TCC Elane Oliveira

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS


LICENCIATURA PLENA EM LETRAS/INGLÊS

ELANE FRANCISCA DE OLIVEIRA BEZERRA

IDEOLOGIA EM ANIMAL FARM DE GEORGE ORWELL

TERESINA
2011
ELANE FRANCISCA DE OLIVEIRA BEZERRA

IDEOLOGIA EM ANIMAL FARM DE GEORGE ORWELL

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena


em Letras/Inglês da Universidade Estadual do Piauí como
requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em
Letras/Inglês

Orientador: Prof. Ms. Antonio Francisco Lopes Dias

TERESINA
2011
ELANE FRANCISCA DE OLIVEIRA BEZERRA

IDEOLOGIA EM ANIMAL FARM DE GEORGE ORWELL

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena


em Letras/Inglês da Universidade Estadual do Piauí como
requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em
Letras/Inglês

Orientador: Prof. Ms. Antonio Francisco Lopes Dias

Aprovada em: ____ / _______________ / ________ .

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________
Prof. Ms. Antonio Francisco Lopes Dias - UESPI
Presidente

_______________________________________________________________
Prof. Dra. Maria Do Socorro Baptista Barbosa - UESPI
Examinadora

_______________________________________________________________
Prof. Esp. Denise Laiana - UESPI
Examinadora
Os filósofos limitaram-se a interpretar o
mundo de diversas maneiras; o que importa é
modificá-lo. (Karl Marx)
DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia a duas pessoas muito


importantes em minha vida. À minha mãe,
Violeta Gláucia, por nunca medir esforços
para me ajudar na realização dos meus sonhos.
E à minha tia, Claudia Verbena, pelo exemplo
de força e dedicação que é para mim.
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus, por me amar e ajudar em todos os instantes, pelos
ensinamentos através de sua Palavra e pelo conforto dos Seus braços nos momentos mais
difíceis dessa jornada. E também por colocar em meu caminho pessoa especiais
Agradeço ao meu pai, Francisco Alves, que desde o inicio sempre se preocupou e fez
muitos sacrifícios para me proporcionar a melhor educação possível. À minha mãe, Violeta
Glaucia, pelo cuidado e carinho sem medidas que trazem mais paz ao meu coração, por me
agüentar até mesmo nos dias de mau humor, e por tudo aquilo que sinto por ela que as
palavras não conseguem expressar.
Agradeço à minha tia, Claudia Verbena, pelos ensinamentos, os quais levarei comigo
por toda a vida. Por me ajudar nos trabalhos acadêmicos e nos desafios profissionais e
pessoais que me apareceram nessa empreitada. Sou eternamente grata por ser uma mãe para
mim.
Agradeço aos meus familiares pelo apoio e compreensão.
Aos meus mestres, sem os quais não estaria onde estou hoje. Em especial a Professora
Socorro Baptista, pela sua dedicação, amizade, compreensão e ajuda na solução dos
problemas que apareceram durante o curso.
Agradeço ao meu orientador, professor Antonio Dias
Um agradecimento especial aos amigos que fiz durante o curso. Agradeço por me
ajudarem nos trabalhos acadêmicos e por todas as vezes que me ajudaram a levantar quando
eu caí. Vivemos, amamos, choramos, brigamos, aprendemos e nos divertimos juntos. Nossas
lembranças serão eternas.
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar o conceito de ideologia presente da obra
Animal Farm de George Orwell. Vida e obra do autor são relacionadas. Abordam-se os
aspectos literários da obra. O fio condutor da pesquisa é os estudos que relacionam
linguagem, discurso e ideologia. Considera-se o contexto em que o texto foi escrito e sua
relevância histórica. Os traços ideológicos impressos no discurso de Animal Farm é estudado
de modo a focar em como a linguagem é o lugar de manifestação da ideologia e como isso
acontece na narrativa. Mostra-se com o agente do discurso faz uso de linguagem de maneira
específica de modo a manipular seus subordinados. As estratégias ideológicas dos
personagens são explicadas por meios da análise de trechos escolhidos da obra. Sem esgotar o
leque de possibilidades de abordagens, nosso trabalho busca realizar uma reflexão sobre a
relação linguagem e ideologia no processo de dominação de um grupo sobre outro.

Palavras-chave: Ideologia. Linguagem. Discurso. Animal Farm. George Orwell.


ABSTRACT

This research aims to analyze the concept of ideology present in George Orwell's
Animal Farm. Life and work of the author are related. The literary aspects of the work are
presented. The main point of this research is to study of the relationship among language,
discourse and ideology. the context in which the text was written and its historical relevance
are considered. The ideological traces printed on the discourse of Animal Farm are studied in
order to focus on how language is the place of the manifestation of the ideology and how it
happens in the narrative. It is shown how the agent of the discourse makes use of language in
a specific way in order to manipulate their subordinates. The ideological strategies of the
characters are explained by the analysis of chosen passages of the work. Without exhausting
the range of possible approaches, our work seeks to accomplish a reflection upon the
relationship between language and ideology in the process of domination of one group over
another.

Keywords: Ideology. Language. Speech. Animal Farm. George Orwell.


INTRODUÇÃO

Este trabalho, intitulado Ideologia em Animal Farm, trabalha o conceito de ideologia


presente direta e indiretamente no discurso do texto em questão. Este estudo situa-se na
intersecção entre literatura e linguística, visto que A Revolução dos Bichos (Animal Farm, no
original) é um clássico da literatura inglesa, e posto que analisa-se a obra em suas estruturas
textuais; concentra-se mais especificamente na Análise do Discurso, considerada aqui como
desdobramento da linguística.
Aborda-se o conceito de ideologia historicamente atendo-se ao conceito de Marx em
especial. Procuramos entender como vida e obra estão interligadas e as influências do
contexto social em que viveu George Orwell (o autor) na sua obra Animal Farm, sem,
contudo, deixar de perpassar por uma análise literária no que diz respeito a personagens,
enredo, discurso, recursos lingüísticos, contexto e temática.
Trata-se de uma pesquisa explanatória bibliográfica desenvolvida a partir
levantamentos de materiais já elaborados com o objetivo de proporcionar maior familiaridade
com o objeto de estudo. Partimos da análise literária de Aniaml Farm para, a partir de então,
relacionarmos ideologia e discurso.
Nosso trabalho tem como objetivo geral identificar de que forma o conceito de
ideologia se manifesta no discurso da obra. Entendemos a obra, suas alegorias, autor, e sua
relevância histórica e literária. Explicitamos o caminho percorrido ao logo da história pelo
conceito de ideologia. Além disso, relacionamos discurso e ideologia pelo viés da Análise do
Discurso através de trechos selecionados da obra e exemplifiquem tal relação.
Animal Farm é uma analogia inteligente e, de certa forma, bem humorada à Revolução
Russa e ao regime socialista da antiga União Soviética. Nessa analogia, escondida nas
entrelinhas da fábula, George Orwell expôs muitas de suas idéias com relação ao período
histórico que vivenciou e a maneira como a ideologia foi instrumento para se chegar ao poder.
Observa-se na obra a luta ideológica presente nos seus discursos constitutivos que aparecem
na forma de diálogo entre os personagens. Dessa forma, linguagem, discurso (e Análise do
Discurso), poder e ideologia são conceitos fundamentais para esta pesquisa.
A linguagem é instrumento de poder, é instrumento de dominação e lugar propício
para a manifestação da ideologia. É de grande importância, portanto, o conhecimento dos
estudos da linguagem e da Análise do Discurso. A linguagem estabelece o discurso e essa
permite a repercussão e perpetuação das ideologias que permeiam o sujeito. Percebe-se então
que a linguagem trabalha a questão da materialização da ideologia através do discurso. Nessa
proposta de estudo trabalhamos a dominação ideológica. O conceito de ideologia aparece
relacionado com a luta revolucionária e figura como arma teórica da guerra de classes.
Nosso estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e analítico.
Valoriza-se todo o processo e não apenas o resultado. A técnica usada para coleta de dados é a
da documentação indireta a partir de uma pesquisa bibliográfica em livros, revistas, jornais,
monografia, artigos e textos da internet.
No primeiro capítulos fazemos um levantamento bibliográfico a cerca do cceito de
ideologia e das transformações que tal conceito sofreu. Nos Aprofundamos no conceito de
Marx. Temos como base teórica os escritos de Marilena Chauí, Terry Eagleton, Leandro
Konder e Michael Löwy, autores que analisam a ideologia numa proposta marxista. Além
disso, não deixaremos de expor as idéias dos clássicos Karl Marx e Friedrich Engels.
No segundo capitulo, depois das explicitações acerca de ideologia, procuramos
entender a obra Animal Farm, suas alegorias, autor, e sua relevância histórica e literária.
Mostramos o enredo da obra, sua relação com o contexto e falamos da vida do autor e suas
influências, passando por uma análise literária no que diz respeito a personagens, enredo,
discurso, recursos lingüísticos, contexto e temática.
No terceiro e último capítulo, relacionarmos ideologia e Animal Farm através da
análise de trechos da obra que mostram tal relação. Dessa forma, antes de analisarmos os
trechos do livro, buscamos compreender melhor a relação existente entre linguagem, discurso
e ideologia.
Em vários pontos de Animal Farm é possível encontrar elementos ideológicos: nas
lutas de classe, nas relações de poder, nas resistências e na alienação, por exemplo. E com
conhecimento teórico apresentado afirmamos que o discurso é o meio pelo qual a transmissão
ideológica acontece. Apresentamos informações sobre a ideologia presente no texto literário.
1 IDEOLOGIA, O QUE É?

“A palavra ‘ideologia’ é, por assim dizer, um


texto, tecido com uma trama inteira de diferentes
fios conceituais.” (Terry Eagleton)

Entender o que é ideologia não é tarefa fácil. Ao longo da história vimos muitos
estudiosos de humanidades se aventurarem nessa empreitada e enfrentarem as mais diversas
dificuldades metodológicas e conceituais. A primeira parte deste trabalho visa a uma tentativa
de explanação a respeito desse conceito tão estudado e tão incompreendido. Partindo-se de
uma abordagem histórica do termo, expor-se-á as diversas transformações no significado do
que se entende por ideologia, tendo como base teórica os estudos de Marilena Chauí, Terry
Eagleton, Leandro Konder e Michael Löwy.

