Cuidador Informal de ELA
Cuidador Informal de ELA
Cuidador Informal de ELA
PORTO, 2017
“Muito cuida quem precisa de cuidados...
Cuidando-nos.”
À Sofia que mesmo sem entender bem porquê, na sua inocência de criança, sabia
quando roubar um colinho ou “estudar” com a mãe.
Aos cuidadores e doentes que todos os dias me ensinam um pouco mais, exemplos
de força e resiliência, no meio do caos causado pela doença.
Resumindo, agradeço a todos que preenchem a minha vida e o meu coração, que
direta ou indiretamente, facilitaram a minha caminhada e permitiram a conclusão
deste trabalho.
Resumo
Resultados: Foram incluídos no estudo 18 cuidadores de doentes com ELA com ALSFR-
R 23,9 ± 12,5, maioritariamente cônjuge (n= 15), com uma mediana de idades de 61 anos
(29 a 77 anos) e um tempo gasto por dia a cuidar que variou entre 2 e 24 horas (M ± DP:
12,9 ±9,0). Os sintomas mais vezes referidos pelos cuidadores foram alterações do apetite
(50%) e insónia (33,3%). Com exceção da dimensão vitalidade (M ± DP: 40,8 ±21,5) todos
as outras dimensões da escala MOS-SF 36 apresentaram médias superiores a 50
(componente saúde física – 64,4 ± 28,9; componente saúde mental – 56,4±24,4). Nove
cuidadores (50%) consideram que não houve alterações significativas na sua saúde. Oito
(44,4%) apresentavam, pela escala de ZBI, níveis de sobrecarga moderada a severa e 8
moderada (M ± DP: 23,4 ± 12,5). Existe uma correlação negativa, entre o ALFRS-R e o
grau de sobrecarga dos cuidadores (p = 0,008) e entre este e as dimensões da dor física (p =
0,031) e da saúde mental (p = 0.004) da escala de MOS SF-36. Foi positiva a correlação
entre a idade do cuidador e o seu grau de desempenho físico (p = 0,033) e emocional (p =
0,019). A quantidade de tempo despendido nos cuidados aumenta a sobrecarga dos
cuidadores (p = 0,05) mas não se correlaciona com o estado de saúde por eles percebido.
Objectives: To evaluate the health status and the level of burden of caregivers of patients
with ALS followed by a Palliative Care Service in order to intervene and minimize the
consequences of caring.
Results: The study analyses 18 caregivers of ALS patients with an ALSFR-R 23,9 ± 12,5,
mostly spouse (n= 15), with a median age of 61 years-old (from 29 to 77 years-old) and a
time spent caring per day that varied between 2 and 24 hours (M ± DP: 12,9 ± 9,0). The
symptoms most frequently reported by caregivers were appetite changes (50%) and
insomnia (33.3%). With the exception of the vitality dimension (M ± DP: 40.8 ± 21.5) all
other dimensions of the MOS-SF 36 scale showed averages above 50 (physical health
component –64.4 ± 28.9; mental health component – 56.4 ± 24.4). Nine caregivers (50%)
consider that there were no significant changes in their health. Eight (44.4%) registered
moderate to severe levels of overload, on the ZBI scale, and 8 moderate levels (M ± DP:
23.4 ± 12.5). There is a negative correlation between the ALFRS-R and the degree of
caregivers' overload (p = 0.008), and between the latter and the dimensions of physical
pain (p = 0.031) and mental health (p = 0.004) on the MOF SF-36 scale. The correlation
between the age of the caregiver and the degree of physical performance (p = 0.033) and
emotional performance (p = 0.019) was positive. The amount of time spent in care
increases the caregivers' overload (p = 0.05) but does not correlate with the health status
perceived by them.
Conclusions: Although the caregivers of patients with ALS present moderate to severe
levels of overload, the health status perceived by them is satisfactory, with the mental
component being the most affected, particularly the level of vitality. The caregiver’s
overload levels correlate with the degree of functionality of the patient and the amount of
time spent in care but the time spent in care does not correlate with the health status
perceived by caregivers.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13
4. METODOLOGIA .......................................................................................................... 31
4.1 Objetivos de estudo e questão de investigação ................................................. 31
4.2 Hipóteses de investigação ................................................................................. 31
4.3 Variáveis do estudo ........................................................................................... 32
4.4 Tipo de estudo ................................................................................................... 33
4.5 População e amostra .......................................................................................... 33
4.6 Instrumento de recolha de dados ....................................................................... 34
4.6.1 – Dados sociodemográficos ............................................................................. 35
4.6.2 – Escala MOS SF-36 v 2 ................................................................................. 35
4.6.3 – Escala ZBI .................................................................................................... 37
4.6.4 – Escala ALSFRS-R ........................................................................................ 39
4.7 Recolha e tratamento de dados .......................................................................... 40
4.8 Considerações éticas ......................................................................................... 41
5. RESULTADOS ............................................................................................................. 44
5.1 Resultado da escala ALSFRS-R........................................................................ 45
5.2 Caraterização da amostra dos cuidadores de doentes com ELA ....................... 45
5.3 Caraterização da experiência enquanto cuidador e ajudas disponíveis ............. 48
5.4 Caraterização do estado de saúde do cuidador (Parte II – Secção A do
questionário) ................................................................................................................. 49
5.5 Resultados da escala MOS SF-36 v 2 ............................................................... 50
5.6 Resultados da escala de ZBI.............................................................................. 52
5.7 Hipóteses de Investigação ................................................................................. 55
CAPITULO V – CONCLUSÕES..................................................................................... 72
ANEXOS ............................................................................................................................ 83
ANEXO I – QUESTIONÁRIO.............................................................................................. 84
ANEXO II – CONSENTIMENTO INFORMADO ..................................................................... 92
ANEXO III – PARECER DA COMISSÃO DE ÉTICA DO CHSJ, EPE ...................................... 95
ANEXO IV – AUTORIZAÇÃO DO USO DA ESCALA MOS SF-36 V 2 ................................ 100
ANEXO V – AUTORIZAÇÃO DO USO DA ESCALA ZBI .................................................... 102
Índice de tabelas
CP – Cuidados Paliativos
DC – Dor física
DE – Desempenho emocional
DF – Desempenho físico
DP – Desvio padrão
EMG – Eletromiografia
FF – Função física
FS – Função social
Max – Máximo
MOS SF-36 v 2 – Medical Outcomes Study Short Form Health Survey-36 Item, version 2
Min – Mínimo
SG – Saúde Geral
SM – Saúde Mental
V – Vitalidade
Geralmente este cuidador surge no seio familiar. É de realçar que família é um conceito
relativo, dinâmico e cultural, definido de diferentes formas pelos autores. Contudo é
consensual que esta é constituída por um grupo de pessoas unidas pelos vínculos do
casamento, parentesco e/ou afinidade.3, 6
Estando o doente inserido num contexto familiar específico, é fácil compreender a reação
única e própria de cada família perante o diagnóstico de uma doença como a ELA. E no
seio desta surge a pessoa significativa para o doente, que se assumirá como seu principal
cuidador e se designa de cuidador familiar ou informal.3, 6
Assim compreende-se facilmente que o diagnóstico de ELA não só afecta o doente mas
todo o sistema familiar. Este tem que se reorganizar para puder responder às necessidades
que surjam. Desta reorganização resultaram alterações nos papéis desempenhados pelos
diferentes elementos do agregado familiar com repercussões de ordem social, laboral,
emocional e financeira, para a família.4, 5, 7
Dada a dependência funcional, que no doente com ELA aumenta com a progressão da
doença, o cuidador informal acaba por assumir a responsabilidade de promover o bem-
13
estar e a satisfação das necessidades deste. Contudo o conciliar isto com as outras tarefas
diárias e a satisfação das suas próprias necessidades, implica um esforço adicional.6
Se por um lado o vínculo que une doente e cuidador fomenta esta relação de compromisso,
por outro lado, leva ao surgimento de diferentes tensões, com implicações físicas,
psicológicas e espirituais em ambos. O cuidador deverá assim ser entendido
simultaneamente como prestador e necessitado de cuidados, pois da sua capacitação e
bem-estar, dependerá a sobrevivência e a qualidade de vida do doente.
