A Distrofia Muscular de Duchenne E A INCLUSÃO - Um Estudo de Caso

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Universidade de Aveiro Departamento de Educação

2012

ANABELA BASTOS A DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE E A


MARTINS DE ALMEIDA INCLUSÃO – um estudo de caso

Relatório de Estágio apresentado à Universidade de Aveiro para cumprimento


dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências da
Educação, área de Especialização em Educação Especial, realizado sob a
orientação científica da Doutora Paula Ângela Coelho Henriques dos Santos,
Professora Auxiliar do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro,
e coorientação da Doutora Maria de Fátima Ferreira de Andrade Costa,
Professora Auxiliar Convidada do Departamento de Educação da Universidade
de Aveiro.
o júri
presidente Prof. Doutora Marlene da Rocha Miguéis
Professora Auxiliar do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro

Vogal- Arguente Principal Prof. Doutora Ana Paula Silva


professora Auxiliar do instituto de Educação da Universidade do Minho

Vogal- Orientadora Prof. Doutora Paula Ângela Coelho Henriques Santos


professora Auxiliar do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro

Vogal- Coorientadora Professora Doutora Maria de Fátima Ferreira de Andrade Costa


professora Auxiliar Convidada do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro

II
agradecimentos
Agradeço à minha orientadora, Professora Doutora Paula Santos, cuja
orientação e apoio permanente foram cruciais para a conclusão deste trabalho.
Aliada à sua competência científica destacam-se excecionais qualidades
humanas, que a tornam uma pessoa única e especial.

À minha coorientadora, Professora Doutora Maria de Fátima Costa, pela


atenção, disponibilidade e pelas suas palavras de encorajamento.

Ao Juca pelo seu sorriso fabuloso, capaz de contagiar de alegria quem dele se
abeira.

Aos professores e alunos do agrupamento que diretamente se cruzaram neste


trabalho. O contributo e a participação de todos foram ajudas preciosas.
À minha família, pelo irrecuperável tempo que lhes subtrai, nesta minha ânsia
de saber.

III
palavras-chave Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente (NEEP), Distrofia
Muscular de Duchenne (DMD), Inclusão, Currículos Específicos Individuais e a
Aprendizagem da Leitura e da Escrita.

Resumo Este trabalho, enformado numa vertente de estudo de caso, aborda as


questões emergentes e ilustra as ações desenvolvidas no processo de
inclusão de um aluno com 12 anos portador de Distrofia Muscular de
Duchenne, doença incurável, progressiva e degenerativa. Numa fase mais
avançada da doença as limitações funcionais levam à dependência de
cuidadores, e o paciente, geralmente, acaba por sucumbir precocemente. No
momento atual, apesar de apresentar um comprometimento motor acentuado,
ainda mantém a capacidade de marcha autónoma. Frequenta o 5º ano de
escolaridade, usufruindo da medida educativa Currículo Específico Individual
(CEI), não tendo ainda adquirido a competência da leitura e da escrita, apesar
de aparentemente reunir alguns dos pré-requisitos necessários Os objetivos
que nortearam a ação passaram por promover as suas competências de
leitura e escrita, a articulação entre os diferentes intervenientes no seu
processo educativo, a sua inclusão na comunidade educativa e o
conhecimento sobre sistemas/estruturas de apoio à pessoa com DMD.

IV
Keywords
Permanent Special Education Needs (PSEN), Muscular Distrophy Duchenne
(MDD), Inclusion, Specific Individual Curricula and Reading and Writing Skills .

abstract This work, based on a case study, deals with emerging issues illustrates the
measures taken in the process of inclusion of a twelve–year old student who
suffers from Muscular Dystrophy Duchenne, a progressive degenerative and
incurable disease. In a more advanced phase of this disease, the functional
limitation lead to total dependence on caretakers and the patient normally ends
up succumbing untimely.
Currently, despite having a serious motor impairment, the student still
th
maintains the ability to walk autonomously. He attends the 5 grade benefitting
from the measure Specific Individual Curriculum (SIC). The student hasn´t
acquired reading and writing skills yet in spite of apparently possessing some
essential prerequisite skills to do so. The aims that guided the action taken
involved the promotion of the student´s reading and writing skills, the
cooperation between the different agents involved in his learning process, his in
Inclusion in the educational community as well as the Knowledge of the existing
systems/structures of support to a person with MDD.

V
INDICE

ÍNDICE DE FIGURAS
ÍNDICE DE TABELAS
Lista de acrónimos

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 5
1.1 – Caracterização da distrofia muscular de Duchenne ................................................ 6
1.2 – Escola inclusiva ............................................................................................................ 9
1.2.1 – O movimento da escola inclusiva ................................................................... 9
1.2.2 – Currículos específicos individuais ................................................................ 14
1.3 – Aprendizagem da leitura e da escrita ...................................................................... 17
1.3.1 – A aquisição da leitura e da escrita ................................................................ 18
1.3.2 – As tecnologias de informação e comunicação na promoção da
competência da leitura e da escrita ........................................................................... 22

PARTE II – ESTUDO EMPIRICO/ESTÁGIO .............................................................. 25


2.1 – Metodologia da investigação ............................................................................... 26
2.2 – O contexto de estágio ........................................................................................... 26
2.2.1 – Caracterização do agrupamento de escolas .................................................. 27
2.2.2 – História escolar do aluno .............................................................................. 28
2.3 – Problema, objetivos e procedimentos ................................................................ 29
2.4 – Plano de intervenção ........................................................................................... 29
2.4.1 – Avaliação inicial ........................................................................................... 30
2.4.2 – Intervenção ................................................................................................... 36
2.5 – Discussão .............................................................................................................. 55

CONCLUSÃO..................................................................................................................... 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 64

VI
Índice de Figuras

Figura1- Exemplos de materiais manipuláveis utilizados para desenvolver a consciência

fonológica.

Figura 2- Exemplos de fichas construídas para desenvolver a consciência fonológica.

Figura 3- O Juca a trabalhar competências de leitura e de escrita com um colega mais

velho.

Figura 4- Participação dos alunos com NEE no Sarau de Poesia (março de 2012).

Figura 5- Carta escrita pelo Juca ao seu pai.

Figura 6- Email enviado para os colegas.

Figura 7- Participação na Feirinha de Natal com trabalhos realizados pelos alunos.

Figura 8- Fotografias vencedoras do Concurso Fotográfica “Fitar com a objetiva”

aberto à comunidade.

Figura 9- Exposição do trabalho realizado no âmbito do projeto “Acessibilidade e

Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência Motora".

Figura 10- Palestra “Acessibilidades e Integração das Pessoas Portadores de

Deficiência Motora.”

Figura 11- Artigo da Educação Especial no jornal escolar do agrupamento.

Figura 12 - Comparação dos resultados iniciais e finais obtidos da aplicação da bateria

de prova fonológicas.

Índice de Tabelas

Tabela 1- Resultados da aplicação da Bateria de Provas Fonológicas de Ana Cristina

Silva.

Tabela 2- Objetivo 1- Desenvolver as competências de leitura e escrita do aluno.

VII
Tabela 3- Objetivo 2- Promover a articulação entre os diferentes intervenientes no

processo educativo do aluno.

Tabela 4 - Obetivo 3 - Promover a inclusão na comunidade educativa.

Tabela 5 - Objetivo 4 - Aprofundar o conhecimento sobre sistemas/estruturas de apoio a

pessoas com DMD.

Tabela 6- Resultados comparativos entre a primeira e a segunda aplicação da Bateria de

Provas Fonológicas.

Lista de acrónimos

AE- Agrupamento de Escolas

AEEE-Agência Europeia de Desenvolvimento da Educação Especial

CEI- Currículo Específico Individual

EE- Educação Especial

NEE- Necessidade Educativas Especiais

NEEP- Necessidades Educativas Especiais Permanentes

DMD- Distrofia Muscular de Duchenne

VIII
INTRODUÇÃO

1
É consensual, a nível mundial, a defesa de uma educação inclusiva, que preconiza uma
Educação para todos e a promoção de sistemas educativos facilitadores da inclusão de todos,
sem exceção. Correia (2005) defende que é na interação entre crianças e jovens com e sem
Necessidades Educativas Especiais (NEE), que se cria o melhor ambiente de aprendizagem e
de socialização, capaz de maximizar o potencial de cada um. Os avanços legislativos neste
âmbito, contudo, não estão ao mesmo nível das práticas, isto é, a inclusão ainda é um
processo em construção, que só poderá efetivamente impor-se quando todos acreditarem que é
possível, desejável e o melhor para todos.
Numa escola inclusiva todos são respeitados e encorajados a aprender até ao limite atual das
suas capacidades. Neste sentido, é importante refletir sobre os contextos educativos e
implementar estratégias para despoletar uma verdadeira Educação Inclusiva.
O presente relatório insere-se no âmbito da unidade curricular de Estágio do curso de
mestrado em Ciências da Educação, na área de especialização em Educação Especial,
desenvolvido num agrupamento de escolas da região Norte do país, e tem como finalidade
constituir um documento de análise, refletida e interpeladora, dos processos vivenciados neste
estágio. Traduz a dificuldade e, sobretudo, o desafio de passar do registo da vivência para o
registo da escrita, exercício árduo pela complexidade inerente a uma situação de estágio, pois
significa cruzar o imaginado e o vivido, o desejável com o possível e o esperado com o
inesperado.
O foco de intervenção centra-se num aluno com doze anos de idade, que será identificado
como Juca (nome fictício), portador de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Esta é uma
doença progressiva, degenerativa e incurável. Numa fase mais avançada da doença, as
limitações funcionais levam à dependência de cuidadores, e o paciente, geralmente, acaba por
sucumbir precocemente. A qualidade de vida das pessoas com esta doença vai-se pois
degradando, com maior impacto quando a capacidade de mobilidade fica comprometida.
Relativamente ao aluno acompanhado neste estágio, no momento atual, apesar de apresentar
um comprometimento motor acentuado, ainda mantém a capacidade de marcha autónoma,
recorrendo ao uso de cadeira de rodas apenas nas deslocações mais longas.
O aluno frequenta o quinto ano de escolaridade, com a medida educativa Currículo Específico
Individual (CEI), ainda não adquiriu as competências da leitura e escrita, apesar de
aparentemente reunir algumas condições para as atingir.

2
No contacto com o Juca, desde logo, uma panóplia de questões emergiu:
- Porque é que o aluno ainda não aprendeu a ler?
- Será que este insucesso se deveu aos métodos anteriormente utilizados?
- Como poderá otimizar-se uma intervenção neste sentido?
- Como planear a intervenção para tornar a inclusão do aluno “real” e sustentada?

Partindo das questões expostas, traçamos para este estágio o objetivo de promover a inclusão
do aluno, incidindo na aprendizagem das suas competências de leitura e de escrita, em
articulação com os diferentes intervenientes no seu processo educativo.
A motivação para o desenvolvimento deste estudo foi despoletada pela perceção de que o
Juca necessitava de ajuda, e, simultaneamente, o aluno transmitia recetividade e uma vontade
imensa de aprender. A sua capacidade de resiliência foi facilmente captada, isto porque,
apesar dos insucessos anteriores, o aluno ainda acalentava o sonho de aprender a ler e a
escrever. A necessidade de utilizar esta competência no quotidiano e de se sentir no mesmo
patamar dos seus pares era um estímulo para ele.
Por outro lado, a existência de uma doença degenerativa, exige uma maior urgência de
intervenção, porque o desenvolvimento da competência de ler e escrever pode ser uma mais-
valia para o aluno, a curto e médio prazo. As limitações que a doença irá impor ao aluno em
termos de funcionalidade, provavelmente, vão-se traduzir na redução das atividades
recreativas, em contactos sociais mais restritos e na necessidade de desenvolver formas
alternativas de ocupação. Saber ler e escrever assume um papel fulcral no quotidiano de todos
nós, proporcionando a descoberta de um mundo totalmente novo e fascinante, que abre as
portas para o acesso ao conhecimento e, simultaneamente desenvolve a capacidade intelectual
do leitor, a sua criatividade e a sua relação com o mundo. Projetando para o futuro, o domínio
desta competência poderá ser bastante útil para o aluno quando, por força da doença, estiver
menos ativo e mais dependente dos outros para a satisfação das suas necessidades,
proporcionando-lhe alguma ocupação e oportunidade de contato com os outros, por exemplo,
através do espaço virtual.
Este relatório final de estágio encontra-se organizado em duas grandes partes. A primeira
parte consiste na fundamentação teórica, a qual se encontra dividida em três capítulos. O
primeiro capítulo versa sobre a revisão da literatura, no que concerne ao conceito de inclusão

3
em geral e em particular dos alunos abrangidos pela medida educativa CEI. No segundo
capítulo é feita uma breve caraterização da DMD. Finalmente, no terceiro capítulo, exploram-
se os conceitos envolvidos no processo da aprendizagem da leitura e da escrita, assim como o
papel das tecnologias da informação e comunicação neste âmbito.
Na segunda parte deste relatório é apresentado o estudo empírico/estágio que inclui: a
metodologia de investigação, a caracterização do contexto onde se realizou o estágio, a
identificação do problema, objetivos e procedimento, o plano de intervenção desenvolvido e a
discussão final.
Finalizamos o relatório com a conclusão na qual tecemos algumas considerações finais e uma
reflexão geral sobre o trabalho desenvolvido, deixando em aberto pistas para o trabalho
futuro, quer em termos de investigação, quer em termos de intervenção em contextos
educativos.

4
PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

5
1.1 – Caracterização da Distrofia Muscular de Duchenne

As doenças neuromusculares englobam um conjunto vasto de patologias. São com frequência


doenças genéticas, hereditárias e progressivas. Afetam o sistema nervoso periférico: os
neurónios motores da medula espinal (atrofias espinais e doenças do neurónio motor), os
nervos periféricos (neuropatias), a junção neuromuscular (miastenia e síndromes miasténicos)
e os músculos (miopatias). De acordo com a classificação da World Muscle Society
(Neuromuscular Disorders, Vol. 16, 2006) existem mais de trinta formas diferentes de
distrofias musculares, algumas benignas e outras mais graves, sendo que todas se caraterizam
por uma degeneração progressiva do tecido muscular. Em comum assumem um caráter
genético e degenerativo, com comprometimento grave, progressivo e irreversível da
musculatura esquelética.
A primeira descrição completa da doença de Duchenne foi realizada em 1852 pelo Dr.
Edward Meryon. No entanto, foi o neurologista Dr. Guillaine Bejamin Armand Duchenne,
que em 1861, fez uma revisão em profundidade desta doença, apresentando detalhadamente
casos clínicos. O Dr. Duchenne definiu a doença como correspondendo a perda progressiva
dos movimentos, afetando primeiro os membros inferiores e só depois os membros
superiores, com hipertrofia dos músculos afetados, aumento intersticial do tecido conjuntivo e
aumento do tecido adiposo nos músculos em estádios mais avançados. Constatou que a sua
incidência recaia, maioritariamente, sobre as crianças do sexo masculino, podendo atingir
vários membros da mesma família. Este neurologista desenvolveu uma técnica para obter
biópsias em pacientes vivos, o que possibilitou seguir o desenvolvimento dos vários estádios
da doença.
Mais tarde, em 1879, Williar R. Gowers descreveu o quadro clínico, a doença, o prognóstico e
a possibilidade de tratamento. Foi este médico que assinalou a posição característica desta
doença, a manobra ou sinal de Gowers. Os pacientes usam as suas mãos para conseguir
levantar-se, partindo de uma posição abaixada, o que advém da falta de força muscular no
quadril e nas coxas.
Florence (2002) cit. in Pena, F., Rosolém, F. Alpino, A. (2008), define a DMD como “Um
grupo de miopatias geneticamente determinadas que apresentam uma evolução degenerativa
constantemente progressiva. A mais comum, mais grave e mais incapacitante é a DMD”.

