Obatala Criador de Criaturas e Criadores

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obàtálá

CRIADOR DE CRIATURAS E CRIADORES


Oba Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
Olaolu Oladotun Okanlawon Dada Ooo Dada
Yeye Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
Susana Oliveira Dias
Jurema é árvore espinhosa e encantada, cujo
encanto provém de inúmeras tradições indígenas
e atravessa tradições cristãs e rituais afro-
brasileiros. Produtos elaborados de suas partes
vegetais curam o corpo material e abrem
passagens no corpo espiritual. É palavra indígena
que persistiu viva, usada na língua portuguesa do
Brasil, nomeadora de corpos humanos e inumanos,
materiais e espirituais, como a Cabocla Jurema. É
também nome dado à mata, à floresta como um
todo. É palavra usada para nomear uma tarefa
difícil, trabalhosa ou extenuante. Traça o feminino
como força persistente em meio à destruição e ao
abandono. Árvore da caatinga, é símbolo de
resistência em um ambiente árido. Juremal é um
lugar sagrado, cuidado e cultuado. Nomear
JUREMA esta coleção convoca todos estes
sentidos e forças ancestrais para estarem junto
das publicações sob seu selo, bem como adiciona
a eles a perspectiva contemporânea de entender
os direitos humanos como direitos ambientais.
CRIADOR DE CRIATURAS E CRIADORES

obàtálá
Oba Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
Olaolu Oladotun Okanlawon Dada Ooo Dada
Yeye Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
Susana Oliveira Dias
Arte da capa
Susana Dias e Fernanda Pestana

Comitê editorial
Projeto gráfico e diagramação
Carlos Machado Gonçalves Neto (Unicamp) Susana Dias
Carolina Cantarino Rodrigues (Unicamp)
Carmem Lúcia Rodrigues Arruda (Unicamp)
Mariana da Costa Aguiar Petroni (Unilab) Tratamento de imagens
Suzane de Alencar Vieira (UFG) Fernanda Pestana
Givânia Maria da Silva (Conaq/UnB)
Danilo Silva Guimarães (USP)
Márcia Regina de Lima Silva (USP) Textos
Guilherme Varella (Instituto Cultura e Democracia)
Edson Kayapó (IFBA) Oba Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
Olaolu Oladotun Okanlawon Dada Ooo Dada
Yeye Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀

Desenhos
Susana Oliveira Dias

Fotografias
Oba Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
Susana Oliveira Dias

Coordenação da revisão
Ana Godoy

Revisão
Oba Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
Yeye Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
Susana Oliveira Dias

Agradecimentos
Valéria Scornaienchi
Breno Filo
APRESENTAÇÃO 13

O DEUS DA 17
CRIATIVIDADE
A CRIAÇÃO DO MUNDO, 45
ANTES DO 1º DIA EM ILÉ IFẸ̀

OBÀTÁLÁ E YEMÒÓ, CRIADORES 81


DE CRIATURAS E INSEPARÁVEIS
NA TERRA E NA VOLTA AO ORUN

O TEMPLO DE OBÀTÁLÁ 117

COROAÇÃO DE OBA ISORO 139


NO TEMPLO DE OBÀTÁLÁ
obàtálá
Foi Olódùmarè (Deus)
que deu nome Òrìsànlá
para Obàtálá
É com alegria que a Coleção Jurema tem a honra de
publicar o livro Obàtálá: criador de criaturas e criadores, de
Oba Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀, Olaolu Oladotun Okanlawon
Dada Ooo Dada, Yeye Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀ e Susana
Oliveira Dias.

A obra, rica em narrativas, desenhos e fotografias, nos


permite uma relação respeitosa e sensível com a filosofia
Youruba ao contar como o orixá Obàtálá - conhecido como
o rei dos orixás e o deus da criatividade para o povo Yoruba
- criou o mundo e os seres humanos junto com Èșù, além de
nos apresentar as relações entre Obàtálá e sua esposa
Yemòó, e, ainda, o primeiro templo desse orixá na cidade de
Ilé Ifẹ̀, na Nigéria. É ali que também temos a oportunidade
de conhecer o processo de coroação de um rei no templo de
Obàtálá.

Ao publicar este livro-objeto de arte, a Diretoria de Cultura


reafirma-se como espaço institucional de valorização de
diferentes modos de pensamento e de conhecimento.

13
A cultura na universidade pode ser o lugar da diversidade
epistêmica, que desativa a oposição hierarquizada entre
expressões que seriam remetidas ao campo do simbólico e a
Ciência como o único conhecimento a ter efetivamente
acesso à realidade.

Pedimos as bênçãos de Obàtálá para que a Unicamp se


torne cada mais pluriepistêmica, um espaço-tempo
propiciador de encontros entre diferentes conhecimentos -
científicos e não científicos - a partir dos quais novas
práticas pensantes podem emergir e se fortalecer
mutuamente como atos de criação e de vida.

Cacá Machado
Diretor de Cultura
Pró-Reitoria de Extensão e Cultura
Unicamp
e
Carolina Cantarino
Diretora Adjunta de Cultura
Pró-Reitoria de Extensão e Cultura
Unicamp

14
O DEUS DA CRIATIVIDADE
ORIKI OBÀTÁLÁ (ÒRÌSÀNLÁ)
Baala O
Oroo o relu
igbin ogbomo la
Igiin omo Akoro
O tu koko Ala fomo t'ore
Osun-Sile-foje tikun
Onile-ji, Oje-o-ji!
Ogbagba tii fowo aala gbale
Irin kobo-kobo a fin bowu
Ogbaa giri da' nu l'owo Osika
Ofo osika l'oju afota
Ole Odale ka'nu Owu
bara-bara
Awoni-pepe bi eniti o ri' ni
Alapata Okunrin asa' ran m' eegun
O je Eja bi lgere
Akorin Mu'tin
Ayena-j'obi
Afun'nimot'owoeni
Ofun Nini, gba fun Aini O so
enikan digba Eni Alase, Oba afase s'oro
Ibante funfun
Sokoto Funfun
OL'epo, nile je Ila funfun
Eleeta Iranje
Alade Sesefun

19
Obàtálá é conhecido como Mon'ri-Mon'ri-ti-Mo ori Omo
tuntun (aquele que molda a cabeça das crianças), Eleeta
Iranje (a pessoa que tem sua própria casa em Iranje), Baba
Arugbo (o mais velho) e Oba Igbo (Rei dos Igbo). Obàtálá
(Òrìsànlá) é a mais antiga entre outras divindades e é por
isso que ele é conhecido e chamado de Obarisa Oba (Rei
dos Orixás). Embora outros Irunmole também sejam
chamados de Òrìşà (orixá), mas quando dizemos Òrìşà,
realmente queremos dizer Obàtálá (Òrìsànlá), porque é
apenas Obàtálá que se chama Òrìsànlá. Nenhum outro Òrìşà
é referido ou chamado Òrìsànlá, há apenas um Òrìsànlá no
mundo, e esse é Obàtálá Baba Arugbo.