Após realização deste estudo, espera-se obter dados que permitam fomentar não só futuras
investigações mas também realçar a importância de cuidar do cuidador.
14
CAPITULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO
15
1. Esclerose Lateral Amiotrófica
1.1 Definição
Designa-se “Esclerose Lateral” uma vez que se por um lado, a morte dos neurónios
corticais leva a um adelgaçamento nos tratos corticoespinais anteriores e laterais da
medula, por outro, o processo degenerativo é acompanhado da proliferação de astróglia e
da microglia, o que confere à medula uma certa dureza (esclerose).1, 10
1.2 Epidemiologia
Contudo estima-se que a incidência desta doença na maioria das sociedades é de 1 a 3 por
100.000 pessoas/ano e a prevalência de 3 a 5 por 100.000 pessoas/ano.1 Apesar de se
verificar uma distribuição mais ou menos homogénea, entre os povos, existem focos
endêmicos, como no oeste do Pacífico, onde a prevalência é 50 a 100 superior ao resto do
mundo. Atualmente, nesta zona do planeta verifica-se um decréscimo da incidência de
novos casos.1, 2, 12
Quanto à sua distribuição de acordo com sexo, a incidência é ligeiramente superior nos
homens (1,5:1) e estudos mais recentes descrevem já a diminuição desta proporção.1, 2, 10
16
De salientar que nos casos de ELA familiar a incidência entre homens e mulheres é
semelhante e nos casos de ELA de início bulbar ou em grupos onde o diagnóstico é
realizado em idades mais avançadas verifica-se uma incidência maior nas mulheres.10, 11
A média de idade de início dos sintomas na ELA esporádica varia entre os 55 e os 65 anos,
verificando-se que só em 5% dos casos o início dos sintomas começa antes dos 30 anos de
idade. Os últimos estudos descrevem contudo um aumento dos casos diagnosticados a
pessoas com menos de 30 anos.10, 11
Verifica-se ainda, que 5% a 10% dos casos são hereditários, sendo estes designados de
ELA familiar. Nestes nota-se a existência de um padrão Mendeliano paterno com alta
penetrância e um padrão de herança autossómico dominante.10, 11 O início da doença nos
casos de ELA familiar comparativamente com os casos de ELA esporádicos ocorre mais
cedo, cerca de uma década antes.10
Vários estudos têm sido desenvolvidos nos últimos anos para perceber qual o significado
destas mutações e a forma como estas ocorrem, acreditando-se que será através do estudo
dos genes, que se conseguirá compreender a causa, desenvolver um tratamento eficaz e
quem sabe a cura para a doença.8, 12, 13, 14
Por fim é de salientar que a média de duração da doença, desde o surgimento dos sintomas
até à morte do doente é de 3 anos. Estimando-se que só um em cada cinco doentes,
sobreviva mais do 5 anos e um em cada dez doentes sobreviva mais do que 10 anos.2 E que
a progressão da doença é mais rápida e os doentes apresentam uma sobrevida mais curta
quando os primeiros sintomas se manifestam em idades avançadas, o atingimento dos
músculos respiratórios está presente ou a presença de sintomas bulbares numa fase inicial
da doença.11
17
1.3 Manifestações clínicas
As manifestações clínicas da ELA, na fase inicial da doença são muito variáveis, pois
refletem o grupo específico de músculos afetados pela desnervação resultante da morte dos
neurónios motores comprometidos inicialmente. As manifestações clínicas tendem assim a
serem focais.10, 13
Grande parte dos casos manifestam-se por instalação de quadro de fraqueza muscular
assimétrica nos membros com comprometimento das extremidades distais, sendo mais
comum, um início do comprometimento da função das extremidades distais superiores e só
posteriormente das inferiores. Estes casos são designados de ELA espinhal clássica.1, 2, 10,
11, 13
Nestes casos, os doentes costumam descrever a presença de cãibras, nas primeiras horas da
manhã, associadas a movimentos involuntários e fasciculações nos músculos. Referem um
quadro de início insidioso da fraqueza muscular, geralmente agravado pelo frio.1, 2, 10, 11, 13
18
Apesar do reconhecimento deste início com atingimento mais focal dos músculos a doença
vai inevitavelmente progredir, seja de forma mais rápida ou lenta, acabando por se estender
a outro grupo de músculos e terminando em último caso por envolver de forma simétrica
todas as regiões do corpo.1, 10, 11
Reconhece-se contudo, que até aos estádios mais
avançados da doença, a capacidade de controlar os esfíncteres anais, vesicais e os
movimentos oculares estão conservados.1, 10
Nos doentes com ELA é também importante valorizar a presença de sinais e sintomas de
depressão, já que independentemente dos sintomas resultarem da doença em si ou do
estado de espírito causado pela dependência física e pelas alterações da comunicação que
resultam da progressão desta, o seu tratamento é importante.10
1.4 Diagnóstico
Só é feito após exclusão de todas as outras patologias que possam explicar este mesmo
quadro clínico, recorrendo a uma correta avaliação física, colheita pormenorizada da
história pessoal e familiar do doente e a múltiplos exames laboratorias.1, 15, 16
19
A ausência de um marcador biológico ou de exames específicos que facilitem o
diagnóstico, o facto da doença se apresentar de formas tão distintas, a falta de preparação
dos profissionais para reconhecer a sintomatologia e a dificuldade em interpretar os
resultados das imagens neurológicas faz com que este seja um processo complexo e que
desde o surgimento dos primeiros sintomas até um diagnóstico de ELA demore-se em
média cerca de 14 – 16 meses.11, 15, 16
Em pelo menos 30% a 50% dos casos, um diagnóstico incorreto é feito, antes do definitivo
de ELA. Este processo demorado de diagnóstico acaba por ter várias repercussões para o
doente e sua família pois dificulta o processo de adaptação à doença, a instituição de uma
terapêutica adequada e o controlo sintomático.11, 15, 16
Se o uso destes critérios na prática clínica veio facilitar o diagnóstico e reduzir o tempo do
mesmo, para os doentes e suas famílias, o diagnóstico continua a ser um processo moroso e
20
penoso. Múltiplos têm sido os estudos realizados com o intuito de definir marcadores
biológicos ou genéticos capazes de o fazer de forma mais eficaz.11, 14, 20
O impacto do diagnóstico de ELA sobre o doente e sua família é devastador devendo ser a
comunicação deste feita de forma clara e empática, respeitando as vontades e capacidades
dos intervenientes.2, 21
A abordagem na gestão dos cuidados aos doentes com ELA tem evoluído muito nas
últimas décadas sendo reconhecido que a existência de uma equipa multidisciplinar
prestadora de cuidados, que promova o envolvimento do doente e dos cuidadores na
tomada de decisão, facilita o processo de adaptação destes às perdas sucessivas e
progressivas que vão experimentando.2, 9, 10, 11, 21
Esta equipa deverá ser constituída por especialistas de diferentes áreas, como em cuidados
paliativos, neurologia, pneumologia, fisioterapia, entre outros, que se devem articular e
procurar desenvolver um trabalho continuum desde o diagnóstico até ao apoio dos
familiares no luto.2, 10, 11
Para os doentes o fornecimento de informação acerca dos progressos e estudos que estão a
ser desenvolvidos, bem como das possibilidades terapêuticas que existem para o controlo
sintomático ou a possibilidade destes participarem ativamente em estudos sobre a doença
são elementos de grande importância na promoção da esperança e no enfrentamento da
doença.2
21
Tabela II – Tratamento sintomático na ELA (adaptado e traduzido de11)
Fraqueza e incapacidade Sialorreia
– Ortoteses (ex.: para o tornozelo, colar – Anticolinérgicos (ex. amitriptilina,
cervical) atropina)
– Fisioterapia – Injeções de toxina botulínica nas
– Material adaptativo (ex. andarilho, cadeira de glândulas salivares
rodas) – Radiação das glândulas salivares
– Cuidados orais
Disfagia – Aspiração cavidade bucal
