Sarah Mercury - Nos Braços Do Mafioso
Sarah Mercury - Nos Braços Do Mafioso
Sarah Mercury - Nos Braços Do Mafioso
DO MAFIOSO
SARAH MERCURY
1ª EDIÇÃO
2020
Copyright © 2020 Sarah Mercury
Autora: Sarah Mercury
Revisão e diagramação digital: Luana Souza
Artes dos capítulos: Luana Souza
Leitura final: Larissa Freitas
Capa: Alicia Lorena
*****
Acordo amarrada, deitada no chão frio. O lugar fede a algo podre que
parece ter morrido há dias. Ao longe escuto vozes, mas infelizmente é um
idioma diferente do meu. Olho tentando achar um meio de escapar, só que
está muito escuro. Cada vez que acordei, estava em um lugar diferente. Não
sei dizer onde estou ou com quem, mas todas às vezes que consegui minha
consciência de volta, eu era dopada novamente. Não faço a mínima ideia de
quanto tempo se passou ou que dia é hoje, só sei que quero sair daqui. Quero
minha família de volta! Quero ser livre de novo! Sei que será quase
impossível, mas nada que me impeça de continuar tentando e lutando para
conseguir me libertar. Não vou desistir. Nunca!
Tento afrouxar as cordas, contudo elas estão muito bem amarradas.
Alguém abre uma porta, a claridade bate em meu rosto me cegando por um
tempo. Ponho-me em alerta e olho para o invasor. Ele fala algo que não
entendo, então não respondo. Coloca-me de pé e pega uma faca para cortar as
cordas dos meus pés. Por instinto tento me afastar, com medo, porém o
cretino me segura e me empurra para fora. Subimos uma escada que dá
acesso a uma sala muito bonita e bem decorada. Sou jogada aos pés de um
senhor que veste um terno escuro fumando charuto. Ele me avalia por um
tempo, então começo a ficar com medo.
— Por favor, não me machuque! — não me envergonho de implorar.
O homem que me trouxe para cá começa a rir do meu desespero. Já o
senhor, se mantém com seu olhar em mim, aparentando ser tão ou mais frio
do que o chão que estou. Ele faz sinal para que eu levante, e aos poucos, com
muita dificuldade, por me sentir fraca, me levanto e fico em pé a sua frente.
Ele traz suas mãos ao meu rosto e vai descendo aos meus seios. Começo a
tremer de pavor.
— Não me machuque! — peço dando um passo para trás.
Finamente o senhor sorri, entretanto não é um sorriso amigável. É
predatório, é maligno. Ele me pega pelos cabelos, me joga no sofá enorme
que estava sentado. Começo a chorar e a me debater, prevendo o pior
acontecer.
Tenho minha roupa rasgada, meu corpo violado de todas as piores
formas que possam imaginar. Depois do que eu imagino serem horas de
abusos e humilhações, sou levada ao mesmo quarto que estava, por fim,
trancada novamente. Pela primeira vez em minha vida entendo o que mamãe
tentava me dizer sobre os perigos que tinham do lado de fora. Acreditei que
tudo passado na televisão diariamente, nunca iria acontecer comigo, e agora
estou pagando caro. Eu queria poder voltar no tempo, ter ficado em casa! Eu
nunca mais serei a mesma depois disso. Eu só espero sobreviver a tudo isso,
ter minha liberdade um dia de volta.
12 anos de idade
Milão - Itália
Passado
Desço as escadas à procura do tio Luigi. Ele disse que iria me levar
para treinar. Segundo ele, tenho que aprender a controlar meus impulsos ou
serei expulso de mais uma escola. Não tenho culpa do moleque ter me
provocado. Eu apenas revidei. O que eles esperavam de mim? Que eu
apanhasse calado?
Mamãe disse que eu nasci com uma condição que me torna diferente das
outras crianças. Não entendo bem, eu só sei que tenho tendência a perder a
paciência e não sinto culpa quando bato em alguém, geralmente parto para a
agressão quando me sinto muito irritado, o que é quase sempre. O médico
disse que tenho que tomar alguns remédios, mas eu odeio.
Outro dia uma mulher me chamou de psicopata. Não sei direito o que é,
porém não ligo. Desde que o filho dela me deixe em paz, pode me chamar do
que quiser. Mas agora que ambos meus pais morreram em um trágico
acidente de avião, meu tio se tornou o novo capo, ele ficou com minha
guarda e muitas coisas mudaram desde então. Não preciso ir mais aos vários
médicos que eu ia antes, por exemplo. Tio Luigi disse que eu não preciso de
nenhum remédio, porque o que tenho é uma dádiva e não devo me
envergonhar por não ser igual aos outros. Ele disse que quando eu crescer,
vou entender melhor e agradecer por isso.
— Vincent? Vamos! — tio Luigi me chama caminhando para a porta.
Desço correndo ao seu encontro. Saímos de carro, andamos por um tempo
até chegar a um velho galpão, do qual entramos. Por fora parece ser velho,
enferrujado, porém, dentro é bem arrumado e cheio de equipamentos de luta.
No centro tem um ringue onde há vários homens treinando, chutando uns aos
outros. No canto da sala há alguns que estão atirando em um boneco. Olho
com curiosidade. Papai nunca me trouxe em nenhuma de suas saídas, por
mais que eu pedisse, sempre eram as mesmas respostas: “Você é muito novo”
e “Ainda não está pronto”. E até quando cogitava em me trazer, mamãe dava
um jeito de fazê-lo mudar de ideia.
— Vejo que gostou do lugar. Quer tentar? — diz Luigi apontado para um
boneco todo furado.
— Eu posso? — pergunto incerto.
— Sim. Você está em uma boa idade. É hora de aprender a ser homem.
Se passar no teste, logo se tornará um mad man. Tem que saber se defender.
Balanço a cabeça concordando, então coloco o fone que me entregam, um
óculos transparente, mas antes ganho uma aula sobre posição e postura
correta. Me ensinam como destravar a arma, mostram como cada uma delas
funciona. Sou levado para uma linha vermelha para começar e tio Luigi vem
para o meu lado.
— É normal se sentir nervoso em sua primeira vez. Esqueça o resto e
apenas relaxe! Tente se concentrar somente no seu alvo! A arma não esta
carregada, mas você terá seis chances.
Eu não estou nervoso, mas sim animado em poder fazer as coisas de
adulto. Pego a glock e me posiciono. Destravo a arma, miro no alvo e atiro.
Repito o processo mais cinco vezes, e por fim, quando a arma descarrega, é
que paro. Sinto-me de repente satisfeito comigo mesmo. Todo estresse que
tenho sentido nos últimos dias foram embora. Estou em êxtase pelo meu
feito.
Chegamos onde o boneco está, para verificar quantos tiros acertei, e sou
aplaudido quando percebem que dos seis tiros que dei, acertei quatro. Um na
cabeça, dois perto do coração e um no braço.
— Muito bom, Vincent! Claramente você tem um dom! Agora vamos à
outra sala para que possa fazer a sua iniciação? Você está mais do que pronto.
O olho confuso. Não precisa ser mais velho? Ao menos era o que
papai me falava todas as vezes em que eu pedia para ir junto em alguma de
suas missões.
— Sim, eu acho. — respondo e seus homens gargalham como se eu
tivesse falado algo muito engraçado.
— Ele não vai conseguir matar alguém. Isso não é para qualquer um. —
diz Henrique, seu consigliere.
— Você só esqueceu que meu sobrinho não é qualquer pessoa, Henrique.
Ele ainda vai comandar isso aqui e será nosso maior trunfo. Quero que você o
treine!
Escuto tudo sem entender nada, apenas observando as pessoas a minha
volta.
— Vamos? — tio Luigi diz saindo andando na minha frente.
O acompanho para uma sala onde tem um homem amarrado e sangrando
no chão.
— Vincent? Esse homem é culpado pelo acidente dos seus pais.
Estávamos à sua procura há algum tempo e só agora que o encontramos. Se
você quer ser tratado como um homem, ter o respeito da máfia, tem que atirar
nele. Está pronto para isso?
— Estou. — digo com segurança.
Olho o cara no chão tentando se soltar das amarras, com os olhos
arregalados. Um dos homens do meu tio me mostra uma mesa com variadas
armas, de vários tamanhos e modelos diferentes. Pego uma que me chamou
atenção, um punhal de cabo preto. Volto para onde meu tio está, vejo que
todos estão claramente surpresos com minha escolha. O que muitos deles não
sabem é que desde os oito anos caço e mato os animais que conseguia pegar
nas armadilhas em que eu criava na floresta. Como não podia acompanhar
papai, arrumei um jeito de me divertir preso em casa. As facas são minhas
fiéis companheiras. Eram as únicas armas fáceis de conseguir e que ficavam à
minha disposição.
— O bom e velho punhal? — tio Luigi pergunta, arqueando a
sobrancelha.
— Eu gosto deste. — digo olhando o brilho na lâmina da faca conforme
eu a viro.
— Nada contra sua escolha. Eu também gosto, mas o negócio é que isso
causa muita bagunça. Você foi bem com a arma lá dentro. Tem certeza que
não vai querer trocar?
— Não ligo! Quero essa! — falo com determinação.
Volto analisar o cara, procurando uma maneira de atingi-lo. Escolho o
pescoço. É um local certeiro e a morte é rápida.
— Saiba de uma coisa, filho, na máfia não existe lugar para pessoas
fracas. Ou é você ou é seu alvo. Um erro, uma hesitação... e nem a máfia ou
seus inimigos perdoarão.
Não digo nada, visto que gosto do silêncio nessas horas. É uma pena o
cara estar amarrado. Não será tão divertido quanto às vezes em que brinquei
com os coelhos. Chego perto dele, seguro seu cabelo para que seu pescoço
fique a mostra, então o cara começa a se debater. Eu me animo com o
desafio. Seguro firme o punhal, passando apenas uma vez. O corte foi
perfeito. O sangue jorra sujando para todos os lados. Ele se debate, faz uns
barulhos parecidos com os que os animais faziam quando eu os cortava. Aos
poucos vai parando, até que seus olhos ficam desfocados e sem vida.
Me viro para meu tio, que agora ostenta um grande sorriso. Ele vem até
mim, me abraça, diz o quanto fui bem e como está orgulhoso. Sou levado a
outra sala, onde um cara tatua em meu braço esquerdo o símbolo da famiglia:
um punhal com duas flores vermelhas. Uma vez eu perguntei ao meu tio o
porquê das rosas com o punhal, e ele me explicou que a faca é um lembrete
de que matamos sem piedade — olho por olho, dente por dente — e as flores
são para a nossa morte, porque lutaremos até o último suspiro por nossa
causa. Embaixo é escrito o juramento, que repito mais tarde na cerimônia de
iniciação feita especialmente para mim, perante a sala cheia de pessoas
importantes para a máfia.
— Pela máfia eu vivo, pela máfia eu morro!
Los Angeles, Califórnia
Presente
Todo dia a mesma merda! Tenho que levantar cedo para limpar a boate
inteira com as meninas depois de passar a noite toda acordada atendendo esse
bando de filhos da puta que fedem a bebida barata, e a charuto de péssima
qualidade. Não aguento mais essa vida! Qualquer dia desses, eu vou dar uma
de doida e meter o tiro na cara de um deles.
Eu odeio esse lugar e tudo o que ele representa. Eu queria ter minha vida
de volta! Sinto tanta falta da mamãe e do meu irmão Vítor. Será que eles
estão bem? Será que ainda se lembram de mim? Eu quero voltar para a minha
família e ter meu direito de escolha! Já tentei de tudo para sair daqui e nunca
consegui nada. Aliás, consegui sim: um braço e três costelas quebradas. Luigi
é um monstro! Com ele não tem esse negócio de meio termo. Ele manda e
você obedece. Eu demorei um tempo para aprender isso, e até alcançar esse
nível de entendimento, apanhei muito e fui deixada por dias passando fome
no calabouço. Um dia tive que ceder.
E não! Eu não desisti de sair desse inferno! Eu apenas não achei um
jeito ainda. Mas vou conseguir minha liberdade de volta, nem que seja a
última coisa que eu faça nessa minha vida miserável.
— Lorena! Luigi quer que você recepcione seus convidados hoje à
noite. Vista algo sexy e não o decepcione, ou sabe o que vai acontecer, não é?
— a vaca da Antonella diz.
— Sim, senhora! Estarei lá. — Forço um sorriso de boca fechada.
Minha vontade é de pular no pescoço dessa cafetina. Por culpa dela, tive
que ser castigada várias vezes. Eu não a suporto! Um dia ela terá o que
merece.
— Muito bem! E só para deixar claro, é melhor nem olhar para o
Vincent. Luigi sabe do seu interesse pelo sobrinho e não está nada feliz com
isso. — Sai me deixando de boca aberta.
Desgraçada! Já esteve fofocando de novo. Eu não tenho interesse
amoroso no subchefe, apenas o acho bonito. Contudo, o que tem de lindo,
tem de perigoso. O cara tem fama de degolar suas vítimas e se deleitar com
isso. Há até mesmo um boato de que ele fez isso com algumas prostitutas que
dormiram com ele. Eu que não quero chegar perto para descobrir se é verdade
essa história!
Volto aos meus afazeres. Depois de verificar se tudo está como
ordenado, subo para tomar um banho e escolher minha roupa da noite.
Arrumo meu cabelo, termino de passar maquiagem. Quando estou pronta,
desço para recepcionar os convidados. Luigi já está sentado no sofá, bebendo,
e quando me vê, faz sinal para que eu vá até ele.
— Estou ao seu agrado, senhor? — pergunto me sentindo insegura.
— Vejo que hoje está obediente. — diz me puxando para seu colo. — É
assim que eu gosto de você: mansinha feito uma ovelhinha.
Seguro a vontade de vomitar quando ele vira meu rosto para um beijo. O
homem é um escroto!
— Serão muitos convidados para hoje? — digo tentando tirar seu foco
do meu corpo.
— Sim. E é melhor preparar o quarto especial. Hoje eu e um amigo
queremos brincar com você. — fala com seu sorriso diabólico.
Fico rígida com suas palavras, o fazendo gargalhar. Oh, não! Todas as
vezes que ele me leva para lá e me divide com seus colegas, eu sempre me
dou mal. Dez anos sendo torturada, violentada praticamente todos os dias, e
ainda assim não me acostumei.
— Você é tão transparente, doce Lorena. Eu me deleito com sua
rebeldia. Você me excita quando pensa que pode se livrar de mim. Seu corpo
me pertence e faço com ele o que eu quiser, entendeu? — diz me fazendo
arfar com seu aperto em meus cabelos.
— Sim, mestre! — digo segurando o choro quando a dor vem forte
demais.
— Isso! Assim que eu quero você. Engula o choro e ajoelhe! Me dê
prazer com essa sua boquinha carnuda! Estou muito excitado agora.
Faço o que ele pede. Abro o zíper da sua calça, tiro seu pau para fora o
coloco na boca enquanto começo a masturbá-lo. Luigi segura minha cabeça e
começa a bombear em minha garganta com força. Sinto falta de ar, mas
quando tento sair para respirar, ele não deixa. Me faz continuar chupando até
tê-lo se derramando em minha boca. Levanto-me para poder sair, mas travo
quando ele me segura.
— Sobre esperar meu amigo, mudei de ideia. Quero comer você agora!
Tire a roupa e empine essa bunda para mim!
— Mas... — tento argumentar, mas antes de sequer formar a frase, levo
uma bofetada na cara.
— Eu disse para tirar a roupa e abrir as pernas para mim, vagabunda! Eu
falei que você é minha! Qual parte não entendeu ainda?
Balanço a cabeça e me viro fazendo o que pede. Nessas horas é
impossível segurar as lágrimas. Choro em silêncio quando ele entra em mim
com brutalidade, me machucando no processo. Gemo, mas meus gemidos
não são de prazer, e sim da dor que sinto com suas estocadas violentas.
Seguro na mesa, me firmando para não cair, apenas respirando fundo,
deixando minha mente vagar para quando eu era livre e saía com minha
amiga Karen, ou quando ia passar o dia na praia com minha família. Esse é
meu refúgio, é onde me escondo até tudo acabar. Ele se segura em minha
cintura e estoca uma última vez antes de se derramar em meu interior.
— Gostosa! Você nunca decepciona. — Bate em minha bunda, saindo
de dentro de mim. — Vá se limpar, porque à hora que meu convidado chegar,
quero que você dê o mesmo tratamento a ele, ou nós dois iremos ter bem
mais do que uma conversa.
Coloco meu vestido e saio o mais rápido possível de sua frente. Esbarro
em alguém no corredor, mas nem me importo em olhar para ver quem é a
pessoa. Me sinto tão humilhada, indefesa e usada, que nada interessa nesse
momento. Ele sente prazer em me ferir e tudo que sinto é nojo dele.
Entro no banheiro e me sento no chão, permitindo que toda dor,
humilhação, saiam em forma de grandes e grossas lágrimas salgadas. Ali eu
permito que minha máscara caia, me tornando novamente a menina que foi
tirada do seio de sua família, sem aviso prévio ou direito de escolha, e jogada
nesse mundo monstruoso. Posso ser a prostituta dos Lourenço e ferida o
quanto for, posso ter meu corpo usado, judiado e até mesmo sodomizado
pelos seus amigos sádicos, mas eles nunca terão a minha rendição, nem
minha alma, sempre terão que me ter à força. Não vou me render, nem deixar
que tirem o mais importante de mim: a minha dignidade.
Levanto do chão, limpo meu rosto para voltar. Ainda têm muitas horas
pela frente para enfrentar e eu faço de cabeça erguida, como uma verdadeira
brasileira de sangue quente nas veias, porque desistir não faz parte do meu
ser.
Los Angeles, Califórnia
Presente
*****
Quando o bip do celular dispara, levanto correndo para não ser vista,
nem perder o horário. Arrumo-me e desço, esperando sua chamada. Começo
a roer os esmaltes das unhas, de nervoso, enquanto olho sem piscar para o
telefone. É uma pena que essa porcaria seja rastreada, vigiada vinte e quatro
horas por dia por uma equipe de soldados escolhidos a dedo, ou eu iria ligar
para a minha família. Uma vez tentei avisar à polícia sobre mim e fui
descoberta. Apanhei tanto de Luigi e dos seus comparsas, que só de me
lembrar, estremeço de pavor. Por fim, isso também nem adiantaria, já que
eles têm o controle sobre as autoridades locais. Naquele dia eu estive tão
perto, mas ao mesmo tempo tão longe da saída.
Não demora muito para que o telefone toque, então eu atendo.
— Dark Nigth. Bom dia! — Meu coração parece que vai sair pela boca.
— Mande meu café aqui para cima! Quero o de sempre, porém com um
expresso duplo hoje!
Grosso! Nem sequer deseja um bom dia antes de passar seu comando.
— Sim, senhor! Já estou subindo.
Desliga na minha cara.
— Lorena? O que faz acordada há essa hora?
Congelo com a voz atrás de mim, mas suspiro de alívio ao ver que é
Thadeo. Apesar de ser o filho mais novo de Antonella, ele nunca me fez mal.
Diferente da mãe e do irmão.
— Hum! Vincent pediu seu café, então estou indo buscar. Eu ia pedir
para um dos soldados irem comigo. Você pode me acompanhar?
— Claro! Vamos lá, antes que o chefe ligue de novo.
Entramos no carro, vou com ele até a bendita lanchonete. Faço o pedido,
e volto com tudo para a viagem.
— Você está bem próxima dele, não é? — pergunta me estudando. Eu
seguro a respiração.
— Na verdade não. Só estou fazendo meu trabalho. Acho muito difícil
alguém ser próxima ao Vincent. O cara é assustador!
Ele ri concordando.
— Sua fama o define bem. É um exemplo para nós novatos. Todos
queremos ser como ele um dia.
— Uau! Parece que ele tem um fã, hein? — brinco com ele.
— Só sei reconhecer o seu trabalho. O cara levou nossa organização a
outro nível, além de estar fazendo seus próprios investimentos pessoais. Isso
é um feito e tanto para a sua idade.
Não sei muito dos seus negócios, então fico calada. Chegamos de volta à
boate e vou até o elevador para subir ao seu apartamento.
— Obrigada pela ajuda!
— De nada! — diz com um sorriso bonito.
Quem vê assim, nem imagina que é tão letal quanto os outros mafiosos.
Entro no elevador e aperto o botão. Meu estômago começa a revirar,
minhas pernas tremem de medo pelo que vou enfrentar. Respiro várias vezes
aguardando ele liberar minha entrada. As portas se abrem e ali está ele, todo
suado, com sua habitual carranca me aguardando.
— Você de novo? Parece que não tem amor à própria vida, não é? —
diz sério, me observando de cima a baixo.
Engulo em seco, sem saber o que falar. A sensação que tenho é que meu
cérebro acabou de ter um curto-circuito, porque tudo que havia ensaiado,
sumiu da minha cabeça, restando somente um branco.
Ela engole em seco e chama minha atenção para seu pescoço delgado.
Espero ela falar alguma coisa, mas somente me encara travada.
— Vamos, Lorena! Diga o que você quer de mim.
— Na... Nada. Quer dizer... Apenas vim trazer seu café e te pedir
desculpas por ontem. — diz com a voz trêmula.
— Se é só isso, pode deixar tudo ali no balcão e sair. — Me afasto da
porta para que ela passe.
Ela passa quase se esbarrando na parede e eu seguro a vontade de rir. A
garota é engraçada. Está com medo, mas mesmo assim veio aqui na toca do
lobo mau. Ela se inclina sobre o balcão para deixar as coisas, como pedi. Seu
vestido curto — se é que pode chamar esse pedaço de pano de roupa — sobe
mostrando a polpa da sua bunda empinada. Meu pau fica duro com a bela
visão, assim, em dois passos estou atrás dela, segurando-a no lugar.