6
Por sua vez, Fonseca, J.; Machado, M. e Ferraz, C. (2007) definem a DMD como um
“…distúrbio genético de caráter recessivo, ligado ao cromossoma X, produzido por uma
mutação de gene que codifica a distrofina e que está localizado no braço curto do
cromossoma X, na região Xp21”. A DMD carateriza-se pela deficiência da proteína das fibras
musculares denominada distrofina. A mutação do gene da distrofina conduz à ausência da
proteína distrofina, resultando numa degeneração progressiva dos músculos (lisos,
esqueléticos e cardíaco), assumindo um caráter degenerativo, com evolução progressiva e
irreversível.
Esta doença afeta quase exclusivamente pessoas do sexo masculino, sendo as mulheres as
portadoras. Segundo, Silva, J., Costa, K. e Cruz, M. (2007) esta doença só afeta pessoas do
sexo feminino que sofrem de síndrome de Turner (XO) ou translocação X autossómica ().
Estes autores consideram que os primeiros sinais clínicos da doença aparecem nos primeiros
anos de vida sendo marcados por “…debilidade e fraqueza muscular da cintura pélvica
(região da bacia), principalmente nos músculos extensores e abdutores do quadril, atingindo
posteriormente os músculos da cintura escapular (região do ombro)” (ibidem). Estas
debilidades nos músculos dos quadris conduzem a dificuldades para correr, subir escadas,
levantar-se e, principalmente em caminhar, registando-se quedas frequentes. O agravamento da
doença é progressivo e rápido, levando à incapacidade para andar, na maioria dos casos no início
da adolescência e a um prognóstico de vida reservado.
O diagnóstico da DMD faz-se por biopsia muscular, sendo igualmente necessário um exame
genético, o qual pode fornecer informações específicas e detalhadas sobre a mudança do ADN
em mutação. O conhecimento da anomalia genética permite saber se a criança pode participar
em estudos genéticos, especificar o tipo de mutação e simultaneamente, ajudar a família a
tomar decisões relativamente à opção de ter mais filhos.
Os músculos respiratórios e cardíacos são afetados, conduzindo a dificuldades respiratórias,
assim como os músculos da coluna vertebral, com o aparecimento de escolioses, que
agudizam as dificuldades respiratórias. Ao nível das extremidades, surgem deformações e
retrações tendinosas, que prejudicam gravemente os movimentos. Todas estas complicações
implicam, mais cedo ou mais tarde, o recurso a apoios e ajudas técnicas e a dependência dos
outros na realização das rotinas básicas.

7
A fraqueza muscular é global, atingindo todos os músculos do corpo, incluindo os músculos
responsáveis pela respiração, causando graves complicações respiratórias que podem levar ao
óbito. À medida que a força muscular diminui, a capacidade para a marcha reduz-se, os
músculos do tronco tornam-se incapazes de sustentar o seu peso, surgindo a escoliose, que por
sua vez agravará também a capacidade respiratória. Mais tarde, a tosse torna-se difícil e
ineficaz, propiciando infeções respiratórias e pneumonias.
Esta doença não tem cura, no entanto, os tratamentos medicamentosos com corticoides,
atrasam o atrofiamento dos músculos e a perda da função motora, ou seja, permite que a
criança caminhe por mais tempo de forma autónoma e prolongue, assim, para mais tarde os
problemas respiratórios, cardíacos e ortopédicos (o risco de desenvolvimento de uma
escoliose ou curvatura da coluna vertebral). Porém, o tratamento farmacológico apresenta
efeitos colaterais, que poderão incluir a obesidade, cataratas, distúrbio de crescimento,
diabetes, hipertensão arterial e osteoporose. Apesar de tudo, até ao momento os corticoides
continuam a ser o tratamento aconselhado, aliado à intervenção fisioterapêutica.
A intervenção da fisioterapia é essencial no tratamento de doentes com DMD. O seu grande
objetivo é retardar a incapacidade de andar e prevenir deformidades e complicações do foro
respiratórias e traumáticas (fraturas). Amanajás (2003), cit. in Silva et al. (2007), defende que
os objetivos associados ao tratamento da fisioterapia passam pelo “Domínio sobre os
movimentos, coordenação e equilíbrio, manter ou melhorar amplitude de movimento (ADM);
fortalecer a musculatura da cintura escapular e pélvica e músculos da respiração; adequar a
postura (em pé, sentada e deitada) o mais próximo do normal e prevenir o encurtamento
muscular.” Os exercícios de extensão muscular e contraturas articulares fazem parte da
reabitação de acompanhamento. O objetivo dos alongamentos é conservar a função motora e
assegurar o conforto.
A fisioterapia vai agir na parte muscular, tentado manter as amplitudes articulares e
prevenindo as deformidades, assim como através da cinesiterapia respiratória, para fortalecer
os músculos respiratórios, e mais tarde, no decurso da doença, realizando manobras de
desobstrução brônquica. Manter uma boa amplitude dos movimentos e da simetria das
articulações é importante, pois ajuda a conservar a função mais tempo, a prevenir a formação
de deformações articulatórias permanentes e problemas de pressão sobre a pele.

8
Concluindo, esta intervenção precoce, regular e permanente é indispensável para manter a
qualidade de vida e minorar as consequências da doença. Os corticoides, a reabilitação
respiratória, cardíaca e ortopédica têm possibilitado às pessoas com DMD, uma melhoria das
suas funções motoras, aumento da sua qualidade de vida, de saúde e de longevidade.
O envolvimento de equipas multidisciplinares, que englobem neurologistas, neuropediatras,
fisiatras, ortopedistas, cardiologistas, pneumologistas, terapeutas, professores, psicólogos e as
associações são uma mais-valia em todo este processo de ajuda ao doente com DMD.
Face às especificidades inerentes a esta doença, a escola deve focar uma atenção especial aos
alunos portadores da mesma, garantindo-lhes um ambiente inclusivo, concorrendo assim para
garantir-lhes qualidade de vida.

1.2 - A Escola Inclusiva

1.2.1 – O movimento da escola inclusiva

A perspetiva educativa inclusiva insere-se num movimento de âmbito mundial, que tem sido
defendida em várias conferências/fóruns internacionais, por várias entidades, como por
exemplo a Unesco e as Nações Unidas. Da panóplia de documentos resultantes destes
encontros, destacam-se alguns considerados marcos cruciais no processo de edificação de
uma educação inclusiva.
A Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien, 1990), proclama a democratização
da educação e estabelece formas de atendimento às “necessidades básicas de aprendizagem”,
entendidas como fator de melhoria na qualidade de vida e, simultaneamente, como estratégia
para reduzir as desigualdades. A este propósito, no ponto 1º refere-se que:

“(...) Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem


(como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os
conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes),
necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas
potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento,
melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo (...).”

9
No ponto 5, do artigo 3 é mencionado ainda que:

“As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem


atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação
aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema
educativo.”

As Normas das Nações Unidas (1993) sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com
Deficiências das Nações Unidas, sustentam a ideia da igualdade de direitos à educação para
todas as pessoas com deficiência em escolas regulares.
A Declaração de Salamanca (1994) e o Enquadramento para a Ação na Área das
Necessidades Educativas Especiais é assinada na Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais. É aqui defendida de forma perentória a Inclusão e a Escola Inclusiva,
como as bases mestras para uma “Educação para Todos”. Os direitos das crianças e dos
jovens com NEE são enquadrados fazendo-se alusão à Declaração Universal dos Direitos do
Homem (1948), à Convenção dos Direitos da Criança (1989), à Declaração Mundial sobre
Educação para Todos (1990) e às Normas das Nações Unidas sobre a Igualdade de
Oportunidades para as Pessoas com Deficiência (1993).
Nesta conferência definiu-se que:

“O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem


aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer
dificuldades ou diferenças que elas possam ter. As escolas inclusivas devem
reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se
aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de
educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização
escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma
cooperação com as respetivas comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de
apoios e serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da
escola.” (Declaração de Salamanca, 1994)

Assim, a escola regular com orientação inclusiva é entendida como um meio para combater as
atitudes discriminatórias, para construir uma sociedade inclusiva e alcançar a desejada
10
educação para todos. Instituiu-se um conjunto de princípios orientadores para a inclusão de
todas as crianças num sistema de ensino único e comum a todos: cada criança tem o direito
fundamental à educação e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável
de aprendizagem; cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de
aprendizagem que lhe são próprias; os sistemas de educação devem ser planeados e os
programas educativos implementados, tendo em vista a vasta diversidade destas
características e necessidades.
Após a proclamação da Declaração de Salamanca, assistiu-se a um movimento generalizado
para direcionar a política educacional e as práticas num sentido mais inclusivo,
desencadeando a reformulação da organização do sistema educativo, por parte dos países
implicados. Este processo desenvolveu-se a diferentes ritmos e em diferentes registos.
A nível Europeu destaca-se o papel de relevo assumido pela Agência Europeia para o
Desenvolvimento da Educação Especial, uma organização, criada em 1996, pelos países
membros da União Europeia, que funciona como plataforma de colaboração para o
desenvolvimento da Educação Especial. A partilha de experiências entre os diferentes países
permite uma aprendizagem coletiva na melhoria das políticas e das práticas que respondam às
necessidades dos alunos, incluindo os que apresentam necessidades especiais. Questões como
a igualdade de oportunidades, a acessibilidade, a educação inclusiva e a promoção na
qualidade da educação são objetivos almejados numa dinâmica de partilha e de troca de
experiências.
Segundo a Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação Especial (2003), a
educação inclusiva insere-se no princípio de uma escola para todos e constitui uma base
fundamental para assegurar a igualdade de oportunidades para as pessoas com NEE em todos
os aspetos da sua vida. Assim, exige sistemas educativos flexíveis que se responsabilizem
pelas diversas NEE dos alunos e proporcionem um acesso total e igualitário à educação na sua
comunidade local.
Em Portugal, seguiu-se este movimento, procurando-se responder aos desafios lançados, no
entanto, ainda há um caminho longo a percorrer. É certo que em termos de suporte legislativo
houve uma rápida intervenção, mas que por si só não despoleta mudanças estruturais. É
preciso mobilizar a opinião, construir consensos e desenvolver projetos locais que envolvam o
coletivo (Unesco, 2001).

11
Correia (2005) defende que “a inclusão pressupõe a inserção do aluno com NEE nas escolas
regulares e, sempre que possível, na sala de aula das classes regulares, onde deve receber
todos os serviços adequados às suas características e necessidades.”
Para Leitão (2006), a inclusão deve proporcionar a todos “o acesso às melhores condições de
vida e de aprendizagens possíveis. Não apenas alguns, mas todos os alunos necessitam e
devem beneficiar da aceitação, ajuda e solidariedade dos seus pares, num clima onde ser
diferente é um valor.”
Na opinião de Ainscow (1998) a inclusão “significa os alunos estarem na escola,
participando e aprendendo, desenvolvendo em simultâneo as suas capacidades.”
A inclusão é um processo reorganizativo das escolas, que tem por base responder de forma
eficaz às necessidades educativas de um número crescente de alunos com características
diversas. Pressupõe que as diferenças de todos os alunos são tidas em conta e respeitadas,
sendo da responsabilidade do professor planear e adaptar o currículo às diferentes
necessidades, promovendo assim a aprendizagem e o desenvolvimento de todos eles.
Assim, o conceito de inclusão encara a diversidade dos alunos como algo de positivo e
enriquecedor para as comunidades educativas. A integração dos alunos NEE, nas turmas
regulares, é importante para o desenvolvimento das suas capacidades, e é nesse contexto que
deverá ser prestado o apoio adequado.
Segundo Correia (2003), a educação inclusiva defende que “todos os alunos
independentemente da sua raça, condição linguística ou económica, sexo, orientação sexual,
idade, capacidades de aprendizagem, estilos de aprendizagem, etnia, cultura e religião, têm o
direito de ser educados em ambientes inclusivos.”
A escola inclusiva deve ser interativa, promover e respeitar as diferenças, ser solidária e gerar
processos de comunicação eficazes. Deve então defender, e sobretudo viver, valores de
aceitação, pertença, tolerância e respeito.
Fonseca (2001) defende que a educação inclusiva deve assegurar igualdade de oportunidades
educativas a todos os alunos, devendo estes usufruir de serviços educativos de qualidade, que
os preparem para uma cidadania futura, o mais independente possível.
É na forma com tratamos e percebemos os alunos que reside a chave do problema. São
necessárias políticas, culturas e práticas, que valorizem o contributo ativo de cada aluno, para

12
a elaboração de um conhecimento construído e partilhado, de forma, a atingir sem
discriminação a qualidade académica e social.
A educação inclusiva não tem a ver com a igualdade, mas com um mundo onde as pessoas
são diferentes, celebrando essas diferenças através da aproximação uns com os outros. Falar
de escolas inclusivas remete para a reflexão da inclusão na sociedade, levantando-se a questão
de como é possível construir uma escola justa, tendo como base uma sociedade tantas vezes
injusta. Segundo Rodrigues (2003), parece ser difícil a existência de uma escola inclusiva, se
os valores da escola não tiverem uma expressão de sustentabilidade no seu exterior. É
inquestionável que a educação inclusiva terá de estar agregada a um projeto e empenho social,
também ele fundado na igualdade e na justiça.
Na verdade do discurso da escola inclusiva à sua concretização no terreno vai uma grande
diferença. Existem ainda muita incerteza em como proceder, não havendo um único caminho,
uma receita pré determinada. Certo é que a mudança deve ser compreendida e desejada pelos
atores sociais e “só pode ter sucesso se, em primeiro lugar, os cidadãos a compreenderem e a
aceitarem como princípio cujas vantagens a todos beneficia. Até lá, a igualdade de
oportunidades para todos os alunos ainda pode estar distante.” (Correia e Cabral, 1999). A
inclusão não pode ser considerada uma mera opção estratégica, mas sim, um direito, um
exercício de cidadania que abre caminho rumo a uma escola, na qual todas as crianças têm
lugar. Para que a inclusão aconteça são necessárias mudanças estruturais na escola, não
somente nas instalações físicas, mas em toda a proposta pedagógica, metodológica e
administrativa.
Ainscow (1995) identifica seis condições para que a escola seja inclusiva, nomeadamente:
- Uma liderança eficaz da equipa diretiva da escola, apostada em dar resposta às necessidades
de todos os alunos;
- Pessoal docente convicto de que pode ajudar todas as crianças a aprender e de que todos
podem ter sucesso;
- Disposições para apoiar individualmente os membros da equipa docente e oferta de uma
grande variedade de oportunidades curriculares a todas as crianças;
- Procedimentos sistemáticos para controlar e avaliar o progresso.
Assim, para este investigador incluir na educação envolve valorizar todos os estudantes e
pessoal docente e não docente de forma equitativa, incrementando a participação dos alunos

13
com redução da sua exclusão da cultura, do currículo e das comunidades da escola.
Reestruturar as culturas, políticas e práticas na escola para assim responder à diversidade dos
alunos, reduzindo as barreiras à aprendizagem para todos os alunos, não só para aqueles
catalogados como tendo NEE. Aprender por tentativas em ultrapassar barreiras ao acesso e
participação de determinados alunos e provocar mudanças para o seu benefício. Percecionar a
diferença entre os alunos, como recurso de suporte à aprendizagem, mais do que um problema
a ultrapassar. Melhorar a escola para o pessoal e para os alunos. Enfatizar o papel das escolas
na construção da comunidade e no desenvolvimento de valores, como no incremento do
conhecimento. Incrementar relações sustentadas entre as escolas e as comunidades e
reconhecer que a inclusão na educação é um aspeto da inclusão na sociedade.
Neste seguimento, Ainscow (2000) reconhece que, para ocorrerem as mudanças é
indispensável que seja assegurada a participação de um corpo docente empenhado e confiante,
os quais na sua maioria possuem a “peritagem” necessária para ensinar todos os alunos de
forma adequada, sabendo mais do que aquilo que realmente utilizam. Assim as escolas devem
partir das práticas existentes e trabalhar em conjunto para inventar novas possibilidades de
ultrapassar as barreiras à participação e à aprendizagem, promovendo a discussão conjunta
das práticas.
De acordo com o relatório síntese da AEDEE (2006) são identificados sete fatores promotores
de uma Educação Inclusiva: o ensino cooperativo, a aprendizagem cooperativa, a resolução
cooperativa de problemas, a constituição de grupos heterogéneos, um ensino eficaz, ensino
por áreas curriculares e formas alternativas de aprendizagem.

