REHR v. 17 N. 33 (2023)
REHR v. 17 N. 33 (2023)
REHR v. 17 N. 33 (2023)
33 (2023)
Dourados – MS – Brasil
e-ISSN 1981-2434
A REVISTA VEJA NA DESCONSTRUÇÃO DA IMAGEM DA
PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF:
O Processo de construção do golpe no Brasil em 2016
VEJA MAGAZINE IN THE DECONSTRUCTION OF THE PRESIDENT
DILMA ROUSSEFF's IMAGE:
The construction process of the coup in Brazil in 2016
RESUMO
ABSTRACT
This article seeks to analyze how the Veja Magazine contributed in the process of
deconstruction and disqualification of President Dilma Rousseff's image, contributing
to the construction of the coup d'état executed in Brazil in 2016. Discussing the political
scenario and the rise of center-left after 2002, highlighting the alliance and the
neodevelopmentalist politics adopted by the political bloc that the Workers Party
leaded, and constructing the chronology of 2016's coup. Was analyzed the narrative
on the cover of five different editions of Veja Magazine, all published in 2016 about the
impeachment process, showing how this communication vehicle was extremely
relevant in the major context that leads into President Dilma Rousseff's coup and her
disqualification in the political scenario.
Keywords: Political History. Press. Coup.
INTRODUÇÃO
relações de poder que precisam ser esclarecidas dentro de seu contexto histórico.
Isso nos permite estabelecer que a imprensa não apenas age no presente, mas
também influencia o futuro, uma vez que os seus produtores constroem imagens da
sociedade que serão reproduzidas em outras épocas. Cabe observar que os
impressos, bem como os meios de comunicação em geral, ainda ocupam lugar de
destaque nas sociedades contemporâneas, pois são produtores de uma memória
pública e de uma ideia de História. Desse modo, concordamos com a posição de Silvia
Maria Arendt (2014, p. 22), quem afirma que “(...) a narrativa jornalística vem
participando do processo histórico com vigor e constância haja vista sua condição
simbólica de detentora da pretensão da verdade”.
Portanto, o presente estudo tem por objetivo analisar a narrativa presente nas
capas da Revista Veja e como esse veículo impresso contribuiu para o processo de
desconstrução/desqualificação da imagem da presidenta Dilma Rousseff na
construção do golpe de Estado executado no ano de 2016. Metodologicamente, foi
considerada a relevância das imagens presentes em cinco capas da revista impressa,
expressadas nas edições publicadas em 02 de março, 13 de abril, 20 de abril, 11 e 18
de maio de 2016. A escolha de tais edições se justificou, fundamentalmente, no uso
intencional da imagem da então presidenta Dilma Rousseff que, ao ver desse estudo,
colaborou para a construção da desqualificação de sua condução política, sobretudo,
de seu governo. Assim, nesse artigo, a Revista Veja foi utilizada como fonte e como
objeto de análise.
Considera-se, nesse estudo, que o golpe de 2016 foi caracterizado por uma
ofensiva neoliberal que atacou os governos que apresentaram uma pauta progressista
quanto aos avanços sociais. Esse processo impactou profundamente nos avanços
conquistados nos últimos anos no Brasil. O impeachment/golpe, ocorrido em 2016,
marcou a ruptura de um ciclo político protagonizado pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), desde 2003, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula). Essa ruptura
impactou profundamente no curso das políticas públicas de caráter social,
configurando, dentre muitas outras características, a quebra do presidencialismo de
coalizão construído a partir da ascensão de Lula junto aos partidos que representam
a classe média e a burguesia brasileira.
dos Trabalhadores (PT), Partido Liberal (PL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB),
Partido da Mobilização Nacional (PMN) e Partido Comunista Brasileiro (PCB). A vice-
presidência da chapa foi ocupada pelo PL com o empresário José Alencar. A
Coligação “Lula Presidente” venceu a Coligação “Grande Aliança” composta pelos
partidos Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro, encabeçada pelo candidato à presidência José Serra (PSDB)
e a vice Rita Camata (PMDB).
Em 2006, o então presidente Lula foi para sua reeleição, sendo vitorioso no
segundo turno com 60,83% dos votos válidos, contabilizando 58.295.042 votos. Sua
coligação denominada como “A Força do Povo” contava com os partidos: PT, PCdoB
e o Partido Republicano Brasileiro (PRB), tendo novamente como vice José Alencar,
quem havia migrado para o PRB. A oposição foi liderada, novamente, pelo PSDB com
Geraldo Alckmin, candidato a presidente, e José Jorge, do Partido da Frente Liberal
(PFL), como vice. A coligação intitulou-se “Por um Brasil Decente”, e foi composta
somente por PSDB e PFL.
De acordo com os dados de Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a presidenta
Dilma Rousseff, por sua vez, foi eleita pela primeira vez em 2010 na coligação “Para
o Brasil Seguir Mudando” composta pelos partidos: PT, PMDB, PCdoB, Partido
Democrático Trabalhista (PDT), Republicanos (PRB), Partido da República (PR),
Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Social Cristão (PSC), Partido Trabalhista
Cristão (PTC) e Partido Trabalhista Nacional (PTN), tendo como candidato a vice-
presidente o político Michel Temer (PMDB).
A coligação fez 56,05% dos votos válidos, o que corresponde a 55.752.529
votos. Ganhou as eleições do candidato a presidência da oposição no segundo turno,
José Serra (PSDB) e seu vice Índio da Costa (DEM), pela coligação “O Brasil Pode
Mais”, composta pelos partidos: PSDB, Democratas (DEM), Partido Popular Socialista
(PPS), PMN, Partido Trabalhista do Brasil (PTdoB) e o Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB).
Em 2014, Dilma Rousseff é reeleita presidenta do Brasil, com 51,64% dos votos
válidos o que corresponde a 54.501.118 votos. Pela coligação “Com a Força do Povo”,
composta pelos partidos: PT, PMDB, PR, PDT, PRB, PCdoB, Partido Social
2. A CRONOLOGIA DO GOLPE
Datas Acontecimentos
A oposição entrega para Eduardo Cunha o pedido de impeachment da
21/10/2015 presidenta Dilma, assinado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale
Júnior e pela advogada Janaína Paschoal.
O juiz federal Sérgio Moro torna pública uma série de gravações feitas pela
Polícia Federal, no contexto da operação Lava Jato, entre 17 de fevereiro e
16 de março, incluindo o grampo de uma ligação entre Lula e Dilma feito às
16/03/2016
13h32 de 16/3, após o próprio juiz ter determinado o fim das escutas contra
o ex-presidente. Apesar de amplamente divulgado na imprensa, o áudio não
produziu repercussões imediatas na investigação da PF.
Um juiz de primeira instância concede liminar que suspende a nomeação
17/03/2016
de Lula, quem recorre.
17/03/2016 A Câmara forma a comissão do impeachment.
29/03/2016 Em despacho oficial, o juiz Sergio Moro pede desculpas ao STF pelo
vazamento da ligação entre Lula e Dilma e nega motivação política.
30/03/2016 Começam os trabalhos da comissão do impeachment na Câmara.
29/06/2016 Interino afirma que Bolsa Família será mantido “enquanto houver pobreza
extrema no País”.
Criada a campanha de financiamento coletivo “Jornada pela Democracia –
Todos por Dilma”, em resposta à restrição imposta por Temer ao uso de
29/06/2016 aviões da FAB pela presidente (com exceção do trecho Brasília-Porto
Alegre). A iniciativa partiu de Guiomar Lopes e Celeste Martins, ex-
militantes e amigas de longa data da presidente.
Com pouco mais de um mês de gestão, o governo do interino Michel
01/07/2016 Temer foi considerado ruim ou péssimo por 39% da população, de acordo
com pesquisa CNI/Ibope.
Em seis dias, a campanha “Jornada pela Democracia” acumula R$ 662.114
e 10.067 apoiadores. Em 48 horas, a campanha bateu recorde ao atingir a
05/07/2016 meta de R$ 500 mil reais. Além de ter se tornado o projeto que recebeu
mais doações em menos de 24 horas, também foi o que teve mais
apoiadores em tão pouco tempo.
O Plenário decidiu, por 59 votos a 21, que a presidente afastada iria a
julgamento. No terceiro dia de julgamento, Dilma compareceu ao
9 - 10/08/2016 Congresso para se defender e negou ter cometido os crimes de
responsabilidade que foi acusada. Por conseguinte, acusou o vice-
presidente, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de
conspiração;
O processo durou 273 dias, tendo como resultado a cassação do mandato,
31/08/2016 mas sem as perdas dos direitos políticos de Dilma. No total, foram 61 votos
favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff e 20 contrários no
julgamento;
Fonte: Boitempo e Educa Mais Brasil (2019).
de 2016 (figura 3) com a frase “Fora do Baralho” associada à uma foto de Dilma
representada por um cartaz rasgado.
Querido”, em seu subtítulo, sugeriu que, com a provável saída de Dilma e a derrota
de Cunha, o Brasil teria a chance de acabar com a corrupção. A capa e a manchete
prenunciavam a saída da presidenta Dilma, mas também que o “feitiço virou contra o
feiticeiro”, ou seja, que Eduardo Cunha, na condição de Presidente da Câmara, aquele
que foi um dos principais articuladores do impeachment de Dilma no Congresso
Nacional, sofreu também derrota política.
No topo da página temos a menção do ex-presidente Lula, a partir do título: “No
topo da Cadeia”, e com o subtítulo comentando a acusação do Procurador Geral da
República que ligava Lula à uma “organização criminosa” dentro da Petrobras. A capa
que antecipava a votação do Senado, reafirmava a imagem que a revista vinha
construído do governo Dilma. Os dois, Dilma e Lula, são apontados como
responsáveis pela corrupção no Brasil e o processo de impeachment foi identificado
como resposta para erradicar a corrupção.
Dilma Rousseff. Essa edição emblemática foi composta por alguns elementos: i) a
frase no topo da página, que diz: “EXCLUSIVO: As novas provas que comprometem
Lula”; ii) o título da manchete: “Ruína do PT”; iii) Os subtítulos da manchete, que
mencionam o PT como o grande responsável pela corrupção, a Dilma como a
presidenta que foi afastada por crime de responsabilidade e que entrega o país
quebrado e o Temer que iria conter os gastos, manter a inflação na meta e estimular
os investimentos; E por fim, iv) o fundo da página com um busto do ex-presidente
Lula desmoronando.
O enredo criado por estes elementos deixou claro a intenção da edição de
descredibilizar não somente a presidenta, que estava sendo acusada por crime de
responsabilidade, mas também o projeto de governo que se iniciou com Lula e se
manteve até o afastamento de Dilma. A revista buscou colocar o Partido dos
Trabalhadores como responsável pela crise política, reforçando o movimento político
conhecido de “antipetismo”. O enredo da edição também apontou Michel Temer como
a figura política que conseguiria estabilizar o governo brasileiro através de seu projeto
“Uma ponte para o futuro”, o qual incluiria a política de teto de gastos e a reforma
trabalhista, dentre outras reformas, e, dessa maneira, poria um fim ao projeto petista
e abriria as portas para o avanço do neoliberalismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo da afirmação de Lima (2004, p.51) de que “(...) a política nos regimes
democráticos é (ou deveria ser) uma atividade eminentemente pública e visível. E é a
mídia – e somente ela – que define o que é público no mundo contemporâneo”,
entende-se o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff como um golpe
executado não somente em seu governo, mas também no programa
Neodesenvolvimentista. O estudo compreende a Revista Veja, após a análise das
referidas capas, como um dos agentes políticos que corroboram com a narrativa da
frente neoliberal ortodoxa, a qual estimulou veementemente o discurso golpista.
A imagem construída pelas capas da revista Veja sobre a então presidenta
Dilma Rousseff, a colocou como a responsável pela corrupção, a caracterizou como
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BURKE, Peter. O que é história cultural?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Relatório das eleições 2002, Brasília : TSE,
2003
LIMA, Venício A. de. Sete Teses sobre mídia e política no Brasil. Revista USP, São
Paulo, n.61, p. 48-57, março/maio, 2004.
QUEIROZ, Felipe. Crise política no governo Dilma Rousseff: uma análise a partir
do conflito de classes. In: CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, Juiz
de Fora, n. 27 (2018)
_________. Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
RESUMO
ABSTRACT
The purpose of this article is to analyze contemporary conspiracy thinking and its
origins in Holocaust denial. Within this relationship, we seek to understand how
the Brazilian political and media scenario has been characterized by the advance
of individuals and extreme right groups that use denialism and conspiracy as a
strategy to promote their political agendas, dealing with historical facts without
the rigor necessary scientific and methodological. In this sense, the first part of
the article is dedicated to analyzing the different denialist manifestations of the
last decades and their main guidelines. In the second part, we analyze how the
1
Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR/PPGH). Professor substituto no curso de
História da Universidade Estadual do Paraná - Campus Mourão. E-mail: [email protected].
INTRODUÇÃO
2
Tais elementos também são encontrados em outras ciências que estudam as ações humanas ao longo do
tempo, cada qual com suas especificidades metodológicas, como: Arqueologia, Antropologia, Filosofia,
Sociologia, Psicologia, entre outras.
3
Nesse artigo utilizamos o conceito de Holocausto apenas como referente ao extermínio de judeus em
escala industrial durante a Segunda Guerra Mundial. Em geral, a historiografia utiliza o termo Holocausto
para se referir ao genocídio dos judeus, especialmente depois da Conferência de Wansee, em janeiro de
1942. Usa-se o termo porque entende-se que o genocídio judeu tem particularidades, que o distinguem de
outros genocídios. Nos últimos anos, com o avanço de alguns movimentos sociais (negros, LGBTQIA+,
etc) tem havido alguma apropriação do termo. Entretanto, isso tem sido feito e aceito mais nos movimentos
sociais do que na historiografia. Não se trata de hierarquizar e nem de diminuir os demais genocídios, mas
de uma questão conceitual. Dessa forma, tal fator é uma disputa super complexa dentro dos debates
historiográficos. Ainda há uma outra dimensão: até que ponto o judeu que morreu vítima da perseguição
nazista em 1935 e não em uma câmara de gás ou gueto, em 1943, ele é vítima do Holocausto ou não.
4
A publicação pode ser visualizada em:
https://www.facebook.com/1718013874967704/photos/a.1719227158179709/2208374699264950/?paipv
=0&eav=AfbQQOT3ie-lQKu2Zj5Lsf9MYXhV6qnskKWP2bzalQCvMI0nqp6M1qPHS88LTSFkgPg.
Acesso: 02/12/2022.
Fato é que tal teoria não possuía qualquer comprovação científica e foi
rapidamente desqualificada por pesquisadores como Andrew Rambaut,
professor de evolução molecular da Universidade de Edimburgo, e W. Ian Lipkin,
professor de biologia evolucionária da Universidade de Sydney, em um artigo
publicado na revista Nature. Segundo os autores, o vírus da COVID-19 foi
resultado da seleção natural e não de uma manipulação proposital em laboratório
(RAMBAUT, 2020). Apesar disso, depois de mais de um ano desde o início da
pandemia, o Ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, reafirmou no dia 27
de abril de 2021, que foram os chineses que inventaram o coronavírus,
contrariando todos os estudos científicos produzidos até aquele momento
(MARTELLO, 2021).
Tal fato fez com que o passado de Altair Reinehr viesse à tona. Logo
depois do ocorrido, portais de notícias como Istoé (SZABATURA, 2020), O Globo
(CAETANO, 2020), BBC News (POTTER, 2020), Deustch Welle (2020), Folha
(SPERB, 2020), Uol (KONCHINSKI, 2020), dentre outros, começaram a publicar
reportagens sobre as suas ideias negacionistas. Os jornalistas rememoraram a
trajetória do professor Reinehr, denotando que ele foi membro do CNPH (Centro
Nacional de Pesquisas Históricas), o qual, durante as décadas de 1980 e 1990
buscava legitimar historicamente o negacionismo do Holocausto, tendo,
inclusive, ano de 2005, publicado um artigo no jornal A Notícia da cidade de
5
A nota do Museu do Holocausto de Curitiba pode ser visualizada em sua página do Facebook:
https://www.facebook.com/MuseuShoaCuritiba/posts/3493354397438439.?utm_source=akna&utm_medi
um=email&utm_campaign=Newsletter-Conib-29-10-20. Acesso: 05/05/2021.
não aos 14 anos”, além dele ter sido escrito, segundo alega Castan, com uma
caneta esferográfica, inventada vários anos depois da morte de Anne.
O fenômeno não é novo, uma vez que podemos traçar as suas origens
históricas nos primeiros anos do pós-guerra, como um esforço da extrema-direita
em minimizar a intensidade das atrocidades nazistas. Segundo Carvalho (2016),
entre os representantes dessa “primeira fase” podemos destacar o fascista
seus gastos. Segundo Carvalho (2016), se antes tal discurso estava restrito a
produtos impressos de pouco alcance, a internet possibilitou que ele atingisse
um público muito maior, disponível a qualquer pessoa com acesso, em diferentes
línguas e de forma gratuita por meio de sites, blogs, fóruns e redes sociais.
6
Podemos analisar os argumentos negacionistas do “nazismo de esquerda” no artigo, sem autor, publicado
pelo site “Mises Brasil”, “Por que o nazismo era socialismo e por que o socialismo é totalitário”
(REISMAN, 2014).
texto (ao menos como uma de suas possibilidades de entendimento), como uma
operação conspiratória.
Maquiavel e Montesquieu, do francês Maurice Joly. Nesse livro, Joly faz duras
críticas ao governo de Napoleão III (inclusive foi processado e condenado a
quinze meses de prisão por ter escrito “frases sediciosas e ofensivas” contra o
imperador). Isso não impediu que a obra continuasse a se disseminar pela
Europa em países como Inglaterra, Espanha, França, Portugal, e,
consequentemente, para o restante do mundo. A ideia recorrente era de que a
democracia, o comunismo e o comércio internacional estariam sob o controle
dos judeus, que haviam “infectado” todos os governos, todo o comércio, todas
as artes e toda a mídia mundial (GINZBURG, 2007).
Holocausto no livro de 1977, The Hitler We Loved and Why (2004), sob o
pseudônimo de “Chritof Friedrich”. Para sustentar a sua afirmação, Zündel
contratou Fred Leuchter Jr., dono de uma empresa que confeccionava injeções
letais à época, para investigar os campos de concentração nazistas.
David Irving que, impactado pelo relatório, publicou uma edição do seu livro
Hitler’s War (1977) eliminando as palavras Holocausto e câmara de gás (que
viraram “rumores infundados sem comprovação”, um mito). Para ele, nenhuma
pessoa foi executada nos campos de extermínio nazistas e o Holocausto nunca
aconteceu.
Mesmo que a teoria não tenha fundamentos, ela foi difundida rapidamente
durante a crise econômica e migratória que atingiu o continente a partir da
década de 2010, principalmente pelos partidos de extrema-direita que
preconizam uma política migratória restritiva, como: a Liga Norte na Itália, o
Reagrupamento Nacional na França, o UKIP do Reino Unido e a União Cívica
Húngara do Primeiro-Ministro Viktor Orban. Com uma ideologia fechada,
nacionalista e contra a imigração (vista como perniciosa por degenerar os
7
Sobre o fascismo, ver: PAXTON, R. O. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABSTRACT
This article is the result of research carried out during scientific initiation, based
on whiteness’s critical studies. The main objective was to elaborate a
bibliographic review on the presence or not of the white individual in articles that
deal with Education for Ethnic-Racial Relations (ERER) in History Teaching,
using, as an analysis methodology, Michel Foucault's archeology of knowledge.
After the analysis, it was possible to conclude that in the teaching of Brazilian
History, the origin of racism is historically far from the white individual and that
racism is considered a problem only for those who suffer from it, and not for those
who benefit from it. It was observed that, although there are studies that relate
whiteness to the History classroom, they are not published in the best evaluated
journals in the field.
Keywords: Whiteness. History Teaching. Education for ethnic-racial relations.
Speech analysis.
1
Graduanda no curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail:
[email protected].
INTRODUÇÃO
2
Disponível em: ufrgs.br/aulainacabada/. Acesso em 26 jun. 2022
3
“Ensino de estudos sociais”, em tradução livre. As especificidades dessa disciplina nos EUA serão
abordadas mais adiante para não haver confusão com a disciplina brasileira de Estudos Sociais.
4
A elaboração deste referencial teórico já foi debatida e publicada anteriormente nos Anais do XII Encontro
Nacional Perspectivas do Ensino de História.
que brancos olham e retratam não-brancos, pois mesmo que haja uma empatia
do Eu sobre o Outro, ela apenas aprofunda essa binariedade e não mexe nas
posições de privilégio daquele que olha. Ela também pode ser percebida na
reatividade do branco em ser visto e apontado como ser racial, quando a lente é
revertida para ele, reatividade que pode vir na forma de negação em ouvir críticas
ou questionamentos, ou no choque em se ver como integrante fundamental das
relações desiguais de raça. Quanto à intersecção com a classe, a autora cita
uma pesquisa em que os sujeitos brancos pobres expressaram “(...) vergonha
de sua incapacidade de melhorar economicamente, apesar de sua branquitude”
(FRANKENBERG, 2004, p. 330, grifos no original), um indício de que a
branquitude significaria a garantia de uma posição de privilégio.
Não raramente, observou a autora, o simples ato de desinvisibilizar a
realidade de privilégio do branco não é o suficiente para que os brancos queiram
agir contra ela: ora, a consciência de raça não necessariamente se relaciona
com o anti-racismo, fato que a autora denominou de “reconhecimento racial
evasivo quanto ao poder” (FRANKENBERG, 2004, p. 332). O argumento denota
a negação de uma branquitude marcada para que o sujeito branco não precise
se reconhecer como o lado opressor das relações de raça, usando muitas vezes
um discurso defensor do mérito.
É nesse ponto que Maria Aparecida da Silva Bento, psicóloga negra
brasileira, aproxima o conceito da realidade do Brasil. De acordo com Lourenço
Cardoso (2008), é preciso levar em conta a centralidade de países como os
Estados Unidos, representados por pesquisadores como Frankenberg, na
emergência do campo dos estudos críticos da branquitude e a influência
simbólica que isso traz. Dessa forma, doravante olharemos mais de perto para
o branco brasileiro, a partir das pesquisas destes dois autores negros que
enfatizam as relações étnico-raciais em seus trabalhos.
Em diálogo com a psicanálise, Bento (2002) cunhou o conceito de pacto
narcísico entre os brancos, que pode ser relacionado com o reconhecimento
racial evasivo quanto ao poder, visto que trata de uma não-ação dos brancos em
reconhecimento de seus privilégios. Os pactos narcísicos no Brasil vêm na forma
de uma espécie de acordo tácito da sociedade de que o racismo não existe aqui,
e de que, as desigualdades raciais seriam um problema apenas na medida em
que os negros sofrem com uma suposta “herança da escravidão”. Dessa forma,
se torna possível para o grupo privilegiado ignorar o saldo positivo que recebe
com essa desigualdade e suposta herança, através de mecanismos grupais de
fortalecimento de identidade relacionados com a necessidade de pertencimento
social.
Todo ser humano já nasce dentro de grupos definidos e herda as
subjetividades relacionadas a eles, o que permite existir um acordo inconsciente,
uma aliança psíquica, entre sujeitos de interesses e identidades semelhantes,
que determina que é possível ignorar determinadas coisas. Alinhado a isso, está
o silêncio de brancos ditos “progressistas” ou “defensores da igualdade e da
democracia” frente à injustiça da desigualdade racial, enquanto apenas
defendem os direitos de seu próprio grupo, como o caso das mulheres
trabalhadoras brancas, no exemplo dado por Bento (2002). A autora chama essa
indignação seletiva de indignação narcísica, configurando uma discriminação
racial que não é causada por preconceitos e, sim, por interesse: o interesse dos
brancos em manterem seus privilégios simbólicos e materiais.
Outro argumento fundamental de Bento (2002) é que, no Brasil, a
branquitude anda de mãos dadas com o branqueamento, política populacional
que foi adotada pelo Estado no final do séc. XIX para trazer milhões de
imigrantes brancos europeus, e tornou-se um “valor” inculcado nas relações
raciais do país. Segundo a autora, esse processo se fundamentou no medo
coletivo que o branco brasileiro, o qual desejava se ver como europeu, tinha do
negro brasileiro. Essa herança psicológica é presente no Brasil até hoje e é
expressa na negativização de pessoas não-brancas, no voltar-se para o negro a
fim de encontrar os problemas relacionados a raça, no silenciamento sobre o
papel do branco na perpetuação dessas desigualdades e em sua permissão de
ser “invisível” na sua pretensa universalidade.
Lourenço da Conceição Cardoso, historiador negro brasileiro, em sua
dissertação de mestrado, faz um levantamento sobre a presença de pesquisas
sobre a branquitude no Brasil. Sua análise vem desde 1957, com o artigo
pioneiro de Guerreiro Ramos, Patologia Social do Branco Brasileiro, que colocou
o branco como objeto de estudo décadas antes da emergência dos estudos
críticos da branquitude nos Estados Unidos, e alcança o ano de 2007, quando,
das publicações dos últimos dois anos de cada uma, artigos em que aparecesse
a temática “Ensino de História”. Somente naquelas em que a referida temática
esteva presente é que foi feita a última etapa da busca, no mecanismo de
pesquisa das próprias revistas. O recorte temporal inicial foi de “2008 até 2022”,
utilzando como marco a publicação da dissertação de Lourenço Cardoso (2008),
por ser o trabalho de um historiador que abriu caminhos tanto para divulgação
quanto para elaboração de pesquisas sobre a branquitude.
