Artigo Poled. Ma. Luiza Rodrigues - Gwerson Santos PDF
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ABSTRACT
The work has as its historical framework the structural crisis of capitalism in the world-space
and its repercussions in Brazil, mainly from the democratic crisis that began in 2013 and
radicalized in 2018, with the election of Jair Bolsonaro to the Presidency of the Republic. The
essay aims to highlight limits and possibilities regarding the strengthening of democracy in
the country from the field of educational policies, in the near future. We start from an
approximation between Nancy Fraser's constructs on social justice and the content of the
Natal Letter, a collective product of the Final Plenary of the 2022 II National Popular
Conference on Education. The analyzes point out that the concept of social justice in Fraser’s
terms finds materiality in the document as a whole, which articulates the redistributive,
recognition and representation dimensions, presenting itself as an important assumption to
base the new National Education Plan in a democratic perspective and emancipatory;
however, given the current correlation of forces, already from the context of political
transition, it is necessary to recognize the challenges posed for the realization of the foreseen
advances.
Keywords: National Education Plan. Social justice. Nancy Fraser. National People's
Education Conference. Democracy.
INTRODUÇÃO
Em 2018, Levitsky e Ziblatt publicaram trabalho de repercussão internacional,
tematizando sobre o colapso das democracias, incluindo-se aquelas vistas como tradicionais,
tais como a dos Estados Unidos e a da Inglaterra. Crescente entre a década de 80 do século
passado e os anos de 2010, o número de Estados democráticos passou a decrescer em
continentes como a África, a Ásia e no Leste Europeu. Mais recentemente, em 2016, a eleição
de Donald Trump nos Estados Unidos pôs o mundo em alerta acerca de um processo em
curso, em diferentes países, no qual “[...] regimes democráticos tradicionais e consolidados
são enfraquecidos de modo ‘legal’, por dentro [...].” (NICOLAU, 2018, s/p.)
Preocupados com o caso norte-americano, Levitsky e Ziblatt (2018) identificaram
características comuns em países onde as democracias se encontram fragilizadas, tais como a
polarização entre políticos, que se tornam inimigos, estratégias de intimidação à imprensa
livre e ameaças de rejeição ao resultado de eleições: “Eles tentam enfraquecer as salvaguardas
institucionais de nossa democracia, incluindo tribunais, serviços de inteligência, escritórios e
comissões de ética.” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 9). Diferentemente da estratégia até
então comum de colapsar uma democracia a partir de um golpe militar, o mundo tem
acompanhado a fragilização de algumas democracias “desde dentro”.
Desde 2013, pode-se afirmar que o Brasil tem vivido tempos turbulentos para sua
democracia, e a partir do Golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016, que destituiu a
Presidente Dilma Rousseff, a situação só tem se agravado. A asfixia do Plano Nacional de
Educação (PNE 2014-2024), causada pela ausência de destinação dos recursos públicos
necessários à efetivação de suas metas, pela falta de articulação política em torno de um
Sistema Nacional Articulado de Educação e pelo esvaziamento do Fórum Nacional de
Educação, seu guardião, iniciativas efetivadas desde o governo de Michel Temer (2016-
2018), contribuiu diretamente para o processo de desdemocratização no que tange às políticas
educacionais.
As forças democráticas da sociedade brasileira operaram um esforço de resistência
ativa (SAVIANI, 2018) em defesa do Plano Nacional de Educação (PNE), documento
entendido como ‘epicentro das políticas públicas educacionais’ (CONAPE, 2022), criando o
Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), que organizou a I Conferência Nacional
Popular de Educação (CONAPE) em 2018.
Agravando a crise da democracia no país, a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da
República, em 2018, representou um “suicídio democrático” (SAVIANI, 2018), o qual,
durante os últimos quatro anos, se caracterizou pela redução de direitos sociais da classe
trabalhadora (WOOD, 2011), implicando em um amplo processo de desdemocratização
(DARDOT; LAVAL, 2019) marcado pelo questionamento constante às instituições
democráticas.