1.2.2 – Currículos Específicos Individuais

O desenvolvimento de um currículo inclusivo é um dos fatores de relevância para uma


educação inclusiva. O currículo deve ser acessível a todos os alunos e basear-se em modelos
de aprendizagem inclusivos, atendendo à diversidade de estilos de aprendizagem. Igualmente
é recomendável que a sua organização seja flexível, isto é, que responda à diversidade das
necessidades dos alunos. Sem dúvida que um currículo inclusivo coloca maiores desafios e ao
mesmo tempo maiores exigências aos professores, que devem ser apoiados na planificação,
organização e implementação dos contextos de aprendizagem que garantam a participação e
sucesso de todos (Unesco, 2001).
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Correia (2008) defende que uma criança com NEE colocada na classe regular sem os serviços
e apoios de que necessita, e/ou quando se espera que seja o professor do ensino regular a
responder a todas as suas necessidades, tal é uma “educação irresponsável”.
De acordo com o relatório síntese da Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação
Especial (2005), a inclusão no primeiro ciclo é mais notória do que no segundo e terceiro
ciclos, justificando que tal poderá estar associado à crescente complexidade dos conteúdos, às
estratégias organizacionais das escolas, ao aumento da discrepância entres os alunos com
NEE e os seus pares e ao enfoque quase exclusivo nos resultados académicos.
A nossa experiência confirma estes resultados, agravando-se com os alunos que seguem a
medida educativa CEI. De acordo com o Decreto-Lei três de dois mil e oito, no ponto 2,
artigo 21º. “ O Currículo Específico Individual pressupõe alterações significativas no
currículo comum, podendo as mesmas traduzir-se na introdução, substituição e ou
eliminação de objetivos e conteúdos, em função do nível de funcionalidade da criança ou do
jovem.”. Isto significa que há um afastamento relativamente ao currículo comum. A lei não
prevê a aplicação de um modelo único, pelo contrário, define que o CEI deve ser flexível e
adaptado ao nível de funcionalidade das crianças e jovens. Deve-se ter em conta as
características e as necessidades individuais de cada aluno, atendendo à máxima “cada caso
é um caso”.
Assim, esta medida educativa lança um desafio de maior dimensão, exigindo uma ação de
responsabilização conjunta, entre todos os intervenientes no processo educativo do discente.
O Despacho Normativo n.º 6/2010 espelha esta necessidade, na medida em que prevê que a
avaliação sumativa se faça de forma equiparada aos alunos que seguem o currículo comum.
Neste documento lê-se que: “A informação resultante da avaliação sumativa expressa-se: a)
numa classificação de 1 a 5, em todas as disciplinas, acompanhada de uma apreciação
descritiva sobre a evolução do aluno; b) numa menção qualitativa de não satisfaz, satisfaz e
satisfaz bem, nas áreas curriculares não disciplinares e áreas curriculares que não façam
parte da estrutura curricular comum, acompanhada de uma apreciação descritiva sobre a
evolução do aluno”.
Há aqui a registar um salto qualitativo, no sentido em que é exigida a avaliação dos alunos
com CEI, o que parece ser uma forma de responsabilizar os professores por estes alunos. Da
nossa experiência profissional constatamos que, muitas vezes, estes alunos parecem ser

15
invisíveis aos olhos dos professores. A aplicação da legislação é, por vezes, desvirtuada e
aplicada de forma errónea. Continua-se a retirar ao plano de estudos dos alunos que seguem
um CEI a maior parte das disciplinas nucleares do currículo, optando-se pela frequência de
áreas curriculares que não fazem parte do currículo comum, em outros espaços que não a sala
de aula.
É necessário traçar com rigor o perfil de funcionalidade dos alunos com CEI, identificando,
desde logo, o estilo de aprendizagem de cada um e as suas preferências. Para isso, os
professores têm de proceder a uma observação do seu funcionamento em termos de
aprendizagem, as suas propensões, os seus pontos fracos e fortes e preferências, analisando a
forma como estes elementos se refletem nas salas de aula (Riefe e Heimburge, 2000).
A cooperação e a diferenciação pedagógica entendidas como inclusivas, só têm sentido se os
professores acionarem atividades e estratégias que coincidam com os pressupostos que lhe
estão inerentes. Se o trabalho que o aluno realiza é “marginal” relativamente ao que se passa
com a sua turma, tal significa que ele está inserido mas não incluído. Interessa pois que estes
alunos, mesmo com problemáticas muito severas, participem nas atividades de acordo com as
suas capacidades, pelo que é desejável que os professores criem ambientes de trabalho
facilitadores desta interação e que a promovam. A diferenciação pedagógica para Perrenoud
(2010) “não é um método pedagógico, é uma forma de organização de trabalho na aula no
estabelecimento e no meio envolvente. Não se limita a um procedimento particular, nem pode
atuar apenas por grupos de nível ou de necessidade: Deve ter em conta todos os métodos,
todos os dispositivos, todas as disciplinas e todos os níveis de ensino.”
Os colegas da turma são elementos chaves para incluir os alunos com CEI no contexto
educativo. A interação provocada pela aprendizagem cooperativa é fundamental para o
desenvolvimento de todos. Aqueles que não têm dificuldades, quando estão a ajudar os seus
colegas com mais dificuldades têm a possibilidade de sistematizar melhor as suas
aprendizagens. Por outro lado, os alunos com NEE aprendem melhor seguindo os exemplos
dos colegas. As mudanças metodológicas e organizativas lançadas para responder aos alunos
com dificuldades irão beneficiar todas os outros (Ainscow, 1995). Os que são considerados
como tendo NEE passam a ser reconhecidos como um estímulo que promove estratégias
destinadas a criar um ambiente educativo mais rico para todos.

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Na verdade, os alunos representam uma fonte rica de experiências, de inspiração, de desafio e
de apoio, que pode insuflar uma imensa energia adicional nas tarefas e atividades em curso.
Hawes (l988) reconhece o potencial do "poder dos pares", através do desenvolvimento dos
programas "criança-a-criança".
A aprendizagem cooperativa é uma estratégia valiosa permitindo aos alunos aprender e
trabalhar em ambientes onde as suas potencialidades são reconhecidas e as suas necessidades
individuais atendidas. Assim, a aprendizagem cooperativa transforma a sala de aula, num
microcosmo da sociedade diversificada e do mundo do trabalho e num lugar de aquisição de
competências necessárias para apreciar e lidar com o que inicialmente poderia ser percebido
como diferente.
Também, de acordo com Ainscow (2000) os contextos que envolvem a criação de uma cultura
de solução de problemas incluem aprender como usar experiências e recursos, a fim de
desenvolver melhores formas de ultrapassar as barreiras à aprendizagem. O compromisso com
a resolução colaborativa de problemas contribui, sem dúvida, para o desenvolvimento de
práticas educativas mais inclusivas. As práticas inclusivas pressupõem processos de
aprendizagem social dentro de contextos organizacionais específicos.
Nos alunos de CEI que não sabem ler e escrever o trabalho cooperativo com os pares é ainda
mais relevante e necessária.

1.3 – A aprendizagem da leitura e da escrita

O ato de ler proporciona a descoberta do mundo da leitura, um mundo totalmente novo e


fascinante, que abre as portas para o acesso ao conhecimento. A leitura desenvolve a
capacidade intelectual do leitor, a sua criatividade e a relação com o mundo. O ato de ler não
se esgota na mera descodificação da palavra ou da linguagem escrita, mas antes antecipa e
alarga o conhecimento do mundo.
A aquisição da leitura e da escrita é um processo complexo, em que ambas as vertentes andam
lado a lado, e cuja evolução desemboca na capacidade de compreensão daquilo que é lido e na
capacidade de se expressar pela escrita.

17
1.3.1 – A aquisição da leitura e da escrita

O código escrito nasceu da necessidade de o homem registar acontecimentos da sua vida,


perpetuando-os no tempo e no espaço. Com a evolução foram-se afinando as regras do código
escrito, chegando-se até aos sistemas alfabéticos, que englobam uma enorme variedade de
línguas e sistemas ortográficos. A correspondência entre grafema e fonema não é em todas as
línguas exata, pelo que o falante da língua tem de aprender um conjunto de regras
ortográficas, de forma a conseguir ler e escrever corretamente. Na escrita alfabética, o leitor
terá de conhecer o alfabeto para poder ler com proficiência. A caraterística generativa das
ortografias alfabéticas, possibilita que os leitores aprendam por si mesmos, que ao encontrar
palavras novas, podem aplicar as regras de descodificação fonológica, permitindo que a
palavra seja lida pela rota lexical.
As línguas apresentam um grau de dificuldade variável, dividindo-se em transparentes e
opacas, sendo as primeiras aquelas em que correspondência grafema/fonema é maior. De
acordo com Morais (1997) a Língua Portuguesa coloca-se numa posição intermédia entre as
línguas opacas, pelo que não é uma das mais fáceis de se aprender. Segundo Sucena, Castro e
Seymour (2009) a ortografia portuguesa, tal como todas as línguas de origem românica, é
constituída por uma estrutura silábica simples (CV). No entanto, a sua caraterística de redução
vocálica, faz com que muitas vogais não sejam pronunciadas, o que provoca dificuldades
principalmente na fase inicial da aprendizagem da leitura e da escrita.
Carter (1967), cit. in Carvalhais (2010), defende que a manipulação fonémica é de maior
complexidade do que a manipulação das sílabas, pois os fonemas isolados não são unidades
independentes da fala.
Paralelamente, à necessidade de descodificar o código escrito, o leitor terá ainda de aprender a
identificar a organização dos elementos gráficos no papel, ou seja, adquirir a noção de que a
escrita se organiza num plano horizontal e vertical.
Assim, a aprendizagem da leitura e da escrita não é um processo natural, tal como a
linguagem oral, chamando a si novas competências de extrema complexidade e diversas
capacidades, que juntas possibilitam a correta perceção do código escrito. Exige o
desenvolvimento de novas competências de conceptualização e consciência da linguagem enquanto
forma e conteúdo de comunicação (Castro & Gomes, 2000).

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Ao longo dos tempos, a psicolinguística tem vindo a procurar explicar os processos
implicados na leitura e escrita, tendo surgido várias teorias explicativas.
Freidman, Welsh e Desberg (1981) defenderam um modelo de aprendizagem da leitura
sustentado em quatro fases: a adivinhação lógistica, a aproximação visual, a descodificação
sequencial e a descodificação hierárquica.
Ferreiro e Teberosky (1985) identificaram quatro níveis presentes no processo de
aprendizagem da escrita: o pré-silábico, o silábico, o silábico-alfabético e o alfabético. No
primeiro nível, reconheceram que não existe correspondência entre grafema e os fonemas. No
nível silábico, a criança compreende que é possível representar os sons da fala em símbolos
gráficos, mas ainda não o sabe fazer. No nível silábico alfabético existe a compreensão de que
cada som se associa a uma representação gráfica, chegando-se ao nível alfabético pela
experimentação.
A aquisição do princípio alfabético, baseado no conhecimento de que na escrita alfabética
todas as palavras são representadas por combinações de um número limitado de símbolos
visuais (as letras) e que estas codificam os fonemas, corresponde a um processo complexo que
exige um nível de raciocino conceptual bastante apurado e complexo (Silva, 2004).
Bryne (1998), cit. in Silva (2004), acrescenta que esta complexidade advém do facto de o
aprendiz ter de articular competências relativas à análise explícita das palavras nos seus
segmentos fonémicos com conhecimentos referentes ao nome das letras.
De acordo com Bryne e Fielding Barnsley (1989), cit. em Guimarães (2003), a compreensão
do princípio alfabético implica a consciência de que a língua falada se segmenta em unidades
distintas; a consciência de que estas se repetem em diferentes palavras faladas e o
conhecimento das regras de correspondência entre grafemas e morfemas.
Para Sim-Sim (2006) o conhecimento e a utilização do princípio alfabético são determinantes
para a descodificação fonológica. Para que a criança aceda à linguagem escrita é fundamental
que compreenda o princípio alfabético, ou seja, que assuma que cada unidade mínima do som
- fonema - tem correspondência numa representação gráfica específica - o grafema-, que pode
corresponder a uma letra ou a um conjunto de letras.
A identificação e a produção das palavras escritas, componentes específicas, da leitura e da
escrita respetivamente, adquirem-se a partir da compreensão do princípio alfabético, da
aquisição das correspondências grafofonológicas e fonográficas e da constituição de

19
representações lexicais ativáveis automaticamente. Para aprender a ler e a escrever um código
alfabético é necessário desenvolver a capacidade de manipular unidades (orto)gráficas e
linguísticas (de base oral).
Assim, tanto as capacidades preceptivas da fala, como as de memória fonológicas são
suscetíveis de condicionar a aprendizagem da leitura e da escrita. Com base nestas
capacidades, e em grande parte sob a influência da exposição às letras e à forma escrita das
palavas e das tentativas de aprendizagem deste material, a criança adquire conhecimentos
conscientes explícitos, sobre fonologia e os fonemas da sua língua (as chamadas consciência
fonológica e fonémica). Simultaneamente, aprende a realizar operações sobre as
representações mentais destas unidades, as quais intervêm nos processos de descodificação
grafofónica e de codificação fonográfica, processos estes essenciais na aprendizagem da
leitura e da escrita.
Nos últimos anos, desenvolveram-se diversos estudos com o objetivo de compreender os
processos cognitivos envolvidos na aquisição da linguagem escrita. A consciência fonológica
e o conhecimento das letras. Têm sido apontados como os dois fatores mais influentes no
processo de desenvolvimento desta competência (Adams, 1990; Barbeiro, 1999; Treiman,
2003; Cardoso Martins, 2005).
A investigação efetuada em torno da importância da consciência fonológica trouxe evidências
experimentais e correlacionais entre esta capacidade e o sucesso na aprendizagem da leitura e
da escrita (Bryant, Maclean, Bradley, & Crossland, 1990; Goswamy & Bryant; 1990;
Lunberg, Frost, & Peterson, 1988; Torgensen, Wagner, & Rashotte, 1994; Wagner &
Torgensen, 1978).
A investigação sobre o acesso à leitura mostra-nos que as competências metalinguísticas não
se desenvolvem espontaneamente, com o simples contato oral, sendo necessário submeter a
criança a tarefas em que tenha de descobrir a estrutura segmental da língua. Quanto mais
refletir sobre as unidades da língua, melhor preparada ficará para ler.
A consciência metalinguística engloba várias habilidades: a consciência fonológica, a
consciência morfológica e a consciência sintática. A primeira refere-se à consciência de que
as palavras englobam sons, a capacidade de reconhecer rimas, identificar e reconstruir. A
consciência morfológica corresponde à reflexão e manipulação do processo de formação das
palavras. A consciência sintática implica avaliar a gramaticalidade.

