À Cabeça Carrego A Identidade

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À cabeça carrego a identidade*: o 

orí como um
problema de pluralidade teológica
João Ferreira Dias
Investigador do Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa. Este texto é dedicado a José da Silva Horta, pela orientação. E-
mail: [email protected]
 
 

RESUMO
O presente artigo pretende observar o sentido do orí, a cabeça, entre
os yorùbá da África Ocidental, dando conta do complexo problema de
natureza teológica subjacente à pluridimensionalidade discursiva dentro de
um quadro cultural descrito como yorùbá, quadro esse que compreende a
diáspora afro-brasileira com o Candomblé. Tal pluridimensionalidade - em
matéria de predestinação, fabricação e natureza do orí e, bem assim, pela
diversidade de entidades religiosas para as quais o bọrí, o ritual de
alimento à cabeça mítica, se realiza - se inscreve na dimensão proposta
por Berliner e Sarró de aprendizado e transmissão religiosas.
Palavras-chave: orí - predestinação - yorùbá - Candomblé - complexidade
teológica

ABSTRACT
This article intends to observe the meaning of orí (the head, among
the Yorùbá people of West Africa). The orí will be the point of departure of a
theological complex problem, which expresses plural discourses in the middle of the
so-called Yorùbá framework; in fact, a framework where Afro-Brazilian Candomblé
takes an important role. Such pluridimensionality is an "all-in-one" in the matter of
orí: predestination, fabrication and nature of orí, and the plurality of religious
entities quoted in the bọrí - the ritual of 'feeding' the mythical head. Thereby,
dealing with plural discourses in a same and specific matter means dealing with the
idea of learning and transmission of religion, as presented by Berliner and Sarró.
Keywords: orí - predestination - Yorùbá people - Candomblé - theological
complexity

 
 
O que fica do que passa

Não é por acaso que Stephan Palmié começa o seu artigo, "O trabalho cultural da
globalização iorubá",1 por perguntar se Samuel Johnson era, de facto, yorùbá, na
medida em que Johnson não passou, ipso facto, de um Sàró cristianizado que
somente em retrospetiva é passível de ser entendido como yorùbá, uma vez que
toda a sua vivência foi pautada pela cristianização dos povos falantes da língua
de Ọ̀yọ́ e suas derivadas e similares. Como Palmié demonstra, a partir do caso
dos Lucumí de Cuba, a pergunta é de extrema importância, na medida em que a
"iorubidade" (como ele chama) ou a "yorùbánidade" em termos nossos, é de facto
resultante de um processo intenso de laboração intelectual e, naturalmente, de um
processo de alteridade2 que infere na constituição do "eu" yorùbá, quer face aos
seus vizinhos africanos, quer face aos missionários cristãos, islâmicos do norte e
povos de destino da trata de escravos. Enquanto pastor da Church Missionary
Society (doravante CMS), Samuel Johnson observou e formulou a
identidade yorùbá em função de uma utopia cristã. Jamais foi seu intento construir
uma identidade africana em torno de padrões religiosos autóctones. Como J. D. Y.
Peel3 bem denota, a agenda político-cultural-religiosa de Samuel Johnson era fruto,
também, da necessidade de um africano cristão se sentir em casa numa terra da
qual os seus pais haviam sido levados como escravos. Johnson era um estranho na
sua terra ancestral.
Mas Samuel Johnson não é caso singular. Samuel Ajayi Crowther deve ser descrito
nos mesmos moldes. O primeiro bispo anglicano africano foi, a par de Johnson,
um proto-yorùbá, na verdade um Sàró inscrito no imaginário yorùbá pelo mesmo
processo de Johnson (a que Arthur Danto chama de "alinhamento retrospetivo" 4).
Educado em Inglaterra, Crowther é celebrado como um yorùbá, hoje em dia.
Todavia, tal como o seu contemporâneo Johnson, Crowther foi um missionário
cristão em terras africanas que, por mero acaso, era também africano.
Com Vocabulary of the Yoruba Language de 1843, Crowther dá um impulso
significativo à assunção do termo yorùbá como designador de identidade. Todavia,
o processo que o termo haveria de tomar nada teria a ver com os propósitos da
CMS. A "comunidade imaginada" 5 que Sigismund Köelle6 também preconizava, e
que, no fundo, era a aspiração da CMS, era dimensionalmente diferente do que
esta se tornaria. Uma Roma africana enquanto projeto ideológico estava muito
distante da intensa dinâmica das sociedades proto-yorùbá e daomeanas. Em
derradeira análise, a CMS teve o condão de dar o mote a um projeto de
reconfiguração identitária africanista (num sentido de valorização do "eu" africano).
O velho Eyo Country7 dá lugar ao território yorùbá. Aos poucos, as populações vão
assumindo para si essa nova identidade, cuja longa marcha Peel 8 bem palmilhou, o
que torna desnecessário o ato de caminhar sobre as mesmas pegadas.
A meios de todo um intenso processo de autopercepção e autofabricação, foi-se
dando uma maturação cultural comumente descrita como lagosian renaissance9 que
se expressava em contraponto com o avanço do Cristianismo e dos ideais da CMS,
ou seja, pela valorização da negritude e dos seus aspetos mais expressivos: os
trajes, a gastronomia, a língua e, necessariamente, a religião. É precisamente
quando o Império de Ọ̀yọ́ era já inexistente - Matory chama-lhe com sentido
poético de "O Império que já não é" (tradução do autor) - que a valorização do seu
ideal melhor se expressa. A nostalgia por uma "idade de ouro" em boa medida tão
utópica quanto o referencial cristão face a Jerusalém, 10 reflete bem, em todo o
caso, a procura por uma identidade alternativa em que a alteridade estava bem
patente.
Todavia, o que aqui importa, reconhecendo a construção histórica da
identidade yorùbá, é observar que tal se fez acompanhar de um processo análogo
em relação à religião. Ou seja, importa ter presente que o que constitui a "religião
tradicional yorùbá" é, na verdade, uma "tradição inventada", no verdadeiro sentido
hobsbawmiano.11 Dessa forma, o presente trabalho pretende dar conta de uma
pluralidade discursiva, no constante face ao orí, elemento de vitalidade religiosa em
ambos os lados do Atlântico. Tal pluralidade discursiva esbarra em certa tradição
quer académica quer presente no discurso das comunidades religiosas yorùbá-
descendentes, que é a ideia de que a ẹ̀sìn ìbílẹ̀,12 a "religião tradicional" nos termos
de Matory,13 oferece um discurso coerente e conceptualmente unitário. 14 Observar-
se-á tal facto a partir do complexo problema do orí, cujos contornos poder-se-iam
inscrever como neotradicionais.15 No seio do imenso diálogo necessário, procurar-
se-á dar resposta à questão: "Afinal, para quem é o bọrí?". Tal pergunta é, pois,
uma alegoria para a já mencionada pluridimensionalidade discursiva própria de
uma religiosidade dinâmica e fluida.
 
