Cuidador Informal de ELA

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Sónia Cristina Bessa Teixeira

Avaliação do estado de saúde dos cuidadores de doentes


com Esclerose Lateral Amiotrófica

Tese de Mestrado apresentada para a


obtenção do grau de Mestre em Cuidados
Paliativos. Trabalho efetuado sob a
Orientação de Mestre Edna Maria Fonseca
Gonçalves

VII CURSO DE MESTRADO EM CUIDADOS PALIATIVOS

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

PORTO, 2017
“Muito cuida quem precisa de cuidados...

E assim permanecemos até hoje. Fortes na nossa fragilidade.

Cuidando-nos.”

(João Morgado in Diário dos Infiéis)


Agradecimentos

À Sofia que mesmo sem entender bem porquê, na sua inocência de criança, sabia
quando roubar um colinho ou “estudar” com a mãe.

Ao meu marido e irmão pelos empurrões, silêncios e sorrisos diários, que


souberam sempre dar.

A toda a minha família fonte de amor e conhecimento, que desde cedo me


ensinaram a importância do cuidar e de nos deixarmos ser cuidados.

Às pessoas com quem diariamente trabalho, exemplos de dedicação, empenho e


superação, que comigo sempre partilharam o saber, a ciência e os valores dos
Cuidados Paliativos.

Aos cuidadores e doentes que todos os dias me ensinam um pouco mais, exemplos
de força e resiliência, no meio do caos causado pela doença.

Resumindo, agradeço a todos que preenchem a minha vida e o meu coração, que
direta ou indiretamente, facilitaram a minha caminhada e permitiram a conclusão
deste trabalho.
Resumo

Introdução: A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa,


progressiva, incurável e muito incapacitante. Esta carateriza-se pela instalação de um
quadro de fraqueza muscular que evolui até à perda total de controlo e uso de todos os
músculos estriados do corpo. Com a progressão da doença, o doente com ELA fica
totalmente dependente de terceiros assumindo assim o cuidador um papel preponderante na
resposta não só às necessidades físicas como também psicológicas e emocionais deste. O
cuidador de um doente com ELA vivência um conjunto de tensões externas e internas com
consequências no seu bem-estar e estado de saúde.

Objetivos: Avaliar o estado de saúde e o nível de sobrecarga de cuidadores de doentes


com ELA seguidos num Serviço de Cuidados Paliativos para futuramente intervir e
minimizar a consequência que advém do ato de cuidar.

Metodologia: Estudo quantitativo prospetivo realizado num hospital universitário, de 17


de janeiro a 31 de maio de 2017, com recurso a um questionário elaborado para o efeito,
constituído pela escala de saúde Medical Outcomes Study Short Form Health Survey-36
Item, version 2 (MOS SF-36), para avaliar a perceção do estado de saúde do cuidador e a
escala de Zarit Burden Interview (ZIB) para determinar o nível de sobrecarga percebido
por este. Estas escalas foram usadas nas versões adaptadas e validadas para a população e
língua portuguesa. O grau de funcionalidade do doente foi avaliado pela Amyotrophic
Lateral Sclerosis Functional Rating Scale Revised (ALSFRS-R).

Resultados: Foram incluídos no estudo 18 cuidadores de doentes com ELA com ALSFR-
R 23,9 ± 12,5, maioritariamente cônjuge (n= 15), com uma mediana de idades de 61 anos
(29 a 77 anos) e um tempo gasto por dia a cuidar que variou entre 2 e 24 horas (M ± DP:
12,9 ±9,0). Os sintomas mais vezes referidos pelos cuidadores foram alterações do apetite
(50%) e insónia (33,3%). Com exceção da dimensão vitalidade (M ± DP: 40,8 ±21,5) todos
as outras dimensões da escala MOS-SF 36 apresentaram médias superiores a 50
(componente saúde física – 64,4 ± 28,9; componente saúde mental – 56,4±24,4). Nove
cuidadores (50%) consideram que não houve alterações significativas na sua saúde. Oito
(44,4%) apresentavam, pela escala de ZBI, níveis de sobrecarga moderada a severa e 8
moderada (M ± DP: 23,4 ± 12,5). Existe uma correlação negativa, entre o ALFRS-R e o
grau de sobrecarga dos cuidadores (p = 0,008) e entre este e as dimensões da dor física (p =
0,031) e da saúde mental (p = 0.004) da escala de MOS SF-36. Foi positiva a correlação
entre a idade do cuidador e o seu grau de desempenho físico (p = 0,033) e emocional (p =
0,019). A quantidade de tempo despendido nos cuidados aumenta a sobrecarga dos
cuidadores (p = 0,05) mas não se correlaciona com o estado de saúde por eles percebido.

Conclusões: Embora os cuidadores de doentes com ELA apresentem níveis de sobrecarga


moderada a severa, o estado de saúde percebido pelos mesmos é satisfatório, sendo a
componente mental a mais afetada, particularmente o nível de vitalidade. Os níveis de
sobrecarga do cuidador correlacionam-se com o grau de funcionalidade do doente e a
quantidade de tempo despendido nos cuidados mas o tempo despendido nos cuidados não
se correlaciona com o estado de saúde percebido pelos cuidadores.

Palavras-chave: ELA, cuidador, sobrecarga, estado de saúde.


Abstract

Introduction: Amyotrophic lateral sclerosis (ALS) is a highly incapacitating, incurable


progressive neurodegenerative disease. It´s characterized by the settlement of muscular
weakness, evolving tol the total loss of control and use of all the body striated muscles.
With disease progression, the ALS patient becomes totally dependent on caregivers, who
assume a ruling role, assuring response not only to the physical as well as the
psychological and emotional needs of the patient. The ALS patient´s caregiver experiences
a set of external and internal pressures, with consequences on their well-being and health
status.

Objectives: To evaluate the health status and the level of burden of caregivers of patients
with ALS followed by a Palliative Care Service in order to intervene and minimize the
consequences of caring.

Methods: Prospective quantitative study conducted at a university hospital, from January


17 to May 31, 2017, using a questionnaire developed for this purpose, consisting of the
Medical Outcomes Study Short Form Health Survey-36 Item, version 2 (MOS SF-36 v 2)
health scale, to evaluate the perception of the health status of the caregiver and the Zarit
Burden Interview (ZIB) scale to determine the level of burden perceived by it. These scales
were used in the versions adapted and validated for the population and Portuguese
language. The patient´s degree of functionality was evaluated by the Amyotrophic Lateral
Sclerosis Functional Rating Scale Revised (ALSFRS-R).

Results: The study analyses 18 caregivers of ALS patients with an ALSFR-R 23,9 ± 12,5,
mostly spouse (n= 15), with a median age of 61 years-old (from 29 to 77 years-old) and a
time spent caring per day that varied between 2 and 24 hours (M ± DP: 12,9 ± 9,0). The
symptoms most frequently reported by caregivers were appetite changes (50%) and
insomnia (33.3%). With the exception of the vitality dimension (M ± DP: 40.8 ± 21.5) all
other dimensions of the MOS-SF 36 scale showed averages above 50 (physical health
component –64.4 ± 28.9; mental health component – 56.4 ± 24.4). Nine caregivers (50%)
consider that there were no significant changes in their health. Eight (44.4%) registered
moderate to severe levels of overload, on the ZBI scale, and 8 moderate levels (M ± DP:
23.4 ± 12.5). There is a negative correlation between the ALFRS-R and the degree of
caregivers' overload (p = 0.008), and between the latter and the dimensions of physical
pain (p = 0.031) and mental health (p = 0.004) on the MOF SF-36 scale. The correlation
between the age of the caregiver and the degree of physical performance (p = 0.033) and
emotional performance (p = 0.019) was positive. The amount of time spent in care
increases the caregivers' overload (p = 0.05) but does not correlate with the health status
perceived by them.

Conclusions: Although the caregivers of patients with ALS present moderate to severe
levels of overload, the health status perceived by them is satisfactory, with the mental
component being the most affected, particularly the level of vitality. The caregiver’s
overload levels correlate with the degree of functionality of the patient and the amount of
time spent in care but the time spent in care does not correlate with the health status
perceived by caregivers.

Keywords: ALS, caregiver, burden, health condition.


Índice

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13

CAPITULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ....................................................... 15

1. ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA ......................................................................... 16


1.1 Definição ........................................................................................................... 16
1.2 Epidemiologia ................................................................................................... 16
1.3 Manifestações clínicas....................................................................................... 18
1.4 Diagnóstico........................................................................................................ 19
1.5 Evolução da doença e controlo sintomático ...................................................... 21
2. PAPEL DOS CUIDADOS PALIATIVOS NA ELA ............................................................. 24
3. PAPEL DO CUIDADOR DO DOENTE COM ELA............................................................. 27

CAPITULO II – METODOLOGIA ................................................................................ 30

4. METODOLOGIA .......................................................................................................... 31
4.1 Objetivos de estudo e questão de investigação ................................................. 31
4.2 Hipóteses de investigação ................................................................................. 31
4.3 Variáveis do estudo ........................................................................................... 32
4.4 Tipo de estudo ................................................................................................... 33
4.5 População e amostra .......................................................................................... 33
4.6 Instrumento de recolha de dados ....................................................................... 34
4.6.1 – Dados sociodemográficos ............................................................................. 35
4.6.2 – Escala MOS SF-36 v 2 ................................................................................. 35
4.6.3 – Escala ZBI .................................................................................................... 37
4.6.4 – Escala ALSFRS-R ........................................................................................ 39
4.7 Recolha e tratamento de dados .......................................................................... 40
4.8 Considerações éticas ......................................................................................... 41

CAPITULO III – RESULTADOS ................................................................................... 43

5. RESULTADOS ............................................................................................................. 44
5.1 Resultado da escala ALSFRS-R........................................................................ 45
5.2 Caraterização da amostra dos cuidadores de doentes com ELA ....................... 45
5.3 Caraterização da experiência enquanto cuidador e ajudas disponíveis ............. 48
5.4 Caraterização do estado de saúde do cuidador (Parte II – Secção A do
questionário) ................................................................................................................. 49
5.5 Resultados da escala MOS SF-36 v 2 ............................................................... 50
5.6 Resultados da escala de ZBI.............................................................................. 52
5.7 Hipóteses de Investigação ................................................................................. 55

CAPITULO IV – DISCUSSÃO ........................................................................................ 61

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................................................... 62


7. LIMITAÇÕES DO ESTUDO ............................................................................................ 70

CAPITULO V – CONCLUSÕES..................................................................................... 72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 74

ANEXOS ............................................................................................................................ 83

ANEXO I – QUESTIONÁRIO.............................................................................................. 84
ANEXO II – CONSENTIMENTO INFORMADO ..................................................................... 92
ANEXO III – PARECER DA COMISSÃO DE ÉTICA DO CHSJ, EPE ...................................... 95
ANEXO IV – AUTORIZAÇÃO DO USO DA ESCALA MOS SF-36 V 2 ................................ 100
ANEXO V – AUTORIZAÇÃO DO USO DA ESCALA ZBI .................................................... 102
Índice de tabelas

Tabela I – Critérios de diagnóstico da ELA segundos os Critérios El Escorial Revistos


segundo o consenso de Awaji-Shima (adaptado e traduzido de 17) ............................. 20
Tabela II – Tratamento sintomático na ELA (adaptado e traduzido de11)........................... 22
Tabela III – Variáveis do estudo.......................................................................................... 33
Tabela IV – Critérios de inclusão e exclusão na amostra .................................................... 34
Tabela V – Níveis de sobrecarga segundo a escala de ZBI ................................................. 38
Tabela VI – Constituição dos domínios da escala de ZBI (adaptada e traduzida de 34)...... 38
Tabela VII – Constituição dos domínios da escala de ZBI (adaptada e traduzida de 37...... 39
Tabela VIII – Análise dos valores da escala ALSFRS-R e seus domínios ......................... 45
Tabela IX – Caraterização sociodemográfica da amostra por sexo, grau de parentesco com
o doente, estado civil, escolaridade e situação laboral ................................................. 46
Tabela X – Caraterização do agregado familiar dos cuidadores da amostra ....................... 47
Tabela XI – Caraterização do tempo de diagnóstico e tempo médio gasto nos cuidados ao
doente ........................................................................................................................... 48
Tabela XII – Caraterização da presença de ajuda na prestação dos cuidados ..................... 48
Tabela XIII – Caraterização das ajudas técnicas usadas pelo doente e cuidador ................ 49
Tabela XIV – Caraterização da existência de problemas de saúde e do regime terapêutico
do cuidador ................................................................................................................... 50
Tabela XV – Caraterização dos sintomas manifestados pelo cuidador de acordo com a sua
intensidade.................................................................................................................... 50
Tabela XVI – Análise das dimensões da escala MOS SF-36 .............................................. 51
Tabela XVII – Análise da escala de mudança de saúde da MOS SF-36 v 2 ....................... 51
Tabela XVIII – Níveis de sobrecarga sentida pelo cuidador segundo escala de ZBI ......... 52
Tabela XIX – Percentagens de respostas obtidas nas questões da escala de ZBI ............... 54
Tabela XX – Análise das correlações entre as variáveis (teste de correlação de Pearson) . 56
Tabela XXI – Análise da variância entre as variáveis (teste ANOVA) .............................. 58
Índice de figuras

Figura I – Modelo factorial da SF-36 com duas componentes30 ......................................... 36


Figura II – Diagrama do sistema de pontuação do SF-3630................................................. 37
Figura III – Processo de constituição da amostra ................................................................ 44
Figura IV – Gráfico de distribuição das idades da amostra por classes .............................. 46
Figura V – Gráfico representativo da prática de religião e importância desta na prestação
dos cuidados ................................................................................................................. 47
Figura VI – Experiência prévia como cuidador................................................................... 49
Figura VII – Pergunta número 9 da MOS SF-36 v 1........................................................... 71
Figura VIII – Pergunta número 9 da MOS SF-36 v 2 ......................................................... 71
Lista de siglas, abreviaturas e acrónimos

ALSFRS-R – Amyotrophic Lateral Sclerosis Functional Rating Scale Revised

CHSJ, EPE – Centro Hospitalar S. João, Entidade Pública Empresarial

CP – Cuidados Paliativos

DC – Dor física

DE – Desempenho emocional

DF – Desempenho físico

DP – Desvio padrão

EMG – Eletromiografia

ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica

FF – Função física

FS – Função social

FMUP – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Max – Máximo

MOS SF-36 v 2 – Medical Outcomes Study Short Form Health Survey-36 Item, version 2

Min – Mínimo

NMS – Neurónio Motor Superior

NMI – Neurónio Motor Inferior

QdVRS – Qualidade de vida relacionada com a saúde

SOD1 – Superoxide dismutase 1

SG – Saúde Geral

SM – Saúde Mental

SPSS – Statistical Package for the Social Sciences

V – Vitalidade

ZBI – Zarit Burden Interview


Introdução

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa, progressiva,


incurável e muito incapacitante. Esta carateriza-se pela instalação de um quadro de
fraqueza muscular, que pode inicialmente afetar um grupo específico de músculos do
corpo mas que evolui até à perda total, de controlo e uso, de todos os músculos estriados.1,
2

Assim compreende-se facilmente que há medida que a ELA vai progredindo, as


capacidades do doente em executar tarefas como andar, falar, comer ou respirar, ficam
seriamente comprometidas, tornando-se inevitável o suporte e mesmo a substituição por
terceiros, para a realização das atividades de vida diárias e satisfação das suas necessidades
básicas. Progressivamente o doente fica mais dependente do seu cuidador, até à
dependência total de terceiros e de suporte ventilatório mecânico.3, 4, 5

Geralmente este cuidador surge no seio familiar. É de realçar que família é um conceito
relativo, dinâmico e cultural, definido de diferentes formas pelos autores. Contudo é
consensual que esta é constituída por um grupo de pessoas unidas pelos vínculos do
casamento, parentesco e/ou afinidade.3, 6

Estando o doente inserido num contexto familiar específico, é fácil compreender a reação
única e própria de cada família perante o diagnóstico de uma doença como a ELA. E no
seio desta surge a pessoa significativa para o doente, que se assumirá como seu principal
cuidador e se designa de cuidador familiar ou informal.3, 6

Assim compreende-se facilmente que o diagnóstico de ELA não só afecta o doente mas
todo o sistema familiar. Este tem que se reorganizar para puder responder às necessidades
que surjam. Desta reorganização resultaram alterações nos papéis desempenhados pelos
diferentes elementos do agregado familiar com repercussões de ordem social, laboral,
emocional e financeira, para a família.4, 5, 7

Dada a dependência funcional, que no doente com ELA aumenta com a progressão da
doença, o cuidador informal acaba por assumir a responsabilidade de promover o bem-

13
estar e a satisfação das necessidades deste. Contudo o conciliar isto com as outras tarefas
diárias e a satisfação das suas próprias necessidades, implica um esforço adicional.6

Se por um lado o vínculo que une doente e cuidador fomenta esta relação de compromisso,
por outro lado, leva ao surgimento de diferentes tensões, com implicações físicas,
psicológicas e espirituais em ambos. O cuidador deverá assim ser entendido
simultaneamente como prestador e necessitado de cuidados, pois da sua capacitação e
bem-estar, dependerá a sobrevivência e a qualidade de vida do doente.