N. dos E.: Diferentemente do português, em yoruba não há distinção


entre singular e plural, por esta razão as palavras em yoruba são
grafadas igualmente, quer se trate de plural ou de singular. Esta
distinção aparecerá sempre que for utilizada a grafia aportuguesada.

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É importante saber como o povo de Obàtálá pensa o céu.
Para nós, Yoruba, tudo o que existe neste mundo, incluindo o
céu e as nuvens, tudo era água. Nós acreditamos em
Olódùmarè, que é Deus, e em divindades que são
mensageiros de Olódùmarè, os Òrìşà. Eles moravam todos
no céu, entre as nuvens. O primeiro Òrìşà, a maior divindade,
se chama Obàtálá. Olódùmarè deu muitas tarefas para
Obàtálá fazer. Disse a ele para vir a este mundo, a Terra, e
criá-lo. Para isso, Olódùmarè deu a ele vários materiais:
terra, uma corrente (para descer das nuvens até a terra) e
folhas também, pequenas folhas chamadas de ewe koko.
Obàtálá desceu até a terra e no meio do céu. No meio do
céu existem nuvens que usou para descansar. E Obàtálá tem
uma esposa que é sua favorita, que se chama Yemòó. Eles
tiveram um filho entre o céu e a terra, não neste mundo, mas
nas nuvens. Esse filho se chama Obalesun, que significa “o
rei pode dormir”. No meio, entre o céu e a terra, eles tiveram
esse filho. Obalesun tem muita criatividade, como Obàtálá,
que é o deus da criatividade.

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Foi Obàtálá quem criou os seres humanos, foi ele quem criou
a terra, os animais e as florestas, porque ele tem a palavra
àse, que é a autoridade em sua boca. Para nós, Yorùbá, é
fundamental pensar a importância das nuvens, porque
existem três divindades que governam o mundo: kutu kutu
Obarisa, que governa de manhã, quando está
amanhecendo; Osangangan Obamakin, que governa à
tarde; e Ale tô nle rokun ra Osa, que governa à noite. É por
isso que existe manhã, tarde e noite. Essas três divindades
trabalham entre as nuvens e fazem transformações para que
manhã, tarde e noite existam.

27
Será que os Yoruba cultuam as nuvens? Sim, são feitas
orações para as nuvens através de Obàtálá, porque ele é
quem fez essa caminhada do céu para a terra. Hoje em dia,
durante o festival de Obàtálá, são lembrados esses
acontecimentos, são recordados os feitos de Obàtálá e
Yemòó. Lembramos que foi Obàtálá quem criou os seres
humanos, com a ajuda de Èșù, que também é divindade.
Depois que eles criaram o ser humano, o levaram até
Olódùmarè, no céu, entre as nuvens. Colocaram-no diante
de Olódùmarè e ele pôs a respiração no ser humano, por
isso nós respiramos fundo e fora. Todo esse trabalho foi feito
entre as nuvens, no céu, e não na Terra. Os Yoruba
reconhecem a importância das nuvens para a vida dos
orixás, pois era a morada deles antes de virem para a Terra.
Depois de Obàtálá ter criado a Terra, as pessoas e os
animais e plantas, os outros orixás usaram a corrente para
descer e chegar à Terra, na cidade de Ilé-Ifẹ̀, na Nigéria. Foi
nessa cidade que todos os orixás chegaram: Ifá, Ọ̀ṣun, Oyá,
Ṣàngó… Todas essas divindades começaram a governar
também: Obàtálá ficou na cidade de Ilé-Ifẹ̀, Ṣàngó foi para
Oyo, Ọ̀ṣun foi para Osogbo, Olokun foi para Lagos… Todas
essas divindades têm o poder de caminhar e usar a corrente
para ir até o céu falar com Olódùmarè.

29
Em alguns momentos, quando os Òrìşà ficam curiosos com
alguma coisa, ou lidam com algo que não estão
entendendo, eles usam essa corrente para ir até as nuvens e
conversar com Olódùmarè. Os Yoruba acham muito
importante a ligação entre nuvens, céu e terra, porque cada
um de nós que está aqui na terra, ou quando viaja de avião,
olha para o céu e vê aquelas imagens, vê aquele trabalho
incrível, pensa: “que trabalho lindo essas nuvens”. É por
essas nuvens que todos os Òrìşà costumam passar para ir a
Olódùmarè e conversar com ele. Obàtálá moldou as pessoas
com argila, ele é uma divindade da criatividade, que
podemos chamar de artista. Yemòó, sua esposa, também
era uma artista e usava todas as suas capacidades para
fazer coisas magníficas. Obàtálá e Yemòó usavam sua
inteligência para trabalhar com os seres humanos, para
trabalhar com as árvores, com as palavras, com os poderes,
para ajudar as pessoas no mundo Yoruba. Olokun, que é
uma divindade do oceano, também tem sua caminhada
entre as nuvens e depois volta para as águas dela. As nuvens
são muito importantes para os Yoruba. Para eles, o céu é
infinito, por isso ninguém pode dizer que conhecerá todo o
céu. Ninguém é capaz de conhecer todo o céu.

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Reconhecer o trabalho de Olódùmarè e dos Òrìşà, e o tanto
que eles já fizeram por nós, o tanto que já ajudaram os seres
humanos a entenderem os acontecimentos em suas vidas, é
fundamental para os Yoruba. São os Òrìşà que escutam as
coisas que nós pedimos e que levam essas orações até o céu,
passando pelas nuvens, até chegar diante de Olódùmarè.
Não existe um dia, ou uma atividade do ser humano, que não
passe pelas nuvens e chegue ao céu.

33
Obàtálá tem muitos poderes sobrenaturais, ele tem
autoridade. Obàtálá gentilmente colocou a água — chamada
Omi Ero, água de cura — na vida das pessoas para permitir
cura e uma vida muito boa. Obàtálá usou a água para curar a
cidade de Ilé-Ifẹ̀ quando ali aconteceram vários problemas.
Se houvesse qualquer problema na cidade, Obàtálá tinha nas
mãos o uso do poder da água. Antes de um Oba ser coroado
no Templo de Obàtálá, deve-se usar a água Omi Ero
colocando-a na cabeça da pessoa para que aquele ade —
coroa usada pelo rei em um dia no ano — seja pacífico para
ele. Todos Ooni — reis de de Ilé-Ifẹ̀ que ocupam esse cargo e
são considerados Òrìşà vivos na terra —, quando foram
coroados, também usaram esta água para ter paz.

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TAANI Olorisa? Quem acredita em Deus — Olódùmarè —
através de Òrìşà? Deus sabe quem o adora, e os Òrìşà sabem
quem acredita em Deus através deles. Nós, humanos,
sabemos quando somos favorecidos através de Deus e dos
Òrìşà? Os Òrìşà sempre favorecerão quem procurar por eles
querendo algo. Ninguém pode enganar a Deus, como nunca
se pode enganar Òrìşà.