A vasilha da identidade e o complexo discurso teológico

A constituição de um discurso religioso que padroniza e tipifica a religião,


arrumando-a como paradigma unitário, tem um sentido ideológico e político mais
importante do que a própria unidade em si mesma. Como Berliner e Sarró 16 fizeram
questão de salientar, a religião é um produto cultural que se transmite e
aprende/apreende. Ora, nos discursos de constituição de identidade, quer cultural
quer religiosa, a transmissão de conteúdos é o veículo de consolidação de tradição
(reconhecendo-se o primado de Hobsbawm e Ranger). No caso yorùbá, tem
particular interesse tal assunção. A constituição da "religião tradicional" (enquanto
projeto político e cultural do renascimento lagosiano) pressupõe a veiculação de
um determinado conjunto de princípios religiosos que se constituem como
alinhamentos sincrónicos que globalizam determinados localismos em
detrimento de outros. Este rearranjo tem naturalmente uma função
política: dar coerência e unidade a um contexto cultural só em
parte realmente unitário. A duplicidade do processo - constituição de
"comunidade imaginada" e "invenção de tradição" - espelha bem o
tamanho da engrenagem posta em marcha. A apropriação da figura
de Odùduwà com um propósito de unificação identitária faz parte da
retórica histórica da "yorùbánidade", diante dos antagonismos culturais e
políticos, criando uma verdadeira "farsa", para usar os termos de
Adésọjí.17 Todavia, importa notar que essa "farsa" foi, na verdade, um
instrumento político e cultural poderoso numa época em que uma
sociedade diametralmente oposta parecia querer erguer-se.
A Egbé Ọmọ Odùduwà, fundada, em 1948, por proeminentes figuras da
contemporaneidade histórica yorùbá, como Chief Obáfẹ́mi Awólọ́wọ̀, um
dos founding fathers da Nigéria, é exemplo tardio da importância que o discurso
unitário teve para a história moderna da região; e o papel jogado pela figura
mitológica de Odùduwà, explorada ao máximo com esse propósito unitário, não
pode ser negligenciado. Ainda na esfera política mas numa outra dimensão, mais
local, vale a pena citar os bardos reais de Ọ̀yọ́, os Arọ̀kin, e o seu papel na
valorização nostálgica da identidade do alafinato, assunto notavelmente analisado
por Paulo de Moraes Farias.18
Mas a constituição unitária yorùbá não é independente da religião, ou melhor, de
uma instrumentalização dos costumes religiosos autóctones, agora endereçados
como "religião tradicional"; uma valorização de costumes religiosos que haviam
sido obscurecidos e desvalorizados por uma longa tradição literária cristã, dos quais
se pode citar Baudin19 e Borghero,20 a título de exemplo, contemporâneos deste
processo de elaboração proto-yorùbá. Essa valorização da tradição africana nativa
tinha nas velhas divindades importante vetor. Como refere Matory: "Ífá, Odùduà
e Ṣàngó assumem lugar central em qualquer discussão, no século XX, acerca das
tradições coletivas, culturais e políticas Yorùbá" (tradução do autor).21 Impera
reforçar a ideia de que não é por acaso que são essas as divindades citadas.
Começando em ordem inversa, Ṣàngó, divindade do fogo e trovão, representa a
linhagem imperial de Ọ̀yọ́, cidade-símbolo do velho paradigma cultural que serviu a
Johnson de modelo realinhado. Òduduwà é o símbolo máximo da unidade política e
cultural yorùbá, considerado progenitor de todos os reis yorùbá e fundador da
cidade-santa de Ilé-Ifẹ. Dessa perspetiva, Odùduwà é a figura mitológica mais
exacerbada e instrumentalizada do imaginário yorùbá, não sendo possível
dissociar Odùduwà de "yorùbánidade". Por fim, Ífá, divindade e sistema religioso-
divinatório sobre o qual se depositará a atenção ao longo do presente trabalho. Não
se nega que outras divindades são amplamente importantes, de acordo com
experiência direta com a realidade religiosa yorùbá, como
sejam Ọbatálá, Ọ̀ṣun, Ògún e Yèmọnjá. A escolha de Matory revela bem o alcance
político tomado pelas divindades, verdadeiras bandeiras de uma cultura negra e
valorizável. A nostalgia tornou-se um sentimento contrastante com uma
modernidade oferecida pelo Cristianismo. Todavia, ao contrário do proposto por
Parrinder,22 os cultos dos Òrìṣà não ficaram confinados a um modelo rural (mesmo
que seja aí que mais amplitude tenham) mas, nesta dialética de valorização de
africanidade, fruto do já citado renascimento de Lagos, souberam encontrar o seu
espaço no tecido urbano, apesar de ser na cidade que o Sistema de Ífá mais opera.
No entanto, as cidades não estão despidas de religiosidade autóctone, ao ponto de
Jacob Olupọna23 falar em "religião civil" em relação à deusa do rio com o mesmo
nome, Ọ̀ṣun. Nesse sentido, nem as aspirações da CMS nem as previsões de
Parrinder se revelaram reais. Festivais como Ìwúdé, Árgúngún, Ọ̀ṣun ou Gẹ̀lẹ̀dẹ́ têm
assistências de milhões de espetadores e centenas de participantes, o que é um
sinal de que os padrões religiosos autóctones não desapareceram, permanecendo
parte ativa e importante da identidade local e supralocal no espaço da yorùbáland.
Fica, pois, claro que a construção histórica da identidade cultural e
religiosa yorùbá se tratou essencialmente de um exercício de laboratório político-
ideológico, que preconizava o reconhecimento dos valores e costumes entendidos
como "tradicionais" em função do caráter novo que o Cristianismo - particularmente
este, na medida em que à época o Islão era assumido como parte da identidade
cultural da região, bastando recordar Matory quando cita que o Islão entre
os yorùbá era "tão antigo quanto a vida" (tradução do autor)24 - apresentava. Se,
no nível retórico, de facto, a afirmação de uma identidade unitária parecia clara e
inequívoca, a realidade era, contudo, outra. A pluralidade identitária marcada pelos
nacionalismos locais tornava o exercício de homogeneização uma realidade parcial.
Se Portugal, a título de exemplo, com as suas fronteiras definidas desde 1249,
sendo o mais antigo país europeu, mantém vivos os traços regionalistas, jamais um
país africano composto de trinta e seis estados, fundado em 1960, poderia suprimir
séculos de assimetrias e regionalismos. A "yorùbánidade" é um guarda-chuva
teológico e cultural para a pluralidade interna. Nesse sentido, reconhece-se
operatividade ao pressuposto de Ilénsamí:
A heterogeneidade, mais do que a homogeneidade, enquanto facto histórico,
conduziu os vários grupos linguísticos 'Yorùbá' a observarem-se a si mesmos muito
mais como identidades separadas do que como um todo nacional. Se eram
historicamente heterogéneos, poderiam ser religiosamente homogéneos? (tradução
do autor).25
A heterogeneidade é então um dado fundamental da identidade cultural, política e
religiosa dos povos descritos como yorùbá. Ignorar tal facto é metodologicamente
perigoso e representa uma má avaliação da realidade do objeto de estudo. Essa
pluralidade jamais se poderia traduzir numa homogeneidade religiosa. A
diversidade discursiva, no fundo uma diversidade conceptual, é, pois, fruto das
significações locais que acompanham a noção de transmissão de conhecimento
religioso, o qual produz diversas leituras. Essa pluralidade religiosa, que enfoca,
então, as dimensões e matizes locais e familiares e que simultaneamente espelha a
plasticidade dos elementos religiosos e culturais em causa, está presente no orí e
seus paradigmas adjacentes, i.e., a predestinação e a celebração do mesmo. A
unidimensionalidade que subjaz a priori na concepção do orí, dilui-se à medida que
vai se tomando o objeto nas suas dimensões várias. Se, en passant, esse pode ser
considerado assunto transparente, sem nódoa teológica e sem contornos menos
nítidos, vale a pena desmistificar uma verdade axiomática que é, no fundo,
falaciosa. Não apenas no interior da identidade autóctone yorùbá mas também, e
talvez acima de tudo, na esfera afro-brasileira do Candomblé.
A densidade temática começa com a definição do sujeito na linguagem
religiosa yorùbá. Mesmo sabendo que, lato sensu, o sujeito é composto por corpo
(àrá), cabeça (orí) e espírito (ẹ̀mí), surgem ainda o coração (ọkàn), concebido
como portador de conhecimento, o que equivale a uma herança europeia expressa
em francês por savoir par cœur; as pernas (ẹsẹ̀), os joelhos (orúkún), os dedos
(ìka ẹsẹ̀), a canela (ojúgun), a planta do pé (àtẹ́lẹsẹ̀), a boca (ẹnu); enfim, uma
pluralidade de designações, quantos são os elementos corporais conhecidos. Isso
para já significa que há, na verdade, uma diferença entre a concepção física do
sujeito e a concepção metafórica, facto que importa bastante ter presente.
Enquanto o avanço científico desdobra as designações físicas e força a
língua yorùbá a acompanhar os objetos a definir/designar, o discurso religioso,
simbólico e metafórico, mantém as categorias de base: há um corpo, um elemento
imaterial que é o componente da vida, e a cabeça, portadora de identidade e
vasilha do destino,26 o que seria muito cristalino se, no desdobramento filosófico da
identidade do sujeito, não tivessem sido acrescentadas as pernas, símbolo do seu
empenho e da sua perseverança. 27 Pode, de facto, tratar-se de uma simples
introdução conceptual ao universo simbólico yorùbá, todavia, a introdução de dados
novos representa uma nova perspetiva, uma dinamização do fenómeno religioso
que por si só constitui uma alteração paradigmática, e que, mais uma vez, espelha
a plasticidade religiosa. Introduzir as pernas como elemento de natureza teológica
é assumir para o elemento físico uma nova dimensão para além de si mesmo.
Dessa forma, o sujeito yorùbá passa a ser constituído de corpo, elemento imaterial,
cabeça e, em alguns discursos, de pernas como símbolo individualizado de
determinação. Para já não há um discurso hermético e canonizado, mas, antes, a
esperada pluralidade discursiva dinâmica e dialogante. O confronto entre o ideal
unitário e a realidade plural ganha novo contributo.
Que a cabeça é a vasilha da personalidade e do destino (ìpin) e é composta pelo orí
odè (cabeça exterior) e orí inú (cabeça interior ou mística 28), é tema corrente na
literatura sobre o assunto. Sabe-se também que há um orí bom (olórí rere) ou mau
(olórí burúkú), i.e., que se é portador de um destino favorável ou
penoso.29 Todavia, o que é já revelador da dificuldade em encontrar uma ortodoxia
religiosa yorùbá é a forma como o destino se expressa no sujeito, i.e., se lhe é
atribuído ou imposto.30 Esse dilema é apenas parte de um intenso problema de
natureza filosófico-religiosa, o qual abordámos em trabalho anterior 31 e que outros
autores já endereçaram vastamente. Tema, todavia, menos explorado é a questão
da personalidade humana como algo passível de ser exterior ao orí e ao ìpin, pesem
embora os trabalhos de Fayemi32 e Oluwole,33 dedicados à questão do caráter e da
personalidade como agentes per se, argumentos em que o livre-arbítrio atua como
fator de sucesso ou insucesso, seguindo a trilha de Abiodun. 34 Segundo esses, a
educação escolar e, acima de tudo, a educação para a cidadania (ou para o que se
poderá chamar de "capacitações sociais" enquanto ferramentas de socialização)
agem como orientadoras do sucesso e referenciação social do sujeito. Tudo isso
ligado ao conceito de Ìwà Pẹlẹ, desenvolvido por Wándé Abimbólá.35 Apesar da
variedade citada, a verdade é que as questões da predestinação e da natureza
do orí permanecem como centrais no debate da identidade do sujeito entre
os yorùbá, ficando esses trabalhos como reflexões de natureza filosófica, sobre (no
sentido anglo-saxónico de upper) os primados anteriormente referidos. A
diversidade conceptual reforça a já largamente mencionada pluridimensionalidade
religiosa autóctone que traduz a dinâmica dos localismos.
Não obstante a vasta literatura sobre a questão do destino ou da
predestinação yorùbá, que começa essencialmente com Idowu,36 há aspetos que
merecem uma nova atenção. Como começo de diálogo, importa fazer a súmula de
que há uma concepção mais ou menos aberta de que o destino é atribuído ou
imposto ao sujeito (o que per se são visões díspares) e que ele deverá cumprir na
sua vida terrena; de que o orí é o portador desse destino e é entendido como
um Òrìṣà individualizado. Em linhas vagas, é isso que a teologia do orí diz. Todavia,
da nossa experiência de campo, há um fator que adensa a problemática do destino
entre os yorùbá e que tem a ver, em parte, com a tradução linguística. Segundo
Adekanmi, entrevistado em 2011, há uma distinção entre destiny (destino)
e fate (fado), ou seja, entre ìpin e àyànmọ́.37 A terminologia inglesa é aqui
particularmente importante. De acordo com o Dictionary of yoruba language,
publicado em 1918 pela Church Missionary Society (CMS), que constitui edição
revista do original publicado por Samuel Ajayi Crowther e que contou com a
colaboração do reverendo yorùbá (segundo um já mencionado alinhamento
retrospetivo) T. A. J. Ogunbiyi, o termo destiny é traduzido
para yorùbá por opin, nkan, tabi e ẹ´nikan, ao passo que ìpin é traduzido
por portion (porção). Tal facto é particularmente interessante, uma vez que
nenhum dos termos usados para traduzir destino faz parte da linguagem e da
literatura corrente sobre o assunto. 38 Ademais, tal tradução é particularmente
significativa, uma vez que nos conduz perfeitamente à ideia de que ìpin é a porção
de energia que cabe a cada sujeito e/ou da porção individual do destino coletivo (o
que comporta em si já um sentido judaico-cristão de destino universal), ambos
podendo caber na definição de orí. Ou seja, a parte de um todo que é o destino
coletivo da humanidade. Os conflitos linguísticos face à literatura corrente sobre o
assunto não se encerram aqui. Em relação a fate, esse sim surge traduzido, no já
mencionado dicionário da CMS, por ìpin, opin, idarisi e iku. Parece claro estar-se
diante de uma conjugação entre destino e fado, ou, nos termos ingleses, "algo que
está talhado a acontecer a uma coisa ou objeto como pré-concebido" e
"determinação individual", o que reforça a ideia de porção.39 Observe-se
agora àyànmọ́ no citado dicionário da CMS, em que é traduzido por fate ou destiny,
remetendo in situ para a observação do termo àbáfù. Fado e destino mantêm a
cumplicidade. Ora, na observação do termo àbáfù, surge a tradução inglesa
de luck (sorte), fortune (fortuna), fate (fado), oferecendo o exemplo de àbáfù mi
ni, i.e., "it is my fate" ("é meu fado").