Assim no âmbito da unidade curricular Dissertação ou Trabalho Projeto, do VII Mestrado


em Cuidados Paliativos, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP)
considerou-se pertinente a realização de um estudo de investigação que tenha como
objetivo principal a caraterização do estado de saúde dos cuidadores de doentes com ELA.
Pretende-se ainda, descrever as suas características sociodemográficas, bem como o nível
de sobrecarga física, social, emocional e económica a que estão sujeitos.

Para concretizar os objetivos propostos desenvolveu-se um estudo prospetivo, descritivo e


transversal, de natureza quantitativa, com a aplicação de um questionário para colheita de
dados elaborado para o efeito, a aplicar a todos os cuidadores de doentes com ELA,
observados na consulta de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar S. João, Entidade
Pública Empresarial (CHSJ, EPE), entre 17 de Janeiro e 31 de Maio de 2017.

Após realização deste estudo, espera-se obter dados que permitam fomentar não só futuras
investigações mas também realçar a importância de cuidar do cuidador.

14
CAPITULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

15
1. Esclerose Lateral Amiotrófica

1.1 Definição

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa, de etiologia


desconhecida, progressiva e altamente incapacitante, para a qual atualmente ainda não
existe cura.1,2 É a forma mais comum de doença progressiva do neurónio motor, assim
como a mais complexa, afetando o primeiro e segundo neurónio, ao nível do córtex motor,
tronco cerebral e medula espinhal, leva à instalação de um quadro progressivo de fraqueza
muscular.1, 2, 8, 9

Designa-se “Esclerose Lateral” uma vez que se por um lado, a morte dos neurónios
corticais leva a um adelgaçamento nos tratos corticoespinais anteriores e laterais da
medula, por outro, o processo degenerativo é acompanhado da proliferação de astróglia e
da microglia, o que confere à medula uma certa dureza (esclerose).1, 10

A designação “Amiotrófica” surge do facto de se verificar uma atrofia das fibras


musculares (visível quer em biopsias musculares quer no exame clínico), resultante da
morte dos neurónios motores inferiores do tronco cerebral e medula espinal, conduzindo à
desnervação e consequente atrofia das fibras musculares correspondentes. Há assim a
instalação, no doente com ELA, de um quadro clínico de fraqueza muscular, muitas vezes,
assimétrico e a presença de fasciculações.1, 9, 10

1.2 Epidemiologia

A dificuldade em estabelecer um diagnóstico definitivo de ELA torna difícil, a definição


clara do início da doença, o que dificulta o desenvolvimento de estudos epidemiológicos.11

Contudo estima-se que a incidência desta doença na maioria das sociedades é de 1 a 3 por
100.000 pessoas/ano e a prevalência de 3 a 5 por 100.000 pessoas/ano.1 Apesar de se
verificar uma distribuição mais ou menos homogénea, entre os povos, existem focos
endêmicos, como no oeste do Pacífico, onde a prevalência é 50 a 100 superior ao resto do
mundo. Atualmente, nesta zona do planeta verifica-se um decréscimo da incidência de
novos casos.1, 2, 12

Quanto à sua distribuição de acordo com sexo, a incidência é ligeiramente superior nos
homens (1,5:1) e estudos mais recentes descrevem já a diminuição desta proporção.1, 2, 10

16
De salientar que nos casos de ELA familiar a incidência entre homens e mulheres é
semelhante e nos casos de ELA de início bulbar ou em grupos onde o diagnóstico é
realizado em idades mais avançadas verifica-se uma incidência maior nas mulheres.10, 11

A média de idade de início dos sintomas na ELA esporádica varia entre os 55 e os 65 anos,
verificando-se que só em 5% dos casos o início dos sintomas começa antes dos 30 anos de
idade. Os últimos estudos descrevem contudo um aumento dos casos diagnosticados a
pessoas com menos de 30 anos.10, 11

Verifica-se ainda, que 5% a 10% dos casos são hereditários, sendo estes designados de
ELA familiar. Nestes nota-se a existência de um padrão Mendeliano paterno com alta
penetrância e um padrão de herança autossómico dominante.10, 11 O início da doença nos
casos de ELA familiar comparativamente com os casos de ELA esporádicos ocorre mais
cedo, cerca de uma década antes.10

Clinicamente a manifestação e desenvolvimento da doença quer nos casos de ELA familiar


ou esporádica ocorre de forma muito semelhante. Os estudos genéticos a decorrer têm
identificado mutações presentes nos genes, que apesar de mais prevalentes nos casos de
ELA familiar verificam-se também nos casos de ELA esporádica.1

Vários estudos têm sido desenvolvidos nos últimos anos para perceber qual o significado
destas mutações e a forma como estas ocorrem, acreditando-se que será através do estudo
dos genes, que se conseguirá compreender a causa, desenvolver um tratamento eficaz e
quem sabe a cura para a doença.8, 12, 13, 14

Por fim é de salientar que a média de duração da doença, desde o surgimento dos sintomas
até à morte do doente é de 3 anos. Estimando-se que só um em cada cinco doentes,
sobreviva mais do 5 anos e um em cada dez doentes sobreviva mais do que 10 anos.2 E que
a progressão da doença é mais rápida e os doentes apresentam uma sobrevida mais curta
quando os primeiros sintomas se manifestam em idades avançadas, o atingimento dos
músculos respiratórios está presente ou a presença de sintomas bulbares numa fase inicial
da doença.11

17
1.3 Manifestações clínicas

As manifestações clínicas da ELA, na fase inicial da doença são muito variáveis, pois
refletem o grupo específico de músculos afetados pela desnervação resultante da morte dos
neurónios motores comprometidos inicialmente. As manifestações clínicas tendem assim a
serem focais.10, 13

Grande parte dos casos manifestam-se por instalação de quadro de fraqueza muscular
assimétrica nos membros com comprometimento das extremidades distais, sendo mais
comum, um início do comprometimento da função das extremidades distais superiores e só
posteriormente das inferiores. Estes casos são designados de ELA espinhal clássica.1, 2, 10,
11, 13

Nestes casos, os doentes costumam descrever a presença de cãibras, nas primeiras horas da
manhã, associadas a movimentos involuntários e fasciculações nos músculos. Referem um
quadro de início insidioso da fraqueza muscular, geralmente agravado pelo frio.1, 2, 10, 11, 13

Quando a fraqueza se manifesta a nível dos músculos da mão, geralmente os movimentos


finos estão comprometidos e os doentes apresentam, por exemplo, dificuldade em apertar
os botões, segurar uma caneta ou virar a página de um livro.1, 2, 10, 11, 13

Se os primeiros sintomas a manifestarem-se refletirem a desnervação dos músculos


bulbares, o que se verifica em 25% dos casos de ELA, a fala arrastada, a rouquidão, a
incapacidade de cantar ou gritar e a disfagia progressiva são geralmente os principais
sintomas. Estes casos são designados de ELA de início bulbar.1, 2, 11, 13

Nestes doentes a capacidade de mastigar e engolir é afetada precocemente, bem como, os


movimentos faciais e da língua, pelo que apresentem uma perda de peso mais acentuada e
a presença frequente de sialorreia.1, 2, 11, 13

Os casos de ELA em que os primeiros sintomas a manifestarem-se refletem o


comprometimento dos músculos respiratórios, com a instalação de quadro clínico de
hipoventilação são raros. Nestes os doentes referem sentir dispneia e ortopneia, apresentam
alterações no padrão do sono, na capacidade de concentração, irritabilidade e alterações de
humor, bem como, cefaleias, sonolência excessiva durante o dia e anorexia. Representam
cerca de 1% a 2% dos casos de ELA.2, 10, 11, 13

18
Apesar do reconhecimento deste início com atingimento mais focal dos músculos a doença
vai inevitavelmente progredir, seja de forma mais rápida ou lenta, acabando por se estender
a outro grupo de músculos e terminando em último caso por envolver de forma simétrica
todas as regiões do corpo.1, 10, 11
Reconhece-se contudo, que até aos estádios mais
avançados da doença, a capacidade de controlar os esfíncteres anais, vesicais e os
movimentos oculares estão conservados.1, 10

Atualmente com os meios tecnológicos disponíveis, como o suporte ventilatório invasivo,


a doença poderá progredir, até que o doente perca todo e qualquer controlo da musculatura
estriada, o que impede totalmente a comunicação, ficando numa situação designada de
“locked-in”.1, 10

Nos doentes com ELA é também importante valorizar a presença de sinais e sintomas de
depressão, já que independentemente dos sintomas resultarem da doença em si ou do
estado de espírito causado pela dependência física e pelas alterações da comunicação que
resultam da progressão desta, o seu tratamento é importante.10

A evidência da presença de alterações cognitivas e comportamentais, nos doentes com


ELA, está também descrita e estudos mais recentes referem que em 30% dos casos há
comprometimento cognitivo, principalmente no que concerne há função executiva. A
presença de quadros de demência frontotemporal nos doentes com ELA está também
documentada verificando-se em cerca de 14% dos casos.14

A presença de alterações cognitivas e comportamentais, numa fase inicial da doença é


sinónima de mau prognóstico e verifica-se que nestes doentes, a doença progride mais
rapidamente.14

1.4 Diagnóstico

O diagnóstico de ELA é clínico e de exclusão. Fundamentando-se na presença de um


quadro clínico caraterizado por sinais e sintomas de degeneração do neurónio motor
superior e inferior, que se instala de forma progressiva e continua.1, 15, 16

Só é feito após exclusão de todas as outras patologias que possam explicar este mesmo
quadro clínico, recorrendo a uma correta avaliação física, colheita pormenorizada da
história pessoal e familiar do doente e a múltiplos exames laboratorias.1, 15, 16

19
A ausência de um marcador biológico ou de exames específicos que facilitem o
diagnóstico, o facto da doença se apresentar de formas tão distintas, a falta de preparação
dos profissionais para reconhecer a sintomatologia e a dificuldade em interpretar os
resultados das imagens neurológicas faz com que este seja um processo complexo e que
desde o surgimento dos primeiros sintomas até um diagnóstico de ELA demore-se em
média cerca de 14 – 16 meses.11, 15, 16

Em pelo menos 30% a 50% dos casos, um diagnóstico incorreto é feito, antes do definitivo
de ELA. Este processo demorado de diagnóstico acaba por ter várias repercussões para o
doente e sua família pois dificulta o processo de adaptação à doença, a instituição de uma
terapêutica adequada e o controlo sintomático.11, 15, 16

Dada esta dificuldade em se estabelecer um diagnóstico definitivo foram organizadas três


conferências (1990 – El Escorial; 1998 – Airlie House e 2006 – Awaji-Shima) que
reuniram peritos de todo o mundo e procuraram o consenso na definição de critérios de
diagnóstico da ELA, com os principais objetivos de fornecer aos clínicos critérios
específicos de diagnóstico, reduzir os erros e o tempo decorrido no processo. (Tabela I)
17,18,19,20

Tabela I – Critérios de diagnóstico da ELA segundos os Critérios El Escorial Revistos


segundo o consenso de Awaji-Shima (adaptado e traduzido de 17)
ELA clinicamente definida
Sinais clínicos de desnervação do NMS e NMI ou evidências eletrofisiológicas em três
regiões anatómicas
ELA clinicamente definida com suporte laboratorial
Sinais clínicos de desnervação do NMS e / ou de NMI em uma região e o doente ser portador
de uma mutação patogénica do gene SOD1
ELA clinicamente provável
Evidência clínica ou eletrofisiológica de desnervação do NMS e NMI em duas regiões em
que os sinais do NMS sobrepõem-se os sinais de desnervação do NMI
ELA clinicamente possível
Evidência clínica ou eletrofisiológica de desnervação do NMS e do NMI em uma região. Ou
só sinais de desnervação do NMS em duas ou mais regiões. Diagnostico fundamentado com
recurso a imagens neurológicas e estudos laboratoriais, havendo a exclusão dos outros
diagnósticos possíveis
ELA – Esclerose lateral amiotrófica; NMS – Neurónio Motor Superior; NMI – Neurónio Motor Inferior;
SOD1 – Superoxide dismutase 1

Se o uso destes critérios na prática clínica veio facilitar o diagnóstico e reduzir o tempo do
mesmo, para os doentes e suas famílias, o diagnóstico continua a ser um processo moroso e

20
penoso. Múltiplos têm sido os estudos realizados com o intuito de definir marcadores
biológicos ou genéticos capazes de o fazer de forma mais eficaz.11, 14, 20

1.5 Evolução da doença e controlo sintomático

O impacto do diagnóstico de ELA sobre o doente e sua família é devastador devendo ser a
comunicação deste feita de forma clara e empática, respeitando as vontades e capacidades
dos intervenientes.2, 21

A abordagem na gestão dos cuidados aos doentes com ELA tem evoluído muito nas
últimas décadas sendo reconhecido que a existência de uma equipa multidisciplinar
prestadora de cuidados, que promova o envolvimento do doente e dos cuidadores na
tomada de decisão, facilita o processo de adaptação destes às perdas sucessivas e
progressivas que vão experimentando.2, 9, 10, 11, 21

Estudos demonstram que o acompanhamento por uma equipa multidisciplinar aumenta a


sobrevida destes doentes e conduz ao aumento da sua qualidade de vida.6

Esta equipa deverá ser constituída por especialistas de diferentes áreas, como em cuidados
paliativos, neurologia, pneumologia, fisioterapia, entre outros, que se devem articular e
procurar desenvolver um trabalho continuum desde o diagnóstico até ao apoio dos
familiares no luto.2, 10, 11