– Terapia da fala e nutricionista
– Técnicas de deglutição seguras e alteração da Secura da boca/saliva espessa
consistência dos alimentos – Remédios naturais (ex. ananás, papaia)
– Gastrotromia – Hidratação adequada
– Nebulizações salinas e N-acetilcisteína
Dispneia e tosse ineficaz – Aspiração
– Suporte ventilatório – Cuidados da boca adequados
– Morfina e benzodiazepinas
– Cinesioterapia respiratória Labilidade emocional
– Técnicas de tosse assistida (manuais e – Ensinos aos doentes com ELA e
mecânica) cuidadores
– Amitriptilina
Dor (ex. músculo-esqueléticas, cãibras, – Benzodiazepinas
fasciculações, espasticidade, imobilidade) – Dextrometorfano hidrobromido/Sulfato
– Fisioterapia, AINEs quinina
– Relaxantes musculares (ex. baclofeno, toxina
botulínica) Depressão e ansiedade
– Anticonvulsivantes (ex. gabapentina) – Apoio psicológico
– Mobilizações passivas e cuidados com zonas – Benzodiazepinas
de pressão – Antidepressivos
– Opioides
– Almofadas e colchões de alívio de pressão Perturbações do sono
– Tratar o problema subjacente
Disartria – Avaliação da função respiratória
– Terapia da fala – Ventilação não invasiva
– Uso de meios aumentativos da comunicação – Benzodiazepinas
– Ensinos à família e os cuidadores – Antidepressivo tricíclico
22
randomizados concluíram que diminui a progressão da doença e aumenta a sobrevida dos
doentes, em cerca de 2 a 3 meses.2, 16
23
2. Papel dos Cuidados Paliativos na ELA
Esta doença tem um impacto devastador no doente e sua família pois o declínio
progressivo da capacidade funcional do doente conduze-o a ficar totalmente dependente de
terceiros e para que as necessidades de ambos (doente e família) sejam corretamente
abordadas é necessário uma equipa assistencial multidisciplinar, que se articule
coerentemente.21, 22, 24
Sendo uma doença incurável e progressiva, a equipa de cuidados paliativos pode ajudar o
doente e família a lidar com as perdas consecutivas e sintomas que ocorrem, assim como a
desenvolver mecanismos de adaptação capazes de assegurar a qualidade de vida destes e
um estado funcional aceitável.23, 24
24
as suas vontades, facilitando assim o processo de tomada de decisões e ajudando na
definição de diretivas antecipadas de cuidados.21, 22, 25, 26
Doente e cuidador devem compreender que não existem, escolhas fáceis nem mais
acertadas, que é lícito aceitar ou não as medidas propostas, de acordo com os seus
objetivos e desejos, assim como, que a qualquer momento se pode descontinuar os
cuidados. Devem ainda perceber que a progressão da doença poderá conduzir a um estado
completo de “locked-in”, onde o doente não terá forma de comunicar com o exterior,
sendo por isso importante a discussão atempada das suas vontades.
O suporte aos cuidadores é também outro dos pilares dos cuidados paliativos e as
necessidades dos cuidadores de doentes com ELA são inúmeras, já que tal como o doente,
sofrem inúmeros desafios de ordem física, psicológica, socioeconómica e espiritual.
25
Existindo por isso a necessidade de um suporte estruturado, que forneça aconselhamento,
apoio psicológico, soluções para lidarem com o descontrolo sintomático do doente e os
problemas decorrentes da dependência. Este suporte aos cuidadores permanece após a
morte do doente, no luto.24, 26
Por tudo isto, poder-se-á afirmar que uma equipa de cuidados paliativos, inserida na equipa
assistencial multidisciplinar, facilita o controlo sintomático, a definição de objetivos
terapêuticos, a tomada antecipada de decisões e o correto suporte ao cuidador, aumentando
a qualidade de vida destes doentes e seus familiares.21, 26
26
3. Papel do Cuidador do Doente com ELA
Com a progressão da doença, no doente com ELA, ocorrem alterações quer na sua
capacidade de mobilidade, quer na sua capacidade de comunicar, o que o impede de
satisfazer as suas necessidades básicas. Por isso o cuidador assume um papel
preponderante na resposta não só às necessidades físicas como também sociais e
psicológicas deste.3, 4, 5
Este cuidador geralmente é um familiar ou pessoa com algum laço afetivo com o doente. É
importante para a manutenção da vida deste e para o processo de definição de um plano
terapêutico. É designado por cuidador familiar ou informal, visto não ser remunerado pelos
cuidados que presta e não ter geralmente formação específica.3, 6
A relação que se estabelece e a maneira como juntos desenvolvem estratégias para lidar
com a doença, irá depender dos papéis anteriormente desempenhados por estes, bem como,
da qualidade e tipo de relação previamente existente.3, 5, 7 Estas estratégias encontradas irão
também refletir as vivências individuais e familiares destes. Sendo assim de se esperar que
o ato de cuidar assuma diferentes significados e tenha diferentes repercussões sobre os
intervenientes, ao longo do processo de doença.6
Cuidar de um doente com ELA, pode ser um processo complexo, preenchido por
sentimentos e emoções ambíguas. Para o cuidador é difícil aceitar o declínio físico e
cognitivo do doente com ELA, surgindo sentimentos de frustração e impotência perante
27
esta realidade. Durante o processo, muitas vezes, sentem-se desamparados e sem o devido
acompanhamento clínico ou social.6, 28
O cuidador informal, como que tem, que se reinventar para assumir a prestação dos
cuidados e ser responsável pelo bem-estar de outra pessoa, que até ao diagnóstico era
independente de si. Neste processo a forma como se vê e relaciona com os outros será
condicionada e mesmo alterada pela vivência da experiencia de doença e o assumir de um
novo papel, que condicionará a satisfação das suas necessidades e mesmo vontades. E se
alguns se sentem sobrecarregados outros conseguem encontrar um novo sentido para a sua
existência.6
Doente e cuidador, têm que encontrar estratégias para se adaptarem mas nem sempre
dispõem das melhores condições ou recursos.4, 5, 6 E sendo esta uma doença cujo curso e
tempo de duração é difícil de prever facilmente se entende que o impacto sobre o doente e
cuidador será enorme.7 Ainda mais, porque estes estão inseridos num contexto social e
familiar muito específico e as alterações decorrentes da doença conduzem à adoção de
novos papéis, a alterações na interação social, ao aumento dos encargos financeiros e perda
de rendimentos resultante, quer da incapacidade do doente em trabalhar, quer pela
necessidade do cuidador em conciliar os cuidados com o seu trabalho.4, 5, 7
Certo é que cuidador e doente necessitam de criar uma boa rede de suporte familiar e
social, que lhes facilite os cuidados e garanta a melhor qualidade de vida possível para
ambos. Contudo há por parte de alguns cuidadores e doentes resistência à entrada, no seu
28
domicílio, de equipas externas prestadoras de cuidados, como última tentativa de controlo,
manutenção de rotinas e resguardo da sua privacidade.7
29
CAPITULO II – METODOLOGIA
30
4. Metodologia
Neste estudo pretendemos caraterizar o estado de saúde dos cuidadores de doentes com
ELA, bem como descrever as suas características sociodemográficas, o nível de sobrecarga
física, social, emocional e económica a que estão sujeitos. Procurando assim responder à
seguinte questão de investigação: Será que os cuidadores de doentes com Esclerose Lateral
Amiotrófica apresentam maior risco de desenvolverem problemas de saúde e de
apresentarem níveis elevados de sobrecarga?
– Existe uma relação entre o nível de sobrecarga do cuidador e o seu estado de saúde?
– Existe relação entre a idade do cuidador e o nível de sobrecarga percebido por este?
31
– O estado civil do cuidador influência o nível de sobrecarga e o estado de saúde do
cuidador?
Atendendo aos dados necessários para dar resposta à questão de investigação e testar as
hipóteses anteriormente enunciadas definiu-se as variáveis dependentes e independentes do
estudo descritas na Tabela III.