Ao longo da crise sanitária, política e econômica causada pela COVID-19, que
provocou a morte de mais de 689 mil brasileiros1, os ataques à democracia ganharam ares de
barbárie, alcançando corrosivamente as políticas sociais e repercutindo de maneira forte nas
políticas educacionais, em consequência dos cortes de recursos e da ausência de uma
coordenação nacional das políticas para o campo, tanto durante o isolamento social quanto
após o retorno à presencialidade.
O presente trabalho se soma no esforço coletivo de parte da sociedade brasileira de
operar uma resistência ativa aos desmontes na educação, buscando fortalecer a importância
estratégica do PNE como instrumento central para a efetivação das políticas educacionais no
Brasil (DOURADO, 2017). A partir de uma perspectiva crítica e assumindo como referencial
teórico as contribuições de Nancy Fraser sobre o conceito de justiça social (2006; 2009;
2022), o objetivo do texto foi evidenciar limites e possibilidades em relação às aproximações
entre os construtos da autora, a Carta de Natal e o atendimento às demandas para as políticas
educacionais presentes na sociedade brasileira. Essa Carta consiste no documento produzido
na II Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE, 2022), realizada em Natal, no
Rio Grande do Norte, entre os dias 15 e 17 de julho de 2022. O referido documento apresenta
35 pontos como subsídio ao novo PNE, visando orientar uma retomada democrática no campo
educacional.
Trata-se de um ensaio apoiado em uma abordagem qualitativa (FLICK, 2009),
aprofundando a análise sobre uma questão social relevante para o contexto atual do país, que
se encontra em processo de transição no nível do Governo Federal, após a eleição de Luiz
Inácio Lula da Silva para a Presidência no período 2023-2026. A fim de atingir os objetivos,
adotou-se como metodologia a revisão bibliográfica sobre o contexto político atual e sobre o
papel do PNE como documento central da política pública e procedeu-se à análise documental
na perspectiva de que documento é história: “Não é possível qualquer investigação que passe
ao largo dos projetos históricos que expressa.” (EVANGELISTA, 2012, p. 55).
Para a análise da Carta de Natal, fruto do debate coletivo da II CONAPE, focamos em
conceitos, conteúdos e discursos presentes no documento, buscando compreender a política
proposta no contexto do seu tempo histórico. Sendo assim, apoiados nessa perspectiva,
entendemos o texto da política como “[...] um objeto a ser trabalhado pelo pesquisador para
produzir sentido.” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 427).
1
A pandemia da COVID-19, causada pelo Coronavírus, foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), em 11 de março de 2020, como “Emergência em Saúde Pública de importância internacional”. Os dados
sobre mortes provocadas pelo Coronavírus aqui apresentados foram atualizados na última semana de novembro.
Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
O trabalho está estruturado em duas seções, além da introdução e das considerações
finais. A seção intitulada “Crise da Democracia e resistência ativa em defesa do PNE” resgata
o quadro histórico do Golpe de 2016 e suas implicações para o processo de
desdemocratização do país, destacando o empenho das forças democráticas na apresentação
de caminhos superadores da crise brasileira, especialmente, no campo da educação.
Colocando o PNE como epicentro da política pública educacional, a seção apresenta esse
documento como expressão concreta da luta pela (re)democratização educacional no país.
Na seção “A Justiça Social em Nancy Fraser e o novo PNE”, são desenvolvidas as
dimensões centrais que estruturam a concepção da autora sobre a problemática da justiça
social, e empreendidas análises sobre as aproximações entre o conceito de justiça social e o
conteúdo da Carta de Natal. Os resultados do estudo evidenciam que as dimensões de
redistribuição e reconhecimento, as quais sustentam o conceito de justiça social em Fraser
encontram-se presentes no documento analisado, ambas animadas pela exigência de
participação social (dimensão política).