O bom controlo dos sintomas físicos e psicológicos, a reabilitação física, a gestão da


comunicação, o assegurar os cuidados nutricionais e respiratórios necessários e a discussão
das questões éticas, legais e diretivas antecipadas de vontade, deverá ser procurado por
todos os envolvidos, para manter a autonomia do doente por tanto tempo quanto possível e
ajudar doente e cuidador a desenvolver estratégias de copping eficazes para lidarem com a
doença.2, 10, 11

Para os doentes o fornecimento de informação acerca dos progressos e estudos que estão a
ser desenvolvidos, bem como das possibilidades terapêuticas que existem para o controlo
sintomático ou a possibilidade destes participarem ativamente em estudos sobre a doença
são elementos de grande importância na promoção da esperança e no enfrentamento da
doença.2

21
Tabela II – Tratamento sintomático na ELA (adaptado e traduzido de11)
Fraqueza e incapacidade Sialorreia
– Ortoteses (ex.: para o tornozelo, colar – Anticolinérgicos (ex. amitriptilina,
cervical) atropina)
– Fisioterapia – Injeções de toxina botulínica nas
– Material adaptativo (ex. andarilho, cadeira de glândulas salivares
rodas) – Radiação das glândulas salivares
– Cuidados orais
Disfagia – Aspiração cavidade bucal
– Terapia da fala e nutricionista
– Técnicas de deglutição seguras e alteração da Secura da boca/saliva espessa
consistência dos alimentos – Remédios naturais (ex. ananás, papaia)
– Gastrotromia – Hidratação adequada
– Nebulizações salinas e N-acetilcisteína
Dispneia e tosse ineficaz – Aspiração
– Suporte ventilatório – Cuidados da boca adequados
– Morfina e benzodiazepinas
– Cinesioterapia respiratória Labilidade emocional
– Técnicas de tosse assistida (manuais e – Ensinos aos doentes com ELA e
mecânica) cuidadores
– Amitriptilina
Dor (ex. músculo-esqueléticas, cãibras, – Benzodiazepinas
fasciculações, espasticidade, imobilidade) – Dextrometorfano hidrobromido/Sulfato
– Fisioterapia, AINEs quinina
– Relaxantes musculares (ex. baclofeno, toxina
botulínica) Depressão e ansiedade
– Anticonvulsivantes (ex. gabapentina) – Apoio psicológico
– Mobilizações passivas e cuidados com zonas – Benzodiazepinas
de pressão – Antidepressivos
– Opioides
– Almofadas e colchões de alívio de pressão Perturbações do sono
– Tratar o problema subjacente
Disartria – Avaliação da função respiratória
– Terapia da fala – Ventilação não invasiva
– Uso de meios aumentativos da comunicação – Benzodiazepinas
– Ensinos à família e os cuidadores – Antidepressivo tricíclico

Alterações cognitivas (disfunção do lobo Obstipação


frontal ou demência) – Alterações na dieta (ex. aumento do
– Explicar sintomatologia aos cuidadores e à consumo de água e fibras)
família – Uso de laxantes
– Antidepressivos

ELA – Esclerose lateral amiotrófica; ex. – exemplo

Atualmente não existe nenhum tratamento capaz de impedir a progressão da doença,


contudo desde 1995 o uso do riluzol foi aprovado para o tratamento destes doentes. Os
seus mecanismos de ação não estão ainda bem esclarecidos, mas estudos clínicos

22
randomizados concluíram que diminui a progressão da doença e aumenta a sobrevida dos
doentes, em cerca de 2 a 3 meses.2, 16

A função respiratória e o estado nutricional necessitam uma atenção especial, primeiro


porque grande parte dos doentes acaba por morrer por falência respiratória e segundo
porque a desnutrição influência o prognóstico. Deve-se contudo, ter em conta o facto de
estes doentes apresentarem um estado hipercatabólico e dificuldades na ingestão de
alimentos.11, 16

Assim na ausência de um tratamento específico dirigido à doença, o tratamento dos


sintomas que vão surgindo torna-se crucial para o bem-estar do doente e cuidador.11
(Tabela II)

23
2. Papel dos Cuidados Paliativos na ELA

Se os cuidados paliativos procuram abordar o doente na sua totalidade e promover a


qualidade de vida deste e da sua família, através de um bom controlo sintomático, da
abordagem dos aspetos sociais, psicológicos e espirituais que resultem da evolução da
doença progressiva e incurável, facilmente se percebe a importância destes na abordagem
aos doentes com ELA.21, 22, 23

Esta doença tem um impacto devastador no doente e sua família pois o declínio
progressivo da capacidade funcional do doente conduze-o a ficar totalmente dependente de
terceiros e para que as necessidades de ambos (doente e família) sejam corretamente
abordadas é necessário uma equipa assistencial multidisciplinar, que se articule
coerentemente.21, 22, 24

A equipa de cuidados paliativos desempenha um papel importante na articulação entre as


diferentes especialidades, bem como no suporte a estas. Por norma, estas especialidades
médicas são formadas para promover a cura e apresentam grande dificuldade em lidarem
com a inevitabilidade da morte, não possuindo as estratégias de comunicação mais
apropriadas.21, 22, 25, 26

Aquando da comunicação do diagnóstico o uso de uma comunicação clara e ajustada ao


doente e sua família, evita que se crie nestes, esperanças irrealistas ou mesmo que ocorra
quebra da confiança na equipa assistencial, situações mais difíceis de trabalhar
posteriormente. Daí que facilmente se entenda que os cuidados paliativos deveriam
acompanhar estes doentes e suas famílias desde a comunicação do diagnóstico.21, 22, 25, 26

Sendo uma doença incurável e progressiva, a equipa de cuidados paliativos pode ajudar o
doente e família a lidar com as perdas consecutivas e sintomas que ocorrem, assim como a
desenvolver mecanismos de adaptação capazes de assegurar a qualidade de vida destes e
um estado funcional aceitável.23, 24

Com a progressão da doença, não só a funcionalidade física fica seriamente comprometida


mas também a capacidade de comunicação e como tal só uma intervenção precoce da
equipa de cuidados paliativos permitirá atempadamente conhecer doente e família,
perceber como estes lidam com as dificuldades, suas interações com o meio que os rodeia e

24
as suas vontades, facilitando assim o processo de tomada de decisões e ajudando na
definição de diretivas antecipadas de cuidados.21, 22, 25, 26

O doente e família são assim entendidos como receptores de cuidados e simultaneamente


intervenientes ativos no processo de tomada de decisão. De forma informada e antecipada
deverão compreender que apesar de não haver cura para a ELA, muito pode ser feito, no
sentido de facilitar a adaptação às perdas que vão ocorrendo e ao controlo dos sintomas
que vão surgindo. É importante que estes percebam que algumas medidas são efetivas no
tratamento sintomático enquanto outras têm por objetivo principal prolongar a vida do
doente.21, 27

Doente e cuidador devem compreender que não existem, escolhas fáceis nem mais
acertadas, que é lícito aceitar ou não as medidas propostas, de acordo com os seus
objetivos e desejos, assim como, que a qualquer momento se pode descontinuar os
cuidados. Devem ainda perceber que a progressão da doença poderá conduzir a um estado
completo de “locked-in”, onde o doente não terá forma de comunicar com o exterior,
sendo por isso importante a discussão atempada das suas vontades.

No processo de tomada de decisão e definição do plano terapêutico, a evidência de


alterações cognitivas e comportamentais nos doentes com ELA deve ser também tida em
consideração visto que estas influenciam muito a qualidade de vida dos doentes e seus
cuidadores, assim como, limitam a capacidade destes em tomar decisões e participarem nas
discussões.26, 27

Decisões como a colocação de uma gastrostomia, uso de ventilação não invasiva ou de


realização de traqueostomia, deverão ser tomadas pela equipa assistencial multidisciplinar,
após avaliação do doente e cuidador, tendo em consideração as vontades expressas pelos
mesmos.25, 27

Neste processo de discussão e tomada de decisão, a equipa de cuidados paliativos tem um


papel primordial dada as suas habilidades comunicacionais e a forma holística como
aborda o doente e cuidador.25, 26, 27

O suporte aos cuidadores é também outro dos pilares dos cuidados paliativos e as
necessidades dos cuidadores de doentes com ELA são inúmeras, já que tal como o doente,
sofrem inúmeros desafios de ordem física, psicológica, socioeconómica e espiritual.

25
Existindo por isso a necessidade de um suporte estruturado, que forneça aconselhamento,
apoio psicológico, soluções para lidarem com o descontrolo sintomático do doente e os
problemas decorrentes da dependência. Este suporte aos cuidadores permanece após a
morte do doente, no luto.24, 26

Por tudo isto, poder-se-á afirmar que uma equipa de cuidados paliativos, inserida na equipa
assistencial multidisciplinar, facilita o controlo sintomático, a definição de objetivos
terapêuticos, a tomada antecipada de decisões e o correto suporte ao cuidador, aumentando
a qualidade de vida destes doentes e seus familiares.21, 26

26
3. Papel do Cuidador do Doente com ELA

Com a progressão da doença, no doente com ELA, ocorrem alterações quer na sua
capacidade de mobilidade, quer na sua capacidade de comunicar, o que o impede de
satisfazer as suas necessidades básicas. Por isso o cuidador assume um papel
preponderante na resposta não só às necessidades físicas como também sociais e
psicológicas deste.3, 4, 5

Este cuidador geralmente é um familiar ou pessoa com algum laço afetivo com o doente. É
importante para a manutenção da vida deste e para o processo de definição de um plano
terapêutico. É designado por cuidador familiar ou informal, visto não ser remunerado pelos
cuidados que presta e não ter geralmente formação específica.3, 6

Este é confrontado com mudanças a curto prazo e ajustes constantes resultantes do


aumento das incapacidades e do nível de dependência do doente para consigo. Assim
facilmente se compreende que as deficiências físicas, cognitivas e comportamentais do
doente contribuam substancialmente para a morbilidade psicológica e física do cuidador.6

Os recursos individuais, as fragilidades, a posição socioeconômica, o estado de saúde


prévio e o nível de suporte social determinarão os efeitos sobre a saúde do cuidador,
resultantes do ato de cuidar. Este, vivência fortes tensões internas e externas, que se
refletem no seu bem-estar emocional e físico.4, 5, 6, 7
Muitas vezes, as suas necessidades
divergem das necessidades do doente e se este necessita de assistência ou mesmo
substituição em todas as suas atividades de vida, o cuidador continua a ter necessidade de
tempo e espaço para si.3, 5, 7

A relação que se estabelece e a maneira como juntos desenvolvem estratégias para lidar
com a doença, irá depender dos papéis anteriormente desempenhados por estes, bem como,
da qualidade e tipo de relação previamente existente.3, 5, 7 Estas estratégias encontradas irão
também refletir as vivências individuais e familiares destes. Sendo assim de se esperar que
o ato de cuidar assuma diferentes significados e tenha diferentes repercussões sobre os
intervenientes, ao longo do processo de doença.6

Cuidar de um doente com ELA, pode ser um processo complexo, preenchido por
sentimentos e emoções ambíguas. Para o cuidador é difícil aceitar o declínio físico e
cognitivo do doente com ELA, surgindo sentimentos de frustração e impotência perante
27
esta realidade. Durante o processo, muitas vezes, sentem-se desamparados e sem o devido
acompanhamento clínico ou social.6, 28

Contudo quando o cuidador assume um papel pró-ativo na busca de informação, adapta-se


com maior facilidade às mudanças causadas pela doença, pela sensação de controlo que
adquire. São também facilitadores do processo de adaptação, os sentimentos de gratidão
resultantes do cuidar e o facto de cuidador entender o ato de cuidar como privilégio e um
momento único de partilha e aprendizagem. Reconhecendo neste ato a oportunidade de
desenvolver o seu sentido autocrítico e a sua capacidade de autorreflexão, ferramentas que
o ajudam a ultrapassar esta fase delicada e stressante.28

O cuidador informal, como que tem, que se reinventar para assumir a prestação dos
cuidados e ser responsável pelo bem-estar de outra pessoa, que até ao diagnóstico era
independente de si. Neste processo a forma como se vê e relaciona com os outros será
condicionada e mesmo alterada pela vivência da experiencia de doença e o assumir de um
novo papel, que condicionará a satisfação das suas necessidades e mesmo vontades. E se
alguns se sentem sobrecarregados outros conseguem encontrar um novo sentido para a sua
existência.6

A capacidade de adaptação, resiliência e stress vivenciado, pelo cuidador e pelo doente,


está fortemente correlacionado com a existência de alterações funcionais e cognitivas nos
doentes com ELA e a presença destas, associadas a níveis de sobrecarga maiores no
cuidador.5

Doente e cuidador, têm que encontrar estratégias para se adaptarem mas nem sempre
dispõem das melhores condições ou recursos.4, 5, 6 E sendo esta uma doença cujo curso e
tempo de duração é difícil de prever facilmente se entende que o impacto sobre o doente e
cuidador será enorme.7 Ainda mais, porque estes estão inseridos num contexto social e
familiar muito específico e as alterações decorrentes da doença conduzem à adoção de
novos papéis, a alterações na interação social, ao aumento dos encargos financeiros e perda
de rendimentos resultante, quer da incapacidade do doente em trabalhar, quer pela
necessidade do cuidador em conciliar os cuidados com o seu trabalho.4, 5, 7

Certo é que cuidador e doente necessitam de criar uma boa rede de suporte familiar e
social, que lhes facilite os cuidados e garanta a melhor qualidade de vida possível para
ambos. Contudo há por parte de alguns cuidadores e doentes resistência à entrada, no seu
28
domicílio, de equipas externas prestadoras de cuidados, como última tentativa de controlo,
manutenção de rotinas e resguardo da sua privacidade.7

O cuidador assume assim a responsabilidade de assegurar a sobrevivência do doente e


mesmo que, algumas vezes de forma irrefletida, procura agir de acordo com as
expectativas, que a família e a sociedade em que está inserido têm de si. Colocando muitas
vezes, a sua realização pessoal e satisfação das suas necessidades, em segundo plano. Da
relação estabelecida e do facto do equilíbrio ser tão difícil de alcançar e manter, resultam
alterações no bem-estar e saúde do cuidador.3, 7

29
CAPITULO II – METODOLOGIA

30
4. Metodologia

A realização de qualquer estudo pressupõe o uso de um método que permita a obtenção ou


fundamentação do conhecimento científico. Este conhecimento nasce na
consciencialização da existência de um problema prático.29

4.1 Objetivos de estudo e questão de investigação

Neste estudo pretendemos caraterizar o estado de saúde dos cuidadores de doentes com
ELA, bem como descrever as suas características sociodemográficas, o nível de sobrecarga
física, social, emocional e económica a que estão sujeitos. Procurando assim responder à
seguinte questão de investigação: Será que os cuidadores de doentes com Esclerose Lateral
Amiotrófica apresentam maior risco de desenvolverem problemas de saúde e de
apresentarem níveis elevados de sobrecarga?

4.2 Hipóteses de investigação

Na tentativa de explicar e fundamentar a questão enunciada procedeu-se de seguida à


formulação das seguintes hipóteses de investigação:

– Existe uma relação entre o nível de sobrecarga do cuidador e o seu estado de saúde?

– O nível de sobrecarga do cuidador relaciona-se com o grau de dependência funcional do


doente?

– Existe relação entre o valor de dependência funcional do doente e o estado de saúde do


cuidador?

– Processos de doença mais longos no doente estão associados a alterações no estado de


saúde ou a níveis de sobrecarga maiores nos cuidadores de doentes com ELA?

