azul! Quando eu me conheci como gente, já existia! [...] e na Rua dos
Coqueiros [...] era do Rosário pra frente, ali era tudo geminado, era tudo as casas
juntas ali, de colônia, mas eram casas boas também: 3 cômodos, 4 cômodos, 5
Habitação e Arquitetura 169

cômodos. Quando era uma casa de encarregado, aí era uma casa um pouquinho
melhor, pouquinho maior, então tinha vários cômodos, conforme o grau do
funcionário, né? E do lado esquerdo, aí já era de duas em duas. Hoje tem um
escritório lá, [...] Este escritório existia. Seguindo tinha mais duas casas, casas
de chefes, casas boas, depois tinha mais duas, passando aquelas duas, tinha mais
uma coloniazinha de 4 ou 5 casas, do lado esquerdo, aí terminava. Aí era só do
lado direito, aí era aquele colonião que ia até lá embaixo, do lado direito. Me
parece que demoliram tudo agora, né? Era branco e azul [...]. Aí onde é o
Federzoni141 ai, era tudo colônia, tudo casinha junto. Nós chamávamos de Vila
das Cabras lá [...] dos dois lados era Melhoramentos. Tinha uma Paineira grande
ali, um pouquinho pra cá do Federzoni, mais ou menos ali, era uma Paineira
enorme ali, e o resto era tudo as casinhas, tudo emendado, as casinhas
amarelas... (PRANDO, 2011).

Figura 58 Casas amarelas geminadas (já demolidas) na Rua dos Coqueiros nas proximidades da Igreja do
Rosário
Fonte: Acervo Paulo Polkorny

O aspecto externo das casas de Caieiras era também bastante simplificado. Tratava-
se de casas de fachadas com porta e janela dispostas em blocos que recebiam acabamentos
em reboco, com ou sem ornatos, pintura de cor branca ou amarela para alvenarias e azuis
para portas e janelas. Geralmente, eram cobertas por duas ou quatro águas de telhas de
barro tipo canal ou francesa com beirais paralelos ao alinhamento da rua.

141
Supermercado de Caieiras.
170

Figura 59 Data da empena conjunto Nova Caieiras Figura 60 Detalhe da taipa de mão nas casas do
Fonte: Acervo da autora (2009) conjunto próximo à estação, no bairro de Nova
Caieiras
Fonte: Acervo da autora (2009)

Figura 61 Renques de casas, já demolidas, no bairro Figura 62 Em Caieiras, casas de porta e janela,
da fábrica demolidas
Fonte: Peres (2008) Fonte: Jornal Regional News (2002, p.2C-2, 13 de
dezembro, 2002)

Figura 63 Renque de casas na Rua dos Coqueiros demolidas depois do ano de 2004
Fonte: Acervo da autora, 2003
Habitação e Arquitetura 171

Figura 64 Madeiramento do telhado nas casas do Figura 65 Detalhe das vigas, ripas e forro de tábuas
conjunto de Nova Caieiras das casas do conjunto de Nova Caieiras
Fonte: Acervo da autora (2009) Fonte: Acervo da autora (2009)

3.1.2 Modernização da moradia nas décadas de 1930 e 1940

A modernização das casas de Caieiras, como vimos, ocorreu entre as décadas de


1930 e 1940. Entretanto construções em barro autônomas, erguidas por funcionários,
continuaram a ocorrer mesmo neste período. Não conseguimos saber se estas casas
erguidas de forma autônoma obedeciam a um padrão estabelecido pela Companhia ou se
havia liberdade para construção. Sabemos que a Companhia cedia o terreno e autorizava a
moradia.

Onde meu avô morava eram casas de barro, mas eu não sei se foram por eles
feito ou se já era feita, isso eu não posso dizer, porque eu não lembro. Porque
quando eu era criança em 50, que meu avô morreu, ainda ele morava nesta casa.
[...] meu pai fez a casa do lado da casa do meu avô que ainda era tapera...era de
barro. A casa do meu avô aqui, pai da minha mãe do lado da casa do meu pai,
também era de barro. Só que depois foi demolida. Em 46, mais ou menos, foi
construído um grupo de casas que tava lá até pouco tempo que a Companhia
derrubou. [...] eu morava numa casinha sozinha. Minha casa era espaçosa...tinha
quintal de um lado, quintal do outro, quintal pra frente, pro fundo, porque foi a
primeira ali do bairro, então, foi meu pai que construiu uma casa de barro e
ficou lá a vida inteira [...] na época que meu pai construiu, isso foi em 1935. No
início do ano ele começou a fazer a casa. Em 1935..não foi em 1936, no começo
do ano ele começou a fazer a casa. E em 36 em dezembro ele se casou. Ele fez a
casa pra casar (EUSÉBIO, 2011).
172

Sobre a possibilidade de utilização de recursos próprios ou da Companhia para


construção da casas, Eusébio, tentando riscar a distribuição da casa, supõe que a
abundância de material – barro e madeira – na região favorecia a utilização da matéria
prima pertencente à Companhia e mão-de-obra particular:

[...] a minha casa era [...] com cômodos de 3x4, no máximo. Com certeza não
posso te dizer, não posso garantir, mas [...] acho que era barro que tiravam dali,
a madeira eles tinham liberdade de cortar e mão-de-obra ele mesmo fazia. E meu
pai falava: eu e meus irmãos fizemos esta casa. Os irmãos dele, ou seja, eles
eram moços na época, né? [...] E a minha casa era uma casa assim: era um
terreno bem amplo...era um terreno bem amplo e meu pai construiu uma casinha
no meio...o terreno tinha uma horta aqui...aqui era uma passagem, tal, e o meu
pai construiu uma casa aqui no meio. A minha casa era muito simples. Ela era
assim..era uma cruz, na verdade...minha casa era isso aqui...quatro
cômodos...aqui tinha uma janela, aqui era a porta da sala no canto..aqui a
sala...aqui da sala saía pro quarto da minha mãe que era aqui, tinha a janela e
aqui era a rua...depois aqui nesta mesma porta tinha a porta que entrava para a
cozinha...do lado da cozinha tinha a porta ela era assim...sala, quarto, quarto,
aqui é a sala e aqui é a cozinha, e tudo muito pequenininho, pequeno mesmo
(EUSÉBIO, 2011).

Uma matéria publicada no jornal Regional News, afirma que plantas definiam os
detalhes das casas oferecidas aos funcionários e mostra as fichas que constam nas figuras
69 e 70 como projetos que definiam estas casas. Julgamos que estas fichas podem ser
levantamentos feitos pela empresa acerca do arcabouço de moradias existentes dentro da
Companhia e não necessariamente, os projetos. Estas fichas podem ter sido utilizadas para
ajudar a compor a classificação das moradias, questão que será abordada no item
Princípio da não gratuidade.

Figura 66 Casa construída em barro, telhado de sapê, bairro do Barreiro, 1940, demolida
Fonte: Peres (2008)
Habitação e Arquitetura 173

Estes novos modelos que começavam a emergir após a década de 1930, eram
inspirados nos bangalôs americanos. Surgiam casas isoladas, geminadas duas-a-duas ou em
blocos. Pequenas varandas apareciam em localizações diversas, ora nas fachadas frontais,
nos fundos das moradias, ou nos modelos geminados, lado a lado com a casa vizinha ou na
extremidade oposta. Porém a varanda não surgia como elemento compartilhado entre duas
casas, pois a divisória em alvenaria ou o distanciamento entre elas garantia certo
isolamento. Os programas destas casas variavam quanto à quantidade de dormitórios.
Foram observadas casas construídas com sala, cozinha, dois ou três dormitórios. As
coberturas destas edificações eram geralmente compostas por quatro águas de telha de
barro capa-canal ou tipo francesa.

Figura 67 Planta elaborada pela autora a partir de croqui feito por Antonio Eusébio. Casas enfileiradas com três
cômodos, Vila Foresto, construídos no final da década de 1940. Grupo com 6 casas. Nota-se a diferenciação
pelo alpendre das casas das extremidades. Legenda: A=alpendre, S=sala, C=cozinha, D=dormitório,
T=tanque, B=banheiro. Casas em cinza apenas para facilitar a visualização das unidades.Casas demolidas
Fonte: Acervo da autora (2010)

Figura 68 Planta elaborada pela autora a partir de croqui feito por Antonio Eusébio. Casas enfileiradas com
quatro cômodos, Vila Foresto, construídos no final da década de 1940. Grupo com 6 casas. Nota-se a
diferenciação pelo alpendre das casas das extremidades. Legenda: A=alpendre, S=sala, C=cozinha,
D=dormitório, T=tanque, B=banheiro. Casas em cinza apenas para facilitar a visualização das
unidades.Casas demolidas.
Fonte: Acervo da autora (2010)
174

Figura 69 Ficha da casa E48 ou E49. Casa no bairro da Calcárea ocupada pela família de Afonso Alves da Silva
A correção do nome parece ser a atualização dos ocupantes. A casa de pau-a-pique tinha dois quartos (ou 1
quarto e uma sala), 1 cozinha com fogão simples, porta simples, soalho de tijolo em todos os ambientes.
Janelas de escuro feitas de tábuas
Fonte: Jornal Regional News (10 dedezembro de 2010 p. 5 C4)
Habitação e Arquitetura 175

Figura 70 Ficha da casa C232. Casa do bairro da Chic, pertencente à fábrica, ocupada pela família de Matias
Rodrigues Gil. A correção do nome parece ser a atualização dos ocupantes. A casa de tijolo construída em
1938 tinha dois quartos com forro de estuque, porta simples janela guilhotina e escuro feito em tábuas,
soalho de cimento; sala com as mesmas descrições do quarto; cozinha com fogão classificado como
econômico, forro de estuque e ripa, pia sem água, soalho cimentado; 1w.c. contendo 1 chuveiro, soalho
cimentado, forro de estuque, bacia com tampa, caixa d’água; corredor com soalho e forro de madeira;
terraço com soalho e forro de estuque; porão com soalho de tijolo e forro de madeira.
Fonte: Jornal Regional News (10 de dezembro de 2010, p. 5 C4)
176

Figura 71 Planta casa para operários geminadas duas-a-duas, construída em 1938 (atual Rodovia Tancredo Neves)
Fonte: Levantamento da autora (2010)

Figura 72 Planta casa para operários geminadas duas-a-duas,construída no bairro do Charco Fundo, feito a partir
de croqui de Sirlei Bertolini Soares, filha de ex-moradores do núcleo
Fonte: Acervo da autora (2010)
Habitação e Arquitetura 177

Figura 73: Vista da casa para operários geminadas Figura 74 Casas geminadas construídas em 1933, na
duas-a-duas, atual Rodovia Tancredo Neves. Vila Chic. Casas existentes
Fonte: Levantamento da autora, 2010. Fonte: Levantamento da autora, 2010.

Figura 75 Casas do Barreiro, construída em 1940. Figura 76 Casa construída na década de 1940 em
Fonte: Acervo da autora (2010) grupo de quatro unidades. Extremidades com casas
maiores. Casas existentes
Fonte: Acervo da autora (2010)
178

Figura 77 Planta de casas duas-a-duas elaborado pela autora a partir da publicação A Obra Social da Companhia
Melhoramentos – Transcrições do Sr. Luis Carlos Mancini, 1940. Fachada elaborada à partir de levantamentos
da autora
Fonte: Acervo da autora (2009)
Habitação e Arquitetura 179

[...] e a casa que nós morávamos [...] a Companhia fez 2 casas novas aí já era
tijolo à vista, era uma casa melhor, tinha 3 quartos, sala cozinha, só tinha duas
casas, que era a nossa e a dos Gardin. [...] Moramos a vida inteira lá, e quando
me casei eu vim aqui pro Bairro da Cerâmica [...] até 81. Casas boas, tudo tijolo
à vista, isto no Bairro da Vila Kohl [...] tinha a fábrica de madeira ali [...] então
esse bairro onde eu morava quando me casei, eram casas boas, tudo tijolo à
vista, bem conservado, a própria Melhoramentos dava manutenção pra casa:
fechadura, torneira, o probleminha que tinha na casa, ligava e já vinha um
mecânico, carpinteiro, seja lá quem fosse e fazia a manutenção [...] (PRANDO,
2011).

Embora diferentes em vários aspectos, como por exemplo, na distribuição e


tamanho dos ambientes, as casas que surgiram neste período de renovação da arquitetura
das vilas do núcleo fabril da Companhia Melhoramentos construídas em tijolos aparentes
geminadas duas-a-duas parecem ter configurado um padrão reconhecido para as moradias
da Companhia. O “padrão Melhoramentos” para casas dos funcionários é freqüentemente
referenciado nestes modelos desconsiderando as diferenças existentes.

[...] as casas dos funcionários já era um padrão, né? A Vila Leão era geminada.
[...] onde era a Vila Kohl, eram todas iguais, era um padrão, é de 30, 40, 42. A
arquitetura era a mesma. Eles usavam um padrão e montavam. Tanto na vila
Eduardo, quanto na Vila Pansutti. A minha família, os meus tios, moraram na
Vila Pansutti. Vila Eduardo era uma vila mais retirada, foi uma das últimas a ser
feita. Não sei por volta de quando, porque a gente saiu de lá muito novo e a
gente não guardou muita coisa assim de datas, essas coisas (CSERNIK, 2011).

Com o passar do tempo, as casas dos operários começaram a ser modificadas,


principalmente quando as instalações sanitárias passaram a fazer parte dos programas
domésticos.

3.1.3 Moradia para chefes


As casas ocupadas por chefes sempre tiveram posição de destaque em relação às
casas de operários em Caieiras. Não há dúvidas que os patrões dispunham de casas
maiores e mais confortáveis, pois à medida que o funcionário tivesse melhor cargo dentro
da empresa, tinham direito de ocupar melhores casas.
A casa habitada pelo coronel Rodovalho seguia padrões de arquitetura rural.
Tratava-se de uma casa térrea, com altas janelas guilhotinas. Semelhante em alguns
aspectos à casa-grande dos engenhos de açúcar142. A implantação da casa de Rodovalho

142
Pode-se encontrar certa semelhança à descrição das casas de sítio feitas por Gilberto Freyre (2004): “Na sua
arquitetura, a casa de sítio ou a chácara parece que foi por muito tempo mais casas de fazenda do que de cidade.
Mais horizontal do que vertical. [...] aspecto de casarão quadrado e com alpendre que geralmente tinham as casas
de engenho (FREYRE, 2004, p. 323).
180

em região alta pode ser entendida como herança do tradicional posicionamento da casa-
grande, que se destacava das demais edificações da fazenda, revelando sua importância no
conjunto. A localização destas edificações nas fazendas paulistas não era ao acaso,
tratava-se de uma estratégia do patrão:

Ela não está em destaque por acaso: a casa-grande se mostra a todo o conjunto
de edificações, de modo a lembrar, constantemente, que é de lá que vem o poder,
assim como a punição. Não à toa, instalou-se à sua frente, aberto para todas as
demais edificações, o observatório oficial do fazendeiro: o alpendre. Deste local
o fazendeiro exerceu o poder, vigiou e controlou toda a movimentação da
propriedade (BENINCASA, 2003, p.134).

Figura 78 A casa que tinha sido ocupada pelo coronel Rodovalho, década de 1920
Fonte: Peres (2008)

Observamos que alguns enfileiramentos das casas de Caieiras tinham em suas


extremidades casas diferenciadas das demais. Estas casas tinham em sua arquitetura
elementos que as distinguiam das outras, como platibandas ornamentadas com frisos e
cornijas que escondiam os telhados. Elementos como as platibandas era uma forma de
caracterizar as casas utilizadas por funcionários chefes. Para este fim, outros elementos
também eram utilizados, tais como bossagem, óculos, forros de madeira e pisos de
assoalho. Nestes casos de casas de extremidade de fileiras, os funcionários eram chefes de
setores, encarregados, mas não ocupavam os cargos mais altos da empresa.
Exemplo desta utilização e diferenciação pode ser observado no conjunto da figura
57. A casa da extremidade esquerda, datada de 1904, era utilizada pela família de um dos
chefes do setor de limpeza e manutenção das áreas externas durante as décadas de 1940 a
1960. A fachada é composta por elementos que denotam certa sofisticação – bossagem,
frisos, cornijas, platibandas – e os acabamentos internos – forros e assoalhos de madeira.
Habitação e Arquitetura 181

Na casa, as antigas janelas de escuro, originalmente construídas com tábuas, passaram a ser
substituídas por novos modelos de venezianas. Além disto, tinha números de cômodos e
pé-direito maiores que as demais. As varandas também constituíam elementos que
destacavam as casas dos chefes. Nos blocos de moradias da Vila Foresto (ver figura 67 e
68), as casas das extremidades possuíam pequenas varandas que ressaltavam a moradia da
chefia. Esta forma de dispor as residências de chefia nas extremidades foi adotada por
alguns núcleos para garantir a ordem daquele renque de residências. Assim, funcionários
mais graduados supervisionavam os vizinhos operários143.
Algumas casas de chefia e de hóspedes também foram construídas inspiradas nos
bangalôs e nos chalés europeus. Estas casas eram ocupadas por profissionais com cargos
melhores, os cargos formados pela chamada “alta chefia”. Nestes casos, as casas tinham
ambientes mais amplos e em maior número que as demais. Surgiam isoladas ou geminadas
duas-a-duas, como as casas da Rua do Filtro, que foram ocupadas por chefes. Estas casas
eram implantadas nas áreas mais altas do terreno e tinham varandas privilegiadas com vista
para a fábrica de papéis ou áreas livres (ver figuras 79 e 83).

No Bairro da Fábrica, descendo a Igreja de São José, logo que começa a descida,
do lado direito, foi construída uma casa de tijolo à vista, linda! Uma casa de
gerente, era um médico que morava ali, o médico da empresa que morava ali.
Depois tinha no Bairro do Filtro, um pouquinho mais pra baixo, na rua que
entrava assim, só que já era, não era bem colônia, eram umas casas enormes.
Morava o [...], ele morava ali. O pessoal de Caieiras ninguém quer escutar falar
o nome dele, de ruim que ele era. [...] então, aí tinha a casa dele que era uma
casona enorme e depois tinha tipo de uma colônia, só que já era umas casas
boas, sabe? [...] mas era tudo junto, era enfileirado, tinha uma varanda grande na
frente que pegava quase toda ela assim e era branca e azul também só que era
umas casas enormes, bonitas, casa pra chefe vai. E pra chefe era outro padrão,
mas era tipo de uma colônia. E tinha o Bairro do Filtro, ou Rua do Filtro. Depois
vinha a Vila Leão [...] aí era tudo tijolo à vista. O do Filtro, quando eu nasci já
tinha aquilo [...] descendo a Igreja de São José [...] tem uma entrada à esquerda e
tem um tanque de água grande, é o filtro, que filtrava água pra fábrica de papel.
Naquela rua já derrubaram várias casas também. [...] então depois o Bairro Vila
Leão [...] eu devia ter uns 14 anos (quando fizeram) [...] era tudo casa de tijolo à
vista. Tinha algumas que eram geminadas e devia ter umas 8 ou 9. Era um bairro
grande lá na Vila Leão. Tinha umas 8 ou 9 que logo que você entrava no Bairro
Leão, à esquerda tinha umas geminadas, mas de tijolo à vista, já diferente, nada
a ver com aquelas (de colônia). O resto era de duas ou uma. Fizeram uma igreja
lá também [...] Sagrado Coração [...] uma capelinha que o próprio pessoal fez
(PRANDO, 2011).

As enormes casas, que Prando (2011) encontra certa semelhança com colônias eram
casas geminadas duas-a-duas, com grandes varandas divididas por pilares com vista para a

143
Este modelo foi observado também em Pedra (AL) onde enfileiramentos bem maiores do que os de Caieiras
eram supervisionados pelas casas das extremidades ocupadas por funcionários graduados (CORREIA, 1998).
182

fábrica de papéis que remetiam às casas de aspecto rural devido às avantajadas áreas
avarandadas (ver figura 83).
Para Moraes (1995), a casa ocupada pela diretoria técnica, inicialmente pela
família do gerente Ehlert e posteriormente pela família Köeller, mostrada na figura 82,

[...] era uma mansão em estilo europeu, tendo na frente um terraço nobre,
composto de colunas em estilo romano e encimadas por capitéis esculpidos nos
moldes coríntios. No telhado, havia torres com janelas para aeração e iluminação
dos quartos de hóspedes (MORAES, 1995, p.156).

Alguns telhados se diferenciavam dos demais por tratar-se de elementos maiores


com várias águas com caimentos diferenciados dos freqüentes telhados de quatro águas
(ver figuras 81 e 82). As casas dos chefes mais graduados eram localizadas em regiões
altas com vista privilegiada tanto em relação à paisagem quanto às fábricas. As áreas
próximas à Capela de São José, no Bairro da Fábrica, configuraram-se como áreas
ocupadas por casas construídas para a “alta chefia”.

Figura 79 Vista da residência da família Bellen. À Figura 80 Casa de ocupada por chefia no barro do
direita, ao fundo, vê-se o Pico do Jaraguá Sobradinho. A casa ainda existe é hoje é utilizada
Fonte: Acervo Bonno van Bellen como centro de treinamento para os funcionários
Fonte: Paulo Polkorny

Figura 81 Casa ocupada por chefia, demolida Figura 82 Casa ocupada pela diretoria técnica
Fonte: Paulo Polkorny Fonte: Companhia Melhoramentos de São Paulo
(Weiszflog Irmãos inc). Fábrica de Papel-Editora-
Oficinas Gráficas, [19-]
Habitação e Arquitetura 183

Figura 83 No alto, à esquerda da chaminé, as já demolidas casas geminadas utilizadas pela chefia com varandas
no fundo, 1926
Fonte: Donato (1990)

Figura 84 Casa de hóspedes, próxima à estacão. Foi moradia de médicos da Companhia e ainda está preservada.
Fonte: Acervo da autora (2010)

3.1.4 Habitação dos solteiros


Os solteiros costumavam ser vistos, nos núcleos fabris, como problema de ordem
pública e muitas vezes eram proibidos de freqüentar as casas das famílias operárias144. Isto

144
Exemplo desta condição foi descrito no item Bem estar físico e mental: as comemorações, cultura, saúde e
utilização das horas livres ao referirmos à condição dos solteiros em Pedra, no Sertão de Alagoas, onde as
moradias para solteiros se constituíam em pensões fora do núcleo – na Pedra Velha – e seus moradores tinham o
acesso ao núcleo e o contato com as operárias controlados pelos vigias. A prevenção em relação ao homem
solteiro se fundamentava na sua caracterização como elementos capazes de oferecer risco a si próprio e também à
sociedade. O comportamento deles estaria associado à ausência de freios que uma família poderia exercer no
indivíduo. Assim, estariam propensos aos excessos, às contestações e aos prazeres relacionados ao sexo, álcool e
jogo (CORREIA, 1998).
184

não foi observado em Caieiras, onde segundo relatos de ex-moradores e ex-funcionários,


havia edificações específicas para solteiros em quartos na Vila Pereira e no Monjolinho145.
Na Vila Pereira os solteiros ocupavam os porões das casas de família e quartos construídos
para acomodação destes rapazes que, em sua maioria, não tinha família próxima. No
Monjolinho havia também estas acomodações específicas para solteiros. Alguns relatos
afirmam também que algumas casas geminadas construídas após 1930 tinham
acomodações intermediárias – entre duas casas - que eram chamadas de “apartamentos
para solteiros” (ver figura 85).

Figura 85 Casas geminadas existentes construídas em 1946 com “apartamentos para solteiros” entre duas casas
para famílias
Fonte: Acervo da autora (2010)

Desta forma, em Caieiras, os solteiros não ficavam necessariamente segregados das


famílias operárias:

No Monjolinho tinha moradia pra solteiro. Na vila Pereira também. Era igual, o
mesmo sistema. Era assim, na vila Pereira, era casa com porão. As casas subiam
numa escada ao lado da casa, a casa era em cima. Independente, embaixo, eram
porões. Então embaixo eram os quartos de solteiro. Em cima eram famílias. Por
exemplo, lá na fábrica não tinha colônias de muitas casas, era duas casas.
Sempre duas. Duas-a-duas. Então tinha os porões, mas só na vila Pereira que
tinha isso. Específico pra solteiro eu conheci no Monjolinho. Tinha uma
construção grande, tinha os quartos assim, tinha uma entrada no centro, depois
tinha um corredor e depois tinha os quartos de solteiros. Só que era assim, tinha
os quartos e o banheiro era comunitário, né? Dois banheiros se não me engano.
Em cada ponta. Era chuveiro, banheiro tudo comunitário. E aqui os quartos. Era
bastante, viu, acho que uns 8, 10 quartos de solteiros. Porque do lado dos
quartos de solteiro tinha a pensão. A pensão não era [...] um restaurante. Porque
era assim, tinha a dona da pensão, a D. Argentina, depois passou pra outras

145
Instalações de moradias específicas para solteiros foi observada nos núcleos de Mulhouse, Marquette, Krupp,
Val-des-Bois e New Lanark. Em Val-des-Bois os alojamentos eram ocupados pelas operárias solteiras sem
família (CORREIA, 1998).
Habitação e Arquitetura 185

pessoas, [...] eu era criança, era uma casa, uma residência da família, depois
tinha um salão, e uma cozinha grande aonde elas faziam comida para o povo
solteiro, e eles pagavam a pensão pra dona da pensão. Era particular. As pessoas
trabalhavam por conta delas. A Companhia cedia o serviço. Tinha na fábrica
essa pensão e tinha no Monjolinho. Isso desde que eu era criança. Desde 1950,
vamos dizer assim, já exista essa pensão. Isso só acabou quando acabou as
coisas no Monjolinho. Foi acabando gradativamente, é difícil dar uma data, né?
[...] ano a ano foi acabando as coisas. A pensão era uma casa normal, lógico de
dependências maiores, de condições melhores, porque também, quem era a dona
da pensão? Dona não, a gente falava dona, mas era quem administrava aquilo.
Sempre era uma família mais avantajada. Então, tinha até uma casa melhor, uma
casa maior, né? Pois tinha a casa, era uma construção só, uma parte era a casa da
família depois tinha no meio o salão onde chegavam os pensionistas que a gente
falava, e depois a cozinha grande. Eles tinham a casa em um ambiente e a
cozinha de trabalho. Na pensão ficava a dona da pensão e os empregados que ela
contratava por conta dela [...]. Então elas serviam marmita e serviam também
refeição local para os meninos, pros moços na época, né? Mas geralmente eram
pessoas que não tinham família [...], moravam nesses quartos de solteiro. Meus
três tios moraram nesses quartos de solteiro (EUSÉBIO, 2011).

Antônio Eusébio afirma que em Caieiras os solteiros eram bem integrados na vida
comunitária:

E quem era funcionário tinha a pensão, por que? Por que eles tinham que ter
aonde comer, alguém que tratasse do café, do almoço, do jantar. Como eles
estavam trabalhando elas tinham empregados que levavam as marmitas até na
condução pra ir pra fábrica e quando eles estavam em casa iam comer lá no local
da pensão. Bom pra todos. Só que aí era assim, elas tomavam conta, elas
compravam material, cobravam, sei lá, quanto queriam e os lucros eram delas,
né? A Companhia cedia o local, só. E elas ganhavam pelo trabalho delas. E eram
famílias que ia passando de pai pra filho. A D. Argentina era uma italiana. Ela
foi dona da pensão no Monjolinho muitos anos e ela morreu ficou os filhos no
lugar. A dona Irene, dona Irene, isso, não sei se é viva ainda hoje, ficou no lugar
da D. Argentina [...] (EUSÉBIO, 2011).

3.1.5 Instalações sanitárias


Instalações sanitárias modernas foram inexistentes durante muito tempo. As
primitivas casas operárias de Caieiras não tinham instalações sanitárias e os moradores
buscavam na natureza solução para a higiene pessoal.