— Sua mãe nunca te disse que você não deve entrar na casa de
estranhos, coelhinha?
Sinto-a ficar tensa com minhas palavras.
— Sim. Mas esse conselho não me ajudou muito. Nunca fui boa em
seguir regras.
— Eu vejo que não. — A seguro pelo pescoço para que se levante, sinto
sua pulsação acelerada em meus dedos, o que me deixa ainda mais excitado.
— Diga, Lorena, que veio aqui porque gostou do que fizemos ontem e
está em busca de mais! — digo baixo em seu ouvido.
— Sim, eu quero. — Responde com um gemido.
Seus seios estão pontudos e a roupa fina não ajuda a esconder esse fato.
Esfrego-me em sua bunda sentindo meu pau babar em meu short. Mordisco
sua nuca enquanto aperto seus seios empinados e então desço minha mão
para o meio de suas pernas. Ela se abre mais para mim, brinco de passar os
dedos por cima da sua calcinha, deixando um deles escorregar para dentro,
encontrando ela molhada. Tiro o dedo e trago ele aos meus lábios, provando-
a. Ela me olha com suas pupilas dilatadas, quase do tamanho de suas íris
azuis, de tão excitada.
— Isso tudo é para mim, coelhinha? Quer o meu pau aqui? — Volto o
meu dedo para dentro dela e rodeio sua entrada, apenas para provocá-la.
— Oh, Deus! Sim! — Joga a cabeça em meu ombro, totalmente
entregue aos meus avanços, sorrio do seu desespero.
— Coloque as duas mãos na mesa e se segure. Não vire para trás, nem
tente me tocar. Tudo bem? — eu digo e ela balança a cabeça afirmando. —
Boa menina!
Rasgo a sua calcinha e desço por trás dela sentido seu delicioso cheiro
de fêmea. Coloco minha língua em sua entrada e gemo quando seu gosto
explode em meu paladar. Direto da fonte é ainda melhor. Seguro-a firme no
lugar quando começa a se mexer com meu ataque em seu clitóris. Lorena
começa a tremer, dando sinais de que está perto de gozar.
— Já volto. — digo levantando e praguejando quando vejo que estou
longe do quarto, então me afasto e vou para lá.
Vou até a minha gaveta, pego uma gravata e alguns preservativos. Volto
para onde a deixei e coloco suas mãos juntas, amarrando-as para trás. Rasgo
um pacotinho e encapo meu membro com rapidez.
— Abre mais as pernas para mim, babe! — digo me encaixando em sua
boceta, entrando em seu canal.
Jogo a cabeça para trás sentido o puro êxtase em minhas veias. Começo
a estocar dentro dela, me segurando em sua cintura fina.
— Humm! — Geme ao ser empalada pelo meu pau até o talo.
Bato em sua bunda a fazendo gritar e me regozijo com as marcas de
minha mão em sua bunda morena. Direciono uma mão para o meio de suas
pernas na intenção de levá-la ao seu limite e fazê-la gritar de prazer.
— Goza para mim, coelhinha! — digo aumentando os movimentos do
meu quadril e dedo quando sinto ela me apertar.
— Deixa vir, Lorena! Não se prenda! Se entregue ao prazer!
Ela choraminga. E foda-se se esse som me deixa ainda mais duro e
pronto para explodir a qualquer momento dentro dela! Levanto uma de suas
pernas e a posição me faz ir mais fundo, nos fazendo arfar com a sensação.
Lorena começa a gemer mais, e como da primeira vez, solta um grito alto
gozando por todo o meu pau, e de quebra me leva junto, me derrubando de
um precipício de prazer e luxúria. Respiro fundo até a minha respiração
voltar ao normal, então saio de dentro dela. Viro-a de frente para mim
segurando em seus cabelos para que me olhe nos olhos.
— Vou perguntar apenas uma vez, espero que não minta para mim,
Lorena! É meu tio que está te mandando aqui? O que ele quer que você tire
de mim? Responda!
— Não. Ele não me mandou aqui. Eu juro!
— Para o seu bem, espero que esteja falando a verdade, porque se
estiver mentindo ou tentando me manipular, não serei nem um pouco
misericordioso com você. Estamos entendidos?
— Sim. Entendi.
Solto minha mão de seus cabelos, seguro seu queixo.
— Quero continuar a transar com você, mas nunca mais tente invadir
meu espaço sem que eu permita, Lorena, ou as consequências serão muito
desastrosas! Eu te chamo quando quiser sua presença, mas sempre será só
sexo. Repete para mim o que sempre será!
— Só sexo. — responde rápido.
Ela acha que me engana. Está em busca de algo que ainda não descobri.
Só que isso é questão de tempo.
— Bom! Muito bom! — A puxo para ficar encostada em meu peito. —
Porque será a única coisa que terá. Não tenho sentimentos e muito menos me
deixo ser manipulado por alguém. Então pense bem no que está tentando
fazer.
Ela balança a cabeça concordando e eu a pego com a guarda baixa para
beijar seus lábios carnudos e tentadores. Ela se derrete em meus braços.
Aproveito que já está com as mãos amarradas e a levo ao quarto ao lado do
meu, deitando-a na cama. Ela me olha curiosa, ofegante pelo que está por
vir.
— Vai ter que confiar em mim. — digo pegando outra gravata e usando
nela como uma venda.
Sua respiração acelera, desse modo me afasto para vê-la ali a minha
mercê. É bonito ver o contraste de sua pele com seus cabelos negros
espalhados nos lençóis de cetim vermelho. Vou testá-la, saber seus limites,
para explorá-los. Não todos hoje, porém já será um começo.
— Somente aqui você pode me chamar de Vincent, e nunca fora desse
quarto. Vou levá-la a outro nível de prazer. Se não gostar de algo, poderá me
dizer que irei parar, mas aqui, sou eu quem mando e seu corpo é meu para
fazer o que quiser. Quer desistir e sair?
— Não! Eu quero isso! — Morde os lábios, nervosa, eu sorrio de sua
entrega.
Vou até a maleta onde guardo alguns acessórios e brinquedos, pego uma
vela aromática, acendo e trago até ela.
— Se for demais para você, me diz. — falo virando o caldo da vela em
seus seios, a fazendo arfar.
Ela não pede para parar, então vou descendo devagar, derramando em
sua barriga plana até alcançar seu centro. Lorena se contorce, me coloco entre
suas pernas, a chupando com voracidade. Porra! Eu poderia me viciar nesse
gosto. Enfio minha língua em seu buraco apertado, tirando alguns gritos dela
no processo. Levanto-me para colocar outro preservativo, me posiciono em
sua entrada, vou entrando aos poucos, apenas curtindo e testando, para
somente depois de um tempo, agora com ela já no limite, posso acelerar. A
fodo como gosto, feito um animal faminto: com força e profundo, até tê-la
me apertando e implorando por alívio.
— Por favor, Vincent!
— Por favor o quê, mia bella?
— Humm! Por favor, me deixa gozar!
Sugo um de seus mamilos e belisco seu clitóris, o que é mais do que o
suficiente para tê-la gozando e gritando novamente meu nome. Eu me
permito vir tão forte enchendo o preservativo com minhas sementes, que por
um instante cheguei a pensar que o mesmo tinha estourado e eu estava nu
dentro dela.
Nos acalmamos e eu saio, tirando sua venda, desamarrando seus pulsos.
— Vá se limpar, que você precisa descer antes que todos acordem. Têm
toalhas no armário de cima. — digo ajudando ela a se levantar.
Saio e vou ao meu quarto tomar um banho rápido. Quando termino,
volto a minha cozinha para tomar meu café. Logo, ela vem ao meu encontro,
meio sem jeito. Não tem muito que falar. Ela precisa entender que não terá
tratamento especial apenas porque fodemos. Por fim, digito o código do
elevador para que entre.
— Ninguém deve saber nada sobre isso, Lorena, ou nós dois estaremos
com muitos problemas.
— Eu sei. Tomarei cuidado.
Fecho a porta permitindo que ela desça ao seu andar.
Faz muito tempo desde que estive com uma mulher a minha disposição
para realizar meus fetiches. Infelizmente, a última armou para mim há cinco
anos quando se juntou com o inimigo e tentou me matar na hora que
estávamos fazendo nossos jogos sexuais. Eu baixei a guarda e quase fui
morto pelo inimigo. Depois disso, nunca mais permiti que mulher nenhuma
me tocasse. Mas talvez com ela, eu possa brincar um pouco, ao menos até
descobrir o que realmente esconde de mim.
Milão - Itália
*****
Estou terminando de passar o batom quando Vincent entra. Ele está com
um terno preto de três peças e um sobretudo por cima. Um verdadeiro
mafioso! Só faltou o charuto pendurado no canto da boca. Poderia questionar
sua entrada de novo sem minha permissão, no entanto não vou criar confusão
logo agora que consegui um pouco da sua confiança. Ele me observa de cima
a baixo, me comendo com os olhos.
— Bellíssima! Mas estou vendo que terei muita dor de cabeça por conta
desse vestido.
— Por quê? Não gostou? — digo dando uma voltinha para mostrar o
decote na costa que quase revela o rego da bunda.
— Merda, Lorena! É para ser um evento formal com algumas pessoas
do alto escalão e eu não quero causar nenhum desconforto ou ter que matar
alguém que fizer alguma piadinha sobre seu corpo.
— Ciúmes? Achei que era apenas a sua prostituta particular. — digo
cruzando os braços.
Vincent se aproxima de mim com seu jeito predador, ofego com a
intensidade do seu olhar, dando passos para trás até encostar na parede. Ele
coloca as suas mãos em minha cintura, cheirando meu pescoço.
— Se comporte, coelhinha! Lá estarão alguns membros que fazem parte
da famiglia. Esse jantar é muito importante para mim e preciso causar uma
boa impressão.
— Prometo me comportar. E o vestido, que nem é tão escandaloso
assim, escolhi pensando em você. — Me aproximo mais, quase encostando
em seu peito. Arrisco pegar em seu braço, mas ele apenas observa meus
movimentos. Passo a palma de sua mão sobre minha coxa para que ele sinta a
minha pele macia e vou subindo até onde a fenda lateral permite. — Se você
ficar excitado e quiser me foder, tudo que precisará é puxar para o lado sem
precisar rasgá-lo para ter livre acesso.
Seus olhos incendeiam e suas pupilas dilatam de desejo. Ponto para
mim!
— Provocadora! Depois conversaremos sobre essa sua mania de me
desafiar.
— Promessas, promessas... — desdenho o fazendo gargalhar.
Saímos juntos do prédio e lá fora tem um de seus carros esportivos, um
jaguar na cor preta. Ele coloca as mãos em cima da minha costa, quase choro
agradecendo por inconscientemente ele me ajudar a ficar sobre meus enormes
saltos. Abre a porta para mim, como um verdadeiro cavalheiro, vai para seu
lado ligando o carro e acelerando. Logo atrás, uma comitiva de outros carros
se forma para nos seguir. Dois passam na nossa frente e os outros dois ficam
atrás, fazendo a nossa guarda.
— Não é muita segurança para apenas um jantar? — digo abismada.
— Não. Lá vão estar vários subchefes reunidos em um mesmo lugar,
então o risco de um atentando contra nós é muito alto. Temos todos que nos
preparar.
Andamos por volta de meia hora antes de parar perto de um grande hotel
de luxo, onde tem um enorme tapete vermelho esticado na frente. Quando
entramos, entendi o porquê de sua preocupação e toda a recomendação. O
lugar “grita” luxo do chão ao teto. Logo na entrada tem um enorme lustre de
cristal nos dando boas-vindas.
Somos levados até uma área reservada com uma grande mesa que tem
pelo menos umas vinte pessoas. Há soldados espalhados por todos os lados,
de vigia, acabo me sentindo sem jeito quando vejo a mesa lotada de mulheres
muito bem vestidas e cheias de joias. Acho que tem mais pedras preciosas
aqui do que na Tiffany. Elas esbanjam elegância e de repente me sinto sem
graça perto delas. De cara percebo que não irei fazer parte da panelinha, já
que os olhares em seus rostos ao me examinarem de cima a baixo são
impagáveis. A sensação é de que sou um dos bichos raros postos em
zoológicos para a exibição da elite. Algumas expressam curiosidade, todavia
outras já me olham com os narizes empinados, deixando claro que não sou
bem vinda ao grupo. Tudo bem! Não faço questão de suas hipocrisias
mesmo. Os homens, ao contrário de suas esposas, só faltam colocar a língua
para fora e babar feito cachorros no cio. Se essas olhadas não forem
desrespeitos, eu não sei o que é.
— Boa noite, senhoras e senhores! Desculpe o atraso. Estava
aguardando minha acompanhante terminar de se arrumar. Sabem como são as
mulheres, não é? — Vincent diz brincando, tirando algumas risadas dos
homens presentes.
— Eu diria que a espera valeu a pena, não? A moça está deslumbrante.
— um senhor de uns setenta anos, sentado na ponta da mesa, responde.
— Una bella ragazza! — confirma um jovem loiro que aparenta ter a
minha idade.
Esse daí eu diria que só falta tirar o pau pra fora de tanto que me despe
com o olhar. Vincent, então, dá um passo à frente.
— Cuidado, Filippo! Não queremos confusão aqui. — Vincent diz com
a voz arrastada e carregada de ameaças.
— Está certo, meu jovem. Vamos jantar para tratar de negócios.
Vincent puxa uma cadeira para que eu me sente ao seu lado e fico grata
por ter percebido o clima nada agradável com a nossa entrada. O jantar
transcorre bem, sem nenhuma faca ou arma puxadas. Quando finalizamos a
sobremesa, as mulheres se levantam para sair e me sinto novamente
deslocada, sem saber o que fazer.
— Você pode ir dar uma volta no jardim se não quiser acompanhar as
senhoras.
— Vou me esforçar para me enturmar. Caso eu não seja bem recebida,
irei dar um passeio pelo local.
Retiro-me da mesa e saio à procura da ninhada de cascavel. Antes de
alcançá-las, tenho meu braço puxado por uma delas.
— Querida! Você não é uma de nós e não tem que estar aqui. Não nos
misturamos com gente da sua laia!
Meu sangue ferve diante da afronta.
— E a qual laia pertenço? Posso saber?
A cobra faz cara de nojo, me avaliando.
— Claramente não é a nossa. Fazemos parte da alta sociedade, e você,
no máximo, é uma meretriz. Não sei como ele pôde fazer isso conosco. Nem
assumiu o compromisso com a Giovanna e já está envergonhando a família.
— Quem é Giovanna?
Ela sorri feliz como se tivesse acabado de ganhar o melhor presente no
dia de natal.
— Oh! Você não sabe? Vincent irá oficializar seu noivado com a bela
Giovanna Vitiello. Muita educada e refinada a menina.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Mais pela humilhação do que a
menção de outra mulher em si. Então me viro para sair, mas não antes de
falar o que ela merece.
— Sabe por que vocês odeiam tanto a nossa classe e tentam nos
rebaixar? A verdade é que no fundo vocês sabem que são tão incompetentes e
frias, que seus maridos não acham o que precisam em casa, então vão atrás de
quem sabe fazer o serviço direito. Por isso esse desrespeito todo conosco.
— Sua desaforada!
— E pode avisar a essa Giovanna sei lá do quê, que ela terá uma
concorrente forte. Não entro em uma briga para perder. — Viro-me e saio de
lá, deixando-a de boca aberta. Não vou permitir que alguém entre no meu
caminho, tirando de mim a última chance de conseguir voltar a minha terra.
O jantar termina e as mulheres imediatamente se levantam para sair,
desocupando a mesa para que possamos tratar de negócios. Elas não fazem
parte das conversa, sempre foi assim. Mulher tende a falar demais uma com
as outras, o que pode nos prejudicar. Sem contar que em uma armadilha, não
precisaria de muito para abrirem a boca e contar tudo aos inimigos.
Felizmente, para elas, não é necessário fazer o juramento de sangue, como
nós, nem passar por duros treinamentos para aprenderem a aguentar as
torturas, no caso de serem pegas por organizações rivais. No entanto, isso não
as torna propriamente livres, já que uma vez nascidas aqui, não saem e nem
terão uma vida normal.
Observo Lorena de longe ser barrada por uma das antigas matriarcas.
Trazê-la comigo nesse maldito jantar, talvez não tenha sido uma boa ideia,
visto que essas mulheres irão comê-la viva. Depois de algumas trocas de
palavras, que imagino não terem sido nada amigáveis, a morena sai rumo ao
jardim com uma expressão de chateada. Dou sinal para que um dos meus
soldados a vigie e volto a minha atenção à mesa, sem a mínima vontade de
ficar ouvindo as baboseiras que esses velhos idiotas estão falando. Fui
avisado em cima da hora dessa reunião, entretanto tive que comparecer,
porque essa é a minha chance de tentar mostrar aos outros membros que sou
responsável, a fim de colocá-los ao meu lado, para futuramente não ter
nenhum impedimento quando alcançar o meu posto. Pior do que ter inimigos
fora da organização, é ter dentro dela.
O cargo de capo é desejado por muitos e nessa mesa não dá para contar
nos dedos quantos estão ansiando pela chefia. Apesar dos Lourenço estarem
no comando há anos, não somos necessariamente uma dinastia onde somente
membros da minha família possam ocupar esta cadeira. Existem outras
organizações por aí que levam como uma das regras passar o cargo de chefe
de pai para filho, sucessivamente. Porém, a nossa não é assim, desde que o
capo pertença a uma das sete famílias tradicionais e fundadoras, está valendo,
o que me torna um odiado concorrente nesse momento, posto que meu nome
é o mais cotado para assumir depois de Luigi.
— Ficamos sabendo que você está levando o nome da famiglia ainda
mais longe do que imaginamos um dia. Traficar armas para um país em
guerra é uma ideia muito inteligente. Somente o governo dos Estados Unidos
esteve no topo, lucrando há anos com essa estratégia.
Semicerro os olhos com a fala de Alessandro, um dos nossos antigos
subchefes. Acabei de fazer esse negócio com os árabes e poucas pessoas
sabiam disso.
— Vejo que estão muito bem informados sobre o que ando fazendo. —
digo com os dentes trincados.
— Podemos não estar mais ocupando a cadeira, Vincent, mas não somos
idiotas, portanto, não tiramos os olhos de cima de nenhum dos nossos novos
subchefes, e isso inclui você, meu caro. Estamos apenas tomando precauções
para que as coisas não saiam do controle. — retruca me analisando.
Merda!
— Essa vigilância também se estende aos mais velhos que ainda ocupam
algum cargo na máfia? — questiono sua audácia em achar que nós que
podemos prejudicar os negócios.
— Como é? Está querendo nos acusar de algo? — Carlo sobe a voz
achando que me fará ter medo de continuar.
— Quem tem sujado o nome da Camorra não são os novatos, mas sim
alguns dos mais velhos, que deveriam ter sabedoria adquirida com a idade.
Eu tenho feito o que posso, mas ainda assim não é o suficiente para apagar o
fogo que tem se alastrado na mídia sobre a organização, com essas histórias
de tráfico humano. Imagina quando chegar aos ouvidos das autoridades que
também temos alguns velhos sem escrúpulos nenhum sequestrando crianças
para suas taras sexuais.
Vejo pelo menos metade da mesa empalidecer. Figli di puttana!
— São somente especulações, das quais sempre tiveram e sempre terão.
Nada que comprove nosso nome no meio. — Anthony, um dos anciões mais
antigos, diz secando a testa com seu lenço.
Estúpido! Acabou de provar que tem culpa no cartório.
— Não dessa vez. O FBI está nos cercando cada vez mais, para variar,
meu tio não tem colaborado como deveria. Estamos cada dia mais perto de
sermos presos e ter nossa organização dada de mão beijada para eles fazerem
o que quiserem com ela. Na Itália, as coisas não andam nada bem, e por lá,
eles já estão nos dando grandes prejuízos financeiros.
— Estamos sabendo disso, porém o capo já está tomando as devidas
providências, então não temos razões para fazer um alarde e nos
desesperarmos. Ainda mais agora, que a sua união com a menina Vitiello
veio em boa hora. Trate de marcar logo a data do casamento, já que você é o
mais cotado para ser o próximo capo! — Mariano, amigo chegado do meu
tio, dá ênfase na última palavra, me provocando.
— Concordo com o Mariano. — Francesco, outro imbecil da época do
meu pai, confirma.
Desgraçados! Eles sabem dos podres do meu tio. Provavelmente são uns
dos beneficiados com essa sujeira, só que estão com medo de sobrar para
eles.
— Não vejo aonde essa união irá nos ajudar sobre esse assunto, já que o
nosso maior inimigo, no momento, que anseia por nossa queda, é a Polícia
Federal, e possivelmente, os governantes do país. Não duvido que até mesmo
os russos estejam enfiados nisso, já que peguei alguns rondando nosso
território há pouco tempo.
Um silêncio recai na mesa e o clima está pesado. Eles sabem que não é
de hoje que os Volkov tentam tomar nossos postos. Sem contar que o atual
senador não é exatamente nosso fã e seu nome está no topo da lista para ser o
próximo presidente. O cara usa a cartilha de tolerância zero para as drogas e o
uso de armas. Imagina se descobrem sobre os tráficos. Não duvido que tenha
dedo dele por trás dessa perseguição, o que vem a calhar com meu tio no
poder, contudo, não deixa de ser um grande risco e prejuízo para todos essa
caças às bruxas.