– Existe relação entre a idade do cuidador e o nível de sobrecarga percebido por este?

– Existe relação entre a idade do cuidador e o seu estado estado?

– O nível de sobrecarga ou estado de saúde do cuidador varia consoante o sexo deste?

31
– O estado civil do cuidador influência o nível de sobrecarga e o estado de saúde do
cuidador?

– O grau de escolaridade do cuidador está diretamente relacionado com o nível de


sobrecarga experimentado ou o seu estado de saúde?

– Existe relação entre o estado de saúde do cuidador ou o nível de sobrecarga e a situação


profissional deste?

– A prática de uma religião está relacionada a níveis de sobrecarga mais baixos no


cuidador e estados de saúde melhores?

– A sobrecarga do cuidador ou o seu estado de saúde está relacionado com o grau de


parentesco do cuidador com o doente?

– A experiência prévia como cuidador relaciona-se com o estado de saúde e a sobrecarga


sentida por este?

– Existe relação entre o tempo despendido a cuidar do doente e o nível de sobrecarga


percebido pelo cuidador?

– O tempo despendido a cuidar do doente e o estado de saúde do cuidador estão


relacionados?

– Os rendimentos do agregado familiar relacionam-se com o nível de sobrecarga ou com


estado de saúde do cuidador?

4.3 Variáveis do estudo

Atendendo aos dados necessários para dar resposta à questão de investigação e testar as
hipóteses anteriormente enunciadas definiu-se as variáveis dependentes e independentes do
estudo descritas na Tabela III.

32
Tabela III – Variáveis do estudo
Variáveis independentes
Do cuidador Do doente
 Idade  Experiência prévia em  Data do diagnóstico
 Sexo cuidar  Estado funcional
 Estado civil  Avaliação das ajudas
 Escolaridade técnicas
 Profissão  Acompanhamento
 Situação laboral médico
 Religião
 Agregado familiar
 Existência de mais
cuidadores
Variáveis dependentes
 Sobrecarga dos cuidadores dos doentes com ELA em CP no CHSJ, EPE
 Estado de saúde dos cuidadores dos doentes com ELA em CP no CHSJ, EPE
ELA – Esclerose lateral amiotrófica; CP – cuidados paliativos; CHSJ, EPE – Centro Hospitalar S. João,
Entidade Pública Empresarial

4.4 Tipo de estudo

Uma vez que era objetivo deste trabalho caraterizar o estado de saúde dos cuidadores de
doentes com ELA, desenvolveu-se um estudo observacional transversal, de caráter
descritivo e quantitativo. Este foi realizado no Serviço de Cuidados Paliativos do CHSJ,
EPE, com colheita de dados realizada entre 17 de janeiro e 31 de maio de 2017.

O Serviço de Cuidados Paliativos do CHSJ, EPE foi criado em novembro de 2008, atende
doentes oncológicos e não oncológicos, sendo atualmente o seu corpo clínico constituído
por seis médicos (incluindo uma psiquiatra em tempo parcial), seis enfermeiros, um
psicólogo e uma assistente social. Em 2016 foram observados pelo serviço, um total de 769
novos doentes, 20% dos quais não oncológicos. Até janeiro de 2017 o serviço acompanhou
um total de 149 doentes com ELA, sendo no início do estudo acompanhados pela equipa
35 doentes com esta patologia.

4.5 População e amostra

Os resultados obtidos com o estudo pretendem ser generalizados a todos os cuidadores de


doentes com ELA. Contudo a nossa população acessível são os cuidadores de doentes com
ELA a serem acompanhados na consulta de Cuidados Paliativos do CHSJ, EPE.

33
A amostra foi assim constituída a partir da nossa população acessível, foram incluídos no
estudo todos os cuidadores de doentes com ELA observado na consulta externa do serviço
de cuidados paliativos do CHSJ, EPE, agendada entre 17 de Janeiro e 31 de Maio de 2017,
desde que fossem o principal cuidador do doente, não fossem remunerados pelos cuidados
assegurados, tivessem idade igual ou superior a 18 anos, soubessem ler e escrever e
aceitassem participar no estudo depois de devidamente informados. Foram excluídos todos
os cuidadores de doentes numa primeira consulta de cuidados paliativos e que
apresentassem alterações cognitivas impeditivas de responder ao inquérito. (Tabela IV)

Tabela IV – Critérios de inclusão e exclusão na amostra


Critérios de inclusão na amostra Critérios de exclusão na amostra
 Ser o principal cuidador do doente;  Primeira consulta em CP;
 Ser cuidador informal;  Doente com intenso descontrolo
 Ter idade igual ou superior a 18 sintomático, na consulta;
anos;  Alterações cognitivas no cuidador,
 Saber ler e escrever; impeditivas de responder ao
 Aceitar participar no estudo depois questionário.
de devidamente informado.
CP – cuidados paliativos; ELA – Esclerose lateral amiotrófica

4.6 Instrumento de recolha de dados

Após a elaboração da fundamentação teórica do tema (realizada com recurso à pesquisa


bibliográfica nos motores de busca da PubMed), elaborou-se um questionário (Anexo I)
que permitisse a obtenção de dados para uma caraterização da amostra o mais completa
possível, em termos do seu contexto sociodemográfico, do seu estado de saúde e nível de
sobrecarga. Na elaboração do questionário recorreu-se ao uso de escalas validadas e
adaptadas à nossa amostra, amplamente desenvolvidas e usadas na investigação e na
prática clínica.

O questionário usado para recolher os dados necessários para a concretização deste estudo
é constituído por três partes, que visam o levantamento de dados relativos às características
sociodemográficas dos cuidadores de doentes com ELA, do seu estado de saúde,
determinação do grau de sobrecarga a que estes estão sujeitos e avaliação das alterações
físicas funcionais de doentes com ELA.

34
A primeira parte do questionário incluiu questões para a caracterização sociodemográfica
do cuidador.

A segunda parte pretendeu avaliar o estado de saúde do cuidador do doente com ELA,
estando esta parte dividida em três secções. A secção A é constituída por cinco perguntas
que visam avaliar o acompanhamento do cuidador por um médico, a existência de
problemas de saúde prévios ao assumir-se como cuidador, surgimento de novos problemas
de saúde após este facto, cumprimento de terapêutica e alguns sintomas experimentados
por este.

A secção B corresponde ao instrumento de medição Medical Outcomes Study Short Form


Health Survey-36 Item-version 2 (MOS SF-36 v 2) validada para português e a secção C é
constituída pela escala de Zarit Burden Interview (ZBI). Estas duas partes foram entregues
aos cuidadores para estes preencherem.

A terceira parte constituída pela escala de Amyotrophic Lateral Sclerosis Functional


Rating Scale Review (ALSFRS-R) era o investigador que, com a devida autorização,
consultava no processo clínico do doente a escala que o profissional da consulta de
cuidados paliativos aplicava em todas as consultas.

4.6.1 – Dados sociodemográficos

A obtenção desta informação foi feita com recurso a quinze perguntas com algumas
alíneas, de resposta simples, com o objetivo de caracterizar o cuidador quanto à idade,
sexo, estado civil, escolaridade, profissão, estado laboral, grau de parentesco com o doente,
religião, constituição e rendimento do agregado familiar, tempo de diagnóstico da doença
do familiar, horas gastas a cuidar, apoios humanos e técnicos disponíveis no auxílio ao
cuidado e experiência prévia a assegurar cuidados a outrem.

4.6.2 – Escala MOS SF-36 v 2

Nos anos 80 Jonh Ware e a sua equipa procuraram desenvolver instrumentos práticos de
medição para uma monitorização contínua dos resultados em saúde, planearam e
desenvolveram um estudo de resultados médicos (Medical Outcomes Study – MOS)
preocupando-se não só com a presença e ausência de sintomas mas também com o estado
de funcionalidade e bem-estar manifestado pela população, procurando ainda perceber se

35
os resultados encontrados estavam relacionados com as diferenças nos sistemas de
cuidados de saúde, formação e prática clínica.30

Neste contexto surge o instrumento de medição MOS SF-36 v 2 que permite medir e
avaliar o estado de saúde de populações e indivíduos com ou sem doença, monitorizar e
comparar doentes com múltiplas condições, assim como, comparar o estado de saúde de
doentes com o da população em geral. É uma medida genérica de saúde que procura
avaliar conceitos de saúde relacionados com estado de funcionalidade e bem-estar, não
sendo específico para qualquer nível etário, doença ou tratamento.30

As trinta e seis questões que constituem o instrumento permitem medir oito dimensões em
saúde: função física, desempenho físico e emocional, dor física, saúde em geral, saúde
mental, função social e vitalidade. Podendo estas oito dimensões agruparem-se em duas
componentes – saúde física e saúde mental – obtidas a partir de análises factoriais e a
rotações ortogonais (Figura I).

Figura I – Modelo factorial da SF-36 com duas componentes30


Possuiu ainda uma escala que por si só não constitui uma dimensão mas que avalia a
transição ou mudança de saúde, pedindo ao participante que determine o grau de mudança
geral em saúde com base na sua experiência.30, 31

Todas as dimensões em saúde são avaliadas por vários itens e os dados obtidos pela
aplicação do instrumento sofrem um procedimento próprio (Figura II), para que estes
30
sejam coerentes e possam posteriormente serem usados. No final deste procedimento os
valores obtidos de cada escala variam de 0 – 100, em que os extremos correspondem
respetivamente à pior e melhor qualidade de vida relacionada com a saúde (QdVRS).31

36
Figura II – Diagrama do sistema de pontuação do SF-3630
Este instrumento tem sido alvo de inúmeras traduções e validações, existindo para a
população portuguesa duas versões, a versão 1 e a versão 2. A versão 2 é o resultado das
alterações feitas pelos autores na versão original e que surgiram da necessidade de a aplicar
em novas culturas e línguas, estando ambas adaptadas e validadas para esta população.30, 31,
32

Neste estudo será aplicada a MOS SF-36 v 2 com o objetivo de determinar o estado de
saúde dos cuidadores de doentes com ELA.

4.6.3 – Escala ZBI

A escala ZBI visa avaliar os níveis de sobrecarga experimentada pelo cuidador informal.
Da tradução original do termo inglês burden surge na realidade portuguesa o termo
sobrecarga, este refere-se ao conjunto de consequências no cuidador informal resultante do
ato de cuidar de um doente com alterações físicas ou mentais. Estas consequências são o
resultado da interação do cuidador com o doente e traduzem-se por mudanças no
quotidiano, na vida familiar, social e financeira, assim como, na própria saúde do
cuidador.33

O termo sobrecarga está associado aos aspetos negativos resultantes do ato de cuidar, mas
reconhece-se nesta experiência aspetos positivos como o sentimento de se ser útil, de
proximidade e aumento intimidade com o doente.28, 33 Contudo a importância do uso deste
instrumento prende-se com o facto de que a prevenção e atuação, pelos profissionais de
saúde, dever incidir sobre o desenvolvimento de estratégias capazes de evitar a exaustão e
os problemas decorrentes do ato de cuidar.33

37
A escala de ZBI é amplamente utilizada, estando traduzida e validada para diversas línguas
e sendo uma importante ferramenta na medição da carga percebida pelo cuidador resultante
da prestação de cuidados ao familiar. Questiona o cuidador acerca de aspetos que possam
ser fonte de sobrecarga e tensão, abordando aspectos físicos, psicológicos, económicos e
relacionais.34

É constituída por vinte e duas questões, cada questão tem cinco opções de resposta: 0 –
nunca, 1 – raramente, 2 – às vezes, 3 – muito frequentemente e 4 – quase sempre,
permitindo assim ao participante, fazer uma escolha simultaneamente qualitativa e
quantitativa.35

O valor da pontuação final varia de 0 a 88 e é obtido pelo somatório da pontuação de cada


questão individual. De 0 a 20 considera-se haver ausência de sobrecarga, de 21 a 40
considera-se haver sobrecarga moderada, de 41 a 60 diz-se haver sobrecarga moderada a
severa e de 61 a 88 considera-se existir sobrecarga severa. Assim a pontuações finais mais
altas implicam maior sobrecarga percebida pelo cuidador.35 (Tabela V)

Tabela V – Níveis de sobrecarga segundo a escala de ZBI


Pontuação Nível de sobrecarga
0 – 20 Ausência de sobrecarga
21 – 40 Sobrecarga moderada
41 – 60 Sobrecarga moderada a severa
61 – 88 Sobrecarga severa

Esta é uma escala multidimensional, avaliando diferentes domínios do ato de cuidar e


impacto deste. No presente estudo consideramos o trabalho que subdivide a escala em
cinco domínios principais: a sobrecarga no relacionamento, o bem-estar emocional, a vida
social e familiar, as finanças e a sensação de perda de controlo sobre a vida.36 (Tabela VI)

Tabela VI – Constituição dos domínios da escala de ZBI (adaptada e traduzida de 34)


Domínio Nº de itens Conjunto de itens
Sobrecarga no
6 1, 8, 11, 14, 18, 20
relacionamento
Bem-estar emocional 7 2, 4, 5, 9, 10,21, 22
Vida social e familiar 4 3, 6, 12, 13
Finanças 1 15
Sensação de perda de
controlo sobre a vida 4 7, 16, 17, 19
Nº – Número

38
E o estudo que subdivide a escala de ZIB em duas subescalas: a de esforço e a de tensão
pessoal, estas procuram refletir dois aspectos importantes da prestação de cuidados de
saúde, o quanto pode pessoalmente esta experiência ser stressante (tensão pessoal) e o
stresse resultante dos conflitos de funções ou sobrecarga (tensão funcional).37 (Tabela VII)

Tabela VII – Constituição dos domínios da escala de ZBI (adaptada e traduzida de 37)

Domínio Nº de itens Conjunto de itens


1, 4, 5, 8, 9, 14, 16, 17, 18, 19,
Tensão pessoal 12
20, 21
Tensão funcional 6 2, 3, 6, 11, 12, 13,
Nº – Número

A escala de ZBI é assim um instrumento válido e fiável para ser utilizado na avaliação do
impacto de doenças físicas ou mentais nos cuidadores informais, pelo que o seu uso na
prática está amplamente difundido. Apesar das várias adaptações e validações existentes
para a população portuguesa, adoptamos o uso da publicada pelo MAPI Research Trust,
visto ser considerada a de maior qualidade, pelo uso de métodos de validação linguística
capazes de garantir maior precisão à tradução.38

4.6.4 – Escala ALSFRS-R

A Amyotrophic Lateral Sclerosis Functional Rating Scale Review (ALSFRS-R) é um


instrumento de avaliação validado e de uso na prática clínica, cujo principal objetivo é
monitorar a progressão da incapacidade em doentes com ELA. Esta avalia quatro domínios
principais: a função motora, a motricidade fina, os sintomas bulbares e a capacidade
respiratória. A pontuação obtida reflete a deterioração da função, nos doentes com ELA,
sendo de realçar que em estádios mais avançados da doença, esta apresenta menor
sensibilidade.39, 40

A escala originalmente concebida valorizava as funções bulbares sobre as funções


respiratórias, facto corrigido na versão revista da escala e com a introdução da avaliação
adicional de dispneia, ortopneia e necessidade de suporte ventilatório. Aumentando assim a
sensibilidade em relação há mudança que ocorre com a progressão da doença e capacidade
de prever a sobrevivência, sem contudo afetar a sua forte consistência interna e validade de
construção.39, 40

39
Esta escala é constituída por doze questões, em que cada uma delas é avaliada a forma
como o doente desempenha determinadas funções orgânicas ou da vida quotidiana,
nomeadamente o falar, a salivação, a capacidade de engolir, de manusear objetos, de
comer, de se vestir, de virar-se na cama e ajeitar os cobertores, de andar, de subir escadas,
a dispneia, a ortopneia e a insuficiência respiratória.41

A pontuação máxima da escala é de quarenta e oito, sendo cada pergunta pontuada entre
zero e quatro pontos. Os doentes com funções normais recebem quatro pontos, havendo
com a deterioração funcional crescente uma diminuição na pontuação até a incapacidade
de assegurar a função, ao que corresponde uma pontuação de zero.41

É uma escala fácil de aplicar, sensível, clinicamente significativa e confiável.


