Movimentos Sociais e Conservadorismo
Movimentos Sociais e Conservadorismo
Movimentos Sociais e Conservadorismo
RESUMO
Este trabalho analisa o surgimento e atuação de movimentos sociais conservadores na sociedade brasileira no início
do século XXI. Diante da ascensão do conservadorismo no Brasil, como surgem e se estruturam os movimentos
sociais conservadores? Quem são os participantes desses movimentos? Quais são suas bandeiras de luta? E quais
as consequências de sua atuação para o governo da presidente Dilma? No âmbito das ciências sociais, após os anos
70 até final do século XX, os movimentos sociais brasileiros ficaram conhecidos como sujeitos sociais
progressistas, construtores da sociedade civil organizada, defensores dos direitos humanos e dos direitos de
cidadania (TOURAINE, 1989; DOIMO, 1995 e GOHN, 1997). Essa premissa norteou grande parte dos estudos
sobre ações coletivas no Brasil, num contexto sociopolítico de forte crise econômica nos anos 80, governos de
transição democrática e neoliberais mais tarde. Esta pesquisa é documental e privilegia técnicas de metodologia
qualitativa, como análise de conteúdo. O ambiente político de emergência e atuação dos atores sociais progressistas
foi adverso, porém nos anos 90 esses atores parecem ceder espaço às Organizações Não Governamentais (ONG),
que, por vez, assumem o protagonismo no desenvolvimento de ações de políticas públicas em parceria com o
Estado, participação em gestão pública e maior democratização do Estado. Mas, em meados da segunda década
do século XXI, tanto ONG quanto movimentos sociais progressistas convivem e disputam espaços com os
novíssimos movimentos sociais conservadores que pautam políticas neoliberais.
ABSTRACT
This paper analyzes the emergence and performance of conservative social movements in Brazilian society at the
beginning of the 21st century. Faced with the rising of conservatism in Brazil, how do conservative social
movements emerge and structure themselves? Who are the participants in these movements? What are theirs
fighting flags? And what are the consequences of their acting for the government of President Dilma? In the social
sciences, from the 1970s until the end of the 20th century, Brazilian social movements became known as
progressive social subjects, constructors of organized civil society, defenders of human rights and citizenship rights
(TOURAINE, 1989; DOIMO, 1995 e GOHN, 1997). This premise guided a large part of the studies on collective
actions in Brazil, in a socio-political context of a strong economic crisis in the 1980s, later democratic and
neoliberal transition governments. This research is documentary and privileges techniques of qualitative
methodology, such as content analysis. The political environment of emergence and action of progressive social
actors was adverse, but in the 1990s these actors seem to give way to nongovernmental organizations (NGOs),
which, at the same time, play a leading role in the development of public policy actions in partnership with State,
participation in public management and greater democratization of the State. But in the middle of the second
decade of the 21st century, both NGOs and progressive social movements coexist and compete with the new
conservative social movements that govern neoliberal policies.
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O autor do artigo recebeu apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Piauí (FAPEPI) para
apresentação do mesmo no XXXI Congresso Latino-Americano de Sociologia, realizado entre nos dias 03 e 08 de
dezembro do ano de 2017, em Montevideo – Uruguaio.
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Professor Adjunto IV no Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Humanas e Letras da
Universidade Federal do Piauí (UFPI - Brasil), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e
Programa de Pós-graduação em Gestão Pública da supracitada Universidade, na condição de docente permanente.
[email protected]
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Introdução
Após um histórico período de lutas dos atores sociais coletivos brasileiros por demandas
de direitos e redemocratização do país, nos anos de 1990 eles se aproximam do estado com
desenvolvimento de política de parceria e, a partir de 2003, com a chega das forças políticas de
centro-esquerda ao poder federal, voltam-se ainda mais para ação colaboracionista de convênios
com o estado. De certa forma, essa relação de colaboração ao longo dos anos fez os movimentos
sociais progressistas desenvolverem sua agenda de ação numa relação de dependência das
políticas governamentais. E, mais recentemente, numa conjuntura de arrefecimento desses
atores, surge no Brasil movimentos sociais conservadores.
Esse processo mais intenso de colaboração da sociedade civil organizada e Estado durou
aproximadamente um decênio, fazendo avançar aspectos de democratização das relações
institucionais por meio da intensificação dos conselhos setoriais de políticas públicas,
conferencias municipais, estaduais e nacionais, audiências públicas e orçamentos
participativos. Esse processo avançou para flexibilização das relações Estado-sociedade,
institucionalização de política de parceria dos movimentos sociais e Organizações Não
Governamentais (ONGs) com governos e a construção do Marco Regulatório das Organizações
da Sociedade Civil, denominado MIROSC3. Outro ponto relevante no processo de
democratização do Estado-sociedade civil, nos governos de forças políticas de centro-esquerda,
a publicação do Decreto nº 8.243\2014 que institui a Política Nacional de Participação Social.
Mas, dias depois de sua publicação a Câmara dos Deputados o cancelou, alegando que o mesmo
interferia na ação parlamentar. Esses dois exemplos do processo de democratização do Estado
mostram limites na política brasileira que ora se apresenta progressista outrora conservadora.