20
A consciência fonológica diz respeito a diferentes tipos de unidades fonológicas presentes nas
palavras, tais como as sílabas, as unidades intrassilábicas ou os fonemas. A consciência
fonémica desenvolve-se mais tardiamente. O domínio da leitura da escrita supõe
conhecimentos de diversos aspetos da linguagem, assim com a tomada de consciência das
caraterísticas formais da linguagem, ou seja, habilidades metalinguísticas.
Cardoso-Martins (1995), cit. in Guimarães (2003) considera que a consciência fonémica,
habilidade em perceber a unidade mínima da fala (os fonemas), é aquela que mais influencia a
aquisição da leitura e da escrita. Desenvolve-se mais tardiamente, refletindo um domínio mais
profundo e complexo da consciência fonológica.
A consciência fonológica é uma competência necessária, ainda que não suficiente, para o
entendimento conceptual do principio alfabético. Ou seja, para compreender que as letras
constituem um sistema de notação dos fonemas, as crianças têm de, gradualmente,
desenvolver a consciência de que as palavras são decomponíveis em segmentos fonémicos.
Esta aprendizagem faz-se por etapas, começando pelas modalidades mais elementares, que
incluem a sensibilidade às sílabas e às rimas.
Capovilla (1999), cit. in Guimarães (2003), demonstrou que o fornecimento de instruções
fónicas explícitas às crianças facilita a aquisição da leitura e da escrita.
Segundo Demont (1997) a aprendizagem da leitura requer múltiplas habilidades cognitivas,
incluindo a habilidade metalinguística (capacidade de refletir sobre a própria linguagem),
uma vez que a leitura alfabética associa um componente auditivo fonémico a uma
componente visual gráfico (correspondência grafofonémico). Para dominar este principio o
leitor tem de tomar consciência da estrutura fonémica da linguagem, isto é, da decomposição
das palavras em fonemas e que cada unidade fonémica é representada por um grafema.
Liberman e Shanlweiller (1985), cit. por Salgado, C. e Capilleni S., (2004) apontaram a
importância da consciência linguística “ a investigação tem mostrado que o sucesso de quem
aprende (…) se relaciona com o seu grau de consciência da estrutura subjacente às palavras.
Os maus leitores são geralmente, incapazes de decompor as palavras nos seus constituintes
fonológicos, podendo ter ainda outros défices deste tipo…”
Mann (1994), cit. in Salgado, C. e Capilleni S. (2004) reconheceu que as crianças com
problemas fonológicos tendem a revelar dificuldades com a memória de curto prazo para

21
material verbal; dificuldade em identificar palavras faladas e em recuperar a representação
fonética das palavras.
Concluindo, a decifração corresponde ao primeiro passo na aprendizagem formal da leitura,
cujo processo de amadurecimento rumará até à compreensão daquilo que se lê, ou seja, a sua
essência fundamenta-se na construção de significados.
A aprendizagem das competências de leitura e escrita pode ser coadjuvada pelo recurso às
tecnologias de informação e comunicação.

1.3.2 – As Tecnologias de Informação e Comunicação na promoção da competência da leitura


e da escrita

Não há dúvidas quanto aos benefícios da utilização das Tecnologias de Informação e


Comunicação (TIC) junto de todos os alunos, incluindo aqueles com NEE. O computador
pode proporcionar um ensino individualizado, facilitador de aprendizagem, assumindo-se
como o principal recurso para a recuperação destes alunos ou ser utilizado como
complemento do ensino normal. Potencia a existência de novas perspetivas na participação
das crianças, facilitando o acesso ao conhecimento, à aprendizagem, à ocupação dos tempos
livres, ao lazer, ao desenvolvimento de capacidades intelectuais, ao contato com grupos de
interesse comuns. O seu uso pode contribuir para o desenvolvimento de competências
académicas, cognitivas e sócio afetivas, isto é, a vivência escolar destes alunos pode ser
francamente enriquecida pelo recuso às TIC. Neste sentido, Correia (1997) atribui-lhes dois
objetivos fundamentais: aumentar a eficácia e desvantagem destes alunos, aumentando a sua
integração escolar e social; desenvolver a capacidade para aceder e controlar tecnologias com
determinado nível de realização.
As TIC reverterão então num valioso instrumento e ajuda, pois não só diminuirão as
incapacidade e desvantagens dos alunos, como simultaneamente, lhes franquearão as portas à
sua integração escolar e social. O computador pode favorecer propostas de apresentação
lúdica e muito interativas, excelente modo para estimular o aluno a evidenciar melhor o seu
desempenho. Nesta linha de pensamento, Ponte (1992) considera que as investigações
apontam para os benefícios da utilização do computador no processo de ensino aprendizagem,
possibilitando “desenvolver novas estratégias cognitivas, para a criação de sentimentos de

22
autoconfiança, maior responsabilização do aluno pelo seu próprio trabalho, novas relações
professor aluno e laços de cooperação e interajuda entre alunos. ”
Correia (1997) considera que por si só as tecnologias são insuficientes para o sucesso
automático ou para despoletar uma revolução pedagógica, sendo necessário o seu
enquadramento num sistema de referências teóricas, técnicas e materiais. Carreiro da Costa
(1988), cit. in Correia (1997), defende que o seu uso deve nortear-se pelas características
inerentes à atividade educativa, a intencionalidade, a previsibilidade, o controlo e a eficácia.
É importante desenvolver softwares educativos com qualidade, que coincidam com as
necessidades educativas dos alunos.
A utilização do computador e dos dispositivos a ele associados poderá facilitar a aquisição de
descritores de desempenho tais como perceber que tudo o que é dito pode ser escrito; respeitar
usar adequadamente os instrumentos de escrita, usar adequadamente maiúsculas e minúsculas;
assinalar a mudança de parágrafo entre outras.
Apesar de todas as vantagens, não é por si só a porta mágica para a resolução de todos os
problemas. No mercado estão disponíveis imensos softwares para desenvolver as
competências de leitura e escrita, não significando que todos sejam de qualidade.
O Grid2 é um software de Comunicação Aumentativo e Alternativo desenhado para pessoas
com problemas motores graves, para lhes possibilitar a comunicação. Inclui símbolos WLS
assim como sintetizador de voz feminino (“Célia”); símbolos SPC opcionais, possibilidade de
letra a letra, palavra a palavra, frase a frase, com símbolos ou mista, predição de palavras ou
símbolos e lista de vocabulário.
O Aventuras2 é um software desenvolvido pala Imagina, com o apoio da Fenacerci, destinado
à aprendizagem da leitura e escrita (recomendado pelo Ministério da Educação). Funciona
como um caderno digital permitindo à criança brincar com a Língua Portuguesa, usando
frases, expressões, palavras, sílabas, imagens, sons e voz.
Com base nos conteúdos de um caderno ou tema, o Aventuras 2 propõe cinco jogos
diferentes, cujo conteúdo correspondem ao que estiver no caderno do aluno ou no tema
elaborado pelo professor. O aumento da complexidade dos jogos é simultâneo ao aumento dos
conteúdos do caderno. Existem 5 jogos diferentes com níveis de dificuldade variável:
O Jogo da Aranha que permite ligar imagens ou imagens a palavras; o Jogo da Formiga que
permite formar palavras com 2 sílabas; Jogo da Abelha que permite formar palavras com três

23
sílabas; Jogo do Macaco que permite escrever as palavras de determinadas imagens e o Jogo
do Rato que possibilita ordenar os elementos de um frase.
O software Invento 2, possui um conjunto de símbolos para a literacia da Widgit com acesso a
mais de 10.000 símbolos, possibilitando a construção de materiais pedagógicos apelativos. Os
símbolos ajudam a comunicar ideias e informação para as pessoas que têm dificuldade em ler
e compreender o texto. Construir histórias adaptadas.

24
PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO/ESTÁGIO

25
2.1 – Metodologia da investigação

Passamos agora a descrever o trabalho realizado durante o estágio, no enquadramento da


informação recolhida na literatura e apresentada na primeira parte deste relatório.
O problema de investigação tem uma importância decisiva na opção pela metodologia a ser
utilizada, pelo que iniciaremos pela explicitação do problema, das questões investigativas
assumidas como ponto de partida e dos objetivos do estudo, para que fiquem esclarecidas as
opções metodológicas assumidas.
O projeto proposto surge como resultado de um estudo, do tipo de diagnóstico, que
desenvolvemos num agrupamento do Norte do país. A análise de diagnóstico que o suporta
configura-se como um estudo qualitativo com características de estudo de caso.Visando o
nosso objetivo de estudo, optou-se por uma abordagem qualitativa e interpretativa, colocada
ao serviço de um estudo do tipo diagnóstico. A nossa opção metodológica foi o estudo de
caso. Segundo Yin (2002) os estudos de caso podem apresentar diferentes modalidades de
acordo com o objetivo da investigação. Podemos definir o estudo de caso como sendo um
termo global para uma família de métodos de investigação que têm em comum o fato de se
concentrarem deliberadamente sobre o estudo de um determinado caso único (Erasmic &
Lima, 1989) ou multicasos.
Segundo Pardal & Correia (1995) o estudo de caso corresponde a um modelo de análise
intensiva de uma determinada situação particular. Defendem que é um modelo flexível no
recurso a técnicas, permitindo a recolha de informação variada sobre a situação em análise,
viabilizando, assim, o seu conhecimento e caraterização.

2.2 – O contexto de estágio

Neste processo de estágio, o local onde o mesmo se realiza é um dado importante para a
compreensão da dinâmica implementada e das opções tomadas. Assim, iremos efetuar uma
breve caraterização do agrupamento de escolas, assim como descrever a história escolar e
clínica do aluno sobre o qual incidiu a intervenção.

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2.2.1 – Caraterização do Agrupamento

O aluno frequenta uma EB23, sede de um agrupamento da zona norte, localizada numa vila
constituída por cinco freguesias, com aproximadamente 16000 residentes. O edifício é do tipo
monobloco, edifício único, com 24 salas de aula incluindo as salas específicas, tais como
laboratórios de Línguas, Ciências, Físico-Química, salas de Educação Visual e Tecnológica,
Educação Tecnológica e Sala de Informática. Possui uma biblioteca, cozinha, refeitório e
bufete devidamente equipados, que dão resposta às necessidades da Comunidade Escolar.
O meio é, ainda, semi-rural e a maioria das famílias têm ocupações profissionais nas fábricas,
muitas destas fora da região, na construção civil e trabalho por conta própria. Trata-se de um
meio de grande incidência migratória. Porém, o tecido económico da área escolar, que
contempla muitas empresas familiares e de pequena dimensão, está em crescimento,
substituindo a agricultura tradicional, o que favorece, de algum modo, a integração
profissional dos alunos à saída da escola. Os alunos deste meio, que apresentam algumas
carências económicas.
Na sua esmagadora maioria, os alunos provêm de estratos sociais baixos. A maior parte dos
pais apenas possuem o 4º ano de escolaridade e só uma minoria tem habilitações de nível
superior. Assim, este ambiente social pode não ser facilitador do sucesso escolar dos alunos,
nem funcionar como estímulo para que prossigam os seus estudos.
Não é tradicional o envolvimento das famílias e da comunidade na escola. Dado que a
formação cultural da grande maioria das famílias não facilita as aprendizagens escolares, cabe
à Escola compensar essas dificuldades através de estratégias pedagógicas adequadas. Há,
contudo, algumas infra-estruturas desportivas, recreativas e culturais neste meio.
A Escola possui formas de envolver os alunos nos seus tempos livres e em complemento das
atividades curriculares, contando com campos descobertos para a prática de Educação Física e
um pavilhão polidesportivo.
Estamos em presença duma área de grande incidência da religião católica, embora sejam já
visíveis outras manifestações religiosas. Em todas as freguesias existem grupos de jovens,
dinamizados a nível de paróquia envolvidos em intervenção cívica. Existem diversas
Instituições de Solidariedade e de Assistência à Terceira Idade e Centros Sociais. Em termos
culturais proliferam grupos recreativos na área do teatro, música e da dança.

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Este agrupamento inclui cinco escolas do 1º ciclo, duas delas a funcionar como Centros
Escolares e sete Jardins de Infância. No total, o agrupamento tem 1400 alunos, distribuídos
pelos diferentes níveis de ensino e 134 professores (a maioria deles do quadro de escola).
Estão abrangidos pelo Decreto de Lei 3/2008 trinta e quatro alunos, dos quais apenas quatro
seguem um CEI. O agrupamento tem estabelecido um protocolo de cooperação e parceria,
com o Centro de Recursos para a Inclusão, permitindo que os alunos com NEE sejam
apoiados em contexto escolar, nas valências de terapia da fala, fisioterapia e terapia
ocupacional.

2.2.2 – História escolar do aluno

O aluno alvo da nossa investigação, tem doze anos e frequenta o 5º ano de escolaridade. É
portador da doença de DMD, diagnosticada aos dois anos de idade na Alemanha (onde na
altura a encarregada de educação residia). Iniciou a educação pré-escolar aos 3 anos, tendo
sido abrangido pela Educação Especial aos 4 anos de idade. No final da educação pré-escolar,
teve adiamento escolar.
Ao longo do 1º Ciclo do Ensino Básico não teve nenhuma retenção, no entanto, não
conseguiu acompanhar os conteúdos previstos para cada ano de escolaridade, pelo que
terminou este nível de ensino sem as competências mínimas de ciclo, inclusivamente as de
leitura e de escrita. Foi dispensado da realização das provas de aferição do 4º ano de
escolaridade.
No relatório circunstanciado do final do ano letivo transato, foi determinada a mudança da
medida educativa aplicada, adequações curriculares individuais (artigo 18, do Decreto de
Lei/3 de 7 de janeiro de 2008), para a medida currículo específico individual (CEI) (artigo 21,
do mesmo Decreto).
O aluno transitou para o 2º Ciclo do Ensino Básico, integrando a sua turma, que já
acompanhava desde o ensino pré-escolar. Entre os seus elementos existiam fortes laços de
amizade e de proteção para com o Juca.