1.1 Os primeiros a usar o termo

O termo ideologia apareceu pela primeira vez (ou, pode-se dizer, foi literalmente
inventado) em 1801 no livro Eléments d’ideologie, de um filósofo francês chamado Destutt
De Tracy. Este filósofo era pouco conhecido e fazia parte da geração de discípulos dos
enciclopedistas.
Para De Tracy, a ideologia seria uma ciência natural, uma ramificação da zoologia. Ele
pretendia elaborar uma ciência da gênese das idéias, estas vistas como fenômenos naturais
resultantes da relação entre o corpo humano e o meio ambiente. Trata da questão dos sentidos,
da percepção sensorial através da qual se chegaria às idéias. O filósofo francês tece uma teoria
a respeito das faculdades sensíveis responsáveis pela formação de todas as nossas idéias:
querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória).
No trecho de Eléments d’ideologie destinado ao estudo da vontade, De Tracy afirma
que os efeitos de nossas ações voluntárias concernem à nossa aptidão para prover nossas
necessidades materiais. Ele procurar, então, entender como o trabalho, a família e as
corporações, por exemplo, atuam sobre o indivíduo. Escreve, então, sobre economia.
Outro a seguir a empreitada de relacionar as idéias com o mundo físico foi o médico,
filósofo e fisiologista Pierre-Jean-Georges Cabanis autor de Influências do moral sobre o
físico. Cabanis procura determinar quais as influências do cérebro sobre o resto do organismo.
Depois dessa primeira noção de ideologia uma mudança ocorreu no significado do
termo. Essa mudança decorre do seguinte fato: os ideólogos franceses eram partidários de
Napoleão e apoiaram o golpe de 18 Brumário; eles o consideravam um liberal, todavia, logo
viram nele um restaurador do Antigo Regime. O sentido pejorativo do termo ideologia veio de
uma declaração de Napoleão. Este declarou ao Conselho de Estado que “todas as desgraças
que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica
que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação
dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da
história” (CHAUÍ, 1985, p. 24).
Os ideólogos que se consideravam materialistas, realistas e antimetafísicos eram agora
vistos como metafísicos, como aqueles que invertem a realidade. A declaração de Bonaparte
era infundada com relação aos ideólogos franceses mas não seria infundada se fosse dirigida
aos ideólogos alemães, como veremos um pouco mais adiante ao analisarmos a concepção de
ideologia de Marx.
O próximo estudioso a se debruçar sobre o termo ideologia foi Augusto Comte em seu
Cours de Philosophie Positive. Ideologia passa agora a ter dois significados: continua
relacionada à formação das idéias a partir da relação do homem com o meio e também
significa o conjunto de idéias de uma época, tanto como opinião geral como elaboração
teórica dos pensadores de uma época. Para Comte a ideologia é o conjunto de idéias usado
para explicar a totalidade dos acontecimentos naturais e humanos.
Dessa forma ideologia é teoria, ou seja, é organização sistemática de todos os
conhecimentos científicos. A ideologia passa, portanto, a ter um papel de comando na
sociedade, visto que é o conhecimento da formação das idéias, o conhecimento científico e o
corretivo das idéias comuns; os homens devem se submeter à teoria antes de agir.
Existem três consequências dessa concepção positivista de ideologia: a teoria se reduz
à organização sistemática de idéias; prática e teoria vivem em uma relação autoritária, onde a
teoria manda; e a prática é vista como simples instrumento. Assim, ações humanas que
contradizem as idéias passam a ser vistas como desordem. O que implica em dizer que o
poder pertence a quem possui o saber.
O termo ideologia aparece novamente em As Regras do Método Sociológico de Émile
Durkheim. O sociólogo visa a elaborar uma ciência exata da Sociedade, um conhecimento
científico do social. Ele trata os fatos sociais como coisas e afirma que a regra fundamental da
objetividade científica está no distanciamento entre sujeito e objeto do conhecimento. Dessa
forma, Durkheim chama de ideologia todo conhecimento da sociedade que não está de acordo
com tal regra.

1.2 A concepção de Marx a respeito de ideologia

A partir desse ponto as concepções de Marx aparecem neste trabalho. O conceito de


ideologia não foi criado por Marx, ele apenas o retoma. Quando Marx encontra o termo em
jornais e revistas ele está sendo usado com o sentido que Napoleão o atribuiu, ou seja,
ideólogos são metafísicos especuladores. É nesse sentido que Marx utilizará ideologia e por
sua vez lhe dará um novo significado. É com Marx que a realidade passa a ser analisada de
forma que não se separam produção das idéias e condições históricas e sociais nas quais tais
idéias são produzidas. Para ele ideologia é o sistema ordenado de idéias ou representações e
das normas e regras separado e independente das condições materiais de existência dos
homens.
Para se entender muitos dos conceitos de Marx, no entanto, é interessante observar as
idéias daquele que foi embasamento teórico para sua dialética materialista, Hegel. Não nos
ateremos a uma explanação da vida ou da vasta obra deste teórico, nos deteremos naquelas
concepções que refletiram no pensamento de Marx. Empreenderemos, então, uma exposição
sucinta dos conceitos de Hegel.
Como ponto de partida, temos a maneira como Hegel compreende a realidade. Para ele
a origem e o sentido da realidade estão na Cultura, a qual é o movimento de exteriorização e
de interiorização do Espírito1. O Espírito se manifesta nas obras que produz (exteriorização) e
se reconhece como produtor delas (interiorização).
Para Hegel, a história é o próprio tempo, e não apenas uma sucessão de fatos no
tempo. Não se trata de apenas causas e efeitos, mas sim da existência de uma força interna
que produz os acontecimentos, que não estão dispersos, mas sim unificados em si mesmo.
Esse motor interno é a contradição. Numa contradição, os termos não podem ser entendidos
separadamente e o que acontece é uma negação intern. Quando se diz, por exemplo, que a
canoa é a não-árvore temos uma contradição, porque a canoa é a árvore suprimida como
1
Espírito pode ser entendido como a idéia por si: a grande síntese dos opostos (idéia e natureza).
árvore pelo trabalho do canoeiro. Para Hegel, a produção e superação das contradições é o
movimento da história.
Hegel vê a história como reflexão, isto é, como algo capaz de dar a volta sobre si
mesmo. É o espírito é o sujeito da historia; sujeito no sentido de poder reconhecer-se como
produtor da Cultura. Exterior e interior são duas faces do Espírito; elas simplesmente
aparecem com separadas. Quando a interiorização não ocorre temos o que Hegel denomina de
alienação. Segundo Hegel, o conhecimento da realidade exige que se diferencie como a
realidade aparece do modo como é produzida. Dessa forma abstrato (aparência, imediato) e
concreto (ser, mediato) são termos contraditórios e sua síntese é o que ele denomina de
conceito.
Essas características do pensamento hegeliano grosseiramente expostas aqui
constituem a dialética. Marx conserva o conceito de dialética como movimento interno de
produção da realidade cujo motor interno é a contradição. A diferença de Hegel encontra-se
no fato de que a dialética de Hegel é idealista, visto que o Espírito é o sujeito; já a de Marx é
materialista. Para Marx a contradição se estabelece entre homens reais em condições
históricas e sociais determinadas e reais; e essa contradição se chama luta de classes.
Marx também conserva a diferença entra concreto e abstrato. Para o entendimento da
história e da realidade, deve-se parir do mais abstrato, percorrer o caminho contraditório de
sua constituição real e, então, atingir o concreto. De acordo com o pensador alemão, o ser
social determina o modo como este aparece nos homens.
Assim como Hegel, Marx pensa a realidade como histórica e, portanto, reflexionante.
A realidade é o movimento de contradições que produzem e reproduzem o modo de existência
social dos homens. Marx, porém, não é idealista (como Hegel) e sim materialista. A matéria
de que Marx fala se constitui das relações sociais de produção e reprodução de suas condições
materiais de existência e como os indivíduos em sociedade pensam e interpretam essas
relações.
O sujeito da história para Marx não é o Espírito, e sim as classes sociais em luta. O
trabalho passa a ser elemento contraditório constituinte da realidade. O trabalho nega a
Natureza e as coisas enquanto naturais transformando-as em coisas humanizadas, ou culturais,
produtos do trabalho.
É nesse ponto que a divisão do trabalho aprece como relação material entre os homens.
Ou seja, a divisão social do trabalho determina a formação das classes sociais. Portanto, o
motor da dialética materialista de Marx é a forma determinada das condições de trabalho, que,
por sua vez, são determinadas pela contradição interna que é a luta de classes.
Outro conceito de Hegel preservado por Marx é o de alienação. Marx afirma que o
trabalho é alienado quando o produtor não reconhece a si mesmo no produto de seu trabalho.
Isso acontece por que as condições de trabalho, suas finalidades e seu valor não dependem do
próprio trabalhador, mas sim do proprietário das condições de trabalho.
Marx conseguiu visualizar todo esse processo de alienação e viu a ideologia se
manifestar como exploração e manutenção dessa exploração. A questão agora é a seguinte:
como essa realidade, em que a realidade é entendida invertidamente e as idéias parecem
superiores aos homens e parecem subjugá-lo, é mantida e aparece como sendo natural, normal
e aceitável? Por que as classes sociais não percebem a exploração de uma sobre as outras?
Como explicar a transformação do ser humano em mera mercadoria, simples mão-de-obra? É
o fenômeno da ideologia que pode nos dar uma luz que nos permita enxergar com mais
clareza esse lado obscuro e esquecido da realidade social em que se vive.
Em A Ideologia Alemã Marx afirma que “o primeiro pressuposto de toda a história é a
existência de seres humanos vivos” destacando o fato de que o homem é constituição material
e que se relaciona com a natureza. Os homens se distinguem dos outros animais “logo que
começam a produzir seus meios de existência” (Marx, 2005, p. 44). O que os indivíduos são
depende de suas condições materiais de produção. Portanto,

A produção de idéias, de representações e da consciência está, no princípio,


diretamente vinculada à atividade material e o intercâmbio material dos
homens, como na linguagem da vida real. As representações, o pensamento,
o comércio espiritual entre os homens aparecem aqui como emanação direta
do seu comportamento material (Marx, 2005, p. 51).

