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ISSN 2357-9854

Imagens e sentidos: do preenchimento do vazio ao transbordamento

Cláudia Aparecida dos Santos (Universidade Federal de Santa Maria — UFSM,


Santa Maria/RS, Brasil)

RESUMO — Imagens e sentidos: do preenchimento do vazio ao transbordamento — Este artigo


busca compreender aspectos da natureza sígnica das imagens, mormente o que estas oferecem em
termos de construção de sentidos para os sujeitos e para as culturas. A análise discute e trata as
imagens não apenas pelo seu valor estético, mas, entende as imagens como potências que
movimentam o cenário da contemporaneidade, em face do reconhecimento da multiplicidade de
artefatos visuais que compõem o cenário atual compreende, que, constituem as imagens significativos
lugares de aprender. A construção teórica é desenvolvida na perspectiva da Cultura Visual, por
reconhecer este campo de conhecimento como sendo capaz de dar conta, ao menos em parte, dos
estudos das imagens, das mídias, bem como do complexo campo visual. Por fim, a discussão almeja
colaborar para a qualificação da recepção da cultura da imagem como participe dos processos
formativos que acontecem também fora das salas de aula. Sobretudo, o faz, por entender as imagens
como componentes imprescindíveis dos saberes.
PALAVRAS-CHAVE
Imagem. Educação. Cultura Visual. Contemporaneidade.

ABSTRACT — This article seeks to understand aspects of the signic nature of images, especially what
they offer in terms of the construction of meanings for subjects and for cultures. The analysis discusses
and treats the images not only for their aesthetic value, but, understands the images as powers, that
move the contemporary scene, in the face of the recognition of the multiplicity of visual artifacts that
compose the present scenario comprises, that constitute the images Places of learning. Theoretical
construction is developed from the perspective of Visual Culture, since it recognizes this field of
knowledge as being able to account, at least in part, for studies of images, media, and the complex
visual field. Finally, the discussion aims to collaborate to qualify the reception of image culture as it
participates in the formative processes that also happen outside the classrooms. Above all, it does so
by understanding images as essential components of knowledge.
KEYWORDS
Image. Education. Visual Culture. Contemporaneity.

Primeiro disparo: [...] do preenchimento do vazio

O movimento gerado pela potência do ver nas últimas décadas altera as


dinâmicas que escrevem o andamento da vida na cotidianidade. Os novos hábitos,
relacionados à produção e usos das imagens, deflagram a urgência de seu
enfrentamento.

De antemão, quero dizer que as imagens centralizam modos de expressão,


formas de comunicação e autorreferência, no passado remoto e ainda hoje. No
SANTOS, Cláudia Aparecida dos. Imagens e sentidos: do preenchimento do vazio ao transbordamento. 455
Revista GEARTE, Porto Alegre, v. 3, n. 3, p. 455-467, set./dez. 2016.
Disponível em: http://seer.ufrgs.br/gearte
entanto, é manifesto que nas últimas décadas, dada a ampliação dos meios
tecnológicos e midiáticos, alastram-se como aportes ao andamento das dinâmicas e
contornos culturais.

É necessário sublinhar que as imagens aqui mencionadas são, sem margens


para exceções, fruto da criação humana, produzidas como um meio de expressão e,
sobretudo, perspectivadas como aparatos culturais de comunicação. Parto de uma
ideia presente em Elkins (2001), segundo o qual as imagens são “artefatos visuais” e
não surgem de maneiras autônomas. Portanto, são o resultado consciente de uma
ação humana.

Pois bem, aceitar que as imagens se vinculam às composições identitárias,


particulares e coletivas, seja em níveis superficiais ou mais aprofundados, sendo
determinantes do que vemos e como queremos ser vistos, leva-me a ponderar com
maior cautela o lugar das imagens nas culturas humanas na atualidade.

Cabe assinalar o crescente número os estudos que se debruçam sobre a


temática, incluindo importantes áreas do conhecimento humano. Como exemplo,
podemos mencionar a semiótica, antropologia visual, cultura visual, história da arte,
estética etc.1. No entanto, devido à imprecisão conceitual, dada a amplitude e
diversidade com que o conceito de “imagem” tem sido utilizado, há grandes
dificuldades de definições, classificações ou até mesmo de entendimento sobre a
presença das imagens nas culturas.

