Imagens e Sentidos PDF
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ABSTRACT — This article seeks to understand aspects of the signic nature of images, especially what
they offer in terms of the construction of meanings for subjects and for cultures. The analysis discusses
and treats the images not only for their aesthetic value, but, understands the images as powers, that
move the contemporary scene, in the face of the recognition of the multiplicity of visual artifacts that
compose the present scenario comprises, that constitute the images Places of learning. Theoretical
construction is developed from the perspective of Visual Culture, since it recognizes this field of
knowledge as being able to account, at least in part, for studies of images, media, and the complex
visual field. Finally, the discussion aims to collaborate to qualify the reception of image culture as it
participates in the formative processes that also happen outside the classrooms. Above all, it does so
by understanding images as essential components of knowledge.
KEYWORDS
Image. Education. Visual Culture. Contemporaneity.
Aliás, apesar de não haver uma única teoria capaz de responder sobre o que
são realmente as imagens ou, como elas afetam os sujeitos, os estudos que atentam
para o assunto, mesmo que, por vezes, difundidos por um amplo conjunto de
1
Logicamente, e a despeito do seu potencial, estes estudos ainda são poucos se comparados com
o extenso número de pesquisas sobre a natureza, estruturas e funções das interações verbais
humanas (SANTAELLA & NÖTH, 2001). No entanto, o que se evidencia é que os estudos voltados
ao campo visual estão ganhando legitimidade como campo teórico, nas últimas décadas.
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disciplinas e teorias ajudam ou, ao menos, oferecem pistas para o aclaramento da
matéria.
O assunto é vasto. Não por acaso estudiosos como Debray (1993) e Santaella
& Nöth (2001), estimam que a comunicação visual teria seu início, junto à espécie
humana, antes mesmo das primeiras amostras de comunicação verbal, podendo, até
mesmo, ter contribuído para o surgimento e consolidação desta.
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evidenciadas no descaso e irresponsabilidade acerca da produção, circulação e
assimilação destas mesmas imagens pelo mercado.
O fato é que estas leituras que de longa data acompanham as imagens, inibem
o avanço e aproximações mais perspicazes acerca da sua presença na formação dos
sujeitos e das culturas como um campo de conhecimento significativo.
Contemporaneamente, o conceito de imagem tem sido quase que exclusivamente
associado à natureza midiática das culturas globalizadas. Ora caracterizadas como
artefatos de dominação e controle, ora debeladas por sua aparente naturalidade. Tais
leituras constituem um sério problema na medida em que se mostram ineficazes ao
enfrentamento das imagens na atualidade.
Autores como Debray (1993) Santaella & Nöth, (2001), Joly (1994) debruçam-
se sobre o tema e fazem apontamentos importantes que podem contribuir para o
entendimento que pretendo: apreender as imagens para além de seus contornos,
cores e formas e incluí-las como potentes “lugares do aprender”.
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O primeiro pertencente à filosofia antiga, eikón (daí deriva a palavra ícone, na
acepção que lhe conferimos, em língua portuguesa)2. O termo surgiu para designar
diversos tipos de imagens visuais naturais, por exemplo, sombras, vultos e reflexos.
Compreende também as imagens artificiais, pinturas artísticas, desenhos etc.
Inclusive as imagens não-visuais, como as palavras e as ideias.
2
Eikón, em grego significa: imagem, retrato, estátua, segundo o vocabulário encontrável em
MURACHCO, Henrique. Língua grega: visão semântica, lógica, orgânica e funcional. v. 2 (2003).
Por extensão, pode significar também, semelhança ou algo que se assemelha. Em alguns casos é
traduzido por símile, derivação de semelhante.
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A este respeito, é crucial, apesar de tamanha volubilidade de sentidos,
demarcar com firmeza que até o momento o que não deixa dúvida é sua função
sígnica, pois que as imagens sempre se mostraram como algo que está relacionado
à outra coisa distinta delas próprias, porém densamente intrincadas com feitos e
saberes humanos.
Debray traz um exemplo que pode aclarar a afirmação acima. O autor conta
que “nos ritos medievais o corpo do rei morto deveria ficar exposto durante quarenta
dias”, o que na época não era possível. Para tanto, utilizava-se uma réplica, uma
figura, que em trajes reais era reverenciada representando o rei ausente (DEBRAY,
1993, p. 23). Quero explicar que o que a imagem representava não estava na silhueta
em si, para além das formas e volumes que os súditos viam. O que importava era seu
valor sígnico. Durante esse período de quarenta dias o novo rei a tomar posse deveria
permanecer em segundo plano, pois a imagem reinava em unanimidade.
Outro exemplo dado por Mitchell e que facilmente pode ser compreendido pela
proximidade com o cotidiano de qualquer um, instiga de antemão a tentar entender
onde estaria o “poder” das imagens. Quando o autor problematiza que “[...] todo
mundo sabe que a fotografia de sua mãe não está viva, mas ainda assim serão
relutantes em desfigurá-la ou destruí-la”, leva a perguntar em que se sustenta a
relação do visível com o significado que damos a este. O autor continua, afirmando
que não há pessoa racional que pense que as imagens devam ser tratadas como
pessoas, “[...] mas parece que sempre estamos dispostos a fazer exceções em casos
especiais” (MITCHELL, 2014, p. 11, tradução nossa).