39
Os textos deste capítulo são de Oba Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀,
nascido em Ilé-Ifẹ̀, na Nigéria. Filho do Ọ̀ṣun Asabi e Olaolu O.
O. Dada (Obalesun de Obàtálá Holytemple). Tem a religião
Yorùbá presente em sua vida desde seu nascimento. É
iniciado em Obàtálá, Ifá e Ọ̀ṣun. É um dos reis Isoro, foi
coroado rei tradicional no Templo de Obàtálá em Ilé-Ifẹ̀,
Nigéria, em 2018. Em 2023, foi promovido e recebeu um novo
cargo, o de Oribato, que está relacionado à medicina e cura.
É babalorixá e herbarista. Mora no Brasil desde 2014.

41
A CRIAÇÃO DO MUNDO,
A N T E S D O 1 º D I A E M I L É I F Ẹ̀
Olódùmarè deu para Obàtálá èwòn/chain (uma corrente),
ewe koko (folhas), igbin/snail (caracóis), iyepe iwarun (terra) e
akuko adiye elese marun (uma galinha de cinco dedos). Ele
colocou esses materiais numa mala que se chama àpò
láwonrínwon-jìwon-ràn, e colocou essa mala de àpò
láwonrínwon jìwon ràn na grande mala que se chama àpò
amònnà-jékùn. Depois, colocou essa mala de àpò amònnà-
jékùn em outra grande mala, onde podiam caber essas
matérias. Essa mala se chama àpò-àjàpà ou àpò nlá (grande
mala). Obàtálá pegou essas matérias todas e seguiu o
caminho. Quando Obàtálá chegou ao lugar que se chama
orita meta ete – um lugar localizado entre o céu e a atual
Terra que agora habitamos, este lugar era somente cheio de
água, como o atual Oceano – ele estava cansado. Obàtálá
viu emu (vinho de palma típico da Nigéria) e começou a
beber. Depois de ter bebido muito desse emu, ficou cansado
e dormiu. Odùduwà, seu irmão, era uma pessoa que gostava
de confusão e estava atrás de Obàtálá, seguindo-o.
Odùduwà percebeu que Obàtálá estava dormindo, e viu a
mala no braço direito de Obàtálá. Então, Odùduwà pegou a
mala, e Obátálá continuou dormindo.

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Então, Odùduwà caminhou até o lugar onde Olódùmarè
disse para Obàtálá colocar èwòn/chain (corrente) para
cima, presa no céu. Odùduwà viu que èwòn ficou presa e
pegou a mala de Obàtálá, que dormia, e usou essa ewon
(corrente) para chegar aonde só tinha muita água
(agbalagbalubu omi). Olódùmarè disse para Odùduwà
colocar folhas sobre a água, e Odùduwà fez isso, em
seguida colocou iyepe iwarun (terra) sobre as folhas, depois
colocou akuko elese marun (galinha de cinco dedos), e
depois colocou igbin/snail (caracol) e começou a espalhar
a terra sobre essas águas. Odùduwà começou a ver que a
terra estava mais larga, mas ela não ficou seca. Existia,
ainda, muita água. Para Odùduwà sair daquele lugar, usou
ewon (corrente) para voltar para o Orun (céu). Odùduwà,
ao ver que Obàtálá continuava dormindo, ainda retirou essa
ewon (corrente). Quando Obàtálá acordou, viu que não
estava mais com sua mala, a única coisa que ainda estava
com Obàtálá era o Àse (autoridade ou força) que
Olódùmarè tinha dado a ele. Só depois ele viu que estava
com seus opa itile (bengala) e Oje (bracelete).

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Opa itile era usado para andar e essa Oje era a esposa de
Obàtálá, que ele podia transformar em qualquer coisa. Entre
Obàtálá e Oje existia um acordo, que permitia que Obàtálá
pudesse transformá-la, em caso de necessidade. Obàtálá
disse a Oje para ir para as terras que estavam molhadas e
Obàtálá usou Oje para descer até a Terra. Assim, Obàtálá viu
que o trabalho que eles não mandaram Odùduwà fazer, ele
fez. Obàtálá tirou esse Àse (autoridade) para começar a
falar, ordenando tudo que quer ficar na Terra. Aquela terra
que ainda estava molhada, Obàtálá falou para que
começasse a ficar seca, para ter igi (árvores) e eranko
(animais). Depois, usou o opa Oje (bracelete) para voltar para
o céu. Olódùmarè perguntou para Obàtálá sobre o êxito de
sua tarefa na Terra, e Obàtálá explicou para Olódùmarè que
no orita meta ete (caminho) ele bebeu emu (vinho de palma)
e dormiu. Olódùmarè perdoou Obàtálá. Depois, Obàtálá
voltou até o lugar onde ele dormiu e jogou uma praga para
aquele emu, dizendo que qualquer devoto de Obàtálá que
bebesse emu (vinho de palma) não iria bem, por isso a família
de Obàtálá não pode beber emu. O segundo trabalho que
Olódùmarè deu para Obàtálá foi a criação dos humanos,
esse trabalho é conjunto entre ele e Èșù. E Obàtálá
perguntou para Èșù onde eles poderiam arrumar iyepe tutu
(terra molhada).

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Èșù disse para Obàtálá ficar tranquilo pois encontrariam terra
molhada. Disse que iria pegar emprestada a terra com Ilé
(mãe da terra). Foi Èșù quem buscou essa terra molhada, essa
argila, e foi Obàtálá quem a moldou, mas as pessoas ainda
estavam surdas. Nossos ancestrais, que iriam ser os primeiros
habitantes da Terra, ainda não falavam. Obàtálá foi quem fez
Odi (surdos). Antigamente, as pessoas eram chamadas de
surdas. A autoridade de Olódùmarè, de Deus, demandou que
Obàtálá e Èșù fizessem essas imagens de Odi (surdos), e,
posteriormente, eles deveriam colocar um buraco no meio das
cabeças dessas imagens e ir até alagbede orun (o ferreiro do
plano espiritual), lá onde este encarregado de trabalhar com
ferro fazia o seu sokoti alagbede orun (trabalho com ferro).
Assim, ele iria secar, com o calor do fogo usado por este
ferreiro, as imagens de argila feitas por Obàtálá. Olódùmarè
disse a Obàtálá, quando eles estivessem trazendo essas
imagens de argila, que já tinham passado pelo fogo usado
pelo ferreiro, para ele trazer um pouco de argila molhada
junto com ele, para que pudesse usar essa argila molhada no
buraco de cabeça que estava aberto. O único trabalho que
Olódùmarè fez no corpo dos humanos foi fazê-los respirar
vida em seus corpos.