O que Marx quer dizer é que ao desenvolverem sua produção e relações materiais os
homens transformam também o seu pensar e os produtos desse pensar a partir da sua
realidade. Karl Marx concebe a ideologia como consciência falsa, proveniente da divisão
social do trabalho, da divisão entre campo e cidade, proveniente da divisão entre trabalho
manual e intelectual. Nesse ponto, em que a divisão do trabalho se encontra completa, as
relações sociais passam a ser entendidas como coisas existentes por si mesmas, e não como
conseqüências das ações humanas. Enquanto trabalho manual e intelectual estiverem
separados, a ideologia existirá.
A sociedade é, então, luta de classes. A idéia de que a sociedade civil é um individuo
coletivo é uma das grandes idéias da ideologia burguesa para ocultar a realidade da luta de
classes. O sujeito da história é, portanto, as classes sociais. A contradição entre as classes fica
dissimulada pelas idéias que representam os interesses particulares da classe dominante como
se fossem interesses de toda a sociedade. Conclui-se que a ideologia é instrumento de
dominação de uma classe da sociedade sobra todas as outras.
“A ideologia é o processo pelo qual as idéias da classe dominante se tornam idéias de
todas as classes sociais, se tornam idéias dominantes” (CHAUÍ, 1985, p. 92). E as idéias
dominantes refletem as relações materiais dominantes concebidas como idéias. A classe que
está no poder nas relações materiais também está no poder no pano das idéias.
Para que os membros da sociedade possam identificar pensamentos comuns a toda a
sociedade nas idéias dominantes é preciso que estas expressem idéias comuns. Assim a classe
dominante tem que produzir e distribuir seus pensamentos através da educação, da religião,
dos costumes e dos meios e comunicação. Ideologia cria universais abstratos, isto é,
transforma idéias particulares em universais.
A ideologia é produzida, segundo Marilena Chauí, em três momentos. Num primeiro
ela aparece como um conjunto sistemático de idéias que os pensadores de uma classe em
ascensão produzem. Nessa fase a ideologia produz a universalidade de suas idéias para
legitimar a luta da nova classe pelo poder. Logo após esse momento, a ideologia se populariza
e torna-se um conjunto de valores coerentes, e esses valores são interiorizados pela
consciência de todos os membros não dominantes da sociedade. O terceiro momento é
quando, uma vez interiorizada como senso comum, a ideologia se matem, mesmo depois de
emergir como classe dominante.
Em suma, ideologia é um sistema lógico de representações que prescreve como a
sociedade deve pensar e agir. Ela tem, portanto, um caráter prescritivo, regulador. Fornece um
sentimento de identidade social. Ela surge da luta de classes e serve justamente para ocultar
tal luta. É uma percepção invertida da realidade e um instrumento de dominação de uma
classe sobre as outras.
2 A REVOLUÇÃO E OS BICHOS

“Liberty is telling people what they do not want


to hear.” (George Orwell)

Depois de um esboço sobre a trajetória e as diversas facetas do conceito de ideologia,


faz-se necessária uma explanação a respeito da obra Animal Farm. Procura-se entender a
obra, suas alegorias, autor, sua relação com Marx e sua relevância histórica e literária. Nesse
ponto do nosso esforço teórico esmiuçar-se-á a obra, ficcional como é, e suas diversas
relações com o mundo real, por assim dizer. Mostra-se como a vida e a obra de Orwell estão
interligadas e as influências do filósofo alemão no pensamento do autor de Animal Farm.
Tudo isso sem, contudo, deixar de perpassar por uma análise literária no que diz respeito a
personagens, enredo, discurso, recursos lingüísticos, contexto e temática.

2.1 O autor George Orwell

Obra e autor se entrelaçam na medida em que muitos dos trabalhos de Orwell tem
como inspiração os acontecimentos de sua vida e, claro, as aspirações teóricas que defendeu.
George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, algo que poucas pessoas sabiam, nasceu em
25 de junho de 1903 em Motihari, Índia, que no momento pertencia ao domínio britânico.
Desde a mais tenra idade, Eric demonstrava uma predileção para estórias e, ainda muito novo,
ditava poemas para sua mãe. Com sua grande habilidade com as letras carregava fatos com
sentidos e emoções.
Aos quatro anos de idade Eric vai para a Inglaterra com a família. De 1917 a 1921,
graças a uma bolsa de estudos, frequentou a Academia de Eaton, uma das mais caras escolas
da Inglaterra. No entanto, não foi para a universidade. Aos dezoito anos, não aceitando uma
bolsa para a universidade, largou os estudos e, em 1922, voltou à Índia (Birmânia) para servir
a Policia Imperial Indiana.
Esse período de sua vida fez crescer em Eric Blair um sentimento de inconformidade
com o totalitarismo, o que o levou a criticar a política imperialista britânica. Eric desertou em
1927 e afirmou: “Servi na polícia das Índias durante cinco anos, ao longo dos quais passei a
odiar o imperialismo, que eu próprio servia, com uma força que ainda hoje eu não sei
explicar” Em 1934 publica Burmese Days, traduzida para o português como Dias na
Birmânia, obra na qual relata suas vivências na Polícia Imperial Indiana.
Seu pai era funcionário da administração do Império Britânico. Eric era, portanto, de
uma família de classe média. Porém, regressando à Inglaterra, depois de desertar da polícia,
estava decidido a não mais colaborar com a política totalitária e imperialista da qual
discordava ferrenhamente. Adotou, então, o pseudônimo de George Orwell. Nome este
inspirado de rio Orwell que corta a East Anglia, no leste da Inglaterra. “George” vem do santo
padroeiro da Inglaterra.
Nesse momento Orwell decidiu se tornar escritor. Passou por momentos difíceis,
juntou-se aos pobres e exilados da Europa, mendigou e trabalhou como lavador de pratos em
restaurantes e hotéis em Paris. Vivendo na pobreza pelas capitais da Inglaterra e da França e
suas experiências nessa fase difícil de sua vida foram imortalizadas em Down and out in
Paris and London (Na pior em Paris e Londres), 1933. Nessa obra Orwell relata a pobreza, a
falta de liberdade e a gritante desigualdade social nos lugares por onde viveu entre 1928 e
1930. Do período em que morou na Inglaterra escreveu A Clergyman´s Daughter (A Filha do
Reverendo, publicado em 1935) e The Road to Wigan Pier (O Caminho para Wigan Pier,
1937). Nesse período foi onde sentiu, pela primeira vez na carne, o gosto amargo da opressão,
da desigualdade (TEIXEIRA, 2004). Felizmente, a partir de 1934 passou a viver com o
dinheiro que ganhava dos seus escritos. Na Inglaterra, escreveu na imprensa socialista e
trabalhou como livreiro, foi professor e também jornalista.
Até este ponte de sua vida, George Orwell não se descrevia como um socialista:
“Tornei-me pró-socialista mais por desgosto com a maneira como os setores mais pobres dos
trabalhadores industriais eram oprimidos e negligenciados do que devido a qualquer
admiração teórica por uma sociedade planificada”, relatou Orwell anos depois (Orwell, 2007,
p. 142). Mas em 1936, ano de publicação de Keep the Aspidistra Flying (O Vil Metal ou
Mantenha o Sistema), irrompeu a Guerra Civil Espanhola. Então, agora já confesso socialista,
mudou-se com a mulher, Eileen, para a Espanha para participar da Guerra, por acreditar que
aquele era o momento e o “palco onde a historia aconteceria” (TEIXEIRA, 2004).
Ali, Orwell foi tenente e lutou contra Francisco Franco, líder da conta-revolução,
defendendo, então, o governo de esquerda da Frente Popular. Franco era apoiado pela Igreja
Católica, setores da classe média, exército, além de seus aliados externos como Mussolini e
Hitler. Orwell fez parte de um agrupamento de tendência trotskista e foi membro das milícias
do PROUM (Partido Obrero de Unificación Marxista). Desse período ele relata: “Muitos de
nossos amigos foram fuzilados, outros passaram longo tempo na cadeia ou simplesmente
desapareceram” (Orwell, 2007, p. 143).
Orwell foi atingido no peito durante a guerra. Uma bala prejudicou suas cordas vocais
e saiu pelas costas. Teve, desde o ocorrido, sua voz alterada. Ao retornar á Inglaterra publicou
Homage to Catalonia (Uma Homenagem à Catalunha ou Lutando na Espanha, 1938) onde
são relatadas suas experiências na guerra cível Espanhola. Agora George Orwell tem suas
convicções socialistas firmadas e se consolida como um anti-stalinista convicto (TEIXEIRA,
2004).
Algum tempo depois, Orwell é acometido por tuberculose e viaja para o Marrocos. Lá
ele escreve Coming up for air, (Um Pouco de Ar, Por Favor!) obra publicada em 1939. Esse
ano foi o ano de início da II Guerra Mundial. Orwell não foi aceito para o serviço militar e
começou, então, a trabalhar como correspondente de guerra para um canal indiano da BBC
(The British Broadcasting Company). Em 1946 abandona tal cargo e torna-se editor do
Labour Weekly Tribune, onde se mostrou um excelente jornalista com muitos trabalhos.
Seu trabalho como escritor tem seu ponto alto com Animal Farm, publicada em 1945 e
Nineteen Eity-four, publicada em 1949, considerada ficção científica onde Orwell satiriza a
tirania política ambientada num tempo futuro voltando sua atenção para as implicações
humanas e sociais de tempo-lugar futuro.
Podemos notar que a vida e a obra de George Orwell estão intrinsecamente ligadas.
Seus livros tem fortes ligações com suas vivências. Sua vida motivou e influenciou seus
trabalhos. Sua visão política foi moldada a partir do que o autor vivenciou a cerca do
Socialismo, Totalitarismo e Imperialismo. Sua escrita é marcada por descrições concisas de
eventos e condições sociais e o desprezo por todo tipo de autoridade. Falando sobre seus
escritos, George Orwell relatara:
“Quando me sento para escrever um livro, não digo para mim ‘vou produzir uma
obra de arte’. Escrevo porque existe alguma mentira para ser denunciada, algum fato
para o qual quero chamar a atenção, e penso sempre que vou encontrar quem me
ouça” (FARIA,2008)
Em 1946, no ensaio Why I Write (Porque Eu Escrevo) Orwell relata que: “Cada linha
presente nas obras que tenho escrito desde 1936, tem sido escrita, direta ou indiretamente
contra o Totalitarismo e para o Socialismo Democrático, tal como eu o entendo”
(WILLIANS, 1997).
Em 1950, George Orwell é vencido pela tuberculose e falece, na miséria, em 21 de
janeiro de 1950 aos 46 anos em um hospital em Londres. Infelizmente ele não pôde assistir ao
impacto de sua vasta obra. Obra esta que mostra a visão peculiar de Orwell acerca de
socialismo. Sem contar sua aversão à intelectualidade de esquerda, aos marxistas ortodoxos e
a literatura destes, qualificada por ele como “enfadonha, sem graça e ruim”(ORWELL, 1986).