— É por isso que precisamos fazer um tratado de paz com os Vitiello,
logo, para nos beneficiarmos da aliança deles com os cartéis mexicanos.
Vamos poder mudar todas as nossas rotas de entrega, o que vai ajudar a
acalmar as coisas, dando tempo de nos recuperarmos de tudo o que
perdemos. — Alessandro responde com uma pitada de acusação.
Parece até que estou ouvindo a porra do meu tio falando nessa merda.
— E depois? Vamos ficar nos casando e misturando nossos sangues com
os dos inimigos até quando? Suponho que o próximo passo será nos unir aos
malditos Falcone ou até mesmo aos próprios Sanches, para sobreviver.
— Se for preciso, sim. O que você sugere como uma melhor opção?
Compartilhe conosco. — Carlo diz com deboche.
Jogo a pasta na mesa, contendo nela a cópia dos documentos que
comprovam o que alguns deles têm feito pelas costas.
— Cortar o tráfico humano seria uma ótima opção, assim como negociar
com o governo a entrega de alguns bodes expiatórios responsáveis. Então,
desse modo, resolveremos esses problemas. Eles querem apenas mostrar
serviço, e um “cala boca” desse tamanho irá tirá-los do nosso pé.
Anthony bate na mesa, indignado.
— Seu moleque insolente! Você está louco?! Entregar um dos nossos
aliados para esses abutres?! Nunca nos aconteceu isso antes e não vai ser
agora que iremos aceitar. Talvez devêssemos repensar sobre a sua indicação
ao cargo de subchefe.
Levanto-me puto com seu afronte, doido para enfiar meu punhal bem no
meio do seu coração. Vejo alguns dos soldados se preparando para o
combate, até mesmo Marco enfia a mão dentro do blazer, pegando sua arma.
— Tenho que lembrá-los de que não cheguei aqui apenas por indicação,
e sim por mostrar trabalho. Já consegui para essa organização muito mais do
que todos vocês juntos durante seus anos no comando. Não diminua o que fiz
para a Camorra.
— Nos mostre respeito, rapaz! — Pietro, que até o momento estava
calado, se intromete no meio. — Reconhecemos o que tem feito, mas não
concordaremos com essa ideia absurda. Tire isso da sua cabeça, pois não terá
o nosso apoio. Case-se com a Vitiello, assunto encerrado!
Não é surpresa para mim que não ficariam do meu lado, por esse motivo
que ontem mesmo pedi para que Marco desse início ao nosso segundo plano.
Sorrio com desprezo enquanto meu sangue ferve de ódio. Meu lado animal
quer vir à tona nesse momento, faminto por uma luta sangrenta onde o fim
seria a cabeça de todos esses traidores em uma bandeja de prata em cima
dessa mesa.
— Claro, senhores! Marcarei a festa de noivado para o mais breve
possível, como desejam. Irei me sacrificar pelo bem da máfia e deixar o
inimigo entrar pela porta da frente, para dentro do nosso território, com a
bênção de todos vocês.
Levanto-me da mesa dando por encerrada a reunião, cumprimento os
demais e saio. Troco um olhar com Marco, que aponta a porta dos fundos,
vou à procura de Lorena para sairmos logo daqui, antes que eu faça alguma
besteira e tudo acabe em um banho de sangue.
Saio à sua procura, olhando ao redor do prédio, no entanto não
encontro Lorena em lugar nenhum. Vejo meu soldado encostado na parede,
fumando, e vou para onde ele está mantendo a guarda.
— Cadê ela?
— Está ali, chefe, desde a hora que saiu.
Peço que nos dê privacidade, ando em meio aos arbustos, onde a vejo
sentada em um banco no jardim olhando para o céu, pensativa. Sento-me ao
seu lado aproveitando o silêncio para esfriar a minha cabeça, também, e não
voltar lá dentro.
— Você está bem? — questiono para puxar assunto.
— Fisicamente sim, mas emocionalmente é outra história.
— Uma noite ruim! — digo mais para mim do que para ela.
— Me diz você! — Vira de frente para mim, chateada. — Quando iria
me contar que está noivo?
Caralho! Essa noite só melhora.
— Não tem porque te falar sobre os negócios da famiglia, Lorena. Não
confunda o que temos com algo mais. Eu disse isso a você e nunca te enganei
ou menti.
— Sim, já entendi o meu lugar. Sou somente a sua amante, ou melhor
dizendo, a sua prostituta particular, enquanto a moça de família nobre não
chega para esquentar sua cama.
— Isso não é assunto seu. Nem deveria ter te trazido comigo, pois você
não pertence a esse lugar.
— E acha que eu não sei disso? Eu daria tudo para nunca ter vindo parar
aqui, nas mãos da sua família. — fala se levantando e me dando as costas.
Enrijeço meu corpo com sua atitude rebelde, agarro-a pelo braço e puxo-
a para mim.
— Não brinque comigo, Lorena! Eu não estou em um bom momento
para ser desafiado. Odeio que me deixe falando sozinho, porra! Fiz um
combinado com você, se não está bom, podemos colocar um fim nisso agora
e você volta a ser apenas a prostituta do clube. Por mim tudo bem! Não terá
problema nenhum se escolher a segunda opção.
— Esse não é um acordo justo, Vincent, levando em consideração o fato
de que eu não tenha outras opções melhores. — Tenta se soltar do meu
aperto, indignada.
— É o melhor que posso te oferecer.
— Não, não é! Você poderia escolher me deixar ir, já que tem esse
poder, mas age como o seu tio, me mantendo presa aqui contra a minha
vontade.
— E parecer um fraco diante de todos? Acha que Luigi a deixará viver
livre dele? Se está aqui é porque há um motivo. Pare de bancar a inocente e
tentar me manipular com os seus dramas. Nenhuma das prostitutas vieram
para essa vida sem ter quebrado alguma regra ou ter feito algo para a máfia.
— Seu idiota! Eu não escolhi! Acredite em mim quando digo que não
foi escolha minha. — fala socando meu peito, com raiva.
Não sei o que fazer diante da cena a minha frente, mas não quero
descontar nela toda a ira que estou sentindo daqueles imbecis lá dentro. Então
tomo a atitude que fui ensinado desde muito cedo quando o assunto é mulher.
Seguro seu pescoço, trazendo sua boca para a minha, a empurro para um dos
arbustos, a escondendo da vista de quem ousar passar por ali, e abro o zíper
tirando meu membro para fora, pronto para ela. Levo meu dedo ao seu
clitóris, o esfregando delicadamente, no entanto de início ela reluta e tenta me
empurrar, porém, eu a seguro em meus braços, acariciando seus cabelos e
beijando seu ombro. Aos poucos ela vai se acalmando e abre mais as pernas,
permitindo que eu coloque o meu dedo em seus lábios encharcados que
palpitam por mim.
— Quer que eu pare, coelhinha? — Cheiro seu pescoço, sentindo um
delicioso e delicado aroma de flores. — Me diz para parar! Fala para mim
que não me quer como eu a quero!
Ela geme encostando a cabeça na parede e eu seguro suas mãos, porém
ela puxa se soltando.
— Não quero ser amarrada! Se vai me foder aqui, vai ser comigo te
tocando.
Observo-a, pensando nos prós e contras da situação, e como esperado,
todo o meu bom senso se foi no momento em que meu sangue desceu e se
concentrou completamente na cabeça de baixo.
— Se tentar alguma coisa...
— Não vou! Confia em mim. — me corta antes que eu termine a
ameaça, trazendo suas mãos para o meu rosto e alisando minha barba.
Ela morde minha orelha, me fazendo arrepiar, leva suas mãos para
baixo. De início acaricia meu pau e o masturba devagarinho, então depois
fica de joelhos e o leva para dentro de sua boca.
— Ah, inferno! Essa boca é assassina, mulher! — Me seguro na parede
com uma mão enquanto levo a outra para a sua nuca e estoco meu membro
em sua garganta, sentido a maciez da sua língua rodando a glande. — Isso,
querida! Ordenha meu pau!
Ela faz alguns sons com a garganta, que vibra por todo o meu corpo.
Estou na borda e necessitado dela desde que a vi nesse vestido. Venho em
jatos fortes em sua boca e ela sobe limpando os respingos no canto, chupando
o dedo. É uma visão extremamente pornográfica que me deixa pronto
novamente em segundos. Ela se segura em mim e encaixa meu pau em sua
entrada molhada. Com um único empurrão, estou dentro do seu corpo. Gemo
com a conexão e beijo sua boca sentindo a mistura do seu gosto com o meu.
— Você me deixa louco! Essa boquinha é tão gostosa quanto a sua
boceta. — digo ao seu ouvido enquanto me movo dentro dela.
— Mais forte, Vincent! — pede me fazendo rir da sua gula.
— Assim, minha safada? Gosta de duro e forte?
— Oh, sim! Humm! — Encaixa uma de suas pernas em minha cintura.
Aumento a velocidade dos meus movimentos, fazendo exatamente o que
ela me pede. Sua boceta me aperta como um punho fechado e eu perco
totalmente o controle, querendo me fundir cada vez mais nela, de todas as
formas.
— Goza para mim, baby! Deixe todo o meu pau molhado com seu mel.
— Aperto sua bunda em minhas mãos, me permitindo segurá-la para não se
machucar com as batidas na parede.
Seus choramingos se iniciam e sei que está tão perto quanto eu. Suas
unhas grandes machucam meu pescoço, onde segura, quando ela goza com
um gemido abafado, mordendo meu ombro. Foda-se se fico mais louco ainda
com a pitada de dor e prazer! Então me permito gozar em seu canal, com um
grunhido alto, feito um animal selvagem acasalando com sua fêmea. Beijo
novamente sua boca, ainda palpitando dentro dela até a última gota.
— Vamos! Aqui não é um bom lugar para ficarmos por mais tempo.
Desço Lorena, tirando meu membro de dentro do seu calor, e o guardo.
Fecho o zíper, dou-lhe um tempo para se arrumar e saímos de lá para irmos
embora. Passo por Marco, que balança a cabeça em negativa. Com certeza
terei que ouvir depois uma enorme palestra sobre meu descuido. Mas por
agora, não quero ter que escutar nada que possa estressar ainda mais.
Entro no carro dando partida e volto para a boate, por todo o caminho
pensando sobre o maldito jantar de merda. Esse bando de filhos da puta
escolheram o lado errado e eu vou conseguir o que eu quero. É só uma
questão de tempo até que eu derrube um por um que ficou em meu caminho.
Em minha mente vem à imagem de minha mãe com seu sorriso doce me
dizendo para ser um bom menino e não deixar o ódio me consumir. Balanço a
cabeça para afastar os pensamentos. Desculpa, mãe! Já estou perdido há
muito tempo. Ainda irei achar os mandantes do atentando contra a vida dos
meus pais e acabar com ele. Isso é uma promessa!
Quatro semanas se passaram após o fracassado jantar. Vincent tem me
chamado quase todos os dias para o seu apartamento e aos poucos fui
conquistando sua confiança. Antes ele era mais fechado comigo, mas agora o
sinto mais aberto sobre alguns assuntos. Claro que ele não fala comigo sobre
a máfia e nem tocou mais no assunto da noiva, o que também não quero
saber. Ocasionalmente ouço uma coisa aqui, outra ali, entretanto não comento
nada e nem procuro me meter. Se tem uma coisa que aprendi em todos esses
anos sendo uma escrava, é que quanto mais você tentar entender alguma
coisa sobre eles, mais confusa irá ficar. Os homens daqui nos veem como
objetos e isso não vai mudar. Não espero que Vincent vá me assumir, até
porque ele já deixou claro que sou apenas uma substituta temporária, também
não sou burra de ficar esperando algo a mais dele. Como todos os outros, eu
somente sirvo para lhe dar prazer.
O meu foco é a missão que tenho para cumprir e tudo que me importa é
conseguir sair daqui, e de quebra, tirar a Ashley comigo. Eu sei que não tenho
o poder de mudar o mundo — bem que eu gostaria —, mas isso é sonhar alto
demais. O pouco que eu conseguir fazer, já valerá a pena todo o meu
sacrifício.
Entro no Elevador, aperto o botão da cobertura. Diferente de como era
no início, não sinto mais medo do Vincent, posto que aprendi a lidar com
suas constantes mudanças de humor. Marco libera minha entrada com uma
cara de poucos amigos. Ele não gosta de mim e não me importo com isso
também, porque meu foco é o seu chefe e o que ele guarda no cofre.
Deixo seu café na mesa, como de costume, e me viro para procurá-lo.
— Bom dia, Marco! — tento aparentar simpatia, mesmo não o
engolindo nem com um pacote inteiro de açúcar.
— Bom dia, menina! Vincent está tomando banho. Quero aproveitar que
estamos a sós para te perguntar uma coisa que tem ficado em minha mente
todos esses dias, espero que não minta para mim.
— O que seria? — Viro-me de frente para ele.
— O que você estaria disposta a fazer para ter a sua liberdade? — Me
olha de braços cruzados, esperando minha resposta.
— Não entendi. Aonde quer chegar? — digo desconfiada e ele se
aproxima, me encurralando entre a parede e o balcão da cozinha.
— Entendeu sim, Lorena. Você quer algo do chefe, eu imagino que seja
isso. Não pense que me engana. Tenho te observado e pesquisado sobre você,
então descobri sobre a sua vontade de sair daqui.
Oh, porra! Eu estou muito ferrada!
— Não sei do que você está falando. — encaro, tentando não
demonstrar meu medo de ser descoberta.
— Ah, não? Então me deixe refrescar a sua memória. — Joga um
envelope em cima do balcão ao meu lado.
Pego o envelope com os dedos trêmulos, abro, encontro um relatório
sobre mim com algumas fotos minhas de quando mais nova. Vejo duas ao
fundo, que me chamam atenção: uma da mamãe e a outra do meu irmão,
ambos mais velhos. Meus olhos se enchem de lágrimas e choro passando o
dedo no rosto dos dois. A saudade aperta em meu peito. Como queria estar
com eles, nem que fosse por pouquinho tempo.
— Vai me dizer que não foi sequestrada e que Luigi não tem te
mandado aqui para arrancar algo do Vincent? Vai negar que tem algum
interesse oculto nessa aproximação?
Tento falar, mais não sai nada. A emoção de vê-los me deixa de pernas
bambas.
— Aqui está o que você vai fazer! Não estou pedindo, portanto, não é
uma escolha. Você irá nos contar tudo o que sabe sobre os negócios do capo
ou eu vou acabar com você.
Desvio meus olhos e encontro os azuis gelados do Vincent, que está
encostado na parede, sem camisa, somente de calça de flanela nos
observando sério. Nesse momento ele me lembra muito o seu tio.
— Eu... Eu fui sequestrada e vendida ao Luigi quando tinha quatorze
anos. — Engulo a saliva, com dificuldade. — Não sei muito sobre o que ele
faz, mas posso dizer que trafica garotas menores de idade. Fiquei presa em
uma de suas casas de pedofilia até completar dezoito anos. Isso é tudo! Ele
não falava de seus negócios comigo.
Marco me estuda, buscando uma mentira. Não sei dizer se viu a verdade
em meus olhos, mas dá um passo para trás, me libertando.
— Agora é com você, chefe. Meu trabalho aqui acabou. Só queria que
visse com seus próprios olhos o quanto tem sido descuidado ao baixar à
guarda em meio a uma guerra. Essa garota com certeza está aqui somente
para prejudicá-lo. — diz se afastando e indo em direção ao elevador.
Agacho para pegar as fotos que caíram e volto a olhar cada uma. Queria
tanto saber como eles estavam, e mesmo não sendo do jeito que eu esperava,
tenho a minha resposta em mãos.
— Se levante, Lorena, e venha até aqui! — sua voz retumba feito um
trovão.
Levanto-me do chão, vou ao seu encontro, parando em sua frente.
— Há mais de um mês convivendo comigo e não achou que deveria me
dizer essa parte da sua vida, hum?
— E diria o quê? Que seu tio é um monstro? Que me tirou da minha
família, me estuprou, me colocou à venda e que provavelmente esteja
treinando a minha substituta, para me eliminar? Você se importaria, Vincent,
com as dores que uma prostituta carrega? Você mesmo me acusou de estar
nessa vida por escolha.
Ele me segura pelo pescoço e me empurra na parede.
— Não! Eu não me importo! Mas essa mancha vai sair do nome da
minha família. Eu nunca matei um inocente e posso ser um monstro, mas não
sou pedófilo, nem a favor de traficar crianças.
— Diz o cara que trafica armas para o Afeganistão. Armas que
provavelmente vão parar nas mãos de muitas crianças inocentes. E ainda tem
a sua boate, que está cheia de mulheres vindas do tráfico. Você tem tanto
sangue nas mãos quanto seu tio.
Com a rapidez de um piscar de olhos, seu punhal vem parar na minha
garganta.
— Anda me espionando, Lorena? O que eu faço para a minha
organização, não é da sua conta. Eu deveria matar você por ousar me desafiar
desse jeito.
Seguro sua mão e pressiono a faca ainda mais.
— Mata, Vincent! Se tiver um resquício de bondade em seu coração de
pedra, por favor, acabe com essa agonia!
Ele pressiona, me cortando, o que causa uma ardência desgraçada. Eu
fecho os olhos esperando o golpe final, que não vem, e apenas ouço o barulho
do metal bater no chão com um tilintar seco.
— Abra os olhos, coelhinha! — diz sussurrando perto do meu ouvido,
lembrando aquela vozinha maldosa que te incentiva a fazer algo errado. —
Olhe para mim!
Abro meus olhos, encarando seu rosto, suas feições são rígidas. Nada
me lembra o Vincent dos últimos dias. Nesse momento, eu tenho o mafioso,
o homem frio e cruel feito o próprio diabo.
— Matar você acabaria com toda a diversão que tenho planejada. Não
sou misericordioso, então viver aqui será seu castigo por esconder de mim a
verdade e tentar me enganar, como fez durante todas essas semanas. Não vou
te matar. Você trabalhará para mim e virá para a minha cama sempre que eu
quiser que venha. Será tratada com a puta que é!
As lágrimas voltam a derramar com mais intensidade.
— Não! Você não entende! Eu só queria ir para casa. Não pedi para ser
quem eu sou. Você nasceu na máfia, mas eu não sou desse mundo.
— Mas está nele e não sairá, a não ser que morra. Só que não será pelas
minhas mãos. Se quiser, pode tirar sua vida você mesma. — diz apontando
para o punhal caído no piso.
— Você é um desgraçado! — me jogo em cima dele com uma patética
tentativa de acertá-lo, porém, como era de se esperar, ele me segura.
— Nem tente, Lorena! Não adianta me provocar. Você não conseguirá
tirar de mim mais nada, por essa rebeldia será punida. Lembre-se que tentei
negociar com você, te dar uma chance, mas agora vai aprender a nunca mais
tentar me usar ou mentir para mim.
Ele me puxa pela mão até o quarto que temos dividido todos esses dias,
me joga na cama, tirando uma algema da gaveta e prendendo minhas mãos.
— Ashley arrumará suas coisas e a trará para cá. A partir de hoje, aqui
será seu lugar. Ou é isso ou vai voltar para a Itália.
Arregalo os olhos com a menção de ir para Luigi de novo. Não, não,
não!
— Estava certo o tempo todo. Não existe humanidade em você.
Realmente é um monstro, como todos dizem.
Sua respiração é pesada e seus olhos escurecem ao ponto de suas pupilas
ficarem tão grandes e escuras feito uma ônix, com as minhas palavras.
— Que bom que enfim percebeu quem eu sou. Bem vinda ao covil do
lobo, chapeuzinho! Se acha que sofreu nas mãos do meu tio, é porque não
sabe o quanto posso ser ruim para aqueles que me traem ou se tornam meus
inimigos.
Vincent sai, me deixando ali, e mais uma vez me sinto indefesa,
lamentando minha existência. Choro por ter nascido mulher, por ter vindo
parar aqui, pela minha família que nunca mais verei e pelo meu trabalho de
meses que foi jogado fora. Apenas deixo sair, para colocar para fora toda a
mágoa que sinto por ser uma fraca, que até mesmo quando tenta fazer o certo,
ainda assim, dá tudo errado.
Encosto a cabeça na porta tentando controlar a agonia que sinto. Escuto
Lorena chorar baixinho e minha vontade é de ir consolá-la. Eu queria voltar e
dizer que menti, que me importo sim com ela, no entanto não posso
demonstrar fraqueza, uma vez que querendo ou não, ela me enganou. Não
tenho ponto fraco e é por isso que cheguei tão longe. No meu mundo, não
temos tempo para sentimentos tolos. Esfrego meu peito tentando aplacar a
sensação de vazio que me consome me lembrando que a última vez em que
me senti assim, foi quando os meus pais morreram.
Lorena sorrateiramente tomou conta do ambiente, da minha vida, da
minha cama. Nunca mais toquei outra mulher depois que toquei nela, porra!
Sei o quanto a máfia pode ser ruim e capaz de te quebrar por dentro, mas
quem está de fora não entende um terço do que vivemos, do que temos que
fazer para manter o poder. Precisamos ser fortes e temos que abrir mão de
praticamente tudo, isso inclui até mesmo a família, se necessário. Apesar de
não sentir muito e não ter nenhum tipo de ligação sentimental com as
pessoas, tive meu lado cruel aflorado desde pequeno, fui forjado a ferro e
fogo para me tornar cada vez mais frio, calculista... Um verdadeiro monstro,
como ela afirmou. Não posso fraquejar agora, porque tenho uma guerra para
ganhar e vários inimigos para derrubar.