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Depois que Olódùmarè soprou a vida naquele buraco da
imagem que estava aberto, Obàtálá fechou o buraco com
iyepe tutu (argila molhada). O Àse de Olódùmarè está em
todos nós até hoje. Quando nasce um filho, hoje em dia, na
cabeça da criança aparece a respiração para cima e para
baixo. Depois que Olódùmarè e Obàtálá terminaram aquele
trabalho de argila, foi dada a capacidade de respirar e a
imagem começou a falar com eles. Olódùmarè disse para
que essa imagem fosse junto com Obàtálá e Èșù para casa.
Depois que chegaram em casa, todas as conversas entre
Èșù e Obàtálá começaram a ser interrompidas por esses Odi
(corpo de surdo), que agora queriam falar o tempo todo.
Com isso, Èșù ficou com raiva e pegou um grande ferro e
começou a bater na imagem de argila, nos Odi (surdos).
Obàtálá ficou com medo disso e conversou com Olódùmarè,
que perguntou a Obàtálá se aqueles Odi (surdos) ainda
estavam respirando. Se assim fosse, que Obàtálá usasse
então o Àse dele para que todas aquelas coisas que tinham
sido destruídas no corpo da imagem de argila ficassem
bonitas. Foi assim que a imagem começou a se mexer, com
cabeça, pernas, começou a andar bem tranquilamente. Se
não fosse por estes atos de Èșù, de bater nas imagens de
barro, os Odi (corpos de surdos) nunca andariam.

54
Graças a Èșù ter destruído as imagens dos seres humanos,
escapamos de ficar parados, sem conseguir mexer nossos
corpos. E por que as pessoas morrem? Porque Èșù pediu
emprestada a terra para Ilè (mãe da terra), terra que foi
usada para fazer argila molhada. Ilè disse a Èșù que depois
que ele terminasse de usar essa terra (areia) para que Èșù
devolvesse a ela. Por isso as pessoas morrem: depois que Èșù
termina de usá-la neste mundo, ele a devolve para Ilè. A única
coisa que sai do nosso corpo, ao morrermos, é aquela
respiração que Olódùmarè soprou quando fez a imagem de
Odi, no nosso corpo de areia transformada em argila, com o
uso da água colhida na Terra. Em seguida, aconteceu o
terceiro trabalho de Obàtálá. Depois que Obàtálá e Èșù
voltaram à Terra, já existiam mais árvores do que humanos, e
essas árvores traziam produtos muito bons e não tinha
ninguém para colhê-los. Deliciosos frutos. Com o tempo,
esses produtos começaram a apodrecer. E não havia ninguém
para colhê-los. Obàtálá voltou até Olódùmarè e disse que
não tinha muitas pessoas no mundo, que já existia mais
comida que pessoas. Olódùmarè disse para Obàtálá, que
ainda estava com o Àse dele, para usar isso no mundo e para
transformar as árvores em humanos, em pessoas.

56
Se ele (Obàtálá) visse animais, poderia também transformá-
los em humanos. Hoje em dia, temos pessoas que são de omo
eranko (animais). As pessoas que são de animais são aquelas
que tudo que os parentes dizem nunca vão ouvir, só depois de
muito conselho é que ouvirão. Temos pessoas que são de aja
(cachorros), essas são pessoas que, em qualquer lugar onde
estejam, podem praticar ato sexual. Outro são omo igi, os que
são de árvores, são aqueles que não ouvem os parentes
também, só depois de muito conselho é que ouvirão. Até hoje
existe esse tipo de geração. Obàtálá teve 201 esposas e foi
quem teve mais filhos entre os Òrìşà. As pessoas que têm
corpos claros se chamam Oyi. Oyi era uma esposa de
Obàtálá. Ela deu um filho para Obàtálá, um filho albino, e as
outras esposas, com ciúmes, não deixaram que ela tivesse
paz. Oyi trouxe o filho para entregar a Obàtálá ao perceber
que o corpo dele era todo branco. Obàtálá ficou chateado,
disse que as outras esposas não deixaram que Oyi ficasse na
casa dele, e isso o impediu de verificar se o filho deles estava
mesmo todo branco. Obàtálá disse para esse filho se ajoelhar
na frente dele, e fez oração para esse filho. Disse: “Como
essas outras esposas não me deixaram cuidar de você, você
será um filho muito abençoado”.

58
Todos nós, os descendentes destes ancestrais, primeiros
habitantes da Terra, a partir da África, somos filhos de
Obàtálá. Oriki Obàtálá o sun si ile fi oje ti ikun oni ile Ji oje o
Ji. Esse oriki tem ligação com a esposa de Obàtálá, porque
ela sempre está com Obàtálá, a cada momento Obàtálá
ama mais as duas esposas entre todas as que ele tem. As
duas são Oje e Aje Yemòó. Yemòó costuma fazer as roupas
de Obàtálá, ela é costureira e faz roupas muito bonitas, cria
lindas obras de arte com suas costuras. O lugar onde Yemòó
faz as roupas de Obàtálá ainda está aqui, em Ilé-Ifẹ̀. Ele se
chama Ita Yemòó, mas hoje há nele um museu. Foi assim que
Obàtálá fez o seu trabalho. Depois que o mundo começou a
ficar maior, Odùduwà deu outro problema para Obàtálá, e
assim Obàtálá deixou cidade de Ilé-Ifẹ̀. Obàtálá foi o
primeiro a chegar em Ilé-Ifẹ̀. Esse lugar onde viveu Obàtálá
é o nosso atual iranje idita (Groove/Bosque), até hoje usado
em nossos rituais no Festival Anual de Obátálá. Obàtálá se
chama mori mori alamo tin mori omo tuntun alamo rire, que
quer dizer aquele que molda a cabeça das crianças.

60
Obàtálá pôde criar o ser humano do jeito que quis. Hoje em
dia, a Religião Obàtálá, para todo o Mundo, é uma Religião
de Culto ao Òrìşà que todos nós admiramos. Nós cultuamos
e fazemos oração para Obàtálá. No Templo de Obàtálá,
acontece o Ade Aare de Ooni, a coroação dos novos reis.
Quando um novo rei é escolhido, ele recebe a coroa no
Templo. O Ooni (atual rei de Ilé-Ifẹ̀) usará a coroa (Ade
Aare) durante a festa anual, no Festival de Olojo, festividade
que rememora o primeiro dia em que os Òrìşà chegaram na
Terra. É neste lugar, Templo de Obàtálá, que todo rei de Ilé-
Ifẹ̀ é coroado com Ade. Obàtálá e Òrìşà são muito
importantes no mundo.

62
É importante um esforço para tornar a Religião
Tradicional Yorùbá uma prática religiosa, uma forma de
cultuar Orixás mais saudável e atrativa. Por isso que
venho lutando contra um hábito antigo, desde que assumi
o cargo de Obalesun de Obàtálá Holytemple em 2013.
Antigamente, durante o Festival de Obàtálá e de Yemòó,
era mais difícil atrair a participação das pessoas que não
eram iniciadas e cultuavam Obàtálá. Isso até criava um ar
de estranhamento ao verem as pessoas de Obàtálá nas
ruas. As pessoas caminhavam para perto, curiosas, e
alguns iniciados em Obàtálá temiam que estas pessoas
atrapalhassem a passagem das procissões, não
interrompendo o trânsito para que elas passassem, no
momento em que saiam do Templo de Obàtálá em
direção a Iranje Idita (lugar do primeiro Templo de
Obàtálá) ou ao Palácio do Ooni - o rei de Ilé-Ifẹ̀ - em
dias importantes. Alguns sacerdotes de Obàtálá
chegavam a pegar a vara de Àtòrí para impedir barulho,
nos dias em que as procissões passavam silenciosas, ou
motoristas apressados de motos e automóveis, que
insistiam em passar antes da procissão de sacerdotes e
sacerdotisas, ou no meio da passagem da procissão, por
determinada rua mais movimentada.