Após esse processo de avanço e recuo na democracia, instalação de uma crise
econômica e rápido aumento do desemprego entre 2014 e 2015, setores das elites política e
econômica insatisfeitos com suas perdas pela crise, a classe média insatisfeita por quase ser
preterida nas políticas sociais e setores populares querendo mais acesso ao mercado de
consumo, embalados na onda do conservadorismo que avançava mundialmente, vão às ruas das
cidades brasileiras contra a corrupção política e o governo e organizam os novíssimos
movimentos sociais conservadores. Esses novíssimos atores conseguem apoio de setores das
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Lei Federal nº 13.204\2015 estabelece regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não
transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em
regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política
de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de
fomento.
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elites política, econômica e midiática (SOUZA, 2016; CHAUI, 2016; LOWY, 2016),
mobilizam-se por meio das redes sociais na internet e, aos poucos, vão e se mantém nas ruas
em dezenas, centenas, milhares no ano de 2014 contra os altos gastos da copa mundial de
futebol, a corrupção política e até hostilizam a presidente no evento de abertura oficial da copa.
Após as eleições de 2014, para presidente da república, dão continuidade as articulações
pela internet, manifestações públicas com milhares de pessoas empunhando a bandeira de
oposição ao governo da Presidente Dilma, oposição ao Partido dos Trabalhadores (no governo
desde de 2003) e um discurso de anticorrupção e, assim, transformam-se em base social do
impeachment da presidente ocorrido em agosto de 2016.
Ao contrário dos movimentos sociais do final do século XX, de caráter progressista e
pela democratização do Estado, os do início do século XXI apresentam espectro conservador,
elitista e defensores de políticas neoliberais. Nesse sentido, buscar-se-á, com este trabalho,
apresentar considerações acerca da ascensão de dois movimentos sociais conservadores,
nomeado Movimento Vem Prá Rua (VPR) e Movimento Brasil Livre (MBL) atualmente
tentando se firmar na sociedade brasileira.
Movimento Passo Livre – MPL, a princípio, que dizer, no início das manifestações
públicas denominadas no Brasil de jornadas de junho de 2013, parte da literatura que analisa
essas manifestações remete sua origem ao processo de estrutura social excludente (BRAGA,
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O movimento Occupy Wall Street (OWS, ou "Ocupe Wall Street) foi um protesto que começou em 17 de
setembro de 2011, no Zuccotti Park, no distrito financeiro de Wall Street, em Nova York. A revista Adbusters, de
caráter anticonsumista e pró-meio ambiente, organizou a chamada para o protesto inspirada nos movimentos
árabes para a democracia. Os manifestantes foram forçados a sair do Parque Zuccotti em 15 de novembro de 2011.
Depois de várias tentativas frustradas de voltar a ocupar o local original, os manifestantes voltaram seu foco para
a ocupação de bancos, sedes corporativas, faculdades e universidades. https://seuhistory.com/hoje-na-
historia/movimento-ocupe-wall-street-comeca-em-nova-iorque
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A pesquisa foi feita nas capitais de sete estados (SP, RJ, MG, RS, PE, CE, BA) e em Brasília na quinta-feira, dia
20 de junho de 2013. Foram entrevistados 2002 manifestantes com 14 anos ou mais, com margem de erro de 2
pontos percentuais para mais ou para menos.
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mais transparência na área de transporte público 0,1% e; pelo passe livre para estudantes e
desempregados 0,5%.
Sobre o ambiente político 65,0% se colocavam da seguinte forma: contra a corrupção e
desvios de dinheiro público 49,0%; necessidade de mudança política 11,4%; insatisfação com
governantes em geral 9,9%; insatisfação com políticos em geral 7,8%; contra partidos e sistema
partidários brigas partidárias 0,2% e; contra o salário dos políticos 0,4%.
O instituto ainda buscou saber a opinião dos manifestantes sobre os gastos da Copa
Mundial de Futebol, realizada no Brasil no ano de 2014. Nesse item manifestaram-se 30,9%.
Destes, acreditavam que havia desvios de dinheiro 13,8%; gastos acima do orçamento 7,7%;
dinheiro que poderia ser gasto com outras coisas mais importantes 12,4% e; contra a Copa ser
realizada no Brasil somente 0,2%.
O perfil dos participantes das manifestações de junho de 2013 apresenta a seguinte
composição: masculino 50% e feminino 50%. Idade: de 14 a 24 anos 43%; de 25 a 29 anos
20%; de 30 a 39 anos 18% e; 40 ou mais anos 19%. Escolaridade: até colegial iniciado 8%;
colegial completo ou ensino superior iniciado 49% e; ensino superior completo 43%. Renda:
15% com renda familiar de até 2 salários mínimos; 30% com renda familiar acima de 2 até 5
salários mínimos; 26% têm renda familiar acima de 5 até 10 salários mínimos e; 23% têm renda
familiar acima de 10 salários mínimos. Trabalho: 76% trabalhavam e 24% não trabalhavam.
Estudo: 52% estudavam e 48% não estudavam. Participação em manifestações: 54% tinham
participado de outras manifestações e 46% participavam pela primeira vez.