2.2 O enredo de Animal Farm

A narrativa de Animal Farm se passa numa fazenda, chamada Manor Farm (Granja do
Solar) no interior da Inglaterra. Lá animais e a família do fazendeiro, Mr. Jones, vivem sua
rotina. Um dia Old Major (Velho Major, na tradução de Heitor Aquino Ferreira), um porco
moribundo que já havia conquistado muitos prêmios e era muito respeitado entre os outros
animais, convoca todos os bichos no celeiro para uma reunião. Nessa reunião Old Major
relata o sonho que tivera; algo surpreendente de que todos deviam tomar conhecimento.
A princípio, Major teceu considerações sobre a realidade dos animais da Inglaterra,
sobre como eles estavam sendo explorados e vivendo na miséria. Eram os animais que
realizavam todo o trabalho da fazenda e, no entanto, todos os seus esforços eram convertidos
em algo para proveito dos humanos, e eles, os animais eram relegados a uma vida miserável.
O Homem era, dessa forma, o único que consumia sem produzir. Sendo assim, ele, o Homem
que só os explorava, é o verdadeiro inimigo dos animais. “Retire-se da cena o Homem e a
causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre” disse Major.
(ORWELL, 2007, p. 12)
Em seguida, Major passa a descrever o sonho que tivera, no qual o homem
desaparecera e todos os bichos estavam livres da exploração. Passou então argumentar sobre
sua situação e propôs uma rebelião, a revolução dos animais, como forma de se livrar dos
maus tratos. Major afirma que andava sobre quatro patas os tinha asas eram amigos; o que
andava sobre duas pernas era inimigo. Falou, então, de uma canção, Bichos da Inglaterra, que
se tornaria um hino de motivação e uma mensagem de luta contra os humanos.
Contudo, Velho Major morreu antes de ver tornada real a revolução sonhada. Depois
de sua morte, outros três porcos passaram a sistematizar suas idéias. Eram eles: Napoleon
(Napoleão), um porco de aparência imponente e ameaçadora com reputação de ter grande
força de vontade; Snowball (Bola-de-Neve), que discursava muito bem e mostrava-se mais
ativo que Napoleão, mas não gozava de mesma reputação de solidez de caráter que este; e
Squealer (Garganta), o qual tinha um grande poder de persuasão. Eles três deram o nome de
Animalismo (Animalism) para o pensamento organizado do Velho Major. A idéia central no
animalismo era que os bichos não trabalhariam mais pra os humanos, e sim para si mesmo,
deixando de ser explorados. Partiram, então, para a revolução.
Um dia o dono a fazenda, Mr. Jones, estava embriagado, como de costume, e os
animais, já muito infelizes e famintos, invadiram e depósito de alimentos. Depois de tomar
conta do incidente, o Sr. Jones passou a chicotear e agredir os animais. Porém, os bichos do
celeiro conseguiram expulsar o Sr. Jones e sua mulher da fazenda. Como primeira
providência, os animais trocaram o nome da fazenda para “Fazenda dos Bichos” (Animal
Farm). Como símbolo eles fizeram uma bandeira verde com um chifre e um casco brancos ao
centro.
Os princípios do animalismo foram resumidos a sete mandamentos que foram inscritos
na parede do celeiro, são eles:

1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimiga.


2. O que andar sobre quatro pernas, ou tiver asas, é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas.
4. Nenhum animal dormirá em cama.
5. Nenhum animal beberá álcool.
6. Nenhum animal matará outro animal.
7. Todos os animais são iguais. (ORWELL,2007, p. 25)

Os animais passavam a trabalhar cada um de acordo com sua capacidade e o fruto do


seu trabalho seria dividido de acordo com a necessidade de cada um. Tanto o trabalho, quanto
o fruto desse trabalho eram compartilhados. Os porcos eram os únicos que sabiam ler,
portanto, eram os mais inteligentes. Eles não trabalhavam, mas, numa posição de liderança,
orientavam e dirigiam os bichos supervisionando o trabalho dos outros. Entre os animais,
destaca-se Boxer (Sansão), um cavalo muito forte e o mais trabalhador, seu lema era:
“trabalharei mais ainda” (ORWELL, 2007, p. 29).
Nessa nova conjuntura os animais davam muito de si e estavam esperançosos quanto à
realização de seus sonhos. Snowball, exímio orador, organizava os bichos em diversos
comitês. Napoleon, de sua parte, pensava em uma forma de iniciar sua ditadura. Ele,
Napoleon, tomou nove filhotes das cadelas Jessie e Bluebell (Lulu e Branca na tradução de
Heitor Aquino) e os levou para o porão a fim de educá-los. E os outros bichos trabalhavam.
Entretanto, o que ocorreu paulatinamente, foi o aumento das desigualdades na granja.
Um dia o Sr. Jones, os granjeiros vizinhos e seus peões reapareceram na fazenda numa
tentativa de retomá-la. Sob a liderança de Bola de Neve, os animais resistiram e acabaram por
derrotar os inimigos. Este episódio passou então a ser lembrado como a Batalha do Estábulo
(ORWELL, 2007, p. 40).
Outro ocorrido começou com as disputas entre Snowball e Napoleon que opuseram,
por conseguinte, toda a granja. Aqueles sempre divergiam de opinião. Snowball era a favor da
construção de um moinho para gerar energia elétrica para a granja, o que pouparia o trabalho
dos bichos e traria mais conforto para todos. Empregar-se-ia também a energia para a
moagem de cereais e traria luz e aquecimento no inverno. Napoleon era contra a empreitada.
Fora isso, para Napoleon, era preciso que os animais possuíssem e manuseassem armas de
fogo. Snowball por sua vez pregava o envio de pombos para as outras fazendas a fim de
estimular a rebelião em outros lugares.
Em uma dessas discussões entres os dois porcos, Napoleon teve a oportunidade de se
livrar de seu adversário. Num debata acalorado ele fez vir à tona os nove cães que ele criava
escondido no porão. Os cães se atiraram sobre Snowball e o fizeram fugir desesperadamente.
Com Snowball fora de seu caminho, ficou mais fácil para Napoleon executar seus planos de
dominação.
As coisas só pioraram na fazenda dos bichos depois disso. As desigualdades
aumentaram e aos poucos uma nova dominação foi surgindo. A diferença era que, no lugar de
trabalhar para os humanos ele agora trabalhavam para os porcos, outrora seus semelhantes. Os
animais eram agora submetidos a trabalhos forçados, privações e fome. Muitos foram
executados friamente quando se opunham ao sistema imposto.
As reuniões dominicais, que aconteciam desde o dia da Revolução, acabaram. As
decisões, que se davam no voto, foram suprimidas. Uma comissão de porcos, presidida por
Napoleon, passou a decidir sobre os problemas da granja e depois a comunicar a decisão aos
demais. A idéia da construção do moinho foi retomada, desta vez sob a liderança de
Napoleon. Para construir o moinho, a carga de trabalho semanal aumentou substancialmente
para os animais.
Para os animais já não se distinguia o que era verdade e o que era mentira. Eles não
conseguiam afirmar, sequer, se a vida de antes era pior que a de agora. Ignorantes e
escravizados, os animais terminavam os seus dias trabalhando em um moinho de vento, que
Napoleon dizia ser importante para gerar energia e trazer avanços à granja. Certa vez,
Napoleon anunciou a retomada de uma prática outrora tida como abolida: a prática do
comércio com as fazendas vizinhas. Argumentando que seria necessário vender feno trigo e
ovos para a aquisição de bens que faltavam na granja e material para a construção do moinho.
Aos poucos os porcos passaram a aderir a hábitos humanos, hábitos estes antes tidos
como repulsivos. Os porcos mudaram para a casa grande, antiga residência de Mr. Jones,
passaram a dormir em camas e a vestir-se. Também consumiam uísque e cerveja. Mais tarde
passaram a andar sobre duas patas. Os laços comerciais com os humanos se estreitaram, o que
causou muito espanto por parte dos animais, visto que a lei máxima da revolução era
justamente conta os humanos.
Os sete mandamentos passaram a ser reescritos na medida em que as atitudes e os
comportamentos iam sendo modificados. A contínua alteração dos mandamentos culminou
em um último e único, em uma frase que ficaria na história como marca de toda a alegoria de
Orwell: “Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros” (ORWELL,
2007, p. 106). Ao mesmo tempo, foi sendo feita também uma “lavagem cerebral” nos bichos.
Tendo em vista que os demais animais não possuíam memória muito boa, os porcos
inventaram inúmeras histórias.
Sempre que algo de errado acontecia, como a queda do moinho pela força do vento
depois de muito trabalho, a culpa era atribuída a Snowball. Este era considerado traidor. Foi
acusado de se ter aliado aos homens para acabar com a Granja dos Bichos. Não tardou para
que animais que não se submetessem aos sistemas fossem acusados de serem correligionários
de Snowball, sendo então executados brutalmente.
A Granja dos Animais vivia uma época de terror e de sangue. Até mesmo a canção
Bichos da Inglaterra, por ordem de Napoleon, foi proibida de ser cantada. Enquanto os
animais trabalhavam em demasia, e a quantidade de ração diária minguava para os animais,
com exceção dos porcos. Apesar disso o porco Squealer lia estatísticas e mais estatísticas
sobre os aumentos da produção.
Depois de muita labuta o moinho ficou pronto. Mas logo os animais foram acometidos
de nova decepção: ele fora dinamitado por um fazendeiro vizinho. Novamente os animais da
granja tiveram de se esforçar para edificar o moinho novamente.
No final da estória temos os animais do lado de fora da casa grande contemplando o
encontro do homem com os porcos. Homens e Porcos em meio a bebidas e gargalhadas. Não
se diferenciava mais que era porco e quem era homem. Esta cena final, frequentemente mal
compreendida, foi explicada pelo próprio George Orwell:
“Muitos leitores podem acabar de ler o livro com a impressão de que ele termina
com uma reconciliação total entre os porcos e os seres humanos. Minha intenção não
foi essa; ao contrário, eu desejava que o livro terminasse com uma nota enfática de
discórdia, pois escrevi o fim imediatamente depois da Conferência de Teerã.”
(ORWELL, 2007).