64
Alguns membros do Templo de Obàtálá chegavam a bater
nas pessoas com o Isan, um tipo de árvore pequena que
produz varas de Àtòrí que são preparadas com ervas, o que
deixava as pessoas atingidas por essas varas doentes nos dias
posteriores. Isso obrigava os doentes a irem ao Templo de
Obàtálá de Ilé-Ifẹ̀ para buscar alguma solução, feita com
ervas, para passar as dores advindas dos toques das varas de
Àtòrí nos corpos delas. Elas só conseguiam melhorar com
esses remédios feitos com ervas. Eu procurei mudar este
hábito, se queremos mais pessoas ao nosso lado, não
devemos tornar a religião difícil para as pessoas. Assim, nos
dias atuais, durante o Festival Anual e Internacional de
Obàtálá, em janeiro, nenhuma pessoa bate nas outras
pessoas que assistem à passagem das procissões pelas ruas
de Ilé-Ifẹ̀. Todo mundo tem acesso ao Festival para assistir e
ver o Povo de Obàtálá durante o Festival. Se somos nós que
estamos fazendo o Festival, porque devemos afastar nosso
povo Yorùbá? Então, o importante é atrair e não afastar as
pessoas de um Festival tão lindo, e que traz paz para a vida
delas e da cidade de Ilé-Ifẹ̀.

66
Hoje em dia, ninguém rejeita ser filho de Obàtálá, cultuar ou
se iniciar em Obàtálá, por entender que as festas e as formas
de cultuar, hoje, são algo que consegue exercer uma boa
atração e traz paz para todos. Cultuar Obàtálá significa
religião, tradição e aprendizagem Yorùbá. Foi Obàtálá quem
chegou primeiro, aqui, na Terra, num lugar chamado Iranje
Idita, primeira casa de Obàtálá em Ilé-Ifẹ̀. Foi Olódùmarè
(Deus) que deu o nome Òrìsànlá para Obàtálá.

68
Oje é uma das mulheres de Obàtálá, e a favorita entre
suas mulheres é Yemòó. Oje ajudou Obàtálá em um
momento difícil e entre Oje e Obàtálá existia um acordo
de que Obàtálá poderia usá-la da forma que ele quisesse,
transformando-a para ajudá-lo em alguma tarefa. Foi Oje
a mulher que ajudou Obàtálá a descer do céu para Terra,
tomando o formato de uma bengala de cobre. Obàtálá
teve muitas mulheres, e foi até mesmo traído por algumas
delas. Então, algumas mulheres foram transformadas em
tambores. Ilu foi uma das mulheres de Obàtálá que virou
tambor. Igbin foi outra mulher de Obàtálá que virou
tambor. Em todos os oses (momentos de orações e
oferendas a cada quatro dias), festivais e eventos
importantes, no Templo de Obàtálá, são tocados tambores.
O tambor Igbin e o tambor Ilu são tocados. Entre todas
estas mulheres, Obàtálá amou mais Yemòó e Oje.

72
Òsóòsí é um orixá importante na vida de Obàtálá. Ele sempre
acompanhava Obàtálá em sua jornada de vida. Òsóòsí
protegia Obàtálá todos os dias. Quando Obàtálá queria ir a
um evento, Òsóòsí sempre fazia a vigilância naquele lugar,
antes de Obàtálá ir, para decidir se era seguro ou não.

74
Texto de Olaolu Oladotun Okanlawon Dada Ooo Dada, o
mais importante Sacerdote do Templo de Obàtálá de Ilé-
Ifẹ̀, chefiando a Religião e Culto a Obàtálá, desde 2013,
ocupando o cargo de Obalesun. Tradução e revisão de
seu filho Oba Ojele Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀ e de Yeye
Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀. Originalmente publicado na
Revista ClimaCom, em 2019, disponível em:
https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-criacao-
do-mundo-em-ile-ife/.

76
OBÀTÁLÁ E YEMÒÓ,
CRIADORES DE CRIATURAS E
INSEPARÁVEIS NA TERRA E NA
VOLTA AO ORUN
A dupla sagrada Obàtálá e Yemòó é incontestável para nós,
Obà Oribato e Yeye Oribato, iniciados e parte do grupo de
sacerdotes e sacerdotisas do Templo de Obàtálá de Ilé-Ifẹ̀.
Este fato é repetido em muitas narrativas orais, nos diversos
rituais que ocorrem no Obàtálá Holytemple, o Templo
localizado nas proximidades do Palácio do Ooni de Ilé-Ifẹ̀ e
dedicado ao culto de Obàtálá e à mulher dele, a Òrìşà
Yemòó. O mais velho é o líder de todos os Òrìşàque vieram
posteriormente, isso se deu a partir do gesto de Olódùmarè
chamando Obàtálá, antes de qualquer outra divindade, para
o projeto de criação divina deste mundo em que vivemos, a
Terra. Oba Ti O Ni Ala, ou seja, Obàtálá, é a divindade que
atendeu e seguiu o projeto de Deus. Um(a) Òrìşà é aquele(a)
Grande Orí, possuidor(a) de visão, de capacidade de sonhar
e de realizar. Assim, em particular, o Òrìşà Obàtálá é ao
mesmo tempo o rei que lidera através e sobre os sonhos,
sobre as visões, sobre as purezas, sobre aquilo que é surreal,
e, ao mesmo tempo, sobre o que é misterioso, translúcido,
divino, puro, facilmente visível, limpo e incomensurável.

83
Obàtálá é a divindade que age e, ao agir, cria destinos
voltados aos humanos, sendo um ONILAJA (aquele com
potência para julgar ou confortar). São fontes advindas de
Obàtálá seus modos de agir para que cada ser humano
tenha bom caráter e excelentes sentimentos como
tranquilidade, calma, bondade, pureza, harmonia, gentileza,
mansidão e a esperança na superação das dificuldades e
das dores inerentes ao viver humano. Obàtálá é,
concomitantemente, o criador das criaturas e aquele que
contorna ou aperfeiçoa os erros das criações das criaturas.
Opera como um hábil e grande mediador (ALAGBAWI),
servindo à Suprema Autoridade de Deus/Olódùmarè,
corrigindo as imperfeições humanas, compreendendo e
obtendo poderes sobre as doenças, impedindo ou fazendo
com que se possa entender a morte. Lembrando que, embora
exista a morte física, isso não significa que se chegou ao fim
de tudo. Obàtálá Obatarisa Òsàla Oseèrèmagmo, o Òrìşà
da criatividade e da criação, foi o escolhido pela Suprema
Autoridade, pelo Comandante Supremo dos céus e da Terra,
Deus, ou seja, Olódùmarè. Obàtálá recebeu de Olódùmarè a
missão de criar a Terra onde pisamos, as plantas, as árvores,
os pássaros e todos nós, as criaturas humanas, escolhendo
Ilé-Ifẹ̀ como a primeira morada do criador Obàtálá, da sua
família e das criaturas.