[...] e nós não tínhamos água encanada, não tínhamos banheiro, não tínhamos
nada, só tínhamos luz elétrica. Então nadar e tomar banho, a gente ia no tancão
[...] Isso desde a minha época de criança até adolescente..até
jovem...(EUSÉBIO, 2011)

Com o tempo, por iniciativa da Companhia ou do funcionário devidamente


autorizado pela empresa, banheiros foram erguidos nos fundos dos quintais e aos poucos,
186

foram trazidos para junto das casas. No caso da moradia da família Eusébio, a construção
do banheiro ocorreu junto à parede dos fundos da casa:

No começo não tínhamos banheiro. Era uma casa, quando eu era bem criança,
que tinha um quintal enorme. Lá no fundo do quintal era uma latrina. [...] uma
fossa negra com banheiro e você usa ali, mas era bem no fundo, bem longe da
casa [...] Porque depois, em 49 ou 50, quando começaram o primeiro grupo [...]
de casas146, aí meu pai fez pedido pra Companhia e eles permitiram que meu pai
construísse por conta um banheirinho, aí meu pai pegou e puxou aqui, já com
tijolo, puxou aqui uma parede, fez um banheirinho aqui, né? Mudou essa parede
deste quarto pra cá, e aqui ficou um banheirinho. Aí o que o meu pai
fez...aproveitou essa parede do banheirinho e já fez uma cobertura..como se
fosse um terração assim, de madeira bruta, coberto com telha mas de madeira
bruta...esse terraço pegava assim, desde a entrada do banheiro vinha assim, era
uma cobertura só, não tinha mais nada. De madeira com telhado, né? Daí nesse
canto o meu pai colocou uma pia [...] porque até então lavava em cima de uma
mesa, uma bacia, um tacho né? Era bem assim, a água a gente tinha que buscar
no mato, na bica, água de se beber, de se cozinhar a gente ia buscar no mato,
longe, na nascente, a gente ia na nascente buscar. E por muitos anos isso foi.
Depois a Companhia fez aquela caixa (ver figura 86) no meu quintal, vamos
dizer que a caixa fica aqui assim, que é aquela caixa que eu te mostrei. Então
dessa caixa distribuía água para a vila de casa que tinha lá...pra outra de cima...e
pras nossas casas de baixo...e pro lado de baixo tinha um grupo de casas de
quatro casas que eu tava começando a te dizer (EUSÉBIO, 2011).

Na Vila Charco Fundo, por exemplo, foi construído pela Companhia um


enfileiramento de banheiros que servisse às moradias da vila. Diante das dificuldades de
utilização destas instalações, devido à distância das casas, os moradores construíram novos
banheiros mais próximos das casas.

Figura 86 Vestígios da casa ocupada pela família Eusébio: caixas d’ águas


Fonte: Acervo da autora (2010)

146
Eusébio (2011) referindo-se aos blocos de casas construídas no final da década de 1940 (ver figuras 67 e 68).
Habitação e Arquitetura 187

3.1.6 Áreas livres, quintais e porões


Os quintais das casas dos funcionários constituíam um universo de trabalho
paralelo às atividades prestadas para a empresa dentro das unidades produtoras. Nestes
espaços os moradores organizavam jardins, hortas e pomares, criavam animais de pequeno
e grande porte e fabricavam produtos artesanais para consumo da família ou para venda.
Estas atividades garantiam um aumento dos rendimentos financeiros da família147. Havia
incentivo por parte da empresa para a dedicação dos trabalhadores às atividades agrícolas.
Estas atividades, assim como a oferta de moradias, eram vistas nos núcleos fabris como
elementos favoráveis à fixação do trabalhador na empresa. A função destas áreas estava
ligada ao comprometimento das horas livres do trabalhador com um lazer considerado
sadio pelos patrões. A instalação de áreas para cultivo permitia amenizar a transição do
campesinato ao trabalho industrial.

A família operária encontra na Companhia todos os elementos para integrar-se


nela, fixando-se à profissão e ao solo. A Companhia cede graciosamente aos
operários que lhe requeiram, áreas de terreno para o plantio de cereais e criação.
80%, mais ou menos, das famílias exercem dupla atividade: a agrícola e a
industrial. O excesso do produto colhido é comprado pela Companhia ao preço
do dia no mercado de São Paulo (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS
CARLOS MANCINI, Nº24, Dezembro, 1940, p. 8 e 9).

Como vimos anteriormente, estas iniciativas faziam parte da estratégia industrial de


preenchimento das horas livres do trabalhador e desta maneira, ocupavam o trabalhador
por tempo integral com atividades julgadas sadias.

[...] e tinha terreno pra você plantar à vontade! Tinha pasto para a criação, cada
um tinha suas vacas, criava seus porcos, suas galinhas, todo mundo tinha. [...] A
Melhoramentos dava o terreno de acordo com o que você quisesse, quanto
queria. A gente fazia roça, eu me lembro quando garoto, meu pai trabalhava [...]
em três horários, quando ele saía às 2 horas, nesse “solão” quente, eu e meus
irmãos, meus irmãos mais do que eu, porque eu era mais novo, ia fazer roça pra
plantar milho, plantar feijão, batata, tudo na enxada. Naquele tempo não tinha
máquina, não tinha nada e com aquilo, sustentava a criação. Não comprava

147
A separação entre moradia e local de trabalho foi uma tendência dos núcleos fabris. Entretanto esta separação
é bastante variável. Na França do século XIX, por exemplo, existiam núcleos onde as casas eram totalmente
reduzidas à função residencial, excluindo-se qualquer atividade relacionada ao trabalho. Em Dago-Kertell, na
Rússia, o núcleo fabril construído por indústria têxtil em 1844, tinha casas situadas em terrenos de 2 mil metros
quadrados que permitiam o desenvolvimento de atividades de criação e culturas agrícolas. Em Val-des-Bois,
núcleo fabril francês criado por fábrica têxtil em 1848, as casas tinham amplos jardins e dispunham de
construções anexas para criação de animais e guarda de instrumentos agrícolas (CORREIA, 1998).
188

também ração, nada. Era feito tudo ali. Você fazia, matava um porco, por
exemplo, para comer uma carne de porco [...] (PRANDO, 2011).

[...] meu pai tinha cavalo, tinha vaca nas terras dele. Quando morava na Vila
Leão. No fundo do quintal, ele tinha uma cocheira, lá ele criava vaca, criava
cavalo, tinha lá os animais lá. E plantava milho nas terras lá. Tinha muitos pés
de goiaba lá [...] e vendia, consumia. As vacas, ele vendia o leite, era assim [...]
era muita terra, muita terra [...] (CSERNIK, 2011).

Estas atividades exigiam dos moradores de Caieiras muita disposição física para
tratar das plantações e percorrer os longos caminhos entre as vilas a fim de fazer as vendas
dos produtos.

Nós chegamos a ter dez, doze vacas de leite. Nós vendíamos leite, eu e meus
irmãos. Naquele tempo a gente chamava de “sapiquá”, fazia um negócio com
esses sacos de farelo, entrava assim como uma camiseta, ficava uma parte no
peito e outra parte nas costas. Seis litros na frente e seis litros atrás. Andando,
vinha a pé e andava tudo esses bairros entregando leite pela vila inteira. Vinha
do Monjolinho até Caieiras a pé! [...] entregando leite pra um, pra outro, e tudo
era permitido. Então isso aí ajudava também na renda da casa [...] (PRANDO,
2011).

Referindo-se às difíceis condições de uma família vinda do Japão, estabelecida na


Vila Eduardo, Joel Csernik relata o trabalho da matriarca e o progresso desta família:

[...] a minha avó, mãe do meu pai, deu uma bacia de roupas pra eles, porque eles
não tinham nada! [...] ela plantava e saía vendendo em uma carriola e os filhos
ficavam lá. E eles foram crescendo ali e a Melhoramentos cedeu um terreno pra
eles plantar. Então, como era à beira do rio era fácil. Aí começaram a plantar
repolho, verdura e vendiam em Caieiras. Aí compraram um “Fordinho 29” e
saíram pra vender verdura, fruta, já vendia mais coisas com o caminhãozinho.
Ela saía com uma carroça. Ela sentava na carroça e saía vendendo. Então tudo
começou ali. [...] os filhos dela hoje são advogados, dentistas, médicos
formados, mas saíram de lá de dentro da Melhoramentos (CSERNIK, 2011).

Estas atividades complementavam a alimentação das famílias:

De vez em quando matava um garrotinho, tinha um garrote lá pra matar. Porco,


então, nunca faltou em casa! Meu pai era especialista, nunca faltou porco.
Frango! Falar de comprar um frango? Naquele tempo? Ninguém admitia isso!
Ninguém admitia! Todo mundo tinha os frangos caipira [...] os ovos [...]
(PRANDO, 2011).

O feitio artesanal de produtos derivados das carnes garantia a conserva dos


alimentos por algum tempo, já que não havia geladeira para a conserva. O relato de
Prando (2011) mostra a habilidade do pai em fazer embutidos derivados da carne de
Habitação e Arquitetura 189

porco: “meu pai fazia lingüiça, codeguim e panceta148. Fomos criados com isso. Fazia
aqueles varais, porque não tinha geladeira...” (PRANDO, 2011).
A manutenção das plantações era feita com muitas dificuldades devido à falta de
tecnologia para fazer a irrigação das hortas. No relato sobre a localização do terreno da
família japonesa, notamos a facilidade devido à proximidade com o rio. Entretanto, outros
terrenos não contavam com a mesma condição. As hortas da família Prando foram durante
muito tempo mantidos com irrigação feita a regador e somente depois de muitos anos, a
execução de um encanamento clandestino, feito por etapas, promoveu melhorias na
plantação:

A horta era muito grande [...] E naquele tempo você molhava tudo no regador.
Você tinha que vir com o regador pesado e não tinha jeito. Aí, depois de muitos
anos, eu já era casado, [...] e eu disse pro meu pai:
- Ô pai, eu vou ver se eu quebro o galho, vou ver se eu consigo fazer um
encanamento que sai daqui de casa, atravessa a estrada e vai lá na outra horta –
meu pai tinha duas ou três hortas...
[...] Aí canalizamos tudo lá. Meu pai colocou uma barrica grande, nós tínhamos
torneira lá, aí corremos a mangueira, aí regava já com a mangueira, né? Mas isso
foi depois de muitos anos de sofrimento! (PRANDO, 2011).

Os operários não eram os únicos que mantinham criações em seus quintais ou


terrenos fornecidos pela Companhia. O holandês Bonno van Bellen, filho de um
funcionário da chamada “alta chefia” declarou que o pai também mantinha criação de
animais no quintal da residência. Neste caso, a razão era o gosto pessoal por criação de
animais.
A família Zovaro, de origem italiana, é até hoje bastante conhecida pela apicultura
iniciada na década de 1920 nos terrenos da Companhia Melhoramentos. Antonio Zovaro
chegou ao Brasil em 1903 e montou seu primeiro apiário na Vila Mariana, em São Paulo.
Em 1918, após ficar viúvo, levou os filhos para Caieiras para serem criados por primos da
família Mollo. Em 1920, após casar-se novamente, mudou-se definitivamente para
Caieiras. Trabalhava na carpintaria da Companhia onde montou o seu apiário, dentro da
área da empresa. O filho de Antonio, Luiz Zovaro, acompanhava o pai nas atividades do
apiário desde os dez anos de idade (MORAES, 1995).

148
Linguiças feitas com carne de porco
190

Figura 87 A família Zovaro no apiário montado na Companhia Melhoramentos, década de 1920


Fonte: Jornal Regional News (2003, caderno 2, página 4)

Em 1936, Antonio começou a importar abelhas rainhas da Itália. A família Zovaro


empenhava-se no aperfeiçoamento e pureza da linhagem das abelhas e na produção de
mel. O escopo maior deste trabalho era a venda de enxames para todo Brasil e também
outros países como Argentina, Chile, Paraguai e Estados Unidos. Até a década de 1960 as
abelhas saíam de Caieiras e eram transportadas pela estrada de ferro e por via marítima,
em viagens que duravam até 30 dias. A importação de abelhas africanas, conhecidas por
sua agressividade, começou a ocorrer a partir de 1957 (MORAES, 1995). As abelhas
africanas renderam incidentes no apiário e fama internacional aos produtores. Em 1965,
Luiz Zovaro deu uma entrevista para a revista americana Times sobre a agressividade
destas abelhas relatando um incidente ocorrido em Caieiras com saldo de vários animais e
cerca de 500 pessoas picadas149. Apesar do incidente, Zovaro era contra o extermínio
destas colônias africanas, solução que foi sugerida, na mesma entrevista, por outro criador
para estas ocorrências.

149
“Establishing colonies in abandoned walls, on the underside of rocks, on cave walls damp with waterfall
spray, under tree roots, in abandoned cars, in telephone booths and even in the traffic lights, the Africans have
killed birds, chickens, dogs, horses and four people. Four months ago, a resident of Caieiras, near São Paulo,
tried to burn an African beehive stuck in a chimney of a local bar. In a “buzzing mass that darkeried the sun”,
one man reported, the Africans swarmed into the bar, stung a traveling wine salesman senseless, left so many
stingers in the bald dome of the bartender that He “thought He was gorwing hair again”. In three hours the bees
stung 500 people. Then they buzzed of across nearby farms where they left behind flocks of dead chickens, a
dozen writhing dogs, and two horses so badly stung that they could not eat for three days” (ENTOMOLOGY:
DANGER FROM DE AFRICAN QUEENS in TIMES MAGAZINE, 24-09-1965, disponível em
http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,834375,00.html. Acessado em 11-07-2011, às 18:25h ).
Habitação e Arquitetura 191

Além das atividades ligadas à produção e comercialização de produtos, os quintais


caieirenses também eram utilizados para jardinagem ornamental. Havia concursos e
promoções para incentivar a manutenção e limpeza das fachadas floridas das
residências150 (ver figura 89) (MORAES, 1995).
O porão das casas também poderia ter funções utilitárias ligadas às atividades
extras descritas pelos ex-moradores. Izidro Gabrielli relatou que seu avô tinha no interior
do porão da casa na vila Chic fabricação de vinhos e charutos. Os vinhos eram
consumidos pela própria família, enquanto que os charutos, eventualmente, eram
comercializados.

Figura 88 Acomodação das caixas de abelhas para exportação


Fonte: Jornal Regional News (2003, caderno 2, p. 5)

150
Nos núcleos franceses de Bournville, incluía-se nos contratos de arrendamento ou locação das casas uma
cláusula que exigia o cultivo de jardins. Em Mulhouse havia incentivo aos cuidados com os jardins concedendo
prêmios às casas e jardins considerados mais bem cuidados (CORREIA, 1998). Na Vila Maria Zélia, em São
Paulo, fundada pelo industrial Jorge Street, os jardins eram incentivados pela fábrica que promovia concursos
anuais, feitos na primavera, para os considerados mais bonitos (TEIXEIRA, 1990).
192

Figura 89 Os jardins floridos das casas da Companhia Melhoramentos.


Fonte: A obra social da Companhia Melhoramentos – impressões do Sr. Luis Carlos Mancini transcritas em
Serviço Social Nº24 de Dezembro de 1940, (1940, capa)

3.1.7 O princípio da não gratuidade

No Brasil era comum que as empresas cobrassem uma taxa para o pagamento do
aluguel das casas151 (CORREIA, 1998). Esta prática também norteou os industriais da
Companhia Melhoramentos. Quando inquiridos pelo DEOPS152, em 1949, acerca das
moradias oferecidas aos operários e relações entre empresa e funcionários, a Companhia
transcreveu trechos do artigo de Mancini (1940) – então diretor do Departamento
Nacional de Previdência Social do Ministério do Trabalho - publicado pela própria

151
Dados de um levantamento realizado pelo Departamento Estadual do Trabalho no Estado de São Paulo, em
1919, apontam que a maioria das vilas constituídas por empresas estavam no interior do estado e pertenciam,
muitas vezes, às empresas ligadas à estrada de ferro e que as casas poderiam ser cedidas gratuitamente ou por
aluguéis simbólicos. Este levantamento mostra que os alugueis cobrados pelas vilas paulistanas, no começo do
século XX, tinham preço menor que o mercado. A Indústria Têxtil do Belenzinho alugava a seus operários casas
por 44$000; a Fiação da Saúde, por 25$000; a Silex, indústria metalúrgica, por 30$000; a tinturaria das indústrias
Reunidas Matarazzo, por 44$000; a Ítalo- Brasileira de vestuário, por 25$000; e a casa Rodovalho, por
R$35$000. Se comparados às vilas particulares de baixo padrão, a quantidade de casas era equivalente e os
valores eram menores, pois os aluguéis das vilas particulares variavam de 45$000 a 50$000 (BONDUKI, 1998).
Alguns industriais, entretanto, optaram pela venda da casa aos operários. A opção pela venda estava embasa em
um suposto efeito positivo que a propriedade exerceria sobre o trabalhador (CORREIA, 1998). Na Cimento
Portland Perus, fundada no começo do século XX, em São Paulo, a questão dos aluguéis das casas operárias,
durante a década de 1960, tentou ser negociada por meio de um acordo entre o Grupo Abdalla, proprietário da
empresa, e os operários. Neste acordo haveria um comprometimento por parte da empresa em construir um
loteamento nas terras ociosas. No loteamento, as casas seriam construídas através de mutirão pelos operários. Em
contrapartida seriam descontados 5% do salário dos operários para a constituição do Fundo da Casa Própria, que
permitira a todos a compra de um lote. Esta negociação foi homologada no acordo salarial de 1960, mas o Grupo
Abdalla não cumpriu o estabelecido (JESUS, 1992).
152
Prontuário nº 96964 consultado no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Habitação e Arquitetura 193

Companhia sob o título “A Obra Social da Companhia Melhoramentos de São Paulo –


impressões do Sr. Luis Carlos Mancini” para argumentar seus princípios e a opção em
cobrar valores, mesmo que simbólicos, de aluguéis das casas153:
A obra operária para ser amada pelo operário e produzir efeitos educativos,
repugna o caráter ‘paternalista’ ou ‘caridoso’, que caracteriza o ato da esmola
dada ao indigente. Instituições desta natureza devem possuir um feitio másculo,
ver no operário um homem capaz de organizar e administrar seus próprios
negócios, travando com êle, antes relações de tipo comercial que caritativo. O
operário deve pagar sempre, não importa que sejam réis, mas deve sempre pagar.
Não quer isso dizer que deva ser tratado fora de sua condição social.
Absolutamente. A esmola deprime. A obra aparatosa, quer pelas instalações,
quer pela inhabilidade no tratar o operário, arruína-se depressa ou arruína seus
assistidos (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS DE
SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS MANCINI,
TRANSCRITAS EM SERVIÇO SOCIAL Nº24, 1940, p.13).

Em Caieiras, a entrega da casa no caso de demissão é estabelecida item IV do


contrato de concessão de moradia:
O presente contrato será considerado de pleno direito rescindido,
independentemente de qualquer notificação judicial ou extra-judicial, nos
seguintes casos:
1º - Quando o empregado for demitido, solicitar demissão ou, por qualquer
motivo deixar o serviço ativo da empregadora;
2º - Quando o empregado infringir qualquer cláusula ou condição dêste
instrumento (PRONTUÁRIO DEOPS nº 96964).

A Companhia utilizava para cobrança dos valores para uso das casas um cálculo
fundamentado na organização da ficha de classificação ponderada das moradias, que
passava a substituir o anterior sistema de fixação empírica das taxas de contribuição de
cada empregado-beneficiário. Este novo modelo foi inicialmente implantado
gradativamente, ou seja, para as casas novas que eram construídas ou para as casas que
vagassem e fossem ocupadas por novos moradores. Ao constatar a dificuldade de manter
dois sistemas diferentes – um com base empírica e outro considerado mais racional e
equitativo, baseado na ficha de ponderação - para cobrança das taxas durante o período de
transição, enquadrou todos os empregados-beneficiários no mesmo sistema de ficha de
classificação, apresentando uma demonstração dos valores cobrados a partir de setembro
de 1948, após o reajuste geral salarial dos funcionários (PRONTUÁRIO DEOPS 96964):

153
Correia (1998) relata que um observador francês do século XIX já condenava a prática de cessão gratuita das
casas para os operários argumentando que o operário não daria valor ao que lhe seria cedido gratuitamente. A este
respeito, Carpintéro (1997) transcreve uma citação de Prestes Maia durante o Primeiro Congresso da Habitação,
afirmando seu desinteresse pela solução de Vilas Operárias, por considerá-las ineficientes pelas mesmas razões do
observador francês (CARPINTÉRO, 1997).
194

Tabela 8 Valores para utilização das casas na Companhia Melhoramentos

Casa Valores cobrados * Salário*


31/08/48 01/09/48 31/08/48 01/09/48
A-71 70,00 105,00 1.200,00 1350,00
A-114 65,00 105,00 900,00 1000,00
A-276 7,80 20,00 680,00 760,00
A-12 20,00 37,50 640,00 680,00
A-50 31,00 52,50 680,00 760,00
A-18 25,00 45,00 800,00 900,00
A-70 65,00 105,00 1350,00 1.500,00
A-13 65,00 105,00 940,00 1.050,00
A-64 50,50 105,00 680,00 760,00
A-94 15,00 30,00 680,00 760,00
*Em 1948 a moeda brasileira era o Cruzeiro
Fonte: PRONTUÁRIO DEOPS 96964, p. 6 e 7

A tabela acima mostra que os valores cobrados para utilização das casas em
Caieiras eram simbólicos e não ultrapassavam 15% dos valores salariais154. As entrevistas
feitas com os antigos moradores reafirmam esta colocação. Alguns nem sequer lembram-se
dos valores que pagavam para ter o direito de moradia em Caieiras, devido a pouca
significância que os valores tinham em relação aos seus salários. Os ex-moradores relatam
que os valores cobrados para utilização de energia elétrica já estavam incluídos nas taxas
pagas para utilização das casas.

(...) a gente pagava uma taxa, mas era tão irrisória aquela taxa, muito baixinha,
muito, eu não me lembro pra dizer pra você quanto, mas era muito pouco. Só
que era assim: tinha um relógio medidor de força e eles davam uma taxa pra
você gastar. Eu me lembro que para os mais baixos era 50kw mensal. Se
passasse daquilo, eles cortavam a luz. Então ninguém tinha que gastar, imagina
pra gastar 50kw, hoje eu gasto em uma semana. A gente tinha que gastar em um
mês. Também, naquela época a gente não tinha geladeira. Mas também não tinha
nada, era luz elétrica e ferro de passar roupa, só isso. Não tinha enceradeira, não
tinha nada dessas coisas, então dava. Apesar que a gente viveu assim e bem.
Dava, né? Tinha por exemplo, chefia grande, era 150, 120kw. Era uma
discrepância muito grande entre os funcionários e os grandes. Tinha pessoas que
eram “chefinhos mais ou menos” que era 60kw, outros era 80. Não tinha uma
regra. Os mais baixos, era 50 pra todo mundo. Depois conforme a graduação da
pessoa na firma, é que ia aumentando, tinha umas regalias assim. Água não tinha
mesmo e quando encanaram a água não se cobrava. Era gratuito (EUSÉBIO,
2011).

154
Eva Blay (1985) mostra algumas situações relativas à moradia de aluguel em vilas operárias em São Paulo.
Nas vilas das indústrias Beltramo, Nadir Figueiredo e Guilherme Giorgi as casas eram sempre alugadas aos
operários. Em entrevista à autora uma operária afirma que em 1955 pagava $650,00 por uma casa na vila
Guilherme Giorgi e o salário era de $1190,00. A renda dela e do marido somavam $3000,00. Estes números
expressam que os aluguéis chegavam, nesta vila, a 50% dos valores dos salários operários (BLAY, 1985, p. 179).
Habitação e Arquitetura 195

Na publicação A Obra Social da Companhia Melhoramentos-impressões do Sr. Luis


Carlos Mancini, (1940), é afirmado que o funcionário categorizado recebia gratuitamente,
além do direito a habitação, também luz elétrica, água e lenha e ao operário era aplicado
então, o conceito da não gratuidade, pois segundo a publicação, este deveria pagar
mensalmente uma taxa de 4% ao ano, sobre o valor de prédio, o que corresponderia, em
1940, a uma importância variável entre 20 e 50$000 mensais. O autor ainda afirma que a
distribuição de água para os operários era livre e a cobrança pela eletricidade era feita na
base de 1$000 mensais por lâmpada (A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA
MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO-IMPRESSÕES DO SR. LUIS CARLOS
MANCINI, TRANSCRITAS EM ‘SERVIÇO SOCIAL, nº 24, Dezembro, 1940, p. 6).

3.2 Arquitetura
3.2.1 Arquitetura ferroviária
A implantação do transporte ferroviário, no Brasil, data de meados do século
XIX155. A São Paulo Railway foi inaugurada no momento em que a produção de café
tornava-se sinônimo de riqueza e prosperidade. Teve seu primeiro trecho – São Paulo até
Santos – inaugurado em 1866 e seu prolongamento até Jundiaí, em 1867. Devido à
necessidade de escoar a produção de cal da Fazenda Industrial Cayeiras foi inaugurada

155
Em 1854, por iniciativa do Barão de Mauá foi implantado o primeiro trecho de estrada de ferro no país. Este
trecho fazia a ligação entre o Porto de Mauá até a estação de Fragoso, no Rio de Janeiro. A participação do Barão
com investimentos foi também fundamental no estabelecimento da Estrada de Ferro de Recife ao São Francisco,
da Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco, da Estrada de Ferro Dom Pedro II e da São Paulo Railway. Grande
parte da implantação da rede ferroviária brasileira e de seus edifícios esteve sob a responsabilidade de firmas
inglesas. Normalmente utilizava-se técnica mista para edificar as estações. Os prédios que serviam aos
passageiros e à administração costumavam ser erguidos em alvenaria enquanto as coberturas das plataformas
eram erguidas em estrutura metálica. Em estações de menor porte havia plataformas abrigadas por estruturas de
madeira ou metal acopladas ao edifício de alvenaria. A utilização do metal para construção foi difundida, pois
possibilitava construções rápidas favorecendo o atendimento das demandas crescentes devido à ampliação do
comércio, favorecido pela abertura dos portos, após a vinda da Corte (KÜHL, 1998). Na segunda metade do
século XIX, com novos transportes, surgiu um novo fenômeno na arquitetura brasileira: a importação de edifícios,
de madeira ou de metal, inteiramente produzidos na Europa (REIS FILHO, 1987). A importação de edifícios
metálicos teve maior êxito nos locais que apresentavam rápido crescimento econômico, muitas vezes em locais
onde a mão-de-obra qualificada para construção era escassa. Outro fator que favoreceu a utilização dos edifícios
europeus foi a necessidade de uma aproximação política e cultural entre o Brasil e os países “desenvolvidos”. A
aceitação das soluções arquitetônicas européias, mesmo que defasadas em relação à origem, favorecia uma
afirmação social embasada em preceitos de desenvolvimento e progresso tecnológico (KÜLH, 2008). Exemplo de
edifício importado foi o da Estação da Luz, em São Paulo. Os conjuntos ferroviários, no Brasil, eram compostos
por uma estrutura que garantia a funcionalidade do complexo. Assim, armazéns de carga e mercadoria, oficinas
de manutenção, locais para manobra de composições, caixas d’águas suspensas para abastecimento das caldeiras
das locomotivas, depósito de carvão, casas para funcionários, abrigos para máquinas paradas, entre outras
edificações, costumavam compor o cenário ferroviário (SOUKEF JUNIOR, 2008).
196

uma parada para trens dando início à Estação Ferroviária de Cayeiras, em 1º de julho de
1883 (DONATO, 1990).
O edifício construído para a parada de trem, em Caieiras, era uma construção de
pequeno porte que mesclava a alvenaria em tijolos de barros com a construção em
madeira. Anexo a este edifício, a plataforma parecia ter não mais do que 5,00m de
extensão, protegida por uma cobertura acoplada ao edifício principal. A madeira era
material abundante na região - devido à quantidade de mata nativa - e parecia compor a
cobertura e parte do edifício principal, o piso e a estrutura da plataforma. A chaminé,
disposta na extremidade do edifício principal, construída em tijolos de barro pode sugerir
a existência de um fogão à lenha ou algum tipo de aquecedor. O telhado em duas águas
com beirais protegia as guilhotinas vedadas com vidro. Esta arquitetura inspirava-se, de
forma simplificada, na linguagem da arquitetura vernácula européia dos chalés. Em seu
porte, aspecto formal e natureza dos materiais empregados para a construção da parada de
trem de Cayeiras nota-se semelhança com a Estação Juquery, atual Estação Franco da
Rocha.

