Sentido, Significação e Significado
Sentido, Significação e Significado
Sentido, Significação e Significado
Introdução
Você já parou para pensar quantas vezes por dia nos perguntamos
o que tal coisa “significa”? Seja uma frase que ouvimos de alguém,
seja uma atitude tomada por um amigo, passamos grande parte de
nossa vida interpretando o que acontece ao nosso redor. A semiótica
é uma teoria que pretende estudar isso: não apenas o significado das
coisas, mas também o modo como nós dotamos o mundo de sentido.
Neste texto, você vai conhecer as principais teorias sobre o significado,
os processos de significação e como diferentes práticas comunicacionais
são dotadas de sentido.
Significado
“O que essa palavra significa?”; “Professor, você pode me explicar o signi-
ficado deste conceito?”; “O que significa isso que está acontecendo?”. Esses
questionamentos fazem parte de nossa vida. Você talvez nem note, mas o
modo como nos relacionamos com o mundo e a realidade é sempre mediado
por uma relação significante. Como espécie, a humanidade tem como ca-
racterística atribuir uma dimensão de sentido para sua vida e suas práticas.
2 Sentido, significação e significado
Somos Homo significans. Mas apesar de isso ser uma prática cotidiana, que
utilizamos continuamente sem notar, isso não quer dizer que o processo de
significar a realidade seja simples. Muito pelo contrário. O modo como a
linguagem opera é complexo, e a semiótica tem como objetivo deixar mais
claros os processos pelos quais atribuímos significados ao mundo e com eles
conseguimos nos comunicar.
O estudo dos significados tem uma longa tradição na história das ciências
humanas. Desde o surgimento da filologia, que é o estudo das línguas, já se
encontrava o questionamento de por que algumas palavras significavam coisas
específicas. Ao longo do século XIX, com a criação da disciplina da linguís-
tica, o estudo dos significados foi delimitado como campo de investigação
da semântica. As teorias semióticas surgem nesse contexto, como forma de
ter uma compreensão mais abrangente dos processos pelos quais dotamos de
sentido não apenas a linguagem, mas também o mundo como um todo.
A base do estudo dos significados reside numa questão de entendimento.
Se eu digo “cadeira”, eu espero que você entenda e saiba do que estou falando
– no caso, um objeto feito para alguém se sentar. Você reconhece a existência
desse objeto e a sua relação com a palavra “cadeira” e assim nos entendemos,
criamos um processo comunicativo. O significado da palavra “cadeira” em
uma interação humana básica é, portanto, o objeto feito para alguém se sentar.
Nota-se que nessa relação estamos nos referindo a um objeto que está fora
do nosso diálogo, um objeto que está no mundo e que possui uma represen-
tação na língua. Afirmar que esse objeto é o significado da palavra nos leva
a uma teoria referencial, onde o significado de uma determinada palavra é
um objeto ou conceito do mundo. Estamos falando de um objeto concreto,
mas você pode imaginar isso com conceitos ou abstrações, como amor ou
justiça. O significado é sempre algo que está fora da linguagem, algo que a
linguagem representa.
Para saber mais sobre as diferentes teorias do significado, você pode procurar o livro
de Ogden et al. (1972), O Significado de Significado, um dos clássicos na área.
que você entenda este ponto: o significado, para Saussure, é uma dimensão
formal. Por isso a distinção entre forma e conteúdo não se aplicam em seu
sistema semiológico. Tanto o significante quanto o significado são formas
que organizam o mundo (NÖTH, 1996, p. 61). Então, para Saussure (1970)
não existe uma “cadeira” real à qual a linguagem se refere. Há um conceito
de cadeira que é acoplado e indissociável ao significante “cadeira”.
A segunda, diz respeito à ideia de valor semiótico. O significado é o
valor de um conceito dentro de todo um sistema semiológico, como uma
língua. Ele funciona por diferença. Por exemplo, sabemos o conceito de
“cadeira” pois ele é distinto do conceito de “mesa”. Podemos ampliar essa
conceituação para incluir outros conceitos, como “banco”, por exemplo.