85
Obàtálá Alabalase é a divindade-comandante do desejo da
realidade espontânea, multiplicando o número de criaturas na
Terra, fazendo surgir a novidade sobre a superfície da Terra,
reunindo, entre as qualidades das criaturas que ele foi
criando, as capacidades múltiplas de atrair pureza,
prosperidade, beleza, harmonia e paz, ofertando-as gentil e
esperançosamente aos seres humanos. Òrìşà Obàtálá foi o
fundador do Primeiro Templo em Iranje Idita, nos arredores de
Ilé-Ifẹ̀, e era popularmente conhecido como Obàtálá
Obatasa Obatakun Takun Lode Iranje. Depois de viver tantos
anos na Terra, na Nigéria, Obàtálá decidiu virar uma pedra-
relíquia (Estátua). Yemòó optou pelo mesmo desfecho. Assim,
Obàtálá e sua inseparável mulher Yemòó viraram estátuas. As
estátuas estão bem protegidas e costumam ser trazidas
envoltas em panos brancos e ficam no Templo de Obàtálá por
todo o período do Festival. São lavadas com ervas e águas
em um dos dias mais especiais do Festival que acontece em
janeiro. Não se deve entender que nós cultuamos estatuetas
de pedras. As estatuetas são as materializações das
trajetórias terrestres deste casal de Òrìşà, Obàtálá e Yemòó.

87
Obàtálá e Yemòó são lembrados nos momentos de Ose,
aquelas orações e oferendas que ocorrem a cada quatro
dias, seguindo a semana de quatro dias de cultos, comuns
aos sacerdotes de Ilé-Ifẹ̀, sendo que o primeiro dia é
dedicado ao Òrìşà Obàtálá, a Òrìşà Yemòó e aos demais
Òrìşà associados ao casal, incluindo outros Òrìşà e os filhos
deste casal sagrado, além dos filhos de Obàtálá com suas
outras mulheres, totalizando 201 mulheres. Obàtálá veio com
Yemòó e já lá no espaço entre os céus e a Terra,
descansando entre as nuvens, nasceu o primeiro filho,
Obalesun (significa “o rei pode descansar”). Outros filhos de
Obàtálá nasceram em Ilé-Ifẹ̀. Alguns deles são mais
conhecidos em países da diáspora africana e em países como
o Brasil, onde são conhecidos alguns dos 201 Òrìşà cultuados
pelo povo Yorùbá. Algumas religiões afro-brasileiras cultuam
alguns destes filhos do casal. Outros, assim como a Òrìşà
Yemòó, são desconhecidos no Brasil.

93
A Òrìşà Yemòó exercia o ofício da costura, e costurava
para Obàtálá. Nos tempos disponíveis, Yemòó costurava
para outros Òrìşà. Isso não era algo incomum entre as
Òrìşà. A Òrìşà Olokun, mulher do Òrìşà Odùduwà, era hábil
artesã de ade (coroas reais) e ileke (pulseiras e colares)
para o rei de Ilé Ifè, o Òrìşà Odùduwà. Além destas
tarefas, Olokun fazia ade e ileke para os outros Òrìşà.
Assim, as narrativas orais colocam as mulheres de Obàtálá
e de Odùduwà como protagonistas nas artes da costura e
das feituras de coroas e pulseiras.

95
Foto de Obà Oribato
O b à t á l á I l é - I f ẹ̀ , n o Y e m ò ó
Groove, nas proximidades
do Bosque, lugar do
Primeiro Templo de
Obàtálá, em Iranje Idita.
Este lugar está aos
cuidados das autoridades
d a C i d a d e d e I l é - I f ẹ̀ . L á ,
foram realizadas
escavações arqueológicas
nos séculos XX e XXI, com
publicações sobre os
resultados. Para os
iniciados em Obàtálá, este
lugar é sagrado e remete
ao trabalho de Yemòó
como costureira.

96
Òrìşà Yemòó, criadora de roupas, design das mais antigas
vestimentas da Terra, versada na arte das costuras, artesã das
roupas brancas de Obàtálá, é cultuada junto com Obàtálá do
primeiro até o último dia do Festival Internacional e Anual de
Obàtálá, na segunda quinzena de janeiro. No dia 14 de
janeiro, acontece o chamado o dia Osan Ojua. Neste dia de
purificação e preparação para os próximos dias do Festival,
Òrìşà Yemòó é cultuada com Obàtálá. Já do lado externo e
antes do acesso à parte interna do Templo de Obàtálá, existe
um espaço dedicado ao culto constante da Òrìşà Yemòó. Lá
ficam as mulheres iniciadas em Obàtálá, e, portanto, em
Yemòó também, lideradas por uma mulher. Essa liderança
feminina é a Yeyel’Orisa Obàtálá Agbaye, responsável por
receber as demais mulheres, sejam ou não iniciadas no
Templo de Obàtálá. Yeyel’Orisa Obàtálá Agbaye é a
responsável por fazer orações e oferecer obis para Yemòó
neste lugar sagrado.

97
Eyindi, no Templo de Obàtálá de Ilé-
I f ẹ̀ , é o e s p a ç o d e c o n v i v ê n c i a s o c i a l
e culto das mulheres aos Òrìşà
Obàtálá e Yemòó. Aqui, as mulheres
oram, cantam, conversam sobre
assuntos relacionados aos cultos e
assuntos alheios a eles. Falam sobre
a vida, conversam e dão
gargalhadas, recebem as visitantes,
dividem e comem as porções de
cabra, molho de egusi e inhame
cozido e pilado. Os homens não
costumam se sentar entre as
mulheres, conversam rápido e seguem
para outros espaços. Mulheres de
diversas idades usam este espaço
como o lugar o feminino no Templo.

100
Eyindi é o aconchegante e pequeno lugar sagrado
dedicado a Òrìşà Yemòó, a esposa mais confiável de
Obàtálá. Este lugar é onde todas as mulheres iniciadas e
que cultuam Obàtálá no Templo Sagrado de Obàtálá - o
Obàtálá Holytemple - permanecem juntas e sentadas
para adorar Obàtálá e Yemòó. Mulheres que visitam o
Templo de Obàtálá se sentam em Eyindi e conversam
com as demais mulheres iniciadas no Templo. O lugar
está localizado atrás da parte interna do Templo
acessível a algumas autoridades sacerdotais. Nesse
espaço interno são feitas as oferendas e é onde estão os
assentamentos de Obàtálá e Yemòó. Este espaço
feminino, no lado de fora, é um lugar de guardiãs do
casal de Òrìşà que cultuamos. Todos que adentram as
partes mais internas do Templo de Obàtálá terão, como
uma das primeiras visões, este lugar do sagrado feminino
das mulheres iniciadas em Obàtálá e Yemòó.