Comparativamente com outras escalas pode ser usada em amostras mais pequenas e a
diminuição das pontuações ao longo do tempo, têm maior correlação com a sobrevivência,
facto que sendo do conhecimento clínico facilita a tomada de decisão.42

Ainda não foi traduzida e validada para o português, mas é usada pelos profissionais da
consulta de cuidados paliativos do CHSJ, EPE, na sua versão inglesa.

4.7 Recolha e tratamento de dados

Após esclarecimento das dúvidas que surgiam, ao participante que aceita-se participar no
estudo, eram entregues duas cópias do termo de consentimento informado (ANEXO II),
para serem devidamente preenchidas, ficando uma com o participante e a outra com o
investigador. Neste processo procurou-se assegurar uma tomada de uma decisão livre e
esclarecida, com respeito pela condição humana e moral do participante.43

O anonimato e confidencialidade no tratamento dos dados recolhidos foram garantidos ao


participante e explicado que se do decorrer do processo fosse detetada alguma necessidade
clínica que carecesse de encaminhamento, seria consultada a tabela de anonimização criada
e se entraria em contato com o participante.

Os dados foram recolhidos então pela aplicação dos questionários aquando da realização
da consulta de cuidados paliativos no CHSJ,EPE. No início da consulta era explicado aos
cuidadores o estudo que o investigador estava a realizar e questionado se estariam
dispostos a participar.

40
Dada a fragilidade dos doentes, a dificuldade destes em comunicar e reconhecendo-se que
o cuidador tem um papel importante nos cuidados, foi permitido que os participantes que
pretendiam responder ao questionário posteriormente no seu domicílio o fizessem, com o
compromisso de depois o entregar na consulta de cuidados paliativos e tendo disponível o
contato do investigador para contactá-lo caso necessitassem de esclarecer alguma dúvida
que surgisse no decorrer do preenchimento do questionário.

Não se realizou um pré-teste uma vez que as escalas usadas no questionário aplicado
estavam validadas e adaptadas para a população portuguesa. Além de que tratando-se de
uma doença rara consideramos importante aproveitar todos os possíveis participantes, para
constituir a amostra.

Este questionário foi aplicado num momento único ao cuidador e os dados obtidos foram
processados através das técnicas estatísticas, com recurso ao programa informático
Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 24.0. A escolha do uso deste
software prendeu-se com o facto de ser um bom recurso para a análise de dados
quantitativos, quando o objetivo da análise é descrever e relacionar hipóteses de
investigação.29

Através do teste Shapiro-Wilk foi verificada uma distribuição normal dos dados, visto o p>
0,5. Como tal foram usados testes paramétricos no estudo das relações entre as diversas
variáveis, nomeadamente testes de Pearson, Testes t e ANOVA, considerando-se um valor
de significância de p <0,05.

4.8 Considerações éticas

A realização de um estudo de investigação envolvendo Seres Humanos deverá sempre


respeitar os princípios bioéticos inerentes à condição humana e promoção da sua
dignidade, bem como, atender aos princípios enumerados na Declaração de Helsínquia da
Associação Médica Mundial.44

Assim, para salvaguardar que esses princípios fossem respeitados o projeto de investigação
deste estudo foi submetido à comissão de ética do CHSJ, EPE, que deu um parecer
positivo à realização do mesmo (ANEXO III).

41
Os participantes foram devidamente informados do âmbito em que este estudo se estava a
desenvolver, quais os seus objetivos principais, o modo em que consistia a sua
participação, a sua possibilidade de aceitar ou recusar a participar no estudo, sem que dessa
decisão decorresse qualquer prejuízo para si ou para o seu familiar doente.

Todos os questionários foram anonimizados e não continham nenhuma informação


passível de identificar os cuidadores e doentes. Os consentimentos assinados e a chave de
anonimização/identificação foram guardados, com o intuito de só serem consultados se
detetada alguma situação clínica que necessitasse de encaminhamento.

Os direitos dos autores das escalas que constituíam o questionário aplicado, neste estudo,
foram também reconhecidos e respeitados, ao proceder-se ao pedido formal de autorização
do uso das mesmas, tendo esta nos sido concedida. (ANEXO IV/V)

A realização deste estudo não recebeu nenhum financiamento, declarando os


investigadores a inexistência de conflito de interesses.

42
CAPITULO III – RESULTADOS

43
5. Resultados

Dos trinta e nove doentes avaliados durante o período estabelecido, oito estavam a ser
avaliados pela primeira vez pela equipa de cuidados paliativos. Aos restantes foi então
proposto ao cuidador e doente, após esclarecimentos dos objetivos do estudo e em que
consistia as suas participações, que integrassem no presente estudo.

Foram excluídos da amostra sete doentes/ cuidadores: cinco doentes não identificavam
cuidador informal (três tinham cuidadores formais e dois viviam sozinhos); um cuidador
não sabia ler e escrever; um doente apresentava intenso descontrolo sintomático, motivo
pelo qual não nos pareceu oportuno propor o estudo.

Dos vinte e quatro que cumpriam os critérios de inclusão e exclusão para constituir
amostra e aceitaram participar, só dezoito concluíram o preenchimento do questionário e o
entregaram, constituindo por isso a nossa amostra. (Figura III)

39
Doentes

8 31
Primeira Avaliação
avaliação subsequente

5 1 1 24
Descontrolo Cuidador
Sem cuidador Cuidador não sintomático do
informal sabe ler doente aceita participar

6 18
Não concluem
o estudo Amostra

Figura III – Processo de constituição da amostra

Os dados recolhidos pela aplicação do questionário do estudo foram tratados com recurso
análise de frequências para as variáveis categoriais e análise estatística descritiva para as
variáveis numéricas. Este processo permitiu a obtenção dos seguintes resultados.

44
5.1 Resultado da escala ALSFRS-R

Analisando os valores obtidos pela escala de ALSFRS-R percebe-se após tratamento


estatístico que a média de valores obtida pela aplicação da escala é de 23,9 (± DP 12,5). A
função motora é o domínio que está mais comprometido nos doentes analisados, visto
apresentar valores mais baixos na pontuação (M ± DP = 3,4 ± 2,9). (Tabela VIII)

Importa também referir que destes seis (33,3%) apresentavam graves alterações a nível da
fala, cinco (27,8%) para satisfação das suas necessidades nutricionais tinham gastrostomia
endoscópica per cutânea e três (16,7%) estavam dependentes de ventilação não invasiva 24
horas por dia.

Tabela VIII – Análise dos valores da escala ALSFRS-R e seus domínios


M ± DP Max Min
ALSFRS-R
23,9 ± 12,5 41 2
Domínios
Sintomas bulbares 7,9 ± 3,8 12 1
Motricidade fina 4,6 ± 3,9 11 0
Função motora 3,4 ± 2,9 9 0
Capacidade respiratória 7,5 ± 4,5 12 1
ALSFRS-R – Amyotrophic Lateral Sclerosis Functional Rating Scale Review;
M – Média; DP – Desvio padrão; Max – Máximo; Min – Mínimo

5.2 Caraterização da amostra dos cuidadores de doentes com ELA

Procedendo à caraterização sociodemográfica da amostra constata-se que 66,7% dos


cuidadores eram do sexo feminino e 33,3% do sexo masculino. A relação de parentesco
existente entre os cuidadores e doentes constituintes da amostra é na sua maioria a de
conjugue (83,3%) e só três dos cuidadores são filhos do doente. Em relação ao grau de
escolaridade nove cuidadores completaram o ensino básico (50%), quatro completaram o
ensino secundário (22,2%) e cinco o universitário (27,8%). Do ponto de vista laboral
44,4% encontravam-se a exercer uma profissão, 16,7% encontravam-se desempregados e
38,9% estavam reformados. (Tabela IX)

A média de idade da amostra era de 58,7 anos, apresentando um desvio padrão de 12,8
anos, em que o cuidador mais novo tinha 29 e o mais velho 77anos. A mediana da idade
dos cuidadores é de 61 anos.

45
Tabela IX – Caraterização sociodemográfica da amostra por sexo, grau de parentesco
com o doente, estado civil, escolaridade e situação laboral
F %
Sexo
Feminino 12 66,7
Masculino 6 33,3
Parentesco com o doente
Conjugue 15 83,3
Filho (a) 3 16,7
Estado civil
Solteiro 1 5,6
Casado 16 88,9
União de facto 1 5,6
Escolaridade
4ºano 5 27,8
6ºano 1 5,6
9ºano 3 16,6
12ºano 4 22,2
Ensino universitário 5 27,8
Situação laboral
Empregado 8 44,4
Desempregado 3 16,7
Reformado 7 38,9
F – Frequência; % – Percentagem

Analisando a figura IV facilmente se consegue perceber que grande parte da amostra


apresenta mais de cinquenta anos.

1 1

18 - 30 31 - 40 41 - 50 51 -60 61 - 70 71 - 80
anos anos anos anos anos anos
Frequência

Figura IV – Gráfico de distribuição das idades da amostra por classes

46
A grande maioria dos cuidadores reconhece professar uma religião (94,4%), sendo a
religião, uma importante fonte de apoio para lidar com a situação do familiar que cuida em
64,7%. (Figura V)

Figura V – Gráfico representativo da prática de religião e importância desta na


prestação dos cuidados

Em 61,1% dos casos o agregado familiar era constituído só pelo doente e o cuidador. Dois
cuidadores da amostra tinham menores no seu agregado familiar.

Os rendimentos aferidos pelo agregado familiar, em metade da amostra, eram superiores a


mil e sessenta euros mas em dois casos (11,1%) eram inferiores a quinhentos e trinta euros.
(Tabela X)

Tabela X – Caraterização do agregado familiar dos cuidadores da amostra


F %
Agregado familiar (nº)
≤2 11 61,1
De 3 a 4 6 33,3
≥5 1 5,6
Menores no agregado familiar
Não 16 88,9
Sim 2 11,1
Rendimento do agregado familiar
Inferior a 530 2 11,1
Entre 530 e 1060 7 38,9
Superior a 1060 9 50,0
F – Frequência; ≤ – menor ou igual; ≥ – maior ou igual; % – Percentagem

47
5.3 Caraterização da experiência enquanto cuidador e ajudas disponíveis

Os doentes cujos cuidadores participaram no estudo tinham em média 55,1 meses de


diagnóstico de ELA, variando entre 2 e 288 meses. E os cuidadores referem gastar em
média 12,9 horas do seu dia para assegurar os cuidados ao doente. (Tabela XI)

Tabela XI – Caraterização do tempo de diagnóstico e tempo médio gasto nos cuidados ao


doente
M ± DP Med Max Min
Tempo de diagnóstico
da ELA 55,1 ± 66,9 27 288 2
(meses)
Tempo médio gasto por
12,9 ±9,0 10 24 2
dia a cuidar (horas)
M – Média; Med – Mediana; DP – Desvio padrão; Max – Máximo; Min – Mínimo

Questionados se têm ajuda de terceiros na prestação dos cuidados ao doente com ELA,
catorze participantes referem que sim (77,8%) e na maioria das situações essa ajuda
provém de familiares (71,4%). (Tabela XII)

Tabela XII – Caraterização da presença de ajuda na prestação dos cuidados


F %
Ajuda nos cuidados
Sim 4 22,2
Não 14 77,8
De cuidadores formais
Sim 5 35,7
Não 9 64,3
De amigos
Sim 1 7,1
Não 13 92,9
De familiares
Sim 10 71,4
Não 4 28,6
F – Frequência; % – Percentagem

No que se refere às ajudas técnicas para o auxílio dos cuidados ao doente com ELA, a
cadeira de rodas de transporte foi a ajuda técnica mais frequente, usada por catorze dos
participantes (77,8%), seguida da cadeira sanitária (44,4%) e da cama articulada (38,9%).
(Tabela XIII)

48
Tabela XIII – Caraterização das ajudas técnicas usadas pelo doente e cuidador
Ajudas técnicas F %
Cadeira de rodas de transporte
Sim 14 77,8
Não 4 22,2
Cadeira de conforto
Sim 5 27,8
Não 13 72,2
Cadeira sanitária
Sim 8 44,4
Não 10 55,6
Cadeira de banho
Sim 4 22,2
Não 14 77,8
Cama articulada
Sim 7 38,9
Não 11 61,1
Colchão anti-escaras
Sim 6 33,3
Não 12 66,7
Rampa
Sim 2 11,1
Não 16 88,9
F – Frequência; % – Percentagem

Dos 18 cuidadores constituintes da amostra 16,7% referem ter anteriormente cuidado de


alguma pessoa dependente, sendo por isso para a maioria dos participantes (83,3%), a
primeira vez que se assumem como cuidador informal. (Figura VI)

Experiência prévia como cuidador

16,7%

83,3%

……
Não Sim
Figura VI – Experiência prévia como cuidador

5.4 Caraterização do estado de saúde do cuidador (Parte II – Secção A do


questionário)

Todos os participantes eram acompanhados pelo médico de família ou outro médico.


Sendo que a maioria dos participantes (66,7%) refere ter problemas de saúde e fazer
terapêutica para esse efeito, as patologias mais mencionadas foram a hipertensão (sete
cuidadores) e a depressão (dois cuidadores). Dois dos 18 cuidadores da amostra (11,1%)
49
referem ter iniciado medicação após assumir os cuidados ao doente, um para o tratamento
da ansiedade e outro para o tratamento da hipertensão. (Tabela XIV)

Tabela XIV – Caraterização da existência de problemas de saúde e do regime terapêutico


do cuidador
F %
Problemas de saúde
Não 6 33,3
Sim 12 66,7
Regime terapêutico
Não 6 33,3
Sim 12 66,7
Iniciou medicação
Não 16 88,9
Sim 2 11,1
F – Frequência; % – Percentagem

Através da análise dos resultados obtidos pela lista de sintomas apresentada na tabela XV
percebe-se que os sintomas mais referidos pelos cuidadores da amostra eram as alterações
do apetite, em que 38,9 % referem alterações moderadas e a insónia presente de ligeiro a
moderado em 33,3 % dos participantes.