Figura 90 Parada da São Paulo Railway, em 1883 Figura 91 Primeira Estação Juquery.
Fonte: Donato (1990, p. 15) Fonte: Mazzocco e Santos (2005)

Com o aprimoramento das ferrovias, as edificações dos conjuntos ferroviários


passaram a ser projetadas por profissionais especializados contratados para o serviço ou
ainda já pertencentes ao quadro de funcionários das companhias ferroviárias (SOUKEF
JUNIOR, 2008).
No final do século XIX, começaram a surgir os projetos para a construção das
estações. As estações costumavam ser classificadas de acordo com o trajeto da linha
férrea. Esta forma de classificação evidenciava três situações diferentes: as estações de
passagem ou chamadas intermediárias, localizadas ao longo do percurso; as estações
terminais, com referência às extremidades onde começavam e terminavam as viagens de
Habitação e Arquitetura 197

trem; e as de transferência ou entroncamento, onde era possível fazer a troca de percurso.


Assim, os edifícios recebiam os serviços e os acabamentos de acordo com o porte e a
importância da localidade para as devidas companhias ferroviárias. A S.P.R. padronizava
as formas e os materiais utilizados para a construção dos edifícios ferroviários.
Geralmente, o corpo principal das edificações da São Paulo Railway compreendia um
bloco retangular, pouco ornamentado, em alvenaria de tijolos de barro. A companhia
dispunha de projeto-tipo para as estações de 3ª classe (denominação adotada para as
estações intermediárias), na qual estaria incluída a estação de Caieiras (SOUKEF
JUNIOR, 2008).

Para garantir a correta execução dos detalhados projetos das estações de


passageiros de “terceira classe”, a SPR publicou, em 1897, o folheto “Estações
de 3ª Classe – Condições Geraes e Especificações”, de autoria do engenheiro-
chefe da SPR, James Ford. 38 artigos regulamentavam a contratação das obras
das estações e 25 especificavam o tipo de material que deveria ser utilizado na
construção (cal; areia; saibro; concreto; pedra; tijolos; madeira, mas apenas
pinho-de-riga; telhas; canos de barro para drenagem importados de Londres;
ladrilhos de duas cores “conforme amostra do escritório”; peças de banheiro e
elementos de ferro fundido “fornecidos pela companhia”; lambrequins para a
cobertura das plataformas “de 0,030 metro de grossura e recortados segundo o
desenho”). Além de detalhar a execução de: alicerces; paredes de tijolos em
argamassa de cal que “serão edificados de conformidade com os desenhos
detalhados, com tijolos devidamente sobre salientes”; alvenaria de pedras e
tijolos; pisos e soalhos; tetos e forros; rodapés; portas e janelas de caixilho
envidraçado e veneziana; banheiros; cozinha; obras de drenagem; reboco;
pintura e execução das duas plataformas, cada uma com 120 m de comprimento
e a 0,90 metro de altura em relação aos trilhos (MAZZOCO; SANTOS, 2005,
p.82).

Figura 92 Projeto tipo para estações de 3ª classe


Fonte: Mazzocco E Santos, 2005.
198

O engenheiro da S.P.R. Daniel Makinson Fox constatou e registrou a dificuldade


de se encontrar, em São Paulo, mão-de-obra adequada e diversidade de materiais que não
fossem a madeira, pedra, tijolos, cal e brita. Fox alertava para a necessidade utilizar o
pinho-de-riga pela sua trabalhabilidade superior à da madeira dura, embora de boa
qualidade, das florestas brasileiras. Os registros de Fox alertavam ainda para a pouca
qualidade de outros materiais e mão-de-obra local:

No interior há escassez de pedras apropriadas para a construção. Todos os


edifícios antigos de São Paulo são construídos em ‘pisé’ ou ‘rammed earth’,
localmente chamada de ‘taipa’. Essa forma de construir foi, entretanto, mais
tarde substituída pela alvenaria de tijolos; tijolos de boa qualidade são
fabricados por duas ou três máquinas Clayton em uso na província. [...] O
grande defeito dos tijolos confeccionados à maneira nativa é o fato de raramente
serem suficientemente queimados. Invariavelmente, a alvenaria de tijolos é de
confecção grosseira, e não há atenção para com o prumo, junção e alinhamento;
no final, a alvenaria é recoberta com argamassa. Alguns dos edifícios de
estações são belos exemplares de construção em tijolos, porém erguidos por
pedreiros alemães, ingleses ou portugueses (MAZZOCO; SANTOS, 2005, p.74).

Algumas das estações intermediárias da S.P.R. são semelhantes em suas


características. Kühl (2008) aponta estas semelhanças destacando o aspecto formal dos
edifícios retangulares de um único pavimento construídos em alvenaria de tijolos
aparentes, plataformas protegidas por abrigos apoiados em colunas de ferro fundido
produzidos pela Walter MacFalane de Glasgow e passarela metálica pré-fabricada para
atravessar as duas vias. Obedeceriam a este padrão as estações de Rio Grande da Serra,
Ribeirão Pires, Jaraguá, Franco da Rocha, Várzea Paulista e Caieiras (KÜHL, 2008).
Caieiras e algumas estações contariam ainda com uma cabine de sinalização.

Figura 93 Estação de Caieiras, 1922, tipo 3ª classe. Ao fundo, à esquerda, a passarela metálica. À direita o
casarão que alguns moradores de Caieiras afirmam ter sido a residência de Bertha e Walther Weiszflog,
demolida na década de 1960
Fonte: Mazzoco e Santos (2005)
Habitação e Arquitetura 199

Figura 94 Detalhe dos pináculos e lambrequins atuais Figura 95 Detalhe do Bebedouro


Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo Paulo Polkorny (2000)

As passarelas metálicas pré-fabricadas comuns a estas estações foram


cuidadosamente descritas por Kühl (2008):
A passarela possui duas armações de ferro paralelas, cada uma composta por
perfis laminados na parte inferior e superior, unidos por retícula de perfis
planos. A junção entre essas armações é feita pelos tabuleiros e por espécies de
cintas de amarração, também de ferro, que percorrem o perímetro da passarela a
intervalos regulares. A passarela que passa horizontalmente sobre os trilhos é
arqueada para atingir o patamar de ferro fundido. São duas escadas, paralelas
aos trilhos, de cada lado da passarela (KÜHL, 2008, p.148-149).

Estas passarelas surgiam nos tratados ferroviários de língua francesa do século XIX
sob a denominação de passarelle anglaise (FLAMACHE156, 1889 apud KÜHL, 2008).

Figura 96 Padrão de passarela utilizada para fazer a travessia da linha férrea


Fonte: Mazzoco e Santos, 2005

156
A. Flamache, A. Huberti e A. Stévart. Traité d´Exploitation dês Chemins de Fer. Bruxelles, Mayolez. 1889, pl.
XVIII.
200

Figura 97 Passarela metálica de Caieiras


Fonte: Acervo da autora (2010)

Percebemos pelas fotos (ver figuras 97, 98, 103 e 105), que a passarela metálica,
em Caieiras, passou por modificações157. Ela surge, na plataforma sentido São Paulo, ora
com uma escada, ora com duas, em configuração semelhante, no que se refere à posição
das duas escadas, ao projeto da passarela para empregados no pátio da oficina da Lapa, de
1928.

Figura 99 Passarela metálica projetada para o pátio


Figura 98 Passarela metálica em Caieiras com
das oficinas da Lapa, 1928.
duas escadas de acesso
Fonte: Mazzoco e Santos (2005)
Fonte: Chico Trem

157
Com as transformações viárias e o crescimento de Caieiras, a plataforma metálica tornou-se parcialmente
obsoleta, pois não atende à necessidade do usuário de fazer, por meio da passarela, a travessia da linha férrea e da
SP-332 (antiga Estrada Velha de Campinas) de uma só vez, havendo a necessidade de arriscar-se, na descida da
passarela, para fazer a travessia da estrada. Desta forma, o usuário prefere fazer a travessia da linha férrea no nível
do cruzamento com a estrada, preferencialmente, no momento em que as cancelas estão abaixadas aguardando a
passagem da composição, garantindo sua segurança, de um lado ao atravessar a estrada com as cancelas
abaixadas, e expondo-se ao risco, por outro lado, ao atravessar a linha férrea minutos antes da saída do trem.
Habitação e Arquitetura 201

Figura 100 Estação Ferroviária. Observa-se a Figura 101 Estação Ferroviária. Nota-se o telhado
marquise sobre a plataforma e oitões ornamentados de duas águas sobre a plataforma e remoção da
Fonte: Acervo Chico Trem ornamentação do telhado
Fonte: Acervo da autora, 2009

A plataforma da estação era coberta por uma marquise que se apoiava, de um lado,
sobre colunas de ferro fundido, uniformemente distribuídas paralelas à linha férrea, e de
outro, na parede do edifício da estação. As colunas eram encimadas por capitéis e acima
deles havia consoles de ferro fundido, ora agrupados dois a dois, ora agrupados quatro a
quatro, dependendo da posição da coluna (nas extremidades da cobertura ou na parte
central). Consoles iguais aos de Caieiras reaparecem nas estações de Rio Grande da Serra,
Ribeirão Pires, Jaraguá, Franco da Rocha, Várzea Paulista e Estação da Luz (KÜHL,1998).
A marquise ladeava o edifício da estação de forma que ficassem protegidas: a face
imediatamente paralela à linha férrea e uma de suas laterais. Nota-se que esta marquise fora
substituída por uma cobertura de duas águas que acompanha o desenho da cobertura do
edifício de alvenaria. Os oitões do edifício tinham ornamentação que foram removidas,
posteriormente com as reformas e ampliações. Os lambrequins de madeira com desenhos
geométricos ornamentavam os beirais das coberturas158.
O transporte ferroviário constitui importante forma de acesso dos moradores de
Caieiras para as cidades vizinhas.

158
A superlotação dos trens e os freqüentes atrasos das composições culminaram na revolta de alguns usuários,
que em 1983 provocaram um incêndio na estação como forma de protesto a esta situação. O fogo danificou grande
parte da estação - plataforma sentido São Paulo. O edifício foi reconstruído em dois anos, mas notam-se nas
imagens, o desaparecimento dos ornamentos, como aqueles que faziam o acabamento dos oitões nas laterais do
edifício. Com o aumento significativo da quantidade de usuários que utilizam diariamente os serviços ferroviários,
as plataformas e coberturas foram ampliadas.
202

Figura 102 Estação Ferroviária, por volta de 1950, Figura 103 Estação Ferroviária por volta de 1980.
durante a construção da subestação elétrica. Passarela com escada única na plataforma sentido
Fonte: Acervo David Lustosa Nogueira. Jundiaí.
Fonte: Acervo Paulo Polkorny.

Figura 104 Consoles e capitéis das colunas de ferro Figura 105 Estação Ferroviária de Caieiras, década
fundido de 1980
Fonte: Acervo Paulo Polkorny (2000) Fonte: Google Earth

Figura 106 Estação ferroviária. Ao fundo, as casas Figura 107 Estação Ferroviária durante demolição
do Barreiro da plataforma
Fonte: Acervo Chico Trem Fonte: Paulo Polkorny
Habitação e Arquitetura 203

3.2.2 Arquitetura da era industrial


As primeiras indústrias se instalaram no Brasil no início do século XIX. Entretanto,
foi apenas a partir de 1870 que a quantidade e a importância da indústria brasileira
passaram a ser significativas e somente nos últimos anos do século é que houve uma
intensificação deste processo de industrialização no país (HARDMAN; LEONARDI,
1982).
Anteriormente, no período colonial, as atividades industriais estavam praticamente
reduzidas à produção de açúcar nos engenhos e algumas forjas. Já entre as fábricas
instaladas no país durante o século XIX, destacaram-se as fábricas de tecidos e as de
produção de ferro. Muitas destas fábricas foram instaladas em fazendas já existentes e esta
condição dava às instalações fabris os mesmos ares das propriedades agrícolas. Esta
condição começou a ser alterada por volta de 1880, quando as instalações passaram a
apresentar uma tipologia específica, com elementos formais e com a presença das altas
chaminés. Entre as primeiras modificações que começaram a surgir nos espaços fabris
brasileiros, destacou-se a ampliação e complexidade dos espaços com influência de
modelos estrangeiros, principalmente, europeus e americanos (CORREIA, 2008).
Para Hardman e Leonardi (1982) a arquitetura industrial do século XIX se dividia
em dois modelos típicos. O primeiro estaria ligado à arquitetura colonial brasileira e se
referia, em geral, às fábricas criadas no Império, muitas delas indústrias têxteis. Neste
modelo, as fachadas das fábricas seriam semelhantes à da casa grande das fazendas
açucareiras e cafeeiras. Estas fábricas possuíam plantações de algodão em seus terrenos e
era comum a utilização do trabalho escravo. A atividade da indústria têxtil poderia ser
interpretada, nestes casos, como uma extensão das atividades agrícolas, onde o capital
industrial empregado provinha dos fazendeiros. Os autores classificam a Fábrica São Luis,
em Itu, SP (1869), a Fábrica Bento, em Jundiaí, SP (no período entre 1874 e 1908), a
Fábrica Votorantim, em área próxima à Sorocaba, SP, como exemplos destes modelos. O
segundo modelo típico é denominado pelos autores como “britânica manchesteriana” e, de
forma geral, seria relacionado às fábricas surgidas no início do século XX. Para estes
casos, era comum a ocorrência de fachadas com tijolos vermelhos, estrutura sólida e
pesada, simetria de planos. Seria um sistema moderno de fábrica subordinada ao capital
internacional. A Societá per l´Exportazione e per l´Industria Ítalo-Americana, Salto, SP (a
partir de 1904), a Fábrica São Bento (após associação com capitais financeiros
internacionais em 1908), as Indústrias Reunidas Matarazzo, no bairro da Água Branca, São
Paulo, SP, seriam exemplos deste modelo. O “estilo alemão”, composto por construções
204

altas e compactas, com dois andares e janelas pequenas, paredes brancas ou amarelas, seria
uma variação deste modelo e poderia ser representado pela Cervejaria Antártica, no bairro
da Mooca, São Paulo, SP e a Fábrica de Tecidos Carioba, em Americana, SP, ambas
ligadas ao capital germânico.
O papel da arquitetura nos ambientes fabris interferiria também nos mecanismos de
exploração do trabalho no interior das fábricas já que diante do argumento da necessidade
da máxima atenção ao sistema de máquinas, a arquitetura fabril poderia surgir com suas
paredes elevadas, com abertura de janelas no alto, impedindo a visão exterior (FAUSTO,
1976).
As instalações fabris construídas seguindo ou aproveitando os modelos utilizados
nas instalações agrícolas baseadas nos antigos engenhos e mineradoras, ou já com algum
aperfeiçoamento para e espaço industrial, fizeram uso de vários elementos da linguagem
clássica Assim, as construções ligadas à fábrica surgiam a partir de elementos do período
colonial – implantação e materiais - como uma continuidade da tendência dos modelos
formados por engenhos, fábricas e mineradoras até 1880 ou empregando, de forma
recorrente, elementos como frontões, entablamentos, óculos, platibandas, colunas, pilastras
e alpendres nas diversas construções ligadas à indústria, tais como fábricas, equipamentos
coletivos e habitações (CORREIA, 2008).

3.2.3 Neoclassicismo e Ecletismo


A arquitetura de maior representatividade no núcleo de Caieiras, constituído no
final do século XIX, foi a eclética159. Ver-se-á esta arquitetura em Caieiras, expressa nos
edifícios de uso coletivo ou nas residências sob diferentes aspectos que evidenciam ora
traços do neoclassicismo, ora traços neo-românicos.
Um fator que contribuiu para a difusão do ecletismo especificamente em São Paulo
foi a grande quantidade de mão-de-obra européia que chegava ao estado, a maioria com
intuito de atender às fazendas de café do interior, em substituição à mão-de-obra

159
As inovações dos meios de comunicação ocorridas com as novas tecnologias trazidas pela Revolução
Industrial possibilitaram um intercâmbio de informações que resultou em profundas transformações culturais. A
Revolução Industrial possibilitou a comercialização em grande escala de produtos industrializados e métodos
construtivos que começavam a se disseminar. Estas transformações se associam ao surgimento de uma nova
arquitetura que se difundiu no século XIX, a eclética. As transformações arquitetônicas ocorridas na Europa
durante o século XIX tiveram uma estreita relação com o desenvolvimento do capitalismo industrial e com a
burguesia, que passava a expressar suas exigências arquitetônicas que priorizavam o conforto, o progresso e as
novidades. As solicitações da burguesia impulsionaram uma rápida alteração das tipologias arquitetônicas, que
passavam a acolher um variado número de expressões formais em um único edifício (PATETTA, 1987).
Habitação e Arquitetura 205

escrava160. Muitos destes trabalhadores eram profissionais ligados à construção civil como
pedreiros, carpinteiros e artesãos, que em pouco tempo deixariam as lavouras para
trabalharem na construção civil. Estes profissionais eram detentores do conhecimento das
técnicas construtivas e dos materiais de construção, favorecendo as construções em tijolo
aparente ou dotadas de ornatos de matriz neoclássica ou eclética. Assim, muitas
modificações ocorreram. Surgiram novos espaços e a tecnologia construtiva também foi
modificada. Em São Paulo, o arquiteto Ramos de Azevedo teve importante participação
nas transformações da cidade. Diversas obras surgiram a partir de projetos que estavam sob
a responsabilidade do escritório deste arquiteto, alterando significativamente a aparência
da cidade. Entre estes projetos, destacamos o Teatro Municipal de São Paulo, inaugurado
em 1913. Na região do Juqueri Ramos de Azevedo foi o responsável pelo projeto de alguns
edifícios do Hospital Psiquiátrico no final do século XIX.

Figura 108 Fachada do edifício administrativo do Hospital do


Juqueri após o incêndio de 2005
Fonte: Acervo da autora (2009)

160
O ecletismo encontrou sua maior propagação, no Brasil, quando foi reconhecido como estilo oficial da
República. Desta forma, a difusão do ecletismo ocorreu, no país, de maneira ampla, em edifícios públicos e
particulares, por meio de novas construções ou reformas. No Brasil, os primeiros indícios que demonstraram a
influência das tendências neoclássicas remontam ao século XVIII. A difusão de elementos da arquitetura
neoclássica foi expressa, inicialmente, no Pará, a partir de engenheiros militares e, principalmente, do arquiteto
italiano Antonio José Landi. Entretanto, foi com a vinda de Grandjean de Montigny para o Rio de Janeiro, em
1816, que o neoclássico foi introduzido efetivamente no país, devido à quantidade de obras do arquiteto
construídas no Rio de Janeiro e à sua atuação como professor na Academia Imperial de Belas Artes.
(SALGUEIRO, 1987).
206

Em Caieiras, a arquitetura erguida pela fábrica foi, sobretudo, expressão da


linguagem eclética. Alguns dos edifícios analisados em Caieiras tiveram sua arquitetura
modificada ao longo do tempo devido às alterações de suas funções originais. Outros
foram totalmente demolidos durante o processo de desmonte do núcleo fabril.
Desconhecemos a autoria dos projetos dos edifícios do núcleo fabril de Caieiras, devido ao
fato de não termos tido acesso a estes projetos161.

3.2.3.1 Os fornos de cal


Em Caieiras, no bairro do Monjolinho162, a produção da cal era feita em fornos de
diferentes formatos e materiais (pedras e tijolos), construídos em épocas diversas que
funcionavam concomitantemente. Destes fornos, restam, atualmente, seis. Macalé, Forno
Grande, Carbonera, República e Barranco (dois) são os nomes dos fornos lembrados por
ex-trabalhadores e antigos moradores do núcleo fabril de Caieiras. As datas de construção
são incertas, entretanto, foto de 1901, publicada no calendário comemorativo dos 100 anos
da Melhoramentos, mostra que naquele ano 5 fornos, além dos dois de barranco, já
compunham o conjunto do Monjolinho. A inscrição que aparece, atualmente, no alto da
chaminé do Macalé, aponta para o ano de 1935. Esta data deve se referir às reformas de
ampliação das chaminés, pois neste período foi intensificado o crescimento do setor
produtor da cal no Brasil163.
A assessoria jurídica da Companhia Melhoramentos, representada pelo Dr. Accácio
de Jesus, informou que a empresa desconhece a autoria dos projetos dos edifícios
históricos, mas afirma que todos os fornos foram construídos até 1890. Algumas

161
A Companhia afirma que possuía apenas o material referente à construção das moradias e desconhece os
projetos dos edifícios coletivos. Sobre o acervo referente à construção das casas a empresa afirma ter se perdido
com as enchentes ocorridas em Caieiras. O costume da época de datar as edificações com inscrições visíveis
favoreceu o desenvolvimento das pesquisas.
162
Havia fornos também no Bairro do Bonsucesso, mas não conseguimos imagens e não sabemos se eram olarias
ou produtores de cal.
163
A mineração da cal, devido ao desenvolvimento de técnicas de fabricação da cal virgem e hidratada, passou
por um processo industrial de evolução contínua durante o século XX. Essa evolução ocorreu, principalmente,
devido ao crescimento contínuo da produção e à multiplicidade de aplicação do produto em setores como
siderurgia, meio-ambiente e construção civil. Foi a partir de 1930, sobretudo, que o setor da cal foi ampliado e
aperfeiçoado, devido a alguns fatores como a criação de centros de pesquisa relacionados aos estudos químicos,
físicos, mineralógicos e estruturais em diversos países. Na Europa e nos Estados Unidos os fornos tiveram uma
evolução rápida, contínua e progressiva ao longo do século XX, passando das antigas medas e fornos primitivos
para os atuais calcinadores rotativos, verticais, horizontais e inclinados. As medas eram fornos onde se fazia a
queima de conchas de ostras e blocos de corais misturados com lenha. Algumas empresas complementaram as
suas instalações com fornos verticais metálicos e deram início, na década de 1940, a era das grandes instalações
de fornos rotativos e verticais, metálicos, de grande produção, como já ocorria nos Estados Unidos e Europa.
Exemplos destas inovações podem ser observados no Complexo da Perus-Pirapora, ligada à Companhia
Brasileira de Cimento Portland, em Cajamar (SP), na Usina Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ), na
Barroso (MG) e na Votorantim, Itapeva (SP) (GUIMARÃES, 2002).
Habitação e Arquitetura 207

semelhanças encontradas entre o forno Macalé e o forno construído em 1894 pelo Banco
União na fazenda de Itupararanga, Votorantim, próximo à Sorocaba, projetado por Ramos
de Azevedo sugerem que o forno de Caieiras pode ter sido projeto do mesmo arquiteto ou
ter sido inspirado em suas obras (ver figura 110). Além disso, a passagem de Ramos pela
região, evidenciada pelo projeto de alguns edifícios do complexo hospitalar do Juquery
construídos durante a década de 1890, ocorreu em épocas próximas à construção dos
fornos. Notamos a semelhança no formato poligonal, na composição dos pavimentos, no
acabamento da chaminé. Entretanto, o forno da fazenda de Itupararanga, possui conjuntos
de janelas em arco distribuídas em trio ao redor do segundo pavimento com riqueza de
detalhes em sua ornamentação externa que conotam um acabamento mais refinado do que
o observado em Caieiras, assim como a cobertura do forno desta fazenda também se
mostra como um elemento de maior sofisticação.

Figura 109 Vista dos fornos do Monjolinho, 1901


Fonte: Calendário comemorativo dos cem anos da Companhia Melhoramentos (1990)

Figura 110 Forno projetado por Ramos de Azevedo


Fonte: Lemos (1993, p 137)

Ao considerarmos a possibilidade da Companhia Melhoramentos de São Paulo


vinculada à Companhia Melhoramentos do Brasil e da Companhia Melhoramentos de São
208

Paulo ligada a empreendimentos imobiliários serem a mesma, conforme exposto no


primeiro capítulo, cresce a probabilidade dos fornos ou outros edifícios da Companhia,
construídos neste período serem obras do arquiteto Ramos de Azevedo, pois ao confirmar-
se esta hipótese, podemos dizer que o nome do arquiteto estava estritamente ligado à esta
empresa. Além do forno de propriedade do Banco União, Ramos foi também autor de
fornos de cal da fazenda de sua propriedade, a Santa Maria, localizada em Sorocaba164.
Ao analisarmos a arquitetura dos fornos de cal em Caieiras, levamos em
consideração que todas as formas de queima da cal consideram um raciocínio único, onde
se constrói um ambiente que irá reter o calor até a queima total do produto, liberando,
através de aberturas, fumaça e gases165. Com a modernização, os fornos passaram das
formas primitivas para estruturas de grande porte que poderiam ser encravadas ou não nas
encostas dos terrenos e receberem elementos – revestimentos, chaminés e aparelhos que
beneficiavam a tiragem – para garantir a melhor qualidade e economia na produção da cal.
As inovações tecnológicas buscavam maior eficiência dos fornos à medida que estes
permitiam uma utilização mais racional de combustível, maior eficiência térmica e
qualidade no produto final. Os modelos mais antigos, onde incluímos os fornos à lenha, de
barranco, de alvenaria e os descontínuos passaram a ser substituídos, gradativamente, pelos
modelos contínuos, no final da década de 1890. O aperfeiçoamento dos modelos contínuos
culminou nos modernos fornos rotativos com estruturas e zonas definidas de pré-
aquecimento, calcinação e resfriamento.

164
Projeto do forno da Fazenda de Santa Maria, 1924. Número P.AZ25/728.6 FSM. O projeto encontra-se no
acervo Ramos de Azevedo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, porém não
está disponível para consulta devido à fragilidade do substrato do projeto.
165
De maneira geral os fornos para queima da cal eram erguidos em alvenaria estrutural com tijolos ou pedras.
Para construções desse tipo era necessário contar com uma mão-de-obra hábil para a execução das amarrações e
arcos. Além disto, devia-se considerar que tais edifícios teriam máxima exposição às variações térmicas e, quando
aquecidos, haveria expansão dos materiais. Portanto, as argamassas de assentamento ideais para estes casos,
seriam aquelas de cal e areia que permitiam elasticidade; e não de cimento, pois a dureza deste material
proporcionaria o surgimento de trincas. Estas estruturas, necessariamente altas, eram formadas por grandes (em
altura e diâmetro) dutos capazes de conterem, em seu interior, zonas para resfriamento, separação, pré-
aquecimento e estocagem das pedras depositadas para queima. Para tanto, as fundações destas estruturas deviam
garantir a estabilidade do edifício e resistirem ao peso do forno totalmente carregado sem deformações
excessivas. Para que o calor produzido no forno não fosse desperdiçado, eventualmente, se atravessasse o muro
de contenção seria necessário que fosse feito um isolamento adequado. Normalmente deveria ser previsto uma
camada de isolamento entre a parede interna e a parede estrutural do forno. O método mais simples para garantir
este isolamento era deixando um vão de ar entre as duas paredes. Para proteger estas estruturas da chuva, que
reduziria a temperatura do forno, eram construídos telhados ao redor dos dutos que proporcionavam ambientes
favoráveis ao trabalho. Para garantir que a carga escoasse sem dificuldades eram deixados buracos de inspeção ao
longo dos dutos, por onde era possível bater, com uma haste de ferro, para desobstruir a passagem e para acessar
estes buracos de inspeção eram construídas plataformas com superfícies antiderrapantes, com largura mínima de
1,5m (WINGATE, 1985)
Habitação e Arquitetura 209

Aspectos observados no conjunto remanescente de fornos do Monjolinho

Figura 111 Levantamento gráfico dos fornos de cal existentes no Monjolinho


Fonte: JERONYMO (2006)

Optamos por numerar os fornos para facilitar a compreensão das descrições (ver
figura 111), pois a identificação por nomes, feita a partir das declarações dos antigos
trabalhadores apresentava inconsistências quanto à identificação dos fornos que não
fossem o Macalé ou os de barranco.

Fornos de Barranco

Os fornos de barranco eram assim chamados, porque, inicialmente, apoiavam-se nas


encostas, trabalhando como arrimos, para facilitar o acesso ao topo e efetuar o
carregamento. Eram compostos, basicamente, pelas paredes de arrimo e pelos orifícios da
torre de queima (WINGATE, 1985). Geralmente são fornos intermitentes, possuem formas
cônicas, com altura aproximada de cinco metros, abertos e suas chamas chegam próximas
ao teto. O consumo de combustível (madeira), nestes casos, é bastante intenso. Existe uma
variação desse modelo conhecida por forno do tipo “pote” ou “pot kiln”. Nesta variação, o
forno intermitente não se apóia no barranco, pois é construído isolado em plataformas.
Nestes fornos tipo “pote”, a carga poderá ser empilhada manualmente no seu interior ou
apoiar-se em uma abóbada feita com pedras escolhidas, que servirá como teto de uma
fornalha, com uma pequena abertura para a introdução do combustível. Estes fornos
possuem uma cavidade inferior para recolher as cinzas (GUIMARÃES, 2002).
Os edifícios 3 e 4 da figura 111 foram erguidos em alvenaria de pedras encostados
ao barranco. Um antigo morador do núcleo afirmou que os fornos que existiam no
210

Bonsucesso (atualmente demolidos) seriam os mais antigos e entre eles estaria o forno de
barranco originalmente construído por Rodovalho. Entretanto, os dois fornos de barranco
do Monjolinho também apresentam características semelhantes às descrições dos fornos de
barranco construídos a mando do coronel.