2.2.1 Contextualizando Animal Farm

Animal Farm é um daqueles textos literários que está intrinsecamente ligado ao seu
contexto histórico. Inicialmente publicado em 1945, Animal Farm, segundo Bloom,
estabelece equivalências com a história da ação política na Rússia desde os duros tempos de
1917 até a Segunda Grande Guerra.
Esse período pós-guerra foi marcado por crises econômicas, como a de 1929, e as
revoluções russas: Menchevique e Bolchevique. Estas culminaram com a queda do czarismo
na Rússia e a instalação de um novo modelo, “o Socialismo”, através do governo de Lênin.
Instituiu-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Leon Trotski, chefe do exército, e Josef Stalin, secretário geral do Partido Comunista
passaram a disputar o poderio soviético após a morte de Lênin em 1924. Stalin saiu vitorioso,
e nos anos seguintes marginalizou Trotski e seus seguidores até eliminá-los. Após esses
acontecimentos, a URSS mergulhou numa situação política, social e econômica bastante dura,
talvez mais crítica àquela anterior a da revolução.
Muitos dos ideais revolucionários desse tempo eram embasados nos escritos de Karl Marx
(1818 – 1883), já mencionado neste trabalho no primeiro capítulo. Para Marx, a divisão da
sociedade entre proprietários e trabalhadores resultava na desigualdade e opressão da classe
trabalhadora. Marx acreditava que a revolução era um meio para se chegar a uma sociedade
sem classes onde o trabalho e o fruto do trabalho eram divididos entre todos.
Animal Farm situa-se no contexto histórico da Guerra Fria entre EUA e URSS, a qual se
iniciou após a II Guerra Mundial. O mundo vivia amedrontado com a possibilidade de
batalhas nucleares globais que aniquilariam a humanidade a qualquer momento. URSS
influenciava um lado do globo, aquele ocupado pelas forças do Exército Vermelho e pelas
forças armadas comunistas. Os EUA exerciam predominância sobre o restante do mundo que
se tornava capitalista. A Guerra Fria baseava-se suposição ocidental surgida após a segunda
Guerra Mundial de que a era da catástrofe não chegara ao seu final; de que o futuro do
capitalismo mundial e da sociedade liberal não estava assegurado.
Segundo Bloom (1991) a alegoria à Revolução Russa e aos eventos subseqüentes
presentes em Animal Farm é melhor entendida por aqueles leitores que conhecem os eventos
acima relatados brevemente. E ainda segundo Bloom, Animal Farm não é apenas uma
alegoria da Rússia no século XX, mas sim uma representação da estrutura de todas as
revoluções políticas onde os fracos tomam o poder são, posteriormente, corrompidos por tal
poder.

2.2.2 Do ponto de vista literário

O romance de Orwell escrito em língua inglesa Animal Farm: A Fairy Story, publicado
em 1945, é uma obra fabulesca quanto ao seu gênero. Através de tal fábula encontramos sátira
e alegoria política ao apresentar a revolta dos animais contra os maus tratos que sofriam e sua
posterior revolução. Os elementos do gênero literário ao qual pertence encontram-se
espalhados pelo texto. Convém uma breve explicitação do que vem a ser uma fábula.
Em artigo publicado no E-Dicionário de Termos Literários (2011), Nelly Novaes
Coelho afirma que o gênero literário fábula é uma narrativa de intenção moralizante, que
ressalta as falhas dos homens sobre os homens. Segundo Marcos Bagno, em Fábulas
Fabulosas, “a fábula é uma pequena narrativa que serve para ilustrar algum vicio ou alguma
virtude, e termina invariavelmente, com uma lição de moral” (BAGNO, 2005).
A palavra latina fábula deriva do verbo “fabulare”, “conversar, narrar”. Isso mostra
que a fábula teve sua origem na tradição oral. Da palavra latina fábula derivam o substantivo
português “fala” e o verbo “falar”. Bagno ainda acrescenta que a grande maioria das fábulas
tem como personagens animais ou criaturas imaginárias (criaturas fabulosas), que
representam, de forma alegórica, os traços de caráter (negativos e positivos) dos seres
humanos.
Essa discussão sobre o gênero fábula nos permite a caracterização da obra Animal
Farm como circunscrita na categoria fábula, visto que tal narrativa apresenta personagens que
são animais personificados. A estes animais são atribuídos características humanas, como a
fala e o raciocínio. São essas qualidades humanas que fazem com que nos interessemos pelas
fábulas: emocionamo-nos, por assim dizer, não com os animais em si, mas com o fato de eles
representarem traços humanos.
Animal Farm possui a peculiaridade da ausência de uma moralidade explícita: o livro
não termina com “moral da historia...”. O livro traz a possibilidade de o próprio leitor refletir
sobre a trama e tirar suas conclusões. Cusatis (2008), com relação a essa possibilidade de
alguns textos literários, diferencia “texto aberto” de “texto fechado”. Para ele, um texto que
apresenta múltiplas possibilidades de interpretação ao leitor é considerado um “texto aberto” .
Tais interpretações dependem da inferências de quem lê o texto literário. Levando tal ponto de
vista em consideração, Animal Farm é considerado um texto aberto.
A obra de George Orwell, devido a varias interpretações que lhe podem ser atribuídas,
faz parte de cânones literários. Segundo Bloom, Animal Farm é acima de tudo uma fábula, e,
como tal, é dotada de sentido imaginativo. Tal característica foi o que possibilitou sua
repercussão e diversas abordagens interpretativas.
A estória de Animal Farm é contada a partir do ponto de vista dos animais comuns da
fazenda, embora na narrativa estes mesmo personagens sejam referidos na terceira pessoa do
plural “eles”. O narrador é notável por não apresentar preconceitos pessoais ou pontos de vista
particulares. O tom do romance é objetivo durante toda a narrativa. À medida que a estória vai
se encaminhando para um desfecho ultrajante, esse tom é mantido, o que causa uma ironia
sempre crescente.
Como é o caso da maioria das fabulas, Animal Farm é situada em um período de
tempo indeterminando, numa estória livre de referências históricas que permitam ao leitor
situá-la em um determinado período. No entanto, é justo supor que a obra de Orwell é
contemporânea ao objeto de sua sátira, a Revolução Russa (1917-1945). Quanto ao lugar,
sabe-se que se passa numa fazenda no interior da Inglaterra.
O site Sparknotes Literature Study Guide faz discorre a respeito do fato do não há
clara referência a um personagem principal. Contudo, Napoleon, o porco ditador, é o
personagem que une e dirige a maior parte da ação. Há vários conflitos no livro. A constar: os
animais contra o Mr. Jones, Napoleon contra Snowball, os outros animais contra os porcos, os
animais contra os vizinhos humanos. Todos esses conflitos são expressões da tensão
subjacente entre as classes exploradoras e as classes exploradas e entre os nobres ideais o
socialismo e sua dura realidade.
A ação é crescente quando os animais derrotam seus opressores humanos e
estabelecem um estado socialista chamado animalismo. Então a os porcos, sendo os mais
inteligentes, assumem a direção da granja. Até que Napoleon e Snowball se envolvem em
disputas ideológicas. O clímax é justamente o momento em que Napoleon expulsa seu rival
com a ajuda dos cães que ele havia secretamente criado para atender às suas vontades. A ação
começa a cair quando Napoleon consolida seu poder, Squealer justifica as ações do porco
ditador e a situação dos animais começa a piorar.
Os temas do livro são a corrupção dos ideais socialistas; a tendência a estratificação
social; o perigo de uma classe trabalhadora ingênua; e o abuso da linguagem como
instrumento para o abuso de poder. Tudo isso se apresenta através de estrutura de discurso e
artifícios literários; as músicas e os rituais, por exemplo. Além de símbolos, como o celeiro, o
moinho e no nome da fazenda, os quais são representações de idéias e conceitos abstratos.

2.3 A Revolução Russa através d’A Revolução dos Bichos

Depois do conhecimento da narrativa de Animal Farm, chega o momento neste


trabalho em que faremos uma análise comparativa entre a Revolução dos Bichos e a
Revolução Russa. Visto que a referida obra foi taxada de alegoria de cunho político, há vários
exemplos na obra de acontecimentos e personagens que podem ser comparados com os
acontecimentos da historia.
Ao entrarmos nessa empreitada de mostrarmos como a Revolução dos Bichos é uma
reescritura da Revolução Russa, assim como Orwell relata como se formou a revolução até
chegar à consolidação de um novo poder e suas conseqüências, vamos, inicialmente, retratar
como surgiram as idéias da Revolução Russa fazendo um paralelo com o surgimento de tais
idéias de revolução no livro de Orwell.
É a partir dos estudos de Karl Marx que partiremos para entender o surgimento da
idéia de revolução da classe dominada sobre a classe dominante. Karl Marx pesquisou o que
seriam as condições de revolução. Partindo de reflexões gerais sobre forças produtivas e
relações de produção, lutas de classes e Estado, Marx analisou formas especificas de
exploração capitalista. Então, volta sua atenção a falar sobre vários aspectos da luta política
do proletariado.
Marx em A Ideologia Alemã (2005) demonstra que a existência das classes sociais está
ligada a determinadas fases históricas. Para ele a luta de classes conduz necessariamente à
ditadura do proletariado, e essa mesma ditadura constitui apenas a transição para a superação
de todas as classes e para uma sociedade sem classes. O proletariado seria então o sujeito da
revolução, visto que é o fruto genuíno do capitalismo.
Marx afirma que o trabalho é uma mercadoria. Dessa forma, o comprador do trabalho
(o empregador) procura obtê-la pelo menor custo. O trabalho para o capitalista é algo
impessoal. O trabalhador não é um ser humano, é mão-de-obra e o valor do trabalho mede-se
pela quantidade mínima de dinheiro necessário para manter o operário vivo e em condições de
trabalhar.
A partir das idéias de Marx, Lenin, membro fundador, principal teórico e dirigente do
Partido Bolchevique, expressa uma posição nova: propõe uma estratégia política para a
construção de uma força social revolucionária. Propõe uma organização capaz de unificar as
diferentes classes dominadas pra formular reivindicações e enfrentar o Estado capitalista.
Lênin propõe uma democracia social e política que deveria ser precedida por um governo de
operários (a ditadura do proletariado). O propósito final dessa revolução social era originar o
comunismo para substituir o capitalismo. Só um governo Bolchevique, afirmava Lênin, podia
satisfazer as exigências do povo revolucionário.
Na fábula de Orwell, a figura do porco Major tinha amplo conhecimento da realidade
dos bichos da Granja do Solar e, além disso, profetizou o fim da dominação pelos humanos.
Todas as suas idéias foram sintetizadas pelo animalismo. Através da análise de sua trajetória,
podemos perceber que o animalismo legitimou a ruptura com a problemática realidade
existente, assim como o marxismo foi a teoria que legitimou a ação do proletariado em
direção a uma revolução.
Major fala que o produto dos esforços dos animais é roubado pelos seres humanos, e
resume que o Homem é o verdadeiro e único inimigo. Uma vez retirado o Homem de cena,
desapareceria para sempre a principal causa da fome e da sobrecarga de trabalho dos animais.
Major afirma que “O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não
põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o que dê para pegar uma lebre. Mesmo
assim, é o senhor de todos os animais”(ORWELL,2007, p. 12).
Major relata situação de exploração que os animais estavam vivendo e afirmava que
nem mesmo o fim chegaria de forma natural. Para ele todos os males tinham origem na tirania
do homem. Tinham então que se libertar dos humanos para, de fato, serem donos do fruto do
seu labor. Mas o que era preciso para que isso acontecesse? A essa pergunta Major responde
dizendo que os animais deveriam:
Trabalhar dia e noite, de corpo e alma, para a derrubada do gênero humano. Esta é a
mensagem que eu vos trago, camaradas: Rebelião! Não sei dizer quando será esta
revolução, pode ser daqui a uma semana ou daqui um século, mas uma coisa eu sei,
tão certo quanto o ver eu esta palha sob meus pés: mais cedo ou mais tarde, justiça
será feita. Fixai isso, camaradas, para o resto de vossas curtas vidas! E, sobretudo,
transmiti esta minha mensagem aos que virão depois de vós, para que as futuras
gerações continuem na luta, até a vitória (ORWELL,2007, p.13-14).