É notório, no presente caso, o claro exercício de alinhamento cultural que as


traduções implicam. Traduzir categorias é traduzir concepções do mundo e, nesse
sentido, há sempre uma natural perda de matéria ou conteúdo das cosmovisões de
partida, a meio de tal exercício. Estabelecem-se pontes, todavia, sobre alicerces
frágeis. Tal facto deixa-nos sempre acantonados às possibilidades mais do que às
realidades ou, por outras palavras, fica-se sempre limitado às interpretações a
partir de um manual de códigos culturais, não raras vezes inoperatórios. Tal
assunção é ainda reforçada pelo contexto em que as traduções ocorrem: a CMS.
O background cristão e os religious encounters40 não podem ser desprezados.

Se já se dispõe de algumas evidências de que uma matriz religiosa yorùbá é tão


falaciosa quanto a ideia de um Cristianismo, a nossa interpretação adensa-se com
os comentários de Adekanmi, segundo o qual "ìpin é a testemunha do orí, ìpin é a
testemunha do nosso fado, aquilo que nos deverá acontecer na vida" (tradução do
autor). Ora, até aqui, ìpin era a porção do destino coletivo individualizado, o destino
pessoal. Segundo Adekanmi, praticante da religião yorùbá e apelidado de
"conhecedor da tradição", na linguagem dos seus conterrâneos, o ìpin tem natureza
antropomórfica ou pelo menos espiritual por subjetivação. Ìpin deixa de ser
o destino para ser a testemunha daquele, colando-se a Ọ̀rúnmìlà/Ífá, divindade e
sistema de adivinhação, simultaneamente, pese o facto de
Ilésanmí41 considerar Ọ̀rúnmìlà não como divindade mas, antes, como o criador do
sistema de adivinhação conhecido como Ífá (que será observado adiante). Tal
postulado é particularmente significativo, atendendo à tradição de divinização do
sistema e da sua divindade, com todo um corpus mitológico bem estruturado. A
humanização do método divinatório representa toda uma outra historização da
identidade religiosa yorùbá e, não menos importante, um sério problema de
natureza teológica, questão que requereria uma investigação de fôlego, envolvendo
a história (essencialmente oral), a antropologia, a filosofia da religião e a teologia,
sem o garante, contudo, de conclusões necessariamente objetivas. Retomando o
diálogo com Adekanmi. Perante sua afirmação de que ìpin é a testemunha do
destino, facto que, como visto, conduz à ideia de Ọ̀rúnmìlà, coube-nos
contrainterrogar com um epíteto da divindade (agente criador do método?), "Elerin
ìpin?", ao qual Adekanmi deu a resposta:
Eleri significa testemunha, eleri ni ìpin significa que ìpin é uma testemunha; por
exemplo, se você estiver numa situação que necessita de uma solução, mas você
não a conhece ou não a tem, o orí poderá ajudá-lo ligando-o a uma pessoa,
acidentalmente, uma vez que é seu destino, e será essa pessoa que você encontra
que providenciará a solução. Essa pessoa que você encontra tornar-se-á na
testemunha do seu destino na
vida. Ìpin é fado enquanto destino é àyànmọ́ (tradução do autor).
Constata-se que o interlocutor observa a ideia de ìpin numa dupla função, ao
mesmo tempo em que dá uma amplitude de ação considerável ao orí, fazendo dele
um agente religioso de alguma forma externo à nossa vontade. Por um lado, ìpin é,
então, o agente que testemunha o nosso destino podendo tomar parte ativa nele
ou não, ao mesmo tempo em que o ato de testemunhar está também ligado à
divindade Ọ̀rúnmìlà; de outro modo, ìpin é o nosso fado, ficando destino definido
por àyànmọ́, com todas as particularidades de acontecimentos exógenos mas que
encaminham o sujeito num determinado sentido. Porém, como visto a partir do
dicionário produzido pela CMS, os termos não se separam claramente. Nas ligações
entre orí e ìpin, i.e., na forma como o "bom" e o "mau" orí condicionam o decurso
de vida do sujeito, o nosso interlocutor afirma, perante a questão "Mas nós
podemos mudar nosso destino ou ele já está predeterminado?", que,
[...] a sorte percorre diferentes caminhos para assistir nossas orações. Por
exemplo, duas pessoas do mesmo sexo, idade, educação, poderão não alcançar o
mesmo sucesso por causa do seu orí, o seu fado encarregar-se-á das suas chances
e oportunidades. O destino não pode ser alterado, mas pessoas mal-intencionadas
poderão atrasá-lo, por essa razão devemos potenciar o nosso destino por meio de
sacrifícios, orações e meditação (tradução do autor).
A sorte ou a fortuna entram, então, no diálogo sobre o destino. O que equivale a
uma abertura relativamente à possibilidade de alterar ou não o destino, facto que
varia de sacerdote para sacerdote e de autor para autor. Nesse sentido, tal
constatação não é de somenos importância. Compreendendo que o debate se
inscreve no coração da teologização do pensamento yorùbá ou, por outras
palavras, a constituição de um complexo de "padrões de pensamento
religioso",42 importa ter presente que alternativas teológicas correspondem a
diferentes concepções de mundividências, o que equivale a dizer que não há uma
unidade dogmática/doutrinal.
O problema adensa-se ainda mais ao observar-se, por exemplo, a obra
do bàbáláàwó (sacerdote de Ífá) norte-americano Philip Neimark, The Way of the
Orisa. Reconhecendo, contudo, que sua explicação sobre o problema resulta de um
processo de reflexão teológica, há nele interessantes postulados para a observação
do problema. De acordo com o sacerdote e autor, o destino do sujeito pode ser
dividido em três partes complementares: àkúnleyan (que Salami diz ser aquilo que
é escolhido de joelhos), como sejam os pedidos feitos pelo sujeito na casa
de Àjàlá (divindade oleira que fabrica os orís), i.e., o número de anos de vida,
número de filhos, tipos de relacionamentos, etc.; àkúnlègbà, que será o ambiente
fornecido para o cumprimento do destino, como o caso de alguém que deseja
morrer de doença seja-lhe concedido nascer num período de epidemia geral; em
contrapartida àyànmọ́ é aquilo que não é possível ser alterado. 43 Também Neimark
nos remete, com àyànmọ́í, para algo inalterável, ao passo que os outros dois
elementos, segundo o autor, são mais permeáveis à mudança por ação do sujeito.
Não restam, portanto, dúvidas quanto à complexidade do problema. Outros autores
já o fizeram notar. Todavia, se ao problema forem subtraídos quaisquer usos
políticos, parece-nos por demais evidente que há uma problematização filosófica e
teológica que não permite falar-se em apenas uma visão, teoria ou doutrina.
Ademais, importa ter presente que boa parte das questões de natureza filosófica e
teológica relativa à religião yorùbá têm no Sistema de Ífá a sua morada. Como se
sabe, o Sistema de Ífá é herdeiro da geomancia dos povos islamizados do norte,
como os haúça. O problema histórico da interpenetração do Islão africano e da
religiosidade yorùbá é antigo, e Parrinder44 e Matory45 já fizeram uso do assunto.
Ora, o problema que se prende com o unitarismo religioso yorùbá é a tendência
metodológica (no mínimo perigosa, no máximo sectária) de observar os postulados
do Sistema de Ífá como absolutos para a experiência religiosa yorùbá. Esse é um
erro grave que os estudiosos da religião yorùbá, por vezes, tendem a fazer
prevalecer. Fazemos nossas as palavras de Ilésanmí:
Se a teoria de Ífá se consubstancia nas práticas atuais por toda a Iorubalândia,
então justificar-se-ia afirmar que [o Sistema de] Ífá serviu como modelador de toda
a vida sociorreligiosa dos Yorùbá, ab initio. Mas não foi o caso (tradução do
autor).46
Fica o lamento por Ilésanmí não ter levado a sua inflexão até aos limites da
religiosidade yorùbá. Contudo, o problema está expressamente enunciado. O
Sistema de Ífá é, tão somente, um dos vários segmentos religiosos do espaço
conhecido por yorùbáland. Não exclui nem encerra em si a identidade
religiosa yorùbá, ainda que tal ideia se tenha perpetuado e promovido,
nomeadamente pela amplitude dos trabalhos de Wándé Ábímbọ́lá, entre outros.
Toda a formulação teórica em torno das divindades em contextos locais, ligados ao
sacerdócio das divindades, representa formas alternativas de constituição de saber
religioso e de tradição popular, que fica fora das fronteiras de Ífá, um sistema
religioso mais hermético e que opera com categorias de tradição
judaicodescendente, nomeadamente a ideia de ser supremo, expresso ali
em Olódùmarè.47 A ideia de unitarismo religioso yorùbá influenciou trabalhos como
o de Juana Elbein dos Santos, 48 alicerçado, sobremaneira, nos postulados do
Sistema de Ífá e num pensamento estruturalista que pouco operatório se mostrou,
ao agrupar divindades nomeadamente em "da esquerda" e "da direita", sem
expressar à esquerda ou à direita do quê tais estão (ficando-se imediatamente com
a sugestão do imaginário cristão de "à direita do Pai").
 