32
Tabela III – Variáveis do estudo
Variáveis independentes
Do cuidador Do doente
Idade Experiência prévia em Data do diagnóstico
Sexo cuidar Estado funcional
Estado civil Avaliação das ajudas
Escolaridade técnicas
Profissão Acompanhamento
Situação laboral médico
Religião
Agregado familiar
Existência de mais
cuidadores
Variáveis dependentes
Sobrecarga dos cuidadores dos doentes com ELA em CP no CHSJ, EPE
Estado de saúde dos cuidadores dos doentes com ELA em CP no CHSJ, EPE
ELA – Esclerose lateral amiotrófica; CP – cuidados paliativos; CHSJ, EPE – Centro Hospitalar S. João,
Entidade Pública Empresarial
Uma vez que era objetivo deste trabalho caraterizar o estado de saúde dos cuidadores de
doentes com ELA, desenvolveu-se um estudo observacional transversal, de caráter
descritivo e quantitativo. Este foi realizado no Serviço de Cuidados Paliativos do CHSJ,
EPE, com colheita de dados realizada entre 17 de janeiro e 31 de maio de 2017.
O Serviço de Cuidados Paliativos do CHSJ, EPE foi criado em novembro de 2008, atende
doentes oncológicos e não oncológicos, sendo atualmente o seu corpo clínico constituído
por seis médicos (incluindo uma psiquiatra em tempo parcial), seis enfermeiros, um
psicólogo e uma assistente social. Em 2016 foram observados pelo serviço, um total de 769
novos doentes, 20% dos quais não oncológicos. Até janeiro de 2017 o serviço acompanhou
um total de 149 doentes com ELA, sendo no início do estudo acompanhados pela equipa
35 doentes com esta patologia.
33
A amostra foi assim constituída a partir da nossa população acessível, foram incluídos no
estudo todos os cuidadores de doentes com ELA observado na consulta externa do serviço
de cuidados paliativos do CHSJ, EPE, agendada entre 17 de Janeiro e 31 de Maio de 2017,
desde que fossem o principal cuidador do doente, não fossem remunerados pelos cuidados
assegurados, tivessem idade igual ou superior a 18 anos, soubessem ler e escrever e
aceitassem participar no estudo depois de devidamente informados. Foram excluídos todos
os cuidadores de doentes numa primeira consulta de cuidados paliativos e que
apresentassem alterações cognitivas impeditivas de responder ao inquérito. (Tabela IV)
O questionário usado para recolher os dados necessários para a concretização deste estudo
é constituído por três partes, que visam o levantamento de dados relativos às características
sociodemográficas dos cuidadores de doentes com ELA, do seu estado de saúde,
determinação do grau de sobrecarga a que estes estão sujeitos e avaliação das alterações
físicas funcionais de doentes com ELA.
34
A primeira parte do questionário incluiu questões para a caracterização sociodemográfica
do cuidador.
A segunda parte pretendeu avaliar o estado de saúde do cuidador do doente com ELA,
estando esta parte dividida em três secções. A secção A é constituída por cinco perguntas
que visam avaliar o acompanhamento do cuidador por um médico, a existência de
problemas de saúde prévios ao assumir-se como cuidador, surgimento de novos problemas
de saúde após este facto, cumprimento de terapêutica e alguns sintomas experimentados
por este.
A obtenção desta informação foi feita com recurso a quinze perguntas com algumas
alíneas, de resposta simples, com o objetivo de caracterizar o cuidador quanto à idade,
sexo, estado civil, escolaridade, profissão, estado laboral, grau de parentesco com o doente,
religião, constituição e rendimento do agregado familiar, tempo de diagnóstico da doença
do familiar, horas gastas a cuidar, apoios humanos e técnicos disponíveis no auxílio ao
cuidado e experiência prévia a assegurar cuidados a outrem.
Nos anos 80 Jonh Ware e a sua equipa procuraram desenvolver instrumentos práticos de
medição para uma monitorização contínua dos resultados em saúde, planearam e
desenvolveram um estudo de resultados médicos (Medical Outcomes Study – MOS)
preocupando-se não só com a presença e ausência de sintomas mas também com o estado
de funcionalidade e bem-estar manifestado pela população, procurando ainda perceber se
35
os resultados encontrados estavam relacionados com as diferenças nos sistemas de
cuidados de saúde, formação e prática clínica.30
Neste contexto surge o instrumento de medição MOS SF-36 v 2 que permite medir e
avaliar o estado de saúde de populações e indivíduos com ou sem doença, monitorizar e
comparar doentes com múltiplas condições, assim como, comparar o estado de saúde de
doentes com o da população em geral. É uma medida genérica de saúde que procura
avaliar conceitos de saúde relacionados com estado de funcionalidade e bem-estar, não
sendo específico para qualquer nível etário, doença ou tratamento.30
As trinta e seis questões que constituem o instrumento permitem medir oito dimensões em
saúde: função física, desempenho físico e emocional, dor física, saúde em geral, saúde
mental, função social e vitalidade. Podendo estas oito dimensões agruparem-se em duas
componentes – saúde física e saúde mental – obtidas a partir de análises factoriais e a
rotações ortogonais (Figura I).
Todas as dimensões em saúde são avaliadas por vários itens e os dados obtidos pela
aplicação do instrumento sofrem um procedimento próprio (Figura II), para que estes
30
sejam coerentes e possam posteriormente serem usados. No final deste procedimento os
valores obtidos de cada escala variam de 0 – 100, em que os extremos correspondem
respetivamente à pior e melhor qualidade de vida relacionada com a saúde (QdVRS).31
36
Figura II – Diagrama do sistema de pontuação do SF-3630
Este instrumento tem sido alvo de inúmeras traduções e validações, existindo para a
população portuguesa duas versões, a versão 1 e a versão 2. A versão 2 é o resultado das
alterações feitas pelos autores na versão original e que surgiram da necessidade de a aplicar
em novas culturas e línguas, estando ambas adaptadas e validadas para esta população.30, 31,
32
Neste estudo será aplicada a MOS SF-36 v 2 com o objetivo de determinar o estado de
saúde dos cuidadores de doentes com ELA.
A escala ZBI visa avaliar os níveis de sobrecarga experimentada pelo cuidador informal.
Da tradução original do termo inglês burden surge na realidade portuguesa o termo
sobrecarga, este refere-se ao conjunto de consequências no cuidador informal resultante do
ato de cuidar de um doente com alterações físicas ou mentais. Estas consequências são o
resultado da interação do cuidador com o doente e traduzem-se por mudanças no
quotidiano, na vida familiar, social e financeira, assim como, na própria saúde do
cuidador.33
O termo sobrecarga está associado aos aspetos negativos resultantes do ato de cuidar, mas
reconhece-se nesta experiência aspetos positivos como o sentimento de se ser útil, de
proximidade e aumento intimidade com o doente.28, 33 Contudo a importância do uso deste
instrumento prende-se com o facto de que a prevenção e atuação, pelos profissionais de
saúde, dever incidir sobre o desenvolvimento de estratégias capazes de evitar a exaustão e
os problemas decorrentes do ato de cuidar.33
37
A escala de ZBI é amplamente utilizada, estando traduzida e validada para diversas línguas
e sendo uma importante ferramenta na medição da carga percebida pelo cuidador resultante
da prestação de cuidados ao familiar. Questiona o cuidador acerca de aspetos que possam
ser fonte de sobrecarga e tensão, abordando aspectos físicos, psicológicos, económicos e
relacionais.34
É constituída por vinte e duas questões, cada questão tem cinco opções de resposta: 0 –
nunca, 1 – raramente, 2 – às vezes, 3 – muito frequentemente e 4 – quase sempre,
permitindo assim ao participante, fazer uma escolha simultaneamente qualitativa e
quantitativa.35
38
E o estudo que subdivide a escala de ZIB em duas subescalas: a de esforço e a de tensão
pessoal, estas procuram refletir dois aspectos importantes da prestação de cuidados de
saúde, o quanto pode pessoalmente esta experiência ser stressante (tensão pessoal) e o
stresse resultante dos conflitos de funções ou sobrecarga (tensão funcional).37 (Tabela VII)
Tabela VII – Constituição dos domínios da escala de ZBI (adaptada e traduzida de 37)
A escala de ZBI é assim um instrumento válido e fiável para ser utilizado na avaliação do
impacto de doenças físicas ou mentais nos cuidadores informais, pelo que o seu uso na
prática está amplamente difundido. Apesar das várias adaptações e validações existentes
para a população portuguesa, adoptamos o uso da publicada pelo MAPI Research Trust,
visto ser considerada a de maior qualidade, pelo uso de métodos de validação linguística
capazes de garantir maior precisão à tradução.38
39
Esta escala é constituída por doze questões, em que cada uma delas é avaliada a forma
como o doente desempenha determinadas funções orgânicas ou da vida quotidiana,
nomeadamente o falar, a salivação, a capacidade de engolir, de manusear objetos, de
comer, de se vestir, de virar-se na cama e ajeitar os cobertores, de andar, de subir escadas,
a dispneia, a ortopneia e a insuficiência respiratória.41
A pontuação máxima da escala é de quarenta e oito, sendo cada pergunta pontuada entre
zero e quatro pontos. Os doentes com funções normais recebem quatro pontos, havendo
com a deterioração funcional crescente uma diminuição na pontuação até a incapacidade
de assegurar a função, ao que corresponde uma pontuação de zero.41
Ainda não foi traduzida e validada para o português, mas é usada pelos profissionais da
consulta de cuidados paliativos do CHSJ, EPE, na sua versão inglesa.
