A Distrofia Muscular de Duchenne E A INCLUSÃO - Um Estudo de Caso
A Distrofia Muscular de Duchenne E A INCLUSÃO - Um Estudo de Caso
A Distrofia Muscular de Duchenne E A INCLUSÃO - Um Estudo de Caso
2012
II
agradecimentos
Agradeço à minha orientadora, Professora Doutora Paula Santos, cuja
orientação e apoio permanente foram cruciais para a conclusão deste trabalho.
Aliada à sua competência científica destacam-se excecionais qualidades
humanas, que a tornam uma pessoa única e especial.
Ao Juca pelo seu sorriso fabuloso, capaz de contagiar de alegria quem dele se
abeira.
III
palavras-chave Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente (NEEP), Distrofia
Muscular de Duchenne (DMD), Inclusão, Currículos Específicos Individuais e a
Aprendizagem da Leitura e da Escrita.
IV
Keywords
Permanent Special Education Needs (PSEN), Muscular Distrophy Duchenne
(MDD), Inclusion, Specific Individual Curricula and Reading and Writing Skills .
abstract This work, based on a case study, deals with emerging issues illustrates the
measures taken in the process of inclusion of a twelve–year old student who
suffers from Muscular Dystrophy Duchenne, a progressive degenerative and
incurable disease. In a more advanced phase of this disease, the functional
limitation lead to total dependence on caretakers and the patient normally ends
up succumbing untimely.
Currently, despite having a serious motor impairment, the student still
th
maintains the ability to walk autonomously. He attends the 5 grade benefitting
from the measure Specific Individual Curriculum (SIC). The student hasn´t
acquired reading and writing skills yet in spite of apparently possessing some
essential prerequisite skills to do so. The aims that guided the action taken
involved the promotion of the student´s reading and writing skills, the
cooperation between the different agents involved in his learning process, his in
Inclusion in the educational community as well as the Knowledge of the existing
systems/structures of support to a person with MDD.
V
INDICE
ÍNDICE DE FIGURAS
ÍNDICE DE TABELAS
Lista de acrónimos
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 5
1.1 – Caracterização da distrofia muscular de Duchenne ................................................ 6
1.2 – Escola inclusiva ............................................................................................................ 9
1.2.1 – O movimento da escola inclusiva ................................................................... 9
1.2.2 – Currículos específicos individuais ................................................................ 14
1.3 – Aprendizagem da leitura e da escrita ...................................................................... 17
1.3.1 – A aquisição da leitura e da escrita ................................................................ 18
1.3.2 – As tecnologias de informação e comunicação na promoção da
competência da leitura e da escrita ........................................................................... 22
CONCLUSÃO..................................................................................................................... 61
VI
Índice de Figuras
fonológica.
velho.
Figura 4- Participação dos alunos com NEE no Sarau de Poesia (março de 2012).
aberto à comunidade.
Deficiência Motora.”
de prova fonológicas.
Índice de Tabelas
Silva.
VII
Tabela 3- Objetivo 2- Promover a articulação entre os diferentes intervenientes no
Provas Fonológicas.
Lista de acrónimos
VIII
INTRODUÇÃO
1
É consensual, a nível mundial, a defesa de uma educação inclusiva, que preconiza uma
Educação para todos e a promoção de sistemas educativos facilitadores da inclusão de todos,
sem exceção. Correia (2005) defende que é na interação entre crianças e jovens com e sem
Necessidades Educativas Especiais (NEE), que se cria o melhor ambiente de aprendizagem e
de socialização, capaz de maximizar o potencial de cada um. Os avanços legislativos neste
âmbito, contudo, não estão ao mesmo nível das práticas, isto é, a inclusão ainda é um
processo em construção, que só poderá efetivamente impor-se quando todos acreditarem que é
possível, desejável e o melhor para todos.
Numa escola inclusiva todos são respeitados e encorajados a aprender até ao limite atual das
suas capacidades. Neste sentido, é importante refletir sobre os contextos educativos e
implementar estratégias para despoletar uma verdadeira Educação Inclusiva.
O presente relatório insere-se no âmbito da unidade curricular de Estágio do curso de
mestrado em Ciências da Educação, na área de especialização em Educação Especial,
desenvolvido num agrupamento de escolas da região Norte do país, e tem como finalidade
constituir um documento de análise, refletida e interpeladora, dos processos vivenciados neste
estágio. Traduz a dificuldade e, sobretudo, o desafio de passar do registo da vivência para o
registo da escrita, exercício árduo pela complexidade inerente a uma situação de estágio, pois
significa cruzar o imaginado e o vivido, o desejável com o possível e o esperado com o
inesperado.
O foco de intervenção centra-se num aluno com doze anos de idade, que será identificado
como Juca (nome fictício), portador de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Esta é uma
doença progressiva, degenerativa e incurável. Numa fase mais avançada da doença, as
limitações funcionais levam à dependência de cuidadores, e o paciente, geralmente, acaba por
sucumbir precocemente. A qualidade de vida das pessoas com esta doença vai-se pois
degradando, com maior impacto quando a capacidade de mobilidade fica comprometida.
Relativamente ao aluno acompanhado neste estágio, no momento atual, apesar de apresentar
um comprometimento motor acentuado, ainda mantém a capacidade de marcha autónoma,
recorrendo ao uso de cadeira de rodas apenas nas deslocações mais longas.
O aluno frequenta o quinto ano de escolaridade, com a medida educativa Currículo Específico
Individual (CEI), ainda não adquiriu as competências da leitura e escrita, apesar de
aparentemente reunir algumas condições para as atingir.
2
No contacto com o Juca, desde logo, uma panóplia de questões emergiu:
- Porque é que o aluno ainda não aprendeu a ler?
- Será que este insucesso se deveu aos métodos anteriormente utilizados?
- Como poderá otimizar-se uma intervenção neste sentido?
- Como planear a intervenção para tornar a inclusão do aluno “real” e sustentada?
Partindo das questões expostas, traçamos para este estágio o objetivo de promover a inclusão
do aluno, incidindo na aprendizagem das suas competências de leitura e de escrita, em
articulação com os diferentes intervenientes no seu processo educativo.
A motivação para o desenvolvimento deste estudo foi despoletada pela perceção de que o
Juca necessitava de ajuda, e, simultaneamente, o aluno transmitia recetividade e uma vontade
imensa de aprender. A sua capacidade de resiliência foi facilmente captada, isto porque,
apesar dos insucessos anteriores, o aluno ainda acalentava o sonho de aprender a ler e a
escrever. A necessidade de utilizar esta competência no quotidiano e de se sentir no mesmo
patamar dos seus pares era um estímulo para ele.
Por outro lado, a existência de uma doença degenerativa, exige uma maior urgência de
intervenção, porque o desenvolvimento da competência de ler e escrever pode ser uma mais-
valia para o aluno, a curto e médio prazo. As limitações que a doença irá impor ao aluno em
termos de funcionalidade, provavelmente, vão-se traduzir na redução das atividades
recreativas, em contactos sociais mais restritos e na necessidade de desenvolver formas
alternativas de ocupação. Saber ler e escrever assume um papel fulcral no quotidiano de todos
nós, proporcionando a descoberta de um mundo totalmente novo e fascinante, que abre as
portas para o acesso ao conhecimento e, simultaneamente desenvolve a capacidade intelectual
do leitor, a sua criatividade e a sua relação com o mundo. Projetando para o futuro, o domínio
desta competência poderá ser bastante útil para o aluno quando, por força da doença, estiver
menos ativo e mais dependente dos outros para a satisfação das suas necessidades,
proporcionando-lhe alguma ocupação e oportunidade de contato com os outros, por exemplo,
através do espaço virtual.
Este relatório final de estágio encontra-se organizado em duas grandes partes. A primeira
parte consiste na fundamentação teórica, a qual se encontra dividida em três capítulos. O
primeiro capítulo versa sobre a revisão da literatura, no que concerne ao conceito de inclusão
3
em geral e em particular dos alunos abrangidos pela medida educativa CEI. No segundo
capítulo é feita uma breve caraterização da DMD. Finalmente, no terceiro capítulo, exploram-
se os conceitos envolvidos no processo da aprendizagem da leitura e da escrita, assim como o
papel das tecnologias da informação e comunicação neste âmbito.
Na segunda parte deste relatório é apresentado o estudo empírico/estágio que inclui: a
metodologia de investigação, a caracterização do contexto onde se realizou o estágio, a
identificação do problema, objetivos e procedimento, o plano de intervenção desenvolvido e a
discussão final.
Finalizamos o relatório com a conclusão na qual tecemos algumas considerações finais e uma
reflexão geral sobre o trabalho desenvolvido, deixando em aberto pistas para o trabalho
futuro, quer em termos de investigação, quer em termos de intervenção em contextos
educativos.
4
PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
5
1.1 – Caracterização da Distrofia Muscular de Duchenne
6
Por sua vez, Fonseca, J.; Machado, M. e Ferraz, C. (2007) definem a DMD como um
“…distúrbio genético de caráter recessivo, ligado ao cromossoma X, produzido por uma
mutação de gene que codifica a distrofina e que está localizado no braço curto do
cromossoma X, na região Xp21”. A DMD carateriza-se pela deficiência da proteína das fibras
musculares denominada distrofina. A mutação do gene da distrofina conduz à ausência da
proteína distrofina, resultando numa degeneração progressiva dos músculos (lisos,
esqueléticos e cardíaco), assumindo um caráter degenerativo, com evolução progressiva e
irreversível.
Esta doença afeta quase exclusivamente pessoas do sexo masculino, sendo as mulheres as
portadoras. Segundo, Silva, J., Costa, K. e Cruz, M. (2007) esta doença só afeta pessoas do
sexo feminino que sofrem de síndrome de Turner (XO) ou translocação X autossómica ().
Estes autores consideram que os primeiros sinais clínicos da doença aparecem nos primeiros
anos de vida sendo marcados por “…debilidade e fraqueza muscular da cintura pélvica
(região da bacia), principalmente nos músculos extensores e abdutores do quadril, atingindo
posteriormente os músculos da cintura escapular (região do ombro)” (ibidem). Estas
debilidades nos músculos dos quadris conduzem a dificuldades para correr, subir escadas,
levantar-se e, principalmente em caminhar, registando-se quedas frequentes. O agravamento da
doença é progressivo e rápido, levando à incapacidade para andar, na maioria dos casos no início
da adolescência e a um prognóstico de vida reservado.
O diagnóstico da DMD faz-se por biopsia muscular, sendo igualmente necessário um exame
genético, o qual pode fornecer informações específicas e detalhadas sobre a mudança do ADN
em mutação. O conhecimento da anomalia genética permite saber se a criança pode participar
em estudos genéticos, especificar o tipo de mutação e simultaneamente, ajudar a família a
tomar decisões relativamente à opção de ter mais filhos.
Os músculos respiratórios e cardíacos são afetados, conduzindo a dificuldades respiratórias,
assim como os músculos da coluna vertebral, com o aparecimento de escolioses, que
agudizam as dificuldades respiratórias. Ao nível das extremidades, surgem deformações e
retrações tendinosas, que prejudicam gravemente os movimentos. Todas estas complicações
implicam, mais cedo ou mais tarde, o recurso a apoios e ajudas técnicas e a dependência dos
outros na realização das rotinas básicas.
7
A fraqueza muscular é global, atingindo todos os músculos do corpo, incluindo os músculos
responsáveis pela respiração, causando graves complicações respiratórias que podem levar ao
óbito. À medida que a força muscular diminui, a capacidade para a marcha reduz-se, os
músculos do tronco tornam-se incapazes de sustentar o seu peso, surgindo a escoliose, que por
sua vez agravará também a capacidade respiratória. Mais tarde, a tosse torna-se difícil e
ineficaz, propiciando infeções respiratórias e pneumonias.
Esta doença não tem cura, no entanto, os tratamentos medicamentosos com corticoides,
atrasam o atrofiamento dos músculos e a perda da função motora, ou seja, permite que a
criança caminhe por mais tempo de forma autónoma e prolongue, assim, para mais tarde os
problemas respiratórios, cardíacos e ortopédicos (o risco de desenvolvimento de uma
escoliose ou curvatura da coluna vertebral). Porém, o tratamento farmacológico apresenta
efeitos colaterais, que poderão incluir a obesidade, cataratas, distúrbio de crescimento,
diabetes, hipertensão arterial e osteoporose. Apesar de tudo, até ao momento os corticoides
continuam a ser o tratamento aconselhado, aliado à intervenção fisioterapêutica.
A intervenção da fisioterapia é essencial no tratamento de doentes com DMD. O seu grande
objetivo é retardar a incapacidade de andar e prevenir deformidades e complicações do foro
respiratórias e traumáticas (fraturas). Amanajás (2003), cit. in Silva et al. (2007), defende que
os objetivos associados ao tratamento da fisioterapia passam pelo “Domínio sobre os
movimentos, coordenação e equilíbrio, manter ou melhorar amplitude de movimento (ADM);
fortalecer a musculatura da cintura escapular e pélvica e músculos da respiração; adequar a
postura (em pé, sentada e deitada) o mais próximo do normal e prevenir o encurtamento
muscular.” Os exercícios de extensão muscular e contraturas articulares fazem parte da
reabitação de acompanhamento. O objetivo dos alongamentos é conservar a função motora e
assegurar o conforto.
A fisioterapia vai agir na parte muscular, tentado manter as amplitudes articulares e
prevenindo as deformidades, assim como através da cinesiterapia respiratória, para fortalecer
os músculos respiratórios, e mais tarde, no decurso da doença, realizando manobras de
desobstrução brônquica. Manter uma boa amplitude dos movimentos e da simetria das
articulações é importante, pois ajuda a conservar a função mais tempo, a prevenir a formação
de deformações articulatórias permanentes e problemas de pressão sobre a pele.
8
Concluindo, esta intervenção precoce, regular e permanente é indispensável para manter a
qualidade de vida e minorar as consequências da doença. Os corticoides, a reabilitação
respiratória, cardíaca e ortopédica têm possibilitado às pessoas com DMD, uma melhoria das
suas funções motoras, aumento da sua qualidade de vida, de saúde e de longevidade.
O envolvimento de equipas multidisciplinares, que englobem neurologistas, neuropediatras,
fisiatras, ortopedistas, cardiologistas, pneumologistas, terapeutas, professores, psicólogos e as
associações são uma mais-valia em todo este processo de ajuda ao doente com DMD.
Face às especificidades inerentes a esta doença, a escola deve focar uma atenção especial aos
alunos portadores da mesma, garantindo-lhes um ambiente inclusivo, concorrendo assim para
garantir-lhes qualidade de vida.
A perspetiva educativa inclusiva insere-se num movimento de âmbito mundial, que tem sido
defendida em várias conferências/fóruns internacionais, por várias entidades, como por
exemplo a Unesco e as Nações Unidas. Da panóplia de documentos resultantes destes
encontros, destacam-se alguns considerados marcos cruciais no processo de edificação de
uma educação inclusiva.
A Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien, 1990), proclama a democratização
da educação e estabelece formas de atendimento às “necessidades básicas de aprendizagem”,
entendidas como fator de melhoria na qualidade de vida e, simultaneamente, como estratégia
para reduzir as desigualdades. A este propósito, no ponto 1º refere-se que:
9
No ponto 5, do artigo 3 é mencionado ainda que:
As Normas das Nações Unidas (1993) sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com
Deficiências das Nações Unidas, sustentam a ideia da igualdade de direitos à educação para
todas as pessoas com deficiência em escolas regulares.
A Declaração de Salamanca (1994) e o Enquadramento para a Ação na Área das
Necessidades Educativas Especiais é assinada na Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais. É aqui defendida de forma perentória a Inclusão e a Escola Inclusiva,
como as bases mestras para uma “Educação para Todos”. Os direitos das crianças e dos
jovens com NEE são enquadrados fazendo-se alusão à Declaração Universal dos Direitos do
Homem (1948), à Convenção dos Direitos da Criança (1989), à Declaração Mundial sobre
Educação para Todos (1990) e às Normas das Nações Unidas sobre a Igualdade de
Oportunidades para as Pessoas com Deficiência (1993).
Nesta conferência definiu-se que:
Assim, a escola regular com orientação inclusiva é entendida como um meio para combater as
atitudes discriminatórias, para construir uma sociedade inclusiva e alcançar a desejada
10
educação para todos. Instituiu-se um conjunto de princípios orientadores para a inclusão de
todas as crianças num sistema de ensino único e comum a todos: cada criança tem o direito
fundamental à educação e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável
de aprendizagem; cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de
aprendizagem que lhe são próprias; os sistemas de educação devem ser planeados e os
programas educativos implementados, tendo em vista a vasta diversidade destas
características e necessidades.
Após a proclamação da Declaração de Salamanca, assistiu-se a um movimento generalizado
para direcionar a política educacional e as práticas num sentido mais inclusivo,
desencadeando a reformulação da organização do sistema educativo, por parte dos países
implicados. Este processo desenvolveu-se a diferentes ritmos e em diferentes registos.
A nível Europeu destaca-se o papel de relevo assumido pela Agência Europeia para o
Desenvolvimento da Educação Especial, uma organização, criada em 1996, pelos países
membros da União Europeia, que funciona como plataforma de colaboração para o
desenvolvimento da Educação Especial. A partilha de experiências entre os diferentes países
permite uma aprendizagem coletiva na melhoria das políticas e das práticas que respondam às
necessidades dos alunos, incluindo os que apresentam necessidades especiais. Questões como
a igualdade de oportunidades, a acessibilidade, a educação inclusiva e a promoção na
qualidade da educação são objetivos almejados numa dinâmica de partilha e de troca de
experiências.
Segundo a Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação Especial (2003), a
educação inclusiva insere-se no princípio de uma escola para todos e constitui uma base
fundamental para assegurar a igualdade de oportunidades para as pessoas com NEE em todos
os aspetos da sua vida. Assim, exige sistemas educativos flexíveis que se responsabilizem
pelas diversas NEE dos alunos e proporcionem um acesso total e igualitário à educação na sua
comunidade local.
Em Portugal, seguiu-se este movimento, procurando-se responder aos desafios lançados, no
entanto, ainda há um caminho longo a percorrer. É certo que em termos de suporte legislativo
houve uma rápida intervenção, mas que por si só não despoleta mudanças estruturais. É
preciso mobilizar a opinião, construir consensos e desenvolver projetos locais que envolvam o
coletivo (Unesco, 2001).
11
Correia (2005) defende que “a inclusão pressupõe a inserção do aluno com NEE nas escolas
regulares e, sempre que possível, na sala de aula das classes regulares, onde deve receber
todos os serviços adequados às suas características e necessidades.”
Para Leitão (2006), a inclusão deve proporcionar a todos “o acesso às melhores condições de
vida e de aprendizagens possíveis. Não apenas alguns, mas todos os alunos necessitam e
devem beneficiar da aceitação, ajuda e solidariedade dos seus pares, num clima onde ser
diferente é um valor.”
Na opinião de Ainscow (1998) a inclusão “significa os alunos estarem na escola,
participando e aprendendo, desenvolvendo em simultâneo as suas capacidades.”
A inclusão é um processo reorganizativo das escolas, que tem por base responder de forma
eficaz às necessidades educativas de um número crescente de alunos com características
diversas. Pressupõe que as diferenças de todos os alunos são tidas em conta e respeitadas,
sendo da responsabilidade do professor planear e adaptar o currículo às diferentes
necessidades, promovendo assim a aprendizagem e o desenvolvimento de todos eles.
Assim, o conceito de inclusão encara a diversidade dos alunos como algo de positivo e
enriquecedor para as comunidades educativas. A integração dos alunos NEE, nas turmas
regulares, é importante para o desenvolvimento das suas capacidades, e é nesse contexto que
deverá ser prestado o apoio adequado.
Segundo Correia (2003), a educação inclusiva defende que “todos os alunos
independentemente da sua raça, condição linguística ou económica, sexo, orientação sexual,
idade, capacidades de aprendizagem, estilos de aprendizagem, etnia, cultura e religião, têm o
direito de ser educados em ambientes inclusivos.”
A escola inclusiva deve ser interativa, promover e respeitar as diferenças, ser solidária e gerar
processos de comunicação eficazes. Deve então defender, e sobretudo viver, valores de
aceitação, pertença, tolerância e respeito.
Fonseca (2001) defende que a educação inclusiva deve assegurar igualdade de oportunidades
educativas a todos os alunos, devendo estes usufruir de serviços educativos de qualidade, que
os preparem para uma cidadania futura, o mais independente possível.
É na forma com tratamos e percebemos os alunos que reside a chave do problema. São
necessárias políticas, culturas e práticas, que valorizem o contributo ativo de cada aluno, para
12
a elaboração de um conhecimento construído e partilhado, de forma, a atingir sem
discriminação a qualidade académica e social.
A educação inclusiva não tem a ver com a igualdade, mas com um mundo onde as pessoas
são diferentes, celebrando essas diferenças através da aproximação uns com os outros. Falar
de escolas inclusivas remete para a reflexão da inclusão na sociedade, levantando-se a questão
de como é possível construir uma escola justa, tendo como base uma sociedade tantas vezes
injusta. Segundo Rodrigues (2003), parece ser difícil a existência de uma escola inclusiva, se
os valores da escola não tiverem uma expressão de sustentabilidade no seu exterior. É
inquestionável que a educação inclusiva terá de estar agregada a um projeto e empenho social,
também ele fundado na igualdade e na justiça.
Na verdade do discurso da escola inclusiva à sua concretização no terreno vai uma grande
diferença. Existem ainda muita incerteza em como proceder, não havendo um único caminho,
uma receita pré determinada. Certo é que a mudança deve ser compreendida e desejada pelos
atores sociais e “só pode ter sucesso se, em primeiro lugar, os cidadãos a compreenderem e a
aceitarem como princípio cujas vantagens a todos beneficia. Até lá, a igualdade de
oportunidades para todos os alunos ainda pode estar distante.” (Correia e Cabral, 1999). A
inclusão não pode ser considerada uma mera opção estratégica, mas sim, um direito, um
exercício de cidadania que abre caminho rumo a uma escola, na qual todas as crianças têm
lugar. Para que a inclusão aconteça são necessárias mudanças estruturais na escola, não
somente nas instalações físicas, mas em toda a proposta pedagógica, metodológica e
administrativa.
Ainscow (1995) identifica seis condições para que a escola seja inclusiva, nomeadamente:
- Uma liderança eficaz da equipa diretiva da escola, apostada em dar resposta às necessidades
de todos os alunos;
- Pessoal docente convicto de que pode ajudar todas as crianças a aprender e de que todos
podem ter sucesso;
- Disposições para apoiar individualmente os membros da equipa docente e oferta de uma
grande variedade de oportunidades curriculares a todas as crianças;
- Procedimentos sistemáticos para controlar e avaliar o progresso.
Assim, para este investigador incluir na educação envolve valorizar todos os estudantes e
pessoal docente e não docente de forma equitativa, incrementando a participação dos alunos
13
com redução da sua exclusão da cultura, do currículo e das comunidades da escola.
Reestruturar as culturas, políticas e práticas na escola para assim responder à diversidade dos
alunos, reduzindo as barreiras à aprendizagem para todos os alunos, não só para aqueles
catalogados como tendo NEE. Aprender por tentativas em ultrapassar barreiras ao acesso e
participação de determinados alunos e provocar mudanças para o seu benefício. Percecionar a
diferença entre os alunos, como recurso de suporte à aprendizagem, mais do que um problema
a ultrapassar. Melhorar a escola para o pessoal e para os alunos. Enfatizar o papel das escolas
na construção da comunidade e no desenvolvimento de valores, como no incremento do
conhecimento. Incrementar relações sustentadas entre as escolas e as comunidades e
reconhecer que a inclusão na educação é um aspeto da inclusão na sociedade.
Neste seguimento, Ainscow (2000) reconhece que, para ocorrerem as mudanças é
indispensável que seja assegurada a participação de um corpo docente empenhado e confiante,
os quais na sua maioria possuem a “peritagem” necessária para ensinar todos os alunos de
forma adequada, sabendo mais do que aquilo que realmente utilizam. Assim as escolas devem
partir das práticas existentes e trabalhar em conjunto para inventar novas possibilidades de
ultrapassar as barreiras à participação e à aprendizagem, promovendo a discussão conjunta
das práticas.
De acordo com o relatório síntese da AEDEE (2006) são identificados sete fatores promotores
de uma Educação Inclusiva: o ensino cooperativo, a aprendizagem cooperativa, a resolução
cooperativa de problemas, a constituição de grupos heterogéneos, um ensino eficaz, ensino
por áreas curriculares e formas alternativas de aprendizagem.
15
invisíveis aos olhos dos professores. A aplicação da legislação é, por vezes, desvirtuada e
aplicada de forma errónea. Continua-se a retirar ao plano de estudos dos alunos que seguem
um CEI a maior parte das disciplinas nucleares do currículo, optando-se pela frequência de
áreas curriculares que não fazem parte do currículo comum, em outros espaços que não a sala
de aula.
É necessário traçar com rigor o perfil de funcionalidade dos alunos com CEI, identificando,
desde logo, o estilo de aprendizagem de cada um e as suas preferências. Para isso, os
professores têm de proceder a uma observação do seu funcionamento em termos de
aprendizagem, as suas propensões, os seus pontos fracos e fortes e preferências, analisando a
forma como estes elementos se refletem nas salas de aula (Riefe e Heimburge, 2000).
A cooperação e a diferenciação pedagógica entendidas como inclusivas, só têm sentido se os
professores acionarem atividades e estratégias que coincidam com os pressupostos que lhe
estão inerentes. Se o trabalho que o aluno realiza é “marginal” relativamente ao que se passa
com a sua turma, tal significa que ele está inserido mas não incluído. Interessa pois que estes
alunos, mesmo com problemáticas muito severas, participem nas atividades de acordo com as
suas capacidades, pelo que é desejável que os professores criem ambientes de trabalho
facilitadores desta interação e que a promovam. A diferenciação pedagógica para Perrenoud
(2010) “não é um método pedagógico, é uma forma de organização de trabalho na aula no
estabelecimento e no meio envolvente. Não se limita a um procedimento particular, nem pode
atuar apenas por grupos de nível ou de necessidade: Deve ter em conta todos os métodos,
todos os dispositivos, todas as disciplinas e todos os níveis de ensino.”
Os colegas da turma são elementos chaves para incluir os alunos com CEI no contexto
educativo. A interação provocada pela aprendizagem cooperativa é fundamental para o
desenvolvimento de todos. Aqueles que não têm dificuldades, quando estão a ajudar os seus
colegas com mais dificuldades têm a possibilidade de sistematizar melhor as suas
aprendizagens. Por outro lado, os alunos com NEE aprendem melhor seguindo os exemplos
dos colegas. As mudanças metodológicas e organizativas lançadas para responder aos alunos
com dificuldades irão beneficiar todas os outros (Ainscow, 1995). Os que são considerados
como tendo NEE passam a ser reconhecidos como um estímulo que promove estratégias
destinadas a criar um ambiente educativo mais rico para todos.
16
Na verdade, os alunos representam uma fonte rica de experiências, de inspiração, de desafio e
de apoio, que pode insuflar uma imensa energia adicional nas tarefas e atividades em curso.
Hawes (l988) reconhece o potencial do "poder dos pares", através do desenvolvimento dos
programas "criança-a-criança".
A aprendizagem cooperativa é uma estratégia valiosa permitindo aos alunos aprender e
trabalhar em ambientes onde as suas potencialidades são reconhecidas e as suas necessidades
individuais atendidas. Assim, a aprendizagem cooperativa transforma a sala de aula, num
microcosmo da sociedade diversificada e do mundo do trabalho e num lugar de aquisição de
competências necessárias para apreciar e lidar com o que inicialmente poderia ser percebido
como diferente.
Também, de acordo com Ainscow (2000) os contextos que envolvem a criação de uma cultura
de solução de problemas incluem aprender como usar experiências e recursos, a fim de
desenvolver melhores formas de ultrapassar as barreiras à aprendizagem. O compromisso com
a resolução colaborativa de problemas contribui, sem dúvida, para o desenvolvimento de
práticas educativas mais inclusivas. As práticas inclusivas pressupõem processos de
aprendizagem social dentro de contextos organizacionais específicos.
Nos alunos de CEI que não sabem ler e escrever o trabalho cooperativo com os pares é ainda
mais relevante e necessária.
17
1.3.1 – A aquisição da leitura e da escrita
18
Ao longo dos tempos, a psicolinguística tem vindo a procurar explicar os processos
implicados na leitura e escrita, tendo surgido várias teorias explicativas.
Freidman, Welsh e Desberg (1981) defenderam um modelo de aprendizagem da leitura
sustentado em quatro fases: a adivinhação lógistica, a aproximação visual, a descodificação
sequencial e a descodificação hierárquica.
Ferreiro e Teberosky (1985) identificaram quatro níveis presentes no processo de
aprendizagem da escrita: o pré-silábico, o silábico, o silábico-alfabético e o alfabético. No
primeiro nível, reconheceram que não existe correspondência entre grafema e os fonemas. No
nível silábico, a criança compreende que é possível representar os sons da fala em símbolos
gráficos, mas ainda não o sabe fazer. No nível silábico alfabético existe a compreensão de que
cada som se associa a uma representação gráfica, chegando-se ao nível alfabético pela
experimentação.
A aquisição do princípio alfabético, baseado no conhecimento de que na escrita alfabética
todas as palavras são representadas por combinações de um número limitado de símbolos
visuais (as letras) e que estas codificam os fonemas, corresponde a um processo complexo que
exige um nível de raciocino conceptual bastante apurado e complexo (Silva, 2004).
Bryne (1998), cit. in Silva (2004), acrescenta que esta complexidade advém do facto de o
aprendiz ter de articular competências relativas à análise explícita das palavras nos seus
segmentos fonémicos com conhecimentos referentes ao nome das letras.
De acordo com Bryne e Fielding Barnsley (1989), cit. em Guimarães (2003), a compreensão
do princípio alfabético implica a consciência de que a língua falada se segmenta em unidades
distintas; a consciência de que estas se repetem em diferentes palavras faladas e o
conhecimento das regras de correspondência entre grafemas e morfemas.
Para Sim-Sim (2006) o conhecimento e a utilização do princípio alfabético são determinantes
para a descodificação fonológica. Para que a criança aceda à linguagem escrita é fundamental
que compreenda o princípio alfabético, ou seja, que assuma que cada unidade mínima do som
- fonema - tem correspondência numa representação gráfica específica - o grafema-, que pode
corresponder a uma letra ou a um conjunto de letras.
A identificação e a produção das palavras escritas, componentes específicas, da leitura e da
escrita respetivamente, adquirem-se a partir da compreensão do princípio alfabético, da
aquisição das correspondências grafofonológicas e fonográficas e da constituição de
19
representações lexicais ativáveis automaticamente. Para aprender a ler e a escrever um código
alfabético é necessário desenvolver a capacidade de manipular unidades (orto)gráficas e
linguísticas (de base oral).
Assim, tanto as capacidades preceptivas da fala, como as de memória fonológicas são
suscetíveis de condicionar a aprendizagem da leitura e da escrita. Com base nestas
capacidades, e em grande parte sob a influência da exposição às letras e à forma escrita das
palavas e das tentativas de aprendizagem deste material, a criança adquire conhecimentos
conscientes explícitos, sobre fonologia e os fonemas da sua língua (as chamadas consciência
fonológica e fonémica). Simultaneamente, aprende a realizar operações sobre as
representações mentais destas unidades, as quais intervêm nos processos de descodificação
grafofónica e de codificação fonográfica, processos estes essenciais na aprendizagem da
leitura e da escrita.
Nos últimos anos, desenvolveram-se diversos estudos com o objetivo de compreender os
processos cognitivos envolvidos na aquisição da linguagem escrita. A consciência fonológica
e o conhecimento das letras. Têm sido apontados como os dois fatores mais influentes no
processo de desenvolvimento desta competência (Adams, 1990; Barbeiro, 1999; Treiman,
2003; Cardoso Martins, 2005).
A investigação efetuada em torno da importância da consciência fonológica trouxe evidências
experimentais e correlacionais entre esta capacidade e o sucesso na aprendizagem da leitura e
da escrita (Bryant, Maclean, Bradley, & Crossland, 1990; Goswamy & Bryant; 1990;
Lunberg, Frost, & Peterson, 1988; Torgensen, Wagner, & Rashotte, 1994; Wagner &
Torgensen, 1978).
A investigação sobre o acesso à leitura mostra-nos que as competências metalinguísticas não
se desenvolvem espontaneamente, com o simples contato oral, sendo necessário submeter a
criança a tarefas em que tenha de descobrir a estrutura segmental da língua. Quanto mais
refletir sobre as unidades da língua, melhor preparada ficará para ler.
A consciência metalinguística engloba várias habilidades: a consciência fonológica, a
consciência morfológica e a consciência sintática. A primeira refere-se à consciência de que
as palavras englobam sons, a capacidade de reconhecer rimas, identificar e reconstruir. A
consciência morfológica corresponde à reflexão e manipulação do processo de formação das
palavras. A consciência sintática implica avaliar a gramaticalidade.
20
A consciência fonológica diz respeito a diferentes tipos de unidades fonológicas presentes nas
palavras, tais como as sílabas, as unidades intrassilábicas ou os fonemas. A consciência
fonémica desenvolve-se mais tardiamente. O domínio da leitura da escrita supõe
conhecimentos de diversos aspetos da linguagem, assim com a tomada de consciência das
caraterísticas formais da linguagem, ou seja, habilidades metalinguísticas.
Cardoso-Martins (1995), cit. in Guimarães (2003) considera que a consciência fonémica,
habilidade em perceber a unidade mínima da fala (os fonemas), é aquela que mais influencia a
aquisição da leitura e da escrita. Desenvolve-se mais tardiamente, refletindo um domínio mais
profundo e complexo da consciência fonológica.
A consciência fonológica é uma competência necessária, ainda que não suficiente, para o
entendimento conceptual do principio alfabético. Ou seja, para compreender que as letras
constituem um sistema de notação dos fonemas, as crianças têm de, gradualmente,
desenvolver a consciência de que as palavras são decomponíveis em segmentos fonémicos.
Esta aprendizagem faz-se por etapas, começando pelas modalidades mais elementares, que
incluem a sensibilidade às sílabas e às rimas.
Capovilla (1999), cit. in Guimarães (2003), demonstrou que o fornecimento de instruções
fónicas explícitas às crianças facilita a aquisição da leitura e da escrita.
Segundo Demont (1997) a aprendizagem da leitura requer múltiplas habilidades cognitivas,
incluindo a habilidade metalinguística (capacidade de refletir sobre a própria linguagem),
uma vez que a leitura alfabética associa um componente auditivo fonémico a uma
componente visual gráfico (correspondência grafofonémico). Para dominar este principio o
leitor tem de tomar consciência da estrutura fonémica da linguagem, isto é, da decomposição
das palavras em fonemas e que cada unidade fonémica é representada por um grafema.
Liberman e Shanlweiller (1985), cit. por Salgado, C. e Capilleni S., (2004) apontaram a
importância da consciência linguística “ a investigação tem mostrado que o sucesso de quem
aprende (…) se relaciona com o seu grau de consciência da estrutura subjacente às palavras.
Os maus leitores são geralmente, incapazes de decompor as palavras nos seus constituintes
fonológicos, podendo ter ainda outros défices deste tipo…”
Mann (1994), cit. in Salgado, C. e Capilleni S. (2004) reconheceu que as crianças com
problemas fonológicos tendem a revelar dificuldades com a memória de curto prazo para
21
material verbal; dificuldade em identificar palavras faladas e em recuperar a representação
fonética das palavras.
Concluindo, a decifração corresponde ao primeiro passo na aprendizagem formal da leitura,
cujo processo de amadurecimento rumará até à compreensão daquilo que se lê, ou seja, a sua
essência fundamenta-se na construção de significados.
A aprendizagem das competências de leitura e escrita pode ser coadjuvada pelo recurso às
tecnologias de informação e comunicação.
22
autoconfiança, maior responsabilização do aluno pelo seu próprio trabalho, novas relações
professor aluno e laços de cooperação e interajuda entre alunos. ”
Correia (1997) considera que por si só as tecnologias são insuficientes para o sucesso
automático ou para despoletar uma revolução pedagógica, sendo necessário o seu
enquadramento num sistema de referências teóricas, técnicas e materiais. Carreiro da Costa
(1988), cit. in Correia (1997), defende que o seu uso deve nortear-se pelas características
inerentes à atividade educativa, a intencionalidade, a previsibilidade, o controlo e a eficácia.
É importante desenvolver softwares educativos com qualidade, que coincidam com as
necessidades educativas dos alunos.
A utilização do computador e dos dispositivos a ele associados poderá facilitar a aquisição de
descritores de desempenho tais como perceber que tudo o que é dito pode ser escrito; respeitar
usar adequadamente os instrumentos de escrita, usar adequadamente maiúsculas e minúsculas;
assinalar a mudança de parágrafo entre outras.
Apesar de todas as vantagens, não é por si só a porta mágica para a resolução de todos os
problemas. No mercado estão disponíveis imensos softwares para desenvolver as
competências de leitura e escrita, não significando que todos sejam de qualidade.
O Grid2 é um software de Comunicação Aumentativo e Alternativo desenhado para pessoas
com problemas motores graves, para lhes possibilitar a comunicação. Inclui símbolos WLS
assim como sintetizador de voz feminino (“Célia”); símbolos SPC opcionais, possibilidade de
letra a letra, palavra a palavra, frase a frase, com símbolos ou mista, predição de palavras ou
símbolos e lista de vocabulário.
O Aventuras2 é um software desenvolvido pala Imagina, com o apoio da Fenacerci, destinado
à aprendizagem da leitura e escrita (recomendado pelo Ministério da Educação). Funciona
como um caderno digital permitindo à criança brincar com a Língua Portuguesa, usando
frases, expressões, palavras, sílabas, imagens, sons e voz.
Com base nos conteúdos de um caderno ou tema, o Aventuras 2 propõe cinco jogos
diferentes, cujo conteúdo correspondem ao que estiver no caderno do aluno ou no tema
elaborado pelo professor. O aumento da complexidade dos jogos é simultâneo ao aumento dos
conteúdos do caderno. Existem 5 jogos diferentes com níveis de dificuldade variável:
O Jogo da Aranha que permite ligar imagens ou imagens a palavras; o Jogo da Formiga que
permite formar palavras com 2 sílabas; Jogo da Abelha que permite formar palavras com três
23
sílabas; Jogo do Macaco que permite escrever as palavras de determinadas imagens e o Jogo
do Rato que possibilita ordenar os elementos de um frase.
O software Invento 2, possui um conjunto de símbolos para a literacia da Widgit com acesso a
mais de 10.000 símbolos, possibilitando a construção de materiais pedagógicos apelativos. Os
símbolos ajudam a comunicar ideias e informação para as pessoas que têm dificuldade em ler
e compreender o texto. Construir histórias adaptadas.
24
PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO/ESTÁGIO
25
2.1 – Metodologia da investigação
Neste processo de estágio, o local onde o mesmo se realiza é um dado importante para a
compreensão da dinâmica implementada e das opções tomadas. Assim, iremos efetuar uma
breve caraterização do agrupamento de escolas, assim como descrever a história escolar e
clínica do aluno sobre o qual incidiu a intervenção.
26
2.2.1 – Caraterização do Agrupamento
O aluno frequenta uma EB23, sede de um agrupamento da zona norte, localizada numa vila
constituída por cinco freguesias, com aproximadamente 16000 residentes. O edifício é do tipo
monobloco, edifício único, com 24 salas de aula incluindo as salas específicas, tais como
laboratórios de Línguas, Ciências, Físico-Química, salas de Educação Visual e Tecnológica,
Educação Tecnológica e Sala de Informática. Possui uma biblioteca, cozinha, refeitório e
bufete devidamente equipados, que dão resposta às necessidades da Comunidade Escolar.
O meio é, ainda, semi-rural e a maioria das famílias têm ocupações profissionais nas fábricas,
muitas destas fora da região, na construção civil e trabalho por conta própria. Trata-se de um
meio de grande incidência migratória. Porém, o tecido económico da área escolar, que
contempla muitas empresas familiares e de pequena dimensão, está em crescimento,
substituindo a agricultura tradicional, o que favorece, de algum modo, a integração
profissional dos alunos à saída da escola. Os alunos deste meio, que apresentam algumas
carências económicas.
Na sua esmagadora maioria, os alunos provêm de estratos sociais baixos. A maior parte dos
pais apenas possuem o 4º ano de escolaridade e só uma minoria tem habilitações de nível
superior. Assim, este ambiente social pode não ser facilitador do sucesso escolar dos alunos,
nem funcionar como estímulo para que prossigam os seus estudos.
Não é tradicional o envolvimento das famílias e da comunidade na escola. Dado que a
formação cultural da grande maioria das famílias não facilita as aprendizagens escolares, cabe
à Escola compensar essas dificuldades através de estratégias pedagógicas adequadas. Há,
contudo, algumas infra-estruturas desportivas, recreativas e culturais neste meio.
A Escola possui formas de envolver os alunos nos seus tempos livres e em complemento das
atividades curriculares, contando com campos descobertos para a prática de Educação Física e
um pavilhão polidesportivo.
Estamos em presença duma área de grande incidência da religião católica, embora sejam já
visíveis outras manifestações religiosas. Em todas as freguesias existem grupos de jovens,
dinamizados a nível de paróquia envolvidos em intervenção cívica. Existem diversas
Instituições de Solidariedade e de Assistência à Terceira Idade e Centros Sociais. Em termos
culturais proliferam grupos recreativos na área do teatro, música e da dança.
27
Este agrupamento inclui cinco escolas do 1º ciclo, duas delas a funcionar como Centros
Escolares e sete Jardins de Infância. No total, o agrupamento tem 1400 alunos, distribuídos
pelos diferentes níveis de ensino e 134 professores (a maioria deles do quadro de escola).
Estão abrangidos pelo Decreto de Lei 3/2008 trinta e quatro alunos, dos quais apenas quatro
seguem um CEI. O agrupamento tem estabelecido um protocolo de cooperação e parceria,
com o Centro de Recursos para a Inclusão, permitindo que os alunos com NEE sejam
apoiados em contexto escolar, nas valências de terapia da fala, fisioterapia e terapia
ocupacional.
O aluno alvo da nossa investigação, tem doze anos e frequenta o 5º ano de escolaridade. É
portador da doença de DMD, diagnosticada aos dois anos de idade na Alemanha (onde na
altura a encarregada de educação residia). Iniciou a educação pré-escolar aos 3 anos, tendo
sido abrangido pela Educação Especial aos 4 anos de idade. No final da educação pré-escolar,
teve adiamento escolar.
Ao longo do 1º Ciclo do Ensino Básico não teve nenhuma retenção, no entanto, não
conseguiu acompanhar os conteúdos previstos para cada ano de escolaridade, pelo que
terminou este nível de ensino sem as competências mínimas de ciclo, inclusivamente as de
leitura e de escrita. Foi dispensado da realização das provas de aferição do 4º ano de
escolaridade.
No relatório circunstanciado do final do ano letivo transato, foi determinada a mudança da
medida educativa aplicada, adequações curriculares individuais (artigo 18, do Decreto de
Lei/3 de 7 de janeiro de 2008), para a medida currículo específico individual (CEI) (artigo 21,
do mesmo Decreto).
O aluno transitou para o 2º Ciclo do Ensino Básico, integrando a sua turma, que já
acompanhava desde o ensino pré-escolar. Entre os seus elementos existiam fortes laços de
amizade e de proteção para com o Juca.
28
2.3 – Problema, objetivos e procedimentos gerais
Neste enquadramento emergiu este projeto de estágio, imerso em dúvidas e vontade em agir.
A primeira grande dúvida foi conseguir perceber porque é que este aluno não tinha adquirido
as competências de leitura e escrita, uma vez que apresentava uma boa capacidade
compreensiva, de expressão oral, de memorização e assimilação de conteúdos relacionados
com o quotidiano.
A inclusão dos alunos que seguem a medida educativa CEI é um percurso nem sempre fácil
de ser gerido. Por ser uma medida demasiadamente restritiva, acaba por afetar o investimento
e as expectativas dos professores por estes alunos, generalizando-se frequentemente a ideia de
que não há nada a fazer. Esta situação agrava-se ainda mais, quando estes não têm adquirida
a competência de leitura e escrita. Generaliza-se a ideia de que toda a aprendizagem está
comprometida e que dificilmente esta competência se irá alcançar.
No contato com o Juca, desde logo, uma panóplia de questões emergiu:
Partindo das questões expostas, delineamos os seguintes objetivos, para este estágio
- Promover as competências de leitura e escrita do aluno.
- Promover a articulação entre os diferentes intervenientes no processo educativo do aluno.
- Promover a inclusão do aluno na comunidade educativa.
- Aprofundar o conhecimento sobre sistemas/estruturas de apoio à pessoa com distrofia
muscular.
“(…) Uma amiga chamou-me à razão. Alertou-me, dizendo-me não ser normal, que o menino
andasse sempre a cair. Disse-me: “Vai ao Neurologista”. Não me esqueço. Fui ao
neurologista no dia 8 de abril de 2002. Só olhou para o Juca e disse que o meu filho tinha um
problema muito grave (…) O meu medo era que fosse leucemia. Ele não disse o que era. Foi
internado três semanas. (…) Fez uma biopsia ao músculo e uma eletrocardiografia. Foi todo
picado. No final, não havia nada a fazer, mas muito a saber. Estava comprovado que ele
tinha DMD”.
Este foi um momento muito doloroso e de difícil gestão emocional para a família.
Foi terrível! A pior coisa que podia acontecer. O médico foi muito direto, disse-me que o
Juca ia parar a uma cadeira de rodas e podia durar até aos 20 anos. Mentalizei-me com o
tempo. Quando o neurologista me falou pormenorizadamente do problema do Juca caiu-me
tudo ao chão. Fiquei chocada. As lágrimas chegavam-me ao chão. Foi uma revolta
indiscritível. O meu marido fugiu para fora e pôs-se aos pontapés a tudo. Era o filho que eu
queria, que ele queria, uma criança saudável, nunca em algum momento pensamos que iria
haver problema. Tudo corria tão bem!
Desde essa altura, o Juca passou a ter fisioterapia e a tomar medicação. A mãe teve de abdicar
do trabalho para conseguir acompanhá-lo às diferentes consultas e terapias semanais. Apesar
disso, não recebe nenhum tipo de apoio monetário, uma vez que o marido desconta no
estrangeiro.
30
No inico do ano letivo, a evolução da doença do aluno era evidente, havendo um
comprometimento motor acentuado. A perda de funções motoras crescia diariamente de
forma silenciosa. No entanto, este ainda mantinha a mobilidade, deslocando-se
autonomamente. Na escola precisava apenas de utilizar o elevador para mudar de piso, pois o
uso das escadas apresentava riscos de ocorrência de queda e exigia um esforço físico que lhe
era prejudicial. Nas visitas de estudo, usava a cadeira de rodas, apenas, se estas implicassem
deslocações de maior distância.
Semanalmente, o Juca frequentava fisioterapia, quer na escola, quer no centro hospitalar da
zona, uma intervenção continuada desde o primeiro ciclo. Os objetivos inerentes à
intervenção da fisioterapeuta, em contexto escolar, consistiam em prevenir a diminuição das
amplitudes articulares ao nível global e evitar a diminuição da capacidade respiratória. Neste
âmbito, desenvolvia exercícios de alongamentos musculares (estiramentos), para prevenir as
deformidades que se vão instalando nos membros inferiores (por exemplo, andar em flexão
plantar dos pés “bicos de pés”; flexo do joelho; joelho fixo em flexão), nos membros
superiores (flexo do cotovelo - cotovelo fixo em flexão) e no tronco (escoliose e lordose
lombar (coluna em “S” e uma curvatura excessiva na zona lombar durante a marcha).Também
eram realizados exercícios para manter a expansão torácica e de estimulação do músculo
principal da respiração (o diafragma), de forma a manter a capacidade respiratória vital. No
hospital, a linha de tratamento era similar, mas acompanhada de métodos de eletroterapia,
como “calores húmidos” antecedendo os alongamentos, com o intuito de relaxar a
musculatura e facilitar o movimento. Neste último contexto frequentava ainda sessões de
hidroterapia.
A perceção da doença pelo aluno era um pouco difusa. Estava informado sobre a sua condição
de saúde, sabia a importância de seguir as recomendações médicas e que um dia perderia a
capacidade de mobilidade tornando-se dependente de uma cadeira de roda. No entanto,
segundo o relato da mãe, este parecia estar um pouco distanciado desta realidade.
“Ele sabe e está ao corrente de tudo. Sabe que vai deixar de caminhar. Mas às vezes, sai-se
com cada comentário, tipo “Se calhar vou conseguir caminhar sempre. Não vou precisar da
cadeira de rodas”.
31
O discente não se queixava de dor ou de cansaço, nem expressava os seus sentimentos sobre a
doença. Por outro lado, não exponha as suas dificuldades motoras, tentando sempre
“disfarçar” e superá-las sem ajuda. Continuava a persistir no seu sonho de ser jogador de
futebol e depositava a esperança de poder não precisar de cadeira de rodas, sinais evidentes de
uma falta de consciencialização e aceitação das limitações impostas pela doença. É como se
ele não conseguisse ver, ou não quisesse ver o que é óbvio.
Em termos escolares, o aluno estava a iniciar o segundo ciclo do Ensino Básico, com a
medida educativa CEI, opção justificada no relatório circunstanciado pela falta de
competências mínimas de leitura/escrita e de cálculo matemático.
No Programa Educativo Individual (PEI), elaborado no final do ano letivo anterior, estava
traçado, com base na Classificação Internacional da Incapacidade e Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde versão para crianças e jovens e Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (da Organização Mundial da Saúde), o seu seguinte
perfil de funcionalidade:
33
No que se refere à aplicação de conhecimento, o aluno manifesta dificuldades em concentrar
atenção, nomeadamente em focar a atenção em estímulos significativos para a aprendizagem
(d1609.3), bem como levar a cabo tarefas múltiplas (d220.2).
Relativamente à mobilidade o discente apresenta dificuldades em deslocar-se (d455.2). Muda
o corpo de posição com alguma dificuldade (d410.2). Ao mover os objetos com os membros
inferiores a dificuldade é mais notória (d435.3). Apresenta ainda alteração ao nível da
motricidade fina (d440.1) com perda de alguma força manual.
Nos fatores ambientais, o aluno tem como facilitador para o seu desenvolvimento, o consumo
pessoal de medicamentos (e110+3). A família demonstra interesse dando apoio e o
acompanhamento necessário (e310+3).”
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Resultados obtidos da aplicação da Bateria de Provas Fonológicas
Base classificação Total itens Pontuação (inicial)
Sílaba inicial 14 3
Fonema inicial 14 3
Supressão sílaba inicial 14 2
Supressão fonema inicial 24 6
Análise silábica 14 10
Análise fonémica 14 0
Total 94 28
Percentagem 100% 30%
Estes resultados confirmaram que as suas competências de consciência fonológica eram muito
parcas. Conforme se pode constatar, a pontuação obtida foi negativa, com um total de 30% de
acertos. Os itens com valores mais baixos foram a análise fonémica e a supressão da sílaba
inicial, facto que corrobora as investigações que defendem que o desenvolvimento da
consciência fonémica é mais tardio, refletindo um domínio mais profundo e complexo da
consciência fonológica e que mais influencia a aquisição da leitura e da escrita.
Tanto as capacidades percetivas da fala, como as de memória fonológicas são suscetíveis de
condicionar a aprendizagem da leitura e da escrita. Com base nessas capacidades e em grande
parte da exposição às letras e à forma escrita das palavras e das tentativas de aprendizagem
deste material, a criança adquire conhecimentos conscientes explícitos.
Estas dificuldades não eram extensíveis a outras áreas de conhecimento ligado ao quotidiano.
O aluno apresentava uma boa capacidade de memória de curto e de longo prazo e uma boa
capacidade de compreensão e armazenamento da informação relativa a tudo o que se
relacionava com a esfera dos seus interesses. Na interação com os outros era bastante eficaz,
iniciando e mantendo facilmente uma conversa, cativando a atenção e o interesse.do
interlocutor.
Apresentada a situação clínica e escolar do aluno, passamos a descrever o plano de
intervenção.
35
2.4.2 – Intervenção
Saber ler e escrever assume um papel fulcral no quotidiano de todos nós, proporcionando a
descoberta de um mundo fascinante, que abre as portas para o acesso ao conhecimento e,
simultaneamente, desenvolve a capacidade intelectual do leitor, a sua criatividade e a sua
relação com o mundo. Partimos do princípio de que o insucesso desta aprendizagem básica,
no primeiro ciclo, não poderia significar o desinvestimento e o desacreditar da possibilidade
de o tornar um leitor competente. Por outro lado, este era um dos seus sonhos expressos de
uma forma genuína e convincente: “Quero aprender a ler e a escrever para fazer o mesmo
que os meus colegas. Posso ir à net fazer pesquisas e ler sem ninguém me ajudar.”
36
Assim, dirigimos a nossa intervenção para alcançar este objetivo, planeando um trabalho
continuado, sistematizado e motivador. Sabíamos que as situações educativas deveriam gerar
incentivos para que a prática da leitura fosse encarada como agradável, enquadrando-a na
própria realidade do discente. Tendo em conta que, quanto mais enriquecedoras forem as
experiências de aprendizagem, maior será a estimulação e o seu desenvolvimento,
diversificaram-se as estratégias e as atividades, para manter a “chama” da motivação e a
vontade em aprender.
Foram previstos vários momentos, ao longo da semana, destinados a esta aprendizagem
básica, distribuídos da seguinte forma:
- 2ª feira
Dinâmica de grupo-turma - 90´ m. Na disciplina de Estudo Acompanhado, quando
os colegas desenvolviam trabalho individual, o Juca realizava fichas de trabalho de
Língua Portuguesa (elaboradas pela professora de Educação Especial), com apoio de
uma das duas professoras presentes na sala de aula;
Dinâmica de apoio pedagógico personalizado em pequeno grupo (fora da sala de
aula) – 45´m.
- 3ª feira
- 4ª feira
- 5ª feira
Dinâmica de apoio pedagógico personalizado em pequeno grupo (fora do grupo-
turma) - 90´m;
Escrita
• Construção de um caderno
no software Aventuras 2.
• Cópia de textos no processador
de texto (Microsoft Word). • Envio de cartas para o pai.
38
• Cópia do sumário. professores.
• Pesquisa na net de
assuntos/imagens do seu
interesse.
As habilidades fonológicas são importantes na leitura e na escrita, uma vez que é um aspeto a
ser integrado no reconhecimento de palavras.
Paralelamente explorámos igualmente diversos softwares educativos para desenvolver as
competências de leitura e escrita do aluno. A primeira aposta recaiu sobre o GRID2, um
recurso dirigido especialmente a pessoas com diversos tipos de disfunções motoras,
cognitivas ou sensoriais, que oferece inúmeras possibilidades no âmbito da comunicação
aumentativa e alternativa. Apesar do Juca não necessitar, por enquanto, de nenhum sistema de
comunicação aumentativo, mesmo assim, identificamos vantagens na sua utilização,
nomeadamente:
- O acesso ao computador puder ser concretizado através de teclados no ecrã, tornando a
escrita mais rápida e menos cansativa;
40
-A incorporação de sintetizador de voz, que fala aquilo que é escrito pelo utilizador
(conversão texto fala), um reforço auditivo do que é escrito;
-A existência de símbolos WLS e SPC (opcionais);
-A possibilidade de escrita em diferentes modalidades (escrita letra a letra, palavra a palavra,
frase a frase, com símbolos ou mista), predição de palavras e lista de vocabulário.
Todas estas possibilidades pareceram ser bastante atrativas para esta aprendizagem, no
entanto, verificámos que o aluno não aderiu como previsto aos exercícios propostos nesta
aplicação. Pouco tempo depois de iniciarmos a sua utilização (sempre individualmente), o
aluno começou a rejeitar as tarefas. Expressou o seu desagrado afirmando “Eu não quero
escrever aqui. Quero fazer como os outros”.
Esta sua reação levou-nos a substituir este software pelo Aventuras 2. Trata-se de um caderno
digital que possibilita à criança brincar com a Língua Portuguesa, usando frases, expressões,
palavras, sílabas, imagens, sons e voz. Outros materiais foram construídos na aplicação
inVento 2. Estas duas aplicações vieram a revelar-se importantes ferramentas na construção de
recursos educativos para a aprendizagem da leitura e da escrita.
Ao longo do processo de aprendizagem da leitura e escrita, valorizaram-se situações
educativas, onde o aluno tivesse a possibilidade de ver o reconhecimento dos seus avanços e
do seu empenho em conseguir cada vez melhor. Regularmente, este participava em situações
de leitura para os colegas. Esta tarefa implicou a elaboração de um livro, com textos simples
relacionados com temáticas de interesse para o aluno. Uns elaborados no Invento, fazendo-se
acompanhar de imagens e outros mais simples só com texto.
Na disciplina de Língua Portuguesa, estes recursos eram utilizados quando a turma fazia
leitura em voz alta. O aluno lia um texto do seu livro. Outra das estratégias usada pela
professora da disciplina era pedir-lhe para ler algumas palavras do texto que os colegas
estavam a seguir.
Sempre que a turma estava a desenvolver atividades no âmbito do Plano Nacional de Leitura,
um dos alunos lia um excerto de uma pequena narrativa para o Juca, o qual posteriormente a
ilustrava.
Na dinâmica de pequeno grupo, o aluno lia para os colegas mais velhos (que seguiam também
um CEI), que o ajudavam a apurar esta competência. O trabalho colaborativo foi uma das
estratégias privilegiadas, sendo fator de motivação e maior envolvimento nas tarefas. São
41
enfatizados os benefícios da aprendizagem cooperativa, nomeadamente a tutoria entre pares
relativamente aos aspetos cognitivos e sócio emocionais. A interajuda dos alunos promove
uma aprendizagem em conjunto.
Figura 3- O Juca a trabalhar competências de leitura e de escrita com um colega mais velho.
Para além destes momentos diários, foram organizadas duas situações educativas de maior
amplitude, a participação na Semana de Leitura e no Sarau de Poesia, com o objetivo de
impulsionar, ainda mais, a sua motivação nesta aprendizagem. Na verdade, uma das
condições para o ensino da leitura é de conceber-lhe o sentido da prática social e cultural, para
que os alunos entendam a sua aprendizagem como um meio para ampliar as possibilidades de
comunicação e de acesso ao conhecimento. Esta experiência interna é a melhor motivação
para o aprendiz da mestria da língua.
Na primeira, enquadrada na atividade da Semana de Leitura, o aluno leu uma história para
duas turmas do segundo ciclo. Esta história, construída no software Invento 2, possibilitou o
auxílio da imagem na descodificação das mensagens escritas. Desta forma, foi mais fácil o
aluno ler com a associação das imagens, principalmente nas palavras irregulares e nos casos
especiais de leitura.
Na segunda, o aluno participou no sarau de poesia, atividade aberta a toda a comunidade
educativa, com a leitura a várias vozes do poema Navegar, juntamente com outros alunos com
NEE. O reconhecimento e satisfação que evidenciou em resposta aos aplausos e palavras de
incentivo, terão decerto concorrido para a promoção da sua auto estima e valorização pessoal.
42
Figura 4 - Participação dos alunos com NEE no Sarau de Poesia, no dia 23 de março de 2012.
Olá pai,
Já sei escrever algumas palavras (carro, Audi, Mini, Ferrari, bota, Ana etc.) e frases. Faço pesquisa de imagens na net.
Envio-te alguns dos meus trabalhos.
Juca
01/02/20112 16/02/2012
43
A prática da escrita foi também exercitada através da internet e da utilização do email.
Frequentemente, escrevia emails aos colegas/professores, enviando não só pequenos textos,
como imagens pesquisadas na net.
A cópia e o ditado de pequenos textos foram técnicas utilizadas para desenvolver a escrita,
sendo esta última especialmente importante, pois a soletração envolve uma correspondência
entre estímulos auditivos e a produção de uma sequência de letras.
44
Objetivos Atividades Estratégias
45
Foi na disciplina de Ciências da Natureza que a diferenciação pedagógica sustentada e
refletida se iniciou. A sensibilidade desta professora face à diferença, deixou-a ver para além
das dificuldades do aluno, e descobrir capacidades ofuscadas pelo rótulo da incapacidade. A
docente regularmente questionava o aluno oralmente, sobre os conteúdos desenvolvidos na
aula, obtendo um feedback positivo, isto é, ele respondia corretamente a muitas das perguntas
que lhe eram dirigidas.
Quanto mais reforços positivos recebia, maior a sua motivação e consequente prestação, uma
proeza, atendendo ao facto de que não estudava os assuntos abordados em casa, pois não tinha
o manual escolar da disciplina. Esta constatação suscitou a tomada de consciencialização da
necessidade do aluno fazer-se acompanhar do respetivo manual. É óbvio que, não possuir a
competência de leitura não é impeditivo que não se ouça o que é se lhe é lido, nem que as
imagens que animam os manuais deixem de ser um manancial de informação de fácil
interpretação.
Por se considerar evidente as vantagens dos manuais, generalizou-se esta opção na disciplina
de História e Geografia de Portugal, Educação Musical e em Língua Portuguesa. Desta forma,
erradicou-se uma opção demasiadamente discriminatória e restritiva.
Um dos problemas sentidos pelos professores foi como proceder à avaliação do Juca, sendo
generalizada a opinião de que, não saber ler nem escrever, não lhes permitia obter informação
capaz de sustentar a atribuição de um nível/menção. Os únicos critérios que consideravam
válidos estavam associados à esfera do saber ser (atitudes) e saber estar (comportamentos).
Contrariando este posicionamento, fomos procurando identificar com cada professor, formas
de contornar esta questão, atendendo às especificidades de cada disciplina.
Foi na disciplina de Ciências da Natureza, que se conseguiu efetivar uma avaliação formativa,
sustentada inicialmente em critérios centrados na oralidade. A professora adequava o seu
discurso, utilizando uma linguagem mais acessível para explicar os conteúdos ao aluno. Por
outro lado, recorria a exemplos do quotidiano para tornar mais acessível e compreensível os
conteúdos ministrados. Esta forma de explicitar conceitos era igualmente benéfica para os
alunos com maiores dificuldades, que saiam com os seus conhecimentos mais fortalecidos
pela aproximação dos mesmos à realidade. Reservava, sempre que possível, uma parte da aula
para lhe colocar questões sobre conteúdos de mais fácil compreensão.
46
Na opinião da professora “ Esta é uma das formas para não me sentir tão mal por não
conseguir realizar mais trabalho individualizado. O tempo não permite fazer metade daquilo
que seria benéfico para o aluno. Os ritmos são muito diferentes. A necessidade de se cumprir
um programa extenso não deixa grandes possibilidades para respeitar ritmos mais lentos. ”
De seguida, a professora desta disciplina, juntamente com a professora de Educação Especial,
passaram a elaborar testes formativos escritos para o aluno, com base em imagens, pequenas
frases e palavras. Na realização dos mesmos a professora mantinha-se junto ao aluno,
ajudando-o na leitura e na redação da resposta, sempre que lhe surgiam dúvidas em como
escrever.
A primeira vez, que o Juca recebeu o teste de Ciências da Natureza com a menção de Satisfaz
Bem ficou radiante. Aquela era uma forma de sentir-se igual aos outros, e mais, de perceber
que também era capaz de obter bons níveis de aproveitamento.
A descrição deste percurso vem corroborar a ideia defendida por Opertti e Brady (2011), de
que os professores devem ser agentes ativos na análise das suas práticas e dos progressos dos
seus alunos e envolvidos ativamente na formulação de políticas. Isto é, necessitam de serem
reconhecidos, engajados e com poderes para desenvolver um currículo inclusivo. Assim, a sua
confiança, competências, conhecimentos e a sua atitude positiva podem reforçar os princípios
da inclusão e o aparecimento de um currículo inclusivo.
As reuniões com a encarregada de educação foram acontecendo de forma regular,
correspondendo a momentos formativos importantes para ela. Acima de tudo, ajudaram-na a
compreender cada uma das tarefas que o educando levava para trabalho de casa e a
reconhecer que de forma simples e lúdica poderia ajudar o seu filho na conquista da leitura.
Por exemplo, lendo-lhe diariamente uma história; brincando com os sons das palavras (rimas,
descobrir palavras com o mesmo som inicial…), dar a oportunidade de o Juca recontar/contar
as histórias ao irmão mais novo. Este tipo de dicas aos pais é um aspeto a relevar, pois muitas
vezes, o seu desconhecimento de como fazer inibe a ação.
As reuniões formais com a fisioterapeuta foram agendadas uma vez por período, no entanto,
as trocas de informação faziam-se semanalmente. O facto de o apoio desta técnica acontecer
na escola facilitou a comunicação. A articulação foi bastante enriquecedora, porque
recebíamos feedback em relação à evolução da doença e ao estado atual do aluno, e ainda
sobre as ações que poderíamos desenvolver para facilitar a sua inclusão, nomeadamente,
47
como contornar algumas barreiras em função das limitações funcionais do Juca, orientação
quanto à postura adotada e às atividades da vida diária. Foi por esta profissional que fomos
informadas de que o Juca, a curto prazo, irá necessitar de uma cadeira elétrica, com apoio de
cabeça, com verticalização e com outros apetrechos, que a família não tem capacidade
económica para adquirir e a segurança social dificilmente lhe atribuirá.
A inclusão dos alunos na comunidade educativa é um aspeto que deve igualmente nortear a
intervenção. Correia (2005) defende que a “ inclusão baseia-se nas necessidades da criança,
vista como um todo, e não apenas no seu desempenho académico, comparando-o ainda por
cima, tantas vezes, com o desempenho académico do “aluno médio”. Nas escolas, está
generalizada a tendência para avaliar os alunos pelos resultados académicos, o que é
extremamente penalizador e fator de exclusão para os alunos mais vulneráveis. Há outras
esferas do saber, para as quais poderemos focar a atenção, valorizando-as e tornando-as
visíveis aos olhares dos outros.
Conscientes deste facto, encetámos várias atividades para promover a inclusão do aluno na
comunidade educativa, conforme se pode observar no quadro que se segue:
48
● Participação no Jornal Escolar.
Neste enquadramento, surgiu a Feirinha de Natal, pensada para dar visibilidade aos saberes
dos alunos com CE. Consistiu na exposição/venda de material diverso (por exemplo,
caixinhas pintadas, estojos de couro, marcadores de livros, enfeites de Natal, etc.) para a
comunidade escolar. O Juca assumiu um papel ativo na realização de alguns dos trabalhos
expostos, sendo a área das expressões uma das suas prediletas, sobressaindo-se pois a
qualidade dos seus trabalhos.
49
Associação Salvador. Esta centrou-se na reflexão partilhada sobre as barreiras arquitetónicas
com que as pessoas com deficiência motora se deparam no seu quotidiano.
Este projeto lançado em dezembro a uma turma do 7º ano, rapidamente foi ganhando outras
dimensões e novos adeptos. A reflexão centrada sobre as barreiras arquitetónicas levou à
definição de um plano de ação para a sensibilização desta temática, que incluíram diversas
atividades:
O concurso fotográfico “Fitar com a objetiva”, aberto à participação de toda a
comunidade, que consistia em captar com a “objetiva” espaços em que fossem visíveis
obstáculos à mobilidade das pessoas com deficiência física. Esta foi uma forma de incentivar
a observação crítica, sobre como os espaços são concebidos e consequentemente para a
existência de barreiras arquitetónicas, obstáculos que se colocam às pessoas com limitações
na sua mobilidade. Se ao pensar os espaços, quem os concebe tivesse feito pequenos
investimentos no domínio da acessibilidade, e sobretudo se fossem pensados na perspetiva de
quem os vai viver, possivelmente não proliferariam tantos obstáculos. As inúmeras
fotografias recebidas para o concurso deram conta desta situação.
Trabalho de pesquisa, realizado por alunos do terceiro ciclo, sobre a deficiência física
percecionada ao longo da história.
50
Exposição do trabalho realizado no âmbito do Projeto Acessibilidade e Integração das
Pessoas Portadoras de Deficiência Motora.
Realizou-se uma exposição que espelhou todo o percurso seguido em volta da temática
acessibilidades para as pessoas portadoras de deficiência física. Incluí a exposição das
fotografias do Concurso “Fitar com a objetiva”, os trabalhos de pesquisa sobre a deficiência
motora vista ao longo da História e cartazes de sensibilização realizados pelos alunos do
Curso de Educação e Formação de Pré Impressão.
A colmatar este trabalho, no final do ano letivo, houve a dinamização pela Associação
Salvador da palestra Acessibilidade e Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência
Motora, dirigida para um grupo de cem alunos do segundo e terceiro ciclos. Dois
representantes da Associação Salvador com deficiência motora deram o seu testemunho de
vida, enfatizando a necessidade de se erradicar as barreiras arquitetónicas.
51
Figura 10- Palestra Acessibilidades e Integração das Pessoas Portadores de Deficiência Motora.
Nesta dinâmica, que envolveu muitas pessoas, pensamos que contribuímos para a
consciencialização desta realidade muito concreta para alguns e difusa para muitos outros.
Este trabalho só demonstra que as barreiras fazem parte do nosso quotidiano, mas isso não
significa que nos resignemos a elas. Na azáfama diária, muitos de nós nem nos apercebemos
da sua existência e só as sentimos quando “chocamos” com elas, quando vivemos
individualmente as suas consequências e os seus dramas.
Os discentes esforçaram-se por identificar os problemas existentes no espaço escola/meio
circundante. Afirmar a urgência e a preocupação em tentar reduzir os obstáculos, sabendo que
o desaparecimento de uns, não implica o aparecimento de outros. Os primeiros “passos” para
tornar os nossos caminhos, espaços sem barreiras e que permitam a “Acessibilidade a Todos”
foi lançado… Muitos outros caminhos se avistam na nossa direção, todos centrados na
edificação de uma sociedade inclusiva. Acreditamos que é num cenário multicolorido, pintado
a várias cores, de várias tonalidades e texturas, que a mudança desabrocha e se agiganta…
Neste trilho da inclusão socorremo-nos, igualmente, do jornal escolar, espaço em que
trimestralmente divulgamos informação sobre as atividades/projetos dinamizados com os
alunos de Educação Especial.
52
Objetivo 4 - Aprofundar o conhecimento sobre sistemas/estruturas de apoio a pessoas
com DMD.
O Juca é sócio desta associação, no entanto, no presente momento não frequenta nenhuma das
suas valências. A Encarregada de Educação explica esta opção afirmando que “ Eu ia sempre
aos encontros, mas deixei porque não me agradava estar sempre a expor as minhas
dificuldades.”
Apresentado o percurso de estágio é tempo de se refletir sobre o mesmo, pelo que passaremos
à fase da discussão.
54
2.5 – Discussão
60%
40%
20%
0%
Sílaba inicial Fonema Supressão Supressão Análise Análise
inicial sílaba inicial fonema silábica fonémica
Início Final inicial
Figura 12 - Comparação dos resultados iniciais e finais obtidos da aplicação da bateria de prova
fonológicas
Estes resultados vão ao encontro das evidências científicas, que concluíram que a consciência
fonémica é mais tardia, pela sua maior complexidade. Muitos autores consideram que ela é
mesmo o resultado da aprendizagem da leitura e da escrita (Gorrie & Parkinson, 1995; Taylor,
1993; Valtin, 1984; cit. por Barbeiro, 1999).
Correia (2010) considera que a consciência fonémica é uma habilidade fonológica complexa,
que exige um maior grau de abstração, daí ser desenvolvida num estádio posterior. Também
de acordo com os estudos desenvolvidos por Libersman, Shankweiller, Fischer e Carter
(1974) centrados na segmentação fonémica e silábica, as crianças apresentam maior
dificuldade na segmentação de fonemas do que das sílabas.
De acordo com Sim-Sim et al (2008) as tarefas de consciência fonémica mais fáceis são as de
identificação dos fonemas iniciais e finais comuns em palavras diferentes, depois as de síntese
e de segmentação fonémica e no final as de manipulação fonémica. Consideram que a
manipulação fonémica depende da aprendizagem da leitura e da escrita.
56
Segundo Sucena, Castro e Seymour (2009) a ortografia portuguesa, tal como todas as línguas
de origem românica, é constituída por uma estrutura silábica simples (CV). No entanto, a sua
caraterística de redução vocálica, faz com que muitas vogais não sejam pronunciadas, o que
provoca dificuldades na fase inicial da aprendizagem da leitura e da escrita.
Os melhores resultados ocorrem no item análise silábica. Esta evidência confirma que esta é
uma das competências mais simples. Sim-Sim (1998) considera que a consciência silábica é
bastante precoce, sendo possível que crianças por volta dos 2 ou 3 anos, se forem estimuladas,
sejam capazes de completar sílabas omissas em palavras.
De acordo com Morais (1997), na aprendizagem da leitura “a criança aprende a associar uma
forma ortográfica a cada palavra, ou seja, à sua forma fonológica. A forma ortográfica duma
palavra pode ser definida como uma sequência ordenada de grafemas.”
Segundo Silva (2003), a omissão de sílabas, nomeadamente, quando se encontram no início “
(…) é apontada como uma das provas mais difíceis ao nível da consciência fonémica, na qual
o seu sucesso só é conseguido a maior parte das vezes depois