Depois da morte de Major, suas idéias foram sintetizadas pelo animalismo. O processo
revolucionário da Granja do Solar é embasado por tal sistema de idéias. As palavras de Major
tinham dado uma perspectiva de vida inteiramente nova aos animais da granja. A partir de
todos esses fatos, percebe-se a semelhança no discurso dessas figuras de Marx, Lênin e Major.
Todos eles estavam contrários às formas de poder (governo) vigentes e acreditavam que só
uma revolução e ruptura total com esse poder os levariam há um mundo de igualdade e
justiça.
Major, Marx e Lênin relatam a situação de suas respectivas sociedades, como de se dá
a exploração, de quem é a culpa e como acabar com tal situação. Marx tem o capitalismo
como a origem dos problemas do proletariado e Major tem os humanos como a causa de todo
o sofrimento dos animais. Ambos pregavam a tomada do poder pelos oprimidos. A solução
estaria em ter, em cada caso, o proletariado e os animais no poder. Assim como os
movimentos das classes dominadas se identificaram e se basearam no marxismo e criaram um
caminho anticapitalista, Major com seu discurso levou os animais a um movimento que
permitisse sua libertação. A libertação na Rússia veio através de Lênin e da revolução
bolchevique. Seguindo o mesmo raciocínio, Major fala da vida sem a presença dos humanos,
Todas as idéias estavam aflorando e culminaram na tomada do poder, na Revolução.
Na Rússia de 1917 após a derrubada do czar Nicolau II, os delegados do Congresso
dos Sovietes iniciaram a instalação de um novo governo. Temos então a realização do que
proferiu Marx sobre a Revolução em O Manifesto do Partido Comunista:

O primeiro passo na revolução operária é a elevação do proletariado à classe


dominante, a conquista da democracia. O proletariado utilizará seu domínio político
para arrancar pouco a pouco todo o capital a burguesia para centralizar todos os
instrumentos de produção nas mãos do Estado, ou seja, do proletariado organizado
como classe dominante.(MARX, 2004)

Instaurava-se, assim, na Rússia, antes uma monarquia absolutista, uma república


revolucionaria guiada pelo pensamento marxista e que direcionava sua ação em busca do
estabelecimento de um socialismo internacional. O marxismo não só embasou o governo de
Stálin como também foi fundamental para a Revolução Russa; ou seja, essa teoria possibilitou
ambos os acontecimentos históricos.
Semelhantemente aos bolcheviques que, representando o povo russo, tomaram o poder
e deram fim ao capitalismo, na Granja do Solar os animais colocaram Jones, símbolo do
capitalismo, para fora da granja, colocando fim a tudo que representava a antiga ordem onde
os animais eram meros empregados. Na fábula de Orwell, todo o desenvolvimento do
processo revolucionário da Granja do Solar é embasado pelo animalismo.
As idéias da Revolução começaram a se espalhar pelo mundo e pelas fazendas da
Inglaterra. Os governos de alguns países reforçaram a repressão contra os partidos comunistas
antes de qualquer tentativa de tomada do poder. Na fábula aconteceu que a notícia do que
sucedera na Granja dos Bichos se espalhara pelo condado. Durante certo período uma onda de
revolta correu a região e a letra de "Bichos da Inglaterra" era conhecida em toda a parte. Foi
uma época de igual repressão aos bichos e aos comunistas, mas a popularidade de ambos só
aumentava.
Percebe-se que há vários entrelaçamentos entre a obra de Orwell com os
desdobramentos da história. Porém, não esgotaremos de forma alguma todas as associações
possíveis existentes na obra. O que procuramos mostrar é a que há a possibilidade de tal
relação e que tal comparação entre as duas revoluções (a Russa e a dos Bichos) é tarefa
simples de se realizar. Para melhor entendermos as relações existentes entre a fábula e a
história, usaremos o seguinte quadro comparativo de autoria de Olgário Paulo Vogt (2007).
Nele encontramos comparados os principais personagens das duas revoluções:

O animalismo O socialismo ou comunismo

Manor Farm A União Soviética

O canto Bichos da Inglaterra A internacional Socialista

Os porcos A burocracia soviética

Os homens A burguesia

Os animais O proletariado

Mr. Jones O Czar Nicolau II

Old Major Marx, Lênin


Napoleon Stálin

Snowball Trotsky

As ovelhas A massa alienada

Os cachorros A polícia

Boxer O trabalhador iludido

Moses A igreja ortodoxa

Squealer A propaganda

A bandeira verde com o cifre e o A bandeira soviética com a foice e o


casco martelo

Animal Farm circunscreve um universo inesgotável de questões que exigem vasto


conhecimento histórico e cultural. As associações entre fábula e acontecimentos históricos são
muitas. O cavalo Boxer, por exemplo, que tinha como máximas “Napoleão está sempre certo”
e “trabalharei mais ainda”, simbolizando aquele proletário iludido e ingênuo que toma como
verdade tudo que lhe é transmitido e não é capaz de refletir sobre sua própria realidade. Ele é
essencial para a manutenção da ordem existente. Se ele tivesse consciências de sua força,
jamais estaria sujeito aos delírios dos homens, assim como o proletariado, se tivesse
consciência do seu papel fundamental na transformação da sua situação de exploração.
O porco Squealer por sua vez, por exemplo, utiliza-se de variadas estratégias
discursivas (entonação vocal, expressões corporais, referência a registros, repetição de termos,
flashback, entre outras) para transmitir as deliberações dos líderes da fazenda. Além disso,
tinha a função de persuadir para a aceitação de certas “verdades” ou fatos, sem deixar
margens para argumentação. Os tímidos questionamentos emergentes nas vozes dos animais
eram sempre acabam se submetendo aos seus propósitos através da força da elocução que se
projeta nos discursos que profere. Este personagem representa a propaganda que foi proferida
durante os anos da Revolução e no governo de Stálin.
Os acontecimentos da fábula falam por si mesmo; por exemplo, a condição deplorável
dos animais antes da revolução (dominação, fome, miséria, exaustão, injustiças, etc.), a
situação de animais sendo mortos por acusações suspeitas de conspiração, mudanças e
alterações nos princípios do animalismo, tentativa de manipular as mentes dos animais pelo
discurso exaustivo de Garganta, ou ainda, algo mais específico, como a reunião final de
Napoleão e Pilkington (fazendeiro que já fora inimigo dos animais durante a Revolução dos
Bichos). Tudo isso contribui para nos faz perceber a clara associação que Orwell realiza com
os contraditórios e problemáticos acontecimentos históricos existentes na Revolução Russa e
nos seus desdobramentos.

3 A IDEOLOGIA DOS BICHOS

“Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos


são mais iguais que outros”. (George Orwell)

Partimos da empreitada de entender o que é ideologia e passamos por uma análise da


obra Animal Farm. Chega, então, o momento nesse nosso empreendimento teórico de
relacionarmos ideologia e Animal Farm através da análise de trechos da obra que mostram tal
relação, tendo sempre em mente as explicitações acerca do conceito de ideologia apresentadas
no primeiro capítulo dessa monografia. Dessa forma, antes de analisarmos os trechos do livro,
buscaremos compreender melhor a relação existente entre linguagem, discurso e ideologia.