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2.3 – Problema, objetivos e procedimentos gerais

Neste enquadramento emergiu este projeto de estágio, imerso em dúvidas e vontade em agir.
A primeira grande dúvida foi conseguir perceber porque é que este aluno não tinha adquirido
as competências de leitura e escrita, uma vez que apresentava uma boa capacidade
compreensiva, de expressão oral, de memorização e assimilação de conteúdos relacionados
com o quotidiano.
A inclusão dos alunos que seguem a medida educativa CEI é um percurso nem sempre fácil
de ser gerido. Por ser uma medida demasiadamente restritiva, acaba por afetar o investimento
e as expectativas dos professores por estes alunos, generalizando-se frequentemente a ideia de
que não há nada a fazer. Esta situação agrava-se ainda mais, quando estes não têm adquirida
a competência de leitura e escrita. Generaliza-se a ideia de que toda a aprendizagem está
comprometida e que dificilmente esta competência se irá alcançar.
No contato com o Juca, desde logo, uma panóplia de questões emergiu:

- Porque é que o aluno ainda não aprendeu a ler?


- Será que este insucesso se deveu aos métodos anteriormente utilizados?
- Como poderá otimizar-se uma intervenção neste sentido?
- Como planear a intervenção para tornar inclusão do aluno “real” e sustentada?

Partindo das questões expostas, delineamos os seguintes objetivos, para este estágio
- Promover as competências de leitura e escrita do aluno.
- Promover a articulação entre os diferentes intervenientes no processo educativo do aluno.
- Promover a inclusão do aluno na comunidade educativa.
- Aprofundar o conhecimento sobre sistemas/estruturas de apoio à pessoa com distrofia
muscular.

2.4 – Plano de intervenção

O plano de intervenção iniciou-se no primeiro período de 2011, com términos em maio de


2012. A intervenção direta da professora de Educação Especial com o aluno concretizou-se
em sessões trissemanais numa dinâmica de pequeno grupo.
29
Iniciamos a intervenção procedendo a uma recolha exaustiva da informação sobre o aluno,
que incluiu a leitura do seu processo escolar individual, a troca de informações com as
professoras que o acompanharam no primeiro ciclo, com a encarregada de educação e com o
menor. Munidos das informações partimos para a avaliação do aluno.

2.4.1 Avaliação inicial

O Juca é portador de Distrofia Muscular de Duchenne, diagnosticada precocemente, quando


tinha apenas dois anos e três meses. Nas palavras da Encarregada de Educação

“(…) Uma amiga chamou-me à razão. Alertou-me, dizendo-me não ser normal, que o menino
andasse sempre a cair. Disse-me: “Vai ao Neurologista”. Não me esqueço. Fui ao
neurologista no dia 8 de abril de 2002. Só olhou para o Juca e disse que o meu filho tinha um
problema muito grave (…) O meu medo era que fosse leucemia. Ele não disse o que era. Foi
internado três semanas. (…) Fez uma biopsia ao músculo e uma eletrocardiografia. Foi todo
picado. No final, não havia nada a fazer, mas muito a saber. Estava comprovado que ele
tinha DMD”.
Este foi um momento muito doloroso e de difícil gestão emocional para a família.

Foi terrível! A pior coisa que podia acontecer. O médico foi muito direto, disse-me que o
Juca ia parar a uma cadeira de rodas e podia durar até aos 20 anos. Mentalizei-me com o
tempo. Quando o neurologista me falou pormenorizadamente do problema do Juca caiu-me
tudo ao chão. Fiquei chocada. As lágrimas chegavam-me ao chão. Foi uma revolta
indiscritível. O meu marido fugiu para fora e pôs-se aos pontapés a tudo. Era o filho que eu
queria, que ele queria, uma criança saudável, nunca em algum momento pensamos que iria
haver problema. Tudo corria tão bem!

Desde essa altura, o Juca passou a ter fisioterapia e a tomar medicação. A mãe teve de abdicar
do trabalho para conseguir acompanhá-lo às diferentes consultas e terapias semanais. Apesar
disso, não recebe nenhum tipo de apoio monetário, uma vez que o marido desconta no
estrangeiro.

30
No inico do ano letivo, a evolução da doença do aluno era evidente, havendo um
comprometimento motor acentuado. A perda de funções motoras crescia diariamente de
forma silenciosa. No entanto, este ainda mantinha a mobilidade, deslocando-se
autonomamente. Na escola precisava apenas de utilizar o elevador para mudar de piso, pois o
uso das escadas apresentava riscos de ocorrência de queda e exigia um esforço físico que lhe
era prejudicial. Nas visitas de estudo, usava a cadeira de rodas, apenas, se estas implicassem
deslocações de maior distância.
Semanalmente, o Juca frequentava fisioterapia, quer na escola, quer no centro hospitalar da
zona, uma intervenção continuada desde o primeiro ciclo. Os objetivos inerentes à
intervenção da fisioterapeuta, em contexto escolar, consistiam em prevenir a diminuição das
amplitudes articulares ao nível global e evitar a diminuição da capacidade respiratória. Neste
âmbito, desenvolvia exercícios de alongamentos musculares (estiramentos), para prevenir as
deformidades que se vão instalando nos membros inferiores (por exemplo, andar em flexão
plantar dos pés “bicos de pés”; flexo do joelho; joelho fixo em flexão), nos membros
superiores (flexo do cotovelo - cotovelo fixo em flexão) e no tronco (escoliose e lordose
lombar (coluna em “S” e uma curvatura excessiva na zona lombar durante a marcha).Também
eram realizados exercícios para manter a expansão torácica e de estimulação do músculo
principal da respiração (o diafragma), de forma a manter a capacidade respiratória vital. No
hospital, a linha de tratamento era similar, mas acompanhada de métodos de eletroterapia,
como “calores húmidos” antecedendo os alongamentos, com o intuito de relaxar a
musculatura e facilitar o movimento. Neste último contexto frequentava ainda sessões de
hidroterapia.
A perceção da doença pelo aluno era um pouco difusa. Estava informado sobre a sua condição
de saúde, sabia a importância de seguir as recomendações médicas e que um dia perderia a
capacidade de mobilidade tornando-se dependente de uma cadeira de roda. No entanto,
segundo o relato da mãe, este parecia estar um pouco distanciado desta realidade.

“Ele sabe e está ao corrente de tudo. Sabe que vai deixar de caminhar. Mas às vezes, sai-se
com cada comentário, tipo “Se calhar vou conseguir caminhar sempre. Não vou precisar da
cadeira de rodas”.

31
O discente não se queixava de dor ou de cansaço, nem expressava os seus sentimentos sobre a
doença. Por outro lado, não exponha as suas dificuldades motoras, tentando sempre
“disfarçar” e superá-las sem ajuda. Continuava a persistir no seu sonho de ser jogador de
futebol e depositava a esperança de poder não precisar de cadeira de rodas, sinais evidentes de
uma falta de consciencialização e aceitação das limitações impostas pela doença. É como se
ele não conseguisse ver, ou não quisesse ver o que é óbvio.
Em termos escolares, o aluno estava a iniciar o segundo ciclo do Ensino Básico, com a
medida educativa CEI, opção justificada no relatório circunstanciado pela falta de
competências mínimas de leitura/escrita e de cálculo matemático.
No Programa Educativo Individual (PEI), elaborado no final do ano letivo anterior, estava
traçado, com base na Classificação Internacional da Incapacidade e Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde versão para crianças e jovens e Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (da Organização Mundial da Saúde), o seu seguinte
perfil de funcionalidade:

“O aluno apresenta dificuldades ao nível das funções mentais globais, dificuldades


moderadas nas funções de orientação (b1140.2). No âmbito das funções intelectuais
manifesta dificuldades moderadas (b117.2), estando as suas funções cognitivas muito abaixo
do normal esperado para crianças da sua idade. Igualmente são de mencionar dificuldades
moderadas nas Funções Psicossociais Globais (b122.2), uma vez que, as suas habilidades
mentais que conduzem às capacidades interpessoais, são pautadas por alguma imaturidade e
dificuldades em lidar com a frustração. Ao nível das Funções do Temperamento e da
Personalidade, o Juca apresenta dificuldades graves (b126.3), na Responsabilidade
(b1262.3), pois não investe nas tarefas que lhe são pedidas, com lacunas na Abertura à
Experiencia (b1264.3), recusando tarefas com as quais não se sente familiarizado. Nas
Funções da Energia e dos Impulsos deteta-se alterações graves na Motivação (b1304.3).
Nas Funções Mentais Específicas denotam-se dificuldades moderadas em concentrar-se em
estímulos externos ou em experiências internas pelo período de tempo necessário (b140.2),
nomeadamente, na manutenção da atenção (b1400.2), acompanhada por graves dificuldades
na generalidade das funções da memória (b144.2).
Nas funções da Perceção apresenta dificuldades moderadas (b156.2), nomeadamente, na
perceção visuoespacial (b1565.2). Na Função do Pensamento, apresenta dificuldades graves
32
(b160.3), pois os seus recursos situam-se muito abaixo do que é esperado para crianças da
sua faixa etária, nomeadamente no fluxo (b1600.3) e na forma do pensamento (b1601.3).
Ao nível das Funções Cognitivas de Nível Superior, o Juca regista dificuldades graves
(b164.3), com incidência na abstração (b1640.3), não conseguindo criar ideias gerais, focar
qualidades ou características a partir de realidades concretas. Ao nível da organização e
planeamento apresenta igualmente dificuldades graves (b1641.3), principalmente no que se
refere ao desenvolvimento de um método para a ação. A criança também revela dificuldades
graves a nível da Flexibilidade Cognitiva (b1643.3), pois não consegue definir estratégias
adequadas que visem a resolução de problemas.
No que concerne às Funções Mentais da Linguagem, o Juca revela dificuldades graves
(b167.3), nomeadamente, na Expressão da Linguagem Escrita (b1671.3). Por fim evidencia
dificuldades graves na generalidade das Funções do Cálculo (b172.3).
No domínio das Funções Cardiovasculares acrescem-se dificuldades nas funções cardíacas
(b410.2), nas funções de tolerância ao exercício (b4550.3) e de fatigabilidade ( b4552.3). O
aluno move-se com mais dificuldades e mais lentamente, manifestando muitas vezes cansaço
e fôlego descontrolado. Também denotam-se dificuldades nas funções relacionadas com a
mobilidade das articulações (b710.8), com o tónus muscular (b735.2), com a resistência
muscular (b740.3), com o padrão de marcha (b770.3) e com os músculos e funções do
movimento (b780.8). O aluno apresenta redução do seu nível de locomoção, apoiando-se
frequentemente às paredes ou mobiliário, não consegue subir escadas sem fazer pausas
constantes e ajuda com os membros superiores a movimentação dos membros inferiores.
Estas dificuldades elencadas nas Funções do Corpo repercutem-se na sua Atividade e
Participação, na Aprendizagem e Aplicação de Conhecimentos, nas Tarefas e Exigências
Gerais, na Mobilidade e na Comunicação.
Na Aprendizagem e Aplicação de Conhecimentos o discente revela dificuldades graves em
Aprender a ler (d140.3) e Aprender a escrever (d145.3). Nas aprendizagens escolares, o Juca
não adquiriu ainda as competências mínimas de leitura e escrita. Não consegue aprender
ações básicas para pronunciar sílabas e palavras escritas, nem competências básicas para
transpor um som ou morfema num símbolo ou grafema. Transversalmente, o aluno manifesta
muitas dificuldades em aprender a calcular, nomeadamente em adquirir competências para
reconhecer números e sinais aritméticos (d1500.3).

33
No que se refere à aplicação de conhecimento, o aluno manifesta dificuldades em concentrar
atenção, nomeadamente em focar a atenção em estímulos significativos para a aprendizagem
(d1609.3), bem como levar a cabo tarefas múltiplas (d220.2).
Relativamente à mobilidade o discente apresenta dificuldades em deslocar-se (d455.2). Muda
o corpo de posição com alguma dificuldade (d410.2). Ao mover os objetos com os membros
inferiores a dificuldade é mais notória (d435.3). Apresenta ainda alteração ao nível da
motricidade fina (d440.1) com perda de alguma força manual.
Nos fatores ambientais, o aluno tem como facilitador para o seu desenvolvimento, o consumo
pessoal de medicamentos (e110+3). A família demonstra interesse dando apoio e o
acompanhamento necessário (e310+3).”

Resumindo, o processo de aprendizagem do aluno estava bastante comprometido.


Encontrava-se, ainda, num estádio inicial de aprendizagem da leitura e da escrita, isto é,
apenas identificava os fonemas isoladamente e o respetivo grafema em letras manuscritas
(nem sempre as identificava quando impressas).
Assim sendo, consideramos relevante avaliar as suas competências fonológicas, que segundo
as investigações é um fator determinante na aquisição da leitura e da escrita. Para tal,
aplicámos a bateria de provas fonológicas de Ana Cristina Silva (2008). Apesar desta prova
ser dirigida a alunos mais novos, mesmo assim consideramos que a sua aplicação era
pertinente, pois os resultados das investigações apontam para uma relação causal entre
consciência fonológica e a aprendizagem da leitura.
Esta prova é constituída por seis subtestes: classificação com base na sílaba inicial (14 itens);
classificação com base no fonema inicial (14 itens); supressão da sílaba inicial (14 itens);
supressão do fonema inicial (24 itens); análise silábica; análise fonémica (14 itens). Os itens
foram apresentados com suporte figurativo.
Os resultados obtidos da aplicação da mesma foram esclarecedores, conforme se pode
visualizar na tabela abaixo:

34
Resultados obtidos da aplicação da Bateria de Provas Fonológicas
Base classificação Total itens Pontuação (inicial)
Sílaba inicial 14 3

Fonema inicial 14 3
Supressão sílaba inicial 14 2
Supressão fonema inicial 24 6
Análise silábica 14 10
Análise fonémica 14 0
Total 94 28
Percentagem 100% 30%

Tabela 1- Resultados da aplicação da Bateria de Provas Fonológicas de Ana Cristina Silva.

Estes resultados confirmaram que as suas competências de consciência fonológica eram muito
parcas. Conforme se pode constatar, a pontuação obtida foi negativa, com um total de 30% de
acertos. Os itens com valores mais baixos foram a análise fonémica e a supressão da sílaba
inicial, facto que corrobora as investigações que defendem que o desenvolvimento da
consciência fonémica é mais tardio, refletindo um domínio mais profundo e complexo da
consciência fonológica e que mais influencia a aquisição da leitura e da escrita.
Tanto as capacidades percetivas da fala, como as de memória fonológicas são suscetíveis de
condicionar a aprendizagem da leitura e da escrita. Com base nessas capacidades e em grande
parte da exposição às letras e à forma escrita das palavras e das tentativas de aprendizagem
deste material, a criança adquire conhecimentos conscientes explícitos.
Estas dificuldades não eram extensíveis a outras áreas de conhecimento ligado ao quotidiano.
O aluno apresentava uma boa capacidade de memória de curto e de longo prazo e uma boa
capacidade de compreensão e armazenamento da informação relativa a tudo o que se
relacionava com a esfera dos seus interesses. Na interação com os outros era bastante eficaz,
iniciando e mantendo facilmente uma conversa, cativando a atenção e o interesse.do
interlocutor.
Apresentada a situação clínica e escolar do aluno, passamos a descrever o plano de
intervenção.