Meu celular toca e atendo, até mesmo sem olhar para a porcaria da tela,
o que me causa arrependimento logo quando ouço voz irritante de Luigi na
linha.
— Você ainda não foi visitar sua noiva?
— Não tenho motivo para fazer sala a ela, pois minha resposta já foi
confirmada. O que mais você quer?
— Que compareça na festa de noivado semana que vem. Não trate com
descaso essa aliança, Vincent. Lucca não está satisfeito com sua recusa em
atendê-lo e tudo que menos preciso é que volte atrás com sua palavra por
conta da sua falta de interesse.
— Foda-se! Tem certeza que esse cara não tem uma vagina no lugar do
pau? Está sendo muito dramático com um assunto que já está resolvido.
Ele gargalha ao telefone, me irritando ainda mais, fazendo a minha
cabeça latejar.
— Apareça na festa e entregue um anel de noivado para a Giovanna.
Isso irá acabar com quaisquer especulações.
— Okay! Farei isso. — Massageio a testa no intuito de diminuir a dor.
Uma porra! Antes de misturar meu sangue com o do inimigo, eu derrubo
esse merda da cadeira. Desligo a chamada, olho para a porta do quarto onde
Lorena está. Troco de roupa, entro no elevador para ir à reunião marcada na
empresa Willians & Associados, da qual solicitei que me indicassem o
melhor advogado. Para a minha surpresa, descobri que meu tio está sendo
representado per Oliver, filho do senhor Willians. Tenho que acelerar meus
planos, porque Luigi não está brincando no ponto. Sabia que sua visita há um
mês era para muito além do que a negociação com os Vitiello. Ele veio atrás
dos seus contatos aqui para livrar a sua cara, que prepararei sua queda usando
a mesma estratégia. Depois de passar minhas ordens à Ashley e ao Thadeo,
referentes à Lorena, saio da boate.
— Estamos atrasados. — Marco diz ao meu lado, entretanto não digo
nada. Ainda estou por um fio com tudo o que aconteceu lá em cima. — Sei
que está chateado com o que acabei de fazer, só que eu precisava te deixar em
alerta. Você estava perdendo o foco e se esquecendo da nossa causa, por
conta dela.
Viro-me ficando cara a cara com ele.
— Deixa que da Lorena cuido eu! Você não toca nela sem a minha
permissão! Entendeu, Marco?
— Entendi, chefe! — Levanta as mãos se rendendo. — Só lembre-se de
que não confraternizamos com os inimigos, e ela é uma inimiga enviada pelo
seu tio. Porra, Vincent! Não abaixe a guarda.
— Vamos logo para essa bendita reunião, pois quero dar início à
segunda fase do plano. — digo dando por encerrado o assunto.
Chegamos ao prédio da empresa, peço para que a secretária avise sobre
a minha chegada, e logo em seguida, já entro no escritório do senhor
Willians.
— Vincent! Quanto tempo! Foi uma enorme surpresa quando me ligou
querendo falar comigo. Não te vejo desde que você tinha o quê? Quatorze
anos?
— Faz bastante tempo. Acontece que ando muito ocupado. Você sabe,
né? As coisas da máfia e tudo mais.
Tenho uma certa abertura para falar sobre a organização com ele, já que
era o advogado de confiança do meu pai.
— Entendo, filho. Pode dizer o que te fez, depois de todos esses anos,
vir pedir minha ajuda?
— Desde a morte dos meus pais, as coisas desandaram na organização e
eu quero limpar a famiglia de algumas sujeiras. Luigi está metido até o
pescoço com o tráfico humano e isso tem nos trazidos muitos problemas. Os
prejuízos financeiros são incalculáveis.
Ele se senta na cadeira, nos servindo dois copos de bebidas.
— Eu sabia que quando seu tio pegasse o poder, as coisas não seriam
mais as mesmas. Sempre foi ganancioso, desde a época de comando do seu
avô. Como te disse por telefone, ele me procurou e pediu um representante,
mas não entramos em detalhes.
— Sei. Ele sabe que as coisas vão explodir a qualquer momento e quer
tirar o dele da reta.
— Suponho que você também, não?
— Pretendo tirar Luigi do poder, para pegar o comando, para isso
preciso do seu melhor advogado. Quero Eduardo Gonzalez me
representando! Marco fez uma pesquisa sobre ele e o cara é muito bem
requisitado, além de ter bons contatos. Preciso de alguém assim ao meu lado.
Ele sorri, coçando a cabeça.
— Vejo que fez a lição de casa. Porém, sinto dizer, que ele não irá
querer pegar esse caso. Já até dispensou o do seu tio. Eduardo é... digamos...
muito certinho. Ele não andaria do outro lado da lei nem se pusessem uma
arma na sua cabeça.
— Eu posso tentar fazê-lo mudar de ideia. A arma eu já tenho aqui. —
Arqueio a sobrancelha, tirando uma gargalhada dele.
— Você me lembra muito o seu pai. Ele gostava de sair por aí
ameaçando os outros, mas mudou muito quando conheceu sua mãe e mais
ainda depois que você nasceu.
A conhecida dor no peito volta ao ouvir sobre eles.
— Eu ainda vou achar os culpados. Não desisti de continuar procurando.
— E achará! Só que nem pense em tocar em meu pupilo! Eduardo é
como um filho para mim. Diga a sua proposta e o convença. Você também é
muito bom nisso.
— Tudo bem! Mande chamar o tubarão. — digo zombeteiro me
referindo ao ridículo apelido pelo qual ele é conhecido em sua área
profissional.
Logo que o cara entra, somos apresentados. É óbvio que não gosta da
minha família e percebo isso ao ver a feição que faz quando ouve o
sobrenome. Falo sobre meus planos, deixando uma boa parte do lado de fora,
no entanto ele reluta de início a possibilidade de aceitar. Por fim, com a ajuda
do Willians, ele finalmente parece ser convencido. Esperto! Sabe que se
ganhar a causa irá alavancar ainda mais a sua carreira e ficará conhecido por
ajudar a derrubar o chefe de uma das organizações mafiosas mais famosas
nos Estados Unidos. Todos querem ganhar um pedacinho de qualquer jeito
do que faturamos.
Saio chateado pela sua enrolação em confirmar se realmente aceita,
entretanto pelo menos fiquei com a garantia de que ele me dará a resposta em
breve. O que não contei a ele, nem ao antigo amigo da família, é que preciso
somente que alguns aliados caiam com o meu tio, e já tenho as pessoas certas
para incriminar, deixando a organização sair intacta dessa sujeira. O FBI
somente irá limpar meu nome de todas as acusações feitas até agora contra
nós. Meu tio já tem a cabeça encomendada e ninguém tocará nele antes que
eu possa ter meu tão esperado acerto de contas.
Pedi para voltar dirigindo sozinho, uma vez que precisava esfriar um
pouco a cabeça. Estou a dois quarteirões da boate quando recebo um forte
impacto do meu lado direito. Sou arremessado para frente, sem tempo de
sequer entender o que aconteceu. O zumbido alto da pancada na minha
cabeça me deixa tonto e confuso por alguns segundos. Meu peito dói e não
duvido que ao menos uma costela tenha sido quebrada com tamanha força
aplicada sobre ela pelo airbag. Pego minha arma, me preparando para sair e
acabar com o filho da puta que me atingiu. Se foi sem querer ou não, ele não
viverá para sequer pedir desculpa pelo seu erro estúpido. Tento sair do carro,
mas com certa dificuldade, lidando com uma falta de ar. Foi muita sorte, ou
eu teria sido jogado pela janela por ter esquecido de colocar o cinto de
segurança. Arrasto-me para o chão, sentindo todo o meu corpo dolorido, e
seguro na porta para me firmar.
— Fomos pegos em uma armadilha! — Marco diz chegando logo em
seguida para me ajudar a levantar.
Um dos responsáveis sai de trás de um dos carros parados mais a frente
e começa a atirar em nossa direção. Mesmo me sentindo desorientado, ainda
consigo acertar um tiro nele, que cai no chão. Meus homens o cercam
terminando o serviço.
— Filhos da puta! Estavam nos aguardando. Eu vou acabar com esses
desgraçados! Vá para o carro, Vincent, que nós daremos cobertura.
Começo a ir em direção ao outro veículo blindado, no entanto antes
mesmo de alcançar a porta, somos alvejados com mais uma chuva de tiros.
Sinto o momento em que uma das balas entra em meu ombro, com outra
atingindo meu quadril. Encosto na porta, fazendo alguns disparos, mas é tudo
em vão. Os atiradores não estão mais visíveis. Não conseguimos identificar
de cara por onde os tiros estão vindo, mas seja quem for o responsável pela
cilada, foi muito bem planejada e pode se considerar um homem morto.
— Merda! Coloque o chefe no carro! AGORA! Tem snipers no outro
prédio, à nossa esquerda. — diz Alec, um dos meus guardas pessoais.
— Entra nesse carro, Vincent, e não saia dessa porra, nem se todos nós
morrermos! Vou chamar reforço. — Marco grita ao meu lado.
— Sua sorte é que estou sentindo muita fraqueza, senão ia te ensinar a
não gritar de novo comigo.
Viro-me para entrar na Mercedes, me jogo no banco de trás, minutos se
passam até eles voltarem e já estou entre o mundo dos sonhos e da realidade.
— Aguenta firme aí, meu amigo, que já estamos saindo daqui.
Tento dizer algo, porém não consigo. Sei que não deve ser grave, mas a
quantidade de sangue que perdi, me derrubou. Olho para os prédios altos e
imponentes que passam, assim meu último pensando vai a Lorena, na forma
em que ela me olhava magoada, implorando para que eu tirasse sua vida. Não
podia fazer isso, não puno e nem tiro a vida de pessoas inocentes. Ela pode
ter mentido, me feito perder a cabeça ao tentar me manipular, mas eu a
entendo. O desespero te leva a fazer coisas horríveis, e algumas delas são sem
volta ou chances de redenção.
Tento manter os olhos abertos, contudo a escuridão vem ao meu
encontro, me levando a apagar logo em seguida, sendo transportado para
umas das minhas mais dolorosas lembranças.
*****
Flashback
13 anos de idade
Entro no galpão com meu tio e Henrique. Hoje será mais um dia de
treinamento. No começo, eu gostava de vir aqui todos os dias, só que agora
nem tanto. Gosto de machucar homens maus, no entanto não aqueles que
nunca me fizeram nada. Observo Marco amarrado sendo açoitado pelos
outros soldados. Ele geme, arrancando risadas dos outros que estão
assistindo. Quanto mais gritos liberados, mais ele apanha. É por isso que
aguento tudo calado. Chorar não irá fazer eles diminuírem ou terem pena, só
causará mais punições.
— Vai lá, Vincent, é a sua vez de bater nele! — Tio Luigi diz e eu o olho
com raiva.
Ele sabe que não gosto quando me dá ordens ou me obriga fazer o que
não quero.
— Não posso! Ele é meu único amigo.
— Não pense que se fosse Marco aqui em seu lugar, ele não faria o
mesmo com você. Aqui não temos amigos, apenas soldados, você tem que
aprender isso desde cedo.
Olho para Henrique, que mantém o maxilar trincado observando o
desenrolar da cena a nossa frente. Não entendo o Henrique, porque quando
está sozinho conosco, é diferente, não usa da violência para nos ensinar.
Porém, quando está com meu tio, se torna tão ruim quanto ele ou pior.
Dou alguns passos à frente e um dos homens me entrega o chicote.
Marco está desacordado e ganha um banho de água gelada para despertar.
As pedras de gelo caem no chão se misturando com o vermelho carmesim do
sangue. Ele geme, levanta a cabeça para me olhar com apenas um dos seus
olhos abertos, uma vez que o outro está roxo e inchado. Por fim, me dá um
sorriso triste, com sua boca ferida. Tento recuar, contudo ganho um chute na
costela, me fazendo cair de joelhos no meio do molhado.
— Já disse que não se deve mostrar fraqueza ou o seu inimigo irá te
estraçalhar. — Dominic, outro soldado que nos treina, retruca. — Agora
levante-se e faça o que lhe foi mandado!
Seguro a vontade de xingá-lo e fico de pé novamente.
— Tudo bem, Vincent, pode fazer! Não irei ficar com raiva de você. Não
deixe eles te punirem por minha causa! — Marco fala baixinho, com certa
dificuldade para formar as palavras.
Levanto o chicote, porém travo. Não quero machucá-lo. Não consigo!
Não sei explicar a nossa ligação, mas gosto dele da mesma forma que
gostava dos meus pais. É a única pessoa que me entende e não tenta me
obrigar a fazer alguma coisa contra a minha vontade. O único, que em meio
às minhas crises, me ajuda a voltar a não me perder na escuridão.
— Se não fizer o que foi pedido, deixarei meus homens te surrarem com
o dobro do que ele levou! Se fizer, terá sua recompensa mais tarde. Você
escolhe! — Luigi tenta me convencer.
Não quero ser recompensado por ele. A última vez que falou que eu
ganharia um presente, fiquei trancado três dias sendo obrigado a foder com
a prostituta asquerosa dele. Para ser um mad man, eu não podia ser virgem,
pois é uma das regras doentias da máfia.
Solto o chicote no chão, sabendo qual será o meu castigo.
— Peguem o garoto e o coloquem no lugar dele! Têm a minha
permissão para fazerem o que quiserem, menos matá-lo.
Imediatamente tomei o lugar de Marco e ganhei o dobro das chicotadas
que ele levou. Meu tio, com raiva de mim, fez questão de aplicar alguns dos
seus corretivos pessoalmente. Passei o dia amarrado pelas correntes,
recebendo chutes e socos. Por fim, tive muitos hematomas pelo corpo, um
braço e várias costelas quebradas. Depois disso, ainda fui levado ao porão,
lugar que fiquei por uma semana sem direito a nenhum remédio para dor ou
sequer podia sair para ver a luz do sol, enquanto ganhava um prato de
comida um dia sim, um dia não.
*****
Aquele dia foi somente um dos piores que passei durante o tempo em
que fui submetido aos sádicos ensinamentos das leis da máfia, todavia esse
foi o mais marcante, visto que ali eu aprendi que não deveria baixar à guarda
e nunca subestimar meus inimigos. Também passei a nutrir um ódio mortal
por Luigi. O gosto da vingança na boca passou a me acompanhar dia e noite,
naquele fatídico dia, ele selou a sua sentença de morte sem saber.
Depois do que parece terem se passado horas, Ashley entra pela porta
do quarto abrindo minhas algemas. Já me aconteceram coisas bem piores do
que isso. Se fosse com Luigi, estaria em um porão nojento e provavelmente
ficaria lá por vários dias. Isso se não fosse violentada por seus homens como
forma de castigo. Não saberia dizer qual das duas seria a pior escolha.
Confesso que ficar presa não me incomodou, e sim a maneira que ele
disse sem emoção alguma que não se importava com meus sentimentos. De
duas, uma: ou ele é um ótimo ator ou é muito fingido mesmo. O cara esteve
entre minhas pernas por semanas dizendo o quanto gostava de estar ali,
jurava que estava conquistando-o aos poucos. Ele até mesmo me deixava
tocá-lo. Ledo engano! Já contava com o ovo dentro da galinha, como diria a
mamãe. Achei que estava com metade da batalha ganha, quando na verdade,
quem estava caindo em uma armadilha era a tola aqui. Foquei em Vincent e
me esqueci dos seus aliados.
— Oh, ele te machucou? — Ashley pergunta olhando meu pescoço.
— Não! Estava somente testando se a lâmina era afiada. — respondo
mal humorada.
— O negócio foi feio. Está até mesmo soltando farpas.
— Não se faça de sonsa! O desgraçado do seu amado me entregou de
bandeja para ele. Só faltou ele mesmo me enfiar a faca.
— Eu sinto muito! Talvez não tenha sido uma boa ideia ter te
incentivado a continuar com isso.
— Você bateu com a cabeça, Ashley? Eu tive muito tempo para pensar
enquanto estava sozinha, já que não morri, cheguei à conclusão de que isso é
um presente dos deuses.
Ela me olha confusa e a minha vontade é de dá-lhe um chute na bunda.
Foi só começar a dormir com o executor, que seu cérebro virou mingau.
— Não entendo qual é a parte boa nisso. Perdeu o resto da liberdade que
tinha. Se antes você já era vigiada, agora tudo será dobrado. Ele não confia
mais em você. — Se joga na cama bufando e esticando os braços.
— Jesus, amiga! Se todas as pessoas apaixonadas ficarem como você,
estarei matando o meu cupido, porra!
Ela gargalha.
— Você já está caidinha pelo chefe. Só está magoada com ele por ter
escondido sobre o noivado com a princesinha Vitiello.
— Sou realista. Precisei ter a verdade esfregada na minha cara para
entender que não posso deixar a minha boceta me controlar.
— Não seria o coração? — ela diz e eu a olho com raiva. — Ah, deixa
para lá! Mas me diz onde você vê benefício nisso.
Belisco sua coxa a fazendo gritar. Haja paciência!
— O cofre, sua tonta! Estarei mais tempo perto dele. Poderei pensar em
um meio de abri-lo, pegar os nossos passaportes e dinheiro para fugirmos.
— Oh, meu Deus! — grita dando um pulo da cama, finalmente caindo
na real.
Thadeo chuta a porta com a arma em punho nos olhando desconfiado. A
vontade de rir é grande. Um homem desse tamanho com medo de duas
mulheres que não alcançam nem seu peito direito.
— Tudo bem por aqui?
— Hum... Sim. Eu me assustei com uma enorme barata voadora.
Ele balança a cabeça olhando agora para todos os lados em busca do
bicho imaginário.
— Tudo bem! Eu vou deixar vocês à procura dela. — Sai quase
correndo do quarto.
Tapamos a boca para os risos não saírem histéricos.
— Sério! Um cara que teve que fazer um juramento de sangue e passar
por um treinamento pesado, tem medo de uma barata? — Ashley se acaba de
rir.
— Já sabemos seu ponto fraco. — Sorrio olhando a porta.
— Voltando ao nosso assunto, Lorena. Eu procurei pelas nossas
documentações no apartamento de Antonella, mas não achei. Só pode estar
aqui mesmo.
— Vai dar certo! Só precisamos moldar nossos planos. Se antes
buscávamos uma maneira de subir mais vezes para cá, agora temos que achar
uma oportunidade de sair quando tivermos a chance.
— Se não acharmos uma maneira, nós criaremos. Esse cofre tem que ser
aberto.
— Por que às vezes eu tenho uma leve impressão de que está mais
interessada na abertura do cofre do que em sair daqui, Ashley? Tem algo que
você saiba e não me disse?
Arregala os olhos me deixando ainda mais desconfiada.
— Nãaao! Como pode pensar uma coisa dessa de mim? Eu quero sair
daqui tanto quanto você. Espero por esse momento há muito tempo.
— Está bem. Quando chegar a hora, eu te aviso.
Acredito em sua palavra, pois não tenho porque duvidar dela, que tem
me ajudado desde quando cheguei aqui.
— Vou ter que descer. As ordens eram para somente trazer suas coisas
pessoais e te soltar.
— Quanta gentileza, dele, não? — desdenho.
— Tente não atacá-lo quando ele voltar. Por mais chateado que esteja,
ainda assim não te castigou como teria feito com qualquer uma de nós.
Eu sei.
— O que nada impede de fazer quando voltar. Vou tentar controlar meu
gênio forte e não enfiar a porcaria do punhal em seu maldito peito.
Ela estremece me olhando com uma cara de espanto.
— Você está falando umas coisas muito estranhas ultimamente. A
convivência diária com o chefe tem te deixado tão fria quanto ele.
— Pode ser isso. — Dou de ombros.
Pouco tempo depois ela sai acompanhada por Thadeo e mais dois
soldados, então eu volto a ficar com minha solidão. Porém, a paz não dura
muito tempo. Logo chega Marco carregando um Vincent desacordado e todo
ensanguentado para dentro do apartamento. Seja o que for que tenha
acontecido, foi feio.
Encosto na parede olhando a multidão de gente ajudando a deitar ele na
cama. Pela primeira vez vejo uma fagulha de humanidade no temido Marco
Moretti, que late ordens para todos a sua volta, desesperado para que possam
ajudar.
— Já ligou para o médico? — pergunta ao Thadeo.
— Sim. Já está a caminho.
— Foi um atentado? — pergunto meio sem jeito.
Marco muda a sua expressão instantaneamente, se fechando quando
percebe a minha presença.
— Isso não é assunto seu, menina! Vá buscar algumas toalhas para que
possamos limpá-lo!
Entro no banheiro, pego todas as toalhas que encontro no armário,
molho algumas com água e o ajudo a tirar todo o sangue. O cheiro forte de
cobre toma conta do quarto. Em pouco tempo ele está limpo, parecendo um
ser humano novamente. Jogo as toalhas sujas no cesto e me afasto.
— Não é melhor levá-lo ao hospital? — pergunto observando que ele
ainda não acordou.
— Não! — diz seco.
— Teríamos que responder muitas perguntas, então é melhor ficar aqui.
— Thadeo complementa.
Um senhor idoso vestindo jaleco entra minutos depois com uma maleta
branca, começa a examinar Vincent e tratar das suas feridas. Conversa
baixinho com Marco, passa o que imagino ser a receita de remédios e vai
embora.
— Você cuidará dele até eu voltar. Tenha ciência de que se fizer
qualquer coisa com ele, acontecerá o dobro com você. — fala para mim com
os seus olhos semicerrados.
— Eu sei.
— Ótimo! Thadeo e mais dois guardas estarão de vigia na sala também.
— Ousado quase nada! Com mais alguns quilos e pelo menos uns cinco
centímetros maior, eu ia lhe dar umas porradas bem no meio da cara. —
resmungo para mim mesma quando ele some da minha vista.