De fato, “[...] embora tenhamos milhares de palavras sobre as imagens, ainda


não temos uma teoria satisfatória sobre elas”, como assinala Mitchell (2009, p. 17).

Aliás, apesar de não haver uma única teoria capaz de responder sobre o que
são realmente as imagens ou, como elas afetam os sujeitos, os estudos que atentam
para o assunto, mesmo que, por vezes, difundidos por um amplo conjunto de

1
Logicamente, e a despeito do seu potencial, estes estudos ainda são poucos se comparados com
o extenso número de pesquisas sobre a natureza, estruturas e funções das interações verbais
humanas (SANTAELLA & NÖTH, 2001). No entanto, o que se evidencia é que os estudos voltados
ao campo visual estão ganhando legitimidade como campo teórico, nas últimas décadas.
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disciplinas e teorias ajudam ou, ao menos, oferecem pistas para o aclaramento da
matéria.

O assunto é vasto. Não por acaso estudiosos como Debray (1993) e Santaella
& Nöth (2001), estimam que a comunicação visual teria seu início, junto à espécie
humana, antes mesmo das primeiras amostras de comunicação verbal, podendo, até
mesmo, ter contribuído para o surgimento e consolidação desta.

Na contemporaneidade a comunicação visual firma-se como uma das formas


de interação social mais utilizadas. Consequentemente, tamanha profusão imagética,
como um acontecimento amplamente generalizado confere um novo formato às
sociedades, culminando em uma forma de comunicação heterogênea e ressignificada.

Destarte, estão presentes nas culturas mais do que em qualquer outro


momento da história. E, em muitos aspectos, subsidiam as acepções de paradigmas
que caracterizam a atualidade (MIRZOEFF, 2003). Vale lembrar que com o advento
da revolução industrial, da cultura de massa, a reprodutibilidade técnica de que trata
Walter Benjamin (1986), e a terceira globalização, intensificam-se os meios de
interação propiciados pelo visual.

No entanto, as retóricas e interpretações que circundam sobre a feitura,


disseminação e apropriação das imagens são bastante complexas. Paradoxalmente
têm-se as imagens muito presentes em nosso cotidiano, e essa facúndia com que se
mostram, contribui para torná-las, muitas vezes, apenas banais.

Outros exemplos de descaso frente às imagens podem ser notados nas


apropriações que submetem as imagens à linguagem tradicional como sendo meras
ilustrações. Trata-se de renitentes formas de leituras reducionistas, inoperantes e
impotentes frente à crença do poder transcendental muitas vezes conferido às
imagens, sua aura indecifrável, sua mistificação ou, ainda, leituras que se acomodam
na inércia ao considerar o caráter fixo e naturalizado das imagens.

O fato é que na contemporaneidade, ainda teima em permanecer, leituras


reducionistas e ineficazes ao enfrentamento e a recorrente banalização das imagens,

457
evidenciadas no descaso e irresponsabilidade acerca da produção, circulação e
assimilação destas mesmas imagens pelo mercado.

O fato é que estas leituras que de longa data acompanham as imagens, inibem
o avanço e aproximações mais perspicazes acerca da sua presença na formação dos
sujeitos e das culturas como um campo de conhecimento significativo.
Contemporaneamente, o conceito de imagem tem sido quase que exclusivamente
associado à natureza midiática das culturas globalizadas. Ora caracterizadas como
artefatos de dominação e controle, ora debeladas por sua aparente naturalidade. Tais
leituras constituem um sério problema na medida em que se mostram ineficazes ao
enfrentamento das imagens na atualidade.

Mitchell, em Teoría de la imagen (2009), compreende a imagem como uma


categoria imprescindível às ciências humanas. Para o autor, as imagens se situam
na metade do caminho entre o que Thomas Kuhn chamou paradigma e uma anomalia,
não sendo possível saber o que ela realmente é. Constituindo um problema a se
resolver (MITCHELL, 2009, p. 21).

Contudo, se não é possível afirmar o que são as imagens, outras indagações


podem ajudar a entender como elas afetam os sujeitos. Julgo, assim, relevante uma
aproximação do conceito de imagem num sentido mais amplo.