101
A Primeira Iyalorisa é a responsável por jogar Obi todos os
dias na companhia das várias Yeyes e de outras mulheres
que vão ao Templo de Obàtálá para cultuar, visitar, iniciar ou
participar de festivais. Juntas, todas as mulheres cantam,
dançam e louvam Obàtálá e Yemòó, entoando Oriki, em que
os nomes de Obàtálá e Yemòó são entoados e são repetidos
os nomes e feitos sagrados de Obàtálá e Yemòó. Na foto
anterior, é possível ver, no chão, as quatro partes do obi que
é, ao mesmo tempo, uma oferenda retirada de uma árvore e
oferecida para Obàtálá e Yemòó e um instrumento para
consultas oraculares simples feitas ao casal de Òrìşà. Isso
costuma acontecer a cada quatro dias, nos dias de Ose, e
ainda no Festival de Obàtálá e Yemòó, na segunda quinzena
janeiro. Nós cultuamos, constantemente, Obàtálá e Yemòó,
por entendermos que merecem reverência. Assim repetimos
que o grande construtor do nariz e do olho é o responsável
pelo envio de cada um de nós para viver temporariamente na
Terra. Aquele que faz os olhos, faz o nariz. É Òrìsànlá, vou
servir. Aquele que faz um como ele escolhe, é Obàtálá, vou
servir. Aquele que me enviou para a Terra é Obatalasa, eu
vou servir. Por isso, cultuamos Obàtálá e Yemòó.

103
Além da Yeyel’Orisa Obàtálá Agbaye, existem outras Yeyes
com títulos relacionados às filhas de Obàtálá e aos cultos
de outros Òrìşà dentro do Templo de Obátàlá.
1) Yeyel'Orisa Obatala;
2) Yeyel'Etiko Obatala;
3) Yeye l'Ominrin Obatala;
4) Yeyemokun Obatala;
5) Yeye Niwe Obatala;
6) Yeye L'Otun;
7) Yeye Oso Obatala;
8) Yeye Amero;
9) Yeye Awise;
10) Yemooseun;
11) Yeyelefun;
12) Yeye Amubo.
Outras Yeyes do Templo de Obàtálá de Ilé Ifè: Yeye Asa,
Yeye Akala, Yeyel’otun, Yeye Aala, Yeye Lorigbo, Yeye Lato,
Yeye Ewe, Yeye Oshoosi, Yeyel’oriomo, Yemogbe, Yeye Oge,
Yeye Osun, Yeye l’efun, Yeye Ojele, Yeye Oribato, entre
outras Yeyes.

105
Os nomes das filhas de Obàtálá são hoje usados para
denominar as funções e cargos das mulheres no Templo de
Obàtálá. Já os reis sacerdotais do Templo de Obàtálá são
chamados na língua yoruba de Obà Isoro (em português se
pode traduzir por reis sacerdotais, e assim diferenciá-los de
reis de alguma cidade nigeriana). Seus nomes são escolhidos
entre os nomes de alguns dos filhos de Obàtálá:
1) Obalesun;
2) Obanunrin;
3) Obalale;
4) Obaluru;
5) Orisagbuyin;
6) Orisawusi;
7) Koakomi;
8) Oribato
9) ObaAwise;
10) Obaatala;
11) Obalefun;
12) Oba Ojele;
13) Oba L’otun;
14) Oba Iwe;
15) Leemo;
16) Oba Akala;
17) Orisaate.

107
Nomes de alguns sacerdotes de Obàtálá que foram coroados
como Obalesun Obàtálá Agbaye, o mais importante rei
sacerdotal (Obà Isoro):
1) Lakandi; 2) Ifanunhunre; 3) Aafakan; 4) Ore Ole lakandi;
5) Lorilaba; 6) Fawusi; 7) Ogundo Odarabiepa;
8) Ifadiora; 9) Oso Onisu.

Até aqui, o que se pode supor é que os últimos desta lista já


exerceram o cargo de Obalesun no século XX e os primeiros
podem ter sido Obalesun no século XIX.
10) Lumiloye (morreu em 1954); 11) Ojo Odarabiepa (morreu em
1956); 12) Oladide (morreu em 1973); 13) Owa Ifanihunre;
14) Araromi; 15) Oni Egbefoyin Odarabiepa (morreu em 2003);
16) Olagundudu (morreu em 2009); 17) Oloogunebisi (morreu
em 2012).
O atual Obalesun é Olaolu Oladotun Okanlawon Dada
Lakandi, coroado em fevereiro de 2012.

Referências
Dada, Obà Isoro Olaolu Oladotun Okanlawon. Odun Obàtálá Orisanla
Iranje Idita – Akosile Odun Meji. Ilé Ifè, 2015.

109
Nós somos do Templo de Obàtálá e estamos relacionados aos
cultos dos ancestrais, através do Òrìşà Egungun. Assim somos
Obà Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀ e Yeye Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀.

111
Este capítulo foi escrito por Yeye Yeye Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀
(Maria da Glória Feitosa Freitas) — na foto, ao lado de Olaolu
O. O. Dada. Faz parte do grupo de Yeyes (Yeses Lorisa) de
Obàtalá do Obàtalá Holytemple e é Yeye de Orisa Egbe
Orun, integrante do Iledi Olódùmarè Ọ̀ṣun Asabi. Em 2023, foi
promovida e recebeu um novo cargo, o de Oribato,
relacionado à medicina e a cura. É doutora em Educação
Brasileira (Universidade Federal do Ceará) e mestra em
Psicologia e Educação (Universidade de São Paulo).
Atualmente, atua na educação à distância (EAD) como
autora de livros eletrônicos e revisora de conteúdos com
experiência em diversas editoras (Platôs - Edserv
Plataform/Kroton, Telesapiens, Grupo SER, Dtcom/Laureate e
Sagah) e Universidades/Faculdades (Unicap, Uniandrade,
Unidrummond, Uniasselvi, FAM e Fassouza). É formadora
docente no Núcleo para Educação das Relações Étnico-
Raciais (Neer) da Secretaria Municipal de Educação, na
Prefeitura Municipal de São Paulo.

113
O TEMPLO DE OBÀTÁLÁ
Ereketa é um lugar aberto onde está localizado Ona Orisa,
com pinturas murais de objetos associados a Obàtálá e
Yemòó. Este lugar também serve como um ponto de
encontro para os membros da família Idita/Obàtálá. Ereketa
é também um lugar onde muitas atividades costumam
ocorrer, tanto durante o Festival de Obàtálá quanto na
coroação de um novo Obà e na cerimônia de nomeação do
bebê recém-nascido para aqueles que querem nomear seu
filho diante de Obàtálá e Yemòó.