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encontro sujeito e imagem suscita um tipo de “simbiose” compondo deste uma
imagem única em cada sujeito que vê. Esta é sua particularidade.
[...] do transbordamento
3
A noção de subjetividade aqui evocada apóia-se em Félix Guattari e Suely Rolnik, para quem a
subjetividade “[...] resulta de um entrecruzamento de determinações coletivas de várias espécies,
não só sociais, mas econômicas, tecnológicas, de mídia, etc.” (1996, p. 34).
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lhes sejam anteriores [...]”, mas, muito mais que isto, “[...] criam sentidos4” (SILVA,
1999, p. 44).
Tal quadro traz as imagens para o centro da discussão, ora analisadas como
produto, ora como protutoras das mudanças de paradigmas que caracterizam a
atualidade. Pode-se dizer que as imagens, de modo geral, habitam os sujeitos e,
apartir de então, medeiam o relacionamento deste com o mundo, com os demais
individuos da cultura e consigo próprios. São, antes de qualquer outra coisa, forças
simbióticas comunicantes.
Insisto em asseverar que a recepção das imagens como parte dos saberes, se
trata de um caminho imprescindível de ser percorrido, uma vez que as imagens se
firmam como componentes culturais relevantes na atualidade, sobretudo se
considerarmos uma educação para além das velhas barreiras educacionais que teima
em aprisionar o conhecimento em quatro paredes. Basta ver este novo sujeito de
conhecimento que vem, e que se compõe tanto verbalmente quanto visualmente5.
4
Segundo Martin Jay por “sentidos” se compreende “não apenas aos dotes corpóreos naturais que
nos permitem acessar o mundo, mas também aos significados que atribuímos aos resultados deste
contato” (2012, p. 3).
5
Não julgo, contudo, que a visão e a linguagem oral sejam os únicos meios de troca dos sujeitos com
o mundo. Considero, sim, os demais sentidos. Os sujeitos se compões na complexidade das
experiências humanas, e trocas com o mundo, se inscrevem corporalmente, olfativamente, etc.
Contudo, esta seria uma discussão muito longa para desenvolvê-la a contento aqui.
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desempenhar e modelos a seguir, apresentam objetos e objetivos a alcançar. Quer
seja ao anunciarem a roupa ideal, o cabelo que devemos e gostariamos de ter,
definindo assim, mesmo que provisóriamente, quem gostariamos de ser.
Posto de outro modo é inegável que muito das referências de crianças, jovens
e mesmo adultos advêm das fontes visuais; muitas vezes longe da realidade dos
museus, externas ao contexto escolar, familiar ou até mesmo cultural, dito assim no
singular. Pasteurizam-se também as imagens dominantes da cultura globalizada6.
Tal leitura tem ressonância na voz de Foucault, que embora não tenha
analisado especificamente o campo visual, e sim se dedicado às tramas do
poder/saber, empresta seus estudos ao campo visual que a partir dele entende a
visualidade como aparelhamento de comunicação e expressão configurado como
construto social, produzido, anunciado e aceito.
6
De acordo com Rolnik, por ainda estarmos um tanto distraídos “[...] o que vislumbramos da
subjetividade é o perfil de um modo de ser – de pensar, de agir, de sonhar, de amar etc. – que
recorta o espaço, formando um interior e um exterior [...] Isso nos faz pensar que este perfil é
imutável, assim como o interior e o exterior que ele separa” (1997, p. 1).
7
Tomo a palavra “poder” na acepção que me confere Michel Foucault na obra Microfísica do poder
(1979). Contudo, não pretendo dar conta de sua discussão sobre o saber ou o poder, apesar de
estes conceitos apresentarem-se indissociáveis à discussão que desenvolvo sobre as imagens
como elemento problematizador na pós-modernidade.
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lugares privilegiados de pedagogização do olhar, onde os indivíduos se espelham, se
reconhecem, sociabilizam, e não poucas vezes são a principal fonte de orientação.
Não obstante, entendo que falar sobre a educação do visual mais do que uma
preocupação específica da educação formal, que em muitos casos ainda se mostra
omissa a este respeito, torna-se uma necessidade em todas as esferas da vida. Pois
tal discussão é componente obrigatório no que tange a formação integral dos sujeitos.
Pensar a formação visual para além das salas de aula, em tempos-espaço do ócio,
trata-se de dar uma oportuna resposta a uma problemática do presente.
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Concordo com Raimundo Martins quando enfatiza que o enfrentamento que o
campo visual exige, na atualidade, só pode ser alcançado se pensado para “[...] além
de um repertório de eventos ou objetos visíveis porque pressupõe uma compreensão
dos seus processos, o modo como operam, suas implicações e, principalmente, seus
contextos” (MARTINS, 2009a, p. 35).
Oliveira e Paz reforçam a ideia de que o visual não pode continuar a ser tomado
como um subproduto derivado da realidade social, cuja função se restrinja a
representar discursos verbais ou imitar a realidade, mas, sim, deve ser entendido
como um componente ativo “[...] vistas, dessa forma, não como um espelho da
realidade, mas como maneiras de mediar a produção de sentidos” (OLIVEIRA & PAZ,
2012, p. 3). Compostas por intensas tramas e ligações que também interferem,
preenchem a vida e apresentam a realidade.
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