Tabela XV – Caraterização dos sintomas manifestados pelo cuidador de acordo com a sua
intensidade
Sintomas Nada (%) Ligeiro (%) Moderado (%)
Falta de ar 83,3 11,1 5,6
Apetite 50 11,1 38,9
Emagrecimento 72,2 16,7 11,1
Ganho de peso 94,4 5,6 0
Insónia 66,7 22,2 11,1
Obstipação 94,4 5,6 0
Diarreia 100 0 0
% – Percentagem

5.5 Resultados da escala MOS SF-36 v 2

Para análise da precisão da escala de MOS SF-36 avaliou-se a sua consistência interna,
através do cálculo do coeficiente de Alpha de Cronbach. Os valores obtidos foram nas
dimensões que avaliam a componente física da escala 0,871 e nas que avaliam a
componente mental 0,877, considerando-se assim que a escala tem alto grau de
confiabilidade.45

50
Todas as dimensões que avaliam a componente física da escala apresentam como
resultados médias superiores a 50, indicando por isso que a QdVRS percebida pelos
cuidadores, nesta componente é satisfatória. O valor médio mais alto foi obtido na
dimensão da função física (M ± DP = 74,4 ± 30,7) e o mais baixo na dimensão saúde em
geral (M ± DP = 54,9 ±25,1). (Tabela XVI)

Relativamente à componente mental, as médias obtidas nas diferentes dimensões


apresentam valores ligeiramente mais baixos comparativamente com as dimensões da
componente física (Tabela XIX), apresentando a dimensão vitalidade, que avalia os níveis
de energia e de fadiga percebidos pelos cuidadores, uma média inferior a 50 (M ± DP =
40,98±21,5). O valor mais alto da componente mental verificou-se na dimensão
desempenho emocional (M ± DP = 70,8 ±30,0).

Tabela XVI – Análise das dimensões da escala MOS SF-36


M ±DP Max Min
Componente Física
Função física 74,4±30,7 100 5
Desempenho físico 68,4 ±27,6 100 18,8
Dor física 59,9 ±32,0 100 12
Saúde em geral 54,9 ±25,1 100 0
Componente Mental
Saúde Mental 51,8 ±21,9 84 4
Desempenho emocional 70,8 ±30,0 100 25
Função social 62,5 ±24,2 100 0
Vitalidade 40,8 ±21,5 75 0
M – Média; DP – Desvio padrão; Max – Máximo; Min – Mínimo

Na escala de avaliação da perceção de mudança de saúde, avaliada pela questão dois da


MOS SF-36 v 2, metade dos cuidadores reconhece que a sua saúde é aproximadamente
igual comparativamente há um ano atrás e 44,4% acham que piorou. (Tabela XVII)

Tabela XVII – Análise da escala de mudança de saúde da MOS SF-36 v 2


Frequência %
Mudança de saúde
Com algumas melhorias 1 5,6
Aproximadamente igual 9 50
Um pouco pior 7 38,8
Muito pior 1 5,6
F – Frequência; % – Percentagem

51
5.6 Resultados da escala de ZBI

Através do cálculo do coeficiente de Alfa de Cronbach, cujo resultado foi de 0,869


percebe-se que existe grande consistência interna nos valores obtidos com aplicação da
escala de ZBI, na nossa amostra.45

Da análise dos scores finais da escala de ZBI e considerando a classificação da pontuação


final em ausência de sobrecarga, sobrecarga moderada, moderada a severa e severa,
verificamos que apenas dois cuidadores não apresentam sinais de sobrecarga e que nenhum
apresenta sobrecarga severa distribuindo-se os restantes de igual forma nos níveis de
sobrecarga modera e sobrecarga moderada a severa com 44,4% da amostra em cada um
destes níveis. (Tabela XVIII)

A pontuação total da escala de ZBI dos cuidadores com ELA foi de 23,4 (DP = ± 12,5)
mostrando uma sobrecarga moderada dos participantes.

Tabela XVIII – Níveis de sobrecarga sentida pelo cuidador segundo escala de ZBI
Nível de sobrecarga Pontuação F %
Ausência de sobrecarga 0 – 20 2 11,2
Sobrecarga moderada 21 – 40 8 44,4
Sobrecarga moderada a severa 41 – 60 8 44,4
Sobrecarga severa 61 – 88 0 0
F – Frequência; % – Percentagem

Enquanto da análise das médias obtidas em cada questão que constitui a escala de ZBI
(Tabela XIX) constata-se que a média das pontuações variam entre 0,18 e 3,44. A questão
número oito, que avalia a perceção que o cuidador tem de que o seu familiar está
dependente de si, foi a que apresentou um valor médio maior. As questões sete (“Sente que
o seu familiar está dependente de si?) e catorze (“Sente que o seu familiar parece esperar
que tome conta dele, como se você fosse a única pessoa de quem ele pode depender?”)
apresentaram também valores de resposta média elevados (respetivamente 3,39 e 2,67).

Sendo a escala de ZBI, como anteriormente referido, multidimensional, apresenta-se a


seguir os resultados que dizem respeito aos seus cinco domínios, na qual esta se pode
subdividir: sobrecarga no relacionamento; bem-estar emocional; vida social e familiar;
finanças e sensação de perda de controlo sobre a vida.36

52
Assim nas questões que constituem o domínio da sobrecarga na relação entre cuidador e
doente (questões 1, 8, 11,14,18 e 20), a grande maioria dos cuidadores têm a perceção que
o doente está muito dependente de si (questão 8 e 14). (Tabela XIX)

Nas questões que constituem o domínio bem-estar emocional (questões 2, 4, 5, 9, 10, 21


e 22) a grande maioria dos cuidadores sente que não tem tempo suficiente para si próprio/a
pelo menos algumas vezes mas, 65,7% respondem “nunca” ou “raramente” à pergunta
“gostaria de poder, simplesmente, entregar o seu familiar aos cuidados de outra pessoa?”
(pergunta 18) e 83,3% nunca ou raramente se sentem zangados quando estão com o doente.
Mas, quando questionados diretamente, 35,4% dos cuidadores refere que às vezes se sente
sobrecarregado por tomar conta do seu familiar e 35,2 % admite sentir-se assim muito
frequentemente ou quase sempre (questão 22). (Tabela XIX)

No domínio da caraterização da vida familiar e social (questões 3, 6, 12 e 13) ressalta-se


o facto de que 72,2% dos participantes manifestam nunca se terem sentido desconfortáveis
ao receber visitas, por causa do seu familiar doente (questão 13) e na sua maioria (55,5%)
acham que o seu familiar nunca prejudicou o seu relacionamento com outros elementos da
família ou amigos (questão 6). Contudo apenas uma minoria (5,6%) manifesta nunca se ter
sentido stressado por tomar conta do seu familiar e tentar cumprir outras responsabilidades
familiares e profissionais (questão 3) e 38,8% dos casos referem mesmo que muito
frequentemente se sentem stressados com esta situação. (Tabela XIX)

A questão 15 constitui o domínio da escala de ZBI que analisa o impacto financeiro que o
ato de cuidar tem sobre o cuidador e a maioria responde que nunca (33,4%) ou raramente
(22,2%) sentiram não ter dinheiro suficiente para assegurar os cuidados ao familiar e as
outras despesas que têm. Seis cuidadores manifestam que muito frequentemente (11,1%)
ou quase sempre (22,2%) sentem que o dinheiro que possuem não é suficiente. (Tabela
XIX)

As questões 7, 16, 17 e 19 constituem o domínio da sobrecarga do cuidador caraterizado


pela sensação de perda de controlo da sua vida. Sobressai nestes resultados o facto de a
grande maioria manifestar preocupação com o que o futuro reserva ao seu familiar e o
sentimento de que eram capazes de tomar conta deste por mais tempo, não se sentindo
indecisos quanto ao que fazer em relação ao familiar doente. (Tabela XIX)

53
Tabela XIX – Percentagens de respostas obtidas nas questões da escala de ZBI
Pontuações (%)
Questão
0 1 2 3 4 M
1. Sente que o seu familiar pede mais ajuda do que
11,1 33,3 38,9 38,9 0 1,61
ele precisa?
2. Sente que, por causa do tempo que dedica ao seu
11,1 0 50 22,2 16,7 2,44
familiar, não tem tempo suficiente para si próprio/a?
3. Sente-se stressado/a por ter de tomar conta do seu
familiar e de tentar cumprir outras responsabilidades 5.6 22,2 16,7 38,9 16,7 2,39
familiares ou profissionais?
4. Sente-se envergonhado/a com o comportamento
88,2 5,9 5,9 0 0 0,18
do seu familiar?
5. Sente-se zangado/a quando está com o seu
50 33,3 11,1 5,6 0 0,72
familiar?
6. Sente que o seu familiar prejudica presentemente
o seu relacionamento com outros elementos da 55,5 5,6 22,2 5.6 11,1 1,11
família ou amigos?
7. Teme o que o futuro reserva ao seu familiar? 0 0 16,7 26,7 55,6 3,39
8. Sente que o seu familiar está dependente de si? 5,6 0 0 38,9 55,6 3,44
9. Sente-se nervoso/a quando está com o seu
18,8 50 18,8 11,1 0 1,25
familiar?
10. Sente que a sua saúde foi prejudicada devido ao
22,2 16,7 27,8 22,2 11,1 1,83
seu envolvimento com o seu familiar?
11. Sente que não dispõe de tanta privacidade como
33,3 16,7 33,3 5,6 11,1 1,44
gostaria de ter por causa do seu familiar?
12. Sente que a sua vida social foi prejudicada por
11,1 16,7 27,8 16,7 27,8 2,33
estar a tomar conta do seu familiar?
13.Sente-se desconfortável, ao receber visitas de
72,2 11,1 11,1 5,6 0 0,50
amigos, por causa do seu familiar?
14. Sente que o seu familiar parece esperar que tome
conta dele, como se você fosse a única pessoa de 5,6 5,6 27,8 38,9 22,2 2,67
quem ele pode depender?
15. Sente que, para além das suas outras despesas,
não tem dinheiro suficiente para cuidar do seu 33,3 22,2 11,1 11,1 22,2 1,67
familiar?
16. Sente que não será capaz de tomar conta do seu
50 5,6 16,7 27,8 0 1,22
familiar por muito mais tempo?
17. Sente que perdeu o controlo sobre a sua vida
29,4 17,6 29,4 17,6 5,9 1,53
desde que o seu familiar adoeceu?
18. Gostaria de poder, simplesmente, entregar o seu
61,1 5,6 27,8 0 5,6 0.83
familiar aos cuidados de outra pessoa?
19. Sente-se indeciso/a quanto ao que fazer em
27,8 38,9 27,8 5,6 0 1,11
relação ao seu familiar?
20. Sente que deveria estar a fazer mais pelo seu
33,3 27,8 16,7 11,1 11,1 1,39
familiar?
21. Sente que poderia fazer melhor ao tomar conta
33,3 16,7 38,9 5,6 5,6 1,33
do seu familiar?
22. De um modo geral, até que ponto se sente
5,9 23,5 35,3 17,6 17,6 2,18
sobrecarregado/a por tomar conta do seu familiar?
% – Percentagem; M – Média; Pontuação qualitativa e quantitativa da ZBI: 0 – Nunca;
1 – Raramente; 2 – Às vezes; 3 – Muito frequentemente; 4 – Quase sempre

54
Os resultados de seguida expostos refletem a divisão das questões constituintes da escala
de ZBI em duas grandes subescalas, como defendido por alguns autores: a da tensão
pessoal e da tensão funcional. 37

A subescala da tensão pessoal engloba doze questões (a questão 1, 4, 5, 8, 14, 16, 17, 18,
19, 20 e 21). Nestas verificou-se frequências baixas de respostas na pontuação “quase
sempre”, exceto nas questões 8 e 14, que refletem os sentimentos de dependência do
familiar para com o cuidador. (Tabela XIX)

Nas questões 4, 5, 16 e 18 “nunca” foi a resposta mais escolhida, refletindo


respetivamente, o não se sentirem envergonhados pelo comportamento do seu familiar, o
não se sentirem zangados com este e o sentimento de serem capazes de assegurar os
cuidados ao familiar, bem como o quererem continuar a fazê-lo. (Tabela XIX)

Da análise das questões constituintes da subescala tensão funcional (questão 2, 3, 6, 11,


12 e 13) sobressai o facto de a grande maioria dos participantes sentir que por causa do
tempo que dedicam ao seu familiar, não têm tempo suficiente para si próprios (questão 2),
pelo “menos às vezes” (50%). Assim como o facto de muito frequentemente (38,8%), se
sentirem stressados por terem que tomar conta do familiar e ao mesmo tempo cumprir
outras responsabilidades familiares ou profissionais (questão 3). (Tabela XIX)

De um modo geral os cuidadores não sentem que o seu familiar prejudique o seu
relacionamento com outros familiares ou profissionais (questão 6), mas quando
questionados se sentem que a sua vida social foi prejudicada por estar a tomar conta do seu
familiar (questão 12), a maioria acha que sim. (Tabela XIX)

5.7 Hipóteses de Investigação

Para explicar e fundamentar às questões de investigação enunciadas (“apresentarão os


cuidadores de doentes com ELA maior risco de desenvolverem problemas de saúde e
níveis elevados de sobrecarga?”) foram formuladas 16 hipóteses de investigação que de
seguida se analisam.

H1 – Existe uma relação entre o nível de sobrecarga do cuidador e o seu estado de saúde?

Os resultados detetaram a existência de uma correlação negativa significativa entre o nível


de sobrecarga sentida pelo cuidador e a dor corporal experimentada por este (r = - 0,508* e

55
p = 0,031), bem como entre o grau de sobrecarga e a dimensão da saúde mental (r = -
0,644** e p = 0,004). Visto o coeficiente de corelação ser negativo pode-se afirmar que
cuidadores com níveis de sobrecarga maiores apresentam valores mais baixos nas
dimensões da dor física e da saúde mental da escala de MOS SF-36. (Tabela XX)

Tabela XX – Análise das correlações entre as variáveis (teste de correlação de Pearson)


Tempo
ALSFRS- Tempo de Idade do
ZBI gasto a
R diagnóstico cuidador
cuidar
FF r -,348 ,058 -,145 ,129 ,112
p ,158 ,818 ,567 ,610 ,691
DF r -,260 ,222 -,500 ,504* -,183
p ,298 ,375 ,845 ,033 ,513
DC r -,508* ,038 -,022 ,317 -,200
p ,031 ,882 ,931 ,200 ,474
SG r -,435 -,051 ,048 -,220 -,451
p ,072 ,841 ,851 ,380 ,091
V r -,296 ,083 ,104 ,150 -,419
p ,234 ,744 ,682 ,554 ,120
FS r -,465 ,472* ,073 ,330 ,419
p ,052 ,048 ,775 ,182 ,120
DE r -,261 ,491* -,187 ,546* -,106
p ,296 ,039 ,457 ,019 ,707
SM r -,644** ,619** ,089 ,160 -,374
p ,004 ,006 ,727 ,527 ,170
ZBI r ___ -,603** -,166 -,180 ,515*
p ___ ,008 ,512 ,945 ,050
ALSFRS-R r -,603** ___ ___ ___ ___
p ,008 ___ ___ ___ ___
r – coeficiente de relação de Pearson; *p <,05; **p <0,001; ALSFRS-R – Amyotrophic Lateral
Sclerosis Functional Rating Scale Review; DC – Dor corporal; DE – Desempenho emocional; DF
– Desempenho físico; FF – Função física; FS – Função social; SG – Saúde Geral; SM – Saúde
Mental; V – Vitalidade; ZBI – Escala de Zarit Burden Interview

H2 – O nível de sobrecarga do cuidador relaciona-se com o grau de dependência


funcional do doente?