Autores como Debray (1993) Santaella & Nöth, (2001), Joly (1994) debruçam-
se sobre o tema e fazem apontamentos importantes que podem contribuir para o
entendimento que pretendo: apreender as imagens para além de seus contornos,
cores e formas e incluí-las como potentes “lugares do aprender”.

Os estudos realizados oferecem, em grande parte, análises que permitem


considerá-las consonantes entre si, sobretudo quando se aproximam das origens das
imagens. Segundo os autores citados, ao se perseguir a raiz do termo imagem, chega-
se as três origens possíveis, são elas; eikón, éidolon e imago.

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O primeiro pertencente à filosofia antiga, eikón (daí deriva a palavra ícone, na
acepção que lhe conferimos, em língua portuguesa)2. O termo surgiu para designar
diversos tipos de imagens visuais naturais, por exemplo, sombras, vultos e reflexos.
Compreende também as imagens artificiais, pinturas artísticas, desenhos etc.
Inclusive as imagens não-visuais, como as palavras e as ideias.

A segunda origem encontrada da palavra imagem surge na Grécia antiga,


éidolon, (ídolo, em grego), expressava mais acertadamente a imagem “espectral” de
uma pessoa, viva ou morta. (JOLY,1994; SANTAELLA & NÖTH, 2001). Neste caso, o
termo imagem está relacionado a ídolo. Em grego éidolon “que significa fantasma dos
mortos, espectro, e, somente em seguida, imagem, retrato” (DEBRAY, 1993, p. 24).

Já a raiz etimológica da palavra imagem, tal qual a conhecemos, pode ser


coligada a palavra imago, do latim, que fez derivar imaginem, depois imagine e,
finalmente, no português, “imagem” e quer dizer representação. Na Roma antiga,
imago era o nome que recebiam as mascaras mortuárias em cera ou gesso (DEBRAY,
1993, p. 24).

Contudo, seu valor também é polissêmico. Além da ramificação das fontes


etimológicas, o conceito de imagem pode ser vinculado a diferentes sentidos e áreas.
Possui aplicação na ciência (imagens via satélites, infravermelhas, ultra-som etc.), na
estética, na moda, na publicidade (imagens televisivas, jornalísticas etc.), na
antropologia visual, na arte (esculturas, desenhos, pinturas), nos imaginários etc.
(SANTAELLA & NÖTH, 2001).

Ao longo dos tempos, as imagens foram marcadas com o estigma de


personalidades, míticas, sagradas, mágicas, perversas, enganadoras, manipuladoras,
contemplativas, guardiãs da beleza e do sagrado etc. São algumas das definições ou
adjetivações que expressam os “poderes” que se conferiram às imagens.

2
Eikón, em grego significa: imagem, retrato, estátua, segundo o vocabulário encontrável em
MURACHCO, Henrique. Língua grega: visão semântica, lógica, orgânica e funcional. v. 2 (2003).
Por extensão, pode significar também, semelhança ou algo que se assemelha. Em alguns casos é
traduzido por símile, derivação de semelhante.

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A este respeito, é crucial, apesar de tamanha volubilidade de sentidos,
demarcar com firmeza que até o momento o que não deixa dúvida é sua função
sígnica, pois que as imagens sempre se mostraram como algo que está relacionado
à outra coisa distinta delas próprias, porém densamente intrincadas com feitos e
saberes humanos.

Debray traz um exemplo que pode aclarar a afirmação acima. O autor conta
que “nos ritos medievais o corpo do rei morto deveria ficar exposto durante quarenta
dias”, o que na época não era possível. Para tanto, utilizava-se uma réplica, uma
figura, que em trajes reais era reverenciada representando o rei ausente (DEBRAY,
1993, p. 23). Quero explicar que o que a imagem representava não estava na silhueta
em si, para além das formas e volumes que os súditos viam. O que importava era seu
valor sígnico. Durante esse período de quarenta dias o novo rei a tomar posse deveria
permanecer em segundo plano, pois a imagem reinava em unanimidade.