Dentro desse recorte, foi realizado um levantamento quantitativo sobre
textos que versam sobre o Ensino de História e quantos deles falam sobre a
branquitude. Para encontrar os últimos, utilizamos nos motores de busca os
descritores “branquitude”, “branquidade” e “whiteness”. Nesse refinamento, foi
encontrado apenas um artigo dentro dos parâmetros que buscávamos, de forma
que o recorte temporal foi expandido até 2002, ano de publicação do livro
Psicologia social do racismo: Estudos sobre branquitude e branqueamento no
Brasil, de Cida Bento e Iray Carone, outro marco dos estudos críticos da
branquitude no Brasil. O mesmo movimento foi feito com a revista estadunidense
“Theory and research in social education”5, ou seja: pesquisamos o termo
“whiteness” na busca, com recorte de 2008 ou 2002, e identificamos como ele
estava sendo usado. A opção por essa revista, dentre as muitas que versam
sobre o tema nos Estados Unidos, se respalda no fato de ela ser a revista
especializada sobre ensino de História mais conhecida no Brasil.
Dessa maneira, ao longo de dezembro de 2021 e das duas primeiras
semanas de janeiro de 2022, fomos construindo o levantamento de dados sobre
os artigos. Resultados mais proeminentes sobre a branquitude foram escassos:
obtivemos apenas um artigo que trata da branquitude como conceito no Ensino
de História dentro das produções nacionais; na revista estaduniendense,
obtivemos dois artigos6. Com uma amostragem tão pequena, não foi possível
fazer uma revisão bibliográfica baseada no problema inicialmente proposto, que
era analisar de que forma pesquisadores do ensino de História têm utilizado a
branquitude, afinal nossos pesquisadores e pesquisadoras aparentemente não
têm utilizado o conceito em seus trabalhos.
5
“Teoria e pesquisa em educação social”, em tradução livre.
6
São eles Silva e Backes (2019), Hawkman (2020) e Kim (2021).
Número 8 3 3 10 13 25
total de
revistas
7
“Ensino de história”, em tradução livre.
8
“Educação histórica”, em tradução livre.
ensino de História e
História Ensino
Número de 1 0 1 5 15 10
artigos que
chegaram
à seleção
final
9
Diante desses resultados, fica uma sugestão para outros/as pesquisadores/as interessados/as em
branquitude, história e educação: se fizermos a busca nas revistas de história e nas revistas de educação
brasileiras, apenas com a palavra branquitude, sem nos preocuparmos com o "ensino de história", esse
quadro mudaria?
Nordeste 10
Sudeste 9
Centro-Oeste 9
Sul 6
Norte 3
Não é possível tirar conclusões específicas com uma amostra tão pequena,
mas as posições do Sudeste e do Sul contrariam o que o levantamento de Sonia
Miranda (2019) e a tradição do campo nos trazem sobre a distribuição de
pesquisas sobre Ensino de História. Normalmente, essas regiões são as que
mais produzem sobre o assunto, e no caso em que o filtro da presença da ERER
foi aplicado, o Sudeste perdeu para o Nordeste e o Sul ficou em penúltimo lugar.
Fica em aberto para que futuros pesquisadores lancem um olhar sobre as
relações dos estados e regiões do Brasil com a raça no ensino de História.
Outro dado a ser notado são as datas de publicação. Tendo em mente que o
recorte temporal usado na busca foi de praticamente vinte anos (2002 a 2022),
é no mínimo interessante observar que um terço dos artigos foi publicado nos
últimos dois anos (13 artigos entre 2020 e 2021). Quanto mais se retorna no
tempo, mais esparsas vão ficando as publicações, sendo 2017 o último ano em
que elas aparecem em maior quantidade (6 artigos no total). Antes, há pelo
menos um artigo por ano até 2009, data em que foi publicado o primeiro artigo
brasileiro que relacionava ERER com ensino de História dentro das palavras
chaves da busca. Anterior a isso, só se encontram três textos estadunidenses,
todos de 2004.
No Brasil, o fato de esse debate ter alcançado periódicos científicos bem
avaliados em 2009, condiz com a promulgação da lei 11.645 em 2008, e o
aumento progressivo de trabalhos sobre o tema nos anos subsequentes pode
ser visto como um dos resultados da política de ações afirmativas no ensino
superior, que trouxe mais e mais o debate sobre raça na ciência. Isso se deu
através da própria presença de pessoas negras e indígenas na academia, além
da pressão dos movimentos negros e indígenas e dos próprios/as docentes de
Educação Básica, que reivindicavam recursos para cumprir a legislação, sem
excluir a existência de acadêmicos/as comprometidos/as com essas lutas.
Essa é uma de muitas vezes em que a lei 11.645/08, juntamente com a lei
10.639/03, aparecerá nesta pesquisa. O debate sobre raça no ensino de História
brasileiro é totalmente pautado por elas, como pudemos notar ao encontrá-las
mencionadas em todos os trabalhos lidos10. Se, por um lado, a efetividade das
mesmas é comprovada pelos dados citados anteriormente, por outro, o fato de
elas parecerem ser o único motivo e força principal para orientar uma educação
racial no Brasil nos mantém um tanto quanto imobilizadas/os para explorar outras
formas de trabalhar raça e racismo em sala de aula. A ERER, na maioria dos
textos, é vista como um resgate e positivação das histórias negra e indígena
esquecidas pela narrativa hegemônica, de forma que a parte “relações” entre
raças é deixada de lado11. Por mais que a pesquisa aqui feita tenha um caráter
crítico em relação às obras lidas, é importante o trabalho feito por esses autores
e autoras, que aos poucos incrementam o necessário debate sobre raça na sala
de aula. O aumento de produções nos últimos anos precisa ser creditado a
eles/as. Nesse sentido, o que a investigação deste trabalho encontrou, ao buscar
de que maneiras o sujeito branco é inserido nos discursos quando se fala de
raça no ensino de História, foram enunciados em que a branquitude estava
disfarçada, como veremos a seguir.
Em boa parte dos textos, o argumento para explicar a exclusão das histórias
negras e indígenas é que a narrativa contada nas escolas é eurocêntrica, mas
não se fala de branco com todas as letras, e sim de europeu, colonizador,
português12. Essa forma de expressar sem querer falar aparece em enunciados
como: “No passado, o termo ‘negro’, criado pelos europeus, era considerado um
termo pejorativo, já que remetia aos seres sem luz.” (GOMES, 2017, p. 196,
10
Como exemplo, ver Silva et al. (2020), Silva (2020), Andrade (2017), Oliveira et. al. (2017) e Felipe
(2016), que trazem as leis já no resumo ou nas palavras-chave.
11
Entre eles, podemos mencionar Queiroz e Ribeiro (2020), Santos (2020), Fior Santos (2020) e Araújo e
Oliveira (2018).
12
Cléber Teixeira Leão (2020) apresenta resultado parecido em sua análise de livros didáticos.
grifos nossos) e “Nesse sentido, é importante perceber que nos livros didáticos,
muitas vezes ressalta-se a História dos colonizadores, dos exploradores.”
(ZARBATO, 2019, p. 132, grifos nossos).
Nitidamente, há uma forma específica de discurso que se repete em muitos
dos textos e que fica destacada quando lemos os trechos em sequência. Ao
deixar a branquitude aparecer apenas por atrás desses termos, o foco é afastado
dos brancos brasileiros, da branquitude não-europeia, criando a miragem de
invisibilidade (FRANKENBERG, 2004). Assim, se dificulta a percepção do papel
de quem está aqui, alunos/as e professores/as, na perpetuação dessas relações
desiguais de raça que são jogadas para o passado colonial. O mesmo pode ser
dito quando o denominador branco até aparece, mas junto de uma lista de outras
características que dilui a influência da raça nessa dinâmica de poder:
14
“Parâmetros Nacionais de História”, em tradução livre.
eles/as, podem influenciar no que está sendo produzido (KIM, 2021). Elas vão
desde raça até formação e atuação profissional, e aproximam muito mais o leitor
do tema sendo discutido15. O fato de essa sessão só aparecer nos últimos três
artigos publicados demonstra que houve um movimento para trazer aos textos a
identificação dos autores, de forma que podemos tomar esse caminho como
inspiração a publicações brasileiras, especialmente as que refletem sobre raça.
Entretanto, não chegou até nós o campo e a bibliografia das positionalities, o que
já demonstra as diferenças do referencial teórico sobre raça entre os dois países.
Nos EUA, os textos da critical race theory16 na educação não têm nenhuma
referência em comum com a ERER no Brasil, seja sobre o conceito de raça ou
a educação racial - pelo menos, dentro do escopo aqui estudado. Isso faz muito
sentido ao se levar em conta as diferenças históricas que a formação da
identidade racial teve nessas nações americanas, que pode ter levado o campo
de estudos sobre raça a seguir por caminhos diferentes.
A marcação mais contundente da raça permite que nenhum dos textos
estadunidenses deixe de apontar o branco como ente presente nas relações
raciais. Assim, ele é identificado nas dinâmicas atuais, e quando aparece como
sujeito da pesquisa, sejam alunos/as, professores/as ou comunidades em que o
trabalho está inserido, como podemos ver nos trechos:
A bibliografia sobre educação para a cidadania de professores
de social studies tem sido restrita em grande parte ao trabalho
de professores Brancos, embora uma bibliografia sobre o
trabalho de professores de cor, como professores Afro-
americanos e Asiáticos-americanos, tenha recentemente
começado a crescer. (KIM, 2021, p. 2, tradução e grifos
nossos)17
No início de cada ano letivo, a professora conduzia todos os
seus alunos através de uma pesquisa de ideologia política. Uma
esmagadora maioria dos estudantes brancos se auto-
identificava como republicana, e os seus resultados de pesquisa
revelavam uma forte ideologia conservadora. (WASHINGTON;
HUMPHRIES, 2011, p. 96, tradução e grifos nossos)18
15
As positionalities estão presentes em Martell e Stevens (2017), Hawkman (2020) e Kim (2021).
16
“Teoria Racial Crítica”, em tradução livre, movimento estadunidense que estuda as relações entre raça,
racismo e poder.
17
No original: “The literature on citizenship education of social studies teachers has largely been restricted
to the work of White teachers, although a literature on the work of teachers of color, such as African
American and Asian American teachers, has recently begun to grow.”
18
No original: “At the beginning of each school year, the teacher would lead all of her students through a
political ideology survey. An overwhelming majority of white students would self-identify as Republican,
and their survey results would reveal a strong conservative ideology.”
19
Martell (2013), Martell e Stevens (2017), Hawkman (2020) e Kim (2021).
20
Negros, Indígenas e pessoas de cor, em tradução livre.
Assim sendo, embora haja diferenças notáveis na visão sobre raça entre
o discurso estadunidense e o brasileiro, ambos se alinham em alguns aspectos.
No entanto, é a perspectiva propositiva dos textos dos EUA, que contribuem para
o ensino de relações raciais, que destaca uma constatação um tanto incômoda.
Desde 2009, todos os textos brasileiros enfatizam as ausências na educação
para as relações étnico-raciais, como a falta de inclusão de negros e indígenas
na história ensinada, a falta de discussão sobre raça em sala de aula e a falta de
histórias não-eurocentradas nos livros didáticos e nos currículos. No entanto,
parece que pouco progresso foi feito para resolver esse problema, uma vez que,
em 2021, o discurso ainda se mantém o mesmo. É importante destacar que
21
No original: “Kendra thus made the history of her students central to their study, and the students
responded by clamoring for ‘real history.’ Almost half of these students were of color, but all of them had
become accustomed to the marginalization of people of color, and preferred that Europeans be returned to
the center.”
22
No original: “Although Massachusetts does not have a statewide graduation assessment in history, my
school required teachers to cover the content found in the state history curriculum framework, which
included primarily events and figures from European American history.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Este artigo tem como objetivo apresentar ao leitor o início da carreira jornalística
de Azevedo Amaral como correspondente internacional do jornal Correio da
Manhã, por meio de sua coluna intitulada "Cartas de Londres". Publicada entre
os anos de 1910 e 1917, a coluna tinha como objetivo central discutir o cenário
político europeu, com destaque para os acontecimentos relacionados à Primeira
Guerra Mundial, os quais obtiveram grande aceitação do público leitor do jornal.
O sucesso da coluna "Cartas de Londres" projetou Azevedo Amaral como um
importante jornalista no início da década de 1920, no Rio de Janeiro. Além de
apresentar a trajetória do jornalista, este estudo busca contribuir com a História
da Imprensa, já que a imprensa periódica tem se tornado uma importante fonte
documental para os historiadores nos últimos anos.
Palavras-chave: História da Imprensa. Primeira Guerra Mundial. Intelectual
brasileiro.
ABSTRACT
This article aims to introduce the reader to the beginning of Azevedo Amaral's
journalistic career as an international correspondent for the newspaper Correio
da Manhã, through his column entitled "Cartas de Londres". Published between
1910 and 1917, the main objective of the column was to discuss the European
political scenario, with emphasis on events related to the First World War, which
were widely accepted by the newspaper's readership. The success of the column
"Letters from London" projected Azevedo Amaral as an important journalist in the
early 1920s, in Rio de Janeiro. In addition to presenting the journalist's trajectory,
this study seeks to contribute to the History of the Press, since the periodical
press has become an important documentary source for historians in recent
years.
Keywords: Press History. First World War. Brazilian intellectual.
1
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás
(UFG/PPGH). E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Azevedo Amaral foi um intelectual que dedicou grande parte de sua vida
ao jornalismo político de sua época. Enquanto “intelectual mediador”, Amaral
passou por vários periódicos durante os anos de 1920, seja como colaborador
ou como redator-chefe, ganhando grande notoriedade no campo jornalístico e
intelectual do Rio de Janeiro. Podemos citar como destaque suas passagens
pelos jornais Correio da Manhã, O Paiz, Gazeta de Notícias, O Jornal, A Nação,
além das revistas Diretrizes, Novas Diretrizes e Cultura Política.
Durante a década de 1930, Azevedo Amaral teve sua maior produção
profissional, intercalando as atividades no campo jornalístico com o campo
intelectual. Foi nesse momento em que escreveu suas principais obras: Ensaios
Brasileiros (1930), O Brasil na Crise atual (1934), A aventura política no Brasil
(1935), Renovação nacional (1936), O Estado Autoritário e a Realidade Nacional
(1938) e Getúlio Vargas: estadista (1941). A partir desses trabalhos, ele ficou
amplamente reconhecido no campo intelectual de sua época, como também na
historiografia sobre o Brasil Republicano.
A imprensa periódica foi, sem dúvidas, o campo ao qual Azevedo Amaral
mais dedicou seu tempo. Foi por meio dela que ele ganhou visibilidade e iniciou
sua trajetória como escritor crítico. Cabe observar que a imprensa periódica
brasileira, no início do século XX, funcionava como um espaço de disputa pela
legitimidade das narrativas e, consequentemente, pelo poder. Publicar e ter
espaço, principalmente nos jornais de grande circulação, era o passaporte para
o sucesso profissional, seja como jornalista ou como intelectual. Nesse sentido,
trabalhando como correspondente internacional no Correio da Manhã, com a
coluna “Cartas de Londres”, Azevedo Amaral ganhou prestígio e visibilidade no
campo jornalístico da década de 1920.
Nesse contexto, o estudo objetiva preencher a lacuna na historiografia
sobre o pensamento político de Azevedo Amaral, que ainda não se debruçou
sobre o referido momento de sua carreira. Grande parte dos trabalhos já
consolidados, e que são referência sobre Azevedo Amaral, são datados do final
dos anos de 1980 e 1990, e se dedicaram a estudar, fundamentalmente, suas
obras escritas a partir da década de 1930. O início de sua carreira, suas ideias,
e a forma como ele se tornou conhecido em sua época, ainda são um hiato na
historiografia. Este estudo, ainda que prematuro, vem no sentido de contribuir
com a historiografia especifica sobre o tema, bem como contribuir com a História
da Imprensa de modo mais amplo, na medida em que busca, através do estudo
das fontes jornalísticas, apresentar um pouco do que foi os primeiros anos da
carreira de Azevedo Amaral, bem como caracterizar o cenário jornalístico do Rio
de Janeiro no final da década de 1910 e início da década de 1920.
A imprensa periódica tem se tornado, nos últimos anos, uma importante fonte
documental para nós, historiadores. Houve uma busca crescente, principalmente
de jornais e revistas, que estão sendo disponibilizados em plataformas de
pesquisa digital, seja através de bibliotecas públicas e privadas, ou pelos
próprios órgãos de imprensa, os quais buscam, em alguma medida, preservar
parte de sua história. De acordo com Leite (2015), a imprensa periódica,
enquanto objeto de estudo e fonte de pesquisa, tem subsidiado a historiografia
em seus domínios e vertentes interpretativas, possibilitando ao historiador
realizar análises de cunho social, econômico, político ou cultural.
No Brasil, os periódicos passaram por várias transformações na virada do
século XIX para o XX. De acordo com Pereira (2012), nessa época, a imprensa
periódica passou a ter mais investimentos, maior consumo de papel e maiores
inovações tecnológicas, principalmente na questão tipográfica. Assim, surgiram
novas tecnologias, como o cinematógrafo, o fonógrafo, o gramofone, os
daguerreótipos, a linotipo e as Marinonis (máquinas rotativas), que invadiram a
cena urbana e o imaginário social na virada do século XIX para o XX, trazendo
amplas transformações nos periódicos da época.
O Correio da Manhã, fundado no ano de 1901, foi um dos jornais que trouxe
as respectivas inovações para a imprensa carioca daquele contexto. Seu
fundador, Edmundo Bittencourt, foi um dos grandes jornalistas do período. O
jornal, ao longo de sua história de quase setenta anos, teve grandes revisores e
redatores como Ruy Barbosa, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector,
Costa Rego, Graciliano Ramos, Aurélio Buarque de Holanda, dentre outros. Para
Campos (2016), o Correio da Manhã, desde seus primeiros editoriais, se
autointitulava como um “jornal de opinião”, ou seja, como um produto que tentava
se desvencilhar dos poderes políticos constituídos. Porém, o empreendimento
acabou por se tornar um verdadeiro agente histórico da vida social brasileira no
tempo em que circulou, colaborando, dentre outros fatores, para a promoção e
para o afastamento de ministros e presidentes do Brasil. Nesse sentido, o jornal
atuou na ascensão e queda de Getúlio Vargas, na sustentação à administração
de Juscelino Kubitschek, no apoio e na crítica ao governo de João Goulart, e na
adesão e condenação da Ditadura Militar.
Apesar do jornal ter sido editado no Rio de Janeiro, ele também tinha grande
circulação em âmbito nacional. Suas edições diárias circulavam por quase todas
as cidades do país, com grande variedade de temas abordados. De acordo com
Campos (2016), embora o Correio da Manhã tivesse muitas personalidades
ligadas às mais diferentes áreas – como as artes plásticas, a música, o cinema,
o teatro, a literatura, a política, a economia, etc. –, eles estavam cientes do grau
de alcance do impresso na formação da dita “opinião pública”, que funcionava
como um denominador comum.
De acordo com Traquina (2005), não é possível compreender as notícias sem
uma compreensão da cultura jornalística e de seus profissionais, isto é, não há
como entender por que as notícias são como são sem uma compreensão dos
profissionais que são os agentes especializados do campo jornalístico. Essa
compreensão advém da análise das características desses profissionais e seu
microcosmo, os quais definem o campo jornalístico.
Historicamente, o campo jornalístico, para Traquina (2005), começou a
ganhar força nas sociedades ocidentais durante o século XIX com o
desenvolvimento do capitalismo e os processos de industrialização,
urbanização, educação em massa e com o progresso tecnológico. Para o autor,
as notícias se tornaram, simultaneamente, um gênero e um serviço; o jornalismo
tornou-se um negócio e um elo vital das teorias democráticas, e os jornalistas
clínico de operários em um porto, ficando nesse cargo por dois anos. Ao sair, fez
uma nova viagem à Europa e, lá, retomou suas atividades no campo jornalístico,
escrevendo artigos esporádicos para os jornais Correio da Manhã, A Notícia,
Gazeta de Notícias e Jornal do Comércio. É nesse momento que Azevedo
Amaral iniciou sua carreira de jornalista, profissão à qual se dedicou
profundamente, até o restante de sua vida. Residindo em Londres por volta dos
anos de 1910, ele colaborava com jornais escrevendo crônicas de ordem
econômica e política. Todavia, foi no jornal Correio da Manhã, com sua coluna
“Cartas de Londres”, que Azevedo Amaral começou a ganhar visibilidade no
campo jornalístico do Rio de Janeiro.
A coluna “Cartas de Londres” foi sua primeira experiência como jornalista
de ofício. A coluna começou de maneira esparsa, com crônicas que discutiam,
principalmente, Direito e Comércio Exterior, tanto no contexto europeu, como no
contexto brasileiro. Todavia, com o advento dos acontecimentos relativos à
Primeira Guerra Mundial, a coluna começou a ser quinzenal e, depois, semanal.
Em janeiro de 1913, o Correio da Manhã publicou, em seu editorial, uma
apresentação de Azevedo Amaral, destacando quais eram seus pontos fortes,
delineando seu perfil enquanto correspondente do jornal. A matéria destacava
os anos de serviço que ele prestara ao jornal e a especificidade de suas análises
referentes ao meio político europeu. Esse procedimento era práxis nos jornais
impressos da época, pois concedia bastante visibilidade aos jornalistas e aos
intelectuais. A imprensa periódica era uma espécie de trampolim para o sucesso
no campo jornalístico e intelectual do período.
De Azevedo Amaral, o nosso correspondente epistolar em,
Londres, estampamos hoje a fotografia, como homenagem ao
seu talento e gratidão aos serviços que ele vem prestando aos
nossos leitores há muitos anos, informando-os de tudo quanto
ocorre no alto cenário da política europeia, e comunicando os
acontecimentos a ela ligados com uma agudeza de visão
verdadeiramente extraordinária (CORREIO DA MANHÃ, 1913,
p. 1).
janeiro daquele ano, ele publicou duas cartas comentando sobre o contexto
político inglês, o que não agradou o governo, levando-o a ser acusado de ir
contra os interesses ingleses, sendo obrigado a sair do país. A primeira carta,
intitulada “A crise inglesa”, discutia a crise política da Inglaterra a partir do
crescimento do movimento militarista, o qual, segundo Azevedo Amaral, ia de
encontro aos pressupostos liberais do país. O texto, em questão, tratava da
aprovação da lei de obrigatoriedade do alistamento militar, que estava em
discussão da Inglaterra. Para ele, essa obrigatoriedade, naquele contexto,
estava levando o país a uma crise política sem precedentes na História, e,
consequentemente, à um fracasso perante a guerra.
De acordo com Purseigle (2014), isso se deveu ao fato de a Inglaterra ter
realizado uma série de adaptações em suas estruturas militares, políticas e
sociais. Seu exército, uma pequena força encarregada do policiamento do
império, sofreu um impacto gigantesco com o conflito. A guerra forçou a
redefinição dos pressupostos da cultura liberal dominante e desafiou as
concepções de cidadania, bem como a relação entre o Estado e a Sociedade
Civil. Para Azevedo Amaral, o movimento militarista daquele contexto estava
indo totalmente contra as tradições liberais do país, citando o exemplo do debate
em torno do alistamento militar, que, de voluntário, passaria a ser obrigatório. No
entendimento do jornalista brasileiro, o serviço militar obrigatório era sinônimo
de reacionarismo e anti-civilização, fazendo com que, em poucas horas da
deflagração do conflito, milhões de homens livres se convertessem em escravos
militares, obrigados a ir para as fronteiras sem nem poder questionar o que
estava acontecendo.
Mas se as lições do passado e a experiencia atual mostram ao
ingleses, as inestimáveis vantagens que eles gozam por se não
acharem a posição perigosa com que o serviço militar obrigatório
coloca os povos da Europa continental, o simples bom senso
basta para provar como é absurda a ideia de introduzir a
conscrição neste momento. Pondo de parte as razões de ordem
política que foram evidenciadas pela calamidade que assola a
Europa e que bastam para mostrar como o serviço militar
obrigatório coloca no dispor da casta militar um poder exagerado
e perigoso, é evidente que da decretação de tal metida nenhuma
vantagem militar advirá para a causa dos aliados (AMARAL,
1916a, p. 1).
britânico.
de sua saída:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
jornalismo. Os textos escritos nessa época tiveram uma boa aceitação do público
leitor. Vinham sempre em primeira página, o que significava se tratar de algo
com importância para o jornal. Esses textos também nos revelam um pouco de
suas ideias políticas no início de sua carreira. Os artigos selecionados narravam,
de alguma forma, seu pensamento acerca do político e do social, e que também
vai aparecer nas suas obras escritas ao longo da década de 1930.