124
Existe um Pote Espiritual Poderoso em Ile-Nla, inesgotável,
que é chamado de Osunkogbe, e que nunca seca, embora
a água seja reabastecida no pote ocasionalmente para
manter um nível adequado. Este pote consome, para
manter o nível de água esperado, cerca de 300 litros de
água diariamente. Ninguém sabe para onde vai a água, e
os arredores nunca ficam molhados. Surpreendentemente,
se nenhuma água for derramada dentro do Pote, ou se não
houver ninguém por perto para despejar água nele por
vários dias ou meses, o Pote permanece retendo água em
seu interior. OsunKogbe nunca seca.

130
Iroko Alaato, árvore e divindade, faz a diferença no Templo
de Obàtálá, em Ilé-Ifẹ̀. Orixá Obàtálá demonstrava grande
afeição por Iroko Alaato. Consideramos que essa árvore e
divindade costuma contribuir para abrir nossos caminhos e
nos trazer muitas coisas boas e necessárias. A relação de
Obàtálá com Iroko Alaato era bastante intensa. Obàtálá
procurava estar perto de Iroko Alaato nas horas em que se
sentia confuso e buscava alternativas para os impasses da
existência de Obàtálá emi em Ilé Ifè, primeira morada dos
Orixás na Terra, pelo tempo que permaneceu até o
regresso ao Orun. Assim, continuamos protegendo Iroko
Alaato, a companhia fundamental nas horas de incerteza
de Obàtálá. Para nós, do Templo de Obàtálá de Ilé-Ifẹ̀,
Iroko Alaato é considerada como Òrìşà.

132
Os textos deste capítulo são de Obà Oribato
Obàtálá Ilé-Ifẹ̀ e Yeye Oribato Obàtálá Ilé-Ifẹ̀ (Maria
da Glória Feitosa Freitas).

134
COROAÇÃO DE OBA ISORO
NO TEMPLO DE OBÀTÁLÁ
A coroação é algo importante e significativo para o povo de
Obàtálá em Ilé-Ifẹ̀ quando falamos de Obà (Rei) Tradicional
Yorùbá. Os Obàs têm a responsabilidade mais importante no
Templo de Obàtálá. O chefe de todos os Obàs, no Templo
de Obàtálá, é Obalesun. Ele é o primeiro entre todos os
Obàs. O processo da coroação dura alguns dias e envolve
algumas atividades, desde a obtenção de todo o material
necessário à caminhada até a casa do novo Obà para
realizar rituais importantes. Os dias importantes da coroação
de Obàtálá são Ojo idijo (dia do anúncio), Ojo igboye (dia
que a pessoa recebe a coroação) e Ojo igbade (dia em que
a pessoa recebe a Coroa).

141
O dia do anúncio é aquele em que todas as
pessoas presentes no Templo de Obalesun, outros
Obàs, Iyalorisas e outras Yeyes, caminham do
Templo de Obàtálá até a casa do novo Obà.
Rituais importantes começam para o novo Obà
com a feitura de oferendas com os materiais
disponíveis. Após terem sido feitas as oferendas,
todos os Obàs e Yeyes, presentes no evento,
comem, e em seguida realizam alguns rituais
específicos de dança e canto para o novo Obà.

143
O dia da coroação é outro dia importante
durante este evento em que um sacerdote do
Templo de Obàtálá se torna um novo Obà (rei
sacerdotal). O novo Obà, vivenciando os ritos de
sua coroação, vai ao Templo de Obàtálá levando
alguns materiais como ewure (uma cabra), obi
(noz de cola) e um pano branco. O novo Obà vai
com todos esses materiais diante do Obalesun, o
mais importante sacerdote do Templo. Lá estão
também muitos outros Obàs e Yeyes do Templo
de Obàtálá e até Obàs e sacerdotes de outros
Templos que vão presenciar a coroação. Feito o
sacrifício da cabra, todos no Templo caminham
novamente para a casa do novo Obà com
tambores e música. Depois disso, eles irão comer,
beber e cantar para o novo Obà.

145
O terceiro dia é o de recebimento da coroa, dia
em que o novo Obà será finalmente coroado. O
novo Oba irá ao templo com alguns materiais
específicos para serem usados como sacrifício
diante de Òrìsà Osoosi, guardião de Obàtálá.
Após o sacrifício para Osoosi, finalmente os Obàs
e Yeyes, no Templo de Obàtálá, anunciarão, na
frente de Obàtálá, com muita música e dança, o
novo Obà ou nova Yeye coroado. Várias atividades
costumam acontecer acompanhadas de muita
música, tanto do povo Obàtálá quanto de outros
que fazem parte do templo Òrìsà em Ilé-Ifẹ̀.
Depois da música e da dança, todos caminham até
a casa do Obà para se alegrarem com ele.
Quando todos tiverem comido, eles também farão
as mesmas coisas feitas no Templo: cantam e
dançam diante do Obà, começando por Obalesun,
seguido pelos outros Obàs e Yeyes.

147
A expressão Eruwadaji é usada para saudar os Obàs Isoro
de Obàtálá Holytemple, os reis do Templo de Obàtálá de Ilé-
Ifẹ̀. Eruwadaji é usada para saudar aqueles sacerdotes de
Obàtálá que receberam um título sacerdotal e foram
coroados como Obàs. Somente o Ooni de Ilé-Ifẹ̀ é saudado,
além destes sacerdotes chamados Obàs, com o uso da
palavra de saudação Eruwadaji (na pronúncia correta o “e”
é fechado, o “w” é pronunciado como u e o “j” é
pronunciado com som de letra “d”). Na Nigéria, outra palavra
muito conhecida para saudar Reis é Kabiesi, mas não é
habitual que os Obà de Obàtálá Holytemple sejam
chamados por esta palavra. Só usamos Eruwadaji para
saudações aos Obàs. Eruwadaji significa o mesmo que “Eru
Eni”, que é uma saudação de um súdito ao rei, um modo de
falar com um rei semelhante à expressão “His royal highness”
(Sua Alteza Real). Se quisermos saudar os Òrìşà Obàtálá e
Yemòó, usamos Eruwadaji. Também usamos Eruwadaji para
saudações ao Ooni, pois Ooni é considerado um Òrìşà.
Assim, Ooni é também chamado pelo nome Oonirisa
(expressão que reúne Ooni e Òrìşà).

149
Os textos deste capítulo são de Olaolu O. O. Dada, Obà
Ojele Oribato Obàtálá Ilé Ifè e Yeye Oribato Obàtálá Ilé Ifè
(Maria da Glória Feitosa Freitas). As fotografias deste livro
são de Obà Oribato Obàtálá Ilé Ifè e Susana Oliveira Dias.
Os desenhos e colagens digitais apresentados no decorrer
deste livro são de Susana Oliveira Dias que, na foto ao lado,
está no Templo de Obàtálá, na cidade de Ilé-Ifẹ̀, ao lado de
Ọ̀ṣun Asabi e seu filho Obà Oribato Obàtálá Ilé Ifè. Susana é
artista e bióloga, pesquisadora e professora do Programa de
Pós-graduação em Divulgação Científica do Laboratório de
Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de
Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). É líder do grupo de
pesquisa multiTÃO e editora da Revista ClimaCom.

157

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