Outro exemplo dado por Mitchell e que facilmente pode ser compreendido pela
proximidade com o cotidiano de qualquer um, instiga de antemão a tentar entender
onde estaria o “poder” das imagens. Quando o autor problematiza que “[...] todo
mundo sabe que a fotografia de sua mãe não está viva, mas ainda assim serão
relutantes em desfigurá-la ou destruí-la”, leva a perguntar em que se sustenta a
relação do visível com o significado que damos a este. O autor continua, afirmando
que não há pessoa racional que pense que as imagens devam ser tratadas como
pessoas, “[...] mas parece que sempre estamos dispostos a fazer exceções em casos
especiais” (MITCHELL, 2014, p. 11, tradução nossa).

O exemplo acima por sua simplicidade análoga ao cotidiano confere uma


facilidade de acesso ao que o autor perspectiva. Parece óbvio que convidar um
indivíduo a rasgar, destruir a foto de sua mãe amada lhe acarretaria uma espécie de
sofrimento. A questão, contudo, está no porquê a imagem impressa em um papel pode
causar sofrimento, e por que destruir tal imagem é provocar no sujeito uma perda.

Os apontamentos supracitados podem ser explicados aqui de modo simples,


pois versam sobre a adequabilidade gerada a partir do visível e do simbólico, o

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encontro sujeito e imagem suscita um tipo de “simbiose” compondo deste uma
imagem única em cada sujeito que vê. Esta é sua particularidade.

Encontro em Mitchell uma inquietante afirmação, que pode ajudar ao


entendimento deste pensamento, quando o autor diz “[...] os espectadores se deixam
seduzir pelas imagens”, pois elas guardam em si o “[...] poder de fazer retornar aos
que vêem parte daquilo que ele é” (p. 48). Nos termos da análise de Mitchell, a imagem
mostra o que o espectador deseja ver. Nas palavras do autor seria como “[...] uma
espécie de espelho para o espectador” (MITCHELL, 2005, p. 48).

Claro que, por consequência, as infinitas simbioses possíveis impedem


desvendar completamente as formas pelas quais as imagens passam pelos que as
vêem, mas não impedem de pensar sobre elas.

[...] do transbordamento

A emergência do fenômeno da visualidade a componente cultural, significativo


para a produção e consolidação dos novos paradigmas que circunscrevem nosso
tempo reforça a justificativa do por que pensar as imagens como lugares do aprender.
Visto que elas medeiam às relações de crianças, adolescentes e mesmo adultos com
os saberes, inaugurando novas expressões de subjetividade firmando-se como
componentes qualitativos para a formação por constituírem referência para os
sujeitos3.

O fato é que a concretização do mundo globalizado se dá cada vez mais


centralizada no olhar. O presente se escreve num movimento de rupturas, e este novo
formato, embora não fixo, admite mudanças nas formas de ver o mundo e se mostrar
ao mundo. As imagens, na atualidade aparecem como um dos principais veículos da
comunicação humana, já não se “[...] limitam a servir de marcadores para objetos que

3
A noção de subjetividade aqui evocada apóia-se em Félix Guattari e Suely Rolnik, para quem a
subjetividade “[...] resulta de um entrecruzamento de determinações coletivas de várias espécies,
não só sociais, mas econômicas, tecnológicas, de mídia, etc.” (1996, p. 34).

461
lhes sejam anteriores [...]”, mas, muito mais que isto, “[...] criam sentidos4” (SILVA,
1999, p. 44).

Pode-se dizer que a partir da elevação do visual ao plano de fenômeno cultural,


algumas mudanças de hábitos passaram a vigorar e, por sua vez, a subsidiar o
surgimento também de um novo sujeito de conhecimento. Penso assim, que frente à
complexificação dos processos cognitivos agenciados pelo olhar, a problemática da
visualidade, que envolve as imagens como espaços ativos e efetivos de formação
passa a ser uma discussão urgente. Bem como um convite para assentir as
experiências visuais como parte imprescindível do processo formativo que acontece
mediado por imagens.

Tal quadro traz as imagens para o centro da discussão, ora analisadas como
produto, ora como protutoras das mudanças de paradigmas que caracterizam a
atualidade. Pode-se dizer que as imagens, de modo geral, habitam os sujeitos e,
apartir de então, medeiam o relacionamento deste com o mundo, com os demais
individuos da cultura e consigo próprios. São, antes de qualquer outra coisa, forças
simbióticas comunicantes.