Figura 112 Vista lateral do forno de barranco Figura 113 Forno de barranco apoiado na encosta,
Fonte: Acervo da autora (2006) em Caieiras
Fonte: Acervo da autora (2006)

Os edifícios 1, 5 e 6 do conjunto de fornos de Caieiras, apresentam aspectos


formais semelhante aos fornos de barranco mais evoluídos, como os “pot kilns”, aqueles
que ainda dependem dos barrancos para fazer os carregamentos, e de acordo com relatos
anteriores tinham funcionamento contínuo. Erguidos em alvenaria de tijolos portantes
aparentes em formato hexagonal, eram organizados, basicamente, por entradas de matéria
prima localizadas na parte superior, próxima à chaminé, janelas de inspeção, torre de
queima e chaminé. Os edifícios 1, 2 e 6 possuem vestígios das passarelas por onde as
vagonetas (carrinhos utilizados para transportes) eram conduzidas pelos trabalhadores
para conduzir a matéria prima destinada à queima. Estas passarelas eram compostas por
estruturas metálicas que apoiavam na cobertura dos fornos e em estruturas de pedra ou
tijolos na outra extremidade (ver figuras 114, 118,119) (JERONYMO, 2006).
Habitação e Arquitetura 211

Figura 114 Passarela de acesso para carregamento Figura 115 Vista do forno 1
do Forno 6 Fonte: Acervo da autora (2006)
Fonte: Acervo da autora (2006)

Figura 116 Vista do Forno 2 Figura 117 Vista do Forno 6


Fonte: Acervo da autora (2006) Fonte: Acervo da autora (2006)
212

Figura 118 Forno 1. Passarela para carregamento Figura 119 Forno 2. Passarela para carregamento
Fonte: Acervo da autora (2006) Fonte: Acervo da autora (2006)

Macalé

O edifício 2, conhecido pelo nome Macalé, foi construído em alvenaria portante de


tijolos intertravada por arcos. Embora também em formato hexagonal, tem seu aspecto
diferenciado dos demais por tratar-se de um edifício composto por 2 pavimentos, possíveis
de serem transitados internamente pelos trabalhadores. Os tijolos utilizados para a
construção deste edifício, com dimensões aproximadas de 24x12x7cm, foram assentados
seguindo modulação onde têm-se uma fiada de tijolos dispostos no sentido do
comprimento e outra no sentido da largura, com juntas que variam na largura entre 1,0 e
1,50cm. Os tijolos do conjunto do Monjolinho eram fabricados na própria olaria do
Coronel Rodovalho. Algumas peças soltas foram encontradas no entorno do edifício,
trazendo impresso na face três tipos de marca de fabricação: Fábrica de A. P. Rodovalho
São Paulo, A P R (iniciais de Antônio Proost Rodovalho) e CMSP (abreviatura de
Companhia Melhoramentos de São Paulo) (ver figura 122) (JERONYMO, 2006).
Habitação e Arquitetura 213

Embora dependente do barranco para o seu carregamento, observamos que o forno


Macalé apresenta certa sofisticação e aperfeiçoamento que remetem às características de
fornos contínuos166 que, basicamente, eram fornos que acrescentavam às antigas estruturas
maior altura, forma cilíndrica ou poligonal, revestimentos de tijolos cozidos ou refratários,
três ou mais “bocas de fogo”, cinzeiro, carga e descarga semi-automática, produção
contínua e uso opcional de óleo como combustível167.
Com pé-direito de 2,40m e largura de 3,70m entre as paredes externas e a torre de
queima, o pavimento térreo é acessado por 3 vãos em forma de arco ogival, distribuídos
nas faces do hexágono, à exceção das faces posteriores que locadas muito próximas ao
muro de contenção, não têm acessos. Os vãos destes arcos de acesso têm largura de 2,00m
em sua base e altura de 2,10 e são emoldurados por tijolos dispostos em 2 fiadas que se
intercalam na forma de assentamento dos tijolos. As grossas paredes externas medem na
base dos arcos 1,30m e chegam a 1,50 na altura mediana do arco e a 1,80 no topo.
Na parte interna do edifício, é possível observar nas faces da torre onde acontece a
queima do material dois tipos de aberturas intercaladas: uma que concluímos dar acesso ao
depósito das cinzas provenientes do combustível queimado (carvão ou madeira) e a outra
para retirada do produto final (ver figuras 124 e 125). As aberturas eram acessadas por
portas de ferro fundido em dimensões de 75x85cm. As faces que dariam acesso ao material
a ser retirado estão recuadas em 1,45m em relação ao alinhamento da parede da torre (ver
figura 125) (JERONYMO, 2006).
Do pavimento térreo é possível observar a estrutura que suporta o assoalho do
primeiro pavimento. Trata-se de uma malha composta por perfis metálicos “I”, 5x8,
dispostos no sentido interno para o externo, e travados no sentido contrário por caibros em
madeira 8x8cm (ver figuras 126 e 127).

166
Relatos de ex-moradores afirmam que os fornos trabalhavam de forma contínua havendo turnos consecutivos
de trabalho – 06:00h às 14:00h; das 14:00h às 22:00h e das 22:00h às 06:00h. Apenas no domingo o forno parava
para manutenção.
167
A redução do consumo de combustível nestes fornos foi significativa e a carga continuava a ser feita pelos
barrancos (GUIMARÃES, 2002).
214

Figura 120 Vista do Macalé Figura 121 Vista interna do Macalé.


Fonte: Acervo da autora (2006) 2º pavimento
Fonte: Acervo da autora (2006)

Figura 122 Detalhe dos tijolos. Figura 123 Detalhe da alvenaria Figura 124 Porta em ferro fundido
Fonte: Acervo da autora do Macalé para acesso à remoção das cinzas
(2006) Fonte: Acervo da autora (2006) Fonte: Acervo da autora (2006)

Figura 125 Porta em ferro fundido


Figura 126 Esquema da estrutura Figura 127 Pavimento térreo
para remoção da cal
do assoalho Fonte: Acervo da autora (2006)
Fonte: Acervo da autora (2006)
Fonte: Acervo da autora (2006)
Habitação e Arquitetura 215

Figura 128 Arcos de abertura Figura 129 Vão de abertura Figura 130 Peitoril da
de acesso para ventilação do 1º pavimento abertura de ventilação.
Fonte: JERONYMO (2006) Fonte: JERONYMO (2006) Fonte: JERONYMO (2006)

Figura 131 Escada de acesso


para o primeiro pavimento
Fonte: JERONYMO (2006)

As escadarias externas construídas em tijolos dão acesso ao primeiro pavimento


(ver figura 131). O piso deste pavimento é composto por pranchas de madeira com largura
de 12cm. Neste piso existem em todas as faces da edificação alçapões de limpeza das
cinzas (ver figura 132). No primeiro pavimento notamos aberturas destinadas para
colocação do combustível, com portas de ferro fundido e aberturas – que foram
posteriormente fechadas - destinadas, à inspeção. Este pavimento é formado por um
corredor de 3,45m que circunda a torre de queima. Deste nível é possível observar o
travamento das pareces em arcos, que garantem a estabilidade da estrutura, dispostos da
seguinte maneira: os primeiros pares de arcos iniciam a partir das arestas das paredes
internas a 2,40m de altura da base do assoalho de madeira. Logo acima destes arcos,
encontra-se o outro grupo de pares de arcos, (aproximadamente 2m do grupo anterior), e
por último não mais nas arestas e sim no centro da parede interna, a aproximadamente 2
metros de altura dos pares anteriores e próximos ao estrangulamento das paredes, arcos
únicos em cada face encerram a estrutura.
216

As aberturas externas destinadas a ventilação deste pavimento são arcos ogivais


locados nas 3 faces anteriores do forno. Esses arcos tem dimensões aproximadas de 1,00 x
2,40m com peitoril, inclinado para escoamento de água de chuva com 0,35m.

Figura 132 Alçapão de limpeza; Figura 133 Portas circulares em ferro fundido.
Fonte: Acervo da autora, 2006. Fonte: Acervo da autora, 2006.

Figura 135 Alterações nos vãos das portas.


Figura 134 Detalhe da porta circular Fonte: Acervo da autora (2006)
Fonte: Acervo da autora (2006)

Figura 136 Travamento da estrutura Figura 137 Janela de inspeção próxima ao


Fonte: Acervo da autora (2006) 2º pavimento
Fonte: Acervo da autora (2006)
Habitação e Arquitetura 217

No segundo pavimento, pequenas janelas na torre de queima sugerem a inspeção


das pedras ocasionalmente atoladas e controle do fogo. Pelo lado externo, existem as
passarelas que conduziriam, através de carrinhos, o material bruto a ser depositado dentro
da torre de queima. Essa entrada por onde o material era depositado, está locada na
porção superior do forno, abaixo do início da chaminé. Devido à rusticidade do piso deste
pavimento - estrutura de madeira que suporta as pranchas do tablado – supomos o uso
eventual para inspeção. Não foi encontrado nenhum tipo de acesso para este pavimento,
porém, vestígios de peças metálicas fixadas na parede indicam algum tipo de escada
marinheiro. A ventilação é feita por vãos em arco ogival com dimensão aproximada de
1,00x1,60m.
Os dutos dos fornos eram normalmente executados em formas cilíndricas. As
paredes do duto deveriam suportar o peso e a pressão exercida com o forno carregado. No
intuito de contribuir com a resistência às pressões eram utilizadas bandas de tensão de
aço ao redor do duto, presas por parafusos (ver figura138) (WINGATE, 1985).

Figura 138 Bandas metálicas de Figura 139 Vista do piso do 2º Figura 140 Vestígios de
tensão pavimento e estrutura fixação de escada para acesso
Fonte: Acervo da autora (2006) Fonte: Acervo da autora (2006) do pavimento superior
Fonte: Acervo da autora (2006)
218

Figura 141 Ao centro o Macalé. À esquerda, um dos fornos demolidos e o outro


remanescente, ambos com ampliação metálica para aumento da capacidade de
produção. À frente, certamente, funcionários categorizados e figuras ilustres
Fonte: Poster exposto no centro de treinamento do Sobradinho (2006)

As origens de Caieiras, ligadas às instalações fabris da produção da cal,


foram perpetuadas pela figura do forno Macalé, eleito símbolo do município,
inserido em seu brasão168 e sua bandeira169.

Figura 143 Brasão de Caieiras.


Figura 142 Bandeira de Caieiras.

168
Lei 326, de 9 de agosto de 1965, que estabeleceu uma nova redação da Lei 158, de 13 de julho de 1962,
instituiu o brasão do município. O Macalé representa a indústria que originou a cidade, a fumaça indica o trabalho
e os pinheiros simétricos pontuam a farta presença dessa árvore no local e sua importância na fabricação do papel.
A inscrição Urbis Pinetorum foi criada por Olindo Dártora, ex-prefeito da cidade que lutou para a emancipação e
a data 14 de dezembro de 1958 refere-se ao dia da emancipação (PERES, 2008).
169
Lei 844, de 16 de novembro de 1973, oficializou a criação da bandeira do município com as atuais
configurações. A Bandeira foi escolhida em um concurso. O criador é Nelson Antonio de Gaspero (PERES,
2008).
Habitação e Arquitetura 219

Figura 144 À direita o bairro do Monjolinho, já Figura 145 Fornos de cal em desuso
demolido. Abaixo, próximo ao lago, o edifício do Fonte: Paulo Polkorny
armazém do Monjolinho
Fonte: Paulo Polkorny

3.2.3.2 Armazém e escolas


O conjunto de prédios construídos nas proximidades da estação de trem evidencia
traços da arquitetura clássica. Os prédios têm data de construção incerta e desconhecemos
a autoria de seus projetos170. Em sua maioria, são compostos por blocos de plantas
retangulares com grande quantidade de portas e janelas em suas faces. Destaca-se neste
conjunto, devido à sua monumentalidade e imponência, o edifício de dois pavimentos
construído em alvenaria de tijolos de barro cozido no centro do conjunto paralelo à linha
férrea. A elegância aliada à combinação dos elementos arquitetônicos sugere uma
arquitetura que remete ao neoclassicismo. Este edifício é atualmente lembrado por ter sido
utilizado pela Companhia Melhoramentos durante muitos anos como armazém de
abastecimento e residência de seu administrador no pavimento superior. Alguns
entrevistados ainda lembram que, por volta da década de 1950, havia uma rua entre o Rio
Juqueri e o Armazém. Esta rua acessava a parte posterior do Armazém onde funcionava no
pavimento térreo uma pequena delegacia.

170
As datas de construção e do início da utilização do edifício como armazém pela Companhia Melhoramentos
são incertas. Donato (1990) relatou um “Dia festivo na Caieiras de 1885”, quando a Fábrica de Massas à Vapor
Fratelli Secchi já estava instalada no edifício onde funcionou o Armazém da Companhia Melhoramentos
(DONATO, 1990, p. 16). Entretanto, Bandeira Jr. (1901), Blay (1985), Marcovitch (2006) e Cenni (2003) relatam
a fundação da Fratelli Secchi no ano de 1896.
220

Figura 146 Edifício do armazém, final do século XIX


Fonte: Donato (1990, p. 16)

Figura 147 Chegada da linha férrea interna em frente ao armazém


Fonte: Peres (2008)
Habitação e Arquitetura 221

O frontão triangular que coroa o edifício de Caieiras segue a descrição de Koch da


arquitetura neoclássica171. Os ornatos dispostos no centro e nas extremidades do frontão
são compostos por três acrotérios de palmetas simetricamente distribuídos. No centro do
frontão, a inscrição das iniciais da Companhia Melhoramentos – CMSP surge, ainda que
discretamente, abaixo do aplique que remete a um óculo. Cornijas salientam os apliques do
frontão e evidenciam a separação entre os dois pavimentos, exercendo, ainda que de forma
limitada, a função do beiral.
As pilastras nas extremidades do pavimento do edifício remetem, de forma bastante
simplificada, às formas de meias-colunas quadradas da arquitetura clássica (ver figura
149). Observa-se uma proporção que harmoniza a estrutura, perceptível, principalmente,
pela repetição de seus elementos.
A repetição dos elementos deste edifício ocorre formando uma composição simétrica
no pavimento térreo – repetição das portas em arcos de dois centros que se apóiam nas
impostas sobre o pé-direito – e no pavimento superior – janelas com tímpanos triangulares. Os
acrotérios de palmetas utilizados nas extremidades e nos vértices do frontão reaparecem,
proporcionalmente, nos tímpanos que coroam as janelas.
Uma discreta saliência na parede da porção central do edifício, no pavimento térreo,
sugere a entrada principal. A bossagem nos cantos do pavimento superior dá destaque ao
eixo, à verticalidade e aos elementos centrais da fachada, entre eles, no pavimento
superior, dois apliques com cabeças de leão sobre frutas colocadas no alinhamento da
saliência do pavimento térreo. O acabamento do pavimento térreo nos remete a um tipo de
rusticação, sugerindo a utilização de pedras unidas por juntas de sulcos profundos. Estes
sulcos têm seqüência no pavimento superior em um acabamento próximo a uma rusticação
mais suavizada pela linearidade contínua das faixas. Notamos que ocorreram reformas por
todo conjunto. As portas do armazém foram substituídas por portas metálicas.

171
“O aspecto exterior da arquitetura neoclássica é caracterizado pela parede frontal do templo grego com
tímpano triangular, ou pela elevação com colunas (pórtico). Meias colunas, pilastras e cornijas conferem
harmonia ao edifício, enquanto mútulos, pérolas, contas, palmetas e os ornamentos sinuosos da Grécia clássica
[...] funcionam como decoração ao lado de guirlandas, urnas e rosáceas” (KOCH, 2008, p.60).
222

Figura 148 Edifício anexo ao armazém, onde


funcionou também, durante algum tempo, o
departamento de vigilância e grupo de escoteiros Figura 149 Edifício do armazém
Fonte: Acervo da autora (2009) Fonte: Acervo da autora (2009)

Figura 150 Detalhes do edifício do armazém: A. aplique com cabeça de leão; B. frontão; C. porta do pavimento
térreo; D. janela pavimento superior
Fonte: Acervo da autora (2009)
Habitação e Arquitetura 223

No edifício que está à direita do armazém, de acordo com Donato (1990),


funcionava, em 1930, o Grupo Escolar de Caieiras, que segundo relatos de ex-moradores
foi também o edifício que abrigou parte dos alunos do Grupo Escolar Otto Weiszflog.
Moraes (1995) relata que no edifício teria funcionado a Escola Mista de Caieiras172. É um
edifício eclético com elementos da linguagem clássica, portas geminadas em formato de
arcos plenos que se apóiam nas impostas sobre meias colunas simetricamente distribuídas
pela fachada. Percebemos que as portas com folhas cegas de madeira e bandeira fixa de
vidro que havia nas laterais deste edifício tinham desenho semelhante às portas do
armazém. Os vãos das portas foram diminuídos para a substituição por portas menores com
bandeira e vergas retas e esquadrias basculantes (ver figura 151).
No edifício à esquerda da rua, em segundo plano nas figuras 151 e 152 - uma antes
e outra depois da reforma que lhe deu feições ecléticas mais sofisticadas - funcionou o
Grupo Escolar Otto Weiszflog. Anteriormente à reforma, a arquitetura evidenciava telhado
de duas águas, com a empena na lateral do edifício e grandes esquadrias com folhas de
vidro fixadas com dobradiças. O telhado de telhas de barro disposto em duas águas foi
substituído por novo telhado de quatro águas, também com telhas de barro, escondido, em
três das quatro faces, por platibanda com cornijas sobressalentes. A substituição das portas
e janelas seguiu o padrão do edifício do Grupo Escolar de Caieiras. Algumas portas e
janelas da face lateral – paralela ao edifício do armazém - foram fechadas (ver figura 158).
Entretanto, os ornamentos que coroavam portas e janelas foram preservados. Relatos de
antigos moradores apontam que o Grupo Escolar Otto Weiszflog ocupou o pavimento que
fica no nível da plataforma do trem (observamos nas figuras 151 e 152 que a plataforma
possui nível mais elevado em relação à rua de terra vista nas fotos), enquanto o pavimento
que fica no nível da rua foi ocupado por serviços de barbearia e sapataria entre as décadas
de 1960 e 1970.

172
Segundo Moraes (1995) logo que foi estabelecida a população de Cresciúma, no início da década de 1930, os
moradores manifestaram a necessidade de construção de uma escola para as crianças. Inicialmente, houve
tentativa de estabelecer uma escola no bairro do Morro Grande, mas devido às dificuldades de estabelecer a
freqüência dos alunos e dos professores, optou-se por implantar a nova escola no citado edifício, inaugurando-se
em 18 de fevereiro de 1942 a Escola Mista de Caieiras.
224

Figura 151 À direita, edifício do armazém e edifício do Grupo Escolar de Caieiras que abrigou parte do Grupo
Escolar Otto Weiszflog, em 1930. À esquerda, grupo escolar Otto Weiszflog e a rampa de acesso à plataforma da
estação ferroviária
Fonte: Jornal Regional News, Ano X, nº 607 (13 de dezembro de 2002, p. 1 C2)

Figura 152 À esquerda e ao fundo, Grupo escolar Otto Weiszflog. À frente, à esquerda, plataforma da estação
Fonte: Acervo Paulo Polkorny
Figura 153 Armazém e edifício que abrigava parte do Grupo escolar Otto Weiszflog
Fonte: Acervo da autora (2009)

Figura 154 Vista do edifício onde funcionou o Figura 155 Grupo Escolar Otto Weiszflog. No
Grupo Escolar de Caieiras e parte do Grupo Escolar pavimento térreo funcionavam alguns serviços como
Otto Weiszflog, 1930 barbearia e sapataria
Fonte: Donato (1990, p. 100) Fonte: Acervo Paulo Polkorny(1999)
Habitação e Arquitetura 225

Figura 156 Vista lateral e posterior do Grupo Figura 157 Vista da fachada do Grupo Escolar
Escolar Otto Weiszflog OttoWeiszflog voltada para a estação ferroviária
Fonte: Acervo Paulo Polkorny (1999) Fonte: Acervo da autora (2009)

Figura 158 Lateral do Grupo Escolar Otto Figura 159 Lateral do Grupo Escolar Otto Weiszflog
Weiszflog Fonte: Acervo da autora (2009)
Fonte: Acervo da autora (2009)

A escola pertencente ao Bairro da Fábrica, apontada entre as primeiras escolas do


núcleo, era uma edificação de pequeno porte que parecia abrigar nada mais do que uma
única sala de aula. Não sabemos ao certo até quando o edifício abrigou a escola, entretanto,
em entrevista, Zeferino Prando relatou que após o encerramento das atividades escolares
neste edifício, o local passou a abrigar a sede do sindicato dos trabalhadores, fundado em
1937. O modesto prédio tinha uma arquitetura que remetia à linguagem clássica. A sua
fachada simétrica era ornamentada pela bossagem nos cantos laterais da construção. A
platibanda seguia o padrão das antigas edificações próximas ao armazém: ornamentada
com cornijas escondiam parte do telhado de quatro águas composto por telhas de barro (ver
figura 160).
226

Figura 160 Grupo Escolar do Bairro da Fábrica


Fonte: Peres (2008).

A renovação ocorrida no núcleo após a década de 1930, que modernizou e


padronizou os edifícios residenciais de Caieiras, influenciou também a arquitetura do
Grupo Escolar Alfried Weiszflog, erguido durante a década de 1940 no bairro Chic, nas
proximidades da fábrica de papel. Trata-se de um amplo edifício constituído de único
pavimento construído com tijolos de barro aparentes com aspecto similar àqueles
configurados pela arquitetura doméstica edificada neste período. Seguindo o padrão
inspirado nos bangalôs americanos a composição do edifício respeita a distribuição
simétrica de seus elementos arquitetônicos e tem como eixo principal a localização da
varanda que protege a entrada principal. O arco que faz o coroamento desta entrada segue
o padrão daqueles observados nas construções anteriores (ver figuras 150c e 165). Dotado
de esquadrias compostas por guilhotinas em madeira e vidro e folhas venezianas, esta
construção denota preocupações evidentes quanto à iluminação e ventilação dos espaços
escolares. Anexo a este edifício, um outro de dimensões menores constitui-se como apoio,
onde, segundo alguns dos entrevistados, estavam locados os sanitários separados por sexos
(ver figura 164).
Habitação e Arquitetura 227

Figura 161 Escolar Alfried Weiszflog, durante a década de 1940


Fonte: Donato (1990, p. 100)

Figura 162 Vista do Grupo Escolar Alfried Weiszflog


Fonte: Acervo Paulo Polkorny, ([199-])

Entre as modificações feitas ao longo do tempo, consideramos significativas as


demolições do entorno, configurado por residências geminadas; a construção do anexo
erguido à esquerda do edifício para abrigar prováveis instalações sanitárias (ver figura 163
228

e 166) e aquelas geradas pela ação do tempo e ausência de manutenção da construção, que
causam danos, principalmente, devido às más condições do telhado – atualmente tomado
pela vegetação - e de seu sistema de captação de águas de chuva, danificando visivelmente
a edificação.

Figura 163 Construção edificada Figura 164 Edifício de apoio Figura 165 Detalhe da entrada
junto ao edifício principal Fonte: Acervo da autora (2010) principal
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)

Figura 166 Vista do Grupo Escolar Alfried Weiszflog


Fonte: Acervo da autora (2010)

3.2.3.3 Cinemas e clubes


Os clubes e cinemas existentes dentro da Companhia Melhoramentos eram
instrumentos favoráveis à integração de trabalhadores de diversas categorias profissionais.
O cinema chegou à Caieiras em 1917, mas somente na década de 1940 é que
recebeu prédio próprio e adequado (DONATO, 1990). Não encontramos nos arquivos ou
na bibliografia específica outra referência, se não esta sobre a existência do primeiro
edifício do Cine Cayeirense. Em Peres (2008) uma imagem datada do ano de 1926, nos
Habitação e Arquitetura 229

permitiu supor tratar-se do primeiro edifício do Cine Cayeirense. Com pé-direito alto,
aproximadamente 3,50m de altura, e duas aberturas de acesso o edifício de pequeno porte
surge, na imagem, coroado por platibanda escalonada em desenho geométrico como
suporte ao letreiro festivo “Cayeirense”. Notamos em Caieiras a ocorrência comum de
edifícios deste porte lado a lado com construções mais singelas. Parece ser este um padrão
de modernização e sofisticação para edifícios de maior importância seja pelo uso coletivo
ou pela moradia de um funcionário especializado. A ornamentação da fachada restringe-se
às cornijas que arrematam a platibanda, aos apliques sobressalentes das aberturas de portas
e às bossagens nos cantos que dão maior destaque à porção central da construção. Ao
contrário do edifício vizinho, provavelmente uma residência de chefia, o edifício do
cinema não tinha o coroamento das aberturas feitos por frontões triangulares ou cimbrados.
O novo edifício do cinema, construído durante a década de 1940, foi uma reforma e
ampliação do edifício original.

Figura 167 Primeiro edifício do Cine Cayeirense


Fonte: Peres (2008)
230

Figura 168 Enchente na rua do cinema, década de Figura 169 Cine Cayeirense
1940. Notamos a inexistência do primeiro edifício Fonte: Donato, (1990, p.74)
do conjunto e das palmeiras imperiais
Fonte: Peres (2008, p164)

Figura 170 Carreata da emancipação, por Figura 171 Excursões das famílias. Ao
volta de 1958. Observamos as duas fundo, o cinema e edifícios vizinhos. Em
edificações ao lado do cinema e os jardins primeiro plano os jardins das casas operárias
das casas operárias em primeiro plano Fonte: Peres (2008, p. 218)
Fonte: Peres (2008, p.219)

Figura 172 Os edifícios adjacentes ao cinema em processo de demolição


Fonte: Acervo Paulo Polkorny
Habitação e Arquitetura 231

Figura 173 Festa de encerramento do ano letivo em Caieiras, 1940. À esquerda, casa de chefia, cinema, casas
operárias. Ao fundo as garagens das máquinas que faziam o transporte dos operários. À direita, a curva do Rio
Juqueri
Fonte: Acervo Jornal Regional News

Segundo Donato (1990), o prédio do Cine Cayeirense foi construído em 1940.


Porém algumas inconsistências referentes às datas das edificações são notadas. A figura
173 mostra a festa de encerramento de um ano letivo em 1940, com construções e
vegetações diferentes das que surgem na figura 168, também de 1940, ano em que Peres
(2008) atribui a uma das piores enchentes ocorridas na Companhia173.
Em relação à implantação do novo edifício, a fachada frontal foi projetada para
frente do lote, “quebrando” o alinhamento original que praticamente nivelava as fachadas
das construções adjacentes na implantação antiga. O novo edifício de dois pavimentos de
arquitetura eclética construído para o Cine Cayeirense foi inspirado na arquitetura
vernacular dos chalés europeus174.