6 Operação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal contra a corrupção na PETROBRAS. As denúncias
se aprofundaram e no decorrer da campanha eleitoral foram presos diretores da empresa e um doleiro. Estes presos
fizeram acordo de delação premiada com a justiça e levou a prisão, em 17 de novembro de 2014, a mais de 20
pessoas: políticos, executivos e presidentes de grandes empresas brasileiras com contrato com a PETROBRAS,
acusadas de pagamento de propina a representante de partidos políticos e diretores da empresa para ganhar
licitações em obras de expansão da petrolífera. Executivos das empresas Queiroz Galvão, Mendes Junior, Camargo
Correia, OAS e outras foram presos e processados. Em janeiro de 2018 já havia mais de 140 pessoas sentenciadas
e presas, inclusive o ex-presidente da Câmara dos Deputados Federais e um senador (presos no mandato), ex-
ministros dos governos de Lula, Dilma e Temer e o ex-presidente Lula julgado e condenado no dia 24 de janeiro
de 2018 pela 8ª turma do Tribunal Regional Federal do Estado do Rio Grande do Sul a mais de 12 anos de prisão.
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Igualmente ao VPR o Movimento Brasil Livre (MBL) foi também criado no calor da
campanha eleitoral de 2014, no mesmo processo de insatisfação com o resultado das eleições
da chapa derrotada, apoio explícito de empresários, políticos conservadores e setores da mídia
conservadora. Foram lideranças jovens, em 2014, que assumiram o processo de
institucionalização do movimento, em articulação com fundações e institutos Nortes
Americanos (defensoras do liberalismo econômico e financiadoras da formação de jovens
lideranças inclinadas ao neoliberalismo) articulados com o meio empresarial (AMARAL,
2016). Esse movimento, com apoio de empresários e políticos conservadores, rapidamente foi
organizado em quase todos os Estados da federação por meio das redes sociais na internet: face-
book, e-mails e WhatsApp para puxar a mobilização da sociedade às manifestações de rua contra
os governos do PT. Juntamente com o VPR, tornaram os principais articuladores e
convocadores das manifestações de 2015 e 2016, em protesto ao Partido dos Trabalhadores, o
governo da Presidente Dilma e pelo impeachment. Eles impulsionaram uma onda de ações
conservadoras e intolerância política aos partidos, políticos, lideranças e gestores de esquerda,
a quem atribuíam a corrupção no Brasil.
Inicialmente o MBL surge com um discurso de movimento ante partidário, não aceita o
envolvimento de seus líderes com partidos políticos, sua bandeira principal era contra a
corrupção e contra a roubalheira nos governos e nas empresas públicas. Mas esse discurso
pouco durou, foi mais uma falaça para ganhar aderência na sociedade que historicamente afere
baixa credibilidade aos políticos que ela elege, pelo mal desempenho em seus mandatos,
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Posteriormente a coleta dessas informações o MBL fez uma revisão nos conteúdos publicados no site do
movimento e disponibilizou novamente com o título de propostas aprovadas no primeiro congresso nacional do
MBL.
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Considerações finais
pelo PT, criação de vários programas e políticas sociais que amenizaram a exclusão social, a
miséria, a pobreza e criou certo grau de insatisfação na classe média. A ascensão econômica de
parte das pessoas das camadas populares originou uma classe trabalhadora precarizada, mas
com acesso ao mercado de consumo. Parte das pessoas que obteve acesso aos bens de consumo,
formação escolar e serviços públicos, com a crise econômica de 2014, viu suas chances de
ascender ainda mais economicamente severamente afetada e, sem pensar nas consequências,
junta-se ao setor da classe média insatisfeita, saem às ruas em protesto com apoio da mídia, de
políticos conservadores e de empresários também insatisfeitos.
O sinal dessa insatisfação foi dado nas jornadas de junho de 2013, organizadas por
jovens de classe média e de camadas populares conectados à internet e estimulados pelos ares
da primavera árabe. Logo depois, uma onda de conservadorismo surgiu e explodiu em
manifestações de rua contra o governo de centro-esquerda, a corrupção política e o PT,
permanecendo até derrubar o governo. Nascem desses processos o Movimento Vem Prá Rua e
o Movimento Brasil Livre, assumidamente conservadores, estruturam-se rapidamente em quase
todos os estados brasileiros com grupos de jovens e profissionais liberais da classe média
apoiados por partidos políticos conservadores e uma pauta de políticas neoliberais, redução das
funções do estado e extinção de direitos sociais. Porém, o MBL apresenta ideias programáticas
neoliberais mais consistentes e seus líderes defendem nas campanhas por cargos eletivos nos
partidos conservadores como PSDB, DEM, PRB e PV.
Concluindo, há evidências que o saldo das manifestações de protesto contra os governos
do PT e suas políticas sociais será uma sociedade mais conservadora, intolerante e
preconceituosa. Nascerá daí uma disputa de espaço político, significação social e convivência
conflituosa entre atores sociais progressistas e conservadores, possivelmente constitutivos de
novos traços da sociedade civil brasileira.
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