3.1 Linguagem, discurso e ideologia

Antes de relacionarmos ideologia e linguagem, cabe fazermos uma explanação a


respeito do que se trata a linguagem e quais são os estudos a partir dos quais nos embasamos
para trazer à tona tal tema. Dentro dos estudos lingüísticos percebemos algumas divergências
teóricas quanto ao seu conceito principal: linguagem. O campo de estudo aberto por Saussure
possibilitou uma nova concepção dos estudos lingüísticos e a partir de suas teorias muitos
deram continuidade a diferentes investigações nesse campo.
Nosso estudo busca relacionar ideologia e linguagem, e essa relação nada mais é que a
relação entre história e linguagem. Tomamos como base as teorias da Análise do Discurso
(AD) francesa. Esta disciplina surgiu nos anos 1960 com os estudos de Michel Pêcheux, a
partir do encontro entre filosofia, marxismo e psicanálise.
Nos estudos de Saussure (2001) a língua institui-se socialmente e sua finalidade é a
comunicação. Muitos autores se interessaram por essas considerações; alguns as negavam,
outros confirmavam. Bakhtin era um desses autores. Em 1929, em Marxismo e Filosofia da
Linguagem, ele se propunha a estudar e identificar a relação do sujeito como sendo sujeito em
relação ao outro. A linguagem, como interação entre interlocutores, exerce uma força que
modifica toda a cena enunciativa. O contexto social do sujeito influencia seu discurso e esse
seu discurso, por sua vez, afeta os ouvintes ao seu redor. Dessa forma, a linguagem estabelece
o discurso e este permite a repercussão e perpetuação de ideologias, parte do contexto da
produção discursiva do sujeito.
Podemos perceber, assim, como a AD trabalha a questão da materialização da
ideologia através do discurso, levando em conta o que foi dito por Pêcheux (1997), que não há
discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. O discurso é, portanto, uma construção
social entre sujeitos; e pára sua análise deve ser considerado seu contexto histórico-social e
suas condições de produção.
Nosso estudo tem como embasamento teórico os escritos de Eagleton, Bakhtin,
Pêcheux, Althusser e Fiorin. Quanto ao que é linguagem, Fiorin (1998) apresenta uma
descrição bastante interessante e que revela a complexidade de tal conceito. Ele afirma que “a
linguagem é um fenômeno extremamente complexo, que pode ser estudado de inúmeros
pontos de vista, pois pertence a diferentes domínios. É, ao mesmo tempo, individual e social,
física, fisiológica e psíquica”.
Ainda para Fiorin, discurso são as combinações linguísticas usadas pelos falantes com
a finalidade de exprimir seus pensamentos. Porém, o discurso não é simplesmente um
amontoado de frases. O discurso é estruturado e podemos diferenciar no seu interior uma
sintaxe e uma semântica. Para Fiorin, a sintaxe discursiva compreende os processos de
estruturação do discurso. E a semântica discursiva abarca os conteúdos que são investidos nos
moldes sintáticos. Ele ainda acrescenta que a sintaxe discursiva é o campo da manipulação
consciente; e a semântica discursiva é o plano das determinações inconscientes. “A semântica
discursiva é o campo da determinação ideológica propriamente dita” (FIORIN, 1998, p. 19).
Para entendermos melhor a relação entre linguagem, ideologia e discurso Fiorin
explica que:
uma formação ideológica deve ser entendida como a visão de mundo de uma
determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que
revelam a compreensão que uma dada classe tem do mundo. Como não existem
idéias fora dos quadros da linguagem, entendida no seu sentido amplo de
instrumento de comunicação verbal ou não-verbal, essa visão de mundo não existe
desvinculada da linguagem. Por isso, a cada formação ideológica corresponde uma
formação discursiva, que é um conjunto de temas e de figuras que materializam
uma dada visão de mundo (FIORIN, 1998, p. 32)

Fiorin entende que o discurso é a materialização das formações ideológicas. Os


agentes discursivos são, portanto, as classes sociais. E vale ressaltar que a ideologia
dominante, e, por conseguinte, o discurso dominante, é a da classe dominante.
Bakhtin considera que o sujeito se relaciona com a linguagem, com outros sujeitos e
com o mundo; sujeito do discurso é atravessado pelo dizer do outro. Segundo Bakhtin, existe
uma heterogeneidade na formação do sujeito onde, este modifica o seu discurso de acordo
com a circunstância ou espaço social, em que está inserido, diante de outros sujeitos e de seus
diferentes discursos. O sujeito precisa do outro para se constituir.
Gregolin (2007) considera a palavra, caracterizada pela plurivalência e produto da
interação social, como o signo ideológico por excelência. Desta forma a linguagem é o lugar
privilegiado para a manifestação da ideologia. Diferentes sujeitos utilizam a linguagem para
comunicar-se, e dentro dessa comunicação está o discurso; este, por sua vez, transmite
ideologias que são identificadas pelas vozes dos sujeitos.
Em nossa pesquisa percebemos a influência do discurso como forma manifestação
clara de ideologias, portanto essas considerações sobre sujeito, linguagem, discurso e
ideologia são muito validas, visto que os personagens da obra a ser analisada nesse trabalho
mostram várias ideologias contidas nos discursos. Quem detém o saber manipula os que são
desprovidos de conhecimento. Percebe-se claramente a divisão de classe entre dominadores e
dominados. Nesse ponto cabe apresentarmos algumas das considerações de Althusser em
Aparelhos Ideológicos de Estado.
Louis Althusser (1985) parte da idéia de que a ideologia é um prenuncio das condições
reais de existência dos indivíduos. Das relações entre o mundo, a língua e a historia é que os
indivíduos formam seus discursos carregados de sentido. A ideologia representa a relação dos
sujeitos com suas condições reais de existência. Através do seu discurso o sujeito constitui-se
como um ser social.
Althusser considera que os aparelhos ideológicos de Estado impõem aos sujeitos uma
configuração interiorizada de suas relações de existência inconscientemente por cada um. As
definições de lugar social, por exemplo, são construções imaginárias do indivíduo
determinado pelas ideologias. A ideologia ou os aparelhos de Estado influenciam o individuo
no seu discurso, considerando que é através das representações e das suas idéias que o
discurso se materializa construindo o real. Dessa forma a ideologia compõe a identidade do
sujeito e esta se transfigura numa ação prática.
Análise do discurso busca analisar de forma crítica a ideologia nos discursos dos
sujeitos. Todos os dados e conceitos explicitados até aqui são importantes para auxiliar na
compreensão da análise que esse trabalho se propõe a realizar. Essas explanações nos
fornecem as concepções teóricas que a AD revela sobre discurso e sua relação com a
ideologia. Podemos, então, perceber tal relação na obra Animal Farm, uma vez que ideologia
é um tema bastante presente na voz dos animais da granja.

3.2 Análises de fragmentos de Animal Farm

Ao longo do livro, os dominadores criam determinadas estratégias ideológicas para


que os dominados se submetam e ajam de acordo com os objetivos da classe dominante. Os
aparelhos ideológicos utilizados pela classe detentora do poder em Animal Farm evidenciam
o que Althusser chamou de um certo número de realidades que se apresentam ao observador
como instituições distintas e especializadas, que seriam o religioso, escolar, jurídico, político,
da informação - imprensa, cultura. Tais aparelhos ideológicos do estado funcionam pela
ideologia. Com o intuito de analisar onde se encontra a ideologia em Animal Farm, separamos
alguns excertos do livro para compormos nossas considerações analíticas.
Então, camaradas, qual é a natureza desta nossa vida? Enfrentemos a realidade:
nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nascemos, recebemos o mínimo alimento
necessário para continuar respirando, e os que podem trabalhar são exigidos até a
última parcela de suas forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-
nos com hedionda crueldade. Nenhum animal na Inglaterra sabe o que é felicidade
ou lazer após completar um ano de vida. Nenhum animal na Inglaterra é livre. A
vida do animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade nua e crua. (p. 12)

Percebemos aqui a formação ideológica sendo trabalhada no discurso do porco Major


aos animais da granja. O próprio nome do porco já sugere algo apropriado para estabelecer
uma alta patente hierárquica. O velho porco aborda uma das questões mais importantes de
suas vidas: a liberdade. O tema em questão levou os animais a pensarem e a questionarem as
suas condições.
Nesse trecho encontramos uma descrição do contexto em que os bichos viviam. Os
animais estavam sendo manipulados e ludibriados pela ideologia pregada pelos dominadores.
Nesse segmento, podemos remeter à situação a que são submetidos os elementos de uma
realidade social, na qual a ideologia das classes dominantes dá o embasamento lógico e
aceitável socialmente para as situações de exploração e de repressão dos dominados. Nesse
caso, temos a situação que prenuncia as condições para a produção de um discurso
revolucionário. Através do reconhecimento da situação de opressão vivida pelos animais é
trazida, nesse momento, uma resistência.
Será isso, apenas, a ordem natural das coisas? Será esta nossa terra tão pobre que
não ofereça condições de vida decente aos seus habitantes? Não, camaradas, mil
vezes não! [...] Por que, então, permanecemos nesta miséria? Porque quase todo o
produto do nosso esforço nos é roubado pelos seres humanos. Eis aí, camaradas, a
resposta a todos os nossos problemas. Resume-se único inimigo. Retire-se da cena o
Homem e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para
sempre. (p. 12).

De forma bastante incisiva, Major questiona a ordem natural das coisas. Além disso,
ele traz à tona o discurso da insatisfação do trabalhador, do operariado que requer melhores
condições de existência. A palavra “camaradas” faz referência ao sindicalismo. Conservam-se
assim as condições de patrão e de empregado. São posições de sujeito que enunciam o lugar
que ocupam. A luta pela liberdade é expressa da única forma possível: pela rebelião, ou da
forma que Marx definiu por lutas de classes.
Percebemos, então, os personagens e a teoria, segundo o marxismo e segundo as suas
representações na Revolução Russa: os animais, como o proletariado dominado e os homens
na condição de burguesia dominante. Com a rebelião estabelecida, necessitava-se normatizar
seus princípios/ideologia, ou seja, um dos pontos principais acordados foi à definição de quem
era o seu verdadeiro inimigo ou amigo. A presença do discurso ideológico não tem um
começo pontual, visto que ela está presente em toda a obra, porém, aqui os pilares da
revolução se estabelecem sem dúvida para os animais. Mais à frente veremos os sete
mandamentos, que são o resultado da normatização dos princípios/ideologia.
O Homem é a única criatura que consome sem produzir. [...] O Homem não busca
interesses que não os dele próprio. Que haja entre nós, animais, uma perfeita
unidade, uma perfeita camaradagem da luta. Todos os homens são inimigos, todos
os animais são camaradas. (p. 12-14)

Nesse trecho a sociedade se fundamentava em princípios que deveriam ser baseados


na justiça e na igualdade e onde o homem, causador de todo o sofrimento dos animais, deve
ser abolido. Quando se fala em perfeita unidade faz-se referência a centralização do poder.
Homens inimigos X animais camaradas: seria essa a concentração do poder. A condição de
existência é perpetuada pelo fato de que os homens, que são inimigos, sempre serão homens,
logo sempre serão inimigos; e os bichos sempre serão animais e sempre serão camaradas.
Mesmo que sejam camaradas, eles continuarão sua luta ideológica na condição de bichos.
Dominados ou não, sua condição ideológica seria a mesma.
Os Sete Mandamentos
1 Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
2 O que andar sobre quatro pernas, ou tiver asas, é amigo.
3 Nenhum animal usará roupa.
4 Nenhum animal dormirá em cama.
5 Nenhum animal beberá álcool.
6 Nenhum animal matará outro animal.
7 Todos os animais são iguais. (p. 25)

Os sete mandamentos são a materialização dos princípios/ideologia presentes no


discurso do porco Major. Temos as bases para uma nova sociedade baseada na busca pela
liberdade e justiça entre os animais. A inimizade com o homem se instaura. Este deve ser
evitado e ignorado, por não ocupar a posição-sujeito dos animais. A camaradagem faz alusão
à fraternidade que se instaura entre os bichos. As leis instituídas no momento da criação do
Animalismo constituem uma crítica de Orwell ao comunismo e a todos os ismos, que usam
discursos salvadores, mas que ao ascenderem ao poder, revelam-se tiranos.