173
A proximidade com o Rio Juquery tornava o cinema vulnerável às enchentes que avançavam pelo pavimento
térreo
174
O surgimento, em São Paulo, de edificações com arquitetura inspirada nos chalés, pode ter tido sua origem
com a influência dos engenheiros ingleses que trabalhavam na S.P.R. (CAMPOS, 2008). Esta hipótese foi
aprofundada por Campos (2008), ao tomar como referência a Estação de São Bernardo, construída por volta de
1867 - com seus elementos que remetem às construções inglesas medievalizantes incorporadas aos chalés
oitocentistas - como possibilidade de afirmação desta hipótese. O estilo teve ampla difusão na cidade,
principalmente a partir da década de 1870, nas casas erguidas para as classes mais abastadas, nos subúrbios
paulistanos. Os chalés eram construídos com os tijolos de barro, produzidos em abundância, desde a década de
1860, madeiras, elementos de ferro fundido importados ou produzidos na cidade, telhas planas importadas de
Marselha, ou ainda aquelas produzidas a sua semelhança nas fábricas próximas como as da fazenda do Coronel
Rodovalho, em Caieiras. Algumas vezes os chalés eram inteiramente fabricados no exterior e montados no Brasil.
232

A arquitetura eclética do edifício evidenciava características da arquitetura


vernacular européia mescladas a atributos do vocabulário neoclássico. As bossagens nos
cantos do edifício – semelhante às bossagens do armazém - enfatizam as três portas e as
três janelas simetricamente distribuídas na fachada de pouca ornamentação. A proteção da
construção é feita por telhado não mais de duas águas inclinadas ornamentadas por
pináculos e lambrequins – peculiar aos chalés – mas sim por cobertura que surge nesta
composição com a terceira água representada pela tacaniça interrompida. O coroamento é
feito por lanternim - característica de uma arquitetura já imbuída de noções higienistas.
Notamos modificações nos elementos que compõem a fachada da edificação. A inscrição
no oitão indica a utilização do edifício enquanto sala de cinema. Durante este período,
pode-se supor que a sala de projeção era acessada pelas três portas de folhas cegas
coroadas por apliques em forma de meia lua no pavimento térreo. Constatamos nas
imagens que tais portas foram trocadas por janelas, provavelmente, quando a edificação
assumia novo uso – residencial, talvez. Segundo Moraes (1995) o Cine Cayeirense foi
desativado no início da década de 1960 e, poucos anos depois teve início a sua demolição e
das construções adjacentes.
Ao final da década de 1950 havia no núcleo, além dos cinemas, 4 clubes esportivos
e recreativos que movimentavam a vida social dos funcionários: o Clube Recreativo
Melhoramentos – CRM; o Brasil Futebol Clube; o União Recreativa Melhoramentos e o
Expressinho, da Sociedade Amigos de Caieiras (PERES, 2008). Ao referir-se ao CRM,
Donato (1990), faz alusão ao clube fundado em 1916, também pelo nome Melhoramentos
Futebol Clube. Segundo o autor, o Esporte Clube Caieiras, fundado em 1927, passou a se
chamar União Recreativa Melhoramentos e o Ítalo-Brasileiro, criado em 1924 no bairro do
Monjolinho, foi rebatizado em 1940, passando a se chamar Brasil Futebol Clube.
Habitação e Arquitetura 233

Figura 174 Clube Recreativo Melhoramentos, por volta de 1940


Fonte: A OBRA SOCIAL DA COMPANHIA MELHORAMENTOS – IMPRESSÕES DO SR. LUIS
CARLOS MANCINI (1940)

O pouco material iconográfico disponível sobre as edificações dos clubes da


Companhia mostra as edificações onde funcionou o clube CRM. Segundo antigos
moradores, o primeiro edifício de que se lembram ter abrigado as atividades recreativas e
esportivas do CRM (ver figura 174) existiu nas proximidades da fábrica de papel até a
década de 1950, aproximadamente, quando ocorreu um incêndio que destruiu o prédio
totalmente. Entre as perdas provocadas pelo incêndio estavam os corsos e fantasias de
carnaval que eram guardados no interior do clube. Reconstruído em local próximo à
edificação anterior, o novo prédio do clube permaneceu até a década de 1980, quando foi
demolido durante a intensificação do processo de desmonte no núcleo. Após o desmonte,
foi construído no local o prédio onde, atualmente, funciona o restaurante dos funcionários
da MD Papéis.
No antigo edifício do clube observamos uma tipologia influenciada pela linguagem
clássica. A distribuição simétrica de suas grandes esquadrias de madeira com veneziana
concede à edificação aspecto comum aos edifícios que seguiram aos preceitos desta
linguagem. Seus pilares, os únicos elementos visíveis na figura 174 que revestem o
edifício de certa ornamentação, são distribuídos uniformemente e sustentam a cobertura de
uma grande varanda, posicionada em uma das faces do prédio, que nos faz lembrar amplos
alpendres. Erguido sobre um porão que funcionava com uma base niveladora, o edifício era
protegido por um telhado de quatro águas e tinha um lanternim no topo, utilizado para
ventilação do ambiente. O costume de datar a finalização das obras dos edifícios favoreceu
a identificação do ano de 1934 para a conclusão da construção das arquibancadas do clube
(ver figura 175, 178 e 179).
234

A nova edificação do clube seguiu o padrão de construção dos modelos edificados


durante o período de renovação das construções do núcleo. As únicas imagens que
conseguimos do novo edifico, pertencentes ao período do processo de desmonte (ver
figuras 176 e 177), mostram que o edifício foi erguido com tijolos aparentes e era coberto
por telhados de várias águas furtadas composto por telhas cerâmicas francesas. O novo
prédio era amplamente favorecido pela iluminação e ventilação permitidas pelos grandes
vãos das esquadrias de madeira e vidro e estava em harmonia com as edificações dos
bairros próximos à fábrica.

Figura 175 Arquibancada do CRM


Fonte: Acervo Paulo Polkorny

Figura 176 O edifício do novo CRM em demolição Figura 177 Separação dos tijolos da demolição do
Fonte: Acervo Paulo Polkorny (1981) CRM
Fonte: Acervo Paulo Polkorny (1981)
Habitação e Arquitetura 235

Figura 178 Emblema do CRM Figura 179 Emblema do CRM


Fonte: Acervo Paulo Polkorny (1981) Fonte: Acervo Paulo Polkorny (1981)

3.2.3.4 Igreja do Rosário


Inaugurada em 1917, a Igreja do Rosário é um edifício eclético que evidencia traços
simplificados, sobretudo, da arquitetura românica175.
As igrejas românicas caracterizavam-se pelo aspecto sóbrio. Tinham, inicialmente,
algo da aparência de fortaleza. Posteriormente as igrejas românicas passaram a se
apresentar cobertas de ornamentos. A profusão de arcos também é característica destas
igrejas. Os arcos, nestes casos, tinham a função estrutural de suportar o peso das abóbadas
ou surgiam como motivos decorativos (FRADE, 2007).
A Igreja do Rosário e o cinema foram construídos em local que se tornou o centro
das reuniões e festividades do núcleo de Caieiras. Com suas paredes laterais compostas por
janelas em arcos, simetricamente distribuídas ao longo da nave única, a edificação tem ao
fundo um anexo lateral direito, com a inscrição datada de 1957 afixada na parede externa
frontal. Este anexo não atravessa a nave perpendicularmente, em forma de cruz, mas
remete vagamente, aos transeptos das igrejas românicas, principalmente antes da
modificação do anexo que alterou sua dimensão, quantidade de vãos de janelas e
inclinação do telhado. Nas fotos mais antigas notamos o telhado do anexo lateral, em duas
águas, fazendo uma composição harmoniosa com os telhados principais da igreja. Após a
reforma, o anexo ficou maior, aumentou a quantidade de vãos de janelas e alterou o
telhado que passava a ter uma água com inclinação mais suave, se comparada ao telhado

175
A arquitetura românica começou a se difundir com os Carolíngios na Europa Ocidental e Central, após a
exaustão e colapso do Império Romano Ocidental. Foi a partir do século XIX, apenas, que o termo “românico”
passou a ser utilizado. A difusão do Românico foi além dos povos de origem românica, ou seja, aqueles
influenciados pela cultura da Roma antiga (BREITLING et al, 2001).
236

principal. Livre de abóbadas, a Igreja do Rosário é protegida por um extenso telhado de


duas águas composto por telhas francesas.
Na lateral direita, na porção frontal da igreja, ergue-se a torre em forma de
campanário, encimada por telhado íngreme de telhas planas semelhantes à ardósia. Surge
com altura suficiente para proporcionar certa elegância à composição. Pequenas aberturas,
semelhantes às minúsculas mansardas podem ser observadas nas quatro faces da torre.

Figura 180 Vista lateral direita da Igreja do Rosário


Fonte: Acervo Paulo Polkorny

Figura 181 Anexo lateral, antes da modificação Figura 182 Data do anexo.
Rosário Fonte: Acervo da autora (2010)
Fonte: Peres (2008)

O campanário é coberto por ornamentos que sugerem uma inspiração art nouveau
ou floreal. Os pilaretes que sustentam o telhado de torre são ornamentados em suas bases
com frisos geométricos e no topo com frisos que remetem à formas florais e voluptuosas.
Habitação e Arquitetura 237

Figura 183 Vista do campanário. Figura 184 Vista frontal com portal destacado do corpo
Fonte: Acervo da autora (2010) principal
Fonte: Acervo da autora (2010)

Notamos que a estrutura da igreja é composta, ao longo da extensão do edifício, por


elementos semelhantes aos contrafortes típicos da arquitetura religiosa românica (ver
figura 187). O portal da Igreja do Rosário remete, de forma simplificada, aos portais
românicos176. Inserido na porção frontal do edifício que se destaca, com telhado de duas
águas independente do corpo principal da igreja, este portal sugere a presença de
arquivoltas ornamentadas geometricamente no intradorso do arco e apoiadas em vagas
colunas clássicas únicas em cada lateral do portal. A arquitrave surge com altura de
dimensão generosa, onde se vê a inscrição em algarismos romanos da data de inauguração
da igreja: MCMXVII. O tímpano do portal é formado por esquadrias de madeira que
favorecem a ventilação e iluminação da igreja.
A cruz surge na forma cristã latina – tipo predominante na arquitetura religiosa
ocidental da idade média – em diversos locais: no frontão do portal, no ponto alto e frontal
da cumeeira do telhado principal da igreja, ao alto do telhado íngreme e na área livre ao
lado da construção do edifício.

176
No estilo românico, cada arquivolta, geralmente, se apóia em pequenas colunas encimadas por capitéis e são
ornamentadas por frisos geométricos.
238

Figura 185 Ornamentação do Figura 186 O Cruzeiro na área Figura 187 A Estrutura semelhante
campanário externa aos contrafortes
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)

A Igreja do Rosário ainda mantém as missas dominicais e desta forma é aberta ao


público para as reuniões semanais. Esta utilização exige a necessidade de conservação
periódica e assim, compartilhando do pensamento de Camillo Boito177 acerca das questões
referentes à conservação e restauração178, pode-se atribuir a esta utilização semanal uma
melhor manutenção do edifício.

3.2.3.5 Oficina mecânica


A Companhia Melhoramentos mantinha em sua propriedade diversas oficinas: de
manutenção, mecânicas, de apoio. Entre os edifícios destinados às oficinas um dos mais
emblemáticos é o da oficina mecânica, de 1922.
Cinco anos após a inauguração da Igreja do Rosário, localizado nas proximidades
da mesma igreja e paralelamente à linha férrea, foi inaugurado o edifício destinado a
oficina mecânica. Este edifício de arquitetura eclética evidencia traços de uma arquitetura
fabril, conotada pelos grandes vãos de abertura, pela utilização do tijolo aparente, alto pé-

177
Camillo Boito (1836-1914). Arquiteto, restaurador, crítico, historiador, professor, teórico, literato.
178
Para Boito a conservação é necessária e pode evitar a restauração, que segundo este teórico, pode ser em
muitos casos perigosa e ameaçadora (BOITO, 1884).
Habitação e Arquitetura 239

direito mesclado aos elementos arquitetônicos inspirados na arquitetura clássica e


românica.
Originalmente, o edifício era um bloco retangular único e livre de construções
imediatamente encostadas em suas faces. A simetria com que o edifício foi projetado podia
ser facilmente percebida. Na fachada longitudinal a porta de acesso cercada por três duplas
de janelas definia a centralidade da construção. Elementos estruturais interceptados por
cimalha e frisos surgem intercalados entre as janelas. Esta estrutura é representada por
elementos que sugerem, vagamente, a presença de pilastras encimadas pelo entablamento,
caracterizando uma arquitetura que faz certa alusão à linguagem clássica179.
As duplas de janelas eram compostas por grandes estruturas envidraçadas
quadriculadas que pareciam atingir altura aproximada de pouco mais de dois metros,
incluindo as bandeiras fixas em arco pleno. A disposição das janelas – reunidas sob a
representação ornamental de dois arcos que formam uma seqüencia de arcada cega -
remete às janelas geminadas com arcos cegos muito comuns na arquitetura românica e
gótica. No caso da oficina de Caieiras os arcos são abatidos. A porção mais alta das
paredes externas do edifício é ornamentada por óculos cegos simetricamente distribuídos
nos eixos de cada arco, com exceção da porta central que é coroada com a inscrição
“1922” – referência ao ano da inauguração.

Figura 188 A recém construída oficina mecânica de Caieiras.


Fonte: DONATO, 1990, p.68

179
De acordo com a afirmação de Summerson (2006): “[...] a arquitetura clássica é reconhecível como tal
quando contém alguma alusão, ainda que vaga, ainda que residual, às “ordens” da Antiguidade. Tal alusão pode
não ser mais do que um sulco ou uma saliência que sugira a presença de uma cornija ou uma distribuição de
janelas que sugira a razão entre pedestal e coluna, entre coluna e entablamento” (SUMMERSON, 2006, p.5).
240

O edifício era protegido por um telhado simples com quatro águas inclinadas. Com
o tempo este telhado foi alterado. O oitão foi fechado com telhas metálicas onduladas
permanecendo apenas as duas águas paralelas à rua e à linha ferroviária. Esta alteração
pode ter ocorrido devido às construções posteriores de novos galpões, que começaram a
surgir imediatamente acopladas ao edifício da oficina, como o edifício à direita construído
em 1957 e os galpões da esquerda construídos em 1935 e 1956 – datas identificadas pelas
inscrições afixadas em pequenas placas nas paredes externas.

Figura 189 Fachada posterior da Oficina paralela à linha férrea


Fonte: Acervo da autora (2010)

Figura 190 Vista interna da oficina Figura 191 Fachada vista pelo interior da fábrica
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)
Habitação e Arquitetura 241

Figura 192 Detalhe da inscrição da data. Figura 193 Edifícios do entorno. Em primeiro plano o
Fonte: Acervo da autora (2010) galpão datado de 1935
Fonte: Acervo da autora (2010)

Notamos a remoção da escada da porta central de acesso. A função desta escada


poderia estar associada à facilitação de carregamento de materiais como uma espécie de
plataforma de apoio. À exceção das bandeiras fixas, a estrutura composta pelas quadrículas
de vidro também foi alterada com a substituição destas, na fachada voltada para o interior
da fábrica, por vitrôs basculantes.
A fachada posterior, hoje escondida pelo galpão metálico que repousa sua estrutura
na espessa alvenaria de tijolos e pela vegetação densa que faz uma barreira entre a oficina
e a linha ferroviária, pode ter sido, no passado, de grande visibilidade para quem chegava a
Caieiras pela ferrovia. O letreiro pintado na fachada posterior, onde na parede oposta
localizam-se os óculos cegos, dá destaque ao nome do edifício: “OFFICINAS DA
COMPANHIA MELHORAMENTOS DE SÃO PAULO”.
Novos galpões construídos posteriormente nas imediações, alguns finalizados
durante a década de 1950, surgiam ainda com certa simetria. Eram construções modernas
de linhas retas, pé-direito menor, dotadas de lanternins que garantiam a melhor ventilação
e iluminação dos ambientes. Entretanto, nos novos casos, a profusão de elementos
decorativos como as cornijas, cimalhas e arcos não ocorreu. As novas construções
começaram a ser erguidas encostadas umas as outras e imediatamente encostadas à oficina
mecânica alterando a percepção da escala grandiosa que a antiga oficina imprimia no local.
Alguns edifícios apresentavam inovações em suas estruturas como mãos-francesas
apoiadas em pilares dando suporte aos beirais. A linguagem arquitetônica adotada para a
oficina mecânica, representada, sobretudo, pela utilização do tijolo aparente estabeleceu
certo padrão no conjunto.
242

Figura 194: Galpões posteriores. Este preservou Figura 195 Galpões com novas estruturas finalizados
escada de acesso em 1957
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)

3.2.4 O Neocolonial: Capela São José


A Capela de São José, construída em 1933, evidencia uma arquitetura filiada ao
neocolonial. Vê-se neste exemplar uma arquitetura híbrida que mescla elementos das duas
vertentes neocoloniais: aquela de origem luso-brasileira e aquela que ficou conhecida pelo
nome “estilo missões”, de origem hispano-americana.
O neocolonial surgiu no Brasil durante a década de 1910, em meio ao debate
relacionado à modernização e valorização da arquitetura e identidade brasileiras. Em fins
do século XIX firmou-se um dualismo entre idéias sobre a representação da arquitetura
brasileira. Na arquitetura, surgia, de um lado, uma corrente que defendia a estética do
ecletismo da arquitetura regida pelo gosto europeu. Outra corrente negava a arquitetura do
século XIX e reagia contra a imitação dos estilos europeus. Muitos autores se debruçaram
sobre a questão da representatividade da arte brasileira. Na série de artigos publicados no
livro Ideias de Jeca Tatu, em 1919, Monteiro Lobato, imbuído na noção de defesa da
personalidade brasileira, fundamentada na arte colonial, expressou sua contrariedade e
indignação ao ato de copiar o que se produzisse na Europa. A síntese de seu pensamento
acerca do que deveria ser um estilo e principalmente um estilo brasileiro era expressa com
a certeza de que da terra se tiraria a essência nacional e esta seria transformada por mãos
competentes e brasileiras:

Nosso estilo deve ser decorrente natural do estilo com que os avós nos dotaram.
Sempre vivo, sempre em função do meio, se quer fugir á pecha de
rastacuerismo180 deve retomar a linha do passado e desenvolve-la a luz da estesia
moderna. Para isso existem os artistas, temperamentos de eleição através dos

180
O autor utiliza o termo “rastocoères” para chamar aqueles que se imbuíam dos hábitos franceses fazendo uma
comparação aos “arrasta-couros” dos saladeiros argentinos que escondiam a profissão inicial depois de
enriquecerem.
Habitação e Arquitetura 243

quais a natureza se côa e surge transfeita em arte. Côe-se arte colonial através
dum temperamento profundamente estético, filho da terra, produto do ambiente,
alma aberta á compreensão da nossa natureza: e a arte colonial surgirá
modernissima, bela, fidalga e gentil como a língua bárbara de Vaz Caminha sai
bela, fidalga, gentil e moderníssima dum verso de Olavo Bilac (LOBATO, 1951,
p.33).

Em meio a esta discussão, começou a surgir em meados da década de 1910 uma


nova arquitetura inspirada na arte tradicional brasileira, sob o desígnio de arquitetura
neocolonial. Pode-se dizer que o ano de 1914 foi o marco para inauguração deste
movimento, pois nesse ano o arquiteto português Ricardo Severo181 em sua conferência “A
Arte Tradicional no Brasil” na Sociedade de Cultura Artística discursou sobre a
valorização da arte tradicional e das origens portuguesas da cultura brasileira. Entretanto, a
publicação de sua conferência, embora constituísse uma das primeiras ações de re-
valorização da arquitetura tradicional brasileira, não se refletiu de imediato em obras
realizadas, muito pelos efeitos da Primeira Guerra (1914-1918) que refreavam a construção
civil no país. A intensificação das idéias acerca da nacionalidade ocorreu com a
comemoração do quarto centenário do descobrimento do Brasil (SEGAWA, 2002).
A partir de 1919, com o engajamento também de José Mariano Filho182, responsável
pela denominação “neocolonial”, o movimento foi mais amplamente difundido e
começaram a surgir obras públicas inspiradas na arquitetura tradicional brasileira. Juntos,
Ricardo Severo e José Mariano Filho conseguiram, com ampla divulgação do movimento,
expandir seus ideais. Com o reconhecimento oficial do neocolonial e a construção de
edifícios públicos importantes ocorreu a apropriação, no Brasil, dos elementos ornamentais
de gosto tradicional. Reproduções destes elementos surgiram nas mais variadas
construções, incluindo as habitações populares. Esta popularização da arte colonial
brasileira culminou em discussões entre arquitetos e artistas sobre o conteúdo estético
desta arte (SEGAWA, 2002).
Destacou-se também neste período o francês Victor Dubugras, que apresentou uma
precoce produção neocolonial nos primeiros anos do movimento. O debate sobre as
questões artísticas e nacionalistas resultou em uma série de matérias organizadas por
Fernando Azevedo (1894-1974), publicada no jornal O Estado de São Paulo em 1926. Os

181
Ricardo Severo (1869-1940). Engenheiro civil e de minas na Academia de Politécnica do Porto, em 1891,
exilou-se no Brasil devido ao seu envolvimento com o movimento republicano português. Retornou a Portugal
entre os anos de 1898 e 1908, quando editou uma publicação – Portugália - sobre a valorização da cultura
portuguesa. Em 1909 radiou-se definitivamente no Brasil e associou-se ao escritório de Ramos de Azevedo.
182
José Mariano Filho (1881-1946). Médico e historiador de arte. Ativista do movimento neocolonial .
244

defensores do movimento atribuíam um caráter de “progresso” ao neocolonialismo,


reafirmando as convicções de Ricardo Severo manifestadas em 1914:

As ações primárias têm que ser a revolução; mas a essência da obra construtiva é
apenas a tradição; e a meta desse tradicionalismo revolucionário é o mesmo
desenvolvimento do progresso que todos os povos buscam na mais angustiosa
das ansiedades. Em matéria de arte, alistar-me-ia ‘a priori’ como ‘futurista’ –
consoante o termo em moda – se este pseudofuturismo não significasse um
ilogismo anarquizante, se não fosse uma negativa, se não denunciasse uma
facção de fato retrógrada [...]. Porém este tradicionalismo revolucionário é
também futurista (SEVERO, 1926).

O pintor José Wasth Rodrigues (1891-1957) discorria na mesma série de matérias


jornalísticas, sobre sua concepção acerca do neocolonial:

Não faço mais do que seguir um movimento que me parece universal. O


regionalismo é a conseqüência do excesso de cosmopolitismo. O que, fatigados
de tentativas, procuramos na arquitetura colonial é arte que repousa o espírito,
traga o caráter das coisas brasileiras e falo mais, tanto ao sentimento como à
sensibilidade. Não quero a arquitetura antiga na sua rigidez, mas uma arte
moderna que aí procure um elemento de renovação (RODRIGUES, 1926).

Em 1918, Wasth Rodrigues havia feito suas primeiras viagens a Iguape e Minas
Gerais com intuito de iniciar um levantamento sobre as principais características
arquitetônicas do período colonial brasileiro. Posteriormente, este levantamento tornou-se
o livro Documentário Arquitetônico, publicada apenas em 1940. Muitos autores atribuem a
Ricardo Severo a encomenda deste levantamento ao jovem pintor, entretanto, Pinheiro
(2003) chama atenção para o fato de ter sido à memória de Otto Weiszflog, sócio da
Melhoramentos, a homenagem feita por Wasth Rodrigues, sem qualquer referência a
Severo:

A coleção de desenhos que ora publicamos, é resultante de apontamentos feitos,


uns ao natural, outros de fotografias, e reunidos em muitos anos de estudos e de
viagens sucessivas pelo Brasil. Trabalhos para uma publicação semelhante
foram colecionados a seguir às primeiras viagens que fizemos a Iguape e a
Minas Geris em 1918, a conselho de Otto Weiszflog, seu orientador inicial, a
cuja memória prestamos aqui nossa homenagem (RODRIGUES, 1940, p.1 ).

Ao que parece, Otto Weiszflog pode ter financiado a pesquisa de Wasth Rodrigues,
conotando o apreço do industrial à investigação dos elementos arquitetônicos do período
colonial brasileiro. O apogeu do “movimento neocolonial” ocorreu durante a década de
1920. Nas décadas seguintes fora apropriado popularmente e passou também a ser
reproduzido de forma destituída das formulações originais postuladas por seus fundadores.
Habitação e Arquitetura 245

Entre as últimas obras relevantes neocoloniais construídas em São Paulo, estaria o edifício
da Faculdade de Direito de São Paulo, projeto de reforma de Ricardo Severo (SEGAWA,
2002).
O estímulo de Otto Weiszflog ao estilo voltado às origens coloniais e a busca de
uma representação genuinamente nacional, poderia expressar o desejo do alemão atestar
sua “brasilidade” formalmente materializada.

Figura 196 Capela São José


Fonte: Acervo Paulo Polkorny

Outra questão importante que deve ser destacada é a aproximação entre a


Companhia Melhoramentos, Monteiro Lobato e Ricardo Severo. Alguns anos antes da
inauguração da Capela de São José, em 1924, o ex-ministro da viação e deputado federal
por São Paulo, João Pires do Rio, produziu um relatório referente às oficinas da gráfica que
haviam sido transferidas para as novas instalações da Companhia construídas no bairro da
Lapa/Água Branca, em São Paulo. Junto com o deputado, o escritor Monteiro Lobato
esteve presente nas novas instalações. Monteiro Lobato e a Companhia estudavam um
projeto de associação e esta ideia era apoiada com entusiasmo por de J. C. Macedo Soares,
Paulo Prado, Horácio Sabino e Ricardo Severo. Neste projeto, o grupo Lobato entraria com
mil contos de réis e os Weiszflog com três mil, valor estimado para a gráfica-editora. Esta
246

associação não foi consolidada, segundo Donato (1990), devido à Revolução de 1924 que
trouxe instabilidade para as empresas e desmotivou Lobato a investir neste negócio
fazendo com que o escritor se concentrasse no esforço de salvar da crise a sua própria
empresa183 (DONATO, 1990). Se considerarmos a possibilidade do arquiteto Ramos de
Azevedo ter tido grande aproximação com a Companhia Melhoramentos, podemos supor a
possibilidade de nomes como Ricardo Severo e Victor Dubugras, profissionais ligados ao
escritório de Ramos e ao movimento Neocolonial, serem eventuais autores do projeto da
capela de São José.
Na capela de São José184, erguida quando Caieiras pertencia aos Weiszflog, notamos
a mescla de elementos da arquitetura neocolonial fundamentada em origem luso-brasileira
(que foi popularizado pelo termo neocolonial) e da arquitetura neocolonial de origem
hispânica, também conhecida pelos termos “estilo missões”, “estilo mexicano” ou ainda
“estilo californiano”. Nela podemos identificar elementos da arquitetura do período
colonial visíveis, principalmente na configuração do telhado e do alpendre. A utilização de
pedras no embasamento do edifício e o anexo circular na fachada posterior configura um
recurso bastante utilizado no estilo missões. Para Santos (1981),

O Neocolonial era grave e viril; o Mission-Style gracioso e delicado; a


conjugação dos dois (muito atacada por José Mariano) constituiu uma das notas
características da sensibilidade artística da segunda metade da década
(SANTOS, 1981, p.94).

Poderíamos dizer que a configuração do frontão da capela assemelha-se aos


frontões jesuíticos, com formas livres simplificadas, como uma transição entre frontões
jesuíticos de linhas barrocas e os frontões jesuíticos de forma regular. Nesta concepção, o
óculo modificado e o consolo também poderiam ser lidos como elementos que seguiram
uma linguagem dos frontões regulares. Na fachada, os telhados laterais, elementos bastante
difundidos no neocolonial coroados por elementos decorativos, fazem certa referência às
tradicionais igrejas de duas torres.

183
Com a desistência de Lobato, Pires do Rio concebeu o seu próprio plano. A idéia de Pires do Rio era montar
uma empresa gráfico-editora que se chamaria Companhia Impressora do Brasil com sede em São Paulo e filial no
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Bahia, Recife e Porto Alegre. O capital de cinco mil contos de réis estaria
dividido com 15% com os Weiszflog e o restante com o grupo financeiro carioca Vieira Cunha. No momento de
avaliação dos bens da Companhia Melhoramentos o projeto foi encerrado e a associação não ocorreu (DONATO,
1990).
184
Desconhecemos a autoria do projeto desta capela, entretanto, nos parece ser um projeto erudito, elaborado
provavelmente por arquiteto.
Habitação e Arquitetura 247

Figura 197 Detalhe da janela lateral Figura 198 Detalhe da portada


Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora (2010)

Figura 199 Lateral esquerda da capela Figura 200 Lateral direita da capela
Fonte: Acervo da autora (2010) Fonte: Acervo da autora, (2010)
.