Insisto em asseverar que a recepção das imagens como parte dos saberes, se
trata de um caminho imprescindível de ser percorrido, uma vez que as imagens se
firmam como componentes culturais relevantes na atualidade, sobretudo se
considerarmos uma educação para além das velhas barreiras educacionais que teima
em aprisionar o conhecimento em quatro paredes. Basta ver este novo sujeito de
conhecimento que vem, e que se compõe tanto verbalmente quanto visualmente5.

Os abrigos de identidades provisórias acontecem modiados por imagens, quer


sejam artísticas, publicitárias, anônimas, jornalísticas, pornográficas, voltadas ao
consumo, ao fetichismo, à religião, etc., que oferecem constantemente papéis a

4
Segundo Martin Jay por “sentidos” se compreende “não apenas aos dotes corpóreos naturais que
nos permitem acessar o mundo, mas também aos significados que atribuímos aos resultados deste
contato” (2012, p. 3).
5
Não julgo, contudo, que a visão e a linguagem oral sejam os únicos meios de troca dos sujeitos com
o mundo. Considero, sim, os demais sentidos. Os sujeitos se compões na complexidade das
experiências humanas, e trocas com o mundo, se inscrevem corporalmente, olfativamente, etc.
Contudo, esta seria uma discussão muito longa para desenvolvê-la a contento aqui.
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desempenhar e modelos a seguir, apresentam objetos e objetivos a alcançar. Quer
seja ao anunciarem a roupa ideal, o cabelo que devemos e gostariamos de ter,
definindo assim, mesmo que provisóriamente, quem gostariamos de ser.

Posto de outro modo é inegável que muito das referências de crianças, jovens
e mesmo adultos advêm das fontes visuais; muitas vezes longe da realidade dos
museus, externas ao contexto escolar, familiar ou até mesmo cultural, dito assim no
singular. Pasteurizam-se também as imagens dominantes da cultura globalizada6.

Portanto, atento para o fato de que já há algumas décadas as perspectivas que


se põem como formadoras de opiniões, condensadoras de olhares, são ditadas por
uma nova forma de poder que se estabelece. Capaz de ressignificar olhares e
maneiras de interpretar o mundo7.

A este respeito Mitchell propõe a visão qualificada como construção cultural.


Assevera:

[...] a visão e as imagens visuais, as quais (para os novatos) são


aparentemente automáticas, transparentes e naturais; na verdade são
construções simbólicas; como uma linguagem a ser aprendida, um sistema
de códigos que interpõem um véu ideológico entre nós e o mundo real
(MITCHELL, 2003, p. 237).

Tal leitura tem ressonância na voz de Foucault, que embora não tenha
analisado especificamente o campo visual, e sim se dedicado às tramas do
poder/saber, empresta seus estudos ao campo visual que a partir dele entende a
visualidade como aparelhamento de comunicação e expressão configurado como
construto social, produzido, anunciado e aceito.

Naturalmente, em uma época de vastas possibilidades técnicas, eclode a


exacerbação imagética, na qual, os diversos mídias visuais materializam-se como

6
De acordo com Rolnik, por ainda estarmos um tanto distraídos “[...] o que vislumbramos da
subjetividade é o perfil de um modo de ser – de pensar, de agir, de sonhar, de amar etc. – que
recorta o espaço, formando um interior e um exterior [...] Isso nos faz pensar que este perfil é
imutável, assim como o interior e o exterior que ele separa” (1997, p. 1).
7
Tomo a palavra “poder” na acepção que me confere Michel Foucault na obra Microfísica do poder
(1979). Contudo, não pretendo dar conta de sua discussão sobre o saber ou o poder, apesar de
estes conceitos apresentarem-se indissociáveis à discussão que desenvolvo sobre as imagens
como elemento problematizador na pós-modernidade.
463
lugares privilegiados de pedagogização do olhar, onde os indivíduos se espelham, se
reconhecem, sociabilizam, e não poucas vezes são a principal fonte de orientação.

Por esta concepção, o campo visual é dado como um fenômeno de ampla


importância na contemporaneidade, mediante o impacto que gera. De fato, os medias
visuais atualmente abarcam sistematicamente grande parte das culturas. Sendo
assim, ceder lugar para a formação visual inicia por recepcionar as imagens como
forma de expressão e comunicação importantes ao desenvolvimento dos sujeitos.