5. “Camaradas!”, conclamou. “Não imaginais, suponho, que nós os porcos, fazemos


isso por espírito de egoísmo e privilégio. Muitos de nós até nem gostamos de leite e
de maçã. Eu, por exemplo, não gosto. Nosso único objetivo ao ingerir essas coisas é
preservar a saúde. O leite e a maçã (está provado pela ciência, camaradas) contêm
substâncias absolutamente necessárias à saúde dos porcos. Nós, porcos, somos
trabalhadores intelectuais. A organização e a direção desta granja dependem de nós.
Dia e noite velamos pelo vosso bem-estar. É por vossa causa que bebemos aquele
leite e comemos aquelas maçãs. Sabeis o que sucederia se os porcos falhassem em
sua missão? Jones voltaria! Sim, Jones voltaria! Com toda a certeza, camaradas”,
gritou garganta, quase suplicante, dando pulinhos de um lado para outro e sacudindo
o rabicho, “com toda certeza, não há entre vós quem queira Jones de volta. (p. 33).
Nesse trecho, temos a explicação dado pelos líderes da fazenda para o fato de as maçãs
e o leite estarem sendo de consumo exclusivo dos porcos. Contatamos com esse excerto que
os animais estavam envolvidos na ideologia elaborada pelos dominadores e veiculada no
discurso do seu representante, o porco Squealer. O porco utiliza-se de recursos que podem ser
nomeados como estratégias discursivas, que englobam desde as escolhas linguísticas, as
estruturas frasais, os tempos verbais, a entonação vocal e ainda a sua representatividade na
sociedade em que se encontra inserido, visto que, tanto a maneira, como a matéria do
discurso, dependem da posição social do locutor.
Faz-se uso de locuções interrogativas: “Sabeis o que sucederia se os porcos falhassem
em sua missão?” e imperativas: “Jones voltaria! Sim, Jones voltaria!”. Essa forma de
estruturar o discurso, utilizando os flashbacks, de acordo com Thompson (1998:373) reflete a
intenção ideológica do narrador. A experiência humana é histórica. Parece que
constantemente nos valemos de resíduos do passado para compreender a situação presente,
mas, nos diz Thompson (1998:360), os resíduos do passado “podem também servir para
esconder, obscurecer ou mascarar o presente”. Portanto, a ideologia se faz notar nesta
passagem com Squealer reportando-se a situações passadas. O narrador de Animal Farm
descreve que os animais, que não queriam que o antigo dono retornasse à fazenda,
silenciaram.
Neste mesmo fragmento, observamos como Squealer usa o recurso de registros
científicos como embasamento para o convencimento, justificando o fato de o leite e das
maças ficarem apenas com os porcos, os “trabalhadores intelectuais”. Dessa forma ele
manipula e convence os animais com justificativas baseadas na “ciência”, uma estratégia
discursiva que de acordo com Charaudeau (2009:54) “documentos e objetos que são exibidos
ou referidos funcionam como provas concretas”.

6. Graças à liderança do Camarada Napoleão, que gosto bom tem esta água! (p. 77)

Os discursos proferidos por Squealer, porta voz de Napoleon, eram constantemente


repetidos. Tudo fazia parte da propaganda pró-Napoleon. Ressaltamos que na obra, Squealer é
considerado um excelente orador e tem um poder de convencimento muito grande. Essa
contínua repetição é o fator mais importante para o sucesso da persuasão e, por conseqüência,
da alienação dos indivíduos, já que, com o passar do tempo, os outros animais acabam
sofrendo uma verdadeira lavagem cerebral. Todos os problemas que ocorriam eram
rapidamente apresentados como necessários para o bem de toda a granja e dos bichos.
7. Nenhum dos outros animais da granja chegou além da letra A. (p. 32)
8. Eu poderia lhes mostrar isso, escrito com a própria letra dele, se vocês soubessem
ler. (p. 68)
9. Ah, aí é diferente! , respondeu Sansão. Se o Camarada Napoleão diz, deve ter
razão. (p. 69)
10. Napoleão tem sempre razão. [...] trabalharei mais ainda. (p. 58)

Essas falas retratam o estado de alienação no qual os animais se evolveram. Os


fragmentos 9 e 10, que são falas do forte cavalo Boxer (Sansão), retratam a ignorância do
operário que, de forma cega, apoiava os seus dirigentes, não enxergando o que se passava a
sua volta. A massa alienada é representada pelas ovelhas que, sempre depois da fala de
Napoleon ou dos pronunciamentos de Squealer, repetiam por horas “quatro pernas bom, duas
pernas ruim” (p. 48). A representação de ovelhas se deve à docilidade desse animal
relacionando a sua total submissão.
11. Nenhum animal dormirá em cama com lençóis. (p.58)
12. Nenhum animal beberá álcool em excesso. (p.88)
13. Nenhum animal matará outro animal sem motivo. (p.75)
14. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros. (p.106)
15. Quatro pernas bom, duas pernas melhor! (p.106)
16. E assim prosseguiu a sessão de confissões e execuções, até haver um montão de
cadáveres aos pés de Napoleão e um pesado cheiro de sangue no ar, coisa que não
sucedia desde a expulsão de Jones. (p. 70- 71)

Os trechos acima (11 ao16) são mostras de como os princípios ideológicos, que
outrora levaram os animais a revolução e pregavam uma sociedade justa e igualitária, onde os
animais seriam livres de verdade, foram modificados. Isso se aplica a governos totalitários
que apareceram ao longo da historia da humanidade. Percebemos o tom satírico do narrador
ao contar que os animais gradualmente esqueciam o que lhe foi prometido.
Temos nos trechos citados alguns dos sete mandamentos modificados pelos líderes da
fazenda, agora os porcos. Quando os animais liam as alterações das regras que regiam suas
vidas, não se davam conta das modificações dos ideais, que, em algum lugar da memória,
haviam perdido. Fica claro como as estratégias ideológicas modificaram a imagem da
realidade.
17. Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvida,
agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora
olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco
para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem
era porco. (p. 111-112)

Porcos e homens ocupavam nesse momento a mesma posição, uma vez que seu
discurso ideológico era o mesmo. Depois dos ideais da revolução terem sido modificados,
deu-se lugar a uma nova realidade de opressão, com a diferença de que agora eram os
próprios porcos que subjugavam seus semelhantes. O ideal de igualdade entre os bichos fora
redirecionado para uma situação de desigualdade entre eles.
Os porcos torvaram-se iguais àquilo que tanto criticavam – os homens. Realizavam a
mesma dominação e mal que antes eram atribuídos ao homem. A relação entre classe
dominante e classe dominada se mantém presente. O meio social torna-se um local de
exclusão e inclusão onde as classes menos favorecidas são ludibriadas pela ideologia
dominante da classe privilegiada.
Percebemos, nesse ponto do nosso trabalho, que Animal Farm reflete os meios pelos
quais a ideologia se sustenta nas relações sociais e como ela se fixa entre as personagens. Os
animais não percebam que a estão progressivamente sendo “envolvidos” em suas tramas
ideológicas. Tal ideologia se estabelece através do discurso como meio de manipulação e
controle dos dominantes sobre os dominados. Os animais da fazenda se encontram em
aprisionados em construções lingüísticas, por assim dizer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra Animal Farm, como vimos, pode ser tratada como uma alegoria da Revolução
Russa e uma crítica a todo tipo de totalitarismo. Nos dois casos temos discursos que
apontavam para a transformação para o surgimento de uma sociedade alicerçada na igualdade
e liberdade. Porém, em ambos os casos, encontramos uma distorção desse ideal para dar lugar
ao medo e a atrocidades.
Orwell era envolvido nos acontecimentos políticos de seu tempo; lutou em guerras e
foi partidário do comunismo. Dessa forma, percebemos claramente elementos políticos e
ideológicos em sua obra. Esses elementos nos convidaram para uma análise mais profunda
dos discursos e lutas ideológicas presentes em Animal Farm. Pelo discurso ficcional, a obra
de Orwell retrata a realidade na qual está inserida, e percebemos que ela vai além da ligação
com o contexto histórico.
Procuramos mostrar os principais pontos onde a ideologia se faz presente no livro.
Através da tremenda habilidade com que Squealer faz uso da linguagem e da ingenuidade dos
outros animais, vemos que a realidade vai sendo moldada sem que os animais percebam. A
ingenuidade dos animais se reflete na falta de consciência destes a respeito da compreensão
dos fatos, no entendimento das palavras e no reconhecimento das ambições dos líderes da
fazenda, por exemplo.
Em vários pontos de Animal Farm é possível encontrar elementos ideológicos: nas
lutas de classe, nas relações de poder, nas resistências e na alienação, por exemplo. Mesmo
que de maneira breve e não abarcando a totalidade dos elementos discursivos do texto, com
base nos estudos da análise do discurso, apresentamos o maior número de informações
possíveis sobre a ideologia presente no texto literário.
Desde o início da obra co o discurso do porco Major e passando pelos sete
mandamentos e pela propaganda pró-Napoleon e dos discursos de Squealer, a questão do
poder e da dominação perpassa a linguagem. A revolução e a vitória de Napoleon não teriam
acontecido sem o controle exercido através da trama discursiva dos personagens que estavam
no comando. Animal Farm nos mostra os meios pelos quais a ideologia sustenta as relações
sociais.
A ideologia se manifesta nos discursos e se estabelece como um recurso para a
manipulação dos personagens subordinados. Podemos dizer que estes são controlados por
armadilhas da linguagem. Os animais foram incapazes de identificar as estratégias ideológicas
nas entrelinhas. A linguagem pode ser considerada um dos mais sutis elementos de coerção
social.
Acreditamos ter realizado um relevante trabalho, à medida que procuramos analisar as
nuances ideológicas contidas nos discursos do texto como meio de se alcançar o poder e
assegura-lo. Tudo isso se dá através da linguagem, a qual está diretamente relacionada ao
desenvolvimento humano.
O conhecimento teórico apresentado nesse trabalho nos possibilitou afirmar que o
discurso é o meio pelo qual a transmissão ideológica acontece. E, além disso, vimos que o
discurso é parte constituinte do indivíduo. Vimos, portanto, como isso se deu em Animal
Farm. Os discursos dos porcos influenciaram os outros animais e estabeleceu uma ditadura.
Esperamos termos encontrado, mesmo que de forma incipiente, uma resposta satisfatória à
nossa questão de pesquisa. Esperamos, também, termos construído um entendimento de
leitura por parte dos nossos leitores.

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