Após esclarecimento das dúvidas que surgiam, ao participante que aceita-se participar no
estudo, eram entregues duas cópias do termo de consentimento informado (ANEXO II),
para serem devidamente preenchidas, ficando uma com o participante e a outra com o
investigador. Neste processo procurou-se assegurar uma tomada de uma decisão livre e
esclarecida, com respeito pela condição humana e moral do participante.43
Os dados foram recolhidos então pela aplicação dos questionários aquando da realização
da consulta de cuidados paliativos no CHSJ,EPE. No início da consulta era explicado aos
cuidadores o estudo que o investigador estava a realizar e questionado se estariam
dispostos a participar.
40
Dada a fragilidade dos doentes, a dificuldade destes em comunicar e reconhecendo-se que
o cuidador tem um papel importante nos cuidados, foi permitido que os participantes que
pretendiam responder ao questionário posteriormente no seu domicílio o fizessem, com o
compromisso de depois o entregar na consulta de cuidados paliativos e tendo disponível o
contato do investigador para contactá-lo caso necessitassem de esclarecer alguma dúvida
que surgisse no decorrer do preenchimento do questionário.
Não se realizou um pré-teste uma vez que as escalas usadas no questionário aplicado
estavam validadas e adaptadas para a população portuguesa. Além de que tratando-se de
uma doença rara consideramos importante aproveitar todos os possíveis participantes, para
constituir a amostra.
Este questionário foi aplicado num momento único ao cuidador e os dados obtidos foram
processados através das técnicas estatísticas, com recurso ao programa informático
Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 24.0. A escolha do uso deste
software prendeu-se com o facto de ser um bom recurso para a análise de dados
quantitativos, quando o objetivo da análise é descrever e relacionar hipóteses de
investigação.29
Através do teste Shapiro-Wilk foi verificada uma distribuição normal dos dados, visto o p>
0,5. Como tal foram usados testes paramétricos no estudo das relações entre as diversas
variáveis, nomeadamente testes de Pearson, Testes t e ANOVA, considerando-se um valor
de significância de p <0,05.
Assim, para salvaguardar que esses princípios fossem respeitados o projeto de investigação
deste estudo foi submetido à comissão de ética do CHSJ, EPE, que deu um parecer
positivo à realização do mesmo (ANEXO III).
41
Os participantes foram devidamente informados do âmbito em que este estudo se estava a
desenvolver, quais os seus objetivos principais, o modo em que consistia a sua
participação, a sua possibilidade de aceitar ou recusar a participar no estudo, sem que dessa
decisão decorresse qualquer prejuízo para si ou para o seu familiar doente.
Os direitos dos autores das escalas que constituíam o questionário aplicado, neste estudo,
foram também reconhecidos e respeitados, ao proceder-se ao pedido formal de autorização
do uso das mesmas, tendo esta nos sido concedida. (ANEXO IV/V)
42
CAPITULO III – RESULTADOS
43
5. Resultados
Dos trinta e nove doentes avaliados durante o período estabelecido, oito estavam a ser
avaliados pela primeira vez pela equipa de cuidados paliativos. Aos restantes foi então
proposto ao cuidador e doente, após esclarecimentos dos objetivos do estudo e em que
consistia as suas participações, que integrassem no presente estudo.
Foram excluídos da amostra sete doentes/ cuidadores: cinco doentes não identificavam
cuidador informal (três tinham cuidadores formais e dois viviam sozinhos); um cuidador
não sabia ler e escrever; um doente apresentava intenso descontrolo sintomático, motivo
pelo qual não nos pareceu oportuno propor o estudo.
Dos vinte e quatro que cumpriam os critérios de inclusão e exclusão para constituir
amostra e aceitaram participar, só dezoito concluíram o preenchimento do questionário e o
entregaram, constituindo por isso a nossa amostra. (Figura III)
39
Doentes
8 31
Primeira Avaliação
avaliação subsequente
5 1 1 24
Descontrolo Cuidador
Sem cuidador Cuidador não sintomático do
informal sabe ler doente aceita participar
6 18
Não concluem
o estudo Amostra
Os dados recolhidos pela aplicação do questionário do estudo foram tratados com recurso
análise de frequências para as variáveis categoriais e análise estatística descritiva para as
variáveis numéricas. Este processo permitiu a obtenção dos seguintes resultados.
44
5.1 Resultado da escala ALSFRS-R
Importa também referir que destes seis (33,3%) apresentavam graves alterações a nível da
fala, cinco (27,8%) para satisfação das suas necessidades nutricionais tinham gastrostomia
endoscópica per cutânea e três (16,7%) estavam dependentes de ventilação não invasiva 24
horas por dia.
A média de idade da amostra era de 58,7 anos, apresentando um desvio padrão de 12,8
anos, em que o cuidador mais novo tinha 29 e o mais velho 77anos. A mediana da idade
dos cuidadores é de 61 anos.
45
Tabela IX – Caraterização sociodemográfica da amostra por sexo, grau de parentesco
com o doente, estado civil, escolaridade e situação laboral
F %
Sexo
Feminino 12 66,7
Masculino 6 33,3
Parentesco com o doente
Conjugue 15 83,3
Filho (a) 3 16,7
Estado civil
Solteiro 1 5,6
Casado 16 88,9
União de facto 1 5,6
Escolaridade
4ºano 5 27,8
6ºano 1 5,6
9ºano 3 16,6
12ºano 4 22,2
Ensino universitário 5 27,8
Situação laboral
Empregado 8 44,4
Desempregado 3 16,7
Reformado 7 38,9
F – Frequência; % – Percentagem
1 1
18 - 30 31 - 40 41 - 50 51 -60 61 - 70 71 - 80
anos anos anos anos anos anos
Frequência
46
A grande maioria dos cuidadores reconhece professar uma religião (94,4%), sendo a
religião, uma importante fonte de apoio para lidar com a situação do familiar que cuida em
64,7%. (Figura V)
Em 61,1% dos casos o agregado familiar era constituído só pelo doente e o cuidador. Dois
cuidadores da amostra tinham menores no seu agregado familiar.
47
5.3 Caraterização da experiência enquanto cuidador e ajudas disponíveis
Questionados se têm ajuda de terceiros na prestação dos cuidados ao doente com ELA,
catorze participantes referem que sim (77,8%) e na maioria das situações essa ajuda
provém de familiares (71,4%). (Tabela XII)
No que se refere às ajudas técnicas para o auxílio dos cuidados ao doente com ELA, a
cadeira de rodas de transporte foi a ajuda técnica mais frequente, usada por catorze dos
participantes (77,8%), seguida da cadeira sanitária (44,4%) e da cama articulada (38,9%).