Não obstante, entendo que falar sobre a educação do visual mais do que uma
preocupação específica da educação formal, que em muitos casos ainda se mostra
omissa a este respeito, torna-se uma necessidade em todas as esferas da vida. Pois
tal discussão é componente obrigatório no que tange a formação integral dos sujeitos.
Pensar a formação visual para além das salas de aula, em tempos-espaço do ócio,
trata-se de dar uma oportuna resposta a uma problemática do presente.

Inegavelmente o olhar tornou-se um respeitável mediador de experiências e


conhecimentos, e isto impele considerar as imagens como elementos compositivos
dos sujeitos e das culturas na atualidade. Já que muito das construções subjetivas,
identitárias e de sensibilidades podem ser subtraidas das imagens dominantes da
cultura globalizada.

O meio visual compõe uma importante área de formação de homens e


mulheres. De tal modo, problematizar os meios midiáticos e tecnológicos, como
programas de TV, sites de relacionamentos, performances em shows, corpos de
modelos expostos em outdoors, imagens jornalísticas, publicitárias, artísticas, etc.,
torna-se imprescindivel. Pensar uma formação possível a partir dos lugares onde os
sujeitos encontram suas referências.

Portanto se faz cogente repensar os modos como coexistimos com esta


infinidade de imagens que nos passam e comunicam aos nossos desejos. Aliás, cabe
sublinhar que as novas funções das imagens no cotidiano afiançam a consolidação
do mundo que acontece “visualmente orientado”, e tal fato exige reelaborar as formas
de enfrentamento e recepção do campo visual (SAUNDERS, 1984).

464
Concordo com Raimundo Martins quando enfatiza que o enfrentamento que o
campo visual exige, na atualidade, só pode ser alcançado se pensado para “[...] além
de um repertório de eventos ou objetos visíveis porque pressupõe uma compreensão
dos seus processos, o modo como operam, suas implicações e, principalmente, seus
contextos” (MARTINS, 2009a, p. 35).

O anunciado corrobora para o entendimento de que o ver se dá num movimento


muito mais complexo do que se imaginou durante muito tempo. “Nessa perspectiva,
artefatos culturais e artísticos são compreendidos como formas de narrar ou
mencionar vivências, cotidianos e posicionamentos, caracterizando grupos de
sujeitos, conceitos, valores e subjetividades” (OLIVEIRA & PAZ, 2012, p. 3).

Oliveira e Paz reforçam a ideia de que o visual não pode continuar a ser tomado
como um subproduto derivado da realidade social, cuja função se restrinja a
representar discursos verbais ou imitar a realidade, mas, sim, deve ser entendido
como um componente ativo “[...] vistas, dessa forma, não como um espelho da
realidade, mas como maneiras de mediar a produção de sentidos” (OLIVEIRA & PAZ,
2012, p. 3). Compostas por intensas tramas e ligações que também interferem,
preenchem a vida e apresentam a realidade.

A meu ver o momento é propício para anunciar uma aproximação entre a


educação e as experiências visuais cotidianas de modo significativo para o processo
formativo. E isto não será possível, simplesmente, ao aferir o uso das imagens como
bom ou ruim. Mas, para além disso, trata-se necessariamente de subsumir as imagens
como parte constitutiva dos sujeitos e das culturas, parte da própria linguagem, parte
dos saberes, capaz de mobilizar a realidade subjetiva, social e histórica vinculadas às
práticas do ver.

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Cláudia Aparecida dos Santos


Doutoranda em Educação, LP4 Educação e Artes – PPGE/Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura (GEPAEC) – UFSM,
Mestre em Educação pela Universidade comunitária da região de Chapecó (UNOCHAPECO) 2015,
graduada bacharel em desenho e plástica pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) 2010,
graduada em Artes Visuais – licenciatura plena, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
2008. Atuei como professora de Artes Visuais na rede pública municipal nos municípios de Dom
Feliciano (RS) de 2009 a 2011, e Chapecó 2011 a 2013.
Email: [email protected]
Currículo: http://lattes.cnpq.br/3847752613151955
Recebido em 31 de agosto de 2016
Aceito em 14 de dezembro de 2016

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