Para quem é o bọrí? Diversidade teológica yorùbá e afro-
brasileira
Partindo-se de Juana Elbein dos Santos, entra-se na ponte entre o
imaginário yorùbá e o afro-brasileiro, ponte levantada por um saudosismo
africanista (uso especialmente quando o termo é associado a "saudosismo") no seio
da comunidade candomblecista desde meados dos anos de 1930, altura em que os
conceitos de "pureza" e "degeneração" começam a surgir no discurso dos terreiros
da Bahia. Continuando a fazer do orí o nosso objeto de estudo, pretendemos
observar o problema do bọrí, a cerimónia de alimento à cabeça mística, em ambos
os lados do Atlântico. Procurando entender para  quem é celebrado
o bọrí (que é o mesmo que perguntar quem molda/fabrica os  orís) inferir-
se-á a sua dimensão teológica, sempre sob a necessária ressalva de que
não se buscam essencialismos religiosos - que tendem a correr em direção
à unidimensionalidade discursiva -, mas, antes, se reconhecem os plurais
entendimentos, resultantes necessariamente do aprendizado religioso, nos
termos já mencionados de Berliner e Sarró.
Apesar de não alinhar com a afirmação de Palmié 49 de que Idowu é um
teólogo yorùbá, considerando-o, antes, como um teólogo cristão-metodista
em contexto cultural yorùbá, o que será amplamente diferente, importa
observar o que o pastor e autor registou sobre a questão do destino e
do orí. Preocupado com questões de natureza cristã em contexto africano,
Idowu observou o orí como a alma do sujeito, amplamente ligada
a Olódùmarè:
É premente reenfatizar a ligação entre  orí, a essência do ser e Òrìṣè, a
"cabeça-origem" do sujeito. Òrìṣè é Olódùmarè Ele mesmo, como já
notámos. O orí que é a essência da personalidade, a personalidade-alma do
Homem, deriva diretamente de Olódùmarè cuja única prerrogativa é
colocá-lo (orí) no Homem, porque Ele é a inesgotável força da vida. Isso
significa que sem Ele não há existência (tradução do autor).50

Em Idowu, não restam quaisquer dúvidas de que o orí começa e termina no


ser supremo Olódùmarè, apropriado do Sistema de Ífá. Contudo, Idowu
não exclui da sua análise os sacrifícios ao orí, mesclando discurso
evangélico com análise etnográfica. Curioso facto é que adiante Idowu irá
falar no orí como o "anjo da guarda" do indivíduo e conteúdo do destino, razão
pela qual ele deve ser alimentado. Tem-se, mais uma vez, uma coabitação entre
princípios religiosos distintos, a partir de um processo de uniformização narrativa,
na verdade plástica, que não apaga a pluralidade discursiva. Em suma, em Idowu,
o orí é fabricado por Olódùmarè e é simultaneamente o contentor do destino e da
personalidade e o "anjo da guarda" do sujeito, sendo que os sacrifícios
envolvem obí (kola), peixe, e, por vezes, animais sacrificados, pelo que o obí é
colocado na fronte por onde o sangue será derramado. Balogun 51 refere que
os orís são moldados por Olódùmarè, embora reconheça uma tradição alternativa
que fixa Àjàlá como o oleiro, pese o facto de lhe atribuir personalidade menos
positiva. A duplicidade doutrinal reflete a pluralidade de interpretações, que
se adensam quando observa-se que  Àjàlá é, umas vezes, visto como
divindade, outras, como epíteto de Òòṣàálá, como é visível no cântico
louvativo a essa divindade, utilizado algumas vezes no Candomblé durante
a cerimónia do bọrí, ou que "vira" (provoca o transe) os àbiọns (sujeitos em vias
de iniciação; literalmente "a caminho de nascer") durante cerimónias como
o xirê (celebrações públicas):

Àjàlá mo orí mo orí mo yọ àlà forí kọ̀n


E àgò fi rí mi.

Àjàlá fez a minha cabeça a minha cabeça


Me germinou e fez crescer, àlà que segura e mantém
A minha cabeça.52

Entra-se, assim, na questão de quem, afinal, fabrica os  orís e, dessa forma,


para quem é celebrado o bọrí. Como visto com Idowu, o  bọrí é
celebrado per se, i.e., o bọrí alimenta a cabeça mística do sujeito
potenciando o seu destino, destino esse que foi traçado por  Olódùmarè.
Alternativamente, tem-se Àjàlá como oleiro dos orís mas ligado
a Olódùmarè como quem influi o elemento da vida, ou Òòṣàálá entidade
agindo como arquidivindade, nas palavras de Idowu, ou autonomamente,
se levar-se em conta a tradição sacerdotal de Òòṣàálá.
Fica claro que, na tradição yorùbá, diferentes percepções se apresentam sobre a
mesma categoria religiosa, oferecendo matizes a um pensamento que a
priori tenderia a ser tomado como unívoco. Perante tal facto, o correto será pensar-
se em termos plurais, ou seja, em tradições e não em uma tradição monolítica.
Segundo Bàbá Adigun Olocun,53 "Orí é destino, o seu diretor, aquele que
comanda a sua vida" (tradução do autor). A independência em termos de
ação religiosa, por parte do  orí, aqui expressa é similar à apresentada por
Idowu, mencionada anteriormente, embora com o nosso interlocutor
o orí surja independentemente de Olódùmarè, como uma realidade
religiosa per se. No que concerne ao bọrí, o sacerdote nigeriano é
peremptório e inequívoco: "Bọrí é oferecer sacrifício ao orí" (tradução do
autor), mas adiantando que Ibori é para o orí não para Obatala" (tradução
do autor), perante a questão de ligação do  orí a Òòṣàálá, levando em
consideração tradições já mencionadas também.
As declarações de Bàbá Adigun Olocun reforçam a ideia de que, no imaginário
religioso descrito como yorùbá, a tendência de uniformização tem uma amplitude
política, tratando-se de uma apresentação uniformizada resultante da afirmação do
"eu" yorùbá.

No interior do Candomblé, religião brasileira de matriz africana (mas não só 54) que
resulta das reconfigurações e interpenetrações culturais africanas no Brasil, 55 a
pluralidade interpretativa está também patente, não estando independente da
própria dinâmica de "reafricanização" do Candomblé. 56 Antes de mais, observem-se
as palavras da Ìyálóòrìṣà57 Sussu, matriz kétu da Casa Branca do Engenho
Velho, que nos disse:
O bọrí é um ritual muito importante, é um começo no Candomblé,
representando uma ligação entre o "filho de santo" e o seu Òrìṣà, entre o
"filho de santo" e Òòṣàálá que é quem faz as cabeças. O "eborizado" passa
a ter um vínculo com o Òrìṣà, mas não tão forte como a iniciação, pois essa
tem o ẹ̀jẹ̀ e a navalha à cabeça. O bọrí é algo que deve acontecer algumas
vezes ao longo da vida, porque a cabeça precisa ir comendo para que a
vida do "filho de santo" vá correndo bem, para que ele esteja em paz e
harmonia com os Òrìṣà, em particular com Òòṣàálá, que é quem faz as
cabeças.58
Sua resposta é particularmente interessante porque reforça a ideia de destino já
conhecida, mas traz a ideia de que os orís são moldados por Òòṣàálá e, assim, de
que o bọrí é uma cerimónia para essa divindade, vulgarmente conhecida por  Bàbá,
'pai', tomada como pai místico de todos os  Òrìṣàs e elementos existentes no àiyé, a
terra-mundo. Ao mesmo tempo, coloca o bọrí como uma etapa dentro da vida
religiosa, o que confere um sentido diferente ao  bọrí em contexto autóctone
africano, no qual o bọrí se expressa per se.59 Em contexto afro-brasileiro, surge
antes da iniciação propriamente dita, descrita na linguagem corrente do Candomblé
como "feitura" ou "fazer a cabeça", embora o  bọrí esteja também nela presente. No
nível ritual, o bọrí foi pormenorizadamente analisado por Arno Vogel e
colaboradores,60 em contexto kétu,61 não sendo necessária sua descrição. Importa
ainda ver, nas declarações da interlocutora, a componente partilhada
no bọrí entre Òòṣàálá e o Òrìṣà do sujeito. Nesse sentido, pode-se considerar
que o bọrí no Candomblé apresenta uma quádrupla inscrição de natureza
religiosa:

1) inscreve o sujeito na esfera religiosa, i.e., atribui-lhe identidade


religiosa e mística, tornando-o parte da comunidade religiosa, vulgarmente
descrita como "família de santo";
2) alimenta a cabeça mística (orí inú), símbolo de identidade e destino,
expressa na afirmação jubilante a ni sòkè, orí bò àiyé,62 registada na obra
precedentemente citada;
3) liga o sujeito a Òòṣàálá, divindade que molda os orís;
4) liga o sujeito ao seu Òrìṣà.