O critério de seleção desses artigos foram, por um lado, os que estavam
em melhor estado de conservação, o que permitiu a leitura integral dos mesmos,
e, por outro, os que apresentavam elementos mais gerais de suas ideias. A ideia
deste texto não foi discutir profundamente os acontecimentos relativos à Primeira
Guerra Mundial e a forma como eles estavam sendo narrados no campo
jornalístico da época. Seria preciso mais algumas dezenas de páginas para
discutir as várias facetas, lados, discursos e narrativas que foram criados na
imprensa periódica sobre a Primeira Guerra Mundial. Nosso interesse foi mostrar
como Azevedo Amaral interagiu no interior desse campo jornalístico,
apresentando algumas de suas ideias centrais no contexto bélico mundial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
ABSTRACT
This article aims to analyze the composition of the provisional councils in the
captaincy of Bahia, when Salvador was the seat of the provisional government,
between 1549 and 1763. In this sense, the study asks: how were the provisional
governments constituted? What were your assignments? What were its
members? Methodologically, the chronological limit is the period from 1581,
institution of the first provisional government, to 1766. We consider that the
provisional governments were responsible for administering the captaincy when
the governor was absent, either because of the vacancy of the position or
INTRODUÇÃO
3 Os regimentos aqui utilizados, bem como alguns documentos do período colonial estão presentes na
obra coordenada por Graça Salgado, Fiscais e Meirinhos, 2. ed, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
Quando a origem for outra, caso dos documentos retirados do Projeto Resgate, estes serão indicados
na citação.
4 SALGADO, 1985, p. 127.
5 Carta de grandes poderes ao capitão-mor Martim Afonso de Sousa e a quem ficasse em seu lugar, 20
de novembro de 1530 (SALGADO, 1985, p. 127). Regimento de Tomé de Sousa, 17 de dezembro de
1548 (SALGADO, 1985, p. 144-145).
6 SALGADO, 1985, p. 172,
7 Termo utilizado para designar a Espanha em muitos documentos até o ano de 1812.
8 De acordo com Stuart Schwartz até o ano de 1580 qualquer estrangeiro católico poderia vir para o
Brasil (SCHWARTZ, 1988).
tratava desse assunto é o item que nos interessa. José Antônio Caldas nos
informa que “O governo civil ou secular consiste na administração da justiça,
arrecadação da Fazenda real e governo econômico do povo” (CALDAS, 2017,
p. 38). As funções e poderes dos governadores estavam dispostas nos
Regimentos que estes traziam para o Brasil. O primeiro foi o de Tomé de Souza
em 1549, e o último o de Roque da Costa Barreto em 1677, o qual foi utilizado
por todos os governadores-gerais, ou vice-reis, até a vinda da Família Real ao
Brasil em 1808.
Os governadores deviam informar de modo detalhado sobre suas
atividades, o funcionamento do governo, as questões pertinentes à Câmara,
sociedade e aos funcionários régios existentes em sua área de comando.
Problemas, adversidades e as soluções encontradas foram tema recorrente para
os governadores da Bahia (SÁ, 2021). Portanto, as juntas governativas foram
frequentes ao ao longo dos séculos XVII e XVIII. Neste último período, que
constituiu o apogeu da colônia, em um processo que o historiador Francisco
Falcon conceituou como de “dupla mutação” com “expansão do território da
Colônia […] e a mutação demográfica e econômica” (FALCON, 2017, p. 65) a
Coroa instituiu a forma definitiva para a vigência do governo provisório até a
chegada da Corte em 1808.
Do século XVI até o ano de 1763, quando da transferência da capital para
o Rio de Janeiro, Salvador contou com nove juntas governativas, item a ser mais
trabalhado adiante quando da análise do quadro 2. Ao longo desse período,
estabeleceram-se pessoas com diferentes funções para exercer o poder nas
juntas. O governo provisório era instalado sempre que houvesse vacância do
governador. Esse fato ocorria devido a “quatro motivos: morte; conflitos ou
embates políticos que geravam expulsão do governador; ausência temporária do
titular; e transferência para o reino ou para o governo de outro território”
(BEZERRA, 2018, p. 38).
É importante observar que o governo provisório, na capitania da Bahia,
exercido por meio das juntas, esteve presente em todo o período colonial. Para
estabelecer como se daria a continuação do governo eram promulgadas pelo rei
as chamadas “vias de sucessão”. A história da capitania da Bahia entre 1549 a
1763 foi pontuada pela atuação de diversas juntas para o governo interino. A
capitania foi o local do império português com mais ocorrências de governos
9 Sebastião da rocha Pitta indica o ano de 1583 como o de posse do governo provisório que substituiu
Lourenço da Veiga. O correto, no entanto, é o ano de 1581.
documentos. Uma das fontes a indicar a sucessão do governador por uma junta
está alocado no Arquivo Histórico Ultramarino, consistindo na Coleção Luísa da
Fonseca. Ali encontra-se a carta de assento da junta de governo provisório que
substituiu o governador-geral Afonso de Castro Furtado do Rio de Mendonça,
visconde de Barbacena. Nesta informa-se que
11 No caso dos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino – AHU, para a Bahia estes se dividem em
três lotes: Avulsos (1604 - 1828), Luísa da Fonseca (1599 – 1700) e Eduardo de Castro e Almeida (1613
– 1807). No presente artigo além da indicação básica da fonte será indicado em nota a qual dos lotes
se refere a documentação. No caso do alvará de 1743 aqui transcrito este encontra-se nos AHU Bahia
Avulsos.
12 Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Arquidiocese_de_S%C3%A3o_Salvador_da_Bahia.
Acesso em 18 set. 2020.
representavam, que “eles usarão de todo o poder jurisdição e alçada que ao dito
conde tinha concedido sem a isso pores dúvida ou embargo algum” (AHU ACC
CU 005, Cx. 77, Doc 6403, 17 de setembro de 1743).
Interessante observar que, quase duzentos e cinquenta anos depois da
conquista do território e quase duzentos da instituição do governo-geral, era
ainda necessário ao rei informar aos súditos da América que os representantes
régios tinham poder e jurisdição sobre os demais membros da sociedade
colonial. O uso dessa referência se devia ao regime jurídico dominante em
Portugal na primeira Modernidade caracterizado pelas leis fundamentais, estas,
13 “Nome dado pelos portugueses à independência do reino português diante da Espanha em 1640,
depois de 60 anos de união das duas coroas” (HERMANN, 2000, p. 505).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
AHU ACC CU 005, Cx. 23. Doc 2682, 9 de março de 1676. Carta de assento
da junta de governo provisório que substituiu o governador-geral do Rio de
Janeiro, Afonso de Castro Furtado de Mendonça. (Coleção Luiza da Fonseca).
AHU ACC CU 005, Cx. 77. Doc 6403, 17 de setembro de 1743. Alvará
instituído pelo rei D. João V sobre sucessão do governo-geral. (Coleção
Eduardo de Castro e Almeida).
2018. 130 f.
RESUMO
ABSTRACT
The aim of this study is to analyze the articles by physician José Francisco Silva
Lima (1826-1910) published in the journal Gazeta Medica da Bahia on the
disease known as "ainhum", which predominantly affected black enslaved men
aged around 30 years. Over four decades, Silva Lima presented several cases
of this disease and discussed possible causes, which are still unknown today.
Using a diachronic approach to the author's primary sources, the study aims to
examine how he described ainhum and tried to differentiate it from other diseases
identified at the time. So far, there are no detailed studies in the literature about
this aspect of Silva Lima's work.
Keywords: Ainhum. Silva Lima. History of Medicine. Bahia. Enslaved.
1
Graduanda do curso de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC). E-mail:
[email protected].
2
Doutor em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), com ênfase em História das
Ciências. Professor Adjunto da Universidade Federal do ABC (UFABC). E-mail:
[email protected].
INTRODUÇÃO
unha, e não na base do dedo. O Quadro 1 lista esses trabalhos de Silva Lima.
al., 2022), as quais também descrevem novos casos. A moléstia já foi, inclusive,
descrita como a “doença brasileira” (ANON., 1889). A citação constante e ainda
presente aos trabalhos de Silva Lima ressaltam que seus artigos ainda são
referências indispensáveis para os estudos sobre a doença, sendo, portanto,
relevante analisá-los.
Apesar da extensa publicação de Silva Lima sobre o assunto e da
recorrente citação de seus trabalhos, mesmo na literatura médica moderna, até
o momento pouco se conhece sobre o que ele, de fato, escreveu. No presente
artigo, apresentamos uma análise de seus artigos publicados na Gazeta Médica
da Bahia. Nosso objetivo neste estudo é utilizar uma abordagem diacrônica de
fontes primárias (KRAGH, 2001, p. 100) para compreender, de maneira
detalhada e com base nos conceitos utilizados na época, quais foram as
características do ainhum descritas por Silva Lima em seus próprios estudos ou
nos de outros médicos. Além disso, buscamos analisar como Silva Lima buscou
diferenciar essa doença de outras moléstias conhecidas, a fim de evitar
diagnósticos errôneos.
Para tanto, inicialmente abordamos como Silva Lima se inseriu no
contexto da medicina brasileira do século XIX. Em seguida, passamos à análise
das fontes primárias desse autor, detalhando suas ideias e suas referências,
tomando como pressupostos os conceitos que eram aceitos e defendidos em
sua época. Nesse sentido, ressaltamos que o estudo focou nos escritos em si,
apenas tangenciando seu contexto de produção e suas implicações para a
medicina na época.3 Por fim, ainda com base na análise de fontes primárias,
apontamos como Silva Lima buscou demonstrar que o ainhum não poderia ser
nenhuma das doenças conhecidas até o momento.
3
Entendemos que a repercussão dos trabalhos de Silva Lima ou mesmo a relação de seus escritos com o
desenvolvimento da medicina brasileira na época fogem do objetivo original deste artigo, mas podem ser
temas de estudos futuros.
4
Não há, até os dias atuais, uma biografia completa de Silva Lima. Alguns aspectos de sua vida e obra são
abordados em Moniz (1910), Pereira (1910) e “José Francisco da Silva Lima” (2022).
Salvador entre os séculos XIX e XX. Silva Lima nasceu em Vilarinho, Portugal,
em 15 de janeiro de 1826, e veio para o Brasil aos catorze anos, em 1840. Pouco
mais de uma década depois, tornou-se doutor pela Faculdade de Medicina da
Bahia, atualmente parte da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Sua tese,
intitulada Dissertação philosophica e critica a cerca da força medicatriz da
natureza, provocou diversos debates acerca da terapêutica da época. Seus
contemporâneos tinham opiniões divergentes sobre a dosagem e o uso de
medicamentos para tratar as enfermidades que Silva Lima considerou nesse seu
primeiro trabalho científico (MONIZ, 1910, p. 362). Tendo passado a maior parte
de sua vida no Brasil – foi naturalizado em 1862 –, Silva Lima ganhou destaque
principalmente por seus trabalhos sobre a beribéri5 e o ainhum. Realizou
diversas viagens à Europa durante sua vida, onde aprimorou suas técnicas para
aplicar no ensino e na prática da medicina no Brasil.
Silva Lima produziu uma vasta obra que englobou diversas áreas da
saúde. De acordo com Pereira (1910, p. 347), ele realizou estudos de grande
valor científico e social, abrangendo desde enfermidades dermatológicas até
patologias do útero. O médico trabalhou ao lado de Otto Wucherer (1820-1874)
e John Paterson (1820-1882), dois importantes médicos no cenário da época
(Amaral, 1910, p. 354), e juntos fundaram a Gazeta Médica da Bahia e a Escola
Tropicalista Baiana6 (SILVA LIMA, 2022). Além disso, Silva Lima foi presidente
do Conselho Sanitário Estadual desde sua criação em 1901 até 1907, quando
se afastou por questões de saúde (PEREIRA, 1910, p. 352). Também presidiu
o 3º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, ocorrido na Bahia em 1890, e
foi Presidente de Honra da Sociedade de Medicina da Bahia. Silva Lima não
chegou a lecionar na Faculdade de Medicina, mas deu aulas práticas não oficiais
no Hospital da Caridade (PEREIRA, 1910, p. 337).
O médico faleceu em 1910, em virtude de uma arteriosclerose (PEREIRA,
1910, p. 352). A edição da Gazeta Médica da Bahia, publicada após sua morte,
foi dedicada inteira a ele, com publicação de cartas que o médico havia trocado
5
Beribéri é o nome dado às alterações clínicas provocadas pela deficiência de tiamina, isto é, de vitamina
B1 (BERIBÉRI, 2022). A tiamina é uma vitamina hidrossolúvel, essencial na formação da tiamina
pirofosfato, coenzima do metabolismo dos carboidratos. Silva Lima possui diversos textos e um livro
(LIMA, 1872) estudando diversos casos e explorando os sintomas da doença que podiam levar à morte.
6
Para mais detalhes sobre a história da medicina no Brasil, o leitor pode consultar Barros (1997), Calaça
(2005), Edler (2002) e Teixeira et al. (2018).
com outros do ramo, elogios históricos e homenagens escritas por seus colegas
de trabalho, muitos destes também seus antigos alunos (MONIZ, 1910;
PEREIRA, 1910; AMARAL, 1910).
Silva Lima teve contato com o ainhum no início da década de 1850 e, até
a sua primeira publicação sobre a doença na década seguinte, ele estudou
individualmente cerca de catorze casos, além dos que foram relatados por seus
colegas médicos. O primeiro texto acerca da moléstia foi publicado em 1867,
dividido em duas partes e impresso nos volumes 13 e 15 da Gazeta Médica da
Bahia. No texto intitulado Estudo sobre o – ‘ainhum,’ – moléstia ainda não
descripta peculiar à raça ethiopica e affectando os dedos mínimos dos pés, o
autor discutiu algumas características da doença, entre elas, o fato de
aparentemente ser particular às pessoas pretas, especialmente as africanas. O
artigo foi essencialmente descritivo, buscando listar as principais características
do ainhum.
A denominação “ainhum”, conforme apresentada pelo médico, teve sua
origem nos pretos nagôs, africanos originários da Costa da Mina, região que
atualmente abrange Gana, Togo, Benim e Nigéria. Traduzida literalmente como
“frieira”, Silva Lima afirmou que a palavra em português não servia para
descrever o que seria a doença de fato. Segundo ele, os nagôs explicaram que
o ainhum seria o equivalente a “serrar”, informação que o médico julgou ser
adequada e que o fez manter o termo utilizado por eles.8
O ainhum foi descrito como uma doença degenerativa, mas não grave,
que afetava somente o indivíduo por ela acometido. Muitos dos casos não eram
levados aos hospitais, pois os enfermos recorriam à remoção do órgão afetado
– quase sempre o dedo mínimo do pé – por conhecidos, e alguns enfermos até
7
A fim de facilitar a leitura, modernizamos o português das citações dos trabalhos de Silva Lima e de outros
autores do período.
8
Quando o “Sr. Dr. Collas”, médico da marinha francesa, publicou em 1868 um texto sobre o ainhum,
dizendo que o termo seria “bárbaro”, Silva Lima rebateu afirmando que “o nome ainhum é bárbaro como
o é na língua a que pertence; mas tem a seu favor, além da feição de nacionalidade, a vantagem de designar
uma moléstia definida” (LIMA, 1884, p. 473).
visão da pele que ainda sustentava o dedo no pé. Quando isso ocorria, o dedo
passava a ter de duas a três vezes o tamanho inicial. À medida que inchava, o
osso nessa extremidade se desfazia. Após cerca de dez anos do início da
doença, o dedo sofria uma amputação espontânea.
Silva Lima discutiu detalhadamente dois casos nesse primeiro artigo de
1867. Sobre um, relatou que havia sido convidado pelo colega chamado
Paterson, em 30 de novembro de 1863, para visitar um doente em quem
Paterson realizaria a amputação do dedo. O paciente era um homem negro de
aproximadamente 30 anos, aparentemente saudável, que disse aos médicos
que há mais de um ano sentia dores no dedo, como se um “(...) verme lhe
estivesse a roer o osso” (LIMA, 1867, p. 148). O órgão já estava com o volume
muito maior que o normal e a ferida entre esse e a base possuía uma ulceração
profunda, marcando visivelmente onde o osso do dedo se rompia. A operação
foi realizada por Paterson, e considerada simples, embora notavelmente
dolorida.9 Os médicos encontraram na ferida um pequeno fragmento de osso,
removido com a ajuda de uma pinça, mas exceto por isso, não encontraram mais
vestígios de ossos na raiz do dedo.
O segundo caso foi o de Joaquim, um escravo africano marinheiro que,
na data em questão, estava fora do serviço há meses. Também era considerado
saudável. Havia cerca de dez anos, o homem começou a sentir dores no dedo
mínimo do pé direito, à medida que uma ferida semicircular se formava pouco a
pouco na região entre o dedo e o corpo do pé. A ferida ulcerou-se e aprofundou-
se, às vezes soltando um líquido purulento. Silva Lima informou que esse mesmo
homem já havia consultado consigo havia dois anos, mas, uma vez que o
primeiro osso do dedo ainda se encontrava inteiro, não realizaram a amputação.
Havia três anos, a doença havia afetado também o quinto dedo do pé esquerdo,
da mesma maneira que o direito (Figura 1).
9
Silva Lima escreveu em seu texto que a ferramenta usada pelo colega foi uma “pequena tesoura de
algibeira”. Algibeira significa pequeno bolso presente em peças de roupa. Em seguida, o autor informou
que “o doente deu mostras de grande sensibilidade, agitando-se e gritando no momento da secção, mais do
que se poderia esperar de tão insignificante operação” (LIMA, 1867, p. 148).
unha (LIMA, 1884). Muitos dos casos que Silva Lima relatou para os leitores da
Gazeta Médica da Bahia nesses artigos posteriores não ocorreram no Brasil; a
maior parte das menções são de episódios na França ou relatados por médicos
franceses, mas também existem descrições do ainhum em Montreal (LIMA,
1887), Londres (LIMA, 1891) e na Nova Caledônia (LIMA, 1880), sem nenhuma
particularidade diferente das primeiras descrições feitas pelo luso-brasileiro.
Sendo assim, é perceptível que o estado das pesquisas sobre as causas
do ainhum não avançou significativamente nos anos seguintes, havendo apenas
descrições de novas circunstâncias em que a doença se manifestava. Além
disso, apesar de, em diversos momentos nos textos, surgir a questão da raça
dos pacientes, em nenhum deles foi citado algum caso do ainhum em pessoas
brancas. É possível, por outro lado, que a doença tenha atingido essa população,
mas foi confundida com outras moléstias ou nomeada de outra maneira devido
ao nome “ainhum” ser originário da África.10
10
O médico Octávio Freitas (1871-1949) afirmou em seus trabalhos que a doença veio da costa ocidental
do continente africano e do Sudão, e aqui se espalhou. Apesar de discordar da forma de transmissão
estudada por Silva Lima, Freitas se baseou nos estudos deste último para afirmar isso (Sampaio, 2019).
11
Pelo contexto, é provável que “Sr. Mirault” seja o cirurgião francês Germanicus Mirault (1796-1879).
Porém, para Silva Lima, essa única semelhança não era suficiente para
provar que a doença observada por Mirault fosse também o ainhum. Como
diferença principal entre as duas, havia primeiro o membro do corpo afetado; o
ainhum, como escreveu o médico, atingia os pés. Além disso, o dedo lesado não
assumia um formato cônico, mas ovóide.
Um médico denominado “Sr. Verneuil”12 realizou uma análise patológica
do doente de Mirault, que demonstrou que a doença, estudada pelo último, tinha
como um dos sintomas a pele aparentar ter sido “fundida” (fusionnée) com o
tecido celular subcutâneo, não encontrada no mesmo tipo de análise do ainhum.
A doença observada por Mirault também deixou traços de inflamação que no
ainhum não eram encontrados, além da dor generalizada, que no ainhum se
limitava ao membro afetado. A formação do sulco circular e o aumento de volume
dos dedos aparecia nos estágios iniciais de ambas as doenças – no caso da
doença de Mirault, nos dedos das mãos –, mas no ainhum não causava
desconforto, enquanto na outra, sim. Concluindo sua análise, Silva Lima
descartou a possibilidade de que o ainhum fosse a mesma doença descrita por
Mirault:
Mas por que é que este mesmo rego constrito, que parece
ocasionar todas estas lesões, não produz aqui as dores atrozes,
a inflamação, e mais sintomas vexatórios que levaram o Sr.
Mirault, para pôr termo a tantos sofrimentos, a sacrificar quatro
dos dedos afetados, e a escarificar profundamente o quinto?
Seria a moléstia a mesma, e dependeriam todas estas grandes
diferenças de afetar o ainhum órgãos menos importantes, e por
assim dizer, menos vivos, em um clima diverso, e em uma raça
diferente? Não me parece isso provável. (LIMA, 1867, p. 175).
12
Acredita-se que seja Aristide Verneuil (1823-1895), médico e cirurgião francês, devido ao período
estudado coincidir com o período de vida do médico.
13
A hanseníase foi identificada no ano de 1873 por Armauer Hansen (1841-1912). Silva Lima relatou em
seu texto ter lido, já em 1867, que Rudolf Virchow (1821-1902) classificou as elefantíases como sendo de
origem inflamatória, e que faziam parte dos tumores de granulação.
referenciou em seus trabalhos: 1879, por “Sr. Dr. A. Corre” (?-?); 1880, por
Brassac; e em 1887 por Francis John Shepherd (1851-1929). Escreveu Brassac:
Ressaltamos, por fim, que Silva Lima sempre colocou a doença como
exclusiva de pessoas negras, sendo a cor do paciente fator importantíssimo na
distinção a outras enfermidades:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi financiando com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2021/07223-1.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
p. 1171-1171, 1889.
BARG, Muhammad Naeem; AHMED, Saqib. Ainhum: A Case Report from Qatar.
EAS J Orthop Physiother, v. 3, n. 5, p. 63-65, 2021.
BARRETO, E.R.M. Ainhum – estudo de sete casos. Anais Brasileiros de
Dermatologia, v. 59, n. 3, 1984.
BARROS, Pedro Motta de. Alvorecer de uma nova ciência: a medicina
tropicalista baiana. História, Ciências, Saúde: Manguinhos, v. 4, n. 3, p. 411-
459, 1997.
BERIBÉRI. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2022.
Disponível em: https://www.dicio.com.br/beriberi/, acesso em 10 de julho de
2022.
BROWNE, S. G. Ainhum: a clinical and etiological study of 83 cases. Annals of
Tropical Medicine and Parasitology. v. 55, n. 3, p. 314-319, 1961.
CALAÇA, Carlos Eduardo. Capítulos da história social da medicina no Brasil.
História, Ciências, Saúde: Manguinhos, v. 12, n. 2, p. 557-566, maio-ago.
2005.
CESARINI, Luciana Valentini de Melo; PEGAS, José Roberto Pereira; REIS,
Vitor Manuel Silva dos; MULLER, Helena; OLIVEIRA, Marco Antônio de; PIRES,
Mario Cezar. Ceratodermia palmoplantar de Unna-Thost associada a pseudo-
ainhum: Relato de um caso. Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 9, n. 1, p.
61-67, 2004.
COLE, G. J. Ainhum: an account of fifty-four patients with reference to etiology
and treatment. J. Bone Joint Surg. v. 47, n. 1, p. 43-51, 1965.
DACCARETT, Marcos; ESPINOSA, Gustavo; RAHIMI, Fred; ECKERMAN,
Christopher M.; WAYNE-BRUTON, Shelley; COUTURE, Mark; ROSENBLUM,
Jason. Ainhum (Dactylolysis Spontanea): A Radiological Survey of 6000
Patients. The Journal of Foot & Ankle Surgery, v. 41, n. 6, p. 372-378, 2002.
RESUMO
ABSTRACT
1
Graduado em História pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Especialista em Metodologia
do Ensino de História e em História e Cultura Afro-Brasileira e Indigena pelo Centro Universitário
Internacional (UNINTER). Mestre em História (2021) pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail:
[email protected].
2
Doutor em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor Adjunto no curso de Ciências
da Religião da Univeridade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: [email protected].
several places, from nicknames to murders. The worst cases occurred in the
interior of the state and during Holy Missions held in the city.
Keywords: History of religions. Protestantism. Anti-Protestantism.
INTRODUÇÃO
8 James Cooley Fletcher (1823 -1901) foi pastor e missionário norte-americano. Ele atuou vários anos no
Brasil como missionário e foi amigo de várias pessoas influentes chegando a ter acesso livre ao palácio do
imperial.
9 Robert Reid Kalley (1809-1888) era médico e pastor escocês. Ele trabalhou em Portugal, na Ilha da
Madeira, como missionário, mas a forte perseguição fez com que ele fugisse para os Estados Unidos. Lá
ele soube da necessidade de missionários protestantes para serem enviados ao Brasil. Ele chegou ao Rio de
Janeiro no dia 10 de maio de 1855 e tempos depois organizou a primeira igreja protestante no Brasil.
10 Ashbel Green Simonton (1833 - 1867) foi pastor presbiteriano e missionário norte-americano. Ele
fundou a primeira Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (1862) e do Brasil, criou o Jornal Imprensa
Evangélica (1864), organizou o presbitério do Rio de Janeiro (1865) e fundou o Cemitério Primitivo (1867).
Faleceu ainda muito jovem aos 34 anos. “Entre a chegada de Simonton (1859) e o fim do Império (1889),
os presbiterianos já tinham mais de cinquenta igrejas, quatro presbitérios (unidades regionais eclesiásticas),
um seminário para preparar pastores nacionais, dois colégios e diversos periódicos” (MENDONÇA, 1984,
p. 24).
11
Alexander Latimer Blackford (1829 – 1890) foi missionário norte-americano, pastor, professor e editor
do Jornal Imprensa Evangélica. Era cunhado de Simonton e o auxiliou no trabalho missionário no Rio de
Janeiro. Ele também implantou o presbiterianismo em São Paulo sendo a igreja organizada em 5 março de
1865.