(Tabela XIII)
48
Tabela XIII – Caraterização das ajudas técnicas usadas pelo doente e cuidador
Ajudas técnicas F %
Cadeira de rodas de transporte
Sim 14 77,8
Não 4 22,2
Cadeira de conforto
Sim 5 27,8
Não 13 72,2
Cadeira sanitária
Sim 8 44,4
Não 10 55,6
Cadeira de banho
Sim 4 22,2
Não 14 77,8
Cama articulada
Sim 7 38,9
Não 11 61,1
Colchão anti-escaras
Sim 6 33,3
Não 12 66,7
Rampa
Sim 2 11,1
Não 16 88,9
F – Frequência; % – Percentagem
16,7%
83,3%
……
Não Sim
Figura VI – Experiência prévia como cuidador
Através da análise dos resultados obtidos pela lista de sintomas apresentada na tabela XV
percebe-se que os sintomas mais referidos pelos cuidadores da amostra eram as alterações
do apetite, em que 38,9 % referem alterações moderadas e a insónia presente de ligeiro a
moderado em 33,3 % dos participantes.
Tabela XV – Caraterização dos sintomas manifestados pelo cuidador de acordo com a sua
intensidade
Sintomas Nada (%) Ligeiro (%) Moderado (%)
Falta de ar 83,3 11,1 5,6
Apetite 50 11,1 38,9
Emagrecimento 72,2 16,7 11,1
Ganho de peso 94,4 5,6 0
Insónia 66,7 22,2 11,1
Obstipação 94,4 5,6 0
Diarreia 100 0 0
% – Percentagem
Para análise da precisão da escala de MOS SF-36 avaliou-se a sua consistência interna,
através do cálculo do coeficiente de Alpha de Cronbach. Os valores obtidos foram nas
dimensões que avaliam a componente física da escala 0,871 e nas que avaliam a
componente mental 0,877, considerando-se assim que a escala tem alto grau de
confiabilidade.45
50
Todas as dimensões que avaliam a componente física da escala apresentam como
resultados médias superiores a 50, indicando por isso que a QdVRS percebida pelos
cuidadores, nesta componente é satisfatória. O valor médio mais alto foi obtido na
dimensão da função física (M ± DP = 74,4 ± 30,7) e o mais baixo na dimensão saúde em
geral (M ± DP = 54,9 ±25,1). (Tabela XVI)
51
5.6 Resultados da escala de ZBI
A pontuação total da escala de ZBI dos cuidadores com ELA foi de 23,4 (DP = ± 12,5)
mostrando uma sobrecarga moderada dos participantes.
Tabela XVIII – Níveis de sobrecarga sentida pelo cuidador segundo escala de ZBI
Nível de sobrecarga Pontuação F %
Ausência de sobrecarga 0 – 20 2 11,2
Sobrecarga moderada 21 – 40 8 44,4
Sobrecarga moderada a severa 41 – 60 8 44,4
Sobrecarga severa 61 – 88 0 0
F – Frequência; % – Percentagem
Enquanto da análise das médias obtidas em cada questão que constitui a escala de ZBI
(Tabela XIX) constata-se que a média das pontuações variam entre 0,18 e 3,44. A questão
número oito, que avalia a perceção que o cuidador tem de que o seu familiar está
dependente de si, foi a que apresentou um valor médio maior. As questões sete (“Sente que
o seu familiar está dependente de si?) e catorze (“Sente que o seu familiar parece esperar
que tome conta dele, como se você fosse a única pessoa de quem ele pode depender?”)
apresentaram também valores de resposta média elevados (respetivamente 3,39 e 2,67).
52
Assim nas questões que constituem o domínio da sobrecarga na relação entre cuidador e
doente (questões 1, 8, 11,14,18 e 20), a grande maioria dos cuidadores têm a perceção que
o doente está muito dependente de si (questão 8 e 14). (Tabela XIX)
A questão 15 constitui o domínio da escala de ZBI que analisa o impacto financeiro que o
ato de cuidar tem sobre o cuidador e a maioria responde que nunca (33,4%) ou raramente
(22,2%) sentiram não ter dinheiro suficiente para assegurar os cuidados ao familiar e as
outras despesas que têm. Seis cuidadores manifestam que muito frequentemente (11,1%)
ou quase sempre (22,2%) sentem que o dinheiro que possuem não é suficiente. (Tabela
XIX)
53
Tabela XIX – Percentagens de respostas obtidas nas questões da escala de ZBI
Pontuações (%)
Questão
0 1 2 3 4 M
1. Sente que o seu familiar pede mais ajuda do que
11,1 33,3 38,9 38,9 0 1,61
ele precisa?
2. Sente que, por causa do tempo que dedica ao seu
11,1 0 50 22,2 16,7 2,44
familiar, não tem tempo suficiente para si próprio/a?
3. Sente-se stressado/a por ter de tomar conta do seu
familiar e de tentar cumprir outras responsabilidades 5.6 22,2 16,7 38,9 16,7 2,39
familiares ou profissionais?
4. Sente-se envergonhado/a com o comportamento
88,2 5,9 5,9 0 0 0,18
do seu familiar?
5. Sente-se zangado/a quando está com o seu
50 33,3 11,1 5,6 0 0,72
familiar?
6. Sente que o seu familiar prejudica presentemente
o seu relacionamento com outros elementos da 55,5 5,6 22,2 5.6 11,1 1,11
família ou amigos?
7. Teme o que o futuro reserva ao seu familiar? 0 0 16,7 26,7 55,6 3,39
8. Sente que o seu familiar está dependente de si? 5,6 0 0 38,9 55,6 3,44
9. Sente-se nervoso/a quando está com o seu
18,8 50 18,8 11,1 0 1,25
familiar?
10. Sente que a sua saúde foi prejudicada devido ao
22,2 16,7 27,8 22,2 11,1 1,83
seu envolvimento com o seu familiar?
11. Sente que não dispõe de tanta privacidade como
33,3 16,7 33,3 5,6 11,1 1,44
gostaria de ter por causa do seu familiar?
12. Sente que a sua vida social foi prejudicada por
11,1 16,7 27,8 16,7 27,8 2,33
estar a tomar conta do seu familiar?
13.Sente-se desconfortável, ao receber visitas de
72,2 11,1 11,1 5,6 0 0,50
amigos, por causa do seu familiar?
14. Sente que o seu familiar parece esperar que tome
conta dele, como se você fosse a única pessoa de 5,6 5,6 27,8 38,9 22,2 2,67
quem ele pode depender?
15. Sente que, para além das suas outras despesas,
não tem dinheiro suficiente para cuidar do seu 33,3 22,2 11,1 11,1 22,2 1,67
familiar?
16. Sente que não será capaz de tomar conta do seu
50 5,6 16,7 27,8 0 1,22
familiar por muito mais tempo?
17. Sente que perdeu o controlo sobre a sua vida
29,4 17,6 29,4 17,6 5,9 1,53
desde que o seu familiar adoeceu?
18. Gostaria de poder, simplesmente, entregar o seu
61,1 5,6 27,8 0 5,6 0.83
familiar aos cuidados de outra pessoa?
19. Sente-se indeciso/a quanto ao que fazer em
27,8 38,9 27,8 5,6 0 1,11
relação ao seu familiar?
20. Sente que deveria estar a fazer mais pelo seu
33,3 27,8 16,7 11,1 11,1 1,39
familiar?
21. Sente que poderia fazer melhor ao tomar conta
33,3 16,7 38,9 5,6 5,6 1,33
do seu familiar?
22. De um modo geral, até que ponto se sente
5,9 23,5 35,3 17,6 17,6 2,18
sobrecarregado/a por tomar conta do seu familiar?
% – Percentagem; M – Média; Pontuação qualitativa e quantitativa da ZBI: 0 – Nunca;
1 – Raramente; 2 – Às vezes; 3 – Muito frequentemente; 4 – Quase sempre
54
Os resultados de seguida expostos refletem a divisão das questões constituintes da escala
de ZBI em duas grandes subescalas, como defendido por alguns autores: a da tensão
pessoal e da tensão funcional. 37
A subescala da tensão pessoal engloba doze questões (a questão 1, 4, 5, 8, 14, 16, 17, 18,
19, 20 e 21). Nestas verificou-se frequências baixas de respostas na pontuação “quase
sempre”, exceto nas questões 8 e 14, que refletem os sentimentos de dependência do
familiar para com o cuidador. (Tabela XIX)
De um modo geral os cuidadores não sentem que o seu familiar prejudique o seu
relacionamento com outros familiares ou profissionais (questão 6), mas quando
questionados se sentem que a sua vida social foi prejudicada por estar a tomar conta do seu
familiar (questão 12), a maioria acha que sim. (Tabela XIX)
H1 – Existe uma relação entre o nível de sobrecarga do cuidador e o seu estado de saúde?