Mas a pluralidade interpretativa não fica por aqui. Ao ser questionado sobre o que é
o bọrí, o Ògán Alágbé63 Vinicius de Santana, filho carnal do
falecido Bàbálóòrìṣà José Carlos Ibùalámo, natural da Bahia, e grande símbolo do
Candomblé paulista, respondeu:
Bọrí é o ritual específico para alimentar o orí, que é a Divindade que rege a cabeça
das pessoas. Na Sociedade Ilé Alákétu Asè Ibùalámo, o Bọrí é realizado com
algumas finalidades, sendo que, para cada uma dessas finalidades, os elementos
necessários que compõem o Bọrí podem variar. 
Há Bọrí que tem por finalidade acalmar a cabeça de uma pessoa ou, por exemplo,
o Bọrí que é realizado em pessoas já iniciadas, antes de essas realizarem oferendas
para os seus Òrìsà. Sobre o último caso, o Bọrí sempre é realizado antes da
oferenda para o Òrìsà, pois acreditamos que, para o Òrìsà receber uma oferenda, é
necessário que antes o orí tenha sido alimentado. Essa premissa ocorre também
quando da iniciação, que, antes de o Òrìsà ser sacralizado na cabeça de uma
pessoa por meio do Osu, ela terá passado por um Bọrí, para que sua cabeça esteja
apta para receber a energia do Òrìsà.
O Bọrí é de fundamental importância no Candomblé, sendo que ele alimenta a
Divindade responsável por nossas escolhas, pelos caminhos que vamos seguir,
etc.64

O depoimento reforça a questão da pluralidade conceptual que pretende-se mostrar


neste trabalho. Tal desdobramento conceptual está bem presente quando o ilustre
"tocador" de atabaque paulista nos fala da diversidade de fins que compõem a
cerimónia do bọrí, o que, para além da tradicional questão de "alimentar" a cabeça
mí(s)tica do sujeito, nos oferece uma vasta utilização simbólica do ritual, além da
mais ou menos conhecida concepção do orí como canal entre o sujeito e o Òrìsà.
Por si só tem-se já uma pluralidade experiencial e construtiva da identidade
religiosa no orí, dentro dos candomblés de matriz "yorùbánizante", chamemo-lhes
assim, o que equivale a uma ligação à matriz africana autóctone, sabendo que a
ponte entre a atual Nigéria e o Brasil influenciou ambos os lados, levando à
construção de uma identidade religiosa partilhada. As andanças ligadas ao
renascimento lagosiano e à fabricação africanista do Candomblé ocorriam em
trânsito atlântico, ao mesmo tempo em que a vasta literatura africana era
assimilada e adaptada em contexto brasileiro, a produção literária afro-brasileira
era integrada às significações e ressignificações africanas, como nota
Hallgren.65 Todavia, sabe-se, quer pela análise histórica, quer pela tradição oral,
que o Candomblé de matriz kétu se baseia em pressupostos generalistas cujas
tradições aportam a Ọ̀yọ́ e Ifẹ̀, e simbolicamente a Kétu. Não obstante, a
pluralidade étnica proto-yorùbá fez-se sentir no Brasil e está patente nas diferentes
"nações" de Candomblé de matriz "yorùbánizante", como Ijexá, Lokiti, Efon, e
outras. Tais matizes étnicos proto-yorùbá espelham-se em diferentes processos
rituais e padrões de pensamento religioso, ilustrando bem o não
unitarismo yorùbá mesmo em contexto de diáspora, onde a ressignificação tenderia
a homogeneizar as tradições num processo de invenção e realinhamento
imaginário, similar ao cubano abordado por Palmié.66
A afirmação de que Ìyá-orí oferece uma alternativa conceptual
a Òòṣàálá como bàbá-orí, i.e., como causa última do bọrí, ao culto do orí per se, e
deste como veiculado a Olódùmarè, colhemo-la junto do Bàbálóòrìṣà D.
de Ọ̀ṣọ́ọ̀sì.67 Como é sabido, Yèmọnjá é uma divindade feminina, das águas, ligada
aos ẹ̀gbá, particularmente a Abẹ́òkúta.68 Não é pois de estranhar que Verger tenha
registado em Ìbàdàn cânticos a Yèmọnjá chamando-a de ìyá-ori,69 o que é
profundamente revelador de dois princípios importantíssimos a levar em conta: 1) a
pluralidade religiosa yorùbá é um dado incontornável que nem o Sistema de Ífá que
opera num sentido unificador e hermético consegue suprimir; 2) o primado
masculino e o primado feminino se alternam e se mesclam em variados casos.
De Ifẹ̀ seguiu para o Daomé o casal Òrìṣà-Yèmowo (de Òòṣàálá-Yèmọnjá), que ali
se tornou em Mawu-Lisa,70 o que espelha bem a pluralidade e o caráter
transformativo da religiosidade na Costa dos Escravos. O que está em jogo,
inegavelmente, é a dialética entre localismos, entre a tradição matriarcal
dos ẹ̀gbá e a tradição patriarcal dos ifẹ̀, a opção entre um primado e outro.

Ainda, as palavras de Opotun Vinicius:


No Ilé Ibùalámo o bọrí é realizado com o objetivo de alimentar Orí, que é a
Divindade que rege a cabeça da pessoa. Essa Divindade é cultuada no Ilé-
Orí ou Igba Orí. Além disso, outras Divindades que também possuem forte ligação
com a cabeça como um todo são celebradas. Dessa forma, reverenciamos Ìyá
Orí que é tida por nós como a Mãe da Cabeça e Nàná, pois acreditamos que ela é a
dona da massa encefálica. Òsàlá é festejado por ser ele o grande responsável pela
vida do ser humano, aquele que, por meio do seu sopro divinizado (emi-ofurufu71),
realiza o milagre da vida, mas não por uma ligação direta com Orí.
É curioso notar, nas declarações do informante, o caráter integrativo das
divindades no ritual do bọrí. Tal complementaridade que recorda o Sistema
de Ífá espelha bem a dinâmica de integração que está na génese do Candomblé.
Em suas palavras, o bọrí não está dedicado a uma ou outra divindade, mas elas
atuam e articulam-se misticamente. Ora, tal reflete que as coisas nem sempre se
processam em antagonismos. Como já foi mostrado acima, para a
religiosidade yorùbá autóctone,72 as coisas mais se incluem do que excluem. O
estruturalismo de feição hermética e antagónica, no qual o àṣẹ se divide
rigidamente, e as divindades se agrupam em genitoras, geradas, de esquerda e da
direita, que marcou sobremaneira o trabalho de Juana E. dos Santos, 73 não tem
operatividade em contexto africano. As estruturas sociais e religiosas não estão em
contraponto, estão em dialética e interpenetração. Como disse J. D. Y. Peel: "todo o
sistema se apresenta diferente a partir de diferentes pontos de vista sociais"
(tradução do autor).74 Nesse sentido, é natural que, em determinadas casas de
Candomblé, se processe uma duplicidade referencial, ou seja, que, quer Òòṣàálá,
quer Yèmọnjá assumam um papel de portadores dos orís, o que equivaleria à
manutenção do ideal do "casal primordial" já mencionado. A tal facto se
junta Nàná, divindade cujo culto em solo africano tem vasta expressão geográfica e
simbólica.75

Assim, tem-se em evidência uma multiplicidade de interpretações em relação à


moldagem dos orís e, dessa forma, ao destinatário da consagração do mesmo por
meio do bọrí. Temos o orí cultuado per se, cultuado em relação a Olódùmarè, em
relação a Òòṣàálá, em relação a Yèmọnjá e cultuado em relação aos dois anteriores
como casal primordial, e compondo uma pluralidade de divindades em conjunto,
com Yèmọnjá, Òòṣàálá e, ainda, Nàná. Isso só por si chega para abalar os alicerces
do unitarismo yorùbá, com exceção feita ao Sistema de Ífá que, como escreve
Ilésanmí, não é ab initio o forjador da identidade cultural e religiosa na região, mas,
antes, um produto histórico posterior.76

Merece a pena uma pausa para retomar um primado metodológico em vigência.