35
2.4.2 – Intervenção

Em setembro, em sede de Conselho de Turma, foi discutida a melhor forma de organizar o


plano de estudos deste aluno, numa lógica de CEI. O facto de o aluno não dominar as
competências de leitura e escrita levou ao questionamento, por parte da maioria dos
professores, sobre a relevância da frequência das Áreas Curriculares Disciplinares.
No enquadramento da legislação em vigor e apoiadas na investigação sobre inclusão
educativa, conscientes de que as atitudes dos professores são decisivas para o sucesso da
educação inclusiva e constroem-se em torno da sua experiência neste domínio, clarificámos
conceitos e práticas e explorámos vias de ação. Não havia um caminho pré determinado, mas
várias possibilidades. Na verdade, a inclusão pode ser organizada de várias formas e em
diferentes níveis, sendo a equipa de professores decisiva em todo este processo, gerindo o
currículo de modo a responder às necessidades de todos os alunos nas salas de aula.
Definiu-se, então, que o horário do Juca contemplaria todas as disciplinas, exceto Educação
Física, (substituída por Fisioterapia), Inglês e Língua Portuguesa.
Feito este enquadramento, passamos a explicitar a concretização de cada um dos objetivos
delineados para esta investigação, com as respetivas estratégias, atividades aglutinadoras e
recursos utilizados.

Objetivo 1 - Desenvolver as competências de leitura e escrita do aluno

Saber ler e escrever assume um papel fulcral no quotidiano de todos nós, proporcionando a
descoberta de um mundo fascinante, que abre as portas para o acesso ao conhecimento e,
simultaneamente, desenvolve a capacidade intelectual do leitor, a sua criatividade e a sua
relação com o mundo. Partimos do princípio de que o insucesso desta aprendizagem básica,
no primeiro ciclo, não poderia significar o desinvestimento e o desacreditar da possibilidade
de o tornar um leitor competente. Por outro lado, este era um dos seus sonhos expressos de
uma forma genuína e convincente: “Quero aprender a ler e a escrever para fazer o mesmo
que os meus colegas. Posso ir à net fazer pesquisas e ler sem ninguém me ajudar.”

36
Assim, dirigimos a nossa intervenção para alcançar este objetivo, planeando um trabalho
continuado, sistematizado e motivador. Sabíamos que as situações educativas deveriam gerar
incentivos para que a prática da leitura fosse encarada como agradável, enquadrando-a na
própria realidade do discente. Tendo em conta que, quanto mais enriquecedoras forem as
experiências de aprendizagem, maior será a estimulação e o seu desenvolvimento,
diversificaram-se as estratégias e as atividades, para manter a “chama” da motivação e a
vontade em aprender.
Foram previstos vários momentos, ao longo da semana, destinados a esta aprendizagem
básica, distribuídos da seguinte forma:

- 2ª feira
 Dinâmica de grupo-turma - 90´ m. Na disciplina de Estudo Acompanhado, quando
os colegas desenvolviam trabalho individual, o Juca realizava fichas de trabalho de
Língua Portuguesa (elaboradas pela professora de Educação Especial), com apoio de
uma das duas professoras presentes na sala de aula;
 Dinâmica de apoio pedagógico personalizado em pequeno grupo (fora da sala de
aula) – 45´m.

- 3ª feira

 Dinâmica de grupo-turma - 90´ minutos de frequência da disciplina de Língua


Portuguesa (que começou a frequentar só no 2º período);

- 4ª feira

 Dinâmica de apoio pedagógico personalizado em pequeno grupo (fora da turma) -


45´ minutos;

- 5ª feira
 Dinâmica de apoio pedagógico personalizado em pequeno grupo (fora do grupo-
turma) - 90´m;

Durante estes períodos, realizaram-se diversas atividades/tarefas, que possibilitaram avanços


na sua capacidade de descodificação do código escrito, elencadas na tabela que se segue:
37
Objetivo Atividades Estratégias Recursos

Leitura • Elaboração de um dossier


de consciência fonológica.
•Realização de exercícios de
Humanos:
consciência da palavra;

•Realização de exercícios de Alunos da Turma;


consciência silábica; Alunos com CEI;

•Realização de exercícios de Professores da turma;


consciência intrassilábica; Professora de Educação
•Realização de exercícios de •Elaboração de powerpoints Especial.
consciência fonémica. sobre identificação de Enc. de Educação.
fonemas e sílabas.
• Visualização de powerpoints
para a identificação do fonema
inicial, medial e final; supressão
de fonemas e sílabas diretas. •Elaboração de material
Desenvolver as manipulável
competências (cartões de imagens de
de leitura e •Audição de leitura de textos palavras com sílabas soltas Materiais:
escrita do pelos colegas e professores e para formar palavras, dominó
aluno. registo gráfico da informação de palavras, sílabas soltas…). Computador;
essencial. Material escolar.

• Leitura realizada pelo aluno para • Dicionário de palavras


os colegas. construído/ilustrado pelo
aluno.
• Participação do aluno na Semana
da Leitura com a apresentação de Software educativos:
uma história para duas turmas do • Elaboração de um livro de
2º ciclo. textos, escritos com base nos Grid 2
interesses /quotidiano do Invento 2
• Participação no Sarau da Poesia, aluno e do seu nível de Aventura 2.
na leitura de um poema, aquisições.
juntamente com outros alunos de
Educação Especial. • Elaboração de fichas de
trabalho.

Escrita
• Construção de um caderno
no software Aventuras 2.
• Cópia de textos no processador
de texto (Microsoft Word). • Envio de cartas para o pai.

• Ditado de pequenos textos. • Utilização do email para


escrever aos colegas e

38
• Cópia do sumário. professores.

• Pesquisa na net de
assuntos/imagens do seu
interesse.

Tabela 2- Objetivo 1 - Desenvolver as competências de leitura e escrita do aluno.

Iniciámos com a intensificação de exercícios de consciência fonológica, pré requisito


considerado na literatura como preditivo para a aquisição da leitura e da escrita, e que ao
longo do primeiro ciclo não foi trabalhado. Diversificaram-se os exercícios para esse efeito,
gradualmente complexificados à medida que se consolidavam as noções dadas.
De realçar que, os exercícios eram primeiro explorados individualmente com o aluno e só
depois generalizados a outras dinâmicas e contextos (grupo turma, pequeno grupo ou no
contexto familiar). A razão para este procedimento foi evitar que ocorressem situações de
insucesso junto dos colegas e, por outro lado, possibilitar-lhe uma maior autonomia na
realização dos exercícios propostos.
Elaboraram-se materiais manipuláveis e fichas de trabalho de suporte a esta aprendizagem.

Figura 1 – Exemplos de materiais


manipuláveis utilizados para desenvolver a consciência fonológica.
39
Figura 2 – Exemplos de fichas construídas para desenvolver a consciência fonológica.

As habilidades fonológicas são importantes na leitura e na escrita, uma vez que é um aspeto a
ser integrado no reconhecimento de palavras.
Paralelamente explorámos igualmente diversos softwares educativos para desenvolver as
competências de leitura e escrita do aluno. A primeira aposta recaiu sobre o GRID2, um
recurso dirigido especialmente a pessoas com diversos tipos de disfunções motoras,
cognitivas ou sensoriais, que oferece inúmeras possibilidades no âmbito da comunicação
aumentativa e alternativa. Apesar do Juca não necessitar, por enquanto, de nenhum sistema de
comunicação aumentativo, mesmo assim, identificamos vantagens na sua utilização,
nomeadamente:
- O acesso ao computador puder ser concretizado através de teclados no ecrã, tornando a
escrita mais rápida e menos cansativa;

40
-A incorporação de sintetizador de voz, que fala aquilo que é escrito pelo utilizador
(conversão texto fala), um reforço auditivo do que é escrito;
-A existência de símbolos WLS e SPC (opcionais);
-A possibilidade de escrita em diferentes modalidades (escrita letra a letra, palavra a palavra,
frase a frase, com símbolos ou mista), predição de palavras e lista de vocabulário.
Todas estas possibilidades pareceram ser bastante atrativas para esta aprendizagem, no
entanto, verificámos que o aluno não aderiu como previsto aos exercícios propostos nesta
aplicação. Pouco tempo depois de iniciarmos a sua utilização (sempre individualmente), o
aluno começou a rejeitar as tarefas. Expressou o seu desagrado afirmando “Eu não quero
escrever aqui. Quero fazer como os outros”.
Esta sua reação levou-nos a substituir este software pelo Aventuras 2. Trata-se de um caderno
digital que possibilita à criança brincar com a Língua Portuguesa, usando frases, expressões,
palavras, sílabas, imagens, sons e voz. Outros materiais foram construídos na aplicação
inVento 2. Estas duas aplicações vieram a revelar-se importantes ferramentas na construção de
recursos educativos para a aprendizagem da leitura e da escrita.
Ao longo do processo de aprendizagem da leitura e escrita, valorizaram-se situações
educativas, onde o aluno tivesse a possibilidade de ver o reconhecimento dos seus avanços e
do seu empenho em conseguir cada vez melhor. Regularmente, este participava em situações
de leitura para os colegas. Esta tarefa implicou a elaboração de um livro, com textos simples
relacionados com temáticas de interesse para o aluno. Uns elaborados no Invento, fazendo-se
acompanhar de imagens e outros mais simples só com texto.
Na disciplina de Língua Portuguesa, estes recursos eram utilizados quando a turma fazia
leitura em voz alta. O aluno lia um texto do seu livro. Outra das estratégias usada pela
professora da disciplina era pedir-lhe para ler algumas palavras do texto que os colegas
estavam a seguir.
Sempre que a turma estava a desenvolver atividades no âmbito do Plano Nacional de Leitura,
um dos alunos lia um excerto de uma pequena narrativa para o Juca, o qual posteriormente a
ilustrava.
Na dinâmica de pequeno grupo, o aluno lia para os colegas mais velhos (que seguiam também
um CEI), que o ajudavam a apurar esta competência. O trabalho colaborativo foi uma das
estratégias privilegiadas, sendo fator de motivação e maior envolvimento nas tarefas. São

41
enfatizados os benefícios da aprendizagem cooperativa, nomeadamente a tutoria entre pares
relativamente aos aspetos cognitivos e sócio emocionais. A interajuda dos alunos promove
uma aprendizagem em conjunto.

Figura 3- O Juca a trabalhar competências de leitura e de escrita com um colega mais velho.

Para além destes momentos diários, foram organizadas duas situações educativas de maior
amplitude, a participação na Semana de Leitura e no Sarau de Poesia, com o objetivo de
impulsionar, ainda mais, a sua motivação nesta aprendizagem. Na verdade, uma das
condições para o ensino da leitura é de conceber-lhe o sentido da prática social e cultural, para
que os alunos entendam a sua aprendizagem como um meio para ampliar as possibilidades de
comunicação e de acesso ao conhecimento. Esta experiência interna é a melhor motivação
para o aprendiz da mestria da língua.
Na primeira, enquadrada na atividade da Semana de Leitura, o aluno leu uma história para
duas turmas do segundo ciclo. Esta história, construída no software Invento 2, possibilitou o
auxílio da imagem na descodificação das mensagens escritas. Desta forma, foi mais fácil o
aluno ler com a associação das imagens, principalmente nas palavras irregulares e nos casos
especiais de leitura.
Na segunda, o aluno participou no sarau de poesia, atividade aberta a toda a comunidade
educativa, com a leitura a várias vozes do poema Navegar, juntamente com outros alunos com
NEE. O reconhecimento e satisfação que evidenciou em resposta aos aplausos e palavras de
incentivo, terão decerto concorrido para a promoção da sua auto estima e valorização pessoal.

42
Figura 4 - Participação dos alunos com NEE no Sarau de Poesia, no dia 23 de março de 2012.

Paralelamente à aprendizagem da leitura, foram desenvolvidas as suas competências de


escrita, exercitadas de variadas formas e em diferentes registos. Sempre que possível
enquadramos esta aprendizagem em situações do quotidiano do aluno. Por exemplo,
aproveitou-se o facto do pai do aluno estar emigrado no estrangeiro, para incentivar a troca de
correspondência entre os dois através do envio de cartas (o progenitor não tinha conta de
email). Deixamos um exemplo desta forma simples de promover a escrita, partindo de uma
motivação pessoal.

Local, 23 de fevereiro de 2012

Olá pai,

Já sei escrever algumas palavras (carro, Audi, Mini, Ferrari, bota, Ana etc.) e frases. Faço pesquisa de imagens na net.
Envio-te alguns dos meus trabalhos.

Beijinhos do teu filho querido

Juca

01/02/20112 16/02/2012

Figura 5 – Carta escrita pelo Juca ao seu pai.

43
A prática da escrita foi também exercitada através da internet e da utilização do email.
Frequentemente, escrevia emails aos colegas/professores, enviando não só pequenos textos,
como imagens pesquisadas na net.

Figura 6- Email enviado para os colegas.

A cópia e o ditado de pequenos textos foram técnicas utilizadas para desenvolver a escrita,
sendo esta última especialmente importante, pois a soletração envolve uma correspondência
entre estímulos auditivos e a produção de uma sequência de letras.

Objetivo 2- Promover a articulação entre os diferentes intervenientes no processo


educativo do aluno.

A inclusão pressupõe um trabalho colaborativo efetivo entre todos os agentes educativos, o


que exige uma articulação permanente. A partilha de informação e de experiências deve ser
reforçada numa cultura de colaboração, alargada a todos os profissionais que lidam com a
criança. Correia (2003) defende que “Os professores devem relacionar-se e colaborar,
sempre que possível, com outros profissionais, como por exemplo, com um psicólogo, um
médico, um técnico de serviço social e um terapeuta.”
Nesta situação de estágio os espaços/momentos de articulação foram muito diversificados,
implicando diferentes intervenientes, que incluíram desde os professores, a fisioterapeuta, a
fisiatra e a Encarregada de Educação.

44
Objetivos Atividades Estratégias

● Reuniões do Conselho de Turma. ● Troca de sugestões


sobre formas de
aumentar a participação
Promover a articulação ● Encontros com os professores. do aluno.
entre os diferentes
intervenientes no processo ●Reuniões com a Encarregada de
educativo do aluno. Educação. ● Explicitação junto da
Encarregada de
Educação sobre os
objetivos da intervenção
●Reuniões e encontros com a pedagógica.
fisioterapeuta.
● Troca de informações.
● Contatos com a Fisiatra. ● Contato realizado via
telefone para prescrição
de material.

Tabela 3- Objetivo 2 – Promover a articulação entre os diferentes intervenientes no processo


educativo do aluno.