12 José Manuel da Conceição (1822 – 1873) era um ex-padre católico romano que foi convertido ao
presbiterianismo por Blackford. Ele tornou-se o primeiro brasileiro ordenado a pastor, mas nunca teve uma
igreja fixa dedicando-se apenas ao evangelismo. De acordo com Leonard (1981), ele faleceu no final de
1873 em uma enfermaria militar a caminho de se encontrar com Blackford nas imediações do Rio de
Janeiro.
13 Miguel Vieira Ferreira (1837-1895) era abolicionista, republicano, matemático, engenheiro e jornalista.
Vinha de uma família muito importante do Maranhão e utilizou toda a sua influência para propagar o
presbiterianismo. Contudo, depois de um tempo abandonou o presbiterianismo e fundou a Igreja Evangélica
Brasileira.
14 A guerra de secessão ou guerra civil Americana (1861-1865) foi travada nos Estados Unidos entre o
Norte e o Sul do país e tinha como causa, entre outros motivos, a controvérsia da escravidão.
15 Henry Koster (1784-1820) possuía pais ingleses, mas havia nascido em Lisboa, Portugal. Devido a
problemas de saúde em 1809 veio morar em Pernambuco onde se tornou senhor de engenho e viajou para
diversas partes do Nordeste brasileiro. Em 1815, ele foi à Inglaterra onde publicou um livro sobre as suas
viagens retornando à Pernambuco em 1817 e falecendo no início de 1820.
16 John Rockwell Smith (1846- 1918) foi um missionário da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados
Unidos. Nasceu em Lexington, Kentucky, estudou na Universidade da Virgínia, Charlottesville, e formou-
se em Teologia pelo seminário Union (1868-1871), Virginia. Foi licenciado ao presbitério em 1871 e
ordenado em dezembro de 1872. Chegou em Pernambuco no dia 15 de janeiro de 1873 onde trabalhou
como missionário e educador chegando a organizar a Igreja Presbiteriana no Recife no dia 11 de agosto de
1878. Ele foi um dos principais missionário protestantes do Nordeste e por isso recebeu a alcunha de
Simonton do Norte (MATOS, 2018).
Açude Novo e o seu pastor era Sinfrônio Costa. Em 1920, o templo foi
inaugurado e já possuía trinta membros. A Igreja Batista instalou-se em Campina
Grande dois anos depois (1922) na Rua Silvestre e o seu Pastor era Augusto
Santiago. No dia 8 de janeiro de 1924, a Igreja Assembleia de Deus foi fundada
na Rua da Areia. Igreja Evangélica Congregacional foi inaugurada no dia 30 de
junho de 1927 na Rua Treze de Maio. Isso ocorreu com a chegada do pastor
João Clímaco Ximenes17 e ela possuía noventa membros e uma Escola
Dominical com cento e cinquenta alunos.
No início de década de 1930, um grupo de membros da Igreja Evangélica
Congregacional deixou as suas terras em Itabaiana, não se tem registro de
quando se iniciou o protestantismo nessa cidade, e instalou-se na Avenida Cruz
das Armas, João Pessoa, 733. O grupo cresceu sendo organizada oficialmente
como igreja no dia 16 de junho de 1932 e em 1944 contava com Grêmio
Eclesiástico Auxiliadora Feminina (VIDA..., 1944).
2. O ANTIPROTESTANTISMO NA PARAÍBA
17 João Climaco Ximenes (1895-1963) nasceu em Sirinhaém, Pernambuco, e converteu-se aos quinze anos
a Igreja Batista, mas depois filiou-se a Igreja Evangélica Congregacional. Ele foi ordenado em 1927
assumindo a Igreja Evangélica Congregacional em 30 de junho do mesmo ano e eleito pastor efetivo no
ano seguinte (SYLVESTRE, 2014).
18
Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, nasceu em 30 de agosto de 1855, em Areia, cidade
localizada no brejo paraibano. Estudou filosofia no Seminário de São Suplício, em Issy, Paris/França e
Teologia no Colégio Pio Latino Americano, Roma / Itália, ascendendo ao presbiterado em 18 de setembro
de 1880, em Loreto, Itália. Foi nomeado Bispo em 02 de janeiro de 1894 e ordenado em 07 de janeiro do
mesmo ano na capela do Cardeal Lucio Maria Parochi, Bispo de Albano, e assistido pelos exmos. Srs Dom
Luís Canestrari, Bispo de Termes e Dom Augusto Berluca, Bispo de Heliópolis, todos designados pelo
Santo Padre Leão XIII. Em 04 de março do mesmo ano tomou posse da Arquidiocese da Paraíba. Sua
administração religiosa na Paraíba foi de 1894 a 1935, entre Bispo e Arcebispo, cujo lema era Iter Para
Tutum, ou seja, prepara o caminho seguro (SOUSA JUNIOR, 2015, p.159).
19
De acordo com Chatier (2002), mais do que um conceito de mentalidades, ela [a representação] permite
articular três modalidades da relação com o mundo social; em primeiro lugar, o trabalho de classificação e
de delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é
contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente, as práticas que irão fazer reconhecer
uma identidade social exibir uma maneira própria de estar no mundo, significa, simbolicamente, em estatuto
e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns “representantes”
(instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo,
da classe ou comunidade (CHARTIER, 2002, p. 23).
20 João Felix de Medeiros (1912-1984) nasceu em Esperança, Paraíba. Entrou no seminário em 1932 e
ascendeu ao presbiterato em 1943. Foi capelão das Dorotéias (1944), em Alagoa Grande, e vigários de
diversas paróquias (SANTOS; VELÔSO, 2010).
21
Conforme Souza (2011), não se sabe ao certo quando se iniciaram as Santas Missões, contudo ela está
presente na comunidade cristã desde os tempos mais remotos. As Santas Missões eram realizadas no Brasil
desde o período colonial pelos dominicanos, redentoristas, capuchinhos e lazaristas que em sua maioria
eram estrangeiros. No Nordeste do país, os padres seculares se destacaram nesse campo. Para Ferreira
(2016), as Santas Missões serviam para a manutenção da unidade religiosa sendo realizadas através das
visitas. Uma das principais características das Santas Missões era a pregação no momento de instrução que
não se apegava demais as obrigações litúrgicas e possuíam linguagem de fácil acesso. Elas não faziam parte
da estrutura política e eclesiástica, o que lhe dava liberdade para agir e adaptar-se de acordo com a
necessidade de cada localidade. Mesmo com as variações regionais, ela “possuía três frentes distintas: a
instrução religiosa que serve de instrumento preventivo contra as heresias, o combate aos prazeres da carne
e aos vícios e finalmente a dimensão conciliatória que evita os conflituosos, concilia os desafetos como
condição indispensável para a aproximação dos sacramentos” (SOUZA, 2011, p. 32).
22 Pio Giannotti (1898-1997), mais conhecido como Frei Damião de Bozzano, nasceu em Bozzono, na
Itália, no dia 5 de novembro de 1898. Ingressou na Ordem dos Capuchinhos aos 16 anos de idade. Mesmo
sendo seminarista, teve de lutar por seu país na Primeira Guerra mundial. Ordenado aos vinte e cinco anos
em Roma, passou a chamar-se Frei Damião. Em 1925, diplomou-se em Teologia dogmática, Filosofia e
Direito Canônico pela Universidade Gregoriana de Roma. Foi professor e diretor do convento de Massa,
na capital italiana. Oito anos depois da ordenação, em 1931, chegou ao Brasil, fixando-se no Recife, cidade
que seria a base de suas peregrinações (SYLVESTRE, 2014, p. 52).
no Recife, e seu tio, católico, conseguiu marcar o encontro entre ela e frei
Damião. Conforme Sylvestre (2014), durante o debate, Frei Damião chamou
Isnau de “bode do Diabo” e disse que ela iria para o inferno; depois, ele saiu da
casa rezando em voz alta. Desse momento em diante, iniciou-se uma série de
perseguições aos protestantes de Alagoa Grande. Na mesma noite, o frei
aconselhou os católicos a não comprarem e nem venderem aos bodes e pediu
que juntassem os impressos protestantes para serem queimados. Ao fazer
esses pedidos, o incentivo a ações violentas tornou-se uma das práticas de frei
Damião em todos os lugares por onde passava.
O pai da jovem protestante envolvida na querela era comerciante e, depois
do episódio, não conseguiu mais vender o suficiente na região para a
sobrevivência de sua família, e, então, mudou-se, em 1935, para Patos. Os
problemas não foram apenas no comércio, pois ao saírem de casa, eles eram
xingados e ouviam jovens fazendo o som de bodes. Algum tempo depois, o frei
também passou por Patos, iniciando novamente as perseguições contra a família
de Isnau Barbosa de Andrade, a qual se mudou para Natal, Rio Grande do Norte.
Por onde passava, Frei Damião convocava pastores para debates
públicos, contudo devido à grande quantidade de católicos que se aglomeravam
no local, muitos recusavam ou não compareciam. Ao fazerem isso, eles eram
rechaçados e ridicularizados, sendo chamados de covardes, e os que ousavam
ir, muitas vezes não conseguiam falar, pois a multidão gritava e vaiava na sua
vez de fala. Um debate público que teve grande repercussão foi o de Frei Damião
com Reverendo Sinésio Lyra23, um dos pastores da Igreja Evangélica
Congregacional. O debate ocorreu em abril de 1935, em Campina Grande, em
um cinema chamado Rink Park, e tinha como mediadores Vergniaud Wanderley,
chefe de polícia do estado, Hortênsio de Souza Ribeiro, advogado, e Orris
Barbosa, jornalista da capital.
O tema do debate foi a transubstanciação à luz das sagradas escrituras. A
discussão sobre o assunto não parou em Campina Grande. Os dois continuaram
a discussão através da imprensa: enquanto Frei Damião publicava no jornal A
23 Synésio Artiliano Pereira Lyra (1895-1993) nasceu em Timbaúba, Pernambuco, converteu-se a Igreja
Evangélica, em 1915, e foi batizado, em 1919, na Igreja Evangélica do Monte Alegre. Em 1921, matriculou-
se no Instituto Ebenézer, onde cursou o seminário sendo ordenado a ministro e eleito co-pastor da Igreja
Evangélica Pernambucana, em 1925, onde exerceu a função até 1938 (SYLVESTRE, 2014).
24
Os vigários que assumiram a paróquia de Catolé do rocha durante os anos de conflito foram “o padre
Luiz Gomes Vieira, de 1923 a 1928; o monsenhor Constantino Vieira da Costa, de 1929 a 1932; o padre
Manoel Otaviano, que vai do período de 1932 a 1934; o padre Francisco Lopes, de 1934 a 1936; o padre
Belisário Dantas, que fica na paróquia entre os meses de fevereiro a dezembro de 1936; o Padre Joaquim
de Assis, que foi o protagonista do período mais crítico dos conflitos com os protestantes, em 1938 a 1939,
e seu paroquiado durou de 1936 a 1942; o Padre Américo Maia, de 1942 a 1945” (ARAÚJO, 2020, p. 87).
25
Manoel Otaviano de Moura Lima assumiu a gestão da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios no dia 17
de abril de 1932 e permaneceu nela até 24 de fevereiro de 1934. De acordo com Araújo (2020), com a
chegada do padre Manoel Otaviano, os conflitos se aprofundaram.
26 Josué Alves de Oliveira (1912-1999) nasceu em vitória de Santo Antão, Pernambuco. Ele cursou o
seminário no Instituto Bíblico do Recife sendo ordenado a pastor e assumindo a Igreja Evangélica
Congregacional de Caruaru, Pernambuco.
Porém, essas medidas não foram o suficiente para impedir o confronto que
aconteceu no dia 18 de junho de 1938. Oliveira descreve a destruição da igreja
da seguinte forma:
27 Rui Carneiro (1906-1977) era formado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, Pernambuco, e
em jornalismo. Ele chegou a dirigir o jornal Correio da Manhã e durante a era Vargas trabalhou com José
Américo e foi indicado por Getúlio Vargas para ser o interventor da Paraíba.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANUNCIOS Diversos. A União. João Pessoa, ano. LVI, n. 167, p.4, 28 de jul.,
1948.
ARAÚJO, Bruno César Cordeiro de. Embates da fé: conflitos religiosos entre
congregacionais e católicos no sertão da Paraíba (1930-1940). in: dissertação
(mestrado em Ciência das Religiões), Universidade Católica de Pernambuco,
Recife, 2020.
ATAÍDE, Tristão. O literalismo bíblico. A Imprensa. João Pessoa, ano XXXIX, n.
20, p. 5, 28 jan., 1937.
A SEMENTE do individualismo. A Imprensa. João Pessoa, ano. LI, n. 52, p.4,
20 mar. 1949.
BORGES, Michelson. A chegada do Adventismo ao Brasil: histórias de fé
coragem e dedicação. 3. ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2020.
CÂMARA, Epaminondas. Datas e notas campinenses. Campina Grande:
Edições Caravela, 1988.
CAVALCANTI, Francisco de Paula Mello. Subsérie óbitos (Paróquia Nossa
Senhora das Neves), livro 6, pagina 133 verso, sob o número 158, 1883. In:
Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese da Paraíba.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. 2. Ed,
Miraflores: Difel, 2002.
CONVERTE-SE ao catolicismo o celebre pastor Niemoeller. A Imprensa. João
Pessoa, ano. XLIII, n. 171. p. 3, 29 jun. 1941.
DOIS protestantes conversos abraçam o sacerdócio. A Imprensa. João Pessoa,
ano. LI, n. 169, p. 6, 28 ago., 1948.
EM SERRA redonda toda uma família protestante se converte ao catolicismo. A
Imprensa. João Pessoa, ano XXXIX, n. 23, 31 jan., p. 6, 1937.
FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Igreja e Romanização: A implantação da
diocese da Paraíba (1894-1910). João Pessoa: Editora UFPB, 2016.
FIGUEIREDO, M. G. Catolé do Rocha, berço da Evangelização no Alto
Sertão da Paraíba. Cajazeiras: Editora e Gráfica Real, 2016.
FIRINO, Daniel da Silva. Reconfiguração Religiosa da Paraíba (1911-1950): A
Presença Adventista. in: dissertação (mestrado em História), Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, 2021.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia E Estatística. Disponível em
<https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=POP60&t=populaca
o-religiao-populacao-presente-residente> Acesso em 26 de ago. de 2020.
HOMENS de formação. A Imprensa. João Pessoa, ano. LI, n. 162, p. 6, 6 set.,
1947.
IGREJA presbiteriana testemunhas de cristo. A União. João Pessoa, ano. LVII,
n. 75, p.7-8, 2 abr., 1949.
IGREJA presbiteriana testemunhas de cristo. A União. João Pessoa, ano. LVIII,
n. 174, p. 4, 2 abr., 1950.
LÉONARD, Emile G. O protestantismo brasileiro: estudo da eclesiologia e
história social. 2. Ed. Rio de Janeiro: JUERP/ ASTER, 1981.
LUTERO, o liberalismo e o comunismo. A Imprensa. João Pessoa, ano L, n. 11,
p. 6, 16 de jan. 1947.
MATOS, Alderi de S. A Vida do Rev. John Rockwell Smith. Agreste
Presbiteriano. 2018. Disponível em: <https://agrestepresbiteriano.com.br/a-
vida-do-rev-john-rockwell-smith/> Acesso em: 29 de set. 2020.
MEDEIROS, João Felix. Evangelismo? A Imprensa. João Pessoa, ano L, n. 23,
p. 6, 7 fev. 1947a.
MEDEIROS, João Felix. Evangelismo?. A Imprensa. João Pessoa, ano L, n.
119, p. 6, 10 de jul. 1947b.
MEDEIROS, João Felix. A Incoerência Protestante. A Imprensa. João Pessoa,
ano LI, n. 146, p. 6, 23 de jul. 1948.
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo
no Brasil. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984.
NEGROMONTE, A. Protestantismo decadente. A imprensa. João Pessoa, ano
XLIV, n. 85, p. 4, 18 abr., 1942.
OLIVEIRA, Josué Alves. Vocação e Projeção. Santos: A Tribuna dos Santos –
Jornal e Editora LTDA, 1987.
OS PROTESTANTES e o nazismo. A Imprensa. João Pessoa, ano XXXIX, n.
39, p. 3, 21 fev., 1937.
O PROTESTANTISMO, o divórcio e o casamento de Eduardo VIII. A Imprensa.
João Pessoa, ano XXXIX, n. 17, p. 3, 23 jan., 1937.
O SEMINÁRIO protestante do Rio G. Do Sul era um fóco de nazismo. A
Imprensa. João Pessoa, ano XLI, n. 190, p. 8, 18 set., 1938.
SPECTACULAR WOMEN:
Gender, Color and Class in the Magazines O Cruzeiro and
Manchete (1950-1959)
CRISTINA FERREIRA 1
JÚLIA CAMPOS 2
RESUMO
ABSTRACT
The article analyzes the representations and discourses about black and white
women artists in the magazines O Cruzeiro and Manchete (1950-1959), through
the concept of intersectionality, imbricated with the categories of color, class and
gender in historical analysis. The narratives about women artists in these
magazines presented themes involving discrimination and race and gender
relations, evidenced in their pages from the construction of discourses of
ambiguous character about black women artists, presented under principles of
hypersexualization and/or under the pure manifestation of structural and cultural
1
Doutora em História pela Universidade Federal de Campinas (UNICAMP). Professora do Departamento
de História e Geografia Fundaçao Universidade Regional de Blumenau (FURB) e Coordenadora do Centro
de Memória Oral e Pesquisa - CEMOPE. E-mail: [email protected].
2
Graduada em História pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Membra do Centro de Memória
e Pesquisa, laboratório vinculado ao curso de História da FURB. Professora na Rede Estadual de Ensino
no Estado de Santa Catarina. E-mail: [email protected].
racism, from the stereotyping of black female bodies. The white women artists
were represented according to the standards usually imposed on women, such
as the vocation to marriage and motherhood, corroborating to consolidate the
stereotype of the ideal wife/woman.
Keywords: Women; Intersectionality; Manchete; O Cruzeiro; Gender.
INTRODUÇÃO
3
A respeito da desigualdade racial presente nas relações de trabalho e seu impacto econômico, consultar
os artigos SILVA, 2013 e BENTO, 1995.
4
O termo surgiu em conexão ao período de escravização e denominava os filhos e filhas de mulheres negras
violentadas pelos senhores de escravos. No caso feminino, além do sentido exposto, as discussões raciais
do século XIX vincularam semanticamente o termo à moralidade questionável e à crença na suposta
tem origem desde o período escravista do país, em que sua imagem sempre
esteve preconcebida como uma mulher propensa à sexualidade e à lascívia
(SCHWARCZ, 2019). A ideia de exotismo também se fez presente no retrato
dessas mulheres e dos demais grupos negros escravizados no Brasil, visão que
transita “entre um fascínio e um repúdio” (SANTOS, 2002, p. 281) à diferença,
seja estética ou cultural, implicando na legitimação e reforço das estruturas
hierárquicas advindas desde a sociedade escravista. Narrativas como essa, da
exaltação do corpo negro feminino e sua articulação com a sensualidade,
perpassaram as representações desse grupo nas revistas O Cruzeiro e
Manchete durante toda a década de 1950. As mulheres negras artistas eram
retratadas nas páginas dos semanários por sua “autêntica beleza negra” e físico
que é “realmente uma beleza” (PRETA, 1957, p. 56). No caso das cantoras, os
adjetivos evocavam que suas vozes contêm “uma malícia impressionante”
(PRETA, 1956, p. 62).
Na figura 1, tais perspectivas sobre a mulher negra ficam evidenciadas
quando em primeiro plano aparece em destaque a dançarina trajada com roupas
que expõem grande parte de seu corpo, representando a tradição africana
juntamente com seu grupo de dança. A narrativa reforça que, cercada por
homens brancos que dela não se desconcentram, a “bailarina negra requebra
africanamente na presença de numerosos espectadores embasbacados” (E A
ÁFRICA..., 1952, p. 24-27). A reação da plateia ao espetáculo revela a
concepção sobre a mulher negra, representada por intermédio do estereótipo da
mulata sensual ou exótica, diante dos olhares franceses. Da mesma forma,
ficava evidente a combinação entre texto e as imagens que, assim “como
qualquer produção humana, são suportes de relações sociais, envolvidas em
jogos de poder, arenas discursivas e conflitos” (LOPES; MAUAD, 2014, p. 283),
imbricando-se ao direcionamento dos sentidos do texto.
propensão à sexualidade exagerada das mulheres negras (CHALHOUB, 2018), adquirindo uma conotação
pejorativa ao longo do século XX.
Fonte: Revista Manchete, Rio de Janeiro, ano 6, n. 319, p. 76-81, 31 maio. 1958.
5
A expressão da “cor do pecado” reforça a vinculação da cor com a lascívia, atribuindo ao corpo das
mulheres negras um estereótipo de sexualização.
Fonte: Revista O Cruzeiro, Rio de Janeiro, ano XXIV, n. 41, p.103-105, 26 jul.1952.
6
Processo de oxidação química do ferro e acabamento de materiais.
Fonte: Revista O Cruzeiro, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 14, p. 78-81, 17 jan. 1959.
Fonte: O Cruzeiro, Rio de Janeiro, ano XXII, n. 19, p. 80-81, 25 fev. 1950.
7
A instituição do divórcio no Brasil data de 28 de junho de 1977, com a aprovação da Emenda
Constitucional número 9, resultado de um longo período de debates entre grupos contrários ao divórcio,
vinculados à Igreja Católica, com grupos divorcistas, tendo como expoente o advogado e político Nelson
Carneiro, que se destacou como autor da “Lei do Divórcio” ou Lei 6.515/77. Cf. FÁVERI, 2007.
uma exposição pública de sua atuação profissional, ficando à mostra seus dons
para além do lar.
Encontramos narrativas semelhantes na reportagem sobre a atriz Shirley
Jones quando abordou seu casamento que, para ela, significava “ficar de mãos
dadas, olhar a lua nos olhos um do outro e sentir a borbulha do champanhe na
mesma taça”, enquanto para o marido se tornou a resolução de um dos “seus
maiores problemas: não ter que fazer a cama todas as manhãs” (LIMA, 1957, p.
77). Nessa perspectiva, ele continuava ocupando o status de chefe e provedor
econômico da casa, enquanto a ocupação remunerada da esposa, caso
existisse, era considerada subsidiária. Visto por esse parâmetro, a esposa de
classe média nos anos de 1950 adentrava no mercado de trabalho “apenas
porque precisa, porque o salário do marido não dá” (MELLO; NOVAIS, 1998, p.
600), caso contrário, sua atuação deveria ser voltada ao lar, ou então deixar que
“ele resolva onde o dinheiro deve ser aplicado”, como aconselhou a atriz Audrey
Totter (1951, p. 107-108).
Os meios de comunicação abordavam regularmente questões relativas às
mulheres assalariadas por meio de discussões que incluíam as vantagens e
desvantagens de uma carreira para a mulher, além de dicas sobre o
planejamento e organização das atividades cotidianas, de modo a evitar o
descuido com os afazeres domésticos, pois o afastamento da mulher do lar
poderia acarretar prejuízos para a família. Imbuídas do discurso pautado na
modernização e na valorização da atuação doméstica da mulher, as revistas
consolidaram e difundiram o modelo da mãe-esposa-sem-profissão (THÉBAUD,
1994). Nesse sentido, parte da imprensa se apropriou de imagens e valores,
incorporados por toda a sociedade ou por determinada parcela dela, adaptando-
os as suas necessidades comerciais. Esses ideais foram encontrados nas
revistas semanais e possibilitaram problematizar e compreender a complexidade
dessas narrativas, uma vez que as mulheres leitoras desses materiais não eram
“meras receptoras de mensagens, que absorvem passiva e mecanicamente o
que se lhes apresenta” (LUCA, 2012, p. 455), mas estavam na condição de
sujeitos ativos, capazes de reelaborar significados e representações em seu
cotidiano.
O trabalho feminino poderia muitas vezes ser considerado como ofensa
CONSIDERAÇÕES FINAIS
jan./abr., 2016.
PASSERINI, Luisa. Mulheres, consumo e cultura de massas. In: DUBY,
Georges; PERROT, Michelle (org.). O século XX. Porto: Afrontamento, 1994.
p. 381-401. (História das mulheres no Ocidente, v. 5).
PEDRO, Joana Maria; SANTOS, Marinês Ribeiro. Estratégias discursivas e
identidades de gênero: a construção da "dona de casa moderna" na revista
Casa & Jardim dos anos 1960. In: Caderno Espaço Feminino. Uberlândia, v.
21, p. 163-184, 2011.
PEDRO, Joana Maria; SOIHET, Raquel. A emergência da pesquisa da história
das mulheres e das relações de gênero. In: Revista Brasileira de História.
São Paulo, v. 27, n. 54, p. 281-300, 2007.
PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, Maria Izilda
Santos de; SOIHET, Rachel (org.). O Corpo feminino em debate. São Paulo:
Ed. UNESP, 2003. p. 13-27.
PINHEIRO, Gil. Ballet negro em compasso alucinado. In: Manchete. Rio de
Janeiro, ano 6, n. 319, p. 76-81, 31 maio 1958.
PINSKY, Carla Bassanezi. A era dos modelos rígidos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (org.). Nova História das Mulheres no
Brasil. São Paulo: Contexto, 2012, p. 469-512.
PIZA, Edith. Da cor do pecado. In: Revista Estudos Feministas. Florianópolis,
v. 3, n. 1, p. 52-64, 1995.