— E estaria morta nos minutos seguintes. — diz a voz na cama me
fazendo saltar com um grito de susto.
Ele ri baixinho.
— Está precisando de algo?
Me observa por um tempo, como se estivesse analisando minha alma. Se
é que eu ainda a tenho depois de tudo.
— Sim. Quero um pouco de água. — diz se sentando devagar e
encostando na parede.
Vou até a cozinha buscar enquanto os seguranças se mantêm em cima de
mim olhando o que estou fazendo. Por certo com medo de que eu coloque
algo em sua bebida. Até parece! Não sou tão idiota ao ponto de pensar em
matar o chefe dentro da sua casa lotada de soldados treinados. Seria suicídio.
Entrego o copo, deixo a jarra na cabeceira da cama e me viro para sair.
— Fique! — sua voz rouca me para quando alcanço o batente da porta.
— Precisa de mais alguma coisa?
— De você!
A pancada deve ter sido forte.
— Hum! Você acabou de sair de um acidente, ou seja lá o que lhe
aconteceu, e já quer transar? — Abro a boca chocada.
— Eu não disse que quero sexo, Lorena. Quero que me conte sobre
você.
Arregalo os olhos sem saber o que ele quer realmente dizer com isso.
— Não tenho nada de interessante para falar. O que eu poderia dizer, já
foi revelado mais cedo pelo seu cão de guarda.
— Não tudo. Quero saber como era sua vida antes de ser jogada aqui!
Qual é a motivação que te faz, com tanto afinco, querer voltar?
— Bom... Quando se inclui a parte de viver em meio à violência, sendo
tratada como moeda de troca, não precisa de muito para querer sumir daqui.
— falo o fazendo tremular o canto direito do lábio. — Mas também tenho
minha família. É por eles que continuo lutando. Você não faria qualquer
coisa pela sua?
Uma fagulha de dor se passa pelos seus olhos, mas foi tão rápido que me
perguntei se realmente vi ou foi só coisa da minha cabeça.
— Me fale deles então!
— Vo... Você... — Sinto um aperto no peito ao imaginar que ele queira
saber de algo para matá-los, como uma punição.
— Não matarei eles, se é isso que está pensando. Apenas perguntei por
curiosidade. — ele me corta como se adivinhasse meus pensamentos e eu
suspiro de alívio com sua resposta.
Sento na poltrona, mantendo um pouco de distância, então começo a
narrar como é Salvador, como era minha vida antes de chegar aqui, como vim
parar nas mãos do seu tio. Conto como foi à experiência na casa do satanás
onde fiquei e sobre a pequena que morreu em meus braços.
Ele escuta tudo atentamente sem mostrar nenhuma reação ao meu relato,
apenas fica ouvindo. Raramente pergunta algo, até que se cala de novo.
Quando termino, vejo que ele ia falar algo, porém Marco entra com sua cara
de bunda e eu me retiro. Fico torcendo para que tenha um coração ali com
alguma outra função que não seja somente bombear sangue, que o faça cair
na real e acabar com pelo menos essa parte sombria da máfia. Talvez o
lobinho não seja tão imune assim a mim.
Vejo-a sair assim que Marco entra e eu o olho perguntando
silenciosamente o que ele fez. Como se entendendo a minha pergunta, dá de
ombros e se joga na poltrona onde Lorena sentava há pouco.
— O que disse a ela?
— Somente avisei que estou de olho nela.
Faço o meu melhor olhar de "não me foda". Sei que não foi só isso, pois
ele é como eu, e nós nunca somos suaves com as nossas palavras e avisos.
Nunca são somente avisos.
— Foda-se! Deixa que eu irei resolver as coisas com ela do meu jeito.
— digo o recriminando.
Ele me lança seu olhar raivoso sabendo que não irei ceder, então muda
de assunto.
— Você escapou por pouco. A bala da cintura passou somente de
raspão, já do ombro entrou e saiu. Alguns dias de repouso te deixará novinho
em folha.
— E eu lá tenho tempo de ficar descansando, Marco! Já passamos por
coisas muito piores do que essa e sobrevivemos. Não serão duas balas que
irão me parar.
— Isso é verdade. — diz pensativo, olhando para o chão.
— Descobriu mais alguma coisa sobre os atiradores?
— Pegamos um dos caras. Mas antes de interrogá-lo, o desgraçado
engoliu um comprimido de placebo e espumou até a morte, antes de sequer
ganhar o primeiro soco.
Veneno! Tática de suicídio que os malditos da máfia russa usavam
quando eram pegos em alguma armadilha, desde a época do meu bisavô no
comando. Ouvi muitas histórias sobre isso.
— Os desgraçados dos russos! — digo minhas suspeitas.
— Também pensei que eram, porém, o cara não tinha nenhuma
tatuagem ou algo que ligasse ele aos Volkov ou aos Ivanov. Esse serviço foi
encomendado por outra pessoa, que inclusive pode ser gente da família.
— Quem seria? — pergunto gemendo de dor. — Não acho que seja
Luigi, pois não faria sentido ele mandar me matar se está contando com o
meu casamento para calar a boca do Conselho. Alguém mais não quer que
cheguemos perto da verdade e no momento pode ser qualquer um dos nossos
inimigos.
— Não podemos descartar nada, porque você conseguiu irritar muita
gente naquela reunião. Não é coincidência sermos atingidos no exato dia em
que fomos à empresa do antigo advogado da sua família. Alguém daqui pode
estar jogando dos dois lados e eu vou descobrir quem é.
Encosto a cabeça na parede fechando os olhos, me sentindo cansado.
— Eu achei que íamos morrer. — me permito desabafar com ele.
— Eu já disse que antes que isso aconteça, eu teria que ir primeiro.
Minha vida pela sua, lembra? — repete o juramento que me fez há anos.
— Temos o mesmo direito, Marco. Não se diminua.
— Não temos. Eu sei disso, você sabe e todos sabemos como os
bastardos são tradados na máfia.
— Eu vou mudar isso. Você terá seu reconhecimento.
— Não me importo com essa merda! Ficarei satisfeito em te ver chegar
ao topo. E se... — Passa as mãos no cabelo, os bagunçando de nervoso. — E
se eu tiver que morrer no processo, morrerei feliz, desde que você esteja lá e
cumpra nosso combinado.
— Chega! Nenhum de nós dois irá morrer nessa porra! Se tem alguém
que não merece respirar, esse alguém é Luigi.
Ele concorda com um pequeno sorriso, mas ainda tem a testa franzida. O
conheço o suficiente para saber que por mais que tente negar, isso o
incomoda.
— Não seja teimoso! Tome seu remédio e descanse. Estarei a poucos
passos daqui e só sairei depois que você voltar totalmente à consciência. Não
confio nessa garota.
Arqueio minha sobrancelha, contudo decido não discutir por agora com
ele. Estou sem energia. Apenas fecho os olhos confiando em sua palavra e me
permito dormir.
*****
*****
Acordo suado, sentido a angústia de quando sonho com ela. Parecia tão
real! Linda como sempre foi e com uma voz tão doce que seria impossível
não compará-la com um ser divino. Olho Lorena dormindo ao meu lado e
saio de fininho para não acordá-la. No relógio marca que já são oito da
manhã. Meu celular escolhe esse momento para tocar insistentemente e me
xingo por não ter o deixado somente vibrando. Preparo-me para as más
notícias, suspirando quando vejo o nome de Marco na tela. Atendo
rapidamente assim que me lembro da nossa conversa na madrugada.
— Tudo certo?
— Por aqui sim. Preciso ir à Miami resolver um assunto urgente.
Amanhã estarei de volta.
Franzo a testa com sua fala. Ele está me escondendo algo.
— O que descobriu? — eu pergunto e ele fica em silêncio por um
tempo. — Marco? Desembucha! — uso minha voz de chefe para que entenda
que não estou pedindo e sim ordenando.
— Um pacote foi enviado de lá e estou indo investigar quem foi o
mandante. Só volto quando tiver uma resposta e acabar com o culpado.
— Esse é o território sobre o poder de Mariano. Acha que ele está
envolvido nisso? Seria muita burrice e óbvio demais.
— Como eu já disse, não podemos descartar ninguém. Tudo é possível
quando estamos em meio a uma guerra que tanto temos inimigos de fora
como de dentro da organização, lutando por poder. Tudo é válido para
ganhar.
— Tudo bem. Me deixe informado de cada detalhe e faça o que for
preciso. E... Marco?
— Sim?
— Tome cuidado! Não deixe rastro e leve o Nino com você.
— Tranquilo! Se cuide você também!
Desligo o telefone e fico um tempo pensando no que vou fazer a partir
daqui. Eduardo já me disse que vai ajudar e marcou uma reunião com seus
contatos, porém, é muita burocracia. É por isso que gostamos de resolver as
coisas por nossa conta e risco. Não tenho paciência de ficar esperando a
lentidão que esse povo leva para ler um pedaço de papel. Mas é preciso
aguardar o desenrolar das coisas. Ainda tem a investigação que Marco está
fazendo sobre os possíveis locais onde Luigi esconde as garotas.
Esfrego a cara me sentindo ansioso de repente. Odeio me sentir de mãos
atadas. Logo sinto braços quentes me abraçar por trás e me viro para ver a
minha perdição em pé atrás de mim. Puxo Lorena para a minha frente e a
beijo.
— Ainda está muito bravo comigo? — pergunta sem jeito.
— Não, Lorena. Bravo não, mas chateado pelo que me escondeu, sim.
Eu preferia ter ficado sabendo da sua boca sobre o seu passado do que pela de
Marco.
Ela abaixa os olhos e eu levanto seu queixo para que me olhe
novamente.
— Entenda uma coisa! Eu tolero tudo, menos que me traiam. Não julgo
seus motivos, mas sou egoísta demais para te libertar.
— O que quer dizer com isso?
— Que você é minha! Que eu não sou um bom homem para deixar você
ir para longe de mim, mesmo sabendo que é a coisa certa a se fazer. Que eu
nunca deixei alguém chegar tão perto como você e agora não quero outra
pessoa.
— Eu... Eu não entendo. Até ontem você disse que não se importava
comigo. O que mudou?
— Eu quase morri em meio a um tiroteio e percebi o quanto você é
importante para mim. Eu no seu lugar teria feito o mesmo. Lutaria e faria
qualquer coisa para ter meus pais de volta.
— Então me deixe ir, Vincent! Me deixe ter meu direito de escolha.
— Porra, mulher! — Me afasto dela com raiva de mim, dela e de tudo.
— Eu acabo de abrir o meu coração para você e tudo que tem a dizer é que
deseja ir embora?
— Você vai se casar e eu mereço muito mais do que ser “a outra” na sua
vida. Nós dois sabemos que a família não me aceitaria. No meu país não tem
essas regras descabidas e lá eu posso ser eu, a Lorena Ávila, a menina que
sonhava em ser enfermeira para ajudar os outros, não a prostituta que só tem
serventia para que homens tenham seus paus molhados quando necessitam.
— Eles não aceitam muita coisa e eu não me importo de ir contra todos
eles.
— E morrer? Você estaria disposto a morrer por mim, Vincent? Largaria
tudo isso aqui e me acompanharia?
— Essa é a minha vida. É tudo que sei e tenho, Lorena. É meu legado e
está no meu sangue comandar isso aqui. Fui preparado para isso desde
pequeno.
— Eu não. Eu não fui preparada para viver aqui. Depois de tudo que
passei, estar aqui é uma tortura.
Encosto minha testa no vidro da janela que vai do chão ao teto, olhando
a rua lá embaixo com todas as pessoas passeando felizes com suas famílias e
seus cachorros, como se o mundo fosse um lugar seguro, sem guerra, sem
nenhum conflito ou violência. Tudo em perfeita ordem. Uma tremenda
hipocrisia!
— Vincent? — diz tentando se aproximar de mim.
— Me deixe sozinho, Lorena, e volte ao seu apartamento.
— Não se feche de novo e não me empurre para fora! Por favor!
— Eu acho melhor a gente separar as coisas. Eu estou confuso e isso não
é bom para o momento que eu estou passando. Não posso perder o foco e
você me distrai.
Ela se joga em meus braços e se segura forte em mim. Gemo com o
impacto do meu ombro na parede.
— Não vou deixar que me expulse daqui. Se não posso ter minha vida
de volta, ao menos me deixe ficar aqui com você. Não quero que outro me
toque ou me machuque. Faça o que quiser comigo, mas não me deixe voltar
para o controle do seu tio.
Ela se ajoelha puxando minha calça para baixo e massageia meu pau.
Em outro momento eu estaria excitado e agradecido, mas não agora, não com
suas lágrimas escorrendo por todo o seu rosto, mostrando seu desespero e
tristeza. Foda-se! Desde quando as lágrimas de uma mulher me incomodam?
Eu saí de dominador para ser o dominado.
— Pare! — A puxo pelas mãos, para que se levante.
— Me deixe te dar prazer com a minha boca.
— Não! Por mais que eu ame sua boca em mim, eu não quero assim.
Venha aqui! — A seguro em meus braços e ela soluça forte. — Não chore,
mia bella. Eu jamais te mandaria de volta para o meu tio. Eu disse aquilo na
hora da raiva.
Aos poucos ela vai se acalmando. Limpo seu rosto com a minha mão e
beijo a ponta do seu nariz arrebitado.
Eu estou muito, muito ferrado! Se meus inimigos ficarem sabendo que
uma mulher consegue me controlar com suas lágrimas, eu vou morrer fácil,
caralho! Isso é um enorme ponto fraco. Um que tentei ao máximo ficar longe,
e mesmo assim não consegui. Uma fraqueza que me fará criar uma guerra
para tê-la ao meu lado. Marco vai arrancar meu pescoço fora quando eu
contar que não quero seguir adiante com o casamento com a Giovanna. Nós
vamos ter que acelerar as coisas, porque depois de acabar com essa, vou ter
outra batalha para enfrentar.
Quando o dia amanheceu, percebi que tinha acordado nos braços do
Vincent. Estava tão drenada dos acontecimentos dos últimos dias, que
simplesmente apaguei. Marco ainda não voltou da sua viagem, seja lá para o
que ele foi fazer, e isso tem deixado Vincent muito estressado. É notório que
algo não esteja saindo como deveria, pois o clima ficou mais tenso por aqui.
Como vim parar na cama, eu não sei. Desci ontem para ajudar as meninas na
limpeza da boate, ensaiei um pouco e depois bebi com a Ashley, para me
distrair. Só me lembro de deitar no sofá para tirar um cochilo e acabei foi
apagando. Eu sou muito fraca paras bebida, alguns goles são o suficiente para
me derrubar. Bebo de teimosa e porque gosto da sensação de dormência que
o álcool me traz, sempre me ajudando a aplacar um pouco das minhas dores
e solidão.
Viro de frente para o homem bonito ao meu lado, analiso seu rosto de
semblante fechado até mesmo dormindo e fico o admirando por um tempo.
Se não fossem as circunstâncias em que me encontro, eu iria arriscar deixar
meu coração em suas mãos, mas não posso. Por todos os motivos errados,
não posso ficar aqui e simplesmente fingir que nada aconteceu, tendo em
vista que poderei esbarrar em Luigi ou qualquer outro cliente que tive, a
qualquer momento. Só de imaginar essa cena, já me dá um nó no estômago.
Isso porque não estou contando com o fato de que ele está noivo, ou seja, não
tenho nenhuma razão para querer ficar. Meu lugar é longe daqui e tudo
conspira para me provar isso.
Sua declaração me pegou desprevenida há alguns dias. Depois do
episódio no qual eu surtei, ele não tocou mais no assunto, mas percebo em
seu olhar que espera algo de mim, até mesmo pela maneira que me toca e me
beija quase que em aflição, como se tentasse me provar com seu corpo, que
estava falando sério. Eu ainda tenho lá minhas dúvidas sobre isso. Passei
muitos anos nas mãos de sua família para aprender que eles são capazes de
tudo quando querem chegar aos seus objetivos, inclusive fingir sentimentos.
Eu vi muitos dos soldados manipulando e brincando com as meninas no
clube, por fim as jogando fora quando conseguiam o que queriam delas. Eu
até gostaria que fosse diferente, entretanto como ignorar todas as coisas
erradas se elas estão gritando em alto e bom som a minha volta?
— Seus pensamentos estão muito altos. — diz com a voz rouca de
sono.
— Sério? Então me diz no que estou pensando agora.
Ele me observa com olhos de falcão.
— Que sou um homem maravilhoso e que me quer dentro de você para
o resto da sua vida.
Gargalho alto.
— Seu sonho, não é?
Ele suspira resignado.
— Não nego. O que tenho que fazer para que possa acreditar em mim,
hein? — Ele pergunta e eu não respondo nada. O que eu quero, ele já disse
que não me dará. — Eu sei exatamente o que quer, Lorena. Eu só queria que
me desse uma chance de provar o que sinto por você.
— Como me provaria isso? — pergunto curiosa.
— Fique comigo! Três meses é tudo que te peço e preciso para te
provar que não tenho nada a ver com o que aconteceu com você. Pretendo te
recompensar por tudo o que passou.
Seu rosto está inexpressivo no momento, me avaliando. Às vezes ele é
tão transparente, e em outras se fecha tanto que não consigo ver
absolutamente nada.
— Eu não sei o que dizer. Não tenho nada a oferecer, Vincent.
Ele deita em cima de mim, beijando suavemente meus lábios.
— Lorena, você é tudo que eu preciso para continuar lutando pelas
coisas certas.
O olho surpresa. Choque é a descrição mais correta. Ele está falando
sério ou é mais algum dos seus joguinhos?
— É algum tipo de teste?
— Eu tenho honra, coelhinha. Quero você, já deixei isso claro, mas
tenho planos de mudar algumas coisas e preciso desse tempo. Nada pode sair
errado ou poderei me prejudicar diante da famiglia.
Não caia nessa, Lorena! Mafiosos são sem escrúpulos. Continue com
seu plano, que é mais seguro.
— Eu não sei de mais nada, então não sei como eu poderia ajudar.
— Nem se for para acabar com tráfico humano dentro da máfia?
Arregalo os olhos. Agora ele tem minha total atenção. Isso só pode ser
brincadeira! Teria um novo objetivo para lutar, algo muito maior do que eu.
— Está falando sério?
— Muito sério! Mas não posso falar todos os detalhes para você.
— Eu sei. Negócios da máfia e tudo mais. — Bufo revoltada.
— É isso ai! Mas ao contrário do que me acusou, eu não sou a favor e
quero acabar com isso. O negócio é que ainda não tenho todo o poder que
necessito. Só preciso de você ao meu lado, mia bella. Me dê pelo menos esse
tempo. Se depois que tudo isso acabar, você ainda querer ir embora, vou
fazer tudo o que tiver ao meu alcance para que saia daqui com segurança.
— Me dê a sua palavra! Jura pelo seu sangue? — Eu sei o quanto esse
juramento é importante para ele.
Ele levanta a sobrancelha.
— Se isso for fazer você reconsiderar a minha proposta, então juro pelo
meu sangue.
Não tenho nada a perder, certo? Não vou mudar de opinião. Três meses
é pouco tempo e vai passar rápido. Se for verdade dele, não estarei me
colocando em risco tentando fugir. O beijo com todas as forças, feliz por ele
ao menos me oferecer essa chance. Por favor, minha deusa! Prometo te
entregar várias oferendas. Não deixe ser mentira.
— Tudo bem. Eu vou ajudar no que for preciso.
— Bom... Merece até uma recompensa por ter feito a escolha certa. —
sussurra em minha boca, parecendo satisfeito com minha resposta.
Depois de uma rodada deliciosa de sexo na banheira, ele se troca e sai.
Quem diria que sexo seria bom? Eu achava nojento antes e agora até anseio
por seus toques.
Ando de um lado para o outro com a cabeça a mil, visto rápido minha
roupa e saio correndo para falar com a Ashley. Bato em sua porta aguardando
ela vir me atender. Só que como a vida é uma cadela vira-lata, quem abre a
porta é Romeo, somente de toalha e com seu imbecil sorriso de crocodilo.
— Ora, ora! Sentiu saudade de mim, meu bem? — diz me medindo de
cima a baixo, mordendo o lábio inferior.
— Nenhum pouco! Depois falo com minha amiga. — Me viro para
sair, no entanto ele é mais rápido e puxa meu braço, me encurralando.
Tento acertar um chute em suas bolas, porém ele já esperava por isso e
prende minha perna entre as suas.
— O que foi? Agora que esquenta a cama do chefe, não sou bom o
suficiente para você? — Segura em meu pescoço e empurra minha cara na
parede.
— Me solta, seu desgraçado! Ou eu irei acabar com você!
Ele gargalha.
— Você sabe o quanto eu amo quando você luta, querida. O sexo fica
muito mais interessante e sua boceta bem mais apertada em volta do meu
pau. — Esfrega seu membro em meu traseiro fazendo a bile subir em minha
garganta, por nojo.
— Eu odeio você! — falo já esperando pelo pior.
— Não! Você ama! Já disse a ele o quanto você gosta de duro e forte?
Que gritava com meu pau enterrado até o fundo?
— Seu doente! Eu gritava de dor, não de prazer.
Ele aperta forte a mão em minha garganta, cortando meu ar.
— Solte ela, Romeo, ou você estará cavando sua própria cova! —
Thadeo grita ao nosso lado.
— Qual é, irmãozinho? Vai dizer que nunca quis molhar seu pau na
bocetinha mais disputadas pelos chefes? Eu não me importo em dividi-la com
você. Ela até gosta de ser preenchida por dois. — cita às vezes em que Luigi
me obrigou a ficar com ele e vários de seus amigos asquerosos ao mesmo
tempo.