3.2.5 A nova Fábrica de Papel: da linguagem clássica ao modernismo


A fábrica de papel da Companhia Melhoramentos foi encomendada pelo Coronel
Rodovalho por volta do ano de 1887. O projeto foi elaborado pela empresa alemã
Gebrüder Hemmer, especializada neste segmento e a obra foi direcionada pelo engenheiro
paulistano Leonhardt (DONATO, 1990).
Para a construção iniciada logo após a finalização do projeto, materiais diversos
foram importados da Europa, como cimento inglês e o zinco de Flandres, enquanto o
material bruto era extraído dos morros próximos, como o morro Tico-Tico. O material
importado chegou a Caieiras transportado pela ferrovia e o desembarque ocorreu na Ponte
248

Seca, localizada entre Caieiras e a região de Os Perus - atual bairro de Perus – de onde
seguiam por navegação até o local onde começaria a implantação da fábrica (DONATO,
1990).

Figura 201 Descarregamento do material importado na Ponte Seca entre os anos de 1888 e 1889.
Fonte: DONATO (1990, p. 18)

Os edifícios erguidos em alvenaria de pedra foram locados às margens do Rio


Juqueri, onde posteriormente à construção da fábrica foi feita uma barragem construída
para fornecimento de energia hidráulica necessário para o funcionamento do maquinário.
Segundo Donato (1990) a implantação dos prédios fora concebida em níveis diferenciados
para a facilitação do transporte de materiais.

Figura 202 Trabalhadores e materiais que chegavam à fábrica pelo transporte fluvial
Fonte: Donato (1990)
Habitação e Arquitetura 249

Notamos que a concepção do edifício com a simetria e proporção dos vãos em arco
remete à linguagem clássica. Para Correia (2008)

[...] as construções de pedra erguidas na década de 1880, que abrigaram a


fábrica de papel da Companhia Melhoramentos, em Caieiras – com seu frontão e
vãos em arco pleno – não deixam de incorporar motivos da linguagem clássica
(CORREIA, 2008).

A arquitetura da fábrica de Caieiras parecia prenunciar aquela arquitetura descrita


por Hardman e Leonard (1982) que chegaria com o novo século. Ao descrever as
características das fábricas surgidas no início do século XX, subordinadas ao capital
estrangeiro – principalmente o capital germânico - os autores enumeram características
comuns do “estilo alemão” que começava a surgir a partir dos 1900 e entre elas destacam a
arquitetura alta e compacta, com dois andares iluminados e ventilados por pequenas
janelas. Entretanto, nos novos modelos do século XX as edificações eram erguidas em
alvenaria de tijolos pintados de branco ou amarelo, como a fábrica de tecidos Carioba, em
Americana.

Figura 203 Construção da Figura 204 A fábrica de papel Figura 205 A fábrica por volta
barragem entre os anos de 1888 e movida pela energia hidráulica da de 1906.
1889 represa do Rio Juqueri, 1890 Fonte: Donato (1990, p. 42)
Fonte: Donato (1990, p. 40) Fonte: Calendário
100 anos da Melhoramentos(1990)

Como vimos, os anos da década de 1930 foram de renovação para o cenário


arquitetônico de Caieiras. Além das antigas residências, que foram, gradativamente,
substituídas por casas modernas, também a arquitetura da fábrica de papéis começava a ser
alterada com a demolição de parte do edifício original, entre os anos de 1938 e 1939, para
dar lugar ao edifício de linhas modernas, baseado em novos conceitos estéticos e
racionalistas. O entorno da fábrica já estava composto por edificações mescladas por
antigas construções e novos galpões industriais de linhas modernas. Neste contexto, o
250

armazém do bairro da fábrica também mostrava a influência desta nova arquitetura (ver
figura 212).

Figura 206 Vista dos edifícios da fábrica antes do Figura 207 Demolição de parte do antigo edifício da
início da demolição para construção do novo fábrica, anos 1938 e 1939
edifício, entre os anos 1938 e 1939 Fonte: Donato (1990, p.162)
Fonte: Donato (1990, p.162)

Figura 208 Início da obra do novo edifício, 1938- Figura 209 O novo edifício da fábrica construído
1939 entre os anos de 1938-1939.
Fonte: Donato (1990, p.162) Fonte: Donato (1990, p.162)

Figura 210 Vista geral da nova fábrica, 1939.


Fonte: Donato (1990, p.162)
Habitação e Arquitetura 251

Os novos edifícios fabris que emergiam durante os anos de renovação de Caieiras


traziam fachadas desvencilhadas das ornamentações185, características intrínsecas aos
edifícios ecléticos. Desta forma, a arquitetura expressa nestes edifícios aflorava as
características mais evidentes da arquitetura moderna186 que era baseada em preceitos de
economia, praticidade, limpeza e funcionalidade. Assim, os novos edifícios rompiam com
os estilos históricos anteriores. De maneira geral, após a década de 1930, a indústria
abraçou as idéias modernistas que se propagavam e os novos projetos arquitetônicos
surgiam expressando os conceitos de funcionalidade e economia como princípios
norteadores.

Figura 211 Vista do bairro da fábrica, década de 1960


Fonte: A viagem ao maravilhoso mundo do papel e do livro (1965)

Figura 212 Edifício do armazém da fábrica


Fonte: Acervo da autora (2010)

185
A rejeição ao ornamento foi uma característica marcante do modernismo. Em 1908, Adolf Loos lançou um
ensaio com o título “Ornamento é Crime”, onde criticava a arquitetura que se utilizasse deste recurso como uma
prática de adoção de elementos supérfluos. As idéias ligadas aos conceitos de “menos é mais” e “a forma segue a
função”, difundidas por Mies van der Rohe e Louis Sullivan, tornaram-se a representação e síntese do ideário
moderno.
186
O modernismo firmou-se como ideologia com idéias de origens diversas como a Bauhaus, na Alemanha; Le
Corbusier, na França; Frank Loyd White, nos Estados Unidos e pelas reuniões do “CIAM” (Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna) que estabeleciam pontos de convergência destes ideários.
252
253

Capítulo IV
Caieiras e a preservação dos edifícios
remanescentes
254
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 255

4 Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes

4.1 Considerações sobre a preservação e atribuição de valores


Os estudos sobre Preservação de Patrimônio têm obtido significativos avanços nas
últimas décadas. Beatriz M. Kühl (1998), em suas notas sobre a evolução do conceito de
restauração, traça um panorama geral da evolução dos conceitos de preservação do século
XVIII ao final de século XX. Dentro desta análise, aponta que o interesse por construções
históricas, especificamente por construções da Antiguidade, começou a se difundir durante
o Renascimento, período em que estudos aprofundados sobre edificações de períodos
precedentes foram elaborados. Neste sentido, são enumeradas as ações de relevância para
estes estudos e as preocupações sobre o respeito pelas obras dos antepassados e a
condenação à demolição indiscriminada:

[...] fazendo uso enfurecido de suas ferramentas, precipitam-se, como muitos


saqueadores, a demolir e a nivelar tudo que está à sua frente; o que os tornaria
muito melhores na terra de um inimigo. Mas o erro desses homens deve ser
corrigido; por uma mudança da fortuna, ou adversidade dos tempos, ou algum
acidente imprevisto, ou necessidade, pode possivelmente obrigá-lo a deixar de
lado os pensamentos do empreendimento que começou. E é certamente muito
impróprio, nesse meio tempo, não ter consideração pelos trabalhos ancestrais, ou
pela utilidade que muitos compatrícios encontram nessas habitações paternas, às
quais eles longamente se acostumaram; e quanto a destruir e demolir, isso está
em seu poder em qualquer tempo. Sou, portanto, pela preservação das velhas
estruturas intocadas, até o tempo em que seja absolutamente necessário remove-
las para dar lugar ao novo (ALBERTI, 1775 apud Kühl, 1998, p.180).

Começaram a surgir ainda no século XV, as preocupações manifestadas pelas


ordenanças papais, sobre a proteção das construções passadas tanto pagãs como cristãs. As
idéias sobre Preservação do Patrimônio foram amadurecendo, lentamente, na Europa,
sobretudo, a partir do século XVIII, com as idéias Iluministas, quando a noção de História,
da maneira como é entendida atualmente, começou a se formar (KÜHL, 1998). Fatores
como o balanço das destruições do patrimônio artístico francês causadas pela Revolução
Francesa (CHOAY, 2001) e as profundas alterações geradas pelo processo de
industrialização em larga escala em algumas regiões como a Grã Bretanha, contribuíram
para uma mudança na relação entre uma determinada cultura e seu passado. Assim, a
ameaça da perda suscitou as preocupações em proteger um passado de ambiente urbano e
arquitetura notável. Na França, tais preocupações levaram o Estado à criação da primeira
legislação sobre o tema (KÜHL, 1998).
256

Estes processos de perda, pelos diversos tipos de destruição, e a necessidade de


proteger os bens suscitaram o início das escolhas dos bens. Os monumentos históricos
começaram a ser pensados sob a ótica da atribuição de valores. Na França revolucionária, o
valor nacional é o valor fundamental, aquele que legitima todos os outros, dos quais é
indissociável e a cujo conjunto hierarquizado ele comunica seu poder afetivo.
Relacionando os valores por uma hierarquia, o valor cognitivo, primeiro da seqüência,
permite construir uma multiplicidade da história – política, das artes, dos costumes –
simultaneamente ao auxílio que proporciona à pesquisa intelectual e à formação das
profissões e dos artesanatos. O valor econômico pode ser relacionado àquele valor que
oferece modelo às manufaturas e também à sua capacidade de atrair visitantes estrangeiros
geradores de lucros. Finalmente estava o valor artístico (CHOAY, 2001).
Durante o século XIX, nova importância foi atribuída às antiguidades, com o início
da fase de consagração do monumento histórico. Vários países europeus contribuíram para
as reflexões e teorias sobre conservação do monumento histórico. Inglaterra, Itália e países
germânicos inovaram nas teorias e reflexões sobre o tema. Com o advento da
industrialização, transformações e degradações ocorreram no meio ambiente, contribuindo
para inverter a hierarquia de valores atribuída aos monumentos históricos. Desta forma, os
valores relacionados à sensibilidade, como o valor estético, passavam a ganhar força. A
industrialização do mundo contribuiu para a aceleração e generalização do estabelecimento
de leis visando à proteção do monumento histórico e, assim, a maioria dos países europeus
consagrou a necessidade de sua preservação (CHOAY, 2001).

4.2 IPHAN e CONDEPHAAT


Pode-se dizer que no Brasil medidas mais consistentes para a preservação de
monumentos foram tomadas a partir da década de 1920. Iniciativas como a de Alberto
Childe com a elaboração do anteprojeto de lei para a defesa do patrimônio artístico
nacional, o projeto de lei de 1923, para organização da defesa dos monumentos históricos e
artísticos apresentado pelo deputado pernambucano Luiz Cedro e a proposta do
representante de Minas Gerais, Augusto Lima, para proibir a saída para o exterior de obras
de arte, não tiveram força ou aprovação. As iniciativas estaduais que visavam à elaboração
de legislação eram frágeis, limitadas e de pouca eficiência (PINHEIRO, 2003).
Em 1933, Ouro Preto foi decretada Monumento Nacional. No ano seguinte, através
de decreto, foi organizado o serviço de proteção aos monumentos históricos, sob a
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 257

responsabilidade do Museu Histórico Nacional. A constituição de 1934 incluiu, entre seus


princípios, a proteção do patrimônio histórico e artístico. A tutela do patrimônio histórico e
artístico pelo Estado foi aos poucos, se consolidando e o Ministro da Educação Gustavo
Capanema foi o responsável pela sua efetivação. Durante o Governo Vargas foi criado o
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, a partir da elaboração, em
1936, do anteprojeto do Diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo -
Mário de Andrade. Um novo projeto de Lei Federal foi criado e então foi proposta a
criação do Sphan. Em 1937 foi promulgado o Decreto nº25, basicamente de autoria de
Rodrigo Melo Franco de Andrade, sobre a proteção do patrimônio histórico e artístico
nacional. O conceito de patrimônio, nacional e internacionalmente, neste momento, ainda
era voltado, sobretudo, aos bens notáveis e tendia a excluir elementos como tecido urbano
e arquitetura vernacular (FONSECA, 2005).
No Brasil, os arquitetos modernistas tiveram participação fundamental na
preservação do patrimônio histórico no momento de implantação da legislação de
preservação, quando as preocupações focavam a preservação de um passado nacional.
Nesta ação ocorreram certas resistências e desvalorizações da herança arquitetônica de
origem européia do século XIX. A busca pela identidade nacional motivou a disputa pelo
resgate de raízes culturais nacionais entre os grupos. A participação do arquiteto Lucio
Costa, como diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos do Dphan/Sphan foi de grande
relevância na escolha dos bens tombados naquele momento. Em seus pareceres sobre o
tombamento dos edifícios, grande importância ao valor estético e ao valor de
excepcionalidade dos monumentos foram atribuídas (PESSOA, 1999).
A partir da década de 1970, em decorrência, principalmente, da impossibilidade de
o Iphan187, manter apenas com os recursos do governo federal, atualizados os programas de
manutenção e conservação do patrimônio, deu-se início ao processo de descentralização
das políticas de preservação no Brasil. O resultado desta ação contribuiu para flexibilizar a
valoração de certos bens que podiam ter relevância para estados e municípios, mas não
necessariamente sob a ótica do Iphan (LEITE, 2007).
Em 1969, no estado de São Paulo foi criado o Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico Artístico e Turístico – Condephaat. A prática do tombamento
continuava na busca da autenticidade sob o temor da perda que se intensificava com o
desenvolvimento da industrialização. Havia divergências relativas aos critérios,

187
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual denominação do antigo SPHAN.
258

procedimentos e métodos utilizados para o reconhecimento da importância histórica de


bens entre os profissionais que entendiam que os bens deveriam ser avaliados como
documento da arquitetura, valorizando aspectos como técnicas construtivas, materiais e
formas e aqueles que entendiam que os edifícios deveriam ser valorados,
predominantemente, como testemunhos da tradição nobiliárquica ou pela relação com a
vida dos grandes heróis do passado. O ponto de convergência entre tais opiniões foi obtido
na valorização do bandeirismo e dos primeiros anos da ocupação do litoral brasileiro, que
representavam momentos fundamentais da memória histórica regional e nacional. As ações
do Condephaat se iniciaram com essas balizas históricas, às quais foi acrescentado o
período de expansão de café no Vale do Paraíba e na região de Campinas (RODRIGUES,
2000).
A industrialização permaneceu em plano absolutamente secundário e os critérios de
valoração de bens ampliaram-se sem que fossem definidas explicitamente políticas de
preservação. Assim, as políticas culturais estaduais foram circunstanciais e definiram
políticas a partir da composição dos conselhos deliberativos, das pressões externas
resultantes da vontade política do poder público, de interesses do setor privado, em
especial os relativos à especulação imobiliária intensificada a partir da década de 1970, e
de referências teóricas e conceituais assumidas por conselheiros e técnicos. Além disso, os
setores sociais não representados no Conselho atuaram pelo direito de todo cidadão
solicitar tombamentos.
Inicialmente os argumentos dos solicitantes eram relacionados às passagens de
personagens históricas pelo espaço que se pretendia tombar ou à posição social e
nobiliárquica de seu proprietário. Assim, a valorização da história oficial se tornou o ponto
de harmonia entre a ação do Condephaat e a expectativa da sociedade. Aspectos como o
estado precário dos bens tombados influenciavam negativamente junto à opinião pública.
Pedidos referentes à memória local ou de um grupo social começaram a surgir, alterando o
entendimento social sobre o patrimônio, juntamente com os direitos de cidadania. O
Condephaat foi pioneiro, no Brasil, na preservação de áreas naturais por meio de
tombamento. Todas estas ações contribuíram para a revisão do conceito de patrimônio que
passou a abranger outros objetos referentes ao conjunto da cultura material, além dos
monumentos históricos, abrindo as possibilidades de estender a proteção oficial para áreas
naturais e urbanas de porte, bem como para a consideração da memória social como um
dos vetores envolvidos na preservação de artefatos materiais (RODRIGUES, 2000).
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 259

O estabelecimento da aproximação entre o Conselho e a sociedade compunha as


diretrizes das ações do Conselho durante a década de 1980. Uma renovação no
entendimento do conceito patrimônio ocorreu após experiências, como o tombamento da
Vila Itororó188, que trouxeram nova interpretação da ação do tombamento, levando em
consideração fatores como atuais usos e ocupações do bem que se pretende tombar, a
dinâmica e os efeitos sociais das intervenções preservacionistas sobre as populações
carentes e historicidade dos objetos culturais. Esta renovação deu-se pela observação
destes fatores no referido processo por Flavio Império (1935-1985), membro do “Grupo de
Apoio” formado para assessorar os conselheiros na avaliação dos problemas específicos.
As colocações de Flavio Império traduziam a idéia de que a preservação não envolve
apenas a consideração do passado, mas, sobretudo a do presente e que o tombamento não
autoriza apenas apropriações para uso cultural, pois o patrimônio tem um papel social mais
amplo do que representar o passado. O projeto de Lina Bo Bardi (1914-1992) que
estabelecera uma nova dinâmica para um antigo espaço fabril, adaptando-o para um centro
de convivência, lazer e cultura para diferentes estratos da população – o Sesc Pompéia -
tornou-se também exemplo de utilização adequada de bens históricos, fazendo-se
necessário uma revisão quanto às formas de utilização e tombamento dos bens
(RODRIGUES, 2000).
A partir de 1975, a “cultura popular” passou a ser considerada nesta redefinição que
se processava nas diretrizes da política de patrimônio. Na renovação, as equipes técnicas
multidisciplinares começaram a confrontar a rigidez dos conhecimentos específicos.
Assim, as opiniões técnicas foram ganhando nas decisões, impulsionando o
aprofundamento e especialização dos conhecimentos dos técnicos que coincidiu com a
valorização da memória e da preservação pela sociedade, expresso pela busca das raízes
culturais de grupos étnicos, pela expansão de grupos voltados à preservação do meio
ambiente, pelo interesse de empresas privadas em divulgar sua história e pela organização
de arquivos históricos particulares (RODRIGUES, 2000).
A redefinição das ações e condições de atuação do Condephaat pode ser observada
nas propostas das “Diretrizes para a formulação de uma política de atuação do
Condephaat”, de 1984. Nesta proposta, técnicos e conselheiros dispõem-se a rever as
dificuldades conceituais e administrativas do Conselho, no que diz respeito às políticas de
preservação direcionadas à produção cultural em seu conjunto. Pelas Diretrizes caberia ao

188
Conjunto residencial construído durante a década de 1920, na Bela Vista, em São Paulo (RODRIGUES, 2000,
p.122).
260

Condephaat, fundamentado em uma nova conceituação que incluía o conceito de memória,


ampliar suas atribuições, de modo a atender com maior eficiência às tarefas de
identificação, proteção e valorização do patrimônio cultural paulista. O patrimônio cultural
é reafirmado como portador de significados – vetor das relações sociais enquanto cultura
material – cujos critérios de identificação não se fundamentam em sintomas objetivos que
representem unicamente o gosto e os padrões culturais dominantes de algum seguimento
exclusivo da sociedade (RODRIGUES, 2000).
Assim, entende-se que a definição de patrimônio, pelo Condephaat, somente será
possível reconhecendo os conteúdos específicos dos bens naturais, como seguem: relevante
valor estético, preservação e valorização cultural, excepcionalidade e apropriação social de
espaços naturais. Ao incluir o termo cultural ao patrimônio, o Condephaat propõe que o
universo de bens, objetos e paisagens assim identificados, deveriam servir não apenas
como testemunho do passado, porém, como testemunho de representações simbólicas
implícitas nas relações humanas. Determinado o caminho a percorrer (identificação,
proteção e valorização do patrimônio cultural pelos critérios científicos), as atuações do
Condephaat esbarram em questões políticas e econômicas, pois não podemos esquecer o
valor imobiliário agregado aos bens materiais, que possibilita a destruição ou a valorização
cultural dos mesmos. Os interesses do capital prevalecem sobre outros, fato observado,
entre outros casos, na demolição das fábricas das Indústrias Reunidas F. Matarazzo, na
Água Branca, em São Paulo, quando das negociações entre governo e proprietário
(RODRIGUES, 2000).

4.3 Algumas considerações sobre o Patrimônio Industrial


A inclusão do Patrimônio Industrial entre os edifícios históricos que suscitaram o
interesse da preservação pode ser considerada uma ação mundial recente. O Patrimônio
Industrial, geralmente, é constituído por áreas localizadas nos centros urbanos. As
peculiaridades destas áreas – grandes e muitas vezes ociosas e com baixa rentabilidade -
configuram uma delicada situação deste patrimônio em relação à sua preservação.
Na Inglaterra, durante a década de 1950, surgiram as primeiras ações e escritos
sobre o tema, voltados para a defesa, documentação e preservação dos bens ligados à
indústria. No final desta década foi criado o Comitê de Pesquisa para Arqueologia
Industrial pelo Conselho Britânico de Arqueologia, e deste Conselho, surgiu uma definição
de um monumento industrial:
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 261

[...] any building or order fixed structure – especially of the period of the
Industrial Revolution – which either alone or in association with plant or
equipment, illustrates or is significantly associated with the beginnings and
evolution of industrial and technical processes. These may be concerned with
189
either production or communications (HUDSON, 1976, p. 19).

Dessa forma, o ponto de partida para a preservação dos bens da indústria, definido a
partir da Revolução Industrial constituía uma ação justificável e na Grã-Bretanha, devido
ao pioneirismo e importância nas atividades industriais e as conseqüências mundiais em
diferentes épocas e fases da industrialização, assim como pelos riscos sempre crescentes de
destruição dos bens. Ainda nesta década, um avanço sobre estas questões foi percebido na
Inglaterra, quando fatores como o desenvolvimento urbano e modernização das indústrias
começaram a levar à destruição exemplares diversos do patrimônio industrial. Estas razões,
associadas à qualidade e quantidade do patrimônio em questão que começava a
desaparecer, motivavam muitas empresas a, de forma espontânea, iniciar a organização e
preservação de seus arquivos e bens. Este momento propiciou o surgimento das primeiras
literaturas sobre o assunto como o livro “Industrial Archaeology - A New Introduction”, de
1963, de Kenneth Hudson (1916-1999), também responsável pela revista “The Journal of
Industrial Archaeology”, posteriormente renomeada “Industrial Archaeology Review. A
expansão deste movimento fomentou o surgimento de publicações e manifestações a este
respeito (KÜHL, 1998).
Em diversos países a preocupação com o tema começou a ocorrer nos anos
seguintes. Na Alemanha, por exemplo, as primeiras iniciativas começaram a partir da
década de 1960, nos meios universitários e institucionais. Nos Estados Unidos, a partir de
1965190. A Suécia passou a ocupar posição de destaque no que se refere aos estudos
relacionados à preservação dos bens industriais desde a década de 1970, quando diversos
países passaram a se interessar pelo assunto, como a Bélgica, que recenseou seu patrimônio
industrial a partir de 1975 e a Itália que vem desenvolvendo rigorosas pesquisas sobre o
patrimônio industrial desde a década de 1970 (KÜHL, 2008).
Foi a partir de 1960 que, na Inglaterra, observou-se o início do interesse público
pelos edifícios industriais, não só por questões históricas como também por questões

189
“(...) qualquer edificação ou outra estrutura permanente – especialmente do período da Revolução Industrial –
que sozinha ou associada à maquinaria ou equipamento, ilustra ou é significativamente associada ao começo e
evolução de processos industriais e técnicos. Isso pode referir-se tanto à produção quanto aos meios de
comunicação” (KÜHL, 1998, p. 222).
190
Os Estados Unidos iniciaram, desde 1965, diversos estudos de campo a partir do trabalho conjunto entre o
Smithsonian Institution, Historic American Building Survey e o American Institute of Architect que em 1969 se
uniram à American Society of Civil Engineers objetivando recensear todos os sítios industriais americanos
(KÜHL, 1998).
262

estéticas. Através de manifestações públicas191 deram-se início às ações em defesa da


preservação destes edifícios. A estas ações foi vinculado o termo “arqueologia industrial”.
Este termo, embora bastante questionado, foi difundido em diversos países.
Uma hipótese da origem desta expressão, segundo Hudson (1976), é que teria
surgido na década de 1950 por iniciativa de Donald Dudley192. A expressão foi publicada
pela primeira vez em 1955 no artigo escrito por Michael Rix193 para o Amateur Historian.
Neste artigo o autor manifestou a preocupação sobre a necessidade de preservar e
documentar os bens industriais significativos ameaçados de destruição. Diante da
relevância que o tema assumia, o termo “arqueologia industrial” foi utilizado por Rix com
intenção de designar o estudo dos bens remanescentes provindos do que se convencionou
chamar de Revolução Industrial.
As limitações e vinculações das definições acerca dos bens oriundos da chamada
Revolução Industrial tornaram-se um ponto controverso entre os autores que começavam a
se pronunciar sobre o tema, devido à existência de atividades industriais anteriores a essa
época e também por ter a industrialização se desenvolvido em momentos diferentes em
cada país ou localidade. Assim, alguns autores passaram a suprimir a classificação
temporal relacionada à Revolução Industrial.
Hudson, por exemplo, apresentou uma definição sobre arqueologia industrial mais
abrangente, considerando todas as fases da industrialização: “Industrial Archaeology is the
discovery, recording and study of the physical remains of yesterday’s industries and
communications194” (HUDSON, 1976, p. 21).
Outra definição abrangente foi colocada por Angus Buchanan195. Na definição
elaborada por este autor estavam incluídas todas as atividades industriais de diferentes
épocas, fazendo-se a ressalva de que os “monumentos industriais” produzidos nos séculos
XVIII e XIX teriam maior atenção, por considerar que os monumentos produzidos nos
períodos anteriores deveriam ser tratados por métodos mais convencionais da própria
arqueologia e da história. Além disso, havia grande quantidade de monumentos datados
deste período, pois nestes duzentos anos o processo de industrialização acelerou-se

191
Duas manifestações marcaram o fato: a iniciativa de várias organizações e sociedades em tentar, em vão,
salvar a Estação Euston, em Londres, da demolição e a demolição do Coal Exchange Building para alargamento
de uma avenida, ambos os casos iniciados em 1962. As manifestações, entretanto, tiveram êxito com o caso da
ponte de Telford, sobre o Conway, no país de Gales (KÜHL, 1998).
192
Donald Dudley – professor da Universidade de Birmingham, Inglaterra.
193
Michael Rix. Professor de arqueologia medieval e romana da University de Birmingham.
194
“Arqueologia industrial é a descoberta, registro e estudo dos resíduos físicos de indústria e meios de
comunicação do passado” (KÜHL, 1998, p. 223).
195
Angus Buchanan, professor britânico de história da tecnologia.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 263

impulsionando o desenvolvimento dos transportes, comunicações e tecnologias. Para este


autor, a definição de “monumento industrial” estaria ligada a qualquer relíquia em desuso
de alguma fase passada da indústria ou meio de transporte, não importando se fossem de
tecnologia arcaica ou muito recente. Buchanan (1972) defendeu, durante a década de 1970,
a organização e sistematização dos estudos relacionados ao patrimônio industrial. Deu
destaque ao caráter interdisciplinar que os estudos desta área estariam imbuídos ao
perceber a grande variedade de categorias industriais existentes (BUCHANAN, 1972).
A definição dada por Arthur Raistrick196, embora vasta, pois abrangia as formas
industriais desde o período pré-romano até a atualidade, evitou enfatizar a Revolução
Industrial e advertiu para a utilização do termo “arqueologia industrial” apenas para os
casos onde fosse necessária a utilização de métodos da arqueologia “tradicional”. Para
Raistrick, o termo “industrial recording” seria mais adequado para os outros casos e a
preocupação estaria na utilização da metodologia correta, sem restrição quanto à
cronologia. Para o autor o objeto de estudo estaria definido pela sua tipologia e não pela
delimitação temporal (RAISTRICK, 1973).
Para Neil Cossons197, a utilização do termo em questão já estaria sacramentada e
dificilmente surgiria outro termo mais adequado para designar o interesse de estudar e
preservar os bens remanescentes da indústria. Este autor destaca outro enfoque dado à
preocupação com a preservação dos monumentos industriais. O interesse por este tema
estaria embasado, além da preocupação com a destruição dos monumentos, também em um
“sentimento de perda” que uma nova economia poderia instaurar ao destruir, mais uma
vez, o existente para se construir algo novo, ação bastante evidenciada no pós-guerra.
Assim, os restos concretos da industrialização seriam uma representação cultural de uma
determinada localidade. Tem-se, neste pensamento, a preocupação com a preservação da
paisagem vinculada a uma economia do passado que forma o patrimônio cultural atual de
uma sociedade. Esta idéia estaria relacionada com a formação de uma identidade que iria
além da compreensão apenas dos aspectos históricos ou técnicos envolvidos nas
transformações espaciais promovidas pela industrialização. Entre os monumentos que
compõem esta paisagem estariam incluídos, além dos edifícios arquitetônicos, também a
escala e a integração de todo o conjunto com o entorno e com a comunidade. Estes espaços
teriam, para o autor, potencial para serem adaptados a novos usos contemporâneos

196
Arthur Raistrick. Estudioso da geologia, 1896-1991.
197
Neil Cossons. Estudioso da geografia histórica.
264

práticos, culturais ou turísticos, e esta iniciativa estaria afinada com a preservação e


salvaguarda dos edifícios degradados (COSSONS, 1978).
As experiências britânicas foram pioneiras e desta forma, contribuíram para
discussões mais amadurecidas sobre o uso da expressão arqueologia industrial e definições
de conceitos entre os autores franceses.
Para Maurice Daumas (1910-1984), só existe a possibilidade de tratar a arqueologia
industrial quando existem testemunhos materiais. A inexistência destes testemunhos
levaria ao estudo pelos métodos das pesquisas históricas “tradicionais”. Seria essencial,
para o autor, o estudo de arquivos e fontes escritas. O principal objetivo da arqueologia
industrial estaria ligado ao fornecimento de dados para identificação dos sítios e artefatos
industriais de interesse histórico e assim, garantir sua salvaguarda.
Contradizendo Daumas, Annette Laumon aconselha uma análise da etimologia para
melhor compreensão do termo “arqueologia industrial”, considerando, pois, que os
testemunhos materiais não constituem condição fundamental para a caracterização (KHÜL,
2008).
A definição dada por Jean-Yves Andrieux198 considera questões patrimoniais ao
discorrer sobre a função da arqueologia industrial. Para o autor a “Arqueologia Industrial”
é uma atividade científica que busca dados em fontes escritas históricas e no trabalho de
campo, considerando todas as atividades industriais do passado, sem restrição cronológica
(KHÜL, 2008).
O constante crescimento dos estudos ligados ao tema mostra que em alguns países,
predomina a utilização da expressão “arqueologia industrial”, enquanto que em outros,
adota-se, sobretudo, “patrimônio industrial”. Constatando que, na prática, os dois termos
têm sido utilizados, equivocadamente, como sinônimos, Kühl (2008), propõe a utilização
destes termos da seguinte maneira: o termo “arqueologia industrial” é mais adequado
quando estamos nos referindo ao estudo, análise e registro de formas de industrialização do
passado, com ou sem vestígios materiais e quando reconhecido o interesse como bem
cultural para a sua preservação. Ao utilizarmos o termo “patrimônio industrial” pressupõe-
se que estes estudos multidisciplinares tenham sido feitos e desta forma, a identificação
dos bens que possuem interesse para a preservação já tenha ocorrido. A autora ainda
explana sobre a utilização do termo “monumentos da industrialização” referindo-se não
somente à arquitetura dos edifícios relacionados com as unidades de produção, mas

198
Jean Yves Andrieux. Professor de história da arte contemporânea e arquitetura na Universidade de Rennes.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 265

também a todo o complexo de edifícios que podem compor um conjunto industrial –


fábrica, residências, edifícios de uso coletivo, edifícios produtores de energia, meios de
transporte, etc. Estes conceitos estão afinados com a Carta de Nizhny Tagil, aprovada em
2003 pelos delegados reunidos na Rússia, em Assembléia geral do TICCIH, que dispõe
sobre as definições, valores, proteção, manutenção e conservação do Patrimônio Industrial:

O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que


possuem valor historico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes
vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de
processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centro de produção,
transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas
estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram
atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de
culto ou de educação. A arqueologia industrial é um método interdisciplinar que
estuda todos os vestígios materiais e imateriais, os documentos, os artefatos, a
estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e
urbanas […], criadas para ou por processos industriais. A arqueologia industrial
utiliza métodos de investigação mais adequados para aumentar a compreensão
do passado e do presente industrial (CARTA DE NIZHNY TAGIL, 2003).