PRETA, Stanislaw Ponte. As 10 mais bem despidas de 1956. In: Manchete.
Rio de Janeiro, n. 249, p. 56, 26 jan. 1957.
PRETA, Stanislaw Ponte. Tópicos Cariocas. In: Manchete. Rio de Janeiro, n.
240, p. 62, 24 nov. 1956.
RIBEIRO, Djamila. Feminismo Negro para um novo marco civilizatório. In: Sur.
São Paulo, v. 13, n. 24, p. 99-104, 2016.
RIBEIRO, Matilde. Mulheres Negras Brasileiras: de Bertioga a Beijing. In:
Estudos Feministas. Florianópolis, v. 3, p. 446-457, 1995.
SANFELICE, Pérola de Paula. Sexualidade, amor e erotismo na Roma Antiga:
as representações de Vênus nas paredes de Pompeia. In: OPSIS. Catalão. v.
10, n. 2, p. 167-190, 2010.
SANTOS, Gislene Aparecida dos. Selvagens, exóticos, demoníacos: ideias e
imagens sobre uma gente de cor preta. In: Estudos afro-asiáticos. Rio de
Janeiro, v. 24, n. 2, p. 275-289, 2002.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação &
Realidade. Porto Alegre, v. 15, n. 2, jul./dez., p. 1-35, 1990.
SILVA, René Marc da Costa. História dos trabalhadores negros no Brasil e
desigualdade racial. In: Universitas Jus. Brasília, v. 24, n. 3, p. 93-107, 2013.
SVENDERSON, Marius. O divórcio de Shirley Temple. In: O Cruzeiro. Rio de
ANNAHID BURNETT1
FRANCISCO FAGUNDES DE PAIVA NETO2
EDMILSON DAS CHAGAS LIRA3
RESUMO
Este artigo tem como objetivo suscitar reflexões sobre a história oral de vida
como instrumento para analisar o habitus de classe (Bourdieu, 2005) e a
reprodução social (Marx, 1959) do grupo dos sitiantes da região do Agreste,
nas últimas décadas. Temos, como recorte inicial de pesquisa, os resultados
obtidos no município de Queimadas, no entorno de Campina Grande, na
Paraíba, usando a metodologia de história oral de vida (Meihy, 2005), através
das transcrições das entrevistas livres com os agentes sociais. Observamos
que esses atores sociais migraram da atividade do roçado no sítio para a
atividade de produção domiciliar de confecções em geral, mantendo a mesma
organização social do trabalho transladada do rural para o urbano.
Palavras-chave: História oral de vida. Habitus de classe. Reprodução Social.
ABSTRACT
This article aims to raise reflections on the oral history of life as an instrument
to analyze the class habitus (Bourdieu, 2005) and social reproduction (Marx,
1959) of the group of rural workers in the Agreste region in recent decades. We
have, as an initial research cutout, the results obtained in the municipality of
Queimadas, around Campina Grande, Paraíba, using the methodology of oral
history of lives (Meihy, 2005), through transcripts of free interviews with social
agents. We observed that these social actors migrated from the farming activity
to the activity of household production of clothing, maintaining the same social
organization of work transferred from rural to urban.
Keywords: Oral History of life. Class habitus. Social reproduction.
INTRODUÇÃO
geral. Observamos, que esta nova atividade se apresentou como forma de driblar
as secas cíclicas e evitar as migrações, reproduzindo a organização social do
trabalho domiciliar e familiar originária das atividades agropastoris.
3. METODOLOGIA DA PESQUISA
“Dos meus avós eu não tenho muita lembrança, porque a minha mãe
ela ficou sem a mãe dela muito cedo, sabe? Aí ela só tinha o pai dela....
Assim a gente somos de Pernambuco, de Timbaúba, aí depois a gente
veio pra cá, entendeu? A minha mãe e os filhos. Aí pra falar dos meus
avós, eu não tenho muita história porque eu não consigo associar a
minha vó, e da parte do meu pai, eles são de Esperança (município da
região do Brejo paraibano) e foram pra Boqueirão (município próximo
a Queimadas), pra o sertão de Boqueirão no sítio Facão, e aí o meu
pai também morreu muito cedo, eu tinha quatro anos de idade, e a
gente ficou afastado dos meus avós, aí eu também não tenho
lembrança...
Aí minha mãe era de lá, de Timbaúba, meu pai morreu logo cedo, ela
trabalhava com tomate, com plantios de tomate. Aí depois nós viemos
pra cá, pra Queimadas, eu tinha treze anos, e vim pra cá terminar meus
estudos...
Eu não tive contato com avós nem paterno nem materno né, eu não
sei nem quantos filhos eles tiveram. Aí minha mãe teve nove filhos e
eu tenho três, hoje eu tenho quarenta e três anos, né...4
A relação com a vida em uma cidade com uma maior divisão social do
trabalho e com a possibilidade de uma participação mais ativa no mercado de
trabalho por meio de uma atividade doméstica associada a atividade industrial
têxtil.
Sim, na verdade eu aprendi a costurar num curso que eu fiz, né, aí eu
me apeguei a costura, aí eu comecei a trabalhar em fábricas, aí eu fui
me aperfeiçoando, meus irmãos e minha mãe trabalhavam no roçado,
eu não aprendi a costurar com ela não, esse foi meu primeiro emprego,
foi esse. Aí quando eu saí, eu montei a minha confecção, faz doze anos
que eu trabalho pra mim, eu trabalho com terceirização, trabalho com
facção né, aí eles trazem o tecido e a gente faz a montagem da camisa,
a gente é tipo, exclusiva da Mioche (marca de confecção da região).
Eu trabalho aqui com minha família, meus filhos, meu marido, a família
toda vive desse trabalho.5
Tem umas três costureira, o resto é família, minha nora e minhas irmãs,
meu marido faz a parte da lateral, e cada um tem uma função, cada um
tem uma parte. Aí tem umas máquinas que elas são eletrônicas, outras
semi-eletrônica, aí vai dependendo de cada função que a gente
necessita.
Eu faço parte da Assembléia de Deus, e trabalha comigo ou a família
de casa ou a família da igreja, porque assim, como a demanda é pouca
né, não tem necessidade de muita gente.6
6 Ibidem.
7 Entrevista com Mauricea Santina Soares Souza, concedida em 31 de outubro de 2017.
4.2. “Meu marido costura também, ele faz bolsa, faz tudo”
Meus avós já são falecidos, né? Todos os dois, tanto paterno quanto
materno. Eles eram agricultores... eu fui nascida e criada na roça, no
sítio, sítio Gravatá dos Trigueiras, lá meus pais e meus avós eram
agricultores, né? E a gente acompanhava, até os meus 17, 18 anos eu
morava no sítio, meu pai botava roçado, eu também, né, acompanhei,
aí depois eu casei, né, e vim morar na cidade. A gente lá no sítio,
plantava feijão, arroz, a gente não vendia não, sabe? O que a gente
plantava era pra passar o ano todinho, porque naquele tempo não tinha
isso não, era naqueles depósitos, aí a gente fazia a colheita, milho,
feijão, batata doce, verdura... Isso há 40 anos atrás. Porque naquela
época a gente não comprava né, a gente tinha verdura, batata doce,
essas coisas a gente tinha tudo no sítio.
Aí depois morreu meus avós maternos, com alguns anos morreram o
meu avô, pai do meu pai, com pouco tempo faleceu meu pai também,
minha vó. Aí minha mãe veio morar aqui (no município de Queimadas).
Meu avô materno ele terminou o quinto ano, naquela época. Minha vó
paterna, ela era analfabeta, e meu avô também. Os meus avós
paternos e maternos, todos os dois, tiveram oito filhos, oito tanto os
maternos e oito os paternos.
Teve um tio meu que chegou a se formar, ele mora em Recife, ele é
engenheiro, isso da parte de pai. Do lado da minha mãe, ela já é
falecida, era uma tia minha que era técnica em enfermagem, morava
no Rio de Janeiro. E as outras minhas tias eram tudo costureira, e até
hoje ainda são, né, três moravam no Rio, e tem uma que mora aqui.
Meu pai passou um tempo no Rio, e dois tios meu. O resto ficaram tudo
por aqui. Só que eles voltaram, né...
Minha mãe teve doze filhos, morreu quatro novinhos, aí se criou-se
oito. Inclusive amanhã vai fazer três meses que morreu uma irmã
minha né, ela foi fazer uma cirurgia no coração e não resistiu. Com um
mês e quinze dias depois, faleceu um irmão meu também, de infarto.
Dia 13 de setembro faleceu minha irmã, e dia 27 de outubro faleceu
meu irmão. Aí criou-se oito né, aí, faleceu esses dois, ficou seis. Dois
homens e quatro mulheres. Em Queimadas só tem eu, uma irmã minha
mora em Campina Grande, e outras duas moram no sítio Gravatá.
Mora duas irmãs, meus sobrinho, minhas tias, meu irmão, a gente
ainda vai lá. Lá é tipo um povoado, sabe? É bem evoluído, quando a
gente tem tempo a gente vai.
Cabe destacar que existe também uma flexibilidade com relação à uma
produção especializada, o trabalho de costura em couro. Conforme a demanda
apresentada por uma empresa, que subcontrata os serviços dessa família e
associados, temos também um processo de aprendizagem da costura em couro
pelos outros trabalhadores, havendo assim a possibilidade de uma menor
remuneração, porque estão ainda nos passos iniciais desse processo de
formação para o trabalho em costura. Essa relação também destaca que o
contratador Nildo Bolsas subcontrata essa unidade produtiva possivelmente por
ser mais econômico e ampliar a rentabilidade com relação ao mesmo tipo de
demanda se fosse aplicada aos operários do couro do Cariri paraibano, que pela
especialização e organização profissional teria um custo mais alto.
G.D.S.: Isso aqui em máquina, pra pregar uma gola dessas (indicando
para a minha blusa), quando a pessoa pega a prática é rápido, numa
semana eles lá faturam quase dois mil reais.
J.V.T. :Tudo é a prática.
G.D.S.: Aí quando eles vem me pagar negócio de diária eu digo:
“Não!”, tem que me pagar é na produção, o que eu produzir você me
paga, é desse jeito... Se eu pegasse numa máquina de manhãzinha,
quando fosse de tarde eu tava com os meus duzentos reais, e se for
fazer pra pagar salário, eu digo: “Eu num vou fazer em cima de salário”,
né? Salário mínimo já tá dizendo, já é mínimo, né? Eu digo: “Vamos
fazer o seguinte, eu trabalho na produção, o que eu produzir você me
paga”... Na produção, quando der umas quatro horas eu vou é tomar
meu banho, eu digo pronto, eu vou trabalhar é no outro dia.
G.D.S.: Bom, a lembrança dos meus avós, olhe, são pessoas muito
batalhadeiras, mais eram pessoas que... do campo né, da agricultura,
pai plantava é... milho, feijão, mamona, já ouviu falar, né, maracujá.
Isso só da parte do meu pai, então lá no sítio era muito bom, de frutas
tinham manga, banana, abacate, laranja, entendeu? Aí tinha muito lá,
o nome era sítio Amaro.
Isso em Pernambuco, eu sou de Pernambucano. Então, meu pai
comprou essa propriedade, antes ele foi combinar com meus avós, ele
só comprava se eles fossem pra lá tomar de conta, eles concordaram,
e então meus avós foram pra lá tomar conta da propriedade, ficaram
lá, o sítio com casa boa. Meu pai dizia: “Eu só vou comprar um sítio
cheio de benfeitoria, benfeitoria que eu digo assim é, com bananeiras,
tinha uma varge (parte baixa, mais úmida) grande, aí nós plantava
cenoura, beterraba, tomate, entendeu?
Meus avós tiveram oito filhos, o paterno. Meus avós maternos eu
tenho, mas não lembro tanto, eu não tenho assim tanta lembrança
como da parte do meu pai, entendeu?
Eles não tiveram esse estudo todo, tiveram não... eles se dedicavam
muito na agricultura, meus tios parecem que só tem um tio formado,
que é Tio João, que mora no Paraná, tio João que é formado lá, em
negócio de engenheiro lá... os outros iampra escola tudo, mais o que
eles se dedicavam mais era agricultura, eles não tinham esse gosto de
estudo na época, era só agricultura...
Eram aqueles silos grandes, tudo cheio de alimento, de feijão, milho,
jerimum, mamona, maracujá, ele trazia toda semana era três carros
carregados de burro ou jumento, trazia pra feira, ele lucrava no
maracujá, porque maracujá ele tira toda semana... Então ele tinha uma
renda muito boa, meu avô, fazia farinha, entendeu? Lá na casa de
farinha lá próximo, eu ajudava também nesse processo, fazia aquele
beiju tradicional, entendeu? Então era época de fartura, mesmo, isso
no Pernambuco, sítio de Amaro, município de Brejo da Madre Deus,
então a gente chegava lá, os trabalhador chegava lá, o café da manhã
era que nem o almoço, era cuscuz, batata doce, banana cozida, era
macaxeira, entendeu? Era bucho cheio mesmo, leite, ele tinha umas
vacas, tinha o leite, todo mundo queria trabalhar pra eles. Tinha aquele
pessoal que não lucrava ele dava, dava jerimum, arroz, dava um
bocado de feijão, “tem umas mangas? Tem, tire! suba no pé, não
derrube as verdes, tire”, era assim, dava banana, leite. Ele não vendia
um litro de leite pra quem precisava não, ele dava, “traga seu litrin que
eu lhe dou, pra sua nenenzinha”. Aí, Deus abençoava, no outro dia a
vaca produzia, dava mais leite, meus avós eram desse jeito, tudo de
bucho cheio, a época era de fartura mesmo. Ele se dedicava muito na
agricultura, eles aproveitavam até a lua, noite de lua pra tá assim,
aguando a lavoura, eles acordavam bem cedin.
Meus pais, olhe meus pais são tudo de Pernambuco, meu pai ele é
filho do meu avô, né? A minha mãe, minha mãe faleceu muito nova
minha mãe faleceu com trinta e três anos, meu pai casou de novo,
tenho uma lembrança pouca dela, porque eu era muito pequeno. Aí
tinha um irmão com dois anos e outro com três que acostumaram a
chamar minha madrasta de mãe, eu não acostumei, porque eu tinha
uns 7 anos, aí não me acostumei a chamar minha madrasta de mãe,
mas foi uma segunda mãe pra gente, foi ótima, ótima.
Lá em casa pai teve doze filhos, aí morreu seis, criou-se seis. Tudo da
minha mãe, com minha madrasta não houve nenhum, foi tudo da
primeira. Aí meus avós tiveram oito, minha mãe teve doze e criou-se
seis, quatro homens e duas mulher, era antigamente era assim.
Na época dos meus avós, meus tios, eles não se dedicavam em estudo
não, o negócio deles era a agricultura, era, gostava muito e plantava,
botava quarteirão grande, era mantimento pra casa, era tudo de
muito... Nos silos a gente comprava aqueles venenos pra não dar
bicho, quando era um ano que não dava bom de lucro, mais nos silos
tinham mantimentos pra se manter.
Meu pai trabalhava como vendedor de cenoura, aí ele levava a gente
também, a gente já morava na rua, na cidade de Brejo da Madre Deus,
eu só ia lá no sítio nas minhas férias, porque eu gostava e ficava lá,
entendeu?
Então, meu pai ele, se muito fez, fez a terceira série, e meus irmãos
teve um que chegou a terminar o segundo grau, teve outro que não...
E eu, eu primeiramente fui pra Campina Grande, através de um
compadre meu, que era lá de Brejo da Madre Deus também, Oziel, ele
trabalhava na Coca Cola, nessa época, então ele via aquele esforço
meu, aquele serviço pesado, no campo, trabalhando com meu pai, no
plantio de cenoura que ele tinha, porque ele plantava ela, aí ela tinha
que chegar no ponto, ensacar ela, lavar, tinha aquele processo todo,
era muito trabalhoso, e ele vendo aquilo daqui, eu chegava de cinco da
tarde, chegava em casa tomava um banho, jantava pra ir pro colégio,
chegava no colégio, dormia, cansado, a professora dizia; “Mais
Gercino, rapaz”, eu digo; “Eu tô cansado de trabalhar professora”, não
é como hoje, a gente foi criado assim... E então, aí esse colega meu
disse; “rapaz eu vou arrumar um emprego pra tu na Coca Cola”, Eu
disse; “arrume rapaz”. Ele disse; “você vem”? Eu digo; “vou, arrume”!
Aí arrumou pra mim, ajudante de pintor, porque ele trabalhava de pintor
letrista. Quando foi com um mês mais ou menos ele ligou pra mim,
pode vim que o emprego tá certo. Na época eu tinha uns 38 a 40 anos,
por aí. Eu saí lá do Pernambuco pra vim aqui trabalhar. Eu saí de Brejo
da Madre Deus pra vim trabalhar né? Eu deixei minha esposa lá, na
época eu era casado com outra não com Dinha, aí vim embora, deixei
ela lá na casa do meu pai e eu disse, quando eu estiver bem
estabelecido lá em Campina e tiver dando certo, ai eu arrumo um cantin
arrumo uma casinha aí eu venho buscar vocês, aí eu vim pra cá e
graças a Deus deu certo, aí eu passei uns tempos em Campina, aí
através de um amigo meu, o Sergio, ele morava aqui em Queimadas,
aí eu pagando aluguel lá, aí Sergio disse; “Rapaz Queimadas o aluguel
é bem mais barato e é perto de Campina”, ai eu digo; “E mermo
Sérgio?” Ele: “É pô, e é uma cidade tranquila”, eu digo, tá certo. Aí eu
vim num dia de domingo aí e arrumei uma casinha, aí eu disse, eu vou
morar em Queimadas. Aí desse período já vai fazer uns vinte e cinco
anos que eu tô morando aqui em Queimadas, aí conheci ela (Dinha),
me separei da outra, não deu certo, entendeu?
J.V.T. :Eu estava separada
G.D.S.: Aí ela também passou por uma passagem também, que não
deu certo também, né? Aí a gente se conheceu e eu disse, vamos
tentar, pra ver se dar certo, e estamos aí vivendo a vida né... Vai fazer
dez anos e nós estamos aí...
J.V.T. :Aí a vida da gente é essa, né?
G.D.S.: Eu trabalho, ela trabalha...
J.V.T.: Ele trabalha de vigia, final de semana e feriado, e eu trabalho...
G.D.S.: Eu trabalho pela prefeitura, né? (Profissão: vigia nos dias
feriados e fins de semana e operário terceirizado numa unidade
doméstica na sazonalidade da produção)
J.V.T. :E hoje ele não tem contato com o sítio dele, mas eu tenho que
é pertin, daqui pra lá é vinte minuto. Eu sempre vou lá e pretendo fazer
uma casa pra mim pra quando eu me aposentar eu ficar lá, só criando
minhas galinhas, porque assim, eu num moro lá, porque casa tem pra
morar!mas eu num moro lá porque assim, tem o colégio do menino, o
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A História Oral de vida tem sido uma aliada muito importante para iluminar
as práticas sociais das comunidades estudadas e aprofundar o olhar através das
histórias ancestrais. Como metodologia a História Oral de Vida tem sido uma
ferramenta crucial para analisar as entranhas das relações sociais, de como é
elaborado e desenvolvido o habitus do grupo social estudado. Através das
narrativas podemos entender como o desenvolvimento desses grupos sociais
evolui no tempo e no espaço e traçar um perfil social e antropológico mais
condizente com a realidade dos atores sociais. As transcrições das histórias de
vida ajudam numa compreensão mais clara sobre a reprodução social dos
grupos estudados.
No caso deste estudo, a dinâmica antropológica, sociológica e histórica
apresenta-se diante da inflexão relacionada à mudança de trajetórias familiares
com processos migratórios, busca por ampliação das rendas e subproletarização
no contexto da economia globalizada, conforme as demandas sazonais de
empresas por serviços de costura. Os subcontratados familiares ou associados
a essa condição representam uma fração de um operariado cada vez mais
internalizado nas cidades periféricas do Nordeste brasileiro, cuja dinâmica de
organização sindical é inexistente no setor têxtil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HAUNTING SPACES:
A microanalysis of the rural imaginary in narratives from Limoeiro
do Norte (CE)
RESUMO
ABSTRACT
This work intends to carry out a microanalysis of haunting spaces. Starting from
a micro-historical perspective, from a variation in the scale of analysis and from
a dense description, I traverse a trajectory full of wonders, spaces, places and
fears. In these, the subjects, inhabitants of a rural area in Limoeiro do Norte,
Ceará, tell narratives in which they or others interact with hauntings. The
analytical course is developed through the actions of each subject, configuring
and reconfiguring the interactive aspects with hauntings and elements that are
circumscribed in space and that fill the place practiced by the subjects. We also
highlight the formation of a landscape, perceived through an expansion in the
1
Graduado em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestre pelo Mestrado
Interdisciplinar em História e Letras (MIHL) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail:
[email protected].
INTRODUÇÃO
2
Delimitei essa parte da análise em um tópico específico.
3
Comunidade Rural de Limoeiro do Norte-CE.
4
José Hélio Gomes, 65 anos. Entrevista gravada em Limoeiro do Norte no dia 03 de junho de 2018.
como período mais vantajoso para o ataque se torna também impuro, cheio de
males que podem atingir as pessoas.
“A insegurança é símbolo de morte, e a segurança símbolo de vida”
(DELUMEAU, 2009, p. 23). É assim que se percebe o medo desses
personagens, quando eles são confrontados com um lugar assombrado, no caso
aqui assombrado pelo lobisomem. Entretanto, o medo traz em si uma
ambiguidade, ele também é meio de defesa, um alerta para os perigos. A
surpresa do medo é revelada no momento que Raimundo pula da bicicleta e
pega no cabo da faca para se defender. Ao que parece, por estar armado, o
medo diminui, ele não parece se amedrontar com o que vê a sua frente.
Respectivamente nas narrativas mencionadas: a faca, na nossa história; assim
como a arma embebida em água benta, no relato de Gévaudan; e o chamado
por Jesus, no caso do Recife, são instrumentos utilizados nas práticas de defesa.
Essas práticas são empregadas para repelir o ataque das feras, mas o
nosso caso traz uma singularidade, a faca causa uma transfiguração da forma
de lobisomem para homem. A prática de furar a fera e espirrar seu sangue, surge
como uma espécie de purificação. O medo que antes o lobisomem impunha até
o momento que Raimundo pega no cabo da faca agora é passado para o homem
que antes estava virado lobisomem. Percebemos que o medo da morte também
se apresenta àquele que estava lobisomem, suas sensações mais humanas
parecem aflorar novamente. Isso fica claro pelo diálogo que Raimundo tem com
o lobisomem. Zé de Felício teme pela morte e Raimundo diz que só o esfaqueou
porque estava tentando impor medo nele, mas que ele diferente de outros não
se deixaria amedrontar.
Vemos que o espaço de assombração que envolve a estrada como
trajetória a ser percorrida, que leva até a beira do rio coberta pela oiticica, se
revela como um espaço móvel. A experiência de mover-se em um espaço o
designa como fluido, aqui o lugar é delimitado como pausa, onde a relação entre
um e outro é dialógica. O espaço circunscreve o lugar e este é local de ação do
sujeito onde “cada pausa no movimento torna possível que localização se
transforme em lugar.” (TUAN, 1983, p. 6).
O espaço como espaço de ação é configurado pela experiência que se
tem na sua trajetória onde os sujeitos se movimentam. Os lugares se tornam
5
Comunidade de Limoeiro do Norte-CE.
6
No caso, Sabino Roberto não poderia estar morto, pois estava em exercício como Prefeito da Cidade de
Limoeiro do Norte entre (1955-1959), tendo sido eleito em 1954 (GADELHA, 2019. p. 2). Isso nos leva a
crer num desencontro da memória de Neuma. A mesma não teria 12 ou 13 anos, mas seria um pouco mais
velha (teria 17 anos). Sabino Roberto de Freitas: Nasceu em 11 de julho de 1894. Faleceu em 26 de abril
de 1962, em uma tarde de uma quarta feira, de infarto fulminante, quando dirigia-se à cidade de bicicleta,
na rua que hoje leva o seu nome (FREITAS, 2009).
7
Essa foi a expressão utilizada por ela, no caso, se refere as 18h.
“Ovídio, vamo aqui no outro lado do quartim pra ver se tem alguém escondido!”.
Ao chegar não havia ninguém. Nesse momento Neuma falou: “Aí meu Deus!
Será que é o homem que vai me aparecer? Será que é a alma do homem que
vai me aparecer? Logo Hoje, nem se enterro, já vem me aparecer, já vem me
dar o dinheiro!” Neuma fica com medo e diz: “Eu num quero mais de jeito
nenhum, pode dá a quem quiser! Nessa noite nem no meu quarto eu vou dormir”.
Ela ficou assombrada, achava que quando fosse dormir a alma ia aparecer para
ela. Assim, dormiu no quarto dos pais com sua rede entre as deles e como ela
mesma destacou: “morrendo de medo”. E ainda disse: “Nunca mais falei a
besteira, nunca mais”, se referindo a pedir o dinheiro a alma de um morto.
(informação verbal)8.