— Isso não é da nossa conta. Solte ela agora!
Ele me puxa pelo pescoço e encosta seu lábio próximo ao meu ouvido,
deixando com a ponta da sua língua um rastro molhado.
— Você ainda vai ser minha, doce Lorena, e é só questão de tempo até
ele enjoar de você também. Então eu vou fazer você pagar por todas as vezes
que me rejeitou!
Ranço é o que sinto só de imaginar que isso pode acontecer um dia. É
disso que eu falava! De como eu não teria paz a cada vez que tivesse que
encarar algum dos homens que abusou do meu corpo.
Ele se afasta, só depois de vê-lo sumir respiro aliviada.
— Você está bem? — Thadeo pergunta me examinando.
— Sim. Eu vou subir. Se ver a Ashley, diga que preciso falar com ela!
— Tudo bem.
Saio de lá com o coração nas mãos. Que diabos! Logo ele tinha que
estar com a Ashley hoje! Essa foi por pouco. Vou ter que tomar um banho
com desinfetante para tirar toda a sujeira que seus toques repugnantes me
trouxeram. Não sei se depois do Vincent, eu conseguiria voltar a ser quem
era antes. Uma vez que se conhece o outro lado da vida miserável que
levamos, não queremos mais voltar para ela. Ele disse três meses. Respiro
fundo para me acalmar. Só mais noventa dias e terei minha vida de volta. Eu
posso aguentar mais um pouquinho.
Desço ao escritório para resolver as papeladas da boate. Tenho que
deixar tudo organizado para ir à Las Vegas conversar pessoalmente com o
Lucca. Irei pedir um pouco mais de tempo para o anúncio do noivado. Ele vai
ter que entender meu lado, visto que afinal de contas, serei eu com a corda no
pescoço. Mas estou vendo que do jeito que as coisas estão, vai ser impossível
sair daqui hoje. Marco está surtando com as informações que passei. No
geral, ele é o mais racional de nós dois, entretanto vejo que as coisas em
Miami tem o deixado em seu limite, o fazendo perder fácil a paciência nesses
dias que precisou se afastar. O que nos traz ao momento de agora.
— VOCÊ SÓ PODE ESTAR BRINCANDO COMIGO, CARALHO! —
grita pela chamada de vídeo. Estamos a mais de vinte minutos nesse impasse.
— EU SAIO POR MENOS DE CINCO DIAS E VOCÊ JÁ ESTÁ
CAÇANDO SARNA PARA SE COÇAR?!
Se ele não estivesse tão revoltado, eu iria rir das suas expressões.
— Eu a quero, Marco. O plano de início segue como planejamos.
Apenas estou acrescentando mais uma cláusula.
— Você fez o quê? — pergunta incrédulo.
— Falei a ela que darei sua liberdade se por acaso tudo passar e ela
ainda queira ir embora.
— Só pode ser feitiçaria! E olha que nem acredito nessas coisas.
— Dei minha palavra, jurei pelo meu sangue e não voltarei atrás.
— E espera o quê? Que em três meses ela esteja caidinha aos seus pés?
Vocês estão juntos há semanas e ela ainda continua com o mesmo
pensamento. Acha mesmo que vai mudar de opinião em um passe de mágica?
— Tenho esperança que sim. Ela odeia o tráfico, e se nós derrubarmos,
acabaremos com essa escória de dentro da máfia, além de fazê-la feliz. Será
minha última tentativa. Se não der certo, eu caso com a Giovanna, como
combinado.
— E até você se lembrar do seu compromisso com a famíglia, vai
enganar o seu tio e o Lucca Vitiello até quando? A gente não precisa de mais
um inimigo na nossa cola.
— Vai levar o tempo que precisar. Eu estou aguardando o desenrolar da
reunião com o Eduardo.
— Você só pode estar querendo me foder, cacete!
— Com lubrificante ou sem?
Ele me mostra o dedo e eu gargalho.
— Oh! Foda-se, Vincent! Não banque o espertinho comigo. Eu só não
quebro a sua cara porque estou muito longe. A boceta dessa mulher deve ser
muito boa para você se colocar em uma enrascada atrás de outra por conta
dela.
Esse stronzo tem muita sorte por eu considerá-lo muito, se não já teria
mandado ele à merda. O que não quer dizer que de vez em quando eu não
tenha que me impor e lembrá-lo quem sou, mesmo dando minha vida por ele.
— Vou desconsiderar o que acabou de falar porque sei que está muito
nervoso, mas se voltar a desrespeitá-la de novo, iremos resolver na gaiola as
nossas desavenças. Capiche? — Respiro várias vezes tentando manter a
calma.
O teimoso continua me encarando de cara feia e me olhando como se
tivesse nascido mais duas cabeças em meu pescoço.
— Porraaa! Nem acredito que estou ouvindo isso. Ligue para o Lucca e
combine com ele para adiar a festa de noivado. Arrume qualquer desculpa!
Se vire! Você se colocou nessa merda, então a resolva. Eu estou muito
ocupado aqui ainda.
— Vai dar tudo certo, Marco. Fique calmo e confie em mim quando
digo que vamos resolver isso.
— Tenho lá minhas dúvidas. Do jeito que você está se deixando levar
por seu pau, não irei me surpreender se você me disser que desistiu de tudo
no dia que eu chegar aí.
— Isso nunca! Eu honro com a minha palavra e isso é muito mais do
que uma briga pelo poder. É vingança por tudo que aquele desgraçado nos
fez.
Ele respira fundo e ficamos nesse jogo de quem cede primeiro ao outro
por um bom tempo. E como sempre, mesmo a contragosto, não me
decepciona.
— Tudo bem! Estou do seu lado. Mesmo não concordando com isso e
achando que a união com a Vitiello seria o caminho mais seguro no
momento, eu respeito sua decisão e não vou voltar atrás no que te prometi.
— Eu agradeço pelo seu apoio, mio amico.
— Não me agradeça. Se ela nos trair ou dizer algo que nos prejudique, é
melhor me matar, Vincent, porque nem você e nem o próprio diabo em
pessoa me impedirá de colocar uma bala no meio da testa dela.
O frio me toma só de pensar na possibilidade de ter que escolher um dia
entre os dois. Espero que nunca chegue a esse ponto.
— Juntos até a morte!
— Sempre! — diz ainda chateado.
Desligo o notebook mais tranquilo porque sei que ele estará comigo.
Torço para que um dia possa se apaixonar e sentir o que sinto por ela. Só
assim ele me entenderá. Por um tempo eu achei que nem coração eu tinha, e
que tudo o que importava era cumprir com minhas obrigações e minha sede
por justiça, só que agora eu tenho mais um motivo para continuar lutando.
*****
*****
Subo na gaiola em meio aos gritos e aplausos do público, gostando do
showzinho extra.
— O vencedor fica com a bella donna. Já sabemos quem será, não é? —
o provoco com a certeza de qual será o resultado final.
— Se eu fosse você, não teria tanta certeza assim.
Ele tenta acertar um soco em meu abdome, entretanto é muito lento, o
que me faz pegá-lo desprevenido e chutar sua costela quando chega muito
perto. O mundo parece parar a nossa volta. Minutos se passam e eu me
desligo de tudo. É só eu e ele aqui e as nossas vidas em jogo. Meu sangue
bombeia tão forte que o sinto pulsar por todo meu corpo. Ele vem para cima
de mim, conseguindo atingir alguns golpes, mas não o suficiente para me
derrubar. Tenta novamente acertar mais um soco, porém me defendo
acertando o cotovelo em seu braço, o deixando pendurado, mostrando que
desloquei do lugar. Ele recua fazendo uma careta de dor, mas se mantém
firme.
— Pensando em desistir?
— Nunca! — fala respirando pesado.
— Eu bem que gostaria de ficar brincando mais um pouco com você,
mas tenho uma mulher para cuidar.
Com satisfação ataco cada um dos pontos mais sensíveis que sei que irá
enfraquecê-lo. Agora é para valer! Os golpes são muito mais violentos,
fazendo o chão ficar vermelho com os respingos dos nossos sangues. Mais
dele, do que meu. Tenho que admitir que ele é corajoso. Mesmo eu sendo
muito melhor que ele no kickboxing, estou realmente impressionado. Poderia
ter o matado sem sequer sujar as minhas mãos, com uma única bala em seu
maldito crânio, contudo eu teria acabado com isso antes mesmo dele perceber
o porquê de estar sendo morto, o que seria rápido demais. Todos os homens
que a tocaram contra a sua vontade, merecem ter uma morte lenta e dolorosa.
Escolhi lhe dar uma chance justa, mas não porque sou bom, e sim pelo prazer
de vê-lo quebrar, se debater e ter uma pequena esperança, até no último
minuto, por fim, arrancar todas as suas chances, mostrando o quanto foram
inúteis seus esforços.
Acerto um chute em sua canela e outro em sua cabeça, fazendo a mesma
virar e ele cair no chão. Pulo em cima dele o estrangulando e vendo aos
poucos a vida deixar seus olhos. Somente solto ele quando dá seu último
suspiro. As pessoas gritam eufóricas com a minha vitória. Peço uma arma ao
meu soldado e atiro para ter certeza de que não pegará o caminho de volta do
inferno.
Olho em meio à multidão tentando encontrá-la e a vejo no canto com a
mão na boca, assustada, me observando de olhos arregalados. Não desvio
meus olhos dela enquanto eu desço do tatame e vou ao seu encontro. Coloco
meus braços a sua volta puxando-a para mim. Beijo a marca em seu pescoço
com suavidade para que entenda que fiz tudo por ela e que enquanto estiver
comigo, eu a protegerei de tudo e de todos. Essa foi a minha primeira prova
do quão sério eu falo sobre recompensá-la pelo que passou, inclusive da
minha parte que a ignorou de início e não acreditou nela.
Perplexa! Essa é a palavra que me define agora. Estou tão em choque,
que não consegui sair do lugar. Acho que nem pisquei os olhos. Já tinha
ouvido falar sobre como ele é mortal, impiedoso, frio, só que saber e ver são
coisas completamente diferentes. O que ele fez por mim me deixou sem
palavras. Alguém me defendeu depois de anos gritando em silêncio, sem
ninguém para me ouvir ou ajudar. Estou tão emocionada quanto petrificada.
Eu passeio entre duas possíveis reações: correr para beijá-lo em
agradecimento ou fugir. Sim! Fugir para o mais longe possível quando vejo
seus olhos famintos. Se no dia em que chegou à boate, sujo de sangue, ele
parecia intenso e assustador, hoje está dez vezes mais.
Ele me segura pela cintura, beija meu pescoço, involuntariamente meu
corpo responde ao seu toque. Sem dizer uma única palavra, ele traz seus
lábios ao meu em um beijo exigente. Sua língua não pede licença e
simplesmente toma o que seu dono quer e deseja. Gemo em seus braços e o
sinto me carregar. A próxima coisa que vejo é que estou deitada nos lençóis
da nossa cama, com ele pairado sobre mim. Sinto o gosto do sangue em
minha boca, e ao contrário de uma pessoa normal, em vez de nojo, fico
excitada, porque é o sangue que ele derramou por mim.
Ele tira minha roupa e delicadamente me beija dos pés à cabeça. Fecho
os olhos sentindo uma avalanche de sentimentos me atropelarem feito um
caminhão desgovernado. Não quero sentir, mas não tenho controle. É como
se eu tivesse me perdido e de repente me achado. O quão louca eu sou por
pensar assim?
— Olhe para mim, coelhinha! — ele pede e eu abro os olhos, vendo os
seus belos azuis me observando. — Está com medo de mim?
Eu deveria, não é? Mas não... Não estou com medo. O que estou
sentindo, não consigo colocar em palavras.
— Não. Estou apenas sem saber como agir depois do que houve lá.
— Foi por você, mia bella! Ele nunca mais encostará um dedo em você.
Eu irei te proteger de todos eles.
Meus olhos se enchem de lágrimas não derramadas. Tudo me bate,
porra! Qual é o meu problema? Será que anos de abusos fizeram eu me tornar
um deles? Eu o vi matar um homem na minha frente, e em vez de me
lamentar, porque alguém morreu por minha causa, estou feliz. Muito aliviada,
na verdade. Na minha cabeça se passa um filme de todas as vezes que Romeo
me machucou ou ajudou Luigi a escolher meus clientes. Eram sempre os
piores, os mais sádicos para poder me punir por rejeitá-lo. Sei que não
deveria dizer isso, no entanto quero que ele queime no fogo do inferno se
realmente existir um. Que sofra o triplo do que me fez passar!
— Obrigada! — Aliso seu rosto trazendo sua boca novamente para a
minha.
— Você está em choque. — Encosta sua testa na minha. — Deixa eu
pegar um pouco de água para você.
Como explicar que estou mais sem reação pela sua atitude do que pela
morte do Romeo em si?
— NÃO! — O seguro. — Por favor! Só fique aqui comigo!
— Tudo bem, coelhinha. Não sairei daqui.
Puxo sua calça para baixo afim de ter mais contato com seu corpo. O
desejo pulsa em cada fibra minha.
— Me foda! Me puna do jeito que você gosta! Tire toda a marca que ele
deixou em mim.
— Eu não vou fodê-la, Lorena. Não hoje. Não agora, pelo menos. Você
merece mais do que isso.
— Por quê? Não faz isso, Vincent. Eu preciso de você nesse momento.
— Porque, mio amore, quando eu entrar em seu corpo, eu estarei indo
devagar, lento e muito suave. Irei fazer amor com você.
Oh! Foda-se! Meu coração traidor falha uma batida.
— Então me mostre como é. — peço baixinho, duvidando que haja uma
diferença entre um e o outro.
Ele volta a deitar em cima de mim, desce rumo a minha boceta que
pinga de necessidade e a chupa devagar, me torturando, explorando cada
parte minha como nunca ninguém fez antes dele. Já percebi que como um
ritual, ele me dá prazer primeiro, só depois que vem em busca do seu.
— Você me quer em você? — diz pincelando seu pau em minha entrada
encharcada.
— Sim, Vincent! — Eu o quero tão ruim que não sei se choro ou me
condeno.
Arqueio minha coluna querendo que entre logo em mim.
— Minha menina gulosa!
Ele se encaixa e entra bem devagar, no mesmo instante em que sua
língua toma minha boca. Move o quadril em estocadas rasas e lentas em
combinação com a maneira que me beija. Cada toque seu é registrado pelo
meu corpo, minha mente e meu coração. Estou caindo duro por ele. Com
cada movimento eu sinto um fogo líquido e quente me consumir, como se
fosse feita uma marca em minha pele, da qual nunca conseguirei me livrar.
Sei qual é a diferença dessa vez em relação às outras: tem sentimento, muita
emoção, veneração. É diferente de tudo que já senti em toda a minha vida.
Sinto-me única e totalmente completa. Ele se move em mim de um jeito
sensível, sensual, tão puro, tão cru, tão certo, e ao mesmo tempo com um leve
gosto de proibido, doentio e insaciável.
Quando ele sussurra ao meu ouvido que me ama, que eu sou sua e ele é
somente meu, sou dominada por um orgasmo que me bate, tirando todo o
meu fôlego. Venho forte com um grito alto, sendo arrebatada para um outro
mundo completamente diferente. Nesse, eu e ele somos apenas um. Não têm
monstros, nem prisão ou dor. É onde sou livre como sempre sonhei. Não
porque saí dessa vida, mas porque tudo fez sentido e eu encontrei de uma
maneira estranha a libertação que procurava por todo esse tempo, nos braços
de um mafioso.
*****
Olho seu lado da cama e vejo que estou sozinha. Levanto e saio à sua
procura. Tudo parece tão irreal que estou em dúvida se dormi e sonhei ou se
realmente aconteceu. O encontro na sala com vários papéis sobre a mesa,
como se nada tivesse acontecido. Ele levanta seus olhos, fixando aos meus.
— Você está bem? — Inclina a cabeça me analisando.
— Sim. Eu acho. — Tudo é tão estranho.
— Venha aqui. — Me estica uma de suas mãos.
Dou alguns passos e coloco a minha mão na sua. Mãos fortes e macias.
Nem parece que estrangulou um homem até a morte.
— Está com fome, mia bella?
Sorrio com meu novo apelido carinhoso. Ele tem me chamado muito
assim ultimamente, e sinceramente gosto mais desse.
Vejo uma pequena mala no chão e a curiosidade me toma.
— Vai viajar?
— Preciso ir a Las Vegas revolver um problema. Quer vir comigo?
— Me levaria? — Fico animada com o convite.
— Sim! De lá preciso dar uma passada rápida em Miami. Creio que
você não conhece lá também, não é?
— Tá brincando? Nem a Itália onde tive morada por dez anos, eu
conheço direito.
— Então me deixe te mostrar ao menos um pouco, coelhinha. — Beija
minha mão. — Deixa eu te ajudar a descobrir o mundo.
— Você não vai pegar leve, não é? Está decidido a me fazer cair por
você.
— Se estiver funcionando, não medirei esforços.
Ai meu coração! Te controla, porra!
— Quando vamos sair? — mudo de assunto porque ainda não estou
preparada para assumir meus sentimentos.
— Estava só esperando você acordar.
— Tudo bem! Eu irei me arrumar para podermos ir.
— E o seu café? Coma alguma coisa! Está muito tempo sem se
alimentar.
Como mamãe diria: saco vazio não para em pé. Olho para a bela mesa
na minha frente, chamativa e repleta de guloseimas. A minha ansiedade é tão
grande que não conseguiria comer nem uma rosquinha sequer, porém, para
não fazer desfeita, nem criar caso, como um pouco, então corro até o quarto
para me arrumar e escolher as roupas que irei levar.
Vinte minutos depois estamos no aeroporto e pego minhas coisas para
irmos ao balcão de embarque, mas sua mão me para.
— Não iremos em voo comercial, pois chamaria muita atenção. — diz
apontando para a fila de homens vestidos de preto logo atrás de nós.
Realmente! É de assustar as pessoas que não sabem quem eles são, e
pior ainda as que sabem.
Fomos para o terminal executivo, onde tinha um jatinho nos esperando.
Entramos, e logo que alçamos voo, observo pela janela as nuvens passando
admirando cada detalhe. Permito-me imaginar que estou indo ver mamãe e
Vítor, que tudo não passou de um terrível pesadelo e que logo irei acordar
com dona Clarice gritando que irei perder a hora de ir à escola. Estou tão
confusa. Por que as coisas não poderiam ser mais fáceis? Com esse
pensamento encosto minha cabeça na poltrona e acabo tirando uma soneca.
*****
— Lorena! Chegamos.
Levanto atordoada e saímos rumo aos carros que já nos espera. Olho
tudo a minha volta com um sorriso bobo no rosto feito uma criança no parque
de diversões. Tudo é novo e fascinante aos meus olhos. Quem passa por mim,
logo percebe que sou uma turista. Para que ficasse mais óbvio, só faltou um
chapéu de palha e uma máquina fotográfica pendurada no pescoço.
— É tudo tão lindo! Estou apaixonada pelo lugar.
— Assim que eu cumprir com meus compromissos, irei levá-la para
conhecer os pontos turísticos daqui.
— Jura?! — pergunto e ele me olha como se me achasse louca, até que
me toco sobre o que falei. — Não no sentido figurado! É só uma expressão.
Rio da cara que ele faz. Sinto um pequeno apertar da sua mão em minha
coxa, como se dissesse que me entende. Percebo que no exato momento que
saímos da boate, ele mudou seu comportamento. Está sério, observador e
muito calado. Imagino que assumiu essa postura perante os seus soldados,
para não mostrar fraqueza diante deles. Até mesmo o senti um pouco mais
distante de mim. Entendo, posto que no mundo dele quem abaixa a cabeça, é
morto em um piscar de olhos. Os fracos são submetidos a serem como
escravos ou mortos. Não sei de tudo o que eles fazem ou como vivem dentro
das suas próprias leis, mas com base em mim, posso dizer que é horrível não
poder colocar limite ou mostrar uma opinião contrária. Se não for pedir
muito, gostaria de mudar ao menos o que está errado diante dos meus olhos.
Se ele realmente estiver disposto há ceder um pouco, eu ficaria imensamente
feliz. Vamos ver como será daqui em diante. Meu coração pode ter
amolecido, meu corpo estar em total sincronia com o seu, porém, minha
mente não. Sempre me orgulhei de ser racional e pensar com todo o cuidado
sobre o que iria fazer. Aprendi a usar essa habilidade ao meu favor, essa será
a última parte de mim a ceder. É graças a ela que me mantive viva até hoje e
não será diferente porque ele disse palavras bonitas quando fizemos amor.
Vou lhe dar a chance de realmente me provar o que disse, mas não em
palavras, mas sim em atitudes.
Faço check-in no hotel Bellagio, subimos e peço nosso almoço. Depois
que terminamos, levo Lorena para dar uma volta pela cidade. Muito mais
tarde digo ao motorista para me deixar em frente ao cassino da família
Vitiello, onde tenho marcado uma reunião com Lucca. Deixo ordem aos
meus homens para não tirarem os olhos dela enquanto compra sua roupa para
o nosso passeio de hoje à noite e saio do carro. Respiro várias vezes para me
controlar, já me preparando para o estresse que essa conversa me trará. Logo
na entrada encontro o Enzo e o nosso consigliere Henrique Cavallaro que
veio representar meu querido tio que está hospitalizado. O desgraçado
também sofreu um atentado e nem para morrer logo e tirar um grande
problema do meu ombro, serviu.
— Cavallaro! — o cumprimento. — Como está Luigi?