Um crescimento constante de estudos sobre a industrialização no Brasil vem sendo


observado. Podemos destacar, entre os outros estudiosos, Beatriz Mugayar Khül, Warren
Dean, Edgar De Decca, Flavio A. Marques Saes, Francisco Foot, Victor Leonardi, Júlio
Roberto Katinsky, Maria Auxiliadora De Decca, Milton Vargas, Odilon Nogueira de
Matos, Pedro Carlos da Silva Telles, Ruy Gama, Phillip Gunn, Telma de Barros Correia,
Ulpiano Bezerra de Meneses e Margarida Andreatta.
Entre as primeiras medidas associadas às preocupações com a preservação do
patrimônio industrial, no Brasil, podemos dar ênfase, inicialmente, o tombamento das
instalações remanescentes da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema, Iperó, SP, pelo
IPHAN, em 1964.
Durante a década de 1970, Warren Dean trouxe a questão do patrimônio industrial
em seu trabalho intitulado “A fábrica São Luiz de Itu: um estudo de Arqueologia
Industrial” publicado nos Anais de História, apresentado, em 1976, para o Departamento
de História, Faculdade de filosofia, Ciências e Letras de Assis.
Na década de 1980, o Seminário Nacional de História e Energia trouxe força às
discussões. Neste Seminário, tiveram destaque os trabalhos de Ruy Gama e Ulpiano
Bezerra de Meneses. Gama dava destaque à importância dos engenhos como representação
de instalações manufatureiras enquanto patrimônio industrial (GAMA, 1986). Meneses
discorreu sobre as dificuldades particulares do campo da arqueologia industrial, como a
sua delimitação, especialização temática dos museus, os recortes cronológicos da
266

documentação industrial (referindo-se à Revolução Industrial), usos e funções dos


monumentos e espaços industriais (MENESES, 1986).
Trabalho relevante foi elaborado por Margarida Andreatta ao coordenar o resgate
arqueológico do Engenho dos Erasmos, em Santos, entre os anos de 1997 e 1999. Trata-se
de um engenho de açúcar remanescente do século XVI. Neste sítio foram escavadas as
fundações e identificado materiais que subsidiaram as pesquisas sobre as condições de vida
cotidianas do Brasil colonial (ANDREATTA, 1999). No Brasil, tem crescido também o
número de reuniões científicas que abordam questões pertinentes ao desenvolvimento de
estudos sobre arqueologia e patrimônio industrial199.

4.4 Caieiras como representação do Patrimônio Industrial


As instalações industriais da Companhia Melhoramentos de São Paulo são
representações emblemáticas dos remanescentes da industrialização brasileira. Ao
considerarmos os preceitos do texto aprovado para elaboração da Carta de Nizhny, em
2003, podemos afirmar que os remanescentes da Companhia Melhoramentos são bens de
fundamental importância para a constituição do patrimônio industrial do país.
Diante do exposto anteriormente, identificamos nas instalações em questão,
vestígios que compõem o valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico e científico. O
valor histórico das instalações da Companhia Melhoramentos de São Paulo, em Caieiras, é
relevante não apenas à localidade onde está inserido, embora, esteja este sítio
intrinsecamente ligado à fundação da cidade e a partir daí, conotamos valor histórico local,
mas é também um ícone da história da industrialização brasileira, inserido nos contextos da
passagem Império/República, das mudanças trabalhistas e das questões políticas. A
consolidação da empresa está permeada e entrelaçada a profundas conseqüências históricas
que fazem dela um testemunho de grande valor universal. Inserem-se nos vestígios
industriais os remanescentes das fábricas, dos maquinários, das oficinas, dos armazéns, das
casas operárias, das igrejas, das escolas.

199
Entre as reuniões científicas ocorridas recentemente, podemos dar destaque aquelas organizadas pelo
Movimento de Preservação Ferroviária, I Encontro Latino-Americano/V Seminário Nacional de Preservação e
Revitalização Ferroviária, realizado na UNIMEP, em Piracicaba em 2001; o Encontro “Território, Patrimônio e
Memória”, em Santa Maria, RS em 2001, organizado pelo ICOMOS/RS e pela Universidade Federal de Santa
Maria; o “VIII Encontro de Teoria e História da Arquitetura do Rio Grande do Sul: Arquitetura Industrial”,
promovido pela Faculdade de Arquitetura e Engenharia de Passo Fundo em 2003; I Encontro de Patrimônio
Industrial, organizado pelo IFICH-UNICAMP em Campinas em 2004, quando foi instituído o Comitê Brasileiro
do TICCIH - The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (KÜHL, 2008). Foram
realizados também o II Encontro de Patrimônio Industrial, realizado nas Faculdades Belas Artes, em São Paulo,
em 2009 e o Segundo Seminário do Patrimônio Agroindustrial, em São Carlos, em 2010.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 267

No campo da industrialização são vários os aspectos que podemos considerar para


explicitarmos a formação do valor tecnológico. Trata-se de um vasto campo de
experimentos que envolveram o processo de fabricação de insumos ligados à construção
civil como as primitivas unidades produtoras da cal, dos artefatos de cerâmica, da extração
mineral e da produção papeleira às inovadoras tecnologias atualmente empregadas para a
produção do papel. A evolução das tecnologias causou modificações profundas na
paisagem de Caieiras percebidas desde a utilização das matas naturais para combustível
das caldeiras e da insipiente unidade produtora de celulose responsável pela poluição do
Rio Juqueri às florestas de reflorestamento e aos modernos meios de controle do impacto
ambiental.
As instalações da Companhia revestem-se de valores sociais indicados nas relações
que descrevemos ao longo deste trabalho. Estas instalações representam um campo de
ações que interferiram diretamente na vida de homens e mulheres através de um cotidiano
orquestrado por suas atividades laborais dentro da Companhia. Como vimos, nas
dependências da empresa, os trabalhadores estruturaram suas vidas em moradias, escolas,
divertimentos, espiritualidade sempre moldados nos “padrões Melhoramentos” e mantém
até hoje vínculos afetivos bastante fortalecidos pela vivência durante os anos de dedicação
à Companhia.
Do ponto de vista da história da arquitetura e da engenharia, podemos avaliar os
valores científicos, tecnológicos e estéticos das edificações erigidas desde as primeiras
instalações do século XIX em técnicas construtivas tradicionais inspiradas na linguagem
clássica e depois, no século seguinte, durante as renovações que se utilizaram de novos
elementos construtivos e deram feições modernizadas ao núcleo originalmente constituído.
Podemos fazer um apanhado das técnicas utilizadas para a construção das moradias
enfileiradas acabadas com rebocos pintados, das casas geminadas de tijolos aparentes, das
alvenarias erguidas em taipas de mão, pedra ou tijolos, dos elementos utilizados para
ornamentação dos edifícios de uso coletivo e moradias mais requintadas, das novas
estruturas compostas por vigas e pilares de concreto que deram novos ares à fábrica de
papel. Damos destaque à arquitetura e monumentalidade da alvenaria portante dos fornos
de cal e sua representação como ícone do município presente na simbologia oficial. Ainda
imbuídos na importância do núcleo para a história da arquitetura, destacamos a arquitetura
inspiradas em estilo românico e neocolonial das igrejas. Temos assim, um vasto repertório
de estilos, técnicas, elementos e razões que nortearam a escolha dos elementos e técnicas
em cada edifício que compôs o núcleo fabril de Caieiras.
268

Notamos que certos bens foram escolhidos pela Companhia e preservados do


desmonte. Este critério nos pareceu ter sido fundamentado na escolha de bens como
representantes isolados de determinados tipos de edificação (as igrejas, os armazéns, a
escola, poucos modelos de casas, os fornos). Se o critério objetivava salvaguardar
exemplares arquitetônicos significativos ou modelos empregados pela Companhia, como
no caso de ter excluído do desmonte alguns modelos de moradia, ao promover a demolição
do conjunto, perdeu-se a escala do núcleo, o arruamento, as relações entre os edifícios, as
composições entre núcleo e paisagem. A paisagem composta pelos edifícios e florestas de
eucaliptos, compõe uma ambientação peculiar da paisagem industrial de Caieiras.
Cabe acrescentar a importância da elaboração do inventário criterioso dos vestígios
industriais da Companhia, fundamentado em desenhos, fotos, descrições, vídeos e relatos
de seus moradores e trabalhadores. É importante que este inventário esteja disponível e
acessível para o público. Esta medida se caracteriza como somatória à difusão da cultura
industrial da cidade que emergiu a partir da indústria200.
Medidas legais suficientemente sólidas para garantir a preservação dos sítios
históricos industriais poderiam ser tomadas. Em Caieiras as medidas ainda se caracterizam
como mecanismos frágeis para a efetiva preservação dos remanescentes da Companhia.
Além disso, a Carta de Nizhny (2003) recomenda que sítios ameaçados devem ser
identificados a fim de que possam ser tomadas as medidas apropriadas para a redução dos
riscos e assim, ocorra a facilitação dos projetos e restauro e reutilização. Os projetos de
intervenção que eventualmente ocorrerem, deverão levar em consideração as
recomendações da Carta de Veneza quanto à pesquisa histórica, estudo arqueológico,
ambiência e aplicação de técnicas compatíveis sujeitas a provocar impactos mínimos na
edificação histórica.
O apoio governamental e da comunidade local é fundamental para a concretização
dos bons resultados. O interesse do público e apreciação dos valores do patrimônio
industrial se constitui como um instrumento poderoso em defesa do patrimônio. Em
Caieiras percebemos a existência deste interesse e desta apreciação, entretanto,
desconhecemos manifestações públicas em defesa da integridade do patrimônio.

200
O arquivo público e o centro cultural de Caieiras poderiam ser fortes aliados à divulgação e disponibilização
do inventário das instalações fabris da Companhia e desta forma, as intervenções feitas no entorno dos edifícios
históricos só seriam possíveis após estudo profundo do inventário e assim, propostas de intervenção produziriam
resultados embasados no conhecimento amplo das instalações.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 269

4.5 A lei de proteção, manutenção e a demolição dos edifícios


As primeiras ações públicas em defesa dos bens arquitetônicos remanescentes das
instalações dos edifícios fabris da Companhia foram observadas pela disposição da Lei
Orgânica do Município de Caieiras nº1994/90. O § 4 do artigo 184 desta lei designa ao
município a proteção às obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os
monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. E ainda o artigo 185
estabelece que

Ficam fazendo parte do Patrimônio Histórico e Cultural do Município, os fornos


de cal, localizados no bairro do Monjolinho, a Igreja Nossa Senhora do Rosário
localizada à Avenida Vitor Teixeira da Silva e os antigos prédios do Arquivo do
Armazém e do antigo Almoxarifado, localizados na Rua Crinco Barnabé, antiga
Rua da Estação, cabendo ao Poder Executivo Municipal solicitar os seus
tombamentos históricos, através do Conselho de Defesa ao Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo,
CONDEPHAAT (LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE CAIEIRAS, p. 87e 88)

Não havia qualquer referência na Lei 1994/90 às edificações residenciais que


continuaram em processo de demolição. Em 2004, o conjunto de casas brancas agrupadas
duas a duas localizadas à Rua dos Coqueiros desapareceu cedendo lugar para um gramado
(ver figura 63). Os edifícios das fábricas e da Estação Ferroviária também não eram
resguardados pela Lei. Os bens descritos no referido artigo excluía - ainda que a
promulgação da Lei tenha ocorrido em 1990, de forma tardia se comparada com a evolução
do conceito sobre patrimônio definidos pelas ações do Condephaat - a habitação operária
como bem digno de inclusão entre os bens de representação do patrimônio histórico e
cultural do município.
A prefeitura deu início à solicitação de tombamento dos referidos edifícios em
1994, com o pedido ao Condephaat pelos processos de guichê: 00394/94 e, posteriormente,
679/96, que teve seu indeferimento em 2007.
A solicitação da Prefeitura concentrava-se em um pedido de tombamento dos
edifícios constantes no artigo 185 da Lei Municipal 1994/90. Anexado ao processo, apenas
a cópia da mesma Lei e a indicação da localização dos edifícios propostos ao tombamento,
sem históricos ou fotos dos edifícios. Em 2001, houve a reiteração do pedido “com atenção
aos Fornos que carecem de manutenção”.
Após análise do processo, a Diretora do Centro de Estudos de tombamento de Bens
Culturais, Ana Luiza Martins, indeferiu o processo justificando “que os bens culturais em
questão não se colocam como bens de representação estadual”, propondo assim o
270

arquivamento do Processo e recomendando, se assim entenderem os solicitantes, a


preservação no âmbito municipal201.
A Lei Complementar Municipal 3896/2006, por meio do artigo 8º da Seção II, itens
I e II, estabelecia que a política voltada ao Patrimônio Histórico Cultural e Paisagístico
deveria “contribuir para a construção e difusão da memória do Município e região e
implantar um programa municipal permanente de preservação, proteção, recuperação do
Patrimônio Histórico, Cultural e Paisagístico do Município”.
Entre a Lei Orgânica de 1990 e a Lei Complementar de 2006, não houve uma ação
municipal nas questões que se referem ao Patrimônio. Não existe um estudo aprofundado
dos edifícios ou recomendações específicas para a proteção dos bens elegidos como
Patrimônio Histórico e Cultural. A população entende que os referidos bens são tombados,
devido à proteção da Lei Orgânica.
Com a aprovação da Lei 4160/08, que dispõe sobre o Zoneamento, Parcelamento,
Uso e Ocupação do Solo no Município de Caieiras, um pequeno avanço quanto às
definições dos bens considerados Patrimônio do Município foi observado. O artigo 40 do
Capítulo V define como Unidades Protegidas, as áreas e imóveis, legalmente instituídas
pelo Poder Público, que exigem definição de usos e diretrizes especiais tendo em vista a
sua importância histórica, arquitetônica e necessidade de preservação. Ficaram declaradas,
pelo Artigo 41 da mesma Lei, as Unidades Protegidas:
1. UP dos Fornos de cal, localizadas no bairro do Monjolinho;
2. UP do conjunto de casas, galpões, pontes, fábricas e igrejas de relevante interesse
histórico e cultural localizadas na propriedade da Companhia Melhoramentos, ou de
seu sucessor;
3. UP da Estação Ferroviária de Caieiras;
4. UP do antigo ponto de captação de água da Vila Miraval, de propriedade da rede
Ferroviária Federal S.A. (RFFSA).

201
É interessante destacar que em 1984, a Secretaria de Estados dos Negócios Metropolitanos – SNM, a Empresa
Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A – Emplasa e a Secretaria Municipal de Planejamento –
Sempla lançaram uma importante publicação intitulada Bens Culturais Arquitetônicos no Município e na Região
Metropolitana de São Paulo, que tinha por objetivo “localizar, organizar e divulgar os bens culturais de
reconhecido valor para a formação histórico-cultural, rural e urbana da Região Metropolitana de São Paulo”
(Secretaria de Estados dos Negócios Metropolitanos et al, 1984, p. 9). Na referida obra foram selecionados os
exemplares tombados pela União e pelo Estado, assim como os de reconhecido valor para a Região Metropolitana
e para o município de São Paulo, resultantes de uma listagem empreendida pela Emplasa/SNM e Sempla. Os bens
foram classificados em função do significado histórico que assumiam na formação urbana e regional paulista.
Desta forma, os fornos permeiam esta lista como bens de interesse de reconhecido valor da arquitetura industrial.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 271

Esta definição lançou um olhar diferente aos bens que o município elegeu como
Patrimônio Histórico e Cultural, incluindo as casas, fábrica e a estação como itens de
importância histórica e cultural ainda não observados nas definições das leis anteriores.
O processo aberto em 1994 teve seqüência de análise pelo Condephaat. Embora não
tenha sido possível obter as vistas deste processo pelo órgão estadual, pudemos, pelo
arquivo municipal, acompanhar as recentes solicitações do Condephaat à Prefeitura. De
acordo com o oficio 102/09, emitido em janeiro de 2009, inúmeras solicitações foram
feitas à Prefeitura para a complementação de documentação mínima a ser anexada ao
pedido de tombamento, com finalidade de fornecer informações para instruir uma possível
abertura de processo de tombamento dos referidos bens. Segundo o ofício não houve por
parte dos interessados, até o momento da emissão daquele ofício, resposta às solicitações.
Conforme publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo, de setembro de
1992, os pedidos de tombamento devem ser compostos por documentação complementar
quanto ao ano de construção, seu construtor, planta do imóvel, ocupação em relação ao
terreno e localização na área envoltória de 300metros, documentação histórica sobre o
bem, na qual deverá constar seu valor em relação ao desenvolvimento sócio-econômico-
cultural do município ou estado, informações sobre o estado de conservação do bem, atual
utilização e documentação de propriedade.
Em resposta ao pedido de complementação, fotos e alguns dados foram
acrescentados à documentação:

As referidas edificações constam como unidades de proteção em nossa Lei


Orgânica do Município e em nosso Plano Diretor, inclusive os Fornos de Cal
deram origem ao nome da cidade; tratam-se de edificações pertencentes à
Companhia Melhoramentos de São Paulo, motivo pelo qual não temos acesso à
sua documentação - contato com a Empresa [...]; foram construídos no fim do
século XIX, não estão sendo utilizados, à exceção da Igreja. As áreas envoltórias
de 300 metros das três construções também não são usadas;os bens encontram-se
em estado precário de conservação e a Empresa faz somente a limpeza e a
capinação dos entornos. Somente a Igreja está conservada e sendo usada
regularmente (Documento emitido em resposta ao Ofício UPPH/GT – 102/09
consultado no Departamento de Cultura do Município de Caieiras).

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, publicada em 21 de junho de 2009,


o Secretário de Cultura da Prefeitura de Caieiras declarou ter sido enviado, nos últimos 15
anos, pelo menos cinco pedidos para tombar os bens que considera relevantes à história do
município. A reportagem sugere a intenção do município de proteger além de igrejas e
capelas também os dois fornos de barranco. Entretanto, nos referidos pedidos de
tombamento observamos a inexistência de dados relevantes como um histórico consistente
272

sobre os bens e de informações acerca da fragmentação do patrimônio da Companhia, que


vem ocorrendo ao longo dos anos tanto pela venda das propriedades da empresa quanto
pela crescente expansão urbana que tende a se intensificar após o anúncio do macro
empreendimento imobiliário pretendido pela Construtora Camargo Correia.
Entendemos, nesta perspectiva, que a solicitação do tombamento não deve ser
compreendida como uma responsabilidade alheia, pois a compreensão da importância dos
bens deveria partir de um reconhecimento e tombamento local. O tombamento estadual
poderia atestar aos edifícios uma posição de maior importância pela atribuição de valor que
lhes seria concedida, garantindo maior proteção legal.
Sobre a utilização dos edifícios históricos de Caieiras, vale destacar o uso que fora
dado ao edifício do armazém e almoxarifado da antiga Rua da Estação, (utilização esta não
apontada na resposta ao ofício 102/09 da UPPH/GT). Atualmente, a Prefeitura tem o
direito de uso da área onde se insere o referido edifício por meio da concessão emitida pela
Companhia. Até o início de 2009, o edifício era utilizado pela Orquestra Filarmônica
Melhoramentos Caieiras202 em seus ensaios e aulas. Segundo Felipe Mancz, professor e
integrante da Orquestra, a falta de manutenção colocava a segurança dos ocupantes do
edifício em risco, o que motivou o encerramento das atividades no local após vistoria
efetuada pelos técnicos da Prefeitura. Desta experiência pode-se extrair duas
considerações: a primeira, quanto à relevância desta apropriação do edifício pela sociedade
que já estabeleceu novo vínculo com o bem, posterior ao uso original da edificação. Esta
nova relação, além de sua relevância histórica e estética, poderia motivar argumentos
favoráveis para o pedido de tombamento, não apenas pela Prefeitura, mas pelos próprios
usuários. Os ensaios dominicais da Orquestra, a chegada dos músicos com seus
instrumentos e a música que ecoava dali, já se associara ao edifício ao longo dos anos em
que fora utilizado. A segunda análise se coloca quanto às expectativas das ações
municipais no que se refere à manutenção. Segundo Mancz, a Prefeitura alegava falta de
recursos suficientes para a restauração ou pelo menos para manutenção preventiva, o que
mostra que não basta apenas uma documentação oficial que ateste publicamente tal bem
como um patrimônio, porém, que se necessita de ações efetivas que possibilitem o
patrimônio histórico e cultural como representante legítimo do bem-comum.

202
A Corporação Musical Fábrica de Papel foi criada em 1921, com a participação dos funcionários da
Companhia Melhoramentos. Em 1959, após a emancipação da cidade, formou-se a Corporação Musical
Melhoramentos Caieiras que atuou até 1999, quando foi reestruturada passando a Orquestra de Sopros
Melhoramentos Caieiras. Em 2004, novamente alterada passou a chamar-se Orquestra Filarmônica
Melhoramentos Caieiras. (Fonte: www.regionalnews.com.br, acessado em 29/07/2009).
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 273

Entendemos que as recomendações da Lei 4160/08 são frágeis como pressupostos


de uma ação preservacionista e que se faz necessária uma ação contundente, por parte do
poder público municipal, no reconhecimento e tombamento dos próprios bens eleitos como
representantes do patrimônio local. Diante da trajetória do Condephaat, descrita no item
anterior, o esforço em alterar os paradigmas estabelecidos para a política de preservação
cabe aos municípios, como parceiros do estado. Ressalta-se que a participação dos
proprietários e da sociedade civil pode ser decisiva para a urgência do assunto.
A partir da década de 1990, os critérios de preservação foram modificados pela
lógica de participação dos setores públicos e privados nas políticas de patrimônio (LEITE,
2007). Leite (1990) ressalta a predominância da discussão, nos órgãos internacionais de
preservação, que destacava a necessidade de investimentos privados nas práticas de
preservação, desde a Carta de Veneza – 1964 - observando a escassez dos recursos
públicos para o setor. O debate das décadas de 1970 e 1980 focava a perspectiva
desenvolvimentista, onde o Estado assumia ainda o papel central no planejamento,
captação dos recursos e execução dos projetos. Desta maneira, mesmo com a crescente
participação do setor privado, como forma de suprir as deficiências orçamentárias e tirar do
Estado o ônus com as despesas do patrimônio, havia o predomínio de um discurso voltado
ao desenvolvimento urbano e regional, através do incremento do turismo cultural. Neste
contexto, a noção de sustentabilidade surge como uma

[...] espécie de salvaguarda financeira para uma constatação que se impunha:


mais do que preservar um bem patrimonial era necessário repensar seus usos, em
função da necessidade de um determinado bem oferecer suficiente retorno
econômico que justificasse um investimento privado (LEITE, 2007, p. 71).