[...] tem a ver com a fase atual do capitalismo, que entrou em profunda crise de
caráter estrutural, situação em que a classe dominante, não podendo se impor
racionalmente, precisa recorrer a mecanismos de coerção, combinados com
iniciativas de persuasão que envolvem o uso maciço dos meios de comunicação e a
investida no campo da educação escolar, tratada como mercadoria e transformada
em instrumento de doutrinação. O segundo componente tem a ver com a
especificidade da formação social brasileira, marcada pela persistência de sua
classe dominante, sempre resistente em incorporar a população, temendo a
participação das massas nas
decisões políticas. É essa classe dominante que, agora, no contexto da crise
estrutural do capitalismo, dá vazão ao seu ódio de classe, mobilizando uma direita
raivosa que se manifesta nos meios de comunicação convencionais, nas redes
sociais e nas ruas. (SAVIANI, 2018, p. 781-782, grifos nossos)
O Brasil, nesse sentido, embora esteja inserido em uma crise estrutural de natureza
global, apresenta características particulares, muito em razão da sua formação social de base
escravocrata, patriarcal e elitista vinculada a um capitalismo tardio e dependente (SOUSA,
2019). A ascensão de Michel Temer à Presidência da República, em 2016, expressa esses
interesses históricos vinculados a uma elite do atraso (SOUSA, 2019), uma vez que sua gestão
representou processos de desdemocratização de direitos sociais recém-conquistados,
marcadamente com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016 (EC), conhecida como
proposta do Teto dos Gastos. A aprovação dessa EC deu impulso a uma agenda austericida,
sorvedora de direitos sociais fundamentais, repercutindo fortemente na educação pública.
Como exemplo dessa agenda austericida, trazemos, ainda, a Emenda Constitucional 109/2021
e a Reforma Trabalhista promovida pela Lei n.º 13.467/17, ambas igualmente danosas à
efetivação dos direitos sociais básicos, conforme denuncia a Campanha Nacional pelo Direito
à Educação (CNDE, 2021).
[...] cuando postulamos un tipo de división social situado en el médio del espectro
conceptual, encontramos una forma híbrida que combina características de la classe
explotada con otras de la sexualidade despreciada. Llamaré “bidimensionales” a
estas divisiones. Arraigadas al mismo tiempo en la estructura económica y en orden
de estatus de la sociedad, implican injusticias que pueden atribuirse a ambas as
realidades. Los grupos bidimencionalmente subordinados padecen tanto una mala
distribuición como un reconocimiento erróneo en formas en las que ninguna de estas
injusticias es un efecto de la outra, sino que ambas son primarias y cooriginales. Por
tanto, en su caso, no basta ni una política de redistribuición ni una de
reconocimiento solas. Los grupos bidimensionalmente necessitan ambas.
(FRASER, 2006, p.20, grifos nosso)
2
Segundo Fraser (2009, p.12): “A expressão “enquadramento Keynesiano-Westfaliano” tem o propósito de
assinalar os fundamentos nacionais-territoriais das disputas em torno da justiça no auge do Estado de bem-estar
democrático do pós-guerra, entre os anos 1945 e 1970”.
articulando escalas, níveis e espaços distintos de participação política. Destacamos o item 7,
que defende o monitoramento e consolidação do PNE, “[...] à luz das deliberações das
CONAEs de 2010 e de 2014, e das CONAPEs de 2018 e 2022, como epicentro das políticas
públicas educacionais, instrumento fundamental de articulação do SNE (CARTA DE
NATAL, 2022, p.1).
O item 7 faz importante referência a dois processos de participação democrática
anteriores ao Golpe de 2016, começando pelas conferências nacionais de educação de 2010 e
2014, que deram sustentação ao texto do atual PNE (2014-2024), aprovado sem vetos pela
Presidenta Dilma Rousseff. Em seguida, o texto traz as conferências nacionais populares de
educação realizadas no contexto pós-Golpe de 2016, portanto, fruto da resistência ativa de
parcela representativa da sociedade brasileira, encarnando o espírito do tempo presente que
reclama participação popular democrática nos rumos do país.