— Melhor. Não foi tão grave quanto achávamos. E você?
— Ótimo! Para a minha sorte e azar dos meus inimigos, estou pronto
para outra.
Ele treme o canto do lábio e me dá um olhar de conhecimento.
— Vittello! Como vai?
— Olha se não é o nosso subchefe preferido! Achei que vocês iriam
novamente arrumar uma desculpa. Se não os conhecesse, eu poderia dizer
que estão dando para trás em nosso combinado. — critica.
Não digo que o que ele acha saber sobre nós, não chega nem perto do
que realmente somos.
— É por isso que estamos aqui. Houve alguns contratempos que me
impediram de vir antes.
— Estou sabendo dos atentados que sofreram. Imagino que já tenham
achado e punido os culpados, não?
— Claro! Mas vamos aos negócios. Não estamos aqui para trocar dicas
de como matamos e torturamos nossos inimigos.
Ele semicerra os olhos e eu me mantenho sério. Não somos amigos
deles, tão pouco estou feliz com esse arranjo. Quero deixar claro que mesmo
que eu me case com sua irmã, não será motivo o suficiente para dividir
segredos sobre a nossa organização.
— Está certo! Vamos subir! O capo já nos aguarda.
Observo a minha volta, procurando uma possível rota de fuga caso seja
necessário. Estamos em desvantagem em terreno inimigo e qualquer passo
em falso pode causar um derramamento de sangue. Dou sinal para que Alec e
Miguel se mantenham em alerta. Liberei Thadeo dessa viagem, contudo não
para plantear a perda do imbecil do seu irmão, mas sim porque não confio
nele perto de mim e nem da Lorena por agora. As pessoas tendem a ser
irracionais e voláteis quando estão de luto. Entramos no escritório e Lucca,
junto com vários de seus homens, se levanta para nos receber.
— É um prazer tê-los
conosco. Minha filha ficou decepcionada por ter cancelado a festa de
amanhã.
— Tudo que posso oferecer no momento é um anel. Ela vai ter que
esperar mais um pouco para ter o nome da minha família. Acredito eu que
você não esteja ansioso por isso. — Sorrio com escárnio.
— Não mesmo! Mas essa união será muito vantajosa para a Outfilt,
então, certos detalhes insignificantes temos que deixar passar. — devolve na
ponta da língua.
— Por minha conta, nem teria aceitado esse acordo, pois estamos
levando muito bem sem vocês. — revido.
— Não é o que fiquei sabendo. O FBI está em cima, com todos esses
ataques que estão sofrendo. Suponho que ficar na boca da mídia e perder
muito dinheiro, tem dado bastante prejuízo.
— Cuidado! — Dou um passo à frente — Quem te escutar, pode achar
que você realmente se preocupa com os nossos negócios, ou pior, que esteja
nos atacando para tentar nos enfraquecer e se beneficiar com isso.
Ele solta uma risada forçada.
— Não me tenha por tolo, rapaz. Nós podemos ajudá-los e você deve
conhecer o ditado: uma mão lava a outra. Logo, nossas famílias estarão
ligadas e não quero que sobre nenhuma confusão para mim.
— Vamos com calma, cavalheiros! Estamos aqui para negociar, não
criar uma guerra. — Henrique tenta apaziguar a situação.
— Para quando pretende marcar a data de oficialização? — Riccardo,
seu consigliere, questiona.
— Quando eu resolver alguns problemas que tenho pendentes. Como
podem ver, o momento não é propício a festas.
— Espero que resolva logo! Quanto às fronteiras, permitiremos que
passem por elas assim que os papéis forem assinados. Até lá, nenhuma outra
proposta nos interessa. — Enzo responde de mal humor.
— Entendemos seu ponto de vista. Não estamos aqui para cobrar nada,
apenas pedimos um pouco mais de paciência até tudo se resolver. Três meses
nem é tanto tempo assim. — digo sucinto.
— Tudo bem! Desde que apareça hoje à noite na minha casa e coloque o
anel no dedo da minha filha, não irei me importar de esperar um pouco mais.
Espero que isso não seja um problema para você. — Lucca diz me
“fuzilando”.
— Estaremos lá! — Henrique se levanta, sendo seguido por mim.
Caralho! Lá se vão meus planos com a Lorena.
Saímos do prédio e me despeço de Henrique, mas não sem antes ouvir
um dos seus sermões.
— Está sendo muito relapso, Vincent. Trazer a menina para cá e matar
Romeo, não está ajudando a limpar sua barra com seu tio.
Nem pergunto como ficou sabendo. Imagino que Antonella deve ter ido
choramingar com Luigi a morte do seu precioso filho.
— E você acha que eu quero limpar algo com ele?
— Sei que não quer, porém precisa. Não se esqueça de que ele é seu
capo e você lhe deve todo o respeito.
— Uau! Por um instante eu jurei que era ele aqui na minha frente em
carne e osso. O babaca estava no meu território e me provocou. Não esperava
que eu relevasse e ensinasse os outros a fazerem o mesmo, não é?
— Vai me dizer que não tem nada a ver com a bela morena que está te
esperando naquele carro?
Merda!
— Você tem uma ideia muito errada sobre mim, Cavallaro. Sempre
gostei de ter meu pau molhado por uma boa boceta. A idade está afetando a
sua visão e o fazendo enxergar coisas onde não existem.
Me dói dizer isso dela, no entanto não posso deixá-lo achar que tenho
um ponto fraco e futuramente usá-lo contra mim. Retribuo seu olhar sério,
que desde mais jovem parecia ter o poder de ver além de mim e saber
exatamente o que eu escondia ou fazia por suas costas. Com o passar dos
anos, tanto Marco quanto eu aprendemos a respeitá-lo, o que não quer dizer
que não temos os dois pés atrás com ele. Henrique só parece ser calmo, mas é
muito observador, tão ou mais letal que eu, afinal, foi ele que nos treinou,
ensinou tudo que sabemos. Vamos dizer que não iremos querer ele como
inimigo. Até hoje tento entendê-lo, descobrir de qual lado ele está exatamente
e o que realmente quer.
— Só digo que se cuide! Da mesma forma que eu percebi, eles também
podem. Nos vemos à noite no jantar. — Olha para o carro mais uma vez e sai.
Inferno!
Vou ao encontro da minha coelhinha, levá-la para conhecer os pontos
turísticos da cidade, como prometi.
*****
Aguardo Lorena descer para irmos jantar. Não quero chateá-la, então
somente depois que nós jantarmos, é que irei encarar a mansão do monstro.
De repente ela vem ao meu encontro, linda em um vestido longo e vermelho.
Tudo que ela veste, fica perfeito em seu corpo tentador. Faço uma anotação
mental de pedi-la para vestir essa cor mais vezes. Pergunto-me quando foi
que passei a reparar nesses pequenos detalhes. Logo eu que sempre fui
desligado assim? Ou só comecei a reparar agora por ser ela? Seguro em sua
cintura, admirando o brilho em seus olhos, que antes não estava lá. Decido
ali, fazer tudo para que ela não o perca. A beijo suavemente apreciando o
gosto de cereja do seu batom. Tão minha!
— Você vai sujar sua blusa. — diz rindo.
— Eu não me importo. Precisamos ir logo! Infelizmente, depois terei
que comparecer a um jantar de negócios.
— Você veio para ver ela, não é?
— Não se preocupe com isso, mia bella. Tudo que importa para mim, é
você. Eu irei resolver isso da melhor forma que eu puder. — eu digo e ela me
olha duvidosa. Não posso deixar de me culpar por isso. — Vamos? — Pego
em sua mão, colocando-a em meu braço.
Apesar do hotel que hospedamos ter dois restaurantes cinco estrelas
muito requisitados, a levo para o restaurante Aureole no hotel Mandalay Bay,
por ser uns dos meus preferidos devido as opções de pratos das mais
diferentes origens e culinárias, e claro, também por ser o único daqui que
possui a maior carta de vinho da América do Norte.
Somos levados à nossa mesa e Lorena absorve tudo a sua volta. Depois
que pedimos nossos pratos e escolhemos o vinho, é que ela fala algo.
— Eu sempre gostei de vinho e estou encantada com essas enormes
torres de vidro cheias deles.
— São quatro andares para ser mais exato. O melhor daqui é que se
pode escolher o vinho por estilo, região ou tamanho.
Sorrio de sua cara de espanto e percebo que ultimamente tenho rido
mais ao seu lado. Ela é diferente de tudo que conheci. Uma menina presa no
corpo de uma bela mulher. Ingênua e ao mesmo tempo sensual, sem precisar
de muitos esforços ou acessórios caros para se destacar. Entendo o porquê
meu tio e Romeo se encantaram ao ponto de morrer por ela. Pensar nele e
imaginar que ele que a tocou primeiro, me tem fervendo, e a minha vontade é
de trazê-lo de volta somente para matá-lo de novo. Espanto os péssimos
pensamentos e me concentro de novo nela.
— Eu gostaria de saber como eles fazem para pegá-los quando o cliente
pede um que não têm na parte mais baixa.
— Espera e verá! Eu escolhi um vinho que fica exposto na parte mais
alta.
— Você não fez isso... — ela para de falar quando ver uma das
garçonetes sendo presa e subindo pelas torres para pegar o vinho desejado. —
Uau! Isso foi demais!
Desfrutamos do nosso delicioso jantar e aproveito para saber um pouco
mais sobre ela. Lorena é falante e muito expressiva. Se nota suas emoções
por todo o seu rosto quando fala de sua família e novamente me bate uma
pitada de arrependimento por não ter prestado atenção detalhadamente sobre
ela.
A deixo em nosso hotel e saio para mais esse infortúnio encontro. Sinto
que essa noite vai ser para lá de longa e tudo pode acontecer.
Saio de fininho do meu quarto, desço em direção a cozinha dos
empregados, onde sei que todas as noites ele vai fazer um breve lanche
quando acontece a troca de soldados e chega o fim das suas rondas noturnas.
Ele é muito mais velho do que eu e não me importo. Odeio saber que logo
serei sacrificada como um cordeiro, dada como uma promessa de paz que
todos sabemos que não durará muito tempo. Só de pensar que não estarei
mais em seus braços, já sinto uma dor imensa no peito. Não me importaria de
fugir e viver longe daqui. Nada disso aqui me importa. Mas nós dois sabemos
como seria nosso fim. Papai não me perdoaria. Além de ser expulsa de casa,
deserdada, eu seria jogada em um bordel qualquer, e de quebra, o matariam
por tocar em uma das mulheres da família. Seríamos sentenciados e
condenados pelo resto das nossas vidas.
Chego por trás de suas costas e o abraço.
— Você demorou. Achei que não viria hoje. — diz acariciando minha
bochecha.
— Samantha custou a dormir e fiquei com medo de que me visse sair.
Nos olhamos por um tempo, com todas as palavras engasgadas, ao
mesmo tempo sem ter o que falar. Sabemos que nada pode ser feito.
— Eu estou com medo. — assumo sentindo a angústia me tomar.
— Seja corajosa, principessa! Nossos destinos foram traçados desde o
nosso nascimento. Não há nada a se fazer.
— Eu sei. — Tremulo os lábios segurando o choro. — Promete não se
esquecer de mim?
Ele segura em meu pescoço e junta nossas testas.
— É tudo que posso te prometer, pequena.
— Quero que saiba que posso até ser dada a ele em casamento, mas
nunca terá meu coração, porque eu te amo.
Nessa hora meus olhos já estão alagados, e mesmo que eu tente segurar,
as lágrimas escorrem pela minha bochecha. Isso é muito injusto!
— Faz amor comigo! Por uma última vez. — peço com jeitinho.
E ele faz. Me beija e me toma em seus braços, amando todo o meu corpo
de uma maneira marcante e carinhosa. Mal sabia eu que quando eu disse
aquelas palavras, inconscientemente selava ali o fim de uma história de amor
tão trágica quanto às de Shakespeare que eu lia desde menina.
*****
*****
Jogo fora tudo que estava em meu estômago, por nojo, e choro ao menos
uma hora seguida. Depois de ter pena de mim mesma, levanto e escovo meus
dentes até quase vê-los sangrar. Deito no sofá com os olhos fixos na janela de
vidro, sem vontade nenhuma de sair do lugar ou sequer levantar para ir fazer
algo para comer. Não sei o que aconteceu para fazer Luigi agir daquele jeito,
mas com toda certeza foi algo que Vincent fez e que o deixou muito irritado.
“Abra a boca, querida, e faça o seu melhor trabalho, ou eu irei atirar na
cabeça dele assim que passar pela porta. Você escolhe!”
Isso teve um peso enorme sobre mim, pois me lembrou exatamente o
que sou aqui e me trouxe na mente a conversa que tive com a Ashley.
“Podem tirar as prostitutas dos bordéis, mas nunca das mulheres.”
Lembrar de sua traição ainda me dói, mas ela está certa, pois no lugar
dela, eu também teria feito qualquer coisa para sair daqui. Quem eu queria
enganar? Até pouco tempo atrás, era eu procurado uma fuga. Eu sabia que
Vincent estava presente e eu senti o exato momento que ele entrou naquela
sala. Meu corpo queimou diante da sua presença, mas não ousei virar para vê-
lo, com vergonha. Humilhação me definia ao ser submetida a passar por tudo
aquilo de novo.
— Senhora! Eu fiz um chá para você tomar. — Nino diz me entregando
uma xícara com o líquido fumegante.
— Obrigada! Pare de me chamar de senhora. Não sou senhora de nada.
Nem da minha vida eu sou dona.
— Eu sinto muito! Eu não pude fazer nada, ou ele teria te matado. Eu sei
que não deveria me meter nesse assunto, mas não é culpa do chefe. Ele está
tentando fazer a coisa certa e isso causa muitos inimigos.
— Eu sei, Nino. O pior de tudo é que eu sei. Todas essas guerras e todos
esses atentados é por ele estar se rebelando contra o tráfico.
Ele fica calado. Mesmo que saiba os reais motivos em detalhes, não
pode compartilhar comigo. Minha cabeça parece que tem uma escola de
samba dentro dela e todo o meu corpo dói de exaustão. Termino o chá, volto
a me deitar, fecho meus olhos e cochilo.
Braços fortes me carregam e me sinto ser colocada em um lugar muito
mais macio. Não preciso abrir meus olhos para saber quem é. Não quero
ouvir nada agora, só esquecer as cenas deploráveis que passei mais cedo.
*****
*****
*****
Saio do carro e olho para Marco, que ainda se mantem quieto. Somente
vi ele esboçar uma reação quando ligou para alguém, o que não duvido ter
sido Vincent.
— Diga a ele que sou muito grata por tudo o que fez por mim e pelas
meninas.
Apenas movimenta a cabeça, sério.
— Ele pediu para que eu te entregasse isso. — Me passa um envelope.
— O que tem dentro? — pergunto com medo de abrir.
— Dinheiro para recomeçar e fazer a sua faculdade. — Se é possível, eu
o amei ainda mais nesse momento.
— Diga que eu o agradeço. — Seguro a vontade de chorar. E ele ainda
se achava um monstro.
— Será dito, Lorena. — Nino, sempre mais educado, que me responde.
— Obrigada!
— Se cuide! — Liga o carro dando partida.
— Você também!
Foram nossas palavras finais. Não mandei dizer que o amava, pois ele já
sabia disso e não faria sentido dizer para outra pessoa passar esse tipo de
recado. Agora estou aqui em frente a minha antiga casa, sem saber como e a
quem chamar. No portão vejo Vítor se preparando para sair e eu o grito
eufórica. Ele se vira me analisando por um tempo.
— Vítor? Sou eu! A Lorena! Lembra?
— Olha, moça! Eu não sei quem é você e como me conhece, mas pare
de brincar com coisa séria. Respeite nossa dor e a memória da minha irmã.
— Sou eu, mano! A sua bonequinha. — falo chegando mais perto para
que ele me veja melhor.
— Isso não é possível! Por favor, pare de mentira.
— Me deixe provar que sou eu. Me pergunte qualquer coisa.
Ele cruza os braços me analisando.
— Me diz uma coisa que somente eu e Lorena saberíamos então.
Sorrio porque isso é bem típico do meu irmão.
— Hum! Você me pagava para comprar camisinhas para você porque
tinha vergonha de entrar na farmácia e escondia sua revistas pornôs em cima
da caixa de descarga do banheiro. Você dizia que eu e mamãe éramos
pequenas para alcançar, então lá era o melhor esconderijo.
Ele me olha de queixo caído e se aproxima mais, ainda desconfiado.
— É você mesmo? — pergunta me olhando pálido, como se estivesse
vendo um fantasma.
Imagino que eu seja exatamente isso para eles, depois de tanto tempo
sem dar nenhuma notícia.
— Sim! Você mudou muito. — Sorrio em meio as lágrimas.
Finalmente se dá conta de quem sou, então vem correndo em minha
direção e me puxa para seus braços.
— E você também! Só tenho certeza de que é mesmo você pela cor dos
seus olhos, que são inconfundíveis e que ainda te fazem parecer uma boneca.
Rio do seu jeito molecão, exatamente como eu me lembrava.
— E a mamãe? — A insegurança bate forte por medo da rejeição.
— Ela está lá dentro. Vamos entrar, que você tem muito a nos contar,
mocinha. Nós iremos querer saber de tudo, cada detalhe. Não sabe o quanto
sofremos sem você. — diz atropelando as palavras, me fazendo rir de novo.
— Eu prometo contar tudo que vocês queiram saber, mas me deixe ver a
mamãe primeiro. Estou com muitas saudades!
O carro que até o momento estava parado a uma distância segura com
Marco e Nino dentro, acelera passando por nós e vai embora. O olho com
pesar e com uma certa saudade, mas sei que vou ficar bem. Entramos em
nossa pequena casa e mamãe está de costas na pia com sua longa saia florida
e um turbante da mesma estampa na cabeça.
— Mainha? — pergunto chegando mais perto.
Como em câmera lenta, ela se vira e arregala os olhos deixando os
pratos que enxugava caírem no chão.
— Lorena?! — Arregala os olhos e coloca as mãos na boca, já chorando.
— Oh, minha mãe abençoada! Você a trouxe de volta!
Me abraça apertado, e como Vítor fez, me analisa para ver se sou eu de
verdade. Viramos uma bagunça de lágrimas salgadas.
— Oh, Mainha! Como sonhei com esse abraço. — Beijo seu rosto e
alguns fios brancos dos seus cabelos se desprendem do turbante, marcando
sua idade.
— Eu achei que nunca mais fosse vê-la, minha filha. Eu quase morri a
sua procura e não te achamos em canto nenhum. Me conte o que aconteceu
com você! Temos que ir na delegacia e avisar que te encontramos. Vítor, vá
chamar suas tias! Elas precisam saber!
— Eu sei que tenho muito o que explicar, mas me deixe sentar um
pouco e curtir vocês dois. Mais tarde nós iremos fazer todos os
procedimentos necessários, okay?
Depois de perguntar por todo mundo e saber como foram todos esses
anos que estive fora, contei uma versão resumida do que aconteceu comigo,
deixando de fora a parte sobre o Vincent e os mafiosos. Apenas falei sobre o
meu sequestro e sobre a casa da qual fui submetida a ficar, sendo escravizada,
e como foi meu resgate. De uma forma meio tosca, não quero que ela tenha
raiva dele e o culpe por tudo o que aconteceu comigo. Ficou no passado e eu
só quero seguir em frente a partir de agora, ou ao menos tentar.
A casa vira uma bagunça de gente a minha volta entrando e saindo,
querendo me ver com os próprios. Até Karen veio com seus filhos me visitar
e colocar um pouco do nosso papo em dia, ou melhor dizendo, ela me contou
sobre a sua vida, porque eu fiquei insegura de falar sobre mim.
Não pude deixar de pensar nele em várias das ocasiões em que alguém
falava ou fazia algo que me lembrava ele, mas tentei jogar no fundo da mente
e me convencer de que esse foi o nosso fim e um novo começo para mim.
*****
Estar de volta em casa é muito estranho. Nos primeiros dias eu não saí e
também não quis falar com mais ninguém os detalhes sobre o que aconteceu.
Mamãe e Vítor já sabiam e isso era o mais importante. Depois passei a falar
apenas o necessário e sem entrar em mais detalhes, para os curiosos. Porém,
esse era o foco das conversas dentro da nossa família. Todos perguntavam a
mesma coisa e eu já não tinha mais paciência para responder tantas
especulações. Eu percebia que eles me tratavam diferente, como se eu fosse
quebrar, e alguns com certa desconfiança, como se tudo que eu falava fosse
mentira. Não me passava despercebido suas expressões e olhares de
incredulidade. Isso porque eu nem contei a parte da prostituição.
Não conseguia ser a mesma de antes e eles ficavam esperando por isso.
No nosso primeiro almoço em família eu tentei me enturmar e sair com os
primos para as festas, mas não tinha jeito. Me sentia deslocada. Fomos em
uma boate, e lá, como era de se esperar, me senti a vontade, consegui me
soltar e até me arrisquei a dançar. Foi a primeira vez em dias que me senti
feliz, só que foi uma felicidade momentânea, pois assim que o efeito do
álcool passou, eu voltei a me sentir vazia e solitária. O quão estranho isso
era? Eu queria voltar a ser a Lorena de antes: alegre, risonha e que fugia de
casa para ir às festas às escondidas. Porém, essa parte de mim não existia
mais, e eu achei que iria recuperá-la quando chegasse aqui, e que tudo seria
diferente, mas me enganei. Criei expectativas demais e fiquei decepcionada
comigo mesma quando não foi do jeito que eu imaginei.