Existe uma relação estatisticamente significativa entre o nível de sobrecarga do cuidador e


o valor de dependência funcional do doente obtido com aplicação da ALSFRS-R (r = -
0,603** e p = 0,008), sendo negativa permite-nos concluir que quanto mais dependente for
o doente (ALSFRS-R mais baixo) maior é o nível de sobrecarga do cuidador. (Tabela XX)

56
H3 – Existe relação entre o valor de dependência funcional do doente e o estado de saúde
do cuidador?

Ao comparar o valor obtido com aplicação da escala ALSFRS-R no doente e os valores


encontrados com aplicação da escala MOS SF-36 ao cuidador, nota-se a existência de
relação entre o valor da escala de funcionalidade do doente e as dimensões FS (r = 0,472*;
p = 0,048), DE (r = 0,491*; p = 0,039) e SM (r = 0,619**; p = 0,006) da escala de
avaliação do estado de saúde do cuidador aplicada. Sendo o coeficiente de relação positivo
constata-se que quando maior for o valor da ALSFRS-R, ou seja, quanto menos
dependente for o doente, maiores são os valores da dimensão função social (FS),
desempenho emocional (DE) e Saúde mental (SM) do cuidador. (Tabela XX)

H4 – Processos de doença mais longos no doente estão associados a alterações no estado


de saúde ou a níveis de sobrecarga maiores nos cuidadores de doentes com ELA?

Ao relacionar o tempo de diagnóstico com as dimensões que são avaliadas pela MOS SF-
36 e os resultados da ZBI verifica-se que não existem diferenças estatisticamente
significativas, pelo que se rejeita a hipótese formulada. (Tabela XX)

H5 – Existe relação entre a idade do cuidador e o nível de sobrecarga percebido por este?

A hipótese é rejeitada visto não se estabelecer uma relação estatisticamente significativa


entre a idade do cuidador e o nível de sobrecarga percebido por este. (Tabela XX)

H6 – Existe relação entre a idade do cuidador e o seu estado estado de saúde?

Através da análise dos dados obtidos pelo cálculo da correlação existente entre a idade dos
cuidadores e as dimensões constituintes da escala de avaliação do estado de saúde destes,
percebe-se a existência de correlação entre a idade e a dimensão do desempenho físico (r =
0,504* e p = 0,033) e a idade e a dimensão do desempenho emocional (r = 0,546* e p =
0,019) sendo esta correlação positiva quanto mais idade o cuidador tiver melhor o
desempenho físico e emocional. (Tabela XX)

57
H7 – O nível de sobrecarga ou estado de saúde do cuidador varia consoante o sexo deste?

Ao relacionar o sexo do cuidador com o nível de sobrecarga e o estado de saúde deste,


através da aplicação de teste t, não se verificou a presença de diferenças estatisticamente
significativas pelo que se rejeita a hipótese formulada.

H8 – O estado civil do cuidador influência o nível de sobrecarga e o estado de saúde do


cuidador?

Ao relacionar o estado civil do cuidador com o nível de sobrecarga percebido por este e o
estado de saúde apresentado, não se verifica a existência de diferenças estatisticamente
significativas pelo que se rejeita a hipótese formulada. (Tabela XXI)

Tabela XXI – Análise da variância entre as variáveis (teste ANOVA)


Estado Grau de Situação Grau de Rendimentos
civil escolaridade profissional parentesco do agregado
FF r ,611 3,57 ,963 ,004 ,113
p ,556 ,036 ,404 ,948 ,894
DF r ,671 ,671 ,631 ,957 ,042
p ,526 ,526 ,546 ,343 ,959
DC r ,932 ,932 ,374 ,007 ,674
p ,416 ,416 ,694 ,935 ,525
SG r 1,98 1,98 ,502 2,69 ,149
p ,172 ,172 ,615 ,121 ,863
V r 1,16 1,16 ,224 ,909 ,312
p ,353 ,353 ,802 ,343 ,737
FS r ,644 ,644 ,257 ,954 ,141
p ,539 ,539 ,777 ,343 ,869
DE r 1,80 1,80 ,648 ,929 ,759
p ,199 ,199 ,537 ,349 ,485
SM r ,469 ,469 ,203 ,009 ,039
p ,635 ,635 ,819 ,927 ,962
ZBI r ,748 ,337 1,07 1,69 ,938
p ,490 ,848 ,366 ,211 ,413
DC – Dor corporal; DE – Desempenho emocional; DF – Desempenho físico; FF – Função física; FS
– Função social; SG – Saúde Geral; SM – Saúde Mental; V – Vitalidade; ZBI – Escala de Zarit
Burden Interview

H9 – O grau de escolaridade do cuidador está diretamente relacionado com o nível de


sobrecarga experimentado ou o seu estado de saúde?

Através da análise estatística das variáveis envolvidas não se verifica a presença de


diferenças estatísticas significativas, logo a hipótese formulada é rejeitada. (Tabela XXI)

58
H10 – Existe relação entre o estado de saúde do cuidador ou o nível de sobrecarga e a
situação profissional deste?

Por não se verificar diferenças estatisticamente significativas quando se relaciona o grau de


escolaridade com o nível de sobrecarga e o estado de saúde do cuidador a hipótese
formulada é rejeitada. (Tabela XXI)

H11 – A prática de uma religião está relacionada a níveis de sobrecarga mais baixos no
cuidador e estados de saúde melhores?

Analisando a relação da prática de uma religião com o nível de sobrecarga e o estado de


saúde do cuidador, através da aplicação do teste t, não se encontram diferenças
estatisticamente significativas, motivo pelo qual se rejeita a hipótese formulada.

H12 – A sobrecarga do cuidador ou o seu estado de saúde está relacionado com o grau de
parentesco do cuidador com o doente?

A hipótese formulada é rejeitada por não se verificar diferenças estatisticamente


significativas ao relacionar-se as variáveis envolvidas. (Tabela XXI)

H13 – A experiência prévia como cuidador relaciona-se com o estado de saúde e a


sobrecarga sentida por este?

Ao relacionar a experiência prévia como cuidador com o nível de sobrecarga percebido e o


estado de saúde, através da aplicação do teste t, não se encontram diferenças significativas
estatisticamente logo rejeita-se a hipótese formulada.

H14 – Existe relação entre o tempo despendido a cuidar do doente e o nível de sobrecarga
percebido pelo cuidador?

Relacionando-se o tempo despendido nos cuidados e o nível de sobrecarga percebe-se a


existência de uma correlação positiva entre as variáveis (r = 0,515* e p = 0,05), que
significa que quanto maior o número de horas despendidas pelo cuidador nos cuidados ao
doente maior o seu nível de sobrecarga percebido por este. (Tabela XX)

59
H15 – O tempo despendido a cuidar do doente e o estado de saúde do cuidador estão
relacionados?

Após análise dos resultados obtidos da relação entre as variáveis não se verificam
diferenças estatisticamente significativas pelo que se rejeita a hipótese formulada. (Tabela
XX)

H16 – Os rendimentos do agregado familiar relacionam-se com o nível de sobrecarga ou


com estado de saúde do cuidador?

Comparando os rendimentos do agregado familiar com o nível de sobrecarga e com o


estado de saúde do cuidador não se verificam diferenças estatisticamente significativas
pelo que se rejeita a hipótese formulada. (Tabela XXI)

60
CAPITULO IV – DISCUSSÃO

61
6. Discussão dos resultados

O conhecimento das características dos cuidadores informais de doentes com ELA, das
suas necessidades e o caraterizar do ato de cuidar destes doentes torna-se importante
pois reconhece-se que do cuidar advêm tensões significativas com consequências para
o estado de saúde do cuidador e sobre a qualidade dos cuidados assegurados. 7

A ELA afeta não só o indivíduo a quem a doença é diagnosticada mas toda a família
deste e só pela implementação de medidas efetivas que visem a prevenção de
complicações na saúde física e metal do cuidador informal e dos restantes elementos
do agregado familiar, os cuidados continuarão a ser assegurados. 6, 7, 46

Cuidar de quem cuida torna-se assim fundamental, através do desenvolvimento de


políticas de saúde efetivas por parte da sociedade, que permitam não só uma correta
gestão dos recursos de saúde existentes mas também a prevenção de complicações de
saúde nos intervenientes do processo de cuidar. 46

A amostra do presente estudo é constituída em grande parte por cuidadores informais


do sexo feminino, sendo a maioria casados com o doente que cuidam. Estes resultados
são consistentes com os obtidos em vários estudos anteriormente desenvolvidos nesta
área em que grande parte dos cuidados fornecidos ao doente com ELA são assegurados
por familiares, tendo o conjugue o papel principal, facto que muitas vezes conduz a
que o cuidador se sinta pouco apoiado ou isolado. 3, 4, 5, 6, 47

Os valores e normas vigentes na nossa sociedade vinculam à mulher o dever de cuidar,


sendo este inerente à sua condição e um acrescento aos papéis por esta já
desempenhados no seio familiar. 3, 4, 5, 6, 47, 48

Apesar de metade dos cuidadores terem apenas escolaridade básica e cerca de m etade
terem rendimentos inferiores a 1060 euros, não se verificou uma correlação
estatisticamente significativa entre o grau de escolaridade ou os rendimentos auferidos
pelo agregado familiar e o nível de sobrecarga ou estado de saúde do cuidador o que
pode ser influenciado pelo grau de relacionamento entre o doente e o cuidador
(maioritariamente cônjuges). De realçar também que a maior parte dos cuidadores que
participaram no estudo não se encontravam a exercer uma atividade profissional

62
(55,6%), estando desempregados ou reformados e que em cerca de metade dos casos
os rendimentos do agregado familiar eram superiores a 1060 euros. 4, 6, 49

À semelhança do que se verificou num estudo de revisão bibliográfica na área do


cuidador de idosos 50, os cuidadores deste estudo encontram-se sobretudo na faixa
etária entre os 60 e os 80 anos, sendo na maioria das situações os conjugues, não se
encontram a exercer atividade profissional (55,6%) e a maior parte dos seus agregados
familiares são nucleares (apenas cuidador e doente), o que deve constituir uma
preocupação para as equipas de Cuidados Paliativos e a sociedade em geral.

Autores como Tramonti 3 e Lerum7 descrevem, nos seus estudos, que o facto de os
cuidadores necessitarem conciliar a prestação de cuidados com outras tarefas como o
desempenho da atividade profissional ou o cuidar de outros elementos da família,
implica para estes, um maior gasto de tempo e energia, podendo isto traduzir-se em
níveis de sobrecarga maiores ou alterações no estado de saúde. Contudo no p resente
estudo não se conseguiu demonstrar a existência de tais associações.

Quanto à idade dos cuidadores deste estudo, a média de idade apresentada pelos
cuidadores é semelhante à média de idade dos cuidadores de outros estudos nesta
área.3, 4, 5 E apesar de não se ter estabelecido uma relação estatisticamente significativa
entre a idade do cuidador e os níveis de sobrecarga, verificou-se que quanto mais
velho o cuidador melhor será o desempenho físico e emocional referido por este. Esta
associação pode causar alguma estranheza contudo analisando os resultados de um
estudo anteriormente desenvolvido, que descreve que cuidadores jovens apresentavam
maior prevalência de sintomas depressivos comparativamente aos cuidadores mais
velhos, esta poderá ser explicada.4 No referido estudo os autores realçam que a
experiência que advém da idade e a fase do ciclo de vida em que se encontram são
determinantes na forma como se lida com a angústia e as mudanças causadas pela
doença. Cuidadores com idades mais avançadas dispõem de maior capacidade de lidar
com as adversidades e muitas vezes dispõem de situações económicas mais estáveis.
Enquanto cuidadores mais jovens lidam, em grande parte dos casos, pela primeira vez
com uma situação grave de doença e têm objetivos profissionais e pessoais mais
ambiciosos, apresentando por isso, maiores dificuldades ao assumirem-se como
cuidadores. Estes factos são também capazes de explicar o melhor desempenho
emocional e físico por parte de cuidadores mais velhos. Se com a idade as limitações
63
funcionais apresentadas são maiores, a disponibilidade e experiência para cuidar
também o é.

Continuando ainda a analisar os resultados obtidos no estudo é de salientar que os


cuidadores gastam em média 12,9 horas do seu dia a cuidar do doente com ELA,
tempo médio semelhante ao descrito em estudos como o de Aoun. 49 Cinco
participantes do presente estudo, mencionam usar as 24 horas do seu dia para cuidar
do doente. Sendo estes cuidadores casados com o doente e na sua grande maioria
mulheres. Qutub4 no estudo que desenvolveu relatou o mesmo fenómeno e refere que
estes cuidadores mesmo que não estejam a prestar diretamente cuidados, pouco ou
nenhum tempo reservam para a satisfação das suas necessidades e para se distanciarem
do ato de cuidar. Daqui facilmente se percebe a relação encontrada entre o tempo
médio despendido pelo cuidador para assegurar os cuidados inerentes à condição do
doente e os níveis de sobrecarga percebidos por este (quanto maior a quantidade de
horas despendidas maiores os níveis de sobrecarga). Esta correlação foi também
encontrada em outros estudos já realizados. 4, 6, 47, 49

Dos resultados encontrados sobressai ainda o facto de só uma pequena minoria dos
cuidadores ter anteriormente cuidado de alguém dependente (16,7%) e dispor de ajuda
na prestação dos cuidados ao doente (22,2%). Bem como o facto de a principal fonte
dessa ajuda provir de outros familiares. Estas evidências são constatadas em outros
estudos e este apoio é descrito como sendo pontual mas de grande importância para o
alívio da sobrecarga e melhoria da qualidade de vida do cuidador. 51, 52

De salientar também que a falta de experiência em cuidar de alguém dependente é


referida como factor de impacto nos cuidados assegurados, visto determinar a forma
como o cuidador desempenha o seu papel e os impactos que resultam da experiência
de cuidar. Torna-se por isso importante para os profissionais de saúde, reconhecer
estas situações e fornecer a estes cuidadores um suporte precoce, bem como ajudar na
sua capacitação, para prevenir complicações futuras, quer para o doente quer para o
cuidador.53

Em relação ao estado de saúde do cuidador constatou-se que 66,7% dos cuidadores


apresentavam problemas de saúde previamente diagnosticados e que todos os
participantes mantinham um acompanhamento mais ou menos regular do seu estado de

64
saúde, com avaliações frequentes ao seu médico de família ou outro médico. Estes
resultados foram semelhantes aos encontrados em estudos desenvolvidos por Ferrando
et al54 e Roger et al 55
. Nestes, tal como se como se verificou neste estudo, as
alterações no padrão do sono, a diminuição do apetite e o cansaço os sintomas mais
referidos pelos cuidadores.

Verificou-se ainda que após o início da prestação dos cuidados alguns cuidadores
iniciaram terapêutica para a hipertensão e a ansiedade. Estando já descrito que os
cuidadores informais comparativamente com a população geral apresentam maior
consumo de fármacos antidepressivos (estes na sua maioria iniciados após o começo
da prestação dos cuidados), ansiolíticos e hipnóticos, podendo ser isto um indicador
das alterações que ocorrem em termos da saúde mental dos cuidadores e que justifica o
desenvolvimento de intervenções precoces pelos profissionais de saúde, que visem a
prevenção de complicações e a exaustão do cuidador. 54, 56

No entanto a perceção que os cuidadores têm do seu estado de saúde no seu global é
boa, uma vez que as pontuações médias obtidas nas diferentes dimensões que
constituem a escala MOS SF-36 são elevadas e superiores a 50 (numa escala de 0 a
100, em que os extremos correspondem respetivamente à pior e melhor QdVRS) com
exceção da dimensão vitalidade cujo valor médio obtido foi de 40,8. A dimensão
saúde mental apresentou também valores médios baixos (51,8) enquanto a dimensão
com valor médio mais alto foi obtido na dimensão função física. Assim, depreende-se
que os aspetos emocionais envolvidos na experiencia de cuidar são, na maior parte das
vezes, mais difíceis de lidar do que os aspetos físicos. 6

Os valores encontrados refletem as alterações que decorrem do processo de cuidar na


QdVRS e vão de encontro ao descrito em estudos como o desenvolvido por Rabkin et
al, que salienta que os cuidadores de doentes com ELA apresentam valores de QdVRS
semelhantes ao da população geral mas conforme a doença progredi estes vão diminuir
ligeiramente, sendo a nível da dimensão da saúde mental que ocorre uma diminuição
mais acentuada dos valores. 47 Visto esta dimensão englobar os conceitos de ansiedade,
de depressão, de perda de controlo comportamental ou emocional e de bem-estar
psicológico percebe-se assim facilmente o nível a que ocorre o agravamento da
QdVRS dos cuidadores.