Encontramos uma diferença entre o significado de “banco” e “cadeira”, pois
temos signos distintos para esses conceitos, mas você pode imaginar que
uma língua em que não haja essa distinção de palavras. Nesse caso, tanto
um banco quanto uma cadeira terão o significado: “objeto para alguém se
sentar”. Ou seja, o objeto real banco não terá valor semiótico, será seme-
lhante a uma cadeira.
Umberto Eco (2002), famoso semioticista italiano, rejeita qualquer valor
semiótico ao referente, pois também podemos mentir a partir de signos. Inte-
ressa mais a semiótica entender o que uma mensagem quer dizer e comunica, do
que se essa mensagem tem um correspondente no mundo real. Para Eco (2002,
p. 5), um significado é uma “unidade cultural” e não uma realidade concreta.
Você pode notar como isso se aplica no dia a dia quando pega um dicionário
para saber o que significa uma palavra que ainda não conhece. A definição de
tal palavra será dada com o uso de outras palavras, outros signos, que também
estarão presentes no dicionário. Seeguindo por esse caminho, procurando as
definições de cada uma das palavras dessas definições, você entrará em um
processo recursivo, onde cada conceito o leva para outro signo, que o levará
para outro conceito e assim por diante. Para Saussure (1970), é assim que
funciona a linguagem do ponto de vista da semiótica e de seus significados.
Alguns autores, como Prieto (1973), chamaram o estudo desse processo de
“semiologia da comunicação”. Entender o que diz uma mensagem nada mais
é do que decifrar os signos presentes em busca de seu significado, e quando
isso ocorre em uma interação entre duas pessoas (ou uma pessoa e um texto)
isso se constitui um ato comunicativo. Mas não é apenas o entendimento
mútuo de significados que a semiótica se propõe a estudar. Para além de uma
semiologia dos significados e da comunicação, a semiótica também produz
ferramentas para entender os processos pelos quais os significados tomam
forma. Aquilo que são chamados de processos de significação.
Sentido, significação e significado 5
Significação
O modelo do signo linguístico de Saussure privilegia a relação que se
estabelece entre significante e significado. Cada signo possui uma ima-
gem acústica e um conceito a ela relacionado. Esse tipo de relação, onde
cada signo possui um sentido estável, é o que se chama em linguística de
“denotação”. Um significado estável, facilmente mapeável. Mas, provavel-
mente, você já deve ter notado que na comunicação humana as coisas não
são tão diretas assim. Vivemos em um mundo onde as palavras assumem
diferentes sentidos dependendo da situação onde elas são usadas. Você
pode, por exemplo, estar apaixonado por alguém e dizer a essa pessoa
“você é o sol da minha vida”. Isso não quer dizer que a pessoa em questão
é um objeto celeste que produz calor. Há outra camada de significado que
se coloca nessa frase, significando que muito possivelmente você não
conseguiria viver sem essa pessoa, assim como a Terra não conseguiria
existir sem o sol. Da mesma forma, podemos ver diferentes significados
para frases dependendo da entonação, do contexto onde são ditas, da
escolha específica de palavras usadas para exprimir uma ideia. E isso não
acontece apenas com palavras: você notaria uma diferença bem grande
no sentido da imagem de uma maçã em um livro de biologia e uma maçã
em uma pintura de Cézanne.
Essa possibilidade dos signos assumirem diferentes significados diz res-
peito a um processo semiótico chamado significação. Pensar esse processo
nos leva a considerar que os signos da cultura não possuem significados
estáticos, mas vão agregando novas significações a partir da interação
social. A poesia, por exemplo, joga com a sonoridade e a relação entre
palavras para criar diferentes significados para palavras. Lembremos do
poeta Mário Quintana (2005), quando diz: “Eles passarão, eu passarinho”.
Ele está brincando com a forma das palavras e a sua estrutura (aumentativo,
diminutivo) para criar uma imagem poética que não diz respeito diretamente
ao significado denotativo das palavras.
O semioticista que primeiro estudou os processos de significação foi o
francês Roland Barthes. Em seu clássico livro, Elementos de Semiologia,
Barthes (2014) afirma que seria necessário ir além de uma semiologia da co-
municação e chegar em uma semiologia da significação. Para isso, ele decide
estudar como que se estabelecem as relações entre significante e significado
e quais os tipos de processos estão em jogo aí.