Embora se reconheça que o termo ìṣẹ̀ṣẹ - que nos foi traduzido por Adekanmi como
"primordial; que existe desde o começo dos Yorùbá enquanto povo", e que é
sinónimo de ìṣẹ̀ṣẹ̀ (termo que no Candomblé é associado aos ritos fúnebres,
entendíveis como ritos de passagem e ritos de origem) - aponta para uma lógica
pela qual o que designa 'religião' em contexto yorùbá seja a valorização e o culto
das origens, quer em termos de memória coletiva (que se liga perfeitamente à
noção já clássica de inventar tradição) que se expressa macrossistemicamente pela
assunção clânica em Òduduwà, quer em termos de linhagem, o que apontaria para
o culto dos Ancestrais e, no constante, para a ideia de que o bọrí, em primeira
instância, fosse um rito de consagração do sujeito aos seus progenitores; a verdade
é que não podem ser recusadas as afirmações dos informantes
como verdades teológicas, porquanto elas revelam os padrões de pensamento
apreendidos/aprendidos e aceites dentro da sua linhagem e comunidade religiosa.
Por outras palavras, os mitos, os ritos e os padrões de entendimento expressos
pelos informantes são, dentro do seu universo referencial e sociorreligioso, aceites
como dogmáticos, sendo resultado do aprendizado religioso que tiveram.

Destarte, pese embora o Sistema de Ífá se apresente como um agregador da


multiplicidade religiosa do espaço yorùbá, formando um verdadeiro "sistema", a
verdade é que não se poderá falar numa unidade sistémica
religiosa yorùbá. Odùduwà, Òòṣàálá, Yèmọnjá e mesmo Olódùmarè e os Ancestrais
(Bàbá-Éégún) são articulados de diferentes formas consoante o espaço geográfico
tomado e, inclusive, mediante o ponto conceptual de observação. Ou seja,
independentemente da formulação própria e padronizada desssa e de outras
entidades religiosas (independentemente do seu corpus mitológico), elas são
pensadas de determinada maneira em função da organização religiosa em
observação e ação - no imaginário de Ọ̀yọ´, Ṣàngó, preserva a sua centralidade
como culto de Estado, e tanto os Ancestrais como, por exemplo, Yèmọnjá, embora
mantenham o seu corpus mitológico, estão em correlação específica com aquele,
correlação essa que é diferente em relação a Ògún, ou até mesmo a Ṣàngó noutro
ambiente geográfico. O mesmo se aplica quando se muda o ponto central de
observação, i.e., quando o culto dos Ancestrais é o ponto de convergência e não,
por exemplo, o culto de Ṣàngó. A transitoriedade dos sistemas revela a
impossibilidade de pensar-se em termos de modelo religioso unitário e
sistemicamente padronizado e delimitado. O plural impõe-se sobre o singular.
O que fica ainda por discernir, mas que não é tema do presente trabalho, é a
natividade yorùbá do bọrí. Se, por um lado, a sua expressão ritual parece contar os
predicados de prática religiosa africana, i.e., as oferendas, as articulações com
entidades religiosas como os Òrìṣàs, o propósito de manipulação do extra-humano,
a sua formulação parece advir de um outro universo referencial. Não será, pois, de
estranhar que o culto yorùbá do orí tenha sido importado dos haúça do
norte,77 facto que constataria o já mencionado caráter transformativo da
religiosidade no espaço da yorùbáland e arredores.
 
Notas finais

Grosso modo, a literatura tematicamente africana e afrodescendente em torno da


identidade cultural, política e religiosa yorùbá tende a tratar o assunto em função
de um unitarismo que facilmente se constata resultar de uma intenção política,
alicerçada numa contrarresposta cultural africanista (ou, noutros termos, uma
contrarrrresposta em torno de um ideal de ser africano) que procurou valorizar e
legitimar a identidade autóctone, diante do avanço islâmico e cristão face aos
modelos e sistemas religiosos locais. O trajeto unificador iniciado no seio da Church
Missionary Society, em particular por africanos cristianizados como Samuel Johnson
e Samuel Ajayi Crowther, tinha por intenção a criação de uma "nação" cristã no
seio de um império que já não era mais do que um resquício histórico e uma forte
marca da identidade imaginária translocal. O propósito acabaria por servir de mote
para um renascimento ideológico africano, fenómeno que finalmente formulou uma
identidade designada por yorùbá.

Ora, propósito político à parte, a verdade é que a unicidade yorùbá é mais uma


formulação intencional do que real. Nesse quadro, em que se constrói uma
narrativa na qual uma ideia de "religião tradicional" ganha forma, as dissimilitudes
esbatem-se, quer no nível discursivo quer no interior da literatura, em que o
Sistema de Ífá, pelas suas categorias de base judaico-cristã-islâmica, pela sua
capacidade aglutinadora em relação às diferentes divindades do espaço yorùbá,
pela sua lógica discursiva universal, pela sua capacidade de adaptação e
apropriação de signos exógenos e, não menos importante, pela sua capacidade de
produção de conteúdo teológico, se tornou símbolo de identidade religiosa yorùbá,
constituindo-se como uma atualização e uma feição moderna dos velhos
costumes proto-yorùbá.

Posto isso, levou-se em linha de conta a multidimensionalidade dos conteúdos


religiosos yorùbá, que espelham as dinâmicas locais e supralocais de ordenação do
extra-humano, facto que dissolve a ideia de unicidade conceptual, ao mesmo tempo
em que se reconhece que os processos de transmissão e aprendizado da religião,
por parte dos agentes religiosos, reproduzem variadas leituras para o mesmo
fenómeno.

No presente trabalho, o objeto de estudo foi o orí, a cabeça na cosmogonia yorùbá,


e toda a sua concepção e formulação de natureza teológica ligada ao destino e à
personalidade. Pese toda uma tradição ligada à formulação antropológica yorùbá do
sujeito, à focalização no orí como vasilha da identidade e do destino, e a uma
problemática ligada ao cumprimento e à prescrição fechada ou não de um destino
selado, atribuído ou escolhido, que tem por base o Sistema de Ífá, a verdade é que
se mostrou que essa é apenas uma tradição, sendo facto que outras interpretações
coabitam e convivem. Da análise do dicionário da Church Missionary Society (que,
como visto, é produto de um contexto histórico em que se formula a ideia de
identidade yorùbá ao mesmo tempo em que se padroniza a linguagem e se traduz a
Bíblia) e em função das declarações do informante Adekanmi (yorùbá nativo,
herbalista e tradicionalista religioso), compreendeu-se que existe uma distinção
entre destino e fado, ou seja, entre ìpin e àyànmọ́, não obstante a ideia
de ìpin surgir ligada ao conceito de porção, i.e., a uma parte individualizada do todo
que é o destino coletivo. Tal facto inclui a vivência individual dentro do todo
humano, um sentimento não independente das heranças judaico-descendentes de
destino universal. A pluralidade de termos yorùbá para designar a ideia de destino
e fado denotam a pluralidade de interpretações e a dificuldade da tradução
conceptual. Os encontros religiosos estão, longue durée, na génese das
transformações e ressignificações identitárias e religiosas.
Não obstante, o problema adensou-se com a antropomorfização do ìpin, nas
declarações de Adekanmi, sendo que ìpin, para além de destino, é também sua
testemunha, conferindo ao conceito uma dupla função. Ao mesmo tempo, o nosso
informante oferece-nos ainda a ação da fortuna, o que possibilita a abertura, ainda
que ténue, às alterações do destino, ou pelo menos, do ato de agir sobre aquele.
Ainda, de acordo com a observação da obra de Neimark, o destino pode ser dividido
em: àkúnleyan (como sejam os pedidos feitos pelo sujeito na casa
de Àjàlá), àkúnlègbà, que será o ambiente fornecido para o cumprimento do
destino, e àyànmọ́, aquilo que não é possível ser alterado. Toda essa pluralidade
interpretativa que resulta de diferentes sensibilidades conceptuais serve para
provar que a unicidade religiosa yorùbá é uma realidade ténue, se não mesmo
falaciosa. O papel do Sistema de Ífá em todo esse processo é centralíssimo, como
Ilésanmí atesta.

A natureza filosófica e teológica do orí expressa-se claramente no seu ritual, o bọrí.


Se, em Idowu, o orí está ligado a Olódùmarè, o ser supremo altamente promovido
no interior do Sistema de Ífá e que resulta da apropriação e assimilação de
categorias religiosas de base judaico-descendente, sendo o bọrí celebrado per
se (mas em função a Olódùmarè, o que deixa as declarações de Idowu num limbo
conceptual), no interior do Candomblé de matriz "yorùbánizante", o bọrí apresenta
uma notável variedade conceptual que nos endereça novamente à noção de
multidimensionalidade conceptual per se, e enquanto produto do aprendizado
religioso. Tal facto se denota pela não menção à celebração das origens, ìṣẹ̀ṣẹ,
sejam elas mítico-clânicas, sejam familiares/de linhagem. Observando as
declarações dos informantes, compreende-se que é celebrado não apenas como
ligação a um destino de que o orí é objeto simbólico, mas, mais notável ainda,
apresenta uma pluralidade utilitária (a dimensão utilitária revela por si mesma a
plasticidade do fenómeno religioso) e interpretativa. Para além de inscrever o
sujeito na esfera religiosa, i.e., atribuir-lhe identidade religiosa e mística, tornando-
o parte da comunidade religiosa, vulgarmente descrita como "família de santo" pela
comunidade do Candomblé, o bọrí: 1) alimenta a cabeça mística (orí inú), símbolo
de identidade e destino; 2) liga o sujeito a Òòṣàálá, divindade que molda
os orís e/ou que influi na vida do sujeito; 3) liga o sujeito ao seu Òrìṣà; 4) liga o
sujeito a Yèmọnjá como ìyá-orí, liga o sujeito a Nàná como dona da massa
encefálica. Paralelamente, o bọrí é realizado com objetivos diversos, entre eles
acalmar a cabeça do indivíduo e apresentando-se como etapa primária no ritual de
iniciação religiosa.