Em Caieiras, a atual administração municipal, juntamente com o corpo técnico dos


departamentos municipais de obra e cultura e com alguns representantes da sociedade civil
e em parceria com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM - e com o
Serviço de Abastecimento Básico do Estado de São Paulo – SABESP – têm procurado
definir uma proposta de implantação de um parque linear às margens do Rio Juqueri203. O
projeto pretende solucionar problemas ligados ao sistema sanitário e viário e referente ao
lazer ao integrar-se ao município de Franco da Rocha por intermédio do Parque Estadual
do Juqueri, compondo uma área verde linear às margens do rio. Faz parte da proposta a
criação de uma estação de trem próxima aos bairros mais adensados demograficamente e a

203
Consulta a ata da terceira reunião da comissão de desenvolvimento dos estudos de concepção e elaboração do
termo de referência do projeto básico do eco-parque linear de Caieiras, realizada em 25 de junho de 2009.
274

implantação de ciclovias e vias para caminhadas, além da utilização dos edifícios aos quais
se refere o artigo 41 da Lei 4160/08. Em uma etapa preliminar, as áreas foram
classificadas, nesta proposta, em núcleos:
- núcleo 1 – núcleo histórico. Pretende abranger os edifícios protegidos pelas UP´s,
(inclusive o da atual Estação Ferroviária que poderá não mais ser utilizada passando a
funcionar como museu da cidade) e propor a utilização cultural dos galpões como áreas
para exposições e a construção do teatro de dança;
- núcleo 2 – núcleo de eventos. Pretende abranger as edificações do M.A.C. –
Melhoramentos Atlético Clube204 - e criar o teatro da cidade, o espaço cívico e unidades
administrativas;
- núcleo 3 – núcleo esportivo. Pretende abranger o existente e ainda pouquíssimo utilizado
velódromo, e propor a construção do conjunto aquático.
A proposta prevê a integração total do parque e dos transportes públicos com
incentivo à utilização das futuras ciclovias e pistas de caminhadas, em substituição ao atual
e perigoso hábito de “ganhar tempo” diminuindo as distâncias com os percursos a pé pela
linha ferroviária. Pretende-se, ainda, implantar uma linha de teleférico que sairia do parque
em direção ao mirante da cidade.
O Parque Linear do Rio Juqueri estaria em uma consonância entre os interesses da
CPTM, que ultimamente tem investido no turismo ferroviário, além de representar uma
possibilidade em potencial de área para compensação ambiental205, e suprir a carência na
região de soluções que envolvam transporte, lazer e cultura.
Arantes (1987) alerta que é necessário “aprofundar o conhecimento do processo de
reelaboração (ou apropriação simbólica) que se dá no plano sociológico” ao se pensar na
complexidade do processo chamado “de preservação”. Para o autor, os bens, através de
acréscimos de significados e transformações simbólicas, “são como que recriados
culturalmente pela preservação, passando a carregar consigo inclusive as marcas do

204
O conturbado histórico sobre a propriedade do M.A.C envolveu a disputa entre a Prefeitura e o Sindicato dos
Servidores Municipais. O galpão foi dado em pagamento pela Companhia Melhoramentos para a Prefeitura por
conta de débitos tributários. O prefeito Névio Dártora cedeu o galpão para o Sindicato dos Servidores Municipais,
a princípio para atividades de lazer dos funcionários. O Sindicato optou por locar o edifício para uma empresa do
ramo de eventos. O novo prefeito Roberto Hamamoto, na primeira sessão extradiordinária do ano, enviou um
projeto de lei para a Câmara tomando a propriedade de volta para o Município. O projeto foi aprovado e
transformado em lei, causando descontentamento e revolta do Sindicato. Em meio a este processo, levantou-se a
discussão da propriedade da Melhoramentos sobre este galpão, que a princípio, não possui o registro no Cartório
de Imóveis e portanto não poderia apresentá-lo como pagamentos de impostos.
205
Programa de compensação ambiental decorrente das obras de modernização das linhas ferroviárias. O
programa atende aos Termos de Compromisso Ambiental firmados com o Departamento Estadual de Proteção de
Recursos Naturais – DEPRN – da Secretaria do Estado do Meio Ambiente (www.cptm.sp.gov.br, publicado em
08/04/2008).
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 275

processo que os transformou em bens do patrimônio (separação do cotidiano, maior


visibilidade e sacralidade, etc)” (ARANTES, 1987, p. 52).
Quanto à estruturação do município para os assuntos relacionados às ações de
preservação do patrimônio, entende-se que há lacunas tanto em relação à definição do bem
quanto no que diz respeito às ações municipais em prol da preservação. Estas lacunas
qualificam as determinações da lei como mecanismos frágeis no entendimento do conjunto
que se pretende eleger patrimônio histórico e cultural do município206.
De acordo com o item 2 do artigo 41 da lei 4160/08 que define como UP o conjunto
de casas, galpões, pontes, fábricas e igrejas de relevante interesse histórico e cultural
localizadas na propriedade da Companhia Melhoramentos, ou de seu sucessor, pode-se
incluir a edificação como UP mesmo fisicamente distante das outras edificações
remanescentes do núcleo, sem a certeza do pertencimento deste bem ao item que define as
UP´s. Assim, acredita-se ser necessário o apontamento específico dos bens que se pretende
tombar com levantamentos fotográficos e métricos específicos, acompanhados de
documentação precisa.
Quanto à solidez dos pedidos de tombamento, protocolados no Condephaat e
elaborados pela Prefeitura, consideramos que a ação não poderá ser entendida como uma
obrigação cumprida em nome da lei. Entendemos que se o município, de fato, compreende
a necessidade de proteger os bens com o tombamento estadual, essa ação deverá partir com
força absoluta dos guichês municipais, e não como uma transferência de responsabilidades.
Aguardar as decisões do estado ou ainda aguardar a iniciativa da própria Companhia
que considera que por “ter adotado uma política de abertura de suas informações do
passado, vem enfrentando diversos problemas de constrição do seu patrimônio207”,
resultará em um posicionamento passivo de pretenso dever cumprido.

4.6 Dinâmica urbana e patrimônio


[...] muitas vezes, a “modernização e embelezamento” da cidade são
apenas um pretexto, uma vez que a verdadeira motivação encontra-se nos
ganhos obtidos pelos especuladores imobiliários, em prejuízo da
comunidade. É contra eles que se devem erguer aqueles que realmente
prezam a imagem artística de sua pátria (DVOŘÁK, 2008, p. 84).

206
As edificações que compõem um agrupamento de três residências enfileiradas, inseridas, recentemente, no
bairro de Nova Caieiras, são exemplos dessas indefinições. Os atuais proprietários dessas residências são
sucessores da Melhoramentos, as casas são exemplares do ano de 1904, e estão entre as mais antigas do núcleo.
As características destas casas foram descritas no capítulo 3 – Arquitetura e Habitação.
207
Resposta à autorização de consulta ao acervo da Companhia Melhoramentos, para subsidiar esta pesquisa,
negada pelo setor de Patrimônio da empresa. Data: 19/05/2009.
276

Caieiras possui, hoje, uma considerável quantidade de terras que, como vimos, tem
se tornado alvo constante das atenções dos interesses imobiliários. Com a fragmentação do
patrimônio da Cia. Melhoramentos que vem ocorrendo de forma mais evidente desde a
década de 1980, quando o processo de desmonte do núcleo fabril constituído pela Cia. foi
intensificado, alterações significativas na paisagem da cidade começaram a ocorrer208.
A transferência de praticamente a totalidade das moradias dos funcionários para
fora do núcleo, as novas atividades da Cia. voltadas para o ramo imobiliário, o crescimento
dos parques industriais e a ampliação e modificação do sistema viário alteraram a
configuração espacial de Caieiras.
209
A “Cidade dos Pinheirais” , que foram substituídos pelos reflorestamentos de
eucaliptos, mais recentemente está sendo ocupada por novos loteamentos residenciais e
industriais, que se alastram por todo o seu território. Esta situação não é um fenômeno
pontual de Caieiras e nem raro nas cidades que possuem grandes áreas industriais. São
Paulo, por exemplo, tem hoje grandes áreas que embora testemunhos referentes ao início
da industrialização paulistana, estão em avançado estado de degradação. Basta, hoje, fazer
o percurso ferroviário da estação de Caieiras até a estação da Luz, em São Paulo – e se
quisermos ampliar este panorama, seguir da Luz para Rio Grande da Serra – para constatar
esta observação. Ao partirmos da Estação de Caieiras em direção à Estação da Luz, vão
surgindo, em seqüência, áreas com certa semelhança em seu estado de abandono, processo
de deterioração, risco ou demolição completa de edifícios: o desaparecimento das vilas
operárias da Companhia. Melhoramentos; a ocupação precária do palecete da família Dias
da fábrica de pólvora, em Perus; a fábrica de Cimento Portland Perus, abandonada e
sombria; as torres solitárias remanescentes das indústrias Matarazzo; os galpões industriais
da Barra Funda ocupados de forma precária por pessoas em situação de risco, entre outros
exemplares não menos importantes.
Os “vazios” constituídos originalmente nestas áreas industriais eram áreas livres
necessárias à produtividade, ao fluxo de operários e a confluência de todas as ações nos
espaços da fábrica que se unificavam por um objetivo comum. A ocupação industrial das
cidades imprimiu alterações na construção do desenho urbano. As novidades relacionadas
às atividades produtivas formavam, junto com as alterações de desenho, um complexo

208
No final do ano de 2007, a notícia publicada pelo jornal O Globo anunciava a venda de 5,2 milhões de metros
quadrados das terras da Companhia Melhoramentos, localizada no município de Caieiras - SP, para a Construtora
Camargo Correia (Camargo Correia compra terreno para desenvolver empreendimento imobiliário de até 3
bilhões. Publicado em 21/12/2007 no site www.globo.com).
209
Caieiras é conhecida por Cidade dos Pinheirais devido à grande quantidade de Pinheiros que já teve em suas
terras.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 277

fenômeno que envolvia alterações do espaço físico e das relações sociais. No caso da sorte
dos modelos fabris implantados durante o período que finaliza o século XIX e o início do
XX nas cidades brasileiras, os fatores como produção em série, necessidade de grande
número de trabalhadores, fixação de operários por meio das casas, participação social
intensa do operário no meio oferecido pela fábrica determinaram uma transformação da
sociedade por meio de novos valores que evidenciavam a separação entre o “espaço do
trabalho/cidade industrial” e o “espaço real/cidade comercial-residencial”. Esta condição
pode ser determinada por barreiras físicas como os rios ou as ferrovias que delimitavam, de
certo modo, a divisão social entre patrões e operários (RUFINONI, 2004).
Em Caieiras, esta barreira física muitas vezes constituída pelas ferrovias e rios, não
delimitou uma segregação social, como observado, por exemplo, na cidade de São Paulo.
Caieiras se expandiu emergindo da classe operária, que passara a desenvolver, como
anteriormente visto, as áreas em ascensão fora da empresa, seja por meio de investimento
dos recursos próprios, aproveitando as oportunidades de financiamentos oferecidas pela
Cia. a preços bastante atraentes à classe operária ou recebendo os terrenos em forma de
indenização trabalhista (DONATO, 1990). Desta forma, constitui-se em Caieiras, uma
segregação intangível entre os bairros formados fora da Companhia. Esta segregação não
ocorreu entre operários e patrões, mas sim entre as famílias “tradicionais” de Caieiras210,
que em maior número se fixaram nos bairros mais próximos da Companhia, levando para
fora do núcleo muito dos hábitos adquiridos nas vilas operárias, entre eles a própria
concepção de moradia, enquanto os novos bairros, formados em áreas mais distantes
atraíram, em grande parte, migrantes das cidades vizinhas. Este vínculo entre as famílias
“tradicionais” existe, ainda hoje, de forma bastante viva e fortalecida, mesmo após trinta
anos da intensificação do desmonte das vilas do núcleo, e forma uma rede social
diferenciada. O aspecto afetivo das famílias dos trabalhadores em relação aos espaços
constituídos dentro da Cia. revela a identidade que se estabeleceu entre estas famílias e os
espaços concebidos nas instalações fabris e transparece o peso do “sentimento de perda”
produzido pelas demolições. Como dissera Cossons (1978) muito da preocupação com a
destruição dos monumentos, pode estar embasada neste “sentimento de perda” que uma
nova economia poderia instaurar ao destruir o existente para se construir algo novo.
Entretanto, a manifestação coletiva em defesa do patrimônio cultural e histórico de
uma cidade, demonstrando a insatisfação popular em relação às demolições,

210
Nomeamos “tradicionais” as famílias que trabalharam ou descendem de trabalhadores da Companhia
Melhoramentos.
278

principalmente vinda das comunidades que mantêm vínculos com este patrimônio, é bem
vinda e importante para resultados mais eficazes. Esta força coletiva representaria a
tradução dos lamentos e da nostalgia em ações práticas contra o desaparecimento dos bens.
A inspiração para estas ações pode surgir de exemplos como aqueles vistos nos
trabalhadores da Ciment Portland Perus, até hoje conhecidos por “queixadas”, devido à sua
união e força coletiva utilizadas em suas reivindicações e nos moradores do bairro da Lapa,
em São Paulo, que em manifestação para chamar a atenção das autoridades sobre o
tombamento municipal apenas parcial do prédio da filial da Cia. Melhoramentos, que teve
sua construção iniciada neste bairro na década de 1920, se uniram em um ato simbólico
para um “abraço a Melhoramentos”, reivindicando o tombamento integral dos galpões.
A dinâmica urbana, aliada aos interesses da Companhia e dos poderes públicos,
delineou durante décadas o destino dos edifícios considerados patrimônio histórico e
cultural de Caieiras. Exemplo mais recente de uma intervenção de grande porte pode ser
constatado nas obras do viaduto para transposição da ferrovia. As obras do viaduto que
começam a se elevar sobre a linha férrea, embora não tenham destruído nenhum dos
edifícios considerados patrimônio cultural de Caieiras, provocam uma brutal alteração
espacial entre os componentes da estação ferroviária e do seu entorno, incluindo os
edifícios do armazém e o grupo escolar da Companhia. O viaduto tem como objetivo
aliviar o trânsito que se forma próximo à passagem de nível, principalmente nos horários
de pico. A necessidade de resolver o problema do congestionamento demanda ações que
considerassem que as intervenções nas proximidades dos edifícios históricos devam ser as
mínimas e menos agressivas possíveis. Estes edifícios representam para Caieiras o que a
Estação da Luz, por exemplo, representa para São Paulo. São referenciais para cidade,
testemunhos da industrialização pioneira de Caieiras. A estação ferroviária, além de seu
valor histórico e artístico tem ainda um papel atual fundamental para a população que se
utiliza diariamente dos trens urbanos como a forma mais rápida e econômica de chegar a
São Paulo.
O momento é oportuno, em Caieiras, para uma profunda reflexão acerca da
reutilização dos edifícios remanescentes da industrialização. Como colocado por Cossons
(1978) estas grandes áreas têm potencial para adaptar-se a novos usos comerciais ou
culturais. Como vimos, vários edifícios remanescentes da industrialização poderão ser
elementos adaptados para o projeto do Parque Ecológico de Caieiras – o Ecoparque.
Assim, é importante considerar de que forma serão feitas estas adaptações, que deverão
considerar as questões históricas, artísticas, estético-formais e sociais.
Caieiras e a preservação dos edifícios remanescentes 279

Figura 213 Obras do viaduto. A) edifício do armazém às margens da


ferrovia
Fonte: Acervo da autora (2010)

As propostas e alertas sobre riscos aos quais estaria exposto o patrimônio artístico
austríaco, escritas por Max Dvořák211, há quase cem anos, no “Catecismo da Preservação
dos Monumentos”, são bastante pertinentes se aplicadas às práticas intervencionistas atuais
em várias cidades brasileiras. O autor alerta sobre a origem dos perigos que ameaçam o
patrimônio, que estaria fundamentada na ignorância e negligência; na cobiça e na fraude;
nos equívocos em relação ao desenvolvimento e progresso da atualidade; na busca
desenfreada pelo embelezamento e renovação das cidades e em uma precária educação
estética. Além disto, o autor faz ressalvas e aconselhamentos para alguns casos específicos,
entre eles, para as cidades rurais e para as urbanas. Estes aconselhamentos, com adaptações
e filtros para cada caso poderiam nortear com maior embasamento as intervenções em
pequenas e médias cidades brasileiras. Entre estes conselhos para as cidades rurais,
destacamos o alerta de que estas cidades não devem imitar as grandes cidades e que a
importância do tráfego não deve ser sobreposta à das antigas construções. Para as grandes
cidades, o autor adverte para que as intervenções não se realizem ao acaso, submetidas
apenas a interesses materiais, critérios arbitrários de escritórios de construção ou órgãos
administrativos, devendo-se ter conhecimento profundo de todas as exigências, não apenas
práticas, mas também estéticas, da arquitetura urbana, dos direitos e exigências da
preservação de monumentos.

211
Max Dvořák (1874-1921). Historiador da arte ligado à Escola de Viena (DVOŘÁK, 2008)
280

Neste sentido as recomendações da Carta de Veneza, resultadas do II Congresso


Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos, realizado em Veneza,
em 1964, corroboram as sugestões de Dvořák e merecem atenção, pois são até hoje os
principais referenciais teóricos, embora não tenha caráter normativo. Destacamos, entre as
recomendações da carta:

Art. 6º A conservação de um monumento implica a preservação de uma


ambiência em sua escala. Enquanto sua ambiência subsistir, será conservada, e
toda construção nova, toda destruição e toda modificação que possa alterar as
relações de volume e de cores serão proibidas (Carta de Veneza. In Isabelle
Cury (org.), p. 93. Grifo nosso).

A noção de monumento histórico definida na Carta de Veneza, pelo artigo 1º,


“compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá
testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um
acontecimento histórico”. O artigo prevê ainda o entendimento como monumento histórico
“não só das grandes criações, mas também das obras modestas, que tenham adquirido, com
o tempo, uma significação cultural” (Carta de Veneza. In Isabelle Cury (org.), p. 92).

Figura 214 Em primeiro plano as obras do viaduto. A) Armazém. B) Estação ferroviária


Fonte: Acervo da autora (2010).

Caieiras é um exemplo de descaso em relação a estes preceitos, resultando em


perdas expressivas de vestígios da industrialização paulista.
281

Considerações finais
282
Considerações Finais 283

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou entender a formação espacial do núcleo fabril constituído pela
Companhia Melhoramentos, em Caieiras (SP), através dos princípios utilizados para
implantação das vilas residenciais formadoras deste assentamento operário e daqueles que
influenciaram no seu desmonte. A partir desta premissa, resgatamos a trajetória
administrativa da Companhia Melhoramentos que norteou a expansão e desenvolvimento,
inicialmente, do núcleo fabril originado em suas dependências e, posteriormente, da
própria cidade de Caieiras.
As razões que levaram à constituição deste núcleo fabril fundamentaram-se,
primeiramente, na configuração geográfica da região do rio Juqueri. Afastada dos centros
urbanos, condição que costumava depreciar o valor das terras, acessível por via férrea e
rica em matas e recursos hídricos, propícios para o funcionamento das atividades
industriais, a área onde se constituiu a Fazenda Industrial Cayeiras oferecia situação
favorável à implantação de empreendimentos de grandes vultos. No caso de Caieiras,
podemos dizer que a escolha da área para início do assentamento operário contou ainda
com a qualidade da água do manancial localizado na região indicada para o abastecimento
de São Paulo, que levou Rodovalho e sócios a consolidaram a Companhia Cantareira de
Esgotos, fato que provavelmente influenciou na escolha das terras onde, mais tarde, o
empreendedor iniciaria a produção da cal, cerâmica e papéis.
Assim, a ausência de uma estrutura urbana preexistente nas proximidades das
unidades fabris e a necessidade de atrair mão-de-obra para o local, alavancou a
urbanização das áreas envoltórias às fábricas. A oferta de uma infraestrutura mínima que
garantisse o suprimento das necessidades básicas do trabalhador garantiria ao industrial a
fixação do proletariado no local. Entretanto, a estrutura montada em Caieiras mostrou-se
complexa e grandiosa desde as primeiras décadas do século XX, oferecendo ao contingente
operário muito mais do que moradias.
Podemos dizer, que por um lado, a suntuosa estrutura disposta no núcleo fabril era
gerida e controlada pela Companhia de forma quase que absoluta, pois, imbuídos nos
padrões da época que buscavam moldar o comportamento do trabalhador de acordo com as
necessidades industriais, ofertavam às famílias operárias escolas, diversões, assistência
médica e abastecimento. Assim, na medida em que utilizava estes equipamentos como
instrumentos favoráveis à garantia da ordem e disciplina dentro do núcleo, ações
284

fundamentais para bons resultados produtivos, a Companhia empenhava-se no ajustamento


dos espaços, hábitos e comportamentos de seus trabalhadores, de modo a torná-los
compatíveis com seus interesses. Por outro lado, a implantação de tais equipamentos e a
ingerência da Companhia na administração do núcleo, suscitou a formação de um cotidiano
operário que, embora fosse fundamentado em uma rotina de trabalho exaustivo, era
fortalecido pelos estreitos vínculos sociais resultantes das atividades coletivas, largamente
incentivadas pela empresa, representadas pelas festividades, cultos religiosos e eventos
esportivos.
Podemos concluir que a arquitetura doméstica, dos primeiros modelos construídos
aos modernos modelos padronizados a partir da década de 1930, funcionou como elemento
favorável à integração social. Implantadas, em bairros onde predominavam grupos
similares de determinado tipo de funcionários, as casas embora valorizassem e fossem
destinadas à acomodação da família nuclear, eram delimitadas por elementos que
permitiam o contato visual e a sociabilização entre vizinhos - famílias ou operários
solteiros. Entretanto, notamos também experiências diferenciadas, onde casas de chefias
eram posicionadas estrategicamente atuando no sentido de garantir a ordem e a
tranqüilidade do local. Assim, o espaço em Caieiras era visivelmente hierarquizado e
articulado de maneira que ficasse assegurada a boa convivência e o bom funcionamento
das atividades laborais, implicando em resultados produtivos positivos.
A configuração arquitetônica do núcleo de Caieiras traduz os aspectos relevantes da
história do município e também da história da arquitetura, da técnica construtiva e da
tecnologia. São edifícios que evidenciam os momentos em que foram construídos, as
transformações pelas quais o núcleo passou e trazem à luz, além dos critérios que
nortearam a escolha de um ou de outro partido arquitetônico, também o gosto dos
industriais que erigiram ou ampliaram o núcleo fabril.
Constatamos a estabilização do crescimento de Caieiras até, aproximadamente, o
final da década de 1950. O surgimento do povoamento durante a década de 1930, fora dos
domínios da empresa, por influência determinante das inovações legislativas relacionadas
às relações trabalhistas, quando a forma de gestão sobre o operariado começou,
gradativamente, a se modificar passou a ter urbanização mais intensa com o início do
desmonte das instalações originais do núcleo fabril a partir da década de 1960, momento
em que a Companhia iniciou atividades urbanizadoras e promoveu a formação de empresas
ligadas à organização de loteamentos, vendas de terrenos e construção de casas para
funcionários. Os novos loteamentos promovidos por estas empresas urbanizadoras foram
Considerações Finais 285

implantados em áreas de propriedade da Companhia Melhoramentos, porém organizavam-


se além dos muros já implantados para delimitar e segregar as áreas fabris. Assim, estes
loteamentos se integravam às áreas externas, que não eram de propriedade da empresa, que
já começavam a tomar proporções maiores. Nesta conjuntura, a complexa estrutura urbana
que havia sido formada nos terrenos da Companhia passou a ser entendida pela
administração da empresa como item obsoleto e gerador de despesas e assim, foi demolida
quase que por completo. Desta forma, o centro urbano que havia ali se configurado
inicialmente começou a ser, de forma gradativa, transferido para fora da área fabril. Além
disso, com a emancipação de Caieiras no final da década de 1950, melhorias nas áreas
externas passaram a atrair os moradores para as novas áreas urbanizadas fora do núcleo.
A emancipação de Caieiras como município foi uma conquista político-
administrativa bastante favorável à Companhia Melhoramentos. Se inicialmente, quando
Parnahyba e Franco da Rocha, ressentiram-se da perda da fábrica de papéis em seus
territórios , gerando protestos em favor da recuperação da área devido à perda financeira
que isso representava, a emancipação significava grande autonomia administrativa para a
Companhia, detentora de pelo menos 50% da área do recém constituído município. Esta
força político-administrativa é perceptível na representação eleitoral durante os primeiros
anos de emancipação, quando o capelão da empresa assumiu o cargo de prefeito do
município por duas vezes.
A capacidade de expansão da cidade, trunfo favorável à sua valorização imobiliária
devido à grande extensão territorial de áreas livres e às melhorias de acesso para a capital,
colocou Caieiras em evidência. Tais preceitos são revestidos de uma dúbia condição
valorativa. Exposto à fragmentação, devido ao processo de vendas em que se encontra, o
patrimônio da Companhia Melhoramentos está vulnerável às transformações que podem
conceder à cidade aspecto totalmente contrário àquele que lhe confere, atualmente, boa
qualidade de vida para seus moradores. Um exemplo paradigmático desta condição pode
ser apontado nas obras de expansão viária que incluem a construção do viaduto para a
transposição da linha férrea. A obra que tende a solucionar os problemas de
congestionamento viário e conseqüentemente, trazer melhorias para a população,
compromete de forma contundente os edifícios históricos formadores do legado cultural do
município. Ao ser implantado na área representativa do local, sem considerar os preceitos
históricos e arquitetônicos do entorno e as recomendações patrimoniais, torna transparente
o descaso em relação às suas origens que, de forma geral, são motivo de orgulho para a
população. Esta intervenção que podemos julgar, do ponto de vista da preservação do
286

patrimônio arquitetônico, como uma ação imprudente, acarreta a desvalorização do lugar


em seus aspectos culturais, históricos e estéticos.
Nesta conjuntura, acentuamos a importância de profundas reflexões acerca das
intervenções que estão por vir com as propostas de ampliação e utilização dos edifícios
históricos. Consideramos oportuno o momento para o estudo e viabilização de implantação
de políticas públicas eficazes que garantam a preservação do legado cultural da Companhia
Melhoramentos em Caieiras, que opere diretamente na difusão da educação patrimonial, na
proteção e intervenção criteriosa e respeitosa de seus edifícios culturais garantindo um
crescimento planejado que considere as reais capacidades de expansão do município dentro
das limitações que permitam que a qualidade de vida continue a ser colocada como um
diferencial característico da região.
Assim, concluímos esta pesquisa com o reconhecimento da importância da
Companhia Melhoramentos de São Paulo para a formação de Caieiras, de seu legado
cultural como ícones representativos da história do município, da população , da memória
urbana e da necessidade de assegurar a integridade do complexo formador deste patrimônio
como documentos valiosos que trarão para o futuro frutos decorrentes da representação de
uma cidade que valoriza suas origens, sua população e seu patrimônio.
287

Referências
288
Referências 289

REFERÊNCIAS

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300
301

APÊNDICES
302
Apêndices 303

Apêndice A - Identificação das vilas (ver envelope no final do trabalho)


Apêndice B – Vilas de Caieiras (ver envelope no final do trabalho)
Apêndice C – Localização das figuras (ver envelope no final do trabalho)
Apêndice D - Área ocupada pela Companhia em Caieiras (ver envelope no final do
trabalho)
Apêndice E – Projeto do Parque Linear do Rio Juqueri – Trecho eco-parque Caieiras (ver
envelope no final do trabalho)
304
305

ANEXOS
306
Anexos 307

A – Mapa da Companhia Melhoramentos, 1901 (escala ampliada).

Mapa 1- Companhia Melhoramentos, 1901 (escala ampliada)


Fonte: Commissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo. Folha de Jundiahy. São Paulo: V. Steidel &
Cia, 1901. Esc.: 1:100000
308

Anexo B – Mapa da Companhia Melhoramentos, 1908 (escala ampliada).

Mapa 2- Companhia Melhoramentos, 1908 (escala ampliada)


Fonte: Commissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo.
Folha de Jundiahy. São Paulo: Secção Cartográfica do Estado: Graphico Weiszflog Irmãos, 1908. Esc.: 1:100000
Anexos 309

Anexo C – Mapa da Companhia Melhoramentos, 1912 (versão ampliada).

Mapa 3- Companhia Melhoramentos, 1912 (versão ampliada)


Fonte: Commissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo.
Folha de Jundiahy. São Paulo: Secção Cartográfica do Estado: Graphico Weiszflog Irmãos, 1912. Esc.: 1:100000
310

Anexo D - Mapa da Companhia Melhoramentos, 1925 (escala ampliada).

Mapa 4- Companhia Melhoramentos, 1925 (escala ampliada)


Fonte: Commissão Geographica e Geologica do Estado de São Paulo.
Folha de Jundiahy. São Paulo: Secção Cartográfica Da Companhia Melhoramentos (Weiszflog Irmãos
incorporado) S. Paulo, Cayeiras e Rio, 1925. Esc.: 1:100000
Caieiras: núcleo fabril e preservação APÊNDICE
CROQUI PARA IDENTIFICAÇÃO DAS VILAS
A
Caieiras: núcleo fabril e preservação APÊNDICE
VILAS DE CAIEIRAS
B
Caieiras: núcleo fabril e preservação APÊNDICE
CROQUI PARA LOCALIZAÇÃO DAS FIGURAS C
Apêndice D – Área ocupada pela Companhia Melhoramentos em Caieiras

Legenda: Demarcação da Gleba Melhoramentos no município de Caieiras. Demarcação aproximada da área vendida para a construtora Camargo Correia (feita por nós). Notar
que as áreas não pertencentes à Companhia que estão inseridas na Gleba são áreas vendidas para outras empresas como exemplo, a Fábrica de Papel (do lado esquerdo da linha
férrea), que foi recentemente vendida para um Grupo Chileno Fonte: Apresentação feita por Jorge Wilheim, em Caieiras, sobre as possibilidades de ocupação das Glebas
Melhoramentos, incluindo demarcação da Gleba Melhoramentos e demais áreas do município. (2011)
E

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