6 Sentido, significação e significado
Para elaborar sua teoria da significação, Barthes se utiliza do modelo semiótico proposto
por Louis Hjelmslev. Para saber mais como funcionam as relações entre o plano de
expressão e o plano de conteúdo, procure Prolegômenos para uma teoria da linguagem
(HJELMSLEV, 1975).
No livro Mitologias, Barthes (2001) realiza uma análise exaustiva de mitos cotidianos,
desde as lutas de telecatch na televisão às propagandas de sabão em pó ou refeições
tradicionais como bife com batatas fritas. Você pode conhecer esses exemplos em
Barthes (2001).
Sentido
É importante nesse ponto retomar o caminho que você percorreu. Inicialmente
foi discutido a dimensão do significado dos signos. Após isso entramos na
dimensão do processo da significação. Agora, você verá como se articulam
essas duas dimensões da semiótica: significação e sentido.
De acordo com Prieto, o sentido é uma relação social, mais do que uma
relação puramente semiótica (MARTINET, 1983). Para ele, o sentido é a
relação social que qualquer ato semiótico ou comunicacional estabelece
entre um emissor e um receptor. O sentido, diferente da significação, não diz
respeito apenas a processos internos do signo e sua relação com o universo
semântico da cultura. O sentido se expressa, invariavelmente, como um ato
de interação.
O sentido é um processo que, assim como seu significante aponta, possui
uma direção, um vetor, uma espécie de intencionalidade. “Qual o sentido
de fazer tal coisa?” é uma pergunta que, geralmente, se relaciona a um tipo
de motivação, na espera de um resultado. Ora, no plano da linguagem isso
também opera. Há frases que são elaboradas com um objetivo em vista, seja
ele pragmático ou apenas de entendimento.
No plano da semiótica é preciso destacar que o sentido tem uma relação
imediata com a significação. Não há sentido sem uma relação entre um sig-
nificante e um significado. Entretanto, no caso do sentido de uma proposição
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também entra em jogo uma dimensão contextual. E contexto aqui não diz
respeito apenas a um contexto cultural, como por exemplo os processos de
conotação e sua relação com os valores de uma cultura. Estamos falando de
um tipo de relação com o não linguístico.
O não linguístico não quer dizer não semiótico. Autores como Eric Landowski se
propõem a estudar justamente o modo como emerge o sentido a partir de interações
semióticas não linguísticas, como gestualidades, vestimentas ou comportamentos
sociais.
Prieto (1973) afirma que a dimensão do sentido é uma relação social concreta
que une fatores não linguísticos (emissor, receptor, contexto) com os processos
de significação internos ao funcionamento do signo (conotação, denotação, etc.).
O semiólogo lituano Algirdas Julien Greimas (1975) quando escreve es-
pecificamente sobre o sentido, afirma que seu lugar semiótico é muito difícil
de precisar. Levar em conta aspectos sociais faz com a determinação exata
de qualquer sentido seja uma afirmação muito ousada de ser feita. Por isso
seu trabalho é voltado aos aspectos da significação, ainda que, para ele, a
significação não seja mais do “sentido articulado” (NÖTH, 1995).
Para Greimas (1975), o sentido na significação aparece sempre de duas
maneiras: primeiro a partir de efeitos de sentido, que são o modo como o
sentido aparece como dado, a partir de convenções sociais e o tipo de ato que
gera; e a partir de processos de produção de sentido, dinâmicos. Os processos
de produção de sentido foram mapeados a partir da semiótica discursiva de
Greimas, nos distintos níveis estruturais da narrativa e operados a partir do
quadrado semiótico. Cabe destacar que Greimas (1975) compreende como
sentido a dimensão que opera para aquém e para além do signo: estrutura as
mais fundamentais oposições semânticas ao mesmo tempo em que se expressa
nos mais cotidianos atos das pessoas.
Neste capítulo, vimos três importantes conceitos para a semiótica do ponto
de vista tanto do funcionamento interno do signo como também dos modos
pelos quais eles circulam no interior da sociedade. Cabe destacar que o sig-
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