Fica, pois, expresso que o unitarismo religioso yorùbá advém de uma necessidade


retórica de natureza política e que tem no Sistema de Ífá - apenas um dos vários
segmentos do espaço religioso da yorùbáland e que é herdeiro do Islamismo
místico haúça - seu principal promotor. Isso significa que, dentro do chamado
imaginário religioso yorùbá, coabitam diferentes interpretações e diferentes níveis e
segmentos de experienciação religiosa, sendo impossível - como vem sendo
erroneamente hábito - falar numa religião yorùbá (a não ser como referencial
abrangente) sem se cair no erro metodológico de suprimir todas as diferenças que
representam a própria identidade religiosa do espaço observado: dinâmica, com
grande vitalidade local e com reordenação múltipla em função do eixo de
observação. A análise da concepção e ritualidade em torno do orí nos permitiu
alcançar todo um vasto quadro interpretativo e utilitário, fornecendo novos dados a
um campo de análise tradicionalmente unívoco e unidimensionalmente formatado.
Tal ideia equivale a dizer que com este trabalho, de algum modo, se abre um novo
campo de possibilidades de leituras, interpretações, significações e configurações
sobre os padrões de pensamento religioso yorùbá e afro-brasileiro, e suas
expressões rituais.
Não descorando uma ideia de essencialidade religiosa, que pode advir de
determinados segmentos religiosos que prevalecem a sua leitura como unívoca,
compreende-se do presente que fatores como o aprendizado dos conteúdos
religiosos operam no sentido de fabricar narrativas plurais sobre um determinado
elemento religioso. Tal facto equivale a dizer que a pluralidade teológica resulta do
exercício hermenêutico que lhe é próprio, ao mesmo tempo em que advém da
própria dinâmica de adaptação e ressignificação no seio das comunidades religiosas
que dão uso aos ritos e referenciais religiosos. Retomando ideia de Ilésanmí: se
os yorùbá são historicamente heterogéneos, como poderiam eles ser religiosamente
homogéneos? O mesmo se dirá para o Candomblé, verdadeira manta de retalhos
de significados e conteúdos religiosos.
 
 
Texto recebido em 22 de janeiro de 2013
Aprovado 22 de julho de 2013

 * Para o constante, o termo identidade surge em relação ao sujeito individualizado