Nesse relato de Neuma vemos muitos detalhes do espaço, dos lugares e
de sua desconfiança. Como uma investigadora ela vai atrás de algo que a
inquieta. Percebe-se que antes de iniciar sua trajetória a mesma já sabia da
morte de Sabino Roberto. Além disso não sabemos se é verdade que há uma
botija escondida no Bixopá, ela “ficou sabendo” por outros. Pelo que dá a
entender disseram isso a ela. No entanto, Neuma acredita que existe a botija,
mas curiosamente desconfia que haja dinheiro enterrado. Sua desconfiança é
expressa por uma fala que é quase uma convocação. Ela gostaria que a alma
de Sabino viesse até ela e lhe desse dinheiro nesse mesmo dia no período da
noite.
A escolha da noite não é aleatória “a noite tem uma existência simbólica
autônoma” (DURAND, 2012, p. 67). Aqui nessa história tanto significa momento
de descanso, de dormir, mas depois se torna infortúnio e traz o medo. Medo esse
que surge da mera impressão que Neuma tem de possivelmente ver a alma que
ela tinha chamado. Desse modo percebemos que o medo não anda junto da
certeza, mas nesse caso de uma dúvida que causa nela uma desconfiança. É
como ressalta, Jean Delumeau (2009), dizendo que com frequência fantasmas
e outros males se faziam presentes na noite. A noite parece ser um período
propício para que o medo se instale nos ambientes onde as pessoas estão.
No caso de Neuma não é diferente. O medo na escuridão causa
8
Maria Neuma Pitombeira, 73 anos, entrevista gravada no dia 10 de maio de 2018.
inquietação, por isso a desconfiança dela em procurar o que era aquela alma, já
que ela não sabia o que havia entrado no quarto onde seu pai trabalhava.
Lembremos que Neuma fala que são 6h da tarde, o mesmo que 18h, e em
épocas do ano, a escuridão já começa a sobrepor a luminosidade solar. Essa
sensação de medo que começa a rondar Neuma “é feita desse sentimento de
que alguma coisa de temível vai lançar-se sobre eles, saindo da sombra, ou os
espreita, invisível” (DELUMEAU, 2009, p. 141).
Nossa personagem depois que olha pela terceira vez e não tem certeza
do que vê sai da sala onde estava com seus irmãos e vai à procura de uma
justificativa. Ao ir para fora de casa chama um amigo que estava por ali e ao
olhar para a estrada não vê nada. Talvez a intenção de ir para a estrada primeiro
ocorra da lembrança que teve de que a vaca que ela tinha visto estava na
estrada, porém nada estava lá. Assim, o quarto é seu próximo local e após ir lá
e não encontrar nada se surpreende e de supetão vem-lhe à mente que poderia
ser a alma que ela tinha pedido para lhe dar dinheiro. Sua desconfiança na
inexistência da botija e do dinheiro contido dentro dela é o que move ação da
fala de dúvida proferida por ela e é também o que move a sequência de suas
ações.
Dinheiro escondido em botija já era uma prática comum na história. Já em
1403, na época do reinado do português D. João I, Laura de Mello e Sousa
(1986) nos fala da existência uma lei que proíbe desencavar tesouros, ouro e
prata. Essa atividade estava relacionada a feitiçaria e via-se como ligada ao
demônio. Ainda assim “alfaiates galegos invocavam os diabos para desencavar
tesouros: um deles chegava a guardar em casa dezoito sacos de moedas dados
por Satanás.” (SOUSA, 1986, p. 164). Vemos que esse tipo de prática de buscar
dinheiro já era bem como em Portugal. No nosso caso Neuma não diz que há
uma ligação entre a alma e o dinheiro com o diabo. O que sabemos é que ela só
acredita que esse dinheiro existe se a alma lhe aparecer e entregar-lhe.
Outra de diferença com relação a nossa história é que os locais onde se
enterravam tesouros em Portugal era resguardado por demônios que só eram
enfrentados por meio de conjuros, invocações mágicas. Na história de Neuma a
única semelhança é que sua fala é quase uma invocação para que o espírito
apareça, digo quase, pois a mera fala não se caracteriza como um ritual religioso
branco que não sabe identificar se era homem ou mulher. Aqui já podemos
observar que sua percepção mudou, ela já não imagina ser a vaca, pelo menos
não de certeza, pensa que pode ser algo mais familiar a uma pessoa. Ao se dar
conta dessa possibilidade ela se dirige para fora de casa em direção a estrada,
lá se junta com o amigo: Ovídio.
Chamar o amigo pode simbolizar que ela não queria enfrentar a situação
sozinha, podemos já perceber aqui um pouco de temor surgindo nela,
lembremos que já começou a escurecer e o medo que a noite impõe ao lugar
pode se tornar iminente. Ao chegar na estrada olha para os lados e não vê nada,
talvez estivesse procurando a vaca, mas não vê sinal nenhum dela, nenhum
rastro. Assim, chama Ovídio para ir com ela no quarto pra saber se tem alguém
lá. Esse percurso de um ir e vir define que “o espaço é um cruzamento de
móveis” (CERTEAU, 1998, p. 202) onde os personagens executam sua
caminhada, definem seus movimentos. Cada pausa aqui é um lugar, onde a ação
é um movimento do corpo, do olhar ou da fala e que dá significado a esse lugar.
O lugar é uma circunscrição dentro do espaço que é a casa e o terreiro. “O
espaço é um lugar praticado” (CERTEAU, 1998, p. 202).
Nisso ao que parece Neuma já começa a deduzir que alguma coisa de
características humanas pode estar no quarto. Ela chama seu amigo para ir no
quarto saber se tem “alguém” e não “algo”, nesse momento a vaca já não é uma
opção. Neuma começa a desconfiar de outra coisa. Quando chega e não
encontram nada lá ela se assusta e já toma para si que é a alma de Sabino
Roberto que está rondando, já pronto para lhe aparecer e, possivelmente,
entregar-lhe o dinheiro. O medo toma conta dela, e o que ela passa a desejar
mais é dormir com os pais. E é o que ocorre, aqui o medo da noite e da alma
que acompanha a escuridão tomam de conta da menina. Dormir com os pais e
mais especificamente entre a rede deles é a prática de defesa usada por ela para
afastar a vinda de uma alma que lhe cause medo.
Yi-Fu Tuan (1983) define a experiência como ações que dão significado a
lugares, essas experiências podem tomar diferentes variações dependendo da
interação e intencionalidade dos sujeitos. E as intencionalidades são forjadas
através das emoções e sensibilidades na interação entre indivíduo e lugar. É o
que ocorre no caso de Neuma, a intenção de buscar abrigo, conforto e
9
Comunidade de Limoeiro do norte-CE.
10
Comunidade de Limoeiro do norte-CE.
11
Canal de abastecimento de água para as lavouras dos agricultores locais.
aquela?”. Imbuída de medo nesse mesmo instante ela ficou com receio que
aquilo desse um gemido como ela mesma afirma: “O medo era esse, deu for
passando ele dá um gemido (...) Eu sabia que não era lua12, era alguma marmota
que tava aparecendo ali.” A luz que ela via estava em cima da árvore e foi
baixando. No que ela continuava sua pedala em rumo de casa a luz ia baixando
sobre a oiticica. Nesse ínterim os filhos estavam fazendo seus barulhos
conversando, nisso ela pediu para eles se calarem, porém nenhum dos dois
deram conta da luz sobre a árvore e Rosália também não quis mostrar o que
estava ocorrendo para eles.
Quando ela foi passando bem próximo “da oiticica, a bola caiu, sabe?
Aquele fogo chiou, fez aquele chiado medoim como que cai dentro d’água”.
Nesse momento um arrepio tomou o seu corpo, mas “graças a Deus não gemeu,
poderia ter gemido e eu ter caído... se apagou de uma vez. Clareou tudo, clareou
a estrada, clareou tudo. Mas os meninos não perceberam. Não falaram nada.
Eles não disseram nada”. Ela ficou toda arrepiada com toda essa situação.
Chegou em casa muito cansada e pensou: “Só podia ser marmota, coisa de existi
uma pessoa penando, sofrendo, só podia ser aquilo ali”. Falou para Zé, seu
marido, o que tinha acontecido, algo que nunca aconteceu na vida dela. Porém,
nunca voltou a ver outra vez aquilo e como ela mesmo diz: “Coisa que a gente
fica assim: Será que é alma? Será que é visage? Talvez seja uma visage, né?”.
(Informação verbal)13.
Novamente vemos a presença da noite na narrativa, esse símbolo parece
atrair a aparição dos assombros. Lembremos que é ao voltar para casa no
período da noite que a bola de fogo aparece. Na primeira narrativa, de José
Hélio, a noite já se faz presente; na história de Neuma, a noite se impõe no
decorrer de seu percurso investigativo. O caso de Rosália, nesse quesito, se
assemelha mais com o de Neuma, porém a noite para Rosália não é percebida
processualmente, ela só dá conta que já é noite quando vê as luzes dos postes
acesas, um sinal que é hora de voltar. Ressalto essas questões para
percebermos o impacto que o símbolo da noite tem em todas as histórias.
A noite envolve todo o espaço, é um preparador para gerar um ambiente
12
Refere-se à luz da lua.
13
Maria Rosália Mendes Gomes, 61 anos, entrevista gravada dia 03 de junho de 2018.
14
Aqui penar é uma referência a crença no purgatório cristão católico tem é inventado em finais do séc. XII
e início do séc. XIII, como bem ressalta Le Goff (2017) em seu estudo O Nascimento do Purgatório.
assombrada pela visão e ainda mais por algum som seria ainda mais
amedrontador para ela.
Keith Thomas (1991) também nos fala que existem as almas, fantasmas,
que poderiam aparecer e causar perturbações as pessoas que tinham convívio
em vida com uma pessoa que morreu. Ele também menciona que no séc. XV,
aspectos ligados ao mundo natural em que “se os maus espíritos traziam
tempestades, que se tocassem os sinos consagrados para repeli-los”
(THOMAS,1991, p.53).
Em termos de forma de manifestação, vemos aparências bastante
distintas dessas almas em comparação a bola de fogo. Mas notemos que é
comum existir uma interação entre alma e sujeito. No caso de Rosália, a bola de
fogo parece realizar alguma comunicação emitindo uma forte luz que ilumina
tudo em volta. Nos dois casos estudados por Thomas, os espíritos aparecem
para os vivos com a intenção exclusiva de causar perturbação, já que fica claro
que o que se queria era repeli-los. No nosso caso, o medo de Rosália é sentido,
mas não parece ficar claro que há a intenção da bola de fogo em causar esse
medo. O símbolo da luz talvez nos dê uma pista.
E assim, podemos afirmar que “não há luz sem trevas” (DURAND, 2012,
p. 67) e que também o horário do final do dia, quando a luz solar começa a ir-se
é o período em que a escuridão começa a prevalecer e com ela, os seres
maléficos, os mau-agouros, os espíritos perturbadores, essas aparições que se
opõe a luz (Cf. DURAND, 2012).
Podemos pensar que a luz emitida estava afastando algum mal não
percebido por Rosália e esse mal a rondava enquanto ela pedalava ou que a luz
poderia significar uma retenção da atenção de Rosália para a própria luz como
uma forma de concentrar apenas nela o medo, já que as crianças não
perceberam tudo que estava acontecendo. Aqui a bola de fogo além de emitir
luz, também emitiria medo, mas não em um mal sentido, mas para fazer Rosália
concentrar seu medo apenas na própria parição e não em males que poderiam
estar envolta. O que chama a atenção é que os filhos dela não perceberam,
talvez a bola de fogo só era visível para Rosália o que incluía o barulho de
encostar na água.
Outra explicação é que a luz parece ser uma espécie de purificador dos
males sombrios. A luz forte que Rosalía vê quando a bola de fogo toca na água
do córrego irrompe sobre seus olhos. Ela não sabe porque aquilo ocorreu, o que
tudo indica é que aquela aparição não está ali para lhe impor um medo
intencionalmente, mas para afugentar algum mal que está à espreita. Essa
perspectiva converge para o sentido dado por Cascudo sobre o significado do
fogo e da luz e também com a dualidade luz-trevas de Durand.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
ABSTRACT
The article aims to contribute to the History of Youth and Adult Education in Mato
Grosso do Sul based on the analysis of the reports of twelve mathematics
teachers who work in that locality. The study discusses the events of this type
of education as a movement that is composed in a non-linear way in constant
(UNESP). Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Groso do Sul (UFMS). E-mail:
[email protected].
transformation. The events analyzed come from four scenes from the
experiences of twelve educators who work/worked at the EJA school.
Methodologically, we adopted the theoretical-methodological framework of Oral
History, and, with it, we presented the narratives through interviews. We
architected the scenes, in the movement of analysis, as displacements
presented by the teachers themselves, which portray the reality experienced in
those territories and conceive the school as a spatiality of plural characteristics.
We understand that, in EJA, schools are manufactured that can be adjectives of
multiple schools, which are formed and transformed in the pedagogical work of
teachers and in the training path of students who travel through classrooms, as
well as other subjects who inhabit the school.
Keywords: Youth and Adult Education. History of Education. Oral History.
Mathematics Education.
INTRODUÇÃO
Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, ainda em vigor nos dias de
hoje. O Projeto Pedagógico de Curso, do qual mencionamos, vai sendo
operacionalizado a partir de 02 de março de 2016, deliberado pela
Resolução/SED n0 3.029 de 01 de março de 2016, apresentando uma nova
publicação, em 07 de dezembro de 2020, de Resolução/SED n 0 3794, de 02 de
dezembro de 2020.
Inspiradas a produzir mais discussões sobre a modalidade, para além de
acompanhar as competências do estado e a legislação vigente, nos deparamos
com escolas que vão nos permitindo contemplar suas sutilezas e diversidades
produzidas em curso. Nessa perspectiva, novas EJAs foram sendo produzidas,
alinhavando cenas a partir de um mesmo projeto, visto que esses, após entrarem
em vigor, se realizam de formas diversas, ganhando vida perante a autonomia
da escola. A escola da EJA se movimenta com seus estudantes diversos e com
a singularidade de cada professor em sala de aula, joga seu próprio jogo, criando
uma multiplicidade de cenas e de deslocamentos para além do previsto pelos
redatores e coordenadores de um projeto pedagógico. Um “jogo escolar” jogado
na multiplicidade de vivências e de experiências de variados sujeitos passantes
pela escola, adultos, jovens e idosos com várias histórias de vida.
Nessa inquietude de se perceber como aquelas pessoas operacionalizam
e articulam tais projetos em forma de vida, e quais as cenas se produzem em
cada lugar desses e em cada escola, as discussões se deslocam para a
realidade de cada região. Professores e professoras foram entrevistados em
2020, para a pesquisa de Daniel (2022), tendo como referencial teórico-
metodológico a História Oral, que tem sido utilizada como um modo de se
produzir narrativas por meio de entrevistas. A partir de um roteiro previamente
organizado e da escolha de entrevistados que tenham vivenciado a temática de
estudo, produz-se uma história que podemos adjetivar de democrática, pois
produz um conhecimento a partir de um coletivo de vozes.
Neste texto, apresentamos um panorama geral da EJA em Mato Grosso
do Sul e uma composição de cenas produzidas por essas escolas, modalidades
e pessoas. Trouxemos para fiar as discussões uma metodologia que privilegia o
diálogo, ancorada na possibilidade de incluir experiências, memórias e
subjetividades para a produção do conhecimento. Para isso, construímos
por ano.
O Projeto Conectando Saberes se diferencia do que se tem ofertado no
campo da Educação de Jovens e Adultos em outras redes. Ele dispõe a
organização da ementa curricular em eixos temáticos nos módulos das etapas
do ensino fundamental e do ensino médio, prevendo a interdisciplinaridade no
contexto do projeto. Tal forma de organização curricular estabelece que a equipe
pedagógica articule nos espaços escolares discussões sobre questões
complexas do dia a dia do estudante da modalidade, integrando o conteúdo
referendado pelo documento ao eixo temático, suscitando a aprendizagem
significativa, na qual o estudante opera como um agente condutor da sua
aprendizagem.
A organização possibilita a flexibilidade dos conteúdos entre os
componentes curriculares e as áreas de conhecimento, sendo os eixos temáticos
versados como “princípios produtores a serem explorados a partir de
entrecruzamentos com as dimensões metodológicas de produção,
contextualização, problematização e compreensão crítica” (PPC CONECTANDO
SABERES, 2020, p.188).
O Projeto Pedagógico de Curso apresenta particularidades como:
Recuperação da Aprendizagem, Pré-conselho de Classe, Consolidação da
Aprendizagem e Exame Final no encerramento de cada módulo letivo. É
sugerido como ferramenta pedagógica documentos de acompanhamentos, tanto
para a rotina da coordenação pedagógica, quanto para acompanhamento dos
docentes. Dentre tais instrumentos estão as planilhas de registro do
planejamento docente e de acompanhamento mensal das faltas dos estudantes;
este último instrumento caracteriza a percepção de que esse perfil de estudante
da EJA requer uma atenção diferenciada quando se trata de frequência e de
acompanhamento das faltas. Outro instrumento pedagógico sugerido pelo
projeto é a lista de frequência do Período de Estudos, que são dias letivos
destinados a formação continuada do professor. E também, nessa proposição,
é ofertado uma lista de acompanhamento de frequência do Pré-Conselho de
Classe, uma reunião coletiva prevista em calendário escolar que ocorre após
50% da carga horária de cada módulo, e o relatório de Avaliação de Curso.
Neste texto, optou-se por trazer as narrativas em cenas que foram
Cena 1
Uma EJA em uma escola da fronteira Brasil/Paraguai. A Escola Estadual
Eneil Vargas em Coronel Sapucaia, localizada no Sudoeste de Mato Grosso do
Sul, dista da capital 420 Km e tem aproximadamente 15.350 habitantes (IBGE,
2020). As cenas são contadas pelo professor Adriano, licenciado em Ciências
com habilitação em Matemática pela Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul – UEMS, Unidade Amambai, MS. Professor, formado no ano de 2003,
lecionava na Educação de Jovens e Adultos - EJA nos 4 módulos I, II, III e IV na
Escola Estadual Eneil Vargas e também no ensino regular para turmas do 6o ano
do Ensino Fundamental ao 30 ano do Ensino Médio (ano 2020). Professor da
EJA desde quando começou a dar aula na Rede Estadual de Ensino (REE), há
19 anos.
Nesse município, há duas escolas estaduais. Até 2018, a Escola Estadual
Coronel Sapucaia também tinha EJA, mas em 2019 a EJA ficou somente na
Escola Eneil Vargas. Apesar da cidade ser pequena, as realidades dos
estudantes são diversas. De acordo com o professor Adriano, as pessoas que
estudam na Coronel e as pessoas que estudam na Eneil Vargas, são diferentes
e aparentemente a divisão se faz pelo poder aquisitivo. Aquelas que têm
melhores condições financeiras, que têm alimentação em casa, acesso à
informação e alguém responsável pelo estudante estudam na escola Coronel.
A Escola Eneil Vargas é frequentada por estudantes da parte externa da
cidade e do Paraguai, algo comum em uma cidade de fronteira 4. Muitos alunos
da periferia, das vilas mais externas da cidade vão estudar nesta escola.
Estudantes de classe financeira baixa, com extrema dificuldade de entender a
língua portuguesa (que é a língua falada pelo professor). Em sua maioria, vindos
do Paraguai para estudar, em torno de 60 a 70% são “brasiguaios’5 –
4
Para Albuquerque (2010) região das fronteiras brasiguaias é um espaço social singular, difícil
de ser compreendido a partir dos lugares centrais da nação brasileira e paraguaia. As fronteiras
dessa experiência migratória são fluxos, mas também obstáculos, misturas e separações,
integrações e conflitos, domínios e subordinações. Nesse território fronteiriço se configuram
frentes de expansão capitalista e migrações fronteiriças produtoras de identidades, alteridades,
diferenças, hibridismos, conflito e integração no campo de poder das fronteiras econômicas,
políticas, culturais e linguísticas.
5 O termo "brasiguaio" adquire alguns sentidos na zona de fronteira. De uma maneira genérica
Paraguai em 1967, mas somente com a Constituição de 1992 e a Reforma Educacional de 1994
passou a ser uma língua oficial e obrigatória em todas as escolas e graus de ensino do Paraguai.
Desde então, o Paraguai se tornou oficialmente um país bilíngue, e o primeiro Estado latino-
americano a reconhecer o estatuto de idioma nacional para uma língua de herança indígena.
Esse estudante que frequenta essa escola vive no Paraguai, mas têm
documentação brasileira, usufrui da educação, saúde no Brasil, mas moram no
Paraguai e não falam português. Estudantes que têm muita dificuldade na
aprendizagem possivelmente por causa da língua.
Uma outra realidade dessa escola é o enfrentamento da realidade da
fronteira com atividades consideradas ilícitas. Alunos que se matriculam, mas no
meio do período letivo abandonam a escola para trabalhar no plantio da
Cannabis sativa L do lado paraguaio. “Ele vai plantar, colher e prensar cânhamo.
De dois a três meses da vida escolar, ele passa fora da escola, lidando com a
droga” (DANIEL, 2022, p.127). Essa realidade presente nessa escola atravessa
as relações desse lugar.
A relação com a droga pode ser trabalho. Não necessariamente usam a
droga, porque a família é empregada nessa atividade. Famílias se envolvem
com plantio, colheita e prensa. Um envolvimento com a cadeia produtiva da
mercadoria ilegal no Brasil. Ciclos de produção que chegam a durar mais de três
meses, e esses estudantes “desaparecem” da escola por estarem envolvidos
nessa cadeia. “E não são poucos casos não, são vários. Tanto para alunos da
EJA quanto para alunos do ensino regular” (DANIEL, 2022, p.127).
Cena 2
Em Campo Grande, a EJA é contada pelo professor de Matemática Alan
Manoel, da Escola Estadual Orcírio Thiago de Oliveira7. A capital sul-mato-
grossense com aproximadamente 906.092 habitantes (IBGE, 2020). Professor
licenciado em Matemática pela Universidade do Estado de Mato Grosso do Sul
7Escola pública estadual localizada no município de Campo Grande, MS que oferta as etapas/
modalidades da educação básica: ensino fundamental I e II, ensino médio e Educação de Jovens
e Adultos – EJA.
não aprendi, saí empurrado da escola, eu não aprendi, não sei calcular a
distância entre ponto e a reta, não sei equação da reta...”. Eles falam que
precisam aprender e que não é uma questão de passar. Eles precisam de um
olhar político e tudo isso contribui para que eles cheguem onde eles estão.
Cena 3
Em Coxim, MS, a EJA é narrada pela professora Mônica. Licenciada em
Ciências Biológicas pela UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
Unidade de Coxim e em Matemática pela Faculdade Fazebi, um polo de uma
faculdade no Mato Grosso. Formada em 2004. Professora da modalidade
Educação de Jovens e Adultos – EJA na Escola Estadual Padre Nunes8,
município que dista 255 km da capital do estado, com uma população estimada
de 33.459 habitantes (IBGE, 2020).
A EJA, segundo a professora, mudou muito nos últimos anos. Em 2010,
quando ela começou a lecionar nesta modalidade, os estudantes eram pessoas
acima de quarenta/cinquenta anos. Alunos de até setenta anos que não tiveram
oportunidade de estudo e queriam voltar a ter oportunidade melhor na vida.
Alunos que ficaram vinte anos sem entrar em sala de aula. Pessoas com idade
mais avançada, sessenta e setenta anos, mulheres casadas, mães de família,
homens casados e senhores que queriam ter um futuro melhor.
Antigamente, a escola em Coxim no período noturno tinha as salas
lotadas, com trinta ou quarenta alunos. A escola era cheia, com todas as salas
do prédio ocupadas com a EJA e no decorrer dos últimos anos, isso foi
diminuindo. A escola sentiu uma mudança de cinco anos para cá, de acordo com
a professora, e uma delas é o perfil dos estudantes da EJA, agora mais jovens.
O projeto da EJA era organizado em outros anos, por fases - primeira
fase, segunda fase, terceira fase, quarta fase. Hoje é organizado por módulos.
Em um dos projetos da EJA9, o aluno eliminava as disciplinas, porque não
existiam mais fases. Em seguida, a primeira mudança10 para módulos, onde o
aluno estava na escola para cursar o ensino médio. A turma era dividida por
8 Escola Estadual no município de Coxim, MS, que oferta Ensino Fundamental I e II, ensino médio
e a modalidade Educação de Jovens e Adultos –EJA.
9 EJA III
10 EJA IV
Cena 4
Uma cena da EJA na Escola Estadual Luiz da Costa Falcão, narrada pela
professora Patrícia, professora licenciada em Matemática na Faculdade Auxilium
de Lins, SP. Se formou em 2002 e se mudou para a cidade de Bonito, MS no
ano de 2005. O município de Bonito, MS dista 265 km da capital do estado, tem
uma população de aproximadamente 22.190 pessoas (IBGE, 2020), na
Mesorregião Sudoeste de Mato Grosso do Sul e na Microrregião Bodoquena.
Para ela é gratificante trabalhar com a EJA. Sua narrativa discute as
dificuldades encontradas pelos alunos para o aprendizado, mas que mesmo
assim eles se esforçam para tentar fazer as atividades. Eles se esforçam para
tentar fazer correto. Uns enxergam de uma maneira, outros de outra. Segundo
ela, no ensino regular os alunos não se esforçam como os alunos da EJA. De
acordo com a professora Patrícia, há alguns tipos de professores da EJA. Uma
é aquele professor que precisou completar a carga horária com a EJA, esse
professor muitas vezes não tem o perfil para trabalhar as especificidades da
modalidade. Mas também há o professor que no momento da lotação da carga
horária escolhe a EJA porque quer trabalhar com adultos. Para esse tipo de
professor que escolhe a EJA é mais que um compromisso profissional, é uma
realização pessoal trabalhar com esse grupo. “Esse professor que trabalha na
EJA é um professor que se apaixona pela profissão e se realiza” (DANIEL, 2020,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
ABSTRACT
The Law for the dismemberment of the state of Mato Grosso was signed by
President Ernesto Geisel in 1977. It is in this time frame that this article presents
some conflicts that occurred between politicians who worked in two very close
1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados.