Eu não queria ser julgada ou mal compreendida, então na maioria das
vezes ficava sozinha e me isolava para evitar que alguém tocasse nesse
assunto novamente. Uma hora ou outra eu me pegava pensando em Vincent e
espantava com dor no coração as lembranças. A primeira vez que saí sozinha,
achei muito estranho estar em meio a tanta gente. Ficava olhando por cima
dos ombros com a sensação de que tinha alguém me vigiando e temia ser
sequestrada de novo. Eu não conseguia ser totalmente normal e parecia
paranoica.
Tanto que lutei para ser livre e tudo parecia sem sentido agora, já que
ainda assim uma parte minha estava presa em Los Angeles com ele. A
maldade maior que ele me fez foi fazer eu me apaixonar, somente para me
empurrar depois que eu já tinha caído de amores. Sua atitude por mais
altruísta que fosse, ainda assim, foi insensível em ter simplesmente se
afastado. Sinto sua falta, do seu corpo, de suas palavras de carinhos e dos
seus toques. Ainda doem todas as vezes em que me pego lembrando dos
nossos momentos juntos e penso que eu não os terei mais.
Eu fui dando passos pequenos a cada dia e tentava a todo custo
reaprender a viver em meio a esse novo mundo que me foi apresentado.
Mainha me incentivou a procurar ajuda psicológica, mas fui em três seções e
não consegui ir mais. Não tive coragem de me abrir. Eu sentia que a
psicóloga não iria me entender e ia acabar me julgando. Eu não conseguia
explicar o porquê desse buraco dentro de mim. Quer dizer... Eu sabia que
uma parte era por conta dele, mas quando chegava a essa conclusão, eu me
recriminava e guardava na caixinha que criei mentalmente de assuntos
proibidos. E assim eu vivia a minha atual vida, tentando passar por um dia de
cada vez e fingido que estava tudo bem.
— Lorena?
— Sim, Mainha!
— Filha? Há algo que não me contou e que tem lhe incomodado? Eu
vejo que você está sempre suspirando pelos cantos e parece que não está aqui
completamente.
— Estou tendo dificuldade em sair e fazer amizades. Me inscrevi na
faculdade e nem consegui assistir as aulas sem me sentir fora do lugar.
— Oh, querida! Levará um tempo até se acostumar com a vida aqui fora.
Você deveria continuar com as suas consultas e sair mais com suas primas.
— Eu nem consigo falar com as pessoas que eu conheço. Como vou
falar com os estranhos?
— Olha o filho da Cidinha! Ele faltou comer você inteira quando te viu.
Saia com ele, vá ver gente e curtir a vida! Está jovem para ficar trancada em
casa.
— É tão estranho ver a senhora me mandando sair e me incentivando a
namorar. A minha cabeça dá um nó. — Rio me lembrando de como era antes.
— O tempo passou e hoje você é uma mulher jovem e bonita. Não tem
porque se prender e não aproveitar o que a vida tem de melhor.
— Eu sei! Eu juro que estou tentando! — E é verdade.
— Vamos cortar o tempero e fazer aquela moqueca que eu sei que você
gosta. Vou te lembrar de todas as suas travessuras e já, já, estará se sentido
você novamente.
Apenas sorrio concordando, não querendo deixar que se chateie comigo
ou me venha com mais perguntas.
A cada história que mamãe contava, eu sentia que era sobre outra pessoa
e isso me matava aos poucos. Talvez ela tenha razão e eu precise ao menos
tentar seguir em frente e esquecê-lo de vez. E quem melhor seria do que outra
pessoa totalmente diferente dele? Não custa tentar e ver o que vai dar.
Um ano depois
Meses sem ela. Meses de agonia sabendo apenas o básico pela boca
dos outros, sobre como ela estava. Eu me afundei no trabalho, me arrisquei
mais do que acostumava, me testei e coloquei em segundo plano qualquer
sentimento que sentia, apenas para continuar sobrevivendo. Marco voltou
alguns dias depois e Nino ficou para trás. Eu queria ter a certeza de que ela se
adaptaria e que nada aconteceria para atrapalhar isso. E enquanto ela estava
reaprendendo a viver, eu me contentava com os vídeos que Nino me enviava
constantemente dela. Eu a via indo para a faculdade, saindo com a família e
dançando na boate. Me embebia de suas imagens para aplacar a dor que eu
sentia com sua partida.
Eu estou me sentindo tão perdido, sem um objetivo. Tudo parece sem
graça e sem cor, e para diminuir minha solidão, eu saia para caçar os
traidores. Fiz da sua ausência um combustível para a minha vingança. Eu
destrocei, manipulei e burlei todas as leis que foram criadas, apenas para me
sentir vivo de novo. Deixei que a sede que eu sentia dela, fosse como heroína
em minhas veias, me impulsionando a continuar minha luta. A cada tiro que
dei, a cada pessoa que torturei e matei, era para descontar as frustações de
não tê-la comigo. Mas quando a adrenalina passava e eu me afundava em
meu escritório com uma garrafa de bebida nas mãos, era quando eu me sentia
drenado, sozinho e carente dos seus sorrisos, dos seus beijos e do seu corpo
acolhedor, quente, apertado e gostoso recebendo o meu e me causando
sensações indescritíveis, que só ela me proporcionava. É um inferno! Até
tentei buscar em outros corpos o alívio que procurava, somente para me
chatear ainda mais, pois não era o dela.
Dias depois de sua partida, Luigi conseguiu fugir do hospital em que
estava recebendo atendimento, e daí foram semanas o procurando. Minha
parte eu tinha feito ao FBI e eles o deixaram escapar debaixo dos seus
narizes. Nem fizeram questão de procurá-lo, já que tinham outros cabeças da
investigação em suas mãos, que eu mesmo entreguei: políticos, juízes,
empresários e homens do mais alto escalão admirados pela mídia e pelo
público em geral. Um prato cheio para o FBI, que ganhou todo o crédito pela
queda do tráfico.
Foi difícil encontrá-lo e quebramos a cara várias vezes com pistas falsas
implantadas de propósito, mas a sua escapada não durou muito tempo. Graças
a aliança que ele tanto quis firmar com os Vitiello, entramos no México e o
achamos escondido em um dos pontos sob o poder do quartel dos Montez,
que nada besta preferiu entregá-lo do que ter problemas com duas
organização diferentes. E assim meu adorado tio veio parar em minhas mãos
para meu tão esperado e merecido acerto de contas.
Entro no galpão e o vejo amarrado na cadeira, com arame farpado. —
Cortesia de Marco, que adora deixar nossos convidados à vontade.
— Sentiu saudades, Luigi? — pergunto com deboche. — Espero que a
festa de boas-vindas esteja do seu agrado.
Ele me olha com raiva.
— Eu deveria ter acabado com você quando tive a chance.
— Deveria! Só que agora a chance é minha e pode ter certeza de que
não irei ser sentimental e fraquejar com você de novo.
— Nossos convidados especiais chegaram. — Marco diz entrando
acompanhado de Lucca, Enzo e Henrique.
— Isso vai ficar interessante e muito divertido. Já que sou o anfitrião,
nada mais justo do que eu começar.
Vou até a mesa de metal, onde todas as minhas ferramentas de diversão
estão espalhadas. A primeira que pego é o maçarico profissional, comprado
especialmente para ele.
— Você traiu a nossa família, e como punição, merece a morte. Porém,
antes que possamos começar, vou apagar o símbolo da Camorra. Você não
merece tê-lo no seu corpo.
Ligo a ferramenta e levo ao seu braço, onde está esculpida a tatuagem.
Ele grita quando a chama de temperatura de mil e quatrocentos graus entra
em contato com a sua pele, fazendo derreter a carne instantaneamente.
— Por favor! Para! — grita em desespero e eu me congratulo com isso.
— Quantas meninas devem ter dito essa mesma frase e você não ouviu,
hein?
— Chega! Eu sou seu pai e você deveria me agradecer por ter sido o
único a te contar toda a verdade. — Ignoro a parte sanguínea que não me
comove nem um pouco.
— Desculpe! Se eu não fizesse isso, outro iria fazer em meu lugar. Você
me ensinou isso, lembra? Aguente firme! Estou te ajudando a purificar seu
corpo e a se acostumar com o calor que encontrará no lugar para onde vai.
— Seu desgraçado! É melhor me matar, porque se me deixar vivo, eu
vou acabar com todos vocês!
— Não se preocupe! Nenhum de nós tem a intenção de ter misericórdia.
— Henrique completa.
Continuo a tortura por mais um tempo, e quando me dou por satisfeito,
eu desligo e passo para a próxima etapa. Pego uma tesoura de jardineiro e
volto para onde ele está. O suor e o sangue se mesclam com o cheiro de carne
queimada.
— Essa parte vai ser em homenagem a cada uma das meninas que você
sequestrou e estuprou sem nenhuma piedade, e isso inclui a minha Lorena. —
Levo a tesoura para o meio das suas pernas enquanto. Enquanto ele dá seus
gritos de protesto, eu corto seu pau fora, o levantando na sua frente e enfiado
em sua boca. — Já que gosta tanto de abusar de crianças, espero que em seus
anos de experiência, você saiba se dar prazer.
Os homens a nossa volta riem da cena e eu passo a vez para Marco, que
estava ansioso por esse momento tanto quanto eu. Quando ele termina sua
parte, precisamos fazer uma transfusão de sangue no imbecil, que teve uma
parada cardíaca. Deixamos ele descansar por um tempo, apenas para
começarmos tudo de novo.
A maior surpresa foi quando Henrique confessou que a sua vingança foi
por Eva Moretti, nos deixando chocados com a revelação de que ele era tio de
Marco, por ser irmão da mulher que foi enganada por Luigi e jogada em um
bordel. Também confirmou depois, apenas para mim, que meu pai havia lhe
confessado que eu não era mesmo o seu filho, porém, ao contrário do que
Luigi tinha me contado, minha mãe nunca foi prometida ao desgraçado, mas
sim ao meu pai Matteo, só que Luigi no intuído de burlar as regras, a dopou e
a violentou. Meu pai, como a amava, assumiu mesmo assim o compromisso e
me registrou como dele quando a gravidez foi confirmada.
A minha raiva foi a nível máximo com mais essa descoberta, ao saber
que desde o início ele vinha prejudicando a minha família. Só não entendi o
porquê papai não o matou na época, se ele era o capo e ninguém iria contra o
que ele fizesse. Mas depois de pensar bem, cheguei à conclusão de que
mamma deve tê-lo impedido, já que odiava vingança e tudo que vinha com
ela. Ao menos agora, tudo acabou e vou ter paz de espírito para continuar
com a minha mudança na organização.
*****
*****
*****
— Então quer dizer que você é o novo capo? Isso significa que Luigi
morreu? — pergunta curiosa enquanto comemos o lanche que pediu para nós.
Eu a atualizo dentro do que posso falar sobre como foi em Los Angeles
sem ela por lá.
— Sim. Acabou, mio amore! Não se preocupe com isso.
— Bom! Não vou ser hipócrita e dizer que sinto muito. Me preocupo, na
verdade, é sobre o que os outros membros irão falar quando me ver com
você.
— Não irão falar nada. Já deixei claro minha decisão e eles tiveram que
aceitar.
— Sem uma luta? — questiona duvidosa.
— A maioria deles está com medo de perder seus cargos, agora que não
têm mais Luigi para passar a mão em suas cabeças. Então, mesmo não
gostando, eles não irão mais se meter.
Não quero dizer para ela que tive uma grande dor de cabeça quando
reuni o conselho e contei minha decisão. Não quero preocupá-la.
— Eu comecei a fazer a faculdade de enfermagem e não consegui
continuar, pois não me sentia parte daquelas pessoas. Tanto tempo presa, que
me senti estranha.
Eu já sabia disso, só que prefiro ouvir dela como se sente e o que se
passa por sua mente, para poder ajudá-la.
— Você tentou cedo, Lorena. Não deveria ter parado com suas
consultas. Eu sei que é difícil se abrir com estranhos, mas vai te ajudar a se
encontrar de novo e trabalhar seus medos e inseguranças.
— E como sabe disso?
— Eu andei pesquisando sobre o assunto e tenho me envolvido em
projetos sociais para crianças e mulheres vítimas de abusos. Fiz uma parceria
com uma instituição. Até doei um dinheiro para aumentar mais o espaço e
atender mais pessoas.
Vou deixar para mostrar o projeto com seu nome quando chegarmos lá.
Demorou um tempo para ficar pronto e pedi que deixasse para inaugurar
assim que voltasse. De preferência com ela, para lhe fazer uma surpresa.
— Oh, Vincent! Estou tão orgulhosa de você! — diz com os olhos
cheios de lágrimas.
Sorrio.
— Não faço mais do que a minha obrigação, Lorena. De certa forma,
quero me redimir por ter demorado tanto tempo para destruir essa parte suja
da nossa organização.
— Foi um grande passo. Eu sei que não falaremos sobre os negócios da
máfia e respeito isso, mas quero que me prometa que não deixará esse crime
voltar para dentro da Camorra.
— Enquanto tiver sob o meu comando, isso nunca mais passará impune.
Eu te prometo isso.
— Eu tenho que aprender muita coisa sobre vocês, porque eu só sei o
básico.
— Não muito, querida. Como deve saber, as mulheres não fazem parte
das reuniões e tomada de decisões. E eu prefiro que continue assim.
— Se for como imagino, eu prefiro ficar mesmo de fora. Nossos filhos
terão que passar pelo mesmo treinamento que você?
Penso com calma sobre o que responder. Com toda certeza eles terão
que ser treinados para serem fortes e se prepararem para quando for o
momento de governar em meu lugar.
— Eu preciso os ensinar a se defender e treiná-los para serem bons
chefes depois de mim. Tudo que posso te prometer é que não passarão pelo
que eu passei. Aquilo que Luigi fazia com seus homens e comigo, beirava ao
sádico.
Ela parece respirar de alívio.
— Sendo assim, eu concordo. É horrível se sentir indefesa e a mercê do
inimigo.
— Quando voltarmos, vou treinar você. Também precisa aprender a se
defender e manusear uma arma caso precise.
— Sério? Não vai contra as leis da máfia ou algo do tipo?
— Não. As mulheres não têm a necessidade de treinar, por não
ocuparem cargos perigosos, porém, não é proibido ensiná-las a se proteger.
— Deixa eu adivinhar! Os maridos preferem deixá-las ignorantes e
totalmente dependentes deles, porque são muito desprezíveis para abrir mão
dos seus domínios sobre elas.
— Eu diria que eles têm medo de treinar um inimigo que dorme na
mesma cama que eles. — falo sério.
— E você não tem?
Levanto meus olhos, analisando suas feições.
— Você usaria uma arma contra mim, Lorena?
— Se tivesse me feito essa pergunta há uns quase dois anos atrás...
Provavelmente!
Rosno para ela, a fazendo rir.
— Você não está se ajudando, mulher. Acho que vou repensar sobre o
uso da arma. Vou somente te ensinar a lutar.
— Ah, não! — Gargalha. — Você sabe que estou brincando. Se
prometeu, tem que cumprir!
— Posso descumprir!
— Nem ouse, seu cara de pau!
Me levanto e dou a volta na mesa para pegá-la. Ela percebe minha
intenção e sai correndo para o quarto.
— Primeira lição, coelhinha: nunca fuja para dentro e sim para fora.
Corro atrás dela a alcançando antes que feche a porta. Agarro ela e a
jogo no ombro, batendo em sua bunda. Chego perto da cama e a coloco
deitada, segurando seus braços com uma mão.
— O que vai acontecer agora? — Seus olhos brilham em expectativa.
— Vou comer um ensopado de coelhinha!
Ela ri mais forte dessa vez.
— Então venha! — Abre as pernas me fazendo encaixar em sua entrada.
— Provocadora! Vou com todo o prazer.
Entro em seu canal molhado e a fodo com força, a fazendo gritar. Dessa
vez não será carinhoso, mas sim depravado, sujo e muito selvagem, do jeito
que eu gosto e sei que minha mulher ama. Quando venho em jatos fortes
dentro dela, eu sei que dessa vez tudo ficará bem e não haverá mais uma
despedida e sim um reencontro definitivo. Ela terá que se contentar e se
adaptar com a minha vida e com tudo que sou e significo. Deixá-la ir de novo
seria meu fim, pois por ela eu fui capaz de tudo, e agora que a tenho
novamente, não conseguiria mais libertá-la.
Passamos uma semana em Salvador antes de voltarmos para Los
Angeles. Claro que levei Vincent para a minha família conhecer, e charmoso
como é, conquistou a todos rapidinho. Bonitinho foi vê-lo tentando falar em
português. Segundo ele, andou treinando algumas frases para não passar
vergonha. Dizer à mamãe e a Vítor que eu iria voltar com ele, não foi fácil.
Ambos ficaram tristes, mas mainha me chamou para conversar e disse que
mesmo doendo nela reconhecer, eu não estava feliz aqui com eles. Me fez
prometer vir sempre visitá-la e disse que a casa sempre estaria aberta para
mim caso eu precisasse e quisesse voltar. Eu não irei precisar, pois minha
casa é ele. Vincent é a pessoa com quem me sinto completa.
Quando chegamos em Los Angeles, fui recebida com carinho pelas
meninas que escolheram ficar e fiz novas amizades assim que cheguei.
Graças ao projeto na instituição, conheci Rebeca, Lara e Camilla. Todas
muito queridas e de personalidades distintas. Rebeca é a que não tem papas
na língua, então é impossível ficar perto dela sem rir; Camilla é a brincalhona
e Lara é muito amorosa e conselheira, sempre pronta para ajudar e acolher
todos a sua volta. Me identifiquei de cara com ela por sua história de vida ser
muito parecida com a minha, e através da sua superação, eu quis voltar meu
acompanhamento para conseguir melhorar cada vez mais, e assim, ajudar
outras pessoas que passaram pelo mesmo que eu.
Chorei na inauguração quando Vincent explicou a origem do projeto e
que eu seria uma das responsáveis por ele. Fiquei muito feliz. O lugar ficou
lindo e acolhedor. O que nos surpreendeu foi a rapidez em que cresceu nesses
últimos seis meses. É incrível a quantidade de mulheres que se inscreveram
para participar logo nas primeiras semanas. Cada uma com suas
particularidades, pedindo socorro e sofrendo silenciosamente. Muitas
histórias fortes que marcaram de alguma forma suas vidas e não tinham com
quem compartilhar, e que assim como eu, se escondiam por se sentirem
diferentes e com medo de serem julgadas. Aqui, na terapia em grupo,
conseguiram se encontrar e fazer amizades com outras pessoas que iriam
compreendê-las, por saber exatamente como se sentem. Os casos iam desde
abusos sexuais a violência doméstica.
Através do projeto, consegui descobrir minha verdadeira vocação e
iniciei a faculdade de Psicologia para poder me entender melhor e orientá-las
da maneira correta. Nunca estive tão feliz em toda a minha vida. Me sinto útil
e necessária para outras pessoas iguais a mim. Pude entender com o tempo,
que eu não podia mudar o meu passado, mas poderia superar e me tornar uma
pessoa melhor e mais forte.
Olho para a porta, onde uma jovem mulher entra sem jeito, meio
acanhada. Se conhece as vítimas pelos seus comportamentos atípicos. Elas
chegam se sentindo fora do lugar, e na maioria das vezes, ficam caladas nas
reuniões, pois se acham um peixe fora d’água. Me aproximo dela com
delicadeza para me apresentar e conversar com ela.
— Oi. Seja bem vinda! Eu sou Lorena. Posso te ajudar?
— Oi. Eu sou Catharina. — diz com vergonha e muito baixinho.
— Veio participar da reunião?
— Ah, não! Eu só... queria conhecer a instituição. O agente Gabriel me
falou daqui.
— Fique conosco! A reunião já vai começar e você não precisa dizer
nada se não se sentir à vontade.
Ela analisa o ambiente como se procurasse uma desculpa para fugir. Não
vou pressioná-la, então apenas deixo o convite em aberto. O primeiro passo
ela já deu, que foi vir atrás de conhecer. Agora é só aceitar que precisa de
ajuda e fazer o acampamento.
— Tudo bem! Eu vou ficar um pouco.
Sorrio com sua resposta e a chamo para entrar na sala onde as
profissionais estão fazendo uma atividade dinâmica com o grupo, para que as
mulheres fiquem mais relaxadas e aprendam a se enturmar, antes de
começarmos a falar dos assuntos sérios. O tema de hoje é autoestima e
consiste em ir passando uma pequena caixa com um espelho dentro entre o
grupo. No início da brincadeira, é falado que tem uma foto na caixa e a
pessoa tem que dizer três qualidades e três defeitos da pessoa que vê, sem
revelar quem é ao restante do grupo. Porém, não tem foto nenhuma, e sim um
pequeno espelho onde a pessoa irá ver apenas sua imagem refletida e se auto
avaliar. A caixa irá passar nas mãos de todas as integrantes da roda, e cada
uma, quando chegar a sua vez, fará o mesmo. É uma atividade de
autoconhecimento que ajuda elas a trabalharem a confiança em si mesmas e
se aceitarem do jeito que são.
Catharina olha tudo com curiosidade, sentada no canto, e depois que as
brincadeiras terminam e se inicia a terapia, conforme as meninas vão falando
sobre seus progressos, vejo seu interesse aumentar. Em alguns momentos ela
até mesmo abaixa a cabeça e chora. Lara com seu jeitinho delicado e voz
angelical, senta perto dela dando seu apoio e conversando com ela até
acalmá-la. Logo a vejo sorrindo de algo que Rebeca fala e fico feliz em ver
mais uma mulher se sentir acolhida por nós.
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