Os Conselhos de Turma, agendados em cada período letivo, foram profícuos na troca de


informações com os docentes responsáveis por cada disciplina, correspondendo a uma
vertente da articulação. Apesar destes momentos formais de partilha de informação serem
pontos cruciais no desenvolvimento de dinâmicas de trabalho colaborativo, tal não significou
que se circunscrevessem unicamente a estes.
Na verdade, diariamente, promoveram-se momentos de articulação de trabalho com os
professores das diferentes disciplinas, uma experiência vivenciada com níveis de
envolvimento e partilha diferenciados, mas que no seu conjunto contribuíram para mudanças
qualitativas na implementação de estratégias de diferenciação pedagógica com o aluno. Estes
momentos de partilha proporcionaram um efeito de contágio, o que significou que as
estratégias bem-sucedidas numa determinada disciplina acabarem por se propagarem a outras.

45
Foi na disciplina de Ciências da Natureza que a diferenciação pedagógica sustentada e
refletida se iniciou. A sensibilidade desta professora face à diferença, deixou-a ver para além
das dificuldades do aluno, e descobrir capacidades ofuscadas pelo rótulo da incapacidade. A
docente regularmente questionava o aluno oralmente, sobre os conteúdos desenvolvidos na
aula, obtendo um feedback positivo, isto é, ele respondia corretamente a muitas das perguntas
que lhe eram dirigidas.
Quanto mais reforços positivos recebia, maior a sua motivação e consequente prestação, uma
proeza, atendendo ao facto de que não estudava os assuntos abordados em casa, pois não tinha
o manual escolar da disciplina. Esta constatação suscitou a tomada de consciencialização da
necessidade do aluno fazer-se acompanhar do respetivo manual. É óbvio que, não possuir a
competência de leitura não é impeditivo que não se ouça o que é se lhe é lido, nem que as
imagens que animam os manuais deixem de ser um manancial de informação de fácil
interpretação.
Por se considerar evidente as vantagens dos manuais, generalizou-se esta opção na disciplina
de História e Geografia de Portugal, Educação Musical e em Língua Portuguesa. Desta forma,
erradicou-se uma opção demasiadamente discriminatória e restritiva.
Um dos problemas sentidos pelos professores foi como proceder à avaliação do Juca, sendo
generalizada a opinião de que, não saber ler nem escrever, não lhes permitia obter informação
capaz de sustentar a atribuição de um nível/menção. Os únicos critérios que consideravam
válidos estavam associados à esfera do saber ser (atitudes) e saber estar (comportamentos).
Contrariando este posicionamento, fomos procurando identificar com cada professor, formas
de contornar esta questão, atendendo às especificidades de cada disciplina.
Foi na disciplina de Ciências da Natureza, que se conseguiu efetivar uma avaliação formativa,
sustentada inicialmente em critérios centrados na oralidade. A professora adequava o seu
discurso, utilizando uma linguagem mais acessível para explicar os conteúdos ao aluno. Por
outro lado, recorria a exemplos do quotidiano para tornar mais acessível e compreensível os
conteúdos ministrados. Esta forma de explicitar conceitos era igualmente benéfica para os
alunos com maiores dificuldades, que saiam com os seus conhecimentos mais fortalecidos
pela aproximação dos mesmos à realidade. Reservava, sempre que possível, uma parte da aula
para lhe colocar questões sobre conteúdos de mais fácil compreensão.

46
Na opinião da professora “ Esta é uma das formas para não me sentir tão mal por não
conseguir realizar mais trabalho individualizado. O tempo não permite fazer metade daquilo
que seria benéfico para o aluno. Os ritmos são muito diferentes. A necessidade de se cumprir
um programa extenso não deixa grandes possibilidades para respeitar ritmos mais lentos. ”
De seguida, a professora desta disciplina, juntamente com a professora de Educação Especial,
passaram a elaborar testes formativos escritos para o aluno, com base em imagens, pequenas
frases e palavras. Na realização dos mesmos a professora mantinha-se junto ao aluno,
ajudando-o na leitura e na redação da resposta, sempre que lhe surgiam dúvidas em como
escrever.
A primeira vez, que o Juca recebeu o teste de Ciências da Natureza com a menção de Satisfaz
Bem ficou radiante. Aquela era uma forma de sentir-se igual aos outros, e mais, de perceber
que também era capaz de obter bons níveis de aproveitamento.
A descrição deste percurso vem corroborar a ideia defendida por Opertti e Brady (2011), de
que os professores devem ser agentes ativos na análise das suas práticas e dos progressos dos
seus alunos e envolvidos ativamente na formulação de políticas. Isto é, necessitam de serem
reconhecidos, engajados e com poderes para desenvolver um currículo inclusivo. Assim, a sua
confiança, competências, conhecimentos e a sua atitude positiva podem reforçar os princípios
da inclusão e o aparecimento de um currículo inclusivo.
As reuniões com a encarregada de educação foram acontecendo de forma regular,
correspondendo a momentos formativos importantes para ela. Acima de tudo, ajudaram-na a
compreender cada uma das tarefas que o educando levava para trabalho de casa e a
reconhecer que de forma simples e lúdica poderia ajudar o seu filho na conquista da leitura.
Por exemplo, lendo-lhe diariamente uma história; brincando com os sons das palavras (rimas,
descobrir palavras com o mesmo som inicial…), dar a oportunidade de o Juca recontar/contar
as histórias ao irmão mais novo. Este tipo de dicas aos pais é um aspeto a relevar, pois muitas
vezes, o seu desconhecimento de como fazer inibe a ação.
As reuniões formais com a fisioterapeuta foram agendadas uma vez por período, no entanto,
as trocas de informação faziam-se semanalmente. O facto de o apoio desta técnica acontecer
na escola facilitou a comunicação. A articulação foi bastante enriquecedora, porque
recebíamos feedback em relação à evolução da doença e ao estado atual do aluno, e ainda
sobre as ações que poderíamos desenvolver para facilitar a sua inclusão, nomeadamente,

47
como contornar algumas barreiras em função das limitações funcionais do Juca, orientação
quanto à postura adotada e às atividades da vida diária. Foi por esta profissional que fomos
informadas de que o Juca, a curto prazo, irá necessitar de uma cadeira elétrica, com apoio de
cabeça, com verticalização e com outros apetrechos, que a família não tem capacidade
económica para adquirir e a segurança social dificilmente lhe atribuirá.

Objetivo 3 - Promover a inclusão do aluno na comunidade educativa

A inclusão dos alunos na comunidade educativa é um aspeto que deve igualmente nortear a
intervenção. Correia (2005) defende que a “ inclusão baseia-se nas necessidades da criança,
vista como um todo, e não apenas no seu desempenho académico, comparando-o ainda por
cima, tantas vezes, com o desempenho académico do “aluno médio”. Nas escolas, está
generalizada a tendência para avaliar os alunos pelos resultados académicos, o que é
extremamente penalizador e fator de exclusão para os alunos mais vulneráveis. Há outras
esferas do saber, para as quais poderemos focar a atenção, valorizando-as e tornando-as
visíveis aos olhares dos outros.
Conscientes deste facto, encetámos várias atividades para promover a inclusão do aluno na
comunidade educativa, conforme se pode observar no quadro que se segue:

Objetivos Atividades Estratégias

●Realização de uma “Feirinha de ● Exposição dos trabalhos de


Natal”. manuais realizados pelos
alunos com CEI.

●Participação no Sarau de Poesia ●Valorização dos saberes de


Promover a inclusão na com a leitura de um poema. cada um.
comunidade educativa.
● Dinamização do Projeto ● Envolvimento de várias
Acessibilidade e Integração de turmas no desenvolvimento
Pessoas Portadoras de
Deficiência Motora, em parceria do projeto.
com a Associação Salvador.

48
● Participação no Jornal Escolar.

Tabela 4- Objetivo 3 – Promover a inclusão do aluno na comunidade educativa.

Neste enquadramento, surgiu a Feirinha de Natal, pensada para dar visibilidade aos saberes
dos alunos com CE. Consistiu na exposição/venda de material diverso (por exemplo,
caixinhas pintadas, estojos de couro, marcadores de livros, enfeites de Natal, etc.) para a
comunidade escolar. O Juca assumiu um papel ativo na realização de alguns dos trabalhos
expostos, sendo a área das expressões uma das suas prediletas, sobressaindo-se pois a
qualidade dos seus trabalhos.

Figura 7- Participação na Feirinha de Natal com trabalhos realizados pelos alunos.

A inclusão passa também pela sensibilização da comunidade educativa para diferentes


questões. Pensando no problema da mobilidade do aluno a curto prazo, consideramos que a
reflexão sobre as barreiras arquitetónicas seria uma forma de sensibilizar a comunidade para
esta temática. Assim, situados numa perspetiva holística, dinamizámos o projeto
Acessibilidades e Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência Motora, em parceria com a

49
Associação Salvador. Esta centrou-se na reflexão partilhada sobre as barreiras arquitetónicas
com que as pessoas com deficiência motora se deparam no seu quotidiano.
Este projeto lançado em dezembro a uma turma do 7º ano, rapidamente foi ganhando outras
dimensões e novos adeptos. A reflexão centrada sobre as barreiras arquitetónicas levou à
definição de um plano de ação para a sensibilização desta temática, que incluíram diversas
atividades:
 O concurso fotográfico “Fitar com a objetiva”, aberto à participação de toda a
comunidade, que consistia em captar com a “objetiva” espaços em que fossem visíveis
obstáculos à mobilidade das pessoas com deficiência física. Esta foi uma forma de incentivar
a observação crítica, sobre como os espaços são concebidos e consequentemente para a
existência de barreiras arquitetónicas, obstáculos que se colocam às pessoas com limitações
na sua mobilidade. Se ao pensar os espaços, quem os concebe tivesse feito pequenos
investimentos no domínio da acessibilidade, e sobretudo se fossem pensados na perspetiva de
quem os vai viver, possivelmente não proliferariam tantos obstáculos. As inúmeras
fotografias recebidas para o concurso deram conta desta situação.

Figura 8 - Fotografias vencedoras do Concurso “Fitar com a objetiva” aberto à comunidade.

 Trabalho de pesquisa, realizado por alunos do terceiro ciclo, sobre a deficiência física
percecionada ao longo da história.
50
 Exposição do trabalho realizado no âmbito do Projeto Acessibilidade e Integração das
Pessoas Portadoras de Deficiência Motora.

Realizou-se uma exposição que espelhou todo o percurso seguido em volta da temática
acessibilidades para as pessoas portadoras de deficiência física. Incluí a exposição das
fotografias do Concurso “Fitar com a objetiva”, os trabalhos de pesquisa sobre a deficiência
motora vista ao longo da História e cartazes de sensibilização realizados pelos alunos do
Curso de Educação e Formação de Pré Impressão.

Figura 9- Exposição do trabalho realizado no âmbito do projeto “Acessibilidade e Integração das


Pessoas Portadoras de Deficiência Motora".

 Palestra Acessibilidade e Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência Motora

A colmatar este trabalho, no final do ano letivo, houve a dinamização pela Associação
Salvador da palestra Acessibilidade e Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência
Motora, dirigida para um grupo de cem alunos do segundo e terceiro ciclos. Dois
representantes da Associação Salvador com deficiência motora deram o seu testemunho de
vida, enfatizando a necessidade de se erradicar as barreiras arquitetónicas.

51
Figura 10- Palestra Acessibilidades e Integração das Pessoas Portadores de Deficiência Motora.

Nesta dinâmica, que envolveu muitas pessoas, pensamos que contribuímos para a
consciencialização desta realidade muito concreta para alguns e difusa para muitos outros.
Este trabalho só demonstra que as barreiras fazem parte do nosso quotidiano, mas isso não
significa que nos resignemos a elas. Na azáfama diária, muitos de nós nem nos apercebemos
da sua existência e só as sentimos quando “chocamos” com elas, quando vivemos
individualmente as suas consequências e os seus dramas.
Os discentes esforçaram-se por identificar os problemas existentes no espaço escola/meio
circundante. Afirmar a urgência e a preocupação em tentar reduzir os obstáculos, sabendo que
o desaparecimento de uns, não implica o aparecimento de outros. Os primeiros “passos” para
tornar os nossos caminhos, espaços sem barreiras e que permitam a “Acessibilidade a Todos”
foi lançado… Muitos outros caminhos se avistam na nossa direção, todos centrados na
edificação de uma sociedade inclusiva. Acreditamos que é num cenário multicolorido, pintado
a várias cores, de várias tonalidades e texturas, que a mudança desabrocha e se agiganta…
Neste trilho da inclusão socorremo-nos, igualmente, do jornal escolar, espaço em que
trimestralmente divulgamos informação sobre as atividades/projetos dinamizados com os
alunos de Educação Especial.

Figura 11- Artigo da Educação Especial no jornal escolar do agrupamento.

52
Objetivo 4 - Aprofundar o conhecimento sobre sistemas/estruturas de apoio a pessoas
com DMD.

O conhecimento em profundidade sobre a doença DMD é importante para orientar a ação


educativa. Neste sentido, dirigimo-nos à Associação Portuguesa de Doentes
Neuromusculares, para junto dos técnicos que aí trabalham recolher informações mais
detalhadas.

Objetivos Atividades Estratégias

Aprofundar o conhecimento ● Reunião com a representante ● Pesquisa sobre a doença


sobre sistemas/estruturas de da Associação Portuguesa de em sites internacionais.
Doentes Neuromusculares.
apoio a pessoas com Distrofia
Muscular de Duchenne.

Tabela 5 - Objetivo 4 - Aprofundar o conhecimento sobre sistemas/estruturas de apoio a pessoas com


DMD.

Têm surgido a nível mundial múltiplas Associações de Doentes Neuromusculares, com o


objetivo de apoiar os portadores das doenças e as suas famílias. Sem dúvida que, este suporte
de apoio familiar e extra familiar é vital, visto que a adaptação a uma doença crónica implica
sempre um grande desgaste familiar. A dinâmica da doença pode conduzir ao
desenvolvimento de problemas psíquicos e sociais, bem como a problemas conjugais ou
mesmo familiares.
Com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre esta estrutura de apoio a pessoas com
DMD contatamos com a Associação Portuguesa de Doentes Neuromusculares (APN), sediada
no Porto, com a valência de atendimento em S. Paio de Oleiros.
Esta associação, constituída por uma equipa multidisciplinar (terapeuta ocupacional,
psicólogo e assistente social, monitoras e assistentes pessoais), funciona com base na
contribuição dos utentes/sócios, das pessoas em geral e de verbas conseguidas através da
candidatura a diversos projetos. Os serviços prestados passam pelo atendimento e
acompanhamento psicossocial, realização de atividades lúdicas/terapêuticas; formação de
53
grupos de interajuda; apoio às famílias no âmbito das ajudas técnicas e da legislação; ações de
informação, sensibilização e formação sobre doenças neuromusculares; realização de
encontros entre os doentes para troca de informações e partilha de experiências; alerta da
opinião pública e dos organismos de tutela para a especificidade destas doenças; apoio aos
vários agentes de saúde, contribuindo para a formação dos técnicos envolvidos no
acompanhamento destes doentes; participação nos esforços nacionais e internacionais na
procura de medicamentos para a cura destas doenças e angariação de fundos para a
investigação.
As atividades ocupacionais são diversificadas. No grupo de interajuda as dificuldades do dia a
dia são partilhadas, procurando-se soluções para os problemas comuns. O trabalho em grupo é
uma oportunidade para que o doente se sinta ouvido e partilhe os seus sentimentos,
necessidades e emoções. O grupo consegue aliviar e relativizar o peso da doença.
A Associação tem em funcionamento vários projetos a serem desenvolvidos:

 “VIDA IN” um projeto de assistência pessoal dirigido aos portadores de uma


incapacidade física resultante de uma doença neuromuscular, que poderão ser contemplados
com a apoio de um assistente pessoal.