55
p = 0,031), bem como entre o grau de sobrecarga e a dimensão da saúde mental (r = -
0,644** e p = 0,004). Visto o coeficiente de corelação ser negativo pode-se afirmar que
cuidadores com níveis de sobrecarga maiores apresentam valores mais baixos nas
dimensões da dor física e da saúde mental da escala de MOS SF-36. (Tabela XX)
56
H3 – Existe relação entre o valor de dependência funcional do doente e o estado de saúde
do cuidador?
Ao relacionar o tempo de diagnóstico com as dimensões que são avaliadas pela MOS SF-
36 e os resultados da ZBI verifica-se que não existem diferenças estatisticamente
significativas, pelo que se rejeita a hipótese formulada. (Tabela XX)
H5 – Existe relação entre a idade do cuidador e o nível de sobrecarga percebido por este?
Através da análise dos dados obtidos pelo cálculo da correlação existente entre a idade dos
cuidadores e as dimensões constituintes da escala de avaliação do estado de saúde destes,
percebe-se a existência de correlação entre a idade e a dimensão do desempenho físico (r =
0,504* e p = 0,033) e a idade e a dimensão do desempenho emocional (r = 0,546* e p =
0,019) sendo esta correlação positiva quanto mais idade o cuidador tiver melhor o
desempenho físico e emocional. (Tabela XX)
57
H7 – O nível de sobrecarga ou estado de saúde do cuidador varia consoante o sexo deste?
Ao relacionar o estado civil do cuidador com o nível de sobrecarga percebido por este e o
estado de saúde apresentado, não se verifica a existência de diferenças estatisticamente
significativas pelo que se rejeita a hipótese formulada. (Tabela XXI)
58
H10 – Existe relação entre o estado de saúde do cuidador ou o nível de sobrecarga e a
situação profissional deste?
H11 – A prática de uma religião está relacionada a níveis de sobrecarga mais baixos no
cuidador e estados de saúde melhores?
H12 – A sobrecarga do cuidador ou o seu estado de saúde está relacionado com o grau de
parentesco do cuidador com o doente?
H14 – Existe relação entre o tempo despendido a cuidar do doente e o nível de sobrecarga
percebido pelo cuidador?
59
H15 – O tempo despendido a cuidar do doente e o estado de saúde do cuidador estão
relacionados?
Após análise dos resultados obtidos da relação entre as variáveis não se verificam
diferenças estatisticamente significativas pelo que se rejeita a hipótese formulada. (Tabela
XX)
60
CAPITULO IV – DISCUSSÃO
61
6. Discussão dos resultados
O conhecimento das características dos cuidadores informais de doentes com ELA, das
suas necessidades e o caraterizar do ato de cuidar destes doentes torna-se importante
pois reconhece-se que do cuidar advêm tensões significativas com consequências para
o estado de saúde do cuidador e sobre a qualidade dos cuidados assegurados. 7
A ELA afeta não só o indivíduo a quem a doença é diagnosticada mas toda a família
deste e só pela implementação de medidas efetivas que visem a prevenção de
complicações na saúde física e metal do cuidador informal e dos restantes elementos
do agregado familiar, os cuidados continuarão a ser assegurados. 6, 7, 46
Apesar de metade dos cuidadores terem apenas escolaridade básica e cerca de m etade
terem rendimentos inferiores a 1060 euros, não se verificou uma correlação
estatisticamente significativa entre o grau de escolaridade ou os rendimentos auferidos
pelo agregado familiar e o nível de sobrecarga ou estado de saúde do cuidador o que
pode ser influenciado pelo grau de relacionamento entre o doente e o cuidador
(maioritariamente cônjuges). De realçar também que a maior parte dos cuidadores que
participaram no estudo não se encontravam a exercer uma atividade profissional
62
(55,6%), estando desempregados ou reformados e que em cerca de metade dos casos
os rendimentos do agregado familiar eram superiores a 1060 euros. 4, 6, 49
Autores como Tramonti 3 e Lerum7 descrevem, nos seus estudos, que o facto de os
cuidadores necessitarem conciliar a prestação de cuidados com outras tarefas como o
desempenho da atividade profissional ou o cuidar de outros elementos da família,
implica para estes, um maior gasto de tempo e energia, podendo isto traduzir-se em
níveis de sobrecarga maiores ou alterações no estado de saúde. Contudo no p resente
estudo não se conseguiu demonstrar a existência de tais associações.
Quanto à idade dos cuidadores deste estudo, a média de idade apresentada pelos
cuidadores é semelhante à média de idade dos cuidadores de outros estudos nesta
área.3, 4, 5 E apesar de não se ter estabelecido uma relação estatisticamente significativa
entre a idade do cuidador e os níveis de sobrecarga, verificou-se que quanto mais
velho o cuidador melhor será o desempenho físico e emocional referido por este. Esta
associação pode causar alguma estranheza contudo analisando os resultados de um
estudo anteriormente desenvolvido, que descreve que cuidadores jovens apresentavam
maior prevalência de sintomas depressivos comparativamente aos cuidadores mais
velhos, esta poderá ser explicada.4 No referido estudo os autores realçam que a
experiência que advém da idade e a fase do ciclo de vida em que se encontram são
determinantes na forma como se lida com a angústia e as mudanças causadas pela
doença. Cuidadores com idades mais avançadas dispõem de maior capacidade de lidar
com as adversidades e muitas vezes dispõem de situações económicas mais estáveis.
Enquanto cuidadores mais jovens lidam, em grande parte dos casos, pela primeira vez
com uma situação grave de doença e têm objetivos profissionais e pessoais mais
ambiciosos, apresentando por isso, maiores dificuldades ao assumirem-se como
cuidadores. Estes factos são também capazes de explicar o melhor desempenho
emocional e físico por parte de cuidadores mais velhos. Se com a idade as limitações
63
funcionais apresentadas são maiores, a disponibilidade e experiência para cuidar
também o é.
Dos resultados encontrados sobressai ainda o facto de só uma pequena minoria dos
cuidadores ter anteriormente cuidado de alguém dependente (16,7%) e dispor de ajuda
na prestação dos cuidados ao doente (22,2%). Bem como o facto de a principal fonte
dessa ajuda provir de outros familiares. Estas evidências são constatadas em outros
estudos e este apoio é descrito como sendo pontual mas de grande importância para o
alívio da sobrecarga e melhoria da qualidade de vida do cuidador. 51, 52
64
saúde, com avaliações frequentes ao seu médico de família ou outro médico. Estes
resultados foram semelhantes aos encontrados em estudos desenvolvidos por Ferrando
et al54 e Roger et al 55
. Nestes, tal como se como se verificou neste estudo, as
alterações no padrão do sono, a diminuição do apetite e o cansaço os sintomas mais
referidos pelos cuidadores.