Este item estabelece importante aproximação com as formulações de Fraser sobre os
dois níveis da representação ou da dimensão política:
Podemos inferir que o Golpe de 2016, nos termos fraserianos, imprimiu nas políticas
públicas em geral e, em particular, nas políticas educacionais, o que ela chama de falsa
representação “[...] à medida que as regras de decisão política equivocadamente negam
a alguns dos incluídos a chance de participar plenamente, como pares, a injustiça é o que eu
chamo de falsa representação política-comum” (FRASER, 2009, p. 21, grifo da autora). É o
que ocorreu com o FNE e com o CONAE, a partir dos seus respectivos esvaziamentos
iniciados imediatamente ao Golpe em 2016 a partir da Portaria n.º 577/17, do Ministério da
Educação (MEC), que retira os movimentos sociais mais críticos do FNE (ARAÚJO, 2022).
No que diz respeito à dimensão da redistribuição, podemos constatá-la em vários
pontos da Carta de Natal; aqui, destacaremos os cinco primeiros itens do documento:
Nos cincos primeiro itens da Carta de Natal, é possível fazer aproximações ao sentido
‘redistributivo’ presente no conceito fraseriano de justiça social, tendo em vista que todos os
itens são atravessados pela ideia de repartição da riqueza coletivamente produzida pelo
conjunto da sociedade. Entre as proposições, destacamos o item 3, onde se encontra a defesa
de “[...] uma reforma tributária fortemente redistributiva e pela taxação das grandes fortunas”.
Quando analisada a dimensão de “reconhecimento”, também encontramos
aproximações importantes, especialmente, nos itens 23, 24, 26 e 27 da Carta. Vejamos como
exemplo, o item 23:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente ensaio, partindo da compreensão do PNE como um documento da
política pública com status estratégico, buscou-se evidenciar, em um primeiro momento, as
aproximações possíveis entre a teoria de justiça social em Fraser e o documento chamado
Carta de Natal, o qual visa embasar a construção de um novo PNE, em consonância com as
demandas do povo brasileiro.
Em um segundo movimento, considerando a complexidade vivida no Brasil no
momento atual, marcado pelas expectativas que cercam a transição de um governo em nível
federal, que atuou a partir de políticas de caráter austericida, desdemocratizante e genocida
para um governo que se anuncia como democrático e progressista, nosso esforço foi no
sentido de evidenciar a CONAPE e o documento dela resultante como um movimento de
resistência ativa da sociedade civil organizada no país, que tem potencial para contribuir na
efetivação de um projeto educacional emancipador.
Concluímos, a partir da análise do documento coletivo intitulado Carta de Natal –
CONAPE da Esperança, que o conteúdo deste apresenta estreita aproximação com a Teoria
Tridimensional de Justiça Social de Fraser, pois nos itens presentes ao longo do documento
estão presentes as dimensões da representação, da redistribuição e do reconhecimento como
bases orientadoras para a formulação do novo PNE.
Neste momento, nos alinhamos a Fraser (2022), quando esta afirma ter a esperança
de, pelo menos com o pensamento, atravessar a condição por ela nominada como pós-
socialista “[...] com a esperança de sair do outro lado.” Ainda que, no momento presente, não
possamos saber “[...] o que exatamente nos espera desse outro lado.” (FRASER, 2022, p. 23).
O contexto atual do país, ao mesmo tempo em que nos exige um pensamento crítico em
relação à realidade posta, nos exorta à esperança, como grafado no nome do documento aqui
analisado, no sentido de que redistribuição, reconhecimento e representação contribuam para
o fortalecimento da democracia no país.
REFERÊNCIAS
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Disponível em: <https://fnpe.com.br/artigo-a-conape-como-espaco-de-mobilizacao-e-luta-
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SHIROMA, Eneida O.; CAMPOS, Roselane F.; GARCIA, Rosalba Maria C. Perspectiva,
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<http://www.ced.ufsc.br/nucleos/nup/perspectiva.html> Acesso em: 22 de nov. 2022.
Sobre autores:
Maria Luiza Rodrigues Flores. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (PPGEdu/UFRGS). Professora Associada da Faculdade de Educação da
UFRGS, atuando nos cursos de graduação e no Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGEdu/UFRGS). E-mail: [email protected]
Gwerson Gley dos Santos. Docente na Rede Municipal de Ensino de Parauapebas (PA) e
Mestrando em Educação pelo PPGEdu/UFRGS. e-mail: [email protected]