 A força T- a força T de Todos no Terreno é um movimento solidário de


divulgação da APN e das doenças neuromusculares. O objetivo é que pela dinamização dos
mais diversos eventos, se faça crescer o fundo de investigação de todos os projetos que
apontem soluções para a melhoria da qualidade de vida destes doentes e dos seus familiares.
A ideia é que juntos se procurem apoios para a investigação sobre estas doenças, com o
intuito de encontrar uma cura, ou pelo menos, aumentar a qualidade de vida dos pacientes.

O Juca é sócio desta associação, no entanto, no presente momento não frequenta nenhuma das
suas valências. A Encarregada de Educação explica esta opção afirmando que “ Eu ia sempre
aos encontros, mas deixei porque não me agradava estar sempre a expor as minhas
dificuldades.”
Apresentado o percurso de estágio é tempo de se refletir sobre o mesmo, pelo que passaremos
à fase da discussão.

54
2.5 – Discussão

A discussão dos resultados obtidos seguirá a ordem da apresentação do processo de


intervenção. Concluímos que relativamente ao objetivo de desenvolver as competências de
leitura e escrita do aluno registou-se uma evolução significativa.
Partimos do princípio de que o insucesso desta aprendizagem básica, no primeiro ciclo, não
poderia significar o desinvestimento e o desacreditar da possibilidade de tornar o aluno um
leitor competente. A investigação tem vindo a demonstrar que todos os seres humanos, desde
que devidamente ensinados podem aprender a ler, a escrever e a utilizar produtivamente a
produção escrita (Sim-Sim, 1999).
No início da intervenção, o aluno apresentava parcas competências de consciência fonológica,
identificando os fonemas apenas isoladamente, não conseguindo ler nem escrever nenhuma
palavra (só o seu nome), um quadro que se alterou positivamente ao longo do tempo.
Inicialmente, o aluno não identificava os diferentes segmentos de uma frase, não distinguindo
a palavra da frase.
A consciência da palavra concretiza-se no momento em que a criança percebe que uma
palavra é uma unidade linguística diferente de outras unidades (fonemas ou frases) e que é um
símbolo arbitrário, sem nenhuma relação com o objeto que representa Bowey e Turner (
1987).No que concerne à consciência fonológica foram notórios avanços significativos.
Comparando os resultados obtidos pela aplicação da Bateria de Provas Fonológicas no início
e no final do estágio, concluímos que são visíveis diferenças significativas.
Resultados comparativos entre a primeira e a segunda aplicação
da Bateria de Provas Fonológicas

Base classificação Total itens Pontuação (inicial) Pontuação (final)


Sílaba inicial 14 3 9
Fonema inicial 14 3 9
Supressão sílaba inicial 14 2 9
Supressão fonema inicial 24 6 17
Análise silábica 14 10 12
Análise fonémica 14 0 10
Total 94 28 66
Percentagem 100% 30% 70%
Tabela 6 – Resultados comparativos entre a primeira e a segunda aplicação da Bateria de Provas
Fonológicas.
55
Comparando os resultados obtidos da primeira aplicação da bateria de provas fonológicas,
com os resultados da segunda, concluímos que a prestação do aluno melhorou
qualitativamente, registando-se um maior número de acertos em todos os subtestes na última
aplicação.

Comparação dos resultados


100% Avaliação inicial/final
80%

60%

40%

20%

0%
Sílaba inicial Fonema Supressão Supressão Análise Análise
inicial sílaba inicial fonema silábica fonémica
Início Final inicial

Figura 12 - Comparação dos resultados iniciais e finais obtidos da aplicação da bateria de prova
fonológicas

Estes resultados vão ao encontro das evidências científicas, que concluíram que a consciência
fonémica é mais tardia, pela sua maior complexidade. Muitos autores consideram que ela é
mesmo o resultado da aprendizagem da leitura e da escrita (Gorrie & Parkinson, 1995; Taylor,
1993; Valtin, 1984; cit. por Barbeiro, 1999).
Correia (2010) considera que a consciência fonémica é uma habilidade fonológica complexa,
que exige um maior grau de abstração, daí ser desenvolvida num estádio posterior. Também
de acordo com os estudos desenvolvidos por Libersman, Shankweiller, Fischer e Carter
(1974) centrados na segmentação fonémica e silábica, as crianças apresentam maior
dificuldade na segmentação de fonemas do que das sílabas.
De acordo com Sim-Sim et al (2008) as tarefas de consciência fonémica mais fáceis são as de
identificação dos fonemas iniciais e finais comuns em palavras diferentes, depois as de síntese
e de segmentação fonémica e no final as de manipulação fonémica. Consideram que a
manipulação fonémica depende da aprendizagem da leitura e da escrita.

56
Segundo Sucena, Castro e Seymour (2009) a ortografia portuguesa, tal como todas as línguas
de origem românica, é constituída por uma estrutura silábica simples (CV). No entanto, a sua
caraterística de redução vocálica, faz com que muitas vogais não sejam pronunciadas, o que
provoca dificuldades na fase inicial da aprendizagem da leitura e da escrita.
Os melhores resultados ocorrem no item análise silábica. Esta evidência confirma que esta é
uma das competências mais simples. Sim-Sim (1998) considera que a consciência silábica é
bastante precoce, sendo possível que crianças por volta dos 2 ou 3 anos, se forem estimuladas,
sejam capazes de completar sílabas omissas em palavras.
De acordo com Morais (1997), na aprendizagem da leitura “a criança aprende a associar uma
forma ortográfica a cada palavra, ou seja, à sua forma fonológica. A forma ortográfica duma
palavra pode ser definida como uma sequência ordenada de grafemas.”
Segundo Silva (2003), a omissão de sílabas, nomeadamente, quando se encontram no início “
(…) é apontada como uma das provas mais difíceis ao nível da consciência fonémica, na qual
o seu sucesso só é conseguido a maior parte das vezes depois da aprendizagem da leitura”.
Esta considera que a dificuldade das tarefas utilizadas da consciência fonológica varia
também em função dos requisitos mnésicos exigidos pela tarefa e das caraterísticas
fonológicas das unidades a serem manipuladas, nomeadamente, a posição dos elementos/alvo
na palavra, a dimensão dessas unidades e as suas propriedades fonológicas.
Segundo Treiman (1989), citado por Silva (1996), nos monossílabos o fonema inicial é mais
percetível do que nos dissílabos porque corresponde ao ataque da sílaba.
De acordo com Capovilla et al. (2004), é necessário trabalhar com os maus leitores o
processamento fonológico e as habilidades de sequencialização e memória.
Relativamente à articulação estabelecida com os diferentes intervenientes educativos
consideramos que correspondeu a um processo enriquecedor, cuja continuidade irá permitir
melhorar ainda mais a intervenção educativa. Com os professores o trabalho colaborativo não
foi uniforme, ou seja, com alguns foi mais fácil estabelecer momentos de discussão sobre as
estratégias a seguir e de preparação de materiais. O facto de não estar previsto nos horários
dos docentes tempos para a concretização deste tipo de parceria, não facilitou estes encontros
de partilha, que dependeram da disponibilidade pessoal dos professores. As disciplinas em
que se conseguiu uma articulação mais efetiva foram as disciplinas de Estudo Acompanhado,
Ciências Naturais e Língua Portuguesa.

57
O contato com a fisioterapeuta foi facilitada pelo fato de as sessões de fisioterapia se
realizarem na escola. A articulação com esta técnica foi bastante enriquecedora, porque
recebíamos feedback em relação à evolução da doença e ao estado atual do aluno, e ainda
sobre as ações que poderíamos desenvolver para facilitar a sua inclusão, nomeadamente,
como contornar algumas barreiras em função das limitações funcionais do Juca e orientação
quanto à postura adotada e às atividades da vida diária. Foi por esta profissional que fomos
informadas de que o Juca, a curto prazo, irá necessitar de uma cadeira elétrica, com apoio de
cabeça, com verticalização e com outros apetrechos, que a família não tem capacidade
económica para adquirir e a segurança social dificilmente lhe atribuirá.
É difícil imaginar o que sente o Juca ao ver-se cada vez mais limitado perante os colegas de
turma, cada vez mais difícil de os acompanhar nas mais diversas atividades de lazer. Por outro
lado, há as necessidades técnicas a que a doença obriga e que dificilmente verá cumpridas.
No final do ano letivo verificaram-se graves alterações ao nível do equilíbrio, sobretudo em
pé. O Juca circula pela escola sempre perto das paredes e nunca pelo meio dos colegas, pois
qualquer toque fá-lo cair, e sempre com ambas as mãos atrás das costas, quer cruzadas, quer
para arrastar a mochila. Este gesto também é típico deste tipo de patologias, pois é um
movimento auxiliar para a extensão da anca, que praticamente já não tem. A marcha em
terreno irregular, como no recreio é extremamente difícil, sobretudo porque não tem onde se
apoiar, e o subir/descer escadas muito penoso. Tudo isto se foi agravando durante os 9 meses
do ano letivo.
Durante todo o ano letivo, o Juca colocava-se em pé, a partir da posição de decúbito dorsal ou
sentado no colchão na sessão de fisioterapia, trepando por ele acima (sinal de Gowers – típico
da patologia, mas em Junho, pela primeira vez, não conseguiu e foi preciso total ajuda para
conseguir levantá-lo.
Com este quadro a desenvolver-se, e sobretudo com a extensão da anca a diminuir tão
drasticamente, prevê-se um grande aumento do risco de quedas, e a perda da deambulação a
curto prazo. Quando estes doentes perdem a marcha, quase instantaneamente se instala uma
escoliose que se vai agravando gradualmente e também começam a surgir as alterações
respiratórias.
O aprofundar os conhecimentos sobre os sistemas de apoio a pessoas com DMD foi um
caminho importante para perceber melhor a doença, a sua evolução e as estruturas de apoio

58
existentes. A visita à Associação de Pessoas com Distrofia Muscular muniu-nos de
conhecimentos mais detalhados, não só sobre a doença e a sua evolução, mas também das
dinâmicas que esta associação estabelece com os seus associados. É de reconhecer o seu papel
de relevância na ajuda às famílias. Nesta visita tivemos o privilégio de conversar com uma
pessoa portadora de DMD, cuja história de vida nos abriu outras dimensões, que não apenas a
vertente escolar.
Ao longo de um ano letivo de sessões de acompanhamento do Juca, sentimo-nos muitas vezes
impotentes perante a fragilidade e brevidade da vida desta criança. É triste pensar que o futuro
do Juca está ameaçado por uma série de incapacidade e dependências que vão limitar o seu
potencial humano e a sua vida. Mas sabemos que não podemos desistir dele, porque também
somos parte da sua força e do seu suporte. É imperativo continuar a investir. É uma realidade
que não podemos acrescentar mais anos à vida do Juca, mas podemos contribuir para
melhorar o seu bem-estar, o seu sentido de realização, de desenvolvimento e sucesso,
marcando a nossa presença no seu dia-a-dia, oferecendo-lhe o nosso afeto e a nossa ajuda na
aprendizagem da leitura e da escrita, que é um objetivo que ele abraçou na sua vida.

59
60
CONCLUSÃO
61
Em termos académicos, o trabalho foi concluído. Mas a nossa intervenção junto do aluno, não
terminou, continuaremos a fazer tudo para que a escola seja sentida pelo Juca, como até aqui,
um lugar de aprendizagem, de alegria e de afetos.
Consideramos que os objetivos traçados no início deste trabalho foram atingidos. O
investimento na aprendizagem da leitura e da escrita teve resultados positivos,
nomeadamente, o Juca já consegue ler e escrever pequenos textos com palavras formadas por
consoante/vogal, conseguindo extrair e reter a informação lida. O que nos faz acreditar que a
continuidade da intervenção levará à consolidação desta aprendizagem básica. Projetando
para o futuro, o domínio desta competência poderá ser bastante útil para o aluno, atendendo às
limitações que a doença irá impor no seu estilo de vida e de convívio social.
No que respeita à inclusão do aluno, consideramos que os objetivos foram atingidos com
sucesso. O aluno sente-se feliz na escola, o que facilmente se perceciona através das palavras
da mãe “O que eu vejo no Juca, é que vir para a escola é uma alegria, é uma festa. Para a
primária não queria ir.” A rede de apoio do grupo de colegas foi um fator que em muito
facilitou esta sua inclusão, presente não só no processo de aprendizagem como em todas as
esferas da vida do Juca. Também a valorização pelos professores das competências e saberes
do Juca e a sua participação e envolvimento em muitas atividades ajudou-o a sentir-se mais
capaz e mais “igual” aos seus pares.
A articulação com os diferentes intervenientes educativos não só se revelou de utilidade,
como desta experiência concluímos que o trabalho colaborativo entre professores das
disciplinas e da Educação Especial é um imperativo, que não pode suster-se na base da boa
vontade dos professores em disponibilizar o seu tempo pessoal. É de todo pertinente, que no
horário dos docentes de Educação Especial e das restantes disciplinas, sejam previstos tempos
para este trabalho de partilha, discussão e planificação.
A articulação com a fisioterapeuta foi bastante enriquecedora, porque recebíamos feedback
em relação à evolução da doença e ao estado atual do aluno, e ainda sobre as ações que
poderíamos desenvolver para facilitar a sua inclusão.
O aprofundar os conhecimentos sobre os sistemas de apoio a pessoas com DMD foi um
caminho importante para perceber as estruturas de apoio existentes. A visita à Associação de
Pessoas com Distrofia Muscular muniu-nos de conhecimentos mais detalhados, não só sobre a
doença e a sua evolução, mas também das dinâmicas que esta associação estabelece com os

62
seus associados. Nesta visita tivemos o privilégio de conversar com uma pessoa adulta
portadora de DMD, cuja história de vida nos abriu outras dimensões, que não apenas a
vertente escolar.
Um trabalho de investigação mostra a sua pertinência na medida em que os resultados têm
implicações para futuras investigações e aplicação nos contextos da prática.
O balanço em relação ao percurso desenvolvido é positivo, a temática em estudo é atual e
ainda se encontra em processo de construção, para o qual pensamos ter contribuído. Em
termos de investigação, o nosso trabalho poderá ter continuidade no estudo e
acompanhamento de alunos com NEE, principalmente numa perspetiva de investigação-ação,
porque os resultados que se vão encontrando permitem uma rápida articulação e intervenção
na prática e, simultaneamente, a construção de saberes teóricos promotores do
desenvolvimento científico.

63
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