Verificou-se ainda que após o início da prestação dos cuidados alguns cuidadores
iniciaram terapêutica para a hipertensão e a ansiedade. Estando já descrito que os
cuidadores informais comparativamente com a população geral apresentam maior
consumo de fármacos antidepressivos (estes na sua maioria iniciados após o começo
da prestação dos cuidados), ansiolíticos e hipnóticos, podendo ser isto um indicador
das alterações que ocorrem em termos da saúde mental dos cuidadores e que justifica o
desenvolvimento de intervenções precoces pelos profissionais de saúde, que visem a
prevenção de complicações e a exaustão do cuidador. 54, 56
No entanto a perceção que os cuidadores têm do seu estado de saúde no seu global é
boa, uma vez que as pontuações médias obtidas nas diferentes dimensões que
constituem a escala MOS SF-36 são elevadas e superiores a 50 (numa escala de 0 a
100, em que os extremos correspondem respetivamente à pior e melhor QdVRS) com
exceção da dimensão vitalidade cujo valor médio obtido foi de 40,8. A dimensão
saúde mental apresentou também valores médios baixos (51,8) enquanto a dimensão
com valor médio mais alto foi obtido na dimensão função física. Assim, depreende-se
que os aspetos emocionais envolvidos na experiencia de cuidar são, na maior parte das
vezes, mais difíceis de lidar do que os aspetos físicos. 6
65
É importante também realçar as alterações neurocomportamentais presentes em cerca
de 30 % dos doentes com ELA, em graus de intensidade variado, podendo ir desde
alterações da capacidade executiva e desinibição até quadros de demência
frontotemporal. Sabendo-se que estas alterações cognitivas no doente conduzem a
alterações significativas na vitalidade, na saúde mental e nos níveis de sobrecarga dos
cuidadores.14, 48, 50, 56
Já da análise dos resultados obtidos pela aplicação da escala de ZBI percebe -se que a
maioria dos cuidadores apresenta de níveis de sobrecarga moderada ou moderada a
severa, não existindo nenhum cuidador com níveis de sobrecarga severa. Estes valores
são consistentes com os descritos em outros estudos desenvolvidos sobre esta
temática.4, 6, 56
Convém contudo referir que sendo esta uma escala multidimensional a pontuação final
média obtida, nem sempre reflete fielmente o que se verifica a nível das diferentes
dimensões que constituem a escala, estas acabam por traduzir mais as circunstâncias
individuais do ato de cuidar. 6
Assim, dos resultados encontrados pela análise dos 22 itens que constituem a escala de
ZBI, percebe-se que os factores que mais contribuem para a sobrecarga do cuidador
são a perceção que o cuidador tem, de que o doente está demasiado dependente de si e
que espera que este tome conta si como se fosse a única pessoa a conseguir fazê -lo,
bem como o medo sobre o que o futuro reserva ao seu familiar.
No estudo desenvolvido por Galvin et al estes fatores são também considerados como
significativos para o desenvolvimento de sentimentos de sobrecarga. 6 O referido
estudo, conciliou métodos de natureza quantitativos com qualitativos, o que permitiu
que os resultados obtidos com aplicação da escala de ZBI fossem expandidos e
completados com os resultados das questões de resposta aberta realizadas. Estes
autores concluíram que os sentimentos de medo e temor, quer pela dependência quer
pelo futuro, resultam do facto do cuidador se espelhar na doença de quem cuida
(sofrendo por si e pelo doente). Os cuidadores referem ainda, que o terem que lidar
com as perdas atuais e simultaneamente antecipar as futuras tem um forte impacto em
si e é fonte de grande sofrimento e angústia.
66
Emergem assim, no cuidador sentimentos de ser insubstituível e imprescindível para a
manutenção da vida do doente, o que despoleta neste grandes receios, como o de não
estar à altura dos desafios que estão por vir. 55 Nos resultados encontrados verifica-se
no entanto que apesar do medo pelo futuro, os cuidadores manifestam segurança nas
decisões que têm que tomar, sentem-se capazes de manter cuidados e querer continuar
a faze-lo. A incerteza do futuro assume-se como mais perturbadora que o presente. 6
Assume-se ainda como factor de grande peso na sobrecarga percebida pelo cuidador, a
falta de tempo para si e a dificuldade em assegurar os cuidados ao doente e cumprir
outras tarefas familiares ou profissionais. Os valores encontrados nas respostas a estes
itens são semelhantes aos encontrados noutros estudos, que reforçam a ideia que no
estabelecimento de prioridades as necessidades do cuidador são suplantadas pelas do
doente e que a falta de tempo para si, associada ao aumento das responsabilidades e as
alterações na vida social do cuidador podem conduzir ao desenvolvimento de
sentimentos de isolamento e sobrecarga. 4, 6, 50, 55
Por fim, para avaliar as relações existentes entre o estado de saúde do cuidador, os
níveis de sobrecarga percebidos por este e o estado de funcionalidade do doente foram
relacionados os valores obtidos pelas escalas usadas na avaliação destas componentes.
67
Percebeu-se assim a existência de uma relação estatisticamente significativa entre o
nível de sobrecarga percebido pelo cuidador e as dimensões dor física e saúde m ental
da escala de avaliação do estado de saúde do cuidador. Esta relação como esperado é
negativa o que significa que cuidadores com níveis de sobrecarga maiores apresentam
pior perceção de QdVRS em termos de dor física e da saúde mental.
69
7. Limitações do estudo
Apesar dos resultados obtidos é importante notar que este trabalho apresenta algumas
limitações.
Este estudo refere-se a cuidadores de doentes com ELA a residir na região norte de
Portugal, onde as famílias apresentam valores e normas muito típicas, cuidar dos seus
familiares acaba muitas vezes por se assumir como um dever. Na interpretação dos
resultados e sua extrapolação deverão atender-se aos fatores culturais inerentes, às
dificuldades, estratégias de enfrentamento e satisfação específicas dos cuidadores da
amostra.
Constata-se também que a escolha de desenho transversal para o estudo não permite a
determinação de inferências causais entre variáveis. No entanto os resultados significativos
encontrados são um sinal promissor de que o conhecimento nesta área poderá beneficiar
com o desenvolvimento de um estudo longitudinal.
70
Figura VII – Pergunta número 9 da MOS SF-36 v 1
71
CAPITULO V – CONCLUSÕES
72
No presente estudo percebe-se o grau de complexidade e diversidade das questões que
envolvem o cuidar de um doente com ELA. O cuidador informal assume um papel
primordial na assistência e manutenção da vida do doente, mas dos cuidados que assegura,
podem advir consequências de grande impacto na sua vida, afetando o seu bem-estar
psicológico, fisco e social.
73
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82
ANEXOS
83
ANEXO I – Questionário
84
ANEXO II – Consentimento informado
92
CONSENTIMENTO INFORMADO, ESCLARECIDO E LIVRE
Por favor, leia com atenção a seguinte informação. Caso surja alguma dúvida não
hesite em solicitar esclarecimento. Depois se concordar com a proposta que lhe é feita,
queira assinar este documento.
Título do estudo: “Avaliação do estado de saúde dos cuidadores de doentes com Esclerose
Lateral Amiotrófica”
Este estudo está a ser desenvolvido, no âmbito do VII Mestrado em Cuidados Paliativos da
Faculdade de Medicina do Porto (FMUP), sobre a orientação da Dr.ª Edna Gonçalves.
Com a realização deste estudo pretende-se caraterizar o estado de saúde dos cuidadores de
doentes com ELA, acompanhados na consulta de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar
de S. João, E.P.E. (CHSJ, EPE.), reconhecendo as dificuldades que advém do cuidar e suas
possíveis consequências para o cuidador, com vista a desenvolver, um plano de trabalho e
atuação mais adequado às suas necessidades. Para isso, peço a sua valiosa colaboração
através do preenchimento do seguinte questionário, em que o tempo estimado de
preenchimento é de 30 minutos.
Este estudo foi analisado e autorizado pela Comissão de Ética desta instituição.
______________________________
(Sónia Cristina Bessa Teixeira)
Enfermeira no serviço de Cuidados Paliativos CHSJ,EPE
Aluna do VII Mestrado em Cuidados Paliativos da FMUP
Declaro ter lido e compreendido este documento, bem como as informações verbais
que me foram fornecidas pela pessoa que acima assina. Foi-me garantida a
possibilidade de, em qualquer altura, recusar participar neste estudo sem qualquer tipo
de consequências. Desta forma, aceito participar neste estudo e permito a utilização dos
dados que de forma voluntária forneço, confiando em que apenas serão utilizados para
esta investigação e nas garantias de confidencialidade e anonimato que me são dadas
pela investigadora.
Assinatura:_________________________________________________
Data: __ /__ /____
ANEXO III – Parecer da comissão de ética do CHSJ, EPE
95
ANEXO IV – Autorização do uso da Escala MOS SF-36 v 2
100
ANEXO V – Autorização do uso da Escala ZBI
102