E-mail: [email protected].
locations, Dourados and Campo Grande, in the southern region of Mato Grosso.
Mato Grosso one; as well as the relations of these public agents with the
newspapers O Progresso and Correio do Estado. In the research, the discourses
conveyed by these news items were analyzed to understand the existing plurality
in the social, political and journalistic fields and the clashes that did not allow
designating “the southerners” as a cohesive and homogeneous group. In order
to better understand the disputes for power and the regionalist defenses carried
out, all the articles published in the two periodicals in that year were used as main
sources. The documentary corpus allowed a critical study of the publications and
the representations expressed in them. With contributions, theoretical and
methodological, from the New Cultural History and the New Political History, it
was possible to verify, in the journalistic narratives and in the political speeches,
the manipulation of ambivalent elements that showed a greater complexity than
the dichotomy, “northerners versus southerners”. And also verify that such public
agents, obstinate to occupy the new spaces of power and associated with
different political projects, maintained close relations with the press (and vice
versa) to manipulate aspects of regional identification and differentiation, using a
space privileged for the defense of their own interests.
Keywords: Political History. Historiography. Politics and Press. Mato Grosso.
Mato Grosso do Sul.
INTRODUÇÃO
2
O desmembramento do estado de Mato Grosso e a consequente criação de Mato Grosso do Sul se deram
por meio da Lei Complementar nº 31, de 11 de outubro, assinada pelo presidente da república Ernesto
Geisel, em 1977, no contexto do regime militar. Tendo sido implantado de fato, somente em 1979.
3
Vale dizer que os termos norte e sul, para designar os polos em que se encontravam Campo Grande e
Cuiabá, são utilizados por Marisa Bittar (1997, 1999 – I e II) em razão de uma consensualidade entre os
historiadores e por serem amplamente propagados pelos meios de comunicação, com fins de facilitar o
entendimento.
4
Lembrando que em 1977, especificamente, vigorava o bipartidarismo, com atuação da Arena (partido
oficial dos militares) e do MDB (a oposição consentida). Para maiores detalhes ler Bauer (2011).
separatistas.
Nessa narrativa, Campo Grande era divulgado como o sustentáculo
estadual, devendo ali ser estabelecida uma estrutura administrativa que
permitisse aos seus representantes direcionarem tais recursos conforme os seus
interesses (QUEIROZ, 2006). Tal retórica difundida principalmente no início do
século XX era retomada em qualquer momento de crise, porém naquela data foi
afrontada no periódico douradense.
Já no Correio do Estado, a preocupação dos editores, naquela ocasião,
foi explorar amplamente a questão. Para tanto, dedicaram uma edição especial
à divisão contendo aproximadamente quarenta páginas e mantiveram a edição
diária convencional. Tinham por objetivo “comemorar” a decisão de Geisel em
transformar Campo Grande na futura capital e atribuir o nome do município a
nova unidade federativa, oferecendo um tom histórico e memorável ao fato,
independentemente da transitoriedade e das indefinições que cerceavam o tema
(CORREIO DO ESTADO, 04 mai. 1977, Edição da Divisão).
O pronunciamento oficial do General foi comemorado e celebrado nas
reportagens do Correio do Estado, e ganhou destaque na capa daquela edição
onde foram elencados igualmente os festejos realizados por políticos, como se
a divisão fosse um dado certo e iminente. Foi informado ainda, que A Rádio
Cultura do mesmo proprietário do jornal, fora utilizada para divulgar as notícias
sobre a divisão e mobilizar a população; na sequência se enfatizava uma
“comoção pública”, regada a champanhe e acompanhada de muito barulho, com
fogos e buzinaço.
Mostrava-se ali a relação entre os agentes públicos apoiadores do
divisionismo e o empresário midiático disposto a colocar seu conglomerado à
disposição da causa, auxiliando a montar uma cena memorável, sob um verniz
popular. Por certo, não pouparam exageros ao escrever sobre a participação em
massa da sociedade na comemoração, como se a divisão fosse um anseio
desta. Porém, na sequência da reportagem, contrariou-se ao afirmar que “a
grande festa se concentrava em alguns pontos isolados”.
Na edição especial puderam ser observadas algumas publicações
específicas, em tom de provocações, significativas de conflitos. Primeiro,
direcionadas aos cuiabanos: “No norte, as lamentações”; depois aos
5
A lógica das sociedades hierarquizadas, baseada na economia capitalista que estabelecia a relação dual
centro-periferia, e toda a semântica resultante dela, foi compartilhada pelo pensamento político moderno
no Brasil desde os primeiros anos do século XX (PEREIRA, 2015).
6
Percebeu-se que a dicotomia norte/sul configurou-se desestabilizada ao adentrar em questão outros
marcadores de identificação e diferenciação.
jornais demonstravam que o escopo era não ficar à margem do debate, dos olhos
de Geisel, nem do novo espaço de poder. Desse modo, se moldavam as
identidades conforme a intensidade dos conflitos naquelas mídias, que
assumiram a função de comunicar os seus posicionamentos e a convicção de
seus diretores e dos políticos aliados a elas. Ou seja, carregaram convergências
direcionadas, ambivalentes, superficiais e tendenciosas à produção de sentidos
a qual se propuseram naquele momento, e que não se configurava ainda como
um projeto de elaboração e definição identitária regional tipificadora de todos os
habitantes do sul, como ocorreu após 1979 (AMARILHA, 2006).
governo estadual seria crucial, já que Garcia Neto exerceria seu mandato por
mais dois anos (O PROGRESSO, 20 jun. 1977, capa - p.3).
E mais, na mesma ocasião Bento Porto defendeu a implantação da
Faculdade de Agronomia em Dourados. A disputa por qual município sediaria a
faculdade era outra questão que permeava as contendas envolvendo Dourados
e Campo Grande. Mas antes de entrar em mais um aspecto das divergências
que regiam os interesses hegemônicos, será preciso explorar os motivos
amenizadores dos ataques ocorridos entre os dois jornais, gerados pela
inabilidade comunicacional dos militares quando noticiaram a opção de dividir o
estado.
Nesse sentido as ponderações do governador substanciadas em
informações presidenciais, igualmente acalmaram os ânimos porque possuíam
oficialidade. Em três de julho no Correio do Estado, foi reportado que Garcia Neto
engrandeceu o governo federal e apoiou os atos de Ernesto Geisel, posicionou-
se como um colaborador irrestrito do presidente e condenou os que se opuseram
às decisões do General. Pois, para o governador, Geisel estaria “com as vistas
voltadas para este novo Estado”, porém, passando por um “momento difícil” em
razão daqueles “muitos” que estariam “tentando prejudicar o governo
revolucionário”, e por isso precisava contar com o apoio absoluto e geral de seus
correligionários (CORREIO DO ESTADO, 02/03 jul. 1977, p.3).
Ao julgar pela lógica do regime de exceção que alijava os políticos civis
de todas as discussões, apenas impondo-lhes decisões já tomadas pela cúpula
do governo federal, foi observado certo recuo quanto às solicitações diretas à
Geisel; e as ofensivas se voltaram ainda mais para aspectos regionalistas e
internos às duas localidades. Uma vez que nenhum daqueles políticos,
manifestos nos periódicos, queriam ser vistos, por quem quer que fosse, como
contrários ao presidente da república; precipuamente quanto à escolha de um
nome, sendo que nem o local que sediaria a capital estava totalmente definido.
Então, era o momento de voltar-se a interesses que visavam à obtenção de
benefícios maiores e mais imediatos. Por isso, a importância dada a Cássio Leite
de Barros, vice-governador, na mesma publicação, quando reforçou os dizeres
de Garcia Neto e ressaltou os investimentos financeiros federais que estavam
chegando para a administração estadual.
7
A complexidade entre as relações políticas no contexto de 1977 não se restringiam à localidade de atuação
dos agentes e nem mesmo ao partido de filiação. O prefeito de Dourados, por exemplo, mantinha estreita
relação de interesse com grupos políticos de Campo Grande acerca de várias questões, que podem ser
conferidas em Furlanetto (2018).
dentro dos próprios campos sociais era um obstáculo para a realização de suas
pretensões. “Dessa forma, cada segmento lançou-se ao ‘jogo’ à sua maneira,
principalmente naquilo que diz respeito ao campo da barganha política, que no
Brasil costuma ser praticada, comumente, na base da disputa pela ocupação de
cargos públicos” (SILVA, 2006).
Aqueles agentes objetivavam determinar a composição de leis, implantar
políticas que afetassem a todos e principalmente aplicar os recursos públicos,
que poderiam ser direcionados também aos meios de comunicação, conforme
seus interesses. Esses veículos, por sua vez, atuavam na manipulação de signos
e na produção de sentidos voltados aos receptores de suas mensagens. Assim,
se torna plausível o entendimento de que os estadistas fizeram uso
indiscriminado das notícias na expectativa de apresentarem-se à sociedade e
validarem seus discursos. Ademais, os diários alinharam suas publicações a eles
para defenderem seus próprios benefícios, pautados em aspectos financeiros e
na aquisição de capital simbólico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o ano de 1977, houve uma grande disputa entre membros das
elites de Dourados e Campo Grande, representados pelos jornais O Progresso
e Correio do Estado, respectivamente, nos campos econômico, político e
jornalístico. O principal ponto de discórdia era a divisão do estado de Mato
Grosso e a criação do estado de Mato Grosso do Sul. Nessas batalhas, os
agentes envolvidos seguiram a lógica da produção capitalista, valorizando a
ideia de um "centro" caracterizado pela abundância de recursos financeiros que
circulavam nessa área, enquanto desvalorizavam a "periferia" devido aos
investimentos insuficientes destinados a ela.
Logo, os agentes políticos envolvidos assumiram a semântica fomentada
igualmente pelos militares, ocupantes dos altos cargos no Governo Federal,
determinados a experimentar o desenvolvimento, a modernização, a
industrialização, a exploração máxima dos recursos naturais e a integração do
território nacional. Para alcançar seus propósitos, incluíram em seus discursos,
divulgados nas páginas jornalísticas, características de suas regiões que fossem
adequadas àquela narrativa, delineando uma aproximação ao “estado modelo”,
criando, cada um à sua maneira, a melhor versão para uma futura capital, sem
deixar de agregar aspectos identitários.
Os agentes desses discursos visavam, precipuamente, ocupar os novos
espaços de poder e não ficarem à margem das decisões governamentais.
Portanto, intencionavam formar no imaginário político-social um simbólico
baseado em considerações válidas e positivas sobre o divisionismo. Nesse
sentido, estabeleceram alianças para usarem indiscriminadamente a imprensa,
na expectativa de apresentarem-se à sociedade e validarem seus discursos.
Adjacentemente, a gramática jornalística foi alinhada aos ideais daqueles
sujeitos em defesa de benefícios pautados nos aspectos financeiros e na
aquisição de capital simbólico.
Por isso, a notícia oficial, de quatro de maio daquele ano, sobre o
interesse da presidência da república em criar o novo estado na região sul,
chamado Estado de Campo Grande, que elencava a localidade de mesmo nome
como possível capital, provocou intenso conflito veiculado pelos jornais. No
Correio do Estado afirmou-se a irrelevância em relação à denominação, por outro
lado, utilizou-se amplamente o poder de tal signo para fomentar autoelogios a si
e aos aliados, posicionar-se como um representante “sulista”, quiçá “campo-
grandista”, e explorar toda uma narrativa “histórica”, “econômica” e
“desenvolvimentista” em favor da divisão.
Já no O Progresso combateu-se intensamente a questão, em face da
forte representação simbólica que promoveria somente um município da região
sul. Consequentemente, as vozes impressas nele evocam ambivalentemente
uma identidade “nortista” e como estratégia para desvalidar as pretensões
publicadas no Correio, contra atacou. Passou a mencionar a subjugação de
Dourados à Campo Grande, a imposição desta àquela e a força econômica da
primeira usurpada pela segunda, igualitariamente ao que alguns campo-
grandenses fizeram em relação à Cuiabá.
Nesse jogo das forças, o embate pela instalação da Faculdade de
Agronomia do qual o Correio do Estado participou de forma veemente, agregou
aos conflitos gerados a possibilidade efetiva do desmembramento. Afinal, a
conquista por uma das partes auxiliaria na construção de uma história política
favorável, todavia, antes de qualquer coisa, demonstraria o poder político de
cada grupo. Motivos estes que levaram o jornal douradense a veicular narrativas
que pressupunham alianças com o governador Garcia Neto por consequência
de sua relação com Geisel, seu posicionamento apreciativo a Dourados e sua
oposição a alguns campo-grandenses.
Tais episódios desvelaram as tensões e as lutas políticas e econômicas,
bem como as disputas identitárias não definidas, fluídas e instáveis. Os ânimos
só foram arrefecidos devido às incógnitas que permeavam o assunto da divisão
de Mato Grosso, já que os estudos realizados pelo governo federal eram
confidenciais e o anteprojeto de lei ainda não havia sido criado. Sobretudo, pela
possibilidade de Dourados figurar como capital do novo estado, o que significaria
receber recursos financeiros, promover prosperidade e desenvolvimento para
alguns setores da região, garantir supremacia política e comandar a pauta dos
assuntos públicos.
Inferiu-se, portanto, que no sul do então estado de Mato Grosso, havia
muitas divergências entre os vários grupos que se intitulavam representantes
dos “sulistas”. Cada qual evocava para si aspectos identitários próprios, que
pudessem ser estendidos aos demais habitantes. Construíam narrativas e
relações voláteis e ambivalentes, moldadas conforme as disputas em pauta, de
aproximação e diferenciação ao norte. Buscavam manter certo prestígio junto
aos leitores dos impressos, mas acima de tudo, ocupar os novos cargos políticos
que possibilitassem direcionar o dinheiro público de acordo com os seus
interesses.
Assim, pode-se considerar que as complexas relações políticas e
midiáticas ultrapassavam as dicotomias regionalistas e identitárias e se
caracterizavam heterogêneas. Apesar das narrativas forjarem interesses
comuns visavam a projetos hegemônicos, em um exercício de controle social,
ao mesmo tempo em que apostavam na adesão popular. Especialmente, em
uma tentativa de uniformização da diversidade, da simplificação de intrincadas
cadeias de sociabilidade e de pensares, contiguamente, à condensação de
múltiplas vivências em apenas dois polos distintos. Configuraram-se desse
modo, estrategicamente, alguns dos elementos constitutivos do corpus social,
construído pelos idealizadores da dominação e do controle, que o propagavam
naturalizado e isento de manipulação.
UFMS, 2009.
BORGES, Felipe de Almeida; SOUZA, João Carlos de. A visão da imprensa
periódica sobre a criação do Estado de Mato Grosso do Sul (1977-1981). In: VII
Encontro de Iniciação Científica da UFMS, 2006, Dourados: Anais do VII
Encontro de Iniciação Científica da UFMS, 2006.
BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp,
1992.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
CARDOSO, Ciro Flamarion, Uma nova história política? In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Novos domínios da história. Rio de
Janeiro: Elsevier Campus, 2012.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2012.
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude.
Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2002.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações.
Lisboa/Rio de Janeiro: Difel/Bertrand, 1988.
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, São
Paulo, v.5, n.11, p. 173-191, 1991.
DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. IN:
PINSKY, Carla (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 111 a
153.
FURLANETTO, Vera Lucia. Mato Grosso Do Sul: Sua criação pelas
representações dos jornais O Progresso e Correio Do Estado. Dissertação
(Mestrado em História) – UFGD, Dourados, 2018.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 1ª ed. Rio de
Janeiro: DP&A Editora, 1992.
HERBOLATO, Mario. Deontologia da comunicação social. Petrópolis: Vozes,
1982.
JORNAL CORREIO DO ESTADO, Campo Grande. Índice Acumulado: 13 jan.
1977 – 30 dez. 1977.
JORNAL O PROGRESSO, Dourados. Índice Acumulado: 11 jan. 1977 - 30 dez.
1977.
KUNCZIK, Michael. Conceitos de Jornalismo – Norte e Sul. São Paulo: Edusp,
1997.
PEREIRA, Vinícius Vieira. A produção da relação centro e periferia no
pensamento econômico: das teses marxistas do imperialismo capitalista às
teorias da dependência. Tese (Doutorado em Economia) – UFMG, Belo
Horizonte, 2015.
QUEIRÓZ, Paulo Roberto Cimó. Mato Grosso/Mato Grosso do Sul: Divisionismo
e identidades (Um breve ensaio). In: Diálogos, DHI/PPH/UEM, v.10, n.2, 149-
184, 2006.
SILVA, Jovam Vilela da. A divisão do Estado de Mato Grosso: (uma visão
histórica – 1892 – 1977). Cuiabá: EdUFMT, 1996.
SILVA, Ricardo Souza da. Mato Grosso do Sul: Labirintos da memória.
Dissertação (Mestrado em História) – UFGD, Dourados, 2006.
ABSTRACT
The purpose of the article is to analyze a set of lectures broadcast by Rádio Tupi,
during the Estado Novo. The lectures were produced by the Ministry of Education
and Health, in a context of increasing intervention of medical knowledge in school
teaching institutions and register the concern of the Estado Novo with the role of
schools and teachers in the physical and moral formation of students. The
documentary source consulted is composed of three volumes of the series
entitled Palestras de Higiene na Rádio Tupi. The analysis work prioritized
lectures that address the relationship between medical knowledge and school
education. The consulted documentation was interpreted from the Foucauldian
concepts of biopolitics and discipline.
Keywords: School; Health Education; New State; radio.
1
A pesquisa contou com o apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
2
Professor Adjunto de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Professor Permanente
do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS – Campus do Pantanal. E-mail:
[email protected];
3
Licenciada em História pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Bolsista
PIBIC/CAPES. E-mail: [email protected].
INTRODUÇÃO
4
Gonçalves (2011) usou “palavras-chaves” para identificar temas na fonte documental. O autor consultou
dois volumes da série Palestras de Higiene na Rádio Tupi e não adotou uma distinção entre os temas
específicos do ambiente escolar e temas de abrangência social mais ampla – procedimento que adotamos
Eficiência na escola I 54 - 58
no presente artigo.
Foot-ball e saúde II 35 - 37
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de: GASPARINI, 1945a; GASPARINI, 1945b;
GASPARINI, 1945c.
5
No Brasil das décadas de 1930 e 1940, as instituições que ofereciam o Ensino Secundário eram
denominadas Ginásios. Para ingressar no Ginásio, o estudante deveria obter a aprovação num exame de
admissão. A exigência do exame foi instituída pelo Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931 e perdurou
até 1971.
6
Na intenção de contribuir para uma futura reflexão sobre as múltiplas representações do futebol no Estado
Novo, cogitamos a hipótese de que Savino Gasparini registrou na sua palestra uma distinção entre o que
procedia de uma cultura científica – como os exercícios de Ginástica adotados nas escolas públicas da
época – e o que procedia da cultura popular – como era o caso do futebol. Diante de dois tipos de atividades
físicas, Gasparini expressou sua preferência pela primeira e depreciou o futebol.
7
José Bastos de Ávila desenvolveu pesquisas de antropologia física no Brasil nas décadas de 1920 e 1930.
Trabalhou no Museu Nacional e no Instituto de Pesquisas Educacionais, ambos no Rio de Janeiro
9
A interpretação foucaultina da biopolítica tem sido abordada por diversos autores, dentre os quais
destacamos Esposito (2010), Portocarrero (2009) e Castro (2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABSTRACT
The research aims to examine the history of upland rice (Oryza sativa L.)
cultivation in Porangatu, Goiás. This theme is directly linked to the opening of
new frontiers and the modernization of agriculture in the project of accelerated
economic development, promoted by the Federal Government in the decades
from 1960 to 1980, in the Alto Tocantins microregion. During this period, farmers
faced challenges arising from the soil, climate, incipient local structure and little
knowledge of the occupied region, since most of them were migrants. However,
with the support of Banco do Brasil and, later, with the arrival of the Technical
Assistance and Rural Extension Company (Emater), they received specialized
1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologia e Meio-Ambiente na
UniEvangélica. E-mail: [email protected].
INTRODUÇÃO
2
Período que se estende de 12 a 10 mil anos atrás até a contemporaneidade.
3
Sandro Dutra e Silva, No Oeste, a terra e o céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil Central (Rio
de Janeiro: Mauad X, 2017).
4
O município de Porangatu é evidenciado no estudo porque investiu na rizicultura por duas décadas,
ganhando destaque nacional na produtividade de arroz.
5
José Augusto Drummond, José Luiz de Andrade Franco, Sandro Dutra e Silva (2011).
a produção.
Como o clima local no período investigado era favorável, a rizicultura se
adaptou ao solo e conseguiu produtividade significativa em 1982, tornando-se
destaque nacional. O arroz é um gênero alimentício de primeira necessidade,
responsável pela dieta alimentar de mais da metade da humanidade. Segundo
Carney (2017), essa cultura foi introduzida no Brasil desde 1500. Espalhou-se
por todo litoral brasileiro e, através das bandeiras, no final do século XVI e XVII,
adentrou o sertão goiano, fazendo parte da cultura da população sertaneja desta
região. Em 1960, era uma importante cultura em Goiás, principalmente na região
sul do estado. Com a crise agrícola no sul de Goiás e com os fomentos agrícolas
voltados para o Norte, esta área passou a ser procurada também e a rizicultura
cobriu o Cerrado como um todo. Nesse sentido, objetiva-se conhecer a
importância do município de Porangatu na produção do arroz de sequeiro
durante as duas décadas (1960-1980), a produtividade alcançada, a área
cultivada e como os fomentos e a modernização da agricultura transformaram o
município, tornando-o destaque nacional na produção de grãos, inserindo-o na
dinâmica produtiva nacional.
Ressalta-se que o processo de desenvolvimento local extrínseco deixou
marcas intrínsecas e contribuiu com mudanças climáticas, desequilíbrio
ecológico, degradação ambiental em níveis local, regional e global. Trata-se,
segundo Dutra e Silva6, que o Cerrado é considerado um sistema biogeográfico
que vem sendo afetado pela ação humana, perdendo, de forma avassaladora,
as paisagens naturais. Segundo o mesmo autor, houve introdução de espécies
exóticas, como gramíneas africanas, e cultivares valorizados no mercado global
de alimentos e energia, os quais passaram a dominar as paisagens do Brasil
Central e colocaram esse ecossistema em risco de extinção.
6
Dutra e Silva, op. cit.
7
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sinopse preliminar do Censo demográfico: Goiás (Rio de
Janeiro: IBGE, 1981). Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/310/cd_1980_v1_t1_n24_go.pdf. Acesso em: 23 de
janeiro de 2022.
8
Esse dado foi alterado, pois o município de Novo Planalto passou a integrar a Região do Vale do Araguaia
para compor a nova divisão de microrregiões segundo dados do IBGE após a Constituição de 1988. Mas,
anterior a era distrito de Porangatu – GO.
9
Luís Fernando Stone, Características climáticas e atributos dos solos dos sítios de fenotipagem para
tolerância à seca da Embrapa Arroz e Feijão, em Goiás (Santo Antônio de Goiás: EMBRAPA Arroz e
Feijão, 2006). Disponível em:
https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CNPAF/25515/1/doc_199.pdf. Acesso em: 3 de janeiro de
2016.
10
Secretaria Municipal de Gestão e Planejamento (SEGPLAN-GO), “Aspectos físicos de Goiás: clima”,
2011. Disponível em: https://senadorcanedo.go.gov.br/secretaria/secretaria-municipal-de-governanca-e-
planejamento-segplan/. Acesso em: 03 de janeiro de 2016.
2. METODOLOGIA DA PESQUISA
11
Edgardo Manuel Latrubesse, Thiago Morato de Carvalho, Geomorfologia do estado de Goiás e Distrito
Federal (Goiânia: Secretaria de Indústria e Comércio, 2006).
12
Jean-Louis Flandrin, Massimo Montanari, História da alimentação (São Paulo: Estação Liberdade, 1998).
Indica e Japônica
13
Geraldo Mário Rohde, op. cit.
14
Idem.
15
Site: https://www.ufrgs.br/alimentus1/terradearroz/grao/gr_apresenta.htm. Acesso em 23 de fevereiro de
2022.
se destaca como único país não asiático entre os dez maiores produtores16. Em
2020, estimou-se produção anual de 10.500.000 t17.
Fonte: José Luis da Silva Nunes, Características do arroz, Agrolink. Disponível em:
https://www.agrolink.com.br/culturas/arroz/informacoes/caracteristicas_361559.html. Acesso
em 19/04/2021.
16
Food and Agriculture Organization (FAO), op. cit., p. 17.
17
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Acompanhamento de safra brasileira de grãos, Safra
2020. Disponível em: https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/graos/boletim-da-safra-de-graos. Acesso
em: 22 out. 2020.
18
EMBRAPA/CNPAF, Embrapa Arroz e feijão (Goiânia, 2010).
19
Melissa Walter, Enio Marchezan, Luis Antonio de Avila, Arroz: composição e características
nutricionais, Ciência Rural 38, 4 (ago. 2008): 1184-1192.