e não aos coletivos designados por yorùbá e afro-brasileiro.
1 Stephan Palmié, "O trabalho cultural da globalização iorubá", Religião e
Sociedade, v. 27, n. 1 (2007), pp. 77-113.         [ Links ]
2 François Laplantine, Aprender antropologia, São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 21.
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3 J. D. Y. Peel, Religious Encounter and the Making of the Yoruba, Bloomington:
Indiana University Press, 2001.         [ Links ]
4 Arthur Danto, Analytical Philosophy of History, Cambridge: Cambridge University
Press, 1965.         [ Links ]
5 Benedict Anderson, Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread
of Nationalism, London: Verso, 1991.         [ Links ]
6 Sigismund Köelle, Polyglotta Africana, London: Church Missionary House, 1854.
[ Links ]
7 Samuel Ajayi Crowther apud Peel, Religious Encounter, p. 284.
8 Peel, Religious Encounter.
9 J. Lorand Matory, Black Atlantic Religion: Tradition, Transnationalism, and
Matriarchy in the Afro-Brazilian Candomblé, Princeton: Princeton University Press,
2005.         [ Links ]
10 Visível no hino religioso: "Jerusalém que bonita és/ ruas de ouro, mar de
cristal...".
11 Terence Ranger e Eric Hobsbawm (eds.), The Invention of Tradition, Cambridge:
Cambridge University Press, 1992.         [ Links ]
12 Não obstante à existência do termo ìṣẹ̀dálẹ̀, que nos foi traduzido por Adekanmi
como "fatos aborígenes relativos aos Yorùbá, incluindo tradição, cultura, oralidade,
terra e crenças", o Dictionary of Yoruba Language de 1913, da CMS,
traduz religião por ìsin, do mesmo modo que Roland Hallgren, The Good Things in
Life: a Study of the Traditional Religious Culture of the Yoruba, Lund: University of
Lund,1991, ao passo que Matory, Black Atlantic Religion, usa especificamente o
termo ẹ̀sìn ìbílẹ̀, como 'religião tradicional'. No caso do English-Yoruba/Yoruba-
English Modern Practical Dictionary, de Kayode J. Fakinlede, o termo religião é
traduzido por ìgbàgbọ́, ẹ̀sìn e isin. Bem assim, reconhecendo que esse termo é
limitativo para o ambiente em questão, consideram-se válidas as alternativas
como orò iléṣíṣe ou àṣà, que denotam um referencial em matéria de localidade que
melhor espelha as dinâmicas locais próprias da religião, que salientámos também
no trabalho João Ferreira Dias, "Fórmulas religiosas entre os Yorùbás: Olódùmarè,
Òrìṣà, Àṣẹ, Orí e Ìpin" (Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, 2011).
13 Matory, Black Atlantic Religion.
14 Como menciona Thomas Mákanjúọlá Ilésanmí, "The Traditional Theologians and
the Practice of Òrìṣà Religion in Yorùbáland", Journal of Religion in Africa, v. 21, n.
3, (1991), p. 220, somente no Sistema de Ifá se pode falar em unicidade discursiva
em matéria religiosa yorùbá.
15 Sobre a definição de identidade religiosa yorùbá neotradicional, sugere-se a
leitura da obra de Rolland Hallgren, The Vital Force: a Study of àṣẹ in the
Traditional and Neo-Traditional Culture of the Yoruba People, Lund: University of
Lund, 1995 e a amplificação dada em Dias, "Fórmulas religiosas entre os Yorùbás".
16 David Berliner e Ramon Sarró (eds.), Learning Religion: Anthropological
Approaches, Oxford: Berghahn, 2007.         [ Links ]
17 Abimbola Omotayo Adésọjí, "The Oduduwa Myth and the Farce of Farce of
Yoruba Unity", EnterText, v. 6, n. 3 (2006-2007),
<http://www.brunel.ac.uk/faculty/arts/EnterText>, acessado em 24 de julho de
2012.
18 Paulo Fernando de Moraes Farias, "Enquanto isso, do outro lado do mar... os
Aròkin e a identidade iorubá", Afro-Ásia, n. 17 (1996), pp. 139-55.
19 Noël Baudin, Fétichisme et féticheurs, Lyon: Bureaux des Missions Catholiques,
1884.         [ Links ]
20 Francesco Borghero, Le Dahomé, souvenirs de voyage et de mission, Tours:
Alfred Mame et Fils, 1872.         [ Links ]
21 Matory, Black Atlantic Religion, p. 61.
22 E. G. Parrinder, "Islam and West African Indigenous Religion", Numen, v. 6, n.2
(1959), pp.130-41.         [ Links ]
23 Jacob Olupọna, "Yoruba Sacred Kingship and Civil Religion in Òṣogbo Nigeria", in
Joseph M. Murphy e Mei-Mei Sanford (eds.), Ọ̀ṣun Across the Waters: a Yoruba
Goddess in Africa and the Americas (Bloomington: Indiana University Press, 2001),
pp. 46-57.
24 J. Lorand Matory, "Rival Empires: Islam and the Religions of Spirit Possession
among the Ọ̀yọ́-Yorùbá", American Ethnologist, v. 21, n. 3 (1994), p. 496.
25 Ilésanmí, "The Traditional Theologians, p. 219.
26 Oladele Abiodun Balogun, "The Concepts of Ori and Human Destiny in
Traditional Yoruba Thought: a Soft-Deterministic Interpretation", Nordic Journal of
African Studies, v. 16, n. 1 (2007), pp. 116-30.         [ Links ]
27 Kólá Abímbólá, Yoruba Culture: a Philosophical Account, Birmingham: Iroko
Academic Publishers, 2006.         [ Links ]
28 Balogun, "The Concepts of Ori", p. 117.
29 Balogun, "The Concepts of Ori", p. 122.
30 Yunusa Kehinde Salami, "Predestinação e a metafísica da identidade: um estudo
de caso iorubá", Afro-Ásia, v. 35, (2007), pp. 263-79.         [ Links ]
31 Dias, "Fórmulas religiosas entre os Yorùbás".
32 Ademola Kazeem Fayemi, "Human Personality and the Yoruba Worldview: an
Ethico-Sociological Interpretation", The Journal of Pan African Studies, v.2, n. 9
(2009), pp. 166-76.         [ Links ]
33 Sophie Oluwole, "Who are (we) the Yoruba?" A Key Note Paper Delivered at a
Pre-Word Philosophy Day Conference, June 12, at the National Theater, Lagos,
2007 apud Fayemi, "Human Personality and the Yoruba Worldview".
34 Rowland Abiodun, "Identity and the artistic process in the Yoruba aesthetic
concept of Iwa", Journal of Cultures and Ideas, v. 1 (1983), pp. 13-30.
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35 Wándé Abimbólá, "Iwapele: the Concept of Good Character in Ifa Literary
Corpus", in W. Abimbola (ed.), Yoruba Oral Tradition: Poetry in Music. Dance and
Drama (Ile-Ife: University of Ife, 1975), pp. 389-420.
36 Bọlaji Idowu, Olódùmarè: God in Yoruba Belief, London: Longmans, 1962.
37 Adekanmi Adewuyi, natural de Iléṣà, Oníṣègùn (mestre das plantas medicinais).
Entrevista por correio eletrónico Benavente - Lisboa, nos dias 9, 21 e 25 de maio de
2010 e 4 e 5 de agosto de 2011 via Facebook Chat.
38 Fayemi, "Human Personality and the Yoruba Worldview"; Balogun, "The
Concepts of Ori"; Salami, "Predestinação", entre outros.
39 Joyce M. Hawkins (comp.), The Oxford Paperback Dictionary, New York: Oxford
University Press, 1983.         [ Links ]
40 Peel, Religious Encounter.
41 Ilésanmí, "The Traditional Theologians", p. 220.
42 Sobre o problema da teologia em contexto africano e da constituição de uma
alternativa conceptual em "padrões de pensamento religioso", ver Dias, "Fórmulas
religiosas entre os Yorùbás". Pese a assunção de longue durée de que "teologia" em
África diz respeito ao pensamento cristão, ou melhor, ao encontro entre o
Cristianismo e as designadas "religiões tradicionais africanas" (Idowu, Olódùmarè;
Kwame Bediako, Theology and Identity: The Impact of Culture upon Christian
Thought in the Second Century and in Modern Africa, Oxford: Oxford Centre for
Mission Studies, 1999, entre outros), alternativas conceptuais assumindo uma ideia
teológica africana (própria, ou que de algum modo assume uma especificidade
africana, surgem passim, como se verifica em Jacob Olupona e Sulayman Nyang
(orgs.), Religious Plurality in Africa: Essays in Honour of John S. Mbiti (Berlim:
Walter de Gruyter, 1993); pese embora a tendência à cristianização dos
pressupostos metodológicos de teologia africana.
43 Philip Neimark, The Way of the Orisa. Empowering Your Life through the Ancient
African Religion of Ifa, San Francisco: Harper Collins, 1993, p. 150.         [ Links ]
44 Parrinder, "Islam".
45 Matory, "Rival Empires".
46 Ilésanmí, "The Traditional Theologians", p. 220.
47 Pierre Verger, "O Deus supremo iorubá: uma revisão das fontes", Afro-Ásia,
n.15 (1992), pp. 18-35;         [ Links ] Sandra Greene, "Religion, History and the
Supreme Gods of Africa: a Contribution to the Debate", Journal of Religion in Africa,
v. 26, n. 2 (1996), pp.122-38;         [ Links ] Peel, Religious Encounter; Ilésanmí,
"The Traditional Theologians"; entre outros.
48 Juana Elbein dos Santos, Os nagô e a morte: pàde, àsèsè e o culto ègun na
Bahia, Petrópolis: Vozes, 2001.         [ Links ]
49 Palmié, "O trabalho cultural", p. 96.
50 Idowu, Olódùmarè, pp. 170-1.
51 Balogun, "The Concepts of Ori".
52 Altair B. Oliveira, Cantando para os Orixás, Rio de Janeiro: Pallas, 2007, p. 152.
[ Links ] A tradução do verso sagrado é de Altair B. Oliveira, pelo que é-nos
inimputável responsabilidade por quaisquer erros de tradução. Em todo o caso,
Adekanmi diz-nos que "esta é uma canção sobre um bom trabalho realizado
por Ajalá quando ele fez uma nova cabeça espiritual, e a paz surgiu na vida em
questão, e tal facto causou alegria (yo, contração de ayo)". (tradução do autor)
(Facebook, 24 de junho de 2013). Embora o comentário de Adekanmi se afaste da
tradução, o essencial se mantém: a fabricação dos orís por Àjàlá.
53 Príncipe yorùbá, natural de Òṣogbo a viver na Alemanha, de onde dirige a Ibile
Faith Society, tendo iniciado inúmeras pessoas em diferentes lugares do mundo, no
que chama de "religião tradicional Yorùbá". Entrevistado via Facebook, a 18 de
setembro de 2012.
54 Vide Matory, Black Atlantic Religion.
55 A título de exemplo, vide Luis Nicolau Parés, A formação do Candomblé: história
e ritual da nação jeje na Bahia, Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
[ Links ]
56 Sobre os processos contemporâneos, vide Stefania Capone, A busca da África no
candomblé: tradição e poder no Brasil, Rio de Janeiro: Pallas, 2005.         [ Links ]
57 Título yorùbá para sacerdotisa, traduzido em linguagem corrente por "mãe de
santo".
58 Ìyálóòrìṣà Sussu, presidente da Comunidade Portuguesa do Candomblé Yorùbá.
Entrevista em Benavente, meados de julho de 2012.
59 Oyeronke Olajubu, Women in the Yoruba Religious Sphere, Albany: State
University of New York Press, 2003, p. 33.         [ Links ]
60 Arno Vogel et al., A galinha d'angola: iniciação e identidade na cultura afro-
brasileira, Rio de Janeiro: Pallas, 2001.         [ Links ]
61 "nação" (vide Luís Nicolau Parés, A formação do Candomblé; Vivaldo da Costa
Lima, "O conceito de 'nação' nos candomblés da Bahia", Afro-Ásia, n. 12 (1976),
pp. 65-90) de Candomblé considerada a que comporta maior originalidade africana.
O que não é necessariamente, a nosso ver, verdade. O terreiro usado como objeto
na obra, hoje intitulado Axé Miguel Couto, faz parte da raiz da Casa Branca do
Engenho Velho, templo mais tradicional do Candomblé brasileiro. Anteriormente
chamado Nossa Senhora das Candeias, o Axé Miguel Couto foi fundado pela falecida
sacerdotisa Ìyá Nitinha, incontornável figura do Candomblé baiano e carioca da
segunda metade do século XX e início do XXI.
62 "nós nos regojizamos, a cabeça entrou no mundo" - tradução de Vogel et al., A
galinha d'angola, p. 44, Adekanmi, diz-nos que "a ni sòkè" é uma forma de
saudação entre sacerdotes durante rituais mas também uma fórmula de
encantamento: "we asking did it cry", ao passo que orí bo àìyé, tende a ser o
centro/cabeça onde se fazem os sacrifícios para o mundo. A verdade é que há uma
distância entre a tradução do nosso informante e a feita na obra citada, embora o
propósito de celebração permaneça.
63 Ògán, em yorùbá significa 'mestre' e, no Candomblé, é posto masculino que não
entra em transe, mas está consagrado a um Òrìṣà, sendo uma espécie de ministro
ou representante dele. Alágbé é o Ògán que toca atabaque.
64 Entrevista via e-mail em 24 de setembro de 2012.
65 Hallgren, The Vital Force, p. 62.
66 Palmié, "O trabalho cultural".
67 Pertencente à tradição do Gantois, com casa de Candomblé na região do Porto.
Conversa no início de janeiro de 2012.
68 Importante divindade yorùbá, Yèmọnjá é símbolo do sagrado feminino, do poder
genitor, na grande região de Ọ̀yọ́ e até mesmo em Ifẹ̀, concorrendo com Ọ̀ṣun,
embora na tradição oral da região de Ọ̀yọ́, Yèmọnjá seja celebrada como mãe
de Ṣàngó e esposa de Òòṣàálá, cabendo a Ọ̀ṣun o papel de esposa do monarca
divino da capital yorùbá.
69 Pierre Verger, Notas sobre o culto aos Orixás e Voduns, São Paulo: EdUSP,
1999, p. 303.
70 Babalola Yai Olabiyi, "From Vodun to Mawu: monotheism and history in the Fon
cultural area", in Jean-Pierre Chrétien (org.), L'invention religieuse en Afrique:
histoire et religion en Afrique noire (Paris: Karthala, 1993), pp. 241- 65.
71 Independentemente de "emi-ofurufu", aqui referenciado, se tratar de uma
utilização/tradução errada do ponto de vista linguístico, para o propósito do
presente continuaremos a assumir o primado de aprendizado de conteúdo religioso
e a utilidade/significado/valor dentro do quadro comunitário em análise. Assim, no
Candomblé e, nesse caso, no Ilé Ibùalámo, Òfurufú (o espaço-atmosfera), é
compreendido como o "sopro divino", o hálito criador de Òòṣàálá, umbilicado
ao ẹ̀mí, o elemento da vida, o sopro/alma.
72 Dias, "Fórmulas religiosas entre os Yorùbás".
73 Santos, Os nagô e a morte.
74 J. D. Y. Peel, Aladura: a Religious Movement among the Yoruba, London: Oxford
University Press, 1968, p. 29.         [ Links ]
75 Pierre Verger, Orixás, Salvador: Corrupio, 2002, p. 236; Emefie Ikenga-Metuh,
"Religious Concepts in West African Cosmogonies: a Problem of
Interpretation", Journal of Religion in Africa, v. 13, n. 1 (1982), pp. 11-24.
76 Ilésanmí, "The Traditional Theologians", p. 220.
77 Sobre o borí em contexto haúça existe toda uma vasta literatura, da qual se
podem citar Fremont E. Besmer, "Initiation into the 'Bori'Cult: a Case Study in Ningi
Town", Africa: Journal of the International African Institute, v. 47, n. 1 (1977), pp.
1-13; I. M. Lewis, A. al-Safi e S. Hurreiz (eds.), Women's Medicine: the Zar-Bori
Cult in Africa and beyond (Edinburgh: Edinburgh University Press, 1991); Adeline
Masquelier, "Lightning, Death and the Avenging Spirits: 'Bori' Values in a Muslim
World", Journal of Religion in Africa, v. 24, n. 1 (1994), pp. 2-51; entre outros.

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