65
É importante também realçar as alterações neurocomportamentais presentes em cerca
de 30 % dos doentes com ELA, em graus de intensidade variado, podendo ir desde
alterações da capacidade executiva e desinibição até quadros de demência
frontotemporal. Sabendo-se que estas alterações cognitivas no doente conduzem a
alterações significativas na vitalidade, na saúde mental e nos níveis de sobrecarga dos
cuidadores.14, 48, 50, 56

Já da análise dos resultados obtidos pela aplicação da escala de ZBI percebe -se que a
maioria dos cuidadores apresenta de níveis de sobrecarga moderada ou moderada a
severa, não existindo nenhum cuidador com níveis de sobrecarga severa. Estes valores
são consistentes com os descritos em outros estudos desenvolvidos sobre esta
temática.4, 6, 56

Convém contudo referir que sendo esta uma escala multidimensional a pontuação final
média obtida, nem sempre reflete fielmente o que se verifica a nível das diferentes
dimensões que constituem a escala, estas acabam por traduzir mais as circunstâncias
individuais do ato de cuidar. 6

Assim, dos resultados encontrados pela análise dos 22 itens que constituem a escala de
ZBI, percebe-se que os factores que mais contribuem para a sobrecarga do cuidador
são a perceção que o cuidador tem, de que o doente está demasiado dependente de si e
que espera que este tome conta si como se fosse a única pessoa a conseguir fazê -lo,
bem como o medo sobre o que o futuro reserva ao seu familiar.

No estudo desenvolvido por Galvin et al estes fatores são também considerados como
significativos para o desenvolvimento de sentimentos de sobrecarga. 6 O referido
estudo, conciliou métodos de natureza quantitativos com qualitativos, o que permitiu
que os resultados obtidos com aplicação da escala de ZBI fossem expandidos e
completados com os resultados das questões de resposta aberta realizadas. Estes
autores concluíram que os sentimentos de medo e temor, quer pela dependência quer
pelo futuro, resultam do facto do cuidador se espelhar na doença de quem cuida
(sofrendo por si e pelo doente). Os cuidadores referem ainda, que o terem que lidar
com as perdas atuais e simultaneamente antecipar as futuras tem um forte impacto em
si e é fonte de grande sofrimento e angústia.

66
Emergem assim, no cuidador sentimentos de ser insubstituível e imprescindível para a
manutenção da vida do doente, o que despoleta neste grandes receios, como o de não
estar à altura dos desafios que estão por vir. 55 Nos resultados encontrados verifica-se
no entanto que apesar do medo pelo futuro, os cuidadores manifestam segurança nas
decisões que têm que tomar, sentem-se capazes de manter cuidados e querer continuar
a faze-lo. A incerteza do futuro assume-se como mais perturbadora que o presente. 6

Assume-se ainda como factor de grande peso na sobrecarga percebida pelo cuidador, a
falta de tempo para si e a dificuldade em assegurar os cuidados ao doente e cumprir
outras tarefas familiares ou profissionais. Os valores encontrados nas respostas a estes
itens são semelhantes aos encontrados noutros estudos, que reforçam a ideia que no
estabelecimento de prioridades as necessidades do cuidador são suplantadas pelas do
doente e que a falta de tempo para si, associada ao aumento das responsabilidades e as
alterações na vida social do cuidador podem conduzir ao desenvolvimento de
sentimentos de isolamento e sobrecarga. 4, 6, 50, 55

Convém ainda referir o reconhecimento pelos cuidadores das implicações que a


doença tem para o doente. Compreendem que o comportamento deste é resultante da
doença e não propositado, não manifestando desconforto ou vergonha, ao receber
visitas. Contudo o tempo disponível para o lazer e para si reflete-se na sua vida social
e na perceção de bem-estar e sobrecarga, como foi também já descrito anteriormente. 4,
6, 50, 54, 55

Através da avaliação do estado de funcionalidade do doente, pelo recurso à escala


ALSFRS-R, percebe-se que os doentes constituintes da amostra possuem ainda alguma
funcionalidade, sendo a função motora a área mais afetada. Em termos práticos
implica para os cuidadores maior desempenho de atividades físicas, para substituir o
doente nas tarefas que as suas limitações o impedem de realizar. Roger et al. menciona
que quanto maior for o grau de dependência do doente maior serão os cuidados que o
cuidador tem que assegurar. 55

Por fim, para avaliar as relações existentes entre o estado de saúde do cuidador, os
níveis de sobrecarga percebidos por este e o estado de funcionalidade do doente foram
relacionados os valores obtidos pelas escalas usadas na avaliação destas componentes.

67
Percebeu-se assim a existência de uma relação estatisticamente significativa entre o
nível de sobrecarga percebido pelo cuidador e as dimensões dor física e saúde m ental
da escala de avaliação do estado de saúde do cuidador. Esta relação como esperado é
negativa o que significa que cuidadores com níveis de sobrecarga maiores apresentam
pior perceção de QdVRS em termos de dor física e da saúde mental.

A dimensão dor física procura traduzir não só a intensidade e desconforto causado


pela dor mas também a forma como esta interfere no trabalho, percebendo-se assim
facilmente que quando a dor está presente a sensação de bem-estar diminui e há uma
redução na capacidade de realizar as atividades, exigindo por isso, um maior esforço
pelo cuidador para as realizar, o que se traduz em níveis de sobrecarga maiores. A
“dor nas costas” é a dor mais vezes mencionada pelos cuidadores. 50, 54

A relação existente entre a sobrecarga e a saúde em termos mentais, percebida pelos


cuidadores está também descrita em múltiplos estudos. Estes referem que cuidadores
com maiores níveis de sobrecarga apresentam um maior número de alterações a nível
da saúde mental, traduzindo-se na alta prevalência de sintomas depressivos e ansiosos
e se manifestam pela maior fadiga e pior perceção de qualidade de vida. 5, 6, 47, 50, 57

Tendo ainda maior propensão a desenvolverem problemas de saúde física. 50

Verificou-se também a existência de uma relação estatisticamente significativa entre o


grau de funcionalidade do doente e o nível de sobrecarga do cuidador. Quanto mais
dependente for o doente maior é o nível de sobrecarga percebido pelo cuidador. Esta
relação mencionada também em outros estudos justifica-se pelo facto de o doente com
ELA, que apresente um menor grau de funcionalidade, ser um doente mais dependente
e exigente para o cuidador. 5, 55

A diminuição na funcionalidade pode traduzir-se pela presença de maiores alterações


na mobilidade e capacidade executiva, pela necessidade de suporte ventilatório e
alimentar ou mesmo por alterações significativas na comunicação. As tarefas
desempenhadas pelo cuidador são em maior quantidade e de maior complexidade,
implicando um dispêndio maior de tempo nos cuidados e um maior desgaste físico e
emocional pelo cuidador. 5, 55

Por estes mesmos motivos, a relação estatisticamente significativa encontrada entre o


grau de funcionalidade do doente e a componente mental da escala de avaliação de
68
saúde, que engloba a função social, o desempenho emocional e a saúde mental, é
explicada. Autores como Rabkin et al. 47 e Roger et al. 55 referem que a perda de
autonomia pelo doente aumenta a dependência deste do cuidador, bem como os
sentimentos de sofrimento e angústia nos intervenientes, sobressaindo mais uma vez o
facto de as repercussões do ato de cuidar, serem mais significativas em termos
emocionais.

69
7. Limitações do estudo

Apesar dos resultados obtidos é importante notar que este trabalho apresenta algumas
limitações.

Este estudo refere-se a cuidadores de doentes com ELA a residir na região norte de
Portugal, onde as famílias apresentam valores e normas muito típicas, cuidar dos seus
familiares acaba muitas vezes por se assumir como um dever. Na interpretação dos
resultados e sua extrapolação deverão atender-se aos fatores culturais inerentes, às
dificuldades, estratégias de enfrentamento e satisfação específicas dos cuidadores da
amostra.

Paralelamente a amostra apresenta um tamanho reduzido, o que resulta em grande parte do


facto de se tratar de uma doença rara. Deve-se assim ter em conta que apesar dos
resultados encontrados, a ausência de algumas correlações, como por exemplo a
importância do factor económico sobre a sobrecarga e estado de saúde do cuidador, podem
ser explicadas por este facto.

Constata-se também que a escolha de desenho transversal para o estudo não permite a
determinação de inferências causais entre variáveis. No entanto os resultados significativos
encontrados são um sinal promissor de que o conhecimento nesta área poderá beneficiar
com o desenvolvimento de um estudo longitudinal.

De referir ainda que aquando a realização do questionário ocorreu um erro só detetado


durante a fase análise dos dados. A questão nove da escala MOS SF-36 corresponde à da
versão 1 e não à da versão 2. A diferença principal nas duas versões, comparando a figura
VII com a figura VIII, é o número de opções de escolha para a resposta a cada alínea e a
sintaxe da alínea f. Visto ambas as versões estarem validadas e adaptadas à população
portuguesa e existir fórmula de cálculo para se proceder ao seu tratamento estatístico
optou-se por prosseguir com o estudo.

70
Figura VII – Pergunta número 9 da MOS SF-36 v 1

Figura VIII – Pergunta número 9 da MOS SF-36 v 2


Por último também deve ser tido em consideração o facto do investigador e do orientador
do estudo fazerem parte da equipa de cuidados paliativos que acompanham o doente e o
cuidador da amostra. Mesmo explicando que os cuidados inerentes ao doente não seriam
condicionados pela participação do cuidador e que todos os dados seriam tratados de forma
anónima, sendo importante a resposta de forma sincera ao questionário, reconhece-se que
possa ter havido algum condicionamento nas respostas.

71
CAPITULO V – CONCLUSÕES

72
No presente estudo percebe-se o grau de complexidade e diversidade das questões que
envolvem o cuidar de um doente com ELA. O cuidador informal assume um papel
primordial na assistência e manutenção da vida do doente, mas dos cuidados que assegura,
podem advir consequências de grande impacto na sua vida, afetando o seu bem-estar
psicológico, fisco e social.

Os achados do estudo foram consistentes com os dados encontrados através da pesquisa


bibliográfica previamente efetuada. Ao verificar-se um predomínio do sexo feminino entre
os cuidadores, com médias de idades à volta dos 59 anos e na sua maioria a não
desempenharem nenhuma atividade profissional. As famílias eram nucleares e o conjugue
do doente assume-se como o cuidador informal, dedicando em média mais de 10 horas do
seu dia aos cuidados ao doente. Sendo notório que quanto maior o tempo despendido aos
cuidados maior o nível de sobrecarga percebido pelo cuidador.

Os cuidadores apresentavam uma sobrecarga moderada a severa e o impacto das atividades


realizadas na qualidade de vida dessas pessoas, compromete especialmente as dimensões
vitalidade e saúde mental. Foi também encontrada uma relação clara entre nível de
sobrecarga percebido e as dimensões dor física e saúde mental, em que quanto maior o
nível de sobrecarga pior a perceção que o cuidador tem do impacto dos cuidados na sua
saúde mental a nível da dor física sentida.

Conclui-se também existir uma relação entre o grau de funcionalidade do doente, a


sobrecarga e estado de saúde do cuidador. Se o doente apresenta maior grau de
dependência pelo seu estado de funcionalidade ser reduzido, a necessidade de cuidados
será maior, mais complexa e consequentemente o cuidador vai referir níveis de sobrecarga
maiores e maior impacto na sua qualidade de vida, principalmente a nível da dor física
percebida e da sua saúde mental.

Reconhecendo-se então a existência destas consequências para o cuidador, resultantes do


ato de cuidar, torna-se pertinente o desenvolvimento de intervenções e apoio efetivo, pelos
profissionais de saúde e restante comunidade para melhorar o bem-estar psicológico e a
aumentar a qualidade de vida destes cuidadores.

73
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82
ANEXOS

83
ANEXO I – Questionário

84
ANEXO II – Consentimento informado

92
CONSENTIMENTO INFORMADO, ESCLARECIDO E LIVRE

Por favor, leia com atenção a seguinte informação. Caso surja alguma dúvida não
hesite em solicitar esclarecimento. Depois se concordar com a proposta que lhe é feita,
queira assinar este documento.

Título do estudo: “Avaliação do estado de saúde dos cuidadores de doentes com Esclerose
Lateral Amiotrófica”

Pessoa responsável pelo estudo: Sónia Cristina Bessa Teixeira

Este estudo está a ser desenvolvido, no âmbito do VII Mestrado em Cuidados Paliativos da
Faculdade de Medicina do Porto (FMUP), sobre a orientação da Dr.ª Edna Gonçalves.

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença extremamente incapacitante e as


necessidades dos doentes e cuidadores vão aumentando com a progressão da doença.

Com a realização deste estudo pretende-se caraterizar o estado de saúde dos cuidadores de
doentes com ELA, acompanhados na consulta de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar
de S. João, E.P.E. (CHSJ, EPE.), reconhecendo as dificuldades que advém do cuidar e suas
possíveis consequências para o cuidador, com vista a desenvolver, um plano de trabalho e
atuação mais adequado às suas necessidades. Para isso, peço a sua valiosa colaboração
através do preenchimento do seguinte questionário, em que o tempo estimado de
preenchimento é de 30 minutos.

A sua participação deverá ser voluntária, podendo desistir a qualquer momento do


preenchimento do questionário, sem que por isso venha a prejudicar a prestação dos
cuidados de saúde efetuados a si ou ao doente. Garante-se que o seu anonimato será
assegurado e os dados recolhidos serão tratados de forma confidencial. Podendo
posteriormente solicitar ao investigador os resultados deste estudo.

Este estudo foi analisado e autorizado pela Comissão de Ética desta instituição.

Em caso de surgir mais alguma dúvida poderá contatar


[email protected]/963246867

Grata pela sua colaboração

______________________________
(Sónia Cristina Bessa Teixeira)
Enfermeira no serviço de Cuidados Paliativos CHSJ,EPE
Aluna do VII Mestrado em Cuidados Paliativos da FMUP
Declaro ter lido e compreendido este documento, bem como as informações verbais
que me foram fornecidas pela pessoa que acima assina. Foi-me garantida a
possibilidade de, em qualquer altura, recusar participar neste estudo sem qualquer tipo
de consequências. Desta forma, aceito participar neste estudo e permito a utilização dos
dados que de forma voluntária forneço, confiando em que apenas serão utilizados para
esta investigação e nas garantias de confidencialidade e anonimato que me são dadas
pela investigadora.

Assinatura:_________________________________________________
Data: __ /__ /____
ANEXO III – Parecer da comissão de ética do CHSJ, EPE

95
ANEXO IV – Autorização do uso da Escala MOS SF-36 v 2

100
ANEXO V – Autorização do uso da Escala ZBI

102

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