20
Tema de tese de doutorado desenvolvida na área de Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente da
UniEVANGÉLICA, apresentada no ano de 2023.
muito distante de Vila Boa, a primeira vila expressiva da capitania, cercada pela
presença dos índios Carijó ou Canoeiro, como afirma (Cunha Mattos, 1875). Na
Guerra do Paraguai, em 1865, muitos imigrantes, oriundos de diversas regiões
do país, refugiaram-se no local. Em 1891, o Descoberto era chamado de Distrito
do Descoberto, município de Pilar, que, por sua vez, era comarca de São José
do Tocantins (Niquelândia). Segundo relatos do Correio Porangatuense21:
21
Correio Porangatuense, Histórias Sangrentas: a ferocidade dos índios Canoeiros, 9 a 22 de setembro de
1979, p.9.
Até 1950, Goiás era uma grande extensão de terras ociosas e não existia
técnica especial para o trabalho no campo. O sistema que prevalecia era
rudimentar, usando-se machado, enxada e foice para o trabalho de abertura de
terras (P 05E). Faziam-se pequenas lavouras, usadas apenas para a
subsistência das famílias22, e a maioria da população era rural.
A partir de 1960, através de políticas agrícolas voltadas para o Centro-
Oeste, mudanças de paradigmas em torno da concepção de terras de Cerrado,
de produtividade e de crescimento econômico ocorreram e, para Campos (1985),
houve a “pecuarização da lavoura”, aspecto que tinha como justificativas: a) ser
a lavoura, especialmente a do arroz, uma cultura de desbravamento utilizada
para completar o processo de limpeza do terreno recentemente desbravado; b)
haver mais financiamento destinado à agricultura do que à pecuária.
Na década de 1960, a pecuarização da lavora se intensificou na região.
Estima-se que, em toda a região e em torno do município de Porangatu, até a
década de 1970, “tinham apenas 03 tratores que eram utilizados para realizarem
serviços nas fazendas, mas não especificamente trabalharem com agricultura”
(P 01 A).
Com a abertura da fronteira agrícola voltada para a área de estudo,
Porangatu passou a receber benefícios e a se estruturar para fomentar a
atividade. A população sertaneja (goianos, filhos da terra) que residiam no
município não demonstravam interesse no novo modelo de trabalho. Os
migrantes, venderam suas terras em sua região de origem por preços altos,
adquiriam terras com baixo preço e Porangatu passou a estimular o comércio de
terras, como relata P 23: “vendeu 50 hectares no Rio Grande do Sul e comprou
180 alqueires em Porangatu”. A diferença de preços da terra de uma região a
outra do país ocorria pela qualidade das terras do centro-oeste (ácidas, pobre
em nutrientes) e por serem terras brutas, precisando ser desmatadas,
trabalhadas para produzirem. Por outro lado, os sertanejos foram atraídos pela
oferta de dinheiro em troca de suas propriedades e as vendiam.
Para P 01A, o que ocorreu, nessa etapa de implantação do projeto
22
As roças normalmente eram de arroz de sequeiro, milho, mandioca, entre outros vegetais.
23
Instituto Agronômico de Campinas, São Paulo.
atividade (P 05 E).
60000
50000
Produção (t)
Arroz
40000
Mandioca
30000
Milho em Grão
20000 Cana-de -açúcar
10000
0
1 60
2 703 75 480 5 85 6 7 8 9 10
Fontes: IBGE: Censos Agropecuários (1960, 1970, 1980, 1991, 1996, 2000); SEPLAN:
Anuários Estatísticos do Estado de Goiás; Soares (2002); Silva et al.(2021); dados da
pesquisa: 18/12/2020 a 03/11/2021.
24
Fernando Carlos Alves da Silva, Gustavo Henrique Mendonça, Divina Aparecida Leonel Lunas,
Territorialização do agronegócio e as novas dinâmicas no sudoeste e norte de Goiás, Espacios 36, 13 (2015):
18.
800
700
600
500 Tratores
400 Arados
300 Máquinas
200
100
0
1960 1970 1975 1980 1985
Fontes: IBGE: Censos Agropecuários (1960, 1970, 1980, 1991, 1996, 2000); SEPLAN:
Anuários Estatísticos do Estado de Goiás; Soares (2002); Silva (2021); dados da pesquisa:
18/12/2020 a 03/11/2021.
25
Porangatuense. Festa do Arroz. Jornal de Porangatu, 05 a 19 de abril de 1982.
26
Walquíria dos Santos Soares, op. cit.
27
Opção, Sucesso da I Festa do Arroz Assegura Continuidade da promoção em Porangatu, 03 de maio de
1982.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
28
Donald Worster, op. cit.
29
Maria de Fátima Fernandes, Cassiano de Brito Rocha, Sandro Dutra e Silva, op. cit., p. 2.
______________________________________________Divisão do Brasil em
microrregiões homogêneas, 1968 / IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia,
Departamento de Geografia. Rio de Janeiro, 1968
ROHDE, Geraldo Mário. Uma breve história do arroz. Lavoura Arrozeira, Porto
Alegre, 48, 419 (1995): 3-6.
SILVA, Osmira Fátima da, WANDER, Alcido Elenor, FERREIRA, Carlos Magri.
Importância econômica e social do arroz. Embrapa, 2021. Disponível em:
https://www.embrapa.br/agencia-de-informacao-tecnologica/cultivos/arroz/pre-
producao/socioeconomia/importancia-economica-e-social. Acesso em: 13 de
fevereiro de 2022.
RESUMO
ABSTRACT
The study addresses the history of the carnival at the Floresta Montenegrina club,
a notorious associative space, founded in 1916 in the city of Montenegro (RS).
city of Montenegro from the presence of the samba school linked to the club
Floresta Montenegrina. The research is based on the microhistorical analysis of
1
Doutora pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Processos e Manifestações Culturais da
Universidade Feevale. E-mail: [email protected].
2
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História da Pontíficia Universidade Católica do Rio de
Grande do Sul (PUC/RS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Processos e Manifestações
Culturais da Universidade Feevale. E-mail: [email protected].
Jornal Ibiá, in editions from 1985 to 2007, which allows access to information
about the creation of the Escola de Samba Floresta and the events held to raise
funds for the parade in the streets of Montenegro. Through the research, it is
concluded that the carnival is a tool used by the club to build a solid support
network for the black community of Vale do Caí, as well as to give visibility to the
black guidelines and traditions maintained by society and present in their
celebrations carnivalesque.
Keywords: Carnival History. Cultural History. Montenegrin forest. Press.
INTRODUÇÃO
onde a entidade se localiza. Para tanto, adota-se como fonte histórica balizadora
da pesquisa o Jornal Ibiá, através do levantamento de reportagens que tratavam
sobre a temática carnavalesca entre os anos de 1986 e 2007.
A utilização do periódico citado como principal fonte de pesquisa se deu
a partir da ideia de que a imprensa não pode ser considerada o mero reflexo da
realidade, mas, sim, a representação desta realidade. A este respeito, Capelato
(1988, p.24,25) informa que a imprensa é produto de uma determinada época e
que “a produção desse documento pressupõe um ato de poder no qual estão
implícitas relações a serem desvendadas. A imprensa age no presente e também
no futuro, pois seus produtores engendram imagens da sociedade que serão
reproduzidas em outras épocas”.
Já para Espig (1998, p.274), os jornais não devem ser entendidos apenas
como fontes de informação, mas como fontes históricas, pois possuem
periodicidade e podem ser considerados “arquivos do cotidiano, nos quais
podemos acompanhar a memória do dia a dia e estabelecer a cronologia dos
fatos históricos”. Além disso, segundo a autora, “a disposição espacial da
informação, permite a inserção do acontecimento histórico dentro de um
contexto mais amplo”.
A partir da definição da fonte jornalística apresentada, realizamos uma
“leitura intensiva dos periódicos”, que, segundo Elmir (1995), é aquela pela qual
levamos em consideração a circulação, o contexto e os leitores. Para Magalhães
(2010, p.25) “a linguagem [jornalística] possibilita determinar valores morais e
comportamentais, assim como classificar e justificar grupos sociais” e, partir dos
jornais, “desenvolve-se a construção de um discurso histórico porque cria
tradição, passado, e influencia novos acontecimentos”.
Pretende-se com o presente trabalho, desenvolver e relacionar o contexto
macro que se configura no histórico do carnaval em terras nacionais, com o
contexto micro, que envolve a importância do momento de sociabilidade que o
carnaval representa para o clube negro Beneficente Floresta Montenegrina e a
sociedade de Montenegro. Esta instância do micro é analisada a partir das
teorias de Ginzburg (1989) que entende que esta abordagem permite trazer à
tona temas que eram considerados marginais durante muito tempo, como as
festas e, além de utilizar uma diversidade de fontes, a micro-história possibilita a
luta diária, que seriam mais significativos que o próprio ritual de alegria ou
zombaria.
Leonardo Soares da Rosa (2015), menciona que no Brasil essas
comemorações chegaram junto com os portugueses que nos três ou quatro dias
antecedentes à quaresma tinham por costume brincar de se atirar bolas de cera
com líquidos cheirosos ou pútridos uns nos outros, bem como farinha e ovos.
Por mais que esta comemoração fosse “natural” da elite, logo foi adotada
pelos setores subalternos da sociedade, como é possível observar na pintura de
Debret mostrada acima, que levaram esta brincadeira para as ruas das cidades,
a libertando do ambiente doméstico ao mesmo tempo que a tornou popular. O
artista francês buscou no cotidiano as manifestações culturais mais
emblemáticas da sociedade brasileira e o carnaval era uma delas. O pintor
explica o episódio retrado na pintura:
a cena se passa à porta de uma venda, instalada como
de costume numa esquina. A negra sacrifica tudo ao equilíbrio
de seu cesto, já repleto de provisões que traz para seus
senhores, enquanto o moleque, de seringa de lata na mão, joga
um jacto de água que a inunda e provoca um último acidente
nessa catástrofe carnavalesca. (DEBRET, 1978, p. 301, v. I)
assim, pode-se afirmar que “[...] o entrudo, praticado por negros e pobres,
coexistiu com as práticas mais elitizadas que não conseguiram eliminar estas
brincadeiras no século XIX” (ROSA, MAGALHÃES, SCHEMES, 2017, p. 151).
No decorrer do século XX, se percebe a solidificação desse costume da
criação de blocos de rua. No que tange ao Rio Grande do Sul, as cidades de
Porto Alegre, Pelotas, São Leopoldo e Montenegro apresentaram uma crescente
criação de associações negras, que foi concomitante a da criação de cordões
carnavalescos, os quais nas vésperas dessa festa nacional foram amplamente
registrados pelos jornais locais.
É através desses registros jornalísticos que os historiadores que se
debruçam sobre a temática carnavalesca podem ter acesso a comoção social
que essas associações causavam na época provando, mais uma vez, o valor da
fonte impressa para o trabalho de construção da história.
da comunidade negra, tanto nos ensaios, quanto nos desfiles, que reuniam
pessoas de todas as faixas etárias, desde crianças até idosos.
Aqueles que optavam por vestir o azul e branco, cores selecionadas como
símbolo da escola, participavam ativamente dos festejos, deixando claro a
importância deste momento de sociabilidade dentro da comunidade, que
integrava todos os participantes do bloco e da associação Floresta Montenegrina
em prol de uma paixão nacional, como definiu a carnavalesca Isabel na edição
de 25/02/2006 do Jornal Ibiá.
Destaca-se nessas imagens a presença feminina, mais especificamente a
presença da mulher negra, a qual ganhava espaço nos desfiles, sendo a figura
principal do evento. Aliada a uma divulgação midiática, a presença de fotos de
mulheres negras em um periódico municipal demonstra o avanço da ocupação
de espaços da figura feminina uma vez que agora a mulher negra não está mais
destinada a ser um sujeito em segundo plano, mas a figura central de uma
comemoração nacional, tendo como objetivo ser a representação do carnaval
encarnado.
Essa mudança de perspectiva em relação ao lugar da mulher negra na
sociedade pode ser atribuída a um extenso histórico de luta por visibilidade e
resistência, que por mais que esteja longe de seu fim, garantiu a presença de
Tendo em vista que a preparação para o festejo não ocorre da noite para o
dia, o carnaval do Floresta Montenegrina é algo que movimentava a sociedade
negra vinculada ao Clube de Montenegro ao longo de todo o ano, sendo comuns
ao clube eventos para arrecadação de dinheiro e novas parcerias, peças
importantes para o “fazer acontecer” da festa.
Nesse sentido também podem ser encontrados nas páginas do Jornal Ibiá
ao longo dos anos anúncios de bailes e concursos de beleza, que tinham como
objetivo atrair a comunidade, principalmente negra, para dentro do clube, a fim
de fortalecer os laços sociais e a construção do carnaval, bem como colaborar
para as melhorias necessárias na infraestrutura da associação, como
observamos na Figura 7.
Para Carvalho (2021, p.80), “as relações humanas e sociais das
comunidades do carnaval podem ser compreendidas pelo viés da análise do
sentimento de pertencer ao grupo [...]”. O autor parte das ideias de Weber (1978)
quando este entende o grupo como um corpo social “que conceitua as relações
comunitárias e as relações associativas” gerando um sentimento de
pertencimento, material ou subjetivo, ou ainda a partir dos conceitos weberianos
que entendem “a união de interesses racionalmente motivados para uma relação
sentimental comunitária”.
Assim, o clube Floresta Montenegrina e a escola de samba vinculada a ele
mostra sua presença e ação na localidade, bem como suas manifestações
culturais que estão permeadas por sociabilidade, pertencimento, além de
desafios, lutas e interesses comuns pautados no cotidiano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BURKE, Peter. A Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Cia. das
Letras, 1989.
LUCA, Tania Regina de (org.). História dos, nos e por meio dos periódicos. In:
PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008. p.
111-153.
RESUMO
1
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Professora de História Antiga e Medieval da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,
Campus do Pantanal (UFMS/CPAN). E-mail: [email protected].
ancient world in the construction of buildings and in the beautification of the city,
especially the Greek, which are easily found in the facades of the houses and
civil and religious buildings scattered throughout the city of Corumbá. These
facades, in my analysis, are historical sources because they are the
materialization of a past that no longer exists, but that can be reinterpreted by
historians. My proposal is to show how it is possible to study Ancient History
through them and, at the same time, reinforce the need of the city to protect its
cultural heritage not only as an element of construction of the history of Corumbá,
but also as a curricular component of schools, contributing to the development of
heritage education in this region.
Keywords: Corumbá. Ancient Architecture. Ancient history. Historical Heritage.
Heritage Education.
INTRODUÇÃO
2
Segundo Jorge Brito, Bartolomé Bossi era um genovês, nascido por volta de 1819, e morava desde jovem
em Buenos Aires. Em 1862, decidiu comandar uma expedição ao interior de Mato Grosso, que partiu de
Montevidéu. Após essa expedição, Bossi comandou várias outras pelo interior da América do Sul. Ele
morreu em Niza, Itália, em 1890 (BOSSI, 2008).
3
Para mais informações, acessar o endereço eletrônico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/252.
4
Para saber mais sobre o cemitério, sugiro a leitura do artigo Oliveira, Marco Aurélio Machado de;
Junqueira, Nathalia Monseff. Representações sociais de sírios e libaneses em Corumbá, MS: comércio,
casamento e cemitério. In: Revista Transporte y Territorio, núm. 15, p. 388-403, 2016.
Esses preceitos também podem ser aplicados a Corumbá, uma vez que
esse modelo foi adequado pelos portugueses no povoamento das colônias. Além
disso, cabe ressaltar que a cidade sofreu danos consideráveis durante a sua
retomada na Guerra do Paraguai, sendo necessário um processo de renovação,
buscando se consolidar como uma importante cidade fronteiriça, pois
desempenhava um papel de destaque na economia e no desenvolvimento da
região sul de Mato Grosso. Para essa consolidação, Corumbá precisaria se
reafirmar no cenário nacional, agora no campo militar, com a construção do Forte
Junqueira (imagem 4). No plano urbanístico, através da liderança do Almirante
Delamare, haveria um comprometimento com o planejamento urbano,
respeitando o seu traçado ortogonal, no qual há um alinhamento com ruas largas
e áreas de largos, como observado na imagem a seguir:
Fonte: DELVIZIO, João Bosco Urt. Patrimônio arquitetônico de Corumbá: um olhar sobre a
arquitetura moderna na perspectiva da memória e desenvolvimento local. 2004.
Esse planejamento das cidades teria sido criado por Hipodamo, que teria
nascido em Mileto por volta de 498 a.C. e que, segundo Aristóteles, ele teria
“inventado a divisão das cidades em blocos e recortado o Pireu” (Aristóteles.
Política. 2.1267b). Outro ponto a ser destacado figura-se no local designado para
a construção dos edifícios religiosos, militares ou civis, que se localizam em
5
Durante o período da Antiguidade Tardia, observa-se que diversos elementos do mundo antigo foram
mantidos ou adaptados para o novo contexto histórico que estava se desenvolvendo. O traçado das ruas, a
adaptação dos antigos templos pagãos em novas igrejas cristãs são alguns exemplos dessa prática.
Fonte: Acervo particular da autora. 2022. Fonte: Acervo particular da autora. 2022.
6
Para um estudo mais aprofundado, sugiro a seguinte leitura: LAWRENCE, A. W. Greek architecture.
England: Yale University Press, 1983.
Imagem 7 - Imagem atual da rua Manoel Cavassa com destaque para o Museu
de História do Pantanal (Muphan) a direita.
Imagem 11 - Porta com a datação da casa que está localizada na rua Tiradentes.
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 2022. Fonte: Arquivo pessoal da autora. 2022
O capitel mais decorado é o coríntio, por ser mais alto, ele permite agregar
duas ou três camadas de ornamentação, que costumam ser folhas de acanto
estilizadas (RODRIGUEZ, 2012). Esta decoração também é recorrente nos
edifícios em Corumbá, permitindo afirmar que muitos proprietários se
preocupavam em imprimir nas fachadas uma decoração mais elaborada,
buscando explicitar a sua posição social na cidade, como observado nas
imagens a seguir:
janelas e o capitel jônico, acima das colunas com caneluras, decorando o exterior
da residência. Este estilo de capitel desenvolvido pelos antigos helênicos foi
largamente usado nas construções gregas do Oriente Próximo entre os anos de
600 a 450 a.C. (LAWRENCE, 1983, p. 90). As volutas, neste estilo, são
espiraladas, sustentando um fino ábaco e o equino ganha um formato mais
retangular, como representado na imagem 18. Na imagem 19, as volutas estão
mais arredondadas e inclinadas para baixo, quase circundando a coluna. Este
estilo é pouco utilizado na decoração das fachadas na cidade.
Fonte: Arquivo pessoal da autora. 2022. Fonte: Arquivo pessoal da autora. 2022.
Montevidéu e Buenos Aires, uma vez que também fazia parte da Bacia do Prata
– espaço de grande circulação de navios na América do Sul no século XIX –,
chegava nas localidades onde havia um porto. Essas capitais sul-americanas
eram influenciadas pelas capitais europeias, com sua arquitetura renascentista
muito marcante nos grandes edifícios dessas cidades. Dessa forma, adotar essa
arquitetura nas colônias era uma maneira que as elites locais encontraram para
se aproximar das suas metrópoles, buscando alcançar melhorias para as
colônias ou interesses pessoais. Seja como for, essa decoração renascentista
vai ser empregada em todas as regiões do Brasil, porém, ganhando contornos
próprios em cada uma dessas localidades.
Cabe aqui ressaltar que essas primeiras leis que surgiram, no início do
século XX, em diversos países como o intuito de preservação do patrimônio,
tendiam a considerar exclusivamente como bens patrimoniais aqueles que
auxiliavam na construção do Estado Nacional e, principalmente os bens físicos,
como edifícios, estátuas e monumentos. Outro elemento importante a ser
considerado como patrimônio é aquele que se insere na esfera do excepcional,
do belo, daquilo que é único na sociedade e, dessa forma, deveria ser
preservado. A última etapa concretizada para auxiliar na preservação dos objetos
elencados como patrimônio foi a criação dos institutos de proteção patrimonial,
que gerenciavam os trabalhos e a administração desses bens tombados. As
políticas patrimoniais tiveram seu início na Europa e foram pensadas para criar
uma identidade nacional. Portanto, castelos, igrejas e tudo aquilo que estava
ligado às elites foram preservados, logo, excluíam-se qualquer contribuição
cultural ou histórica da população.
7
Para mais exemplos, sugiro a leitura seguintes textos: FUNARI, P. P. A.; FERREIRA, L. M. Desafios
para a Preservação do Patrimônio Arqueológico no Brasil. In: Patrimônio Cultural Plural. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2015, v. 1, p. 135-143 e RODRIGUES, Wanessa Pereira. O Patrimônio
Cultural de Corumbá-MS e a ausência de relação com a população local: estratégias que podem
contribuir para a reversão de tal quadro. Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Educação
e Patrimônio Cultural e Artístico, lato sensu – à distância, do Programa de Pós-graduação em Arte-PPG-
Arte, Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Corumbá – MS.2018. Polo Barretos – SP.
8
No caso de Corumbá, há uma iniciativa da Fundação da Cultura e do Patrimônio Histórico para levar as
discussões a respeito do patrimônio cultural e da sua preservação para as escolas, porém, ressalto que essa
atividade não faz parte do componente curricular das escolas do município.
Cabe aqui salientar que essa apropriação do passado passa por uma
adaptação do período histórico na qual ela será empregada, além da escolha
pessoal ou coletiva de quem a selecionou. Além disso, a escolha por
determinado estilo arquitetônico, tamanho ou local onde esses elementos serão
construídos influenciam na imagem que esses espaços querem passar para o
seu público, legitimando algum poder, criando uma identidade ou revelando o
status econômico do proprietário, como afirma Sávio Maia Rodrigues (2018).
Isso pode ser observado na fachada da Igreja Nossa Senhora da Candelária, do
Museu de História do Pantanal e da Casa Luiz de Albuquerque, com seu pé
direito alto, com os capitéis ornamentados, principalmente o coríntio, que
necessita de mais tempo para ser concluído, o que dispensaria mais dinheiro
investido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REVIEW
SANTOS, Fernando Pereira dos. A conduta marcial inglesa na
Guerra dos Cem Anos: um estudo sobre os ditames morais do
conflito ao final da Idade Média (1400-1453). Florianópolis: UDESC,
2022.
1
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho"(UNESP/FCHS). Bolsista CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior). Bacharela e Licenciada em História pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita
Filho" (UNESP). E-mail: [email protected].
2
Uma amostra é o levantamento realizado pelo professor da Unifesp, Fabiano Fernandes, em que coteja a
produção de historiografia medieval em dois importantes polos acadêmicos do Estado de São Paulo: Unesp
e Unifesp. Tal levantamento apontou que uma ínfima parcela das dissertações e teses defendidas em ambos
os programas de pós-graduação dedicaram-se aos estudos das ilhas britânicas. Ver: FERNANDES,
Fabiano; CRUZ, Paulo Christian Martins Marques da. A produção recente em História Medieval na
UNIFESP e UNESP: um esforço interpretativo. In: Clinio Amaral, João Lisbôa. (Org.). A historiografia
medieval no Brasil: de 1990 a 2017. 1ed.Curitiba: Prismas, 2019, p. 117-134.
Um outro ponto alto da obra de Santos é observar que, para além das
acusações contra os adversários, os escritos ingleses direcionaram suas
admoestações contra aqueles mesmos homens que deveriam defender os
interesses da Coroa por meio da guerra. Dessa maneira, o autor aponta para os
contornos do modelo ideal de guerreiro, que deveria somar a manutenção da
palavra dada, aspecto honorífico inerente aos seguidores dos códigos da
cavalaria, com a observação diligente de preceitos cristãos na condução das
armas. Tal modelo apartou-se diante de uma realidade moldada pela alteração
no perfil dos combatentes, pois, se nas décadas iniciais do conflito a nobiliarquia
destacou-se na função marcial, a partir da passagem do XIV para o XV, homens
de menor estatura social engajaram-se mais ativamente nos conflitos. Em outras
palavras, uma hipótese levantada é a de que tal alteração pode ter sido a fonte
das reprovações daqueles tradicionalmente habituados a relatar um fazer da
guerra liderado pela nobiliarquia, e, agora, feito por esses homens.
REFERÊNCIAS:
A Revista Eletrônica História em Reflexão (REHR) é uma publicação do discentes de Mestrado e Doutorado do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH-UFGD).
A REHR recebe contribuições em fluxo contínuo e tem como objetivo divulgar trabalhos acadêmicos desenvolvidos
na área da História que possibilitem refletir sobre o fazer histórico, bem como em suas relações com a Literatura, a
Sociologia, a Antropologia, a Geografia, a Linguística, Educação, entre outros, de forma a propiciar melhor
compreensão nos estudos da História e promover a interdisciplinaridade. Ademais, não privilegia uma especificidade
temática, na medida em que prevê a divulgação de trabalhos originais.
A Revista Eletrônica História em Reflexão, destina -se tanto a estudantes de graduação e pós-graduação que tenham
interesse nos trabalhos publicados, assim como professores de graduação e pós-graduação. Aceita trabalhos em
português, inglês e espanhol sob a forma de artigos, entrevistas, resenhas de livros, comentários sobre fontes inéditas,
resumos expandidos de trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, textos livres produção iconográfica e
audiovisual e notas breves.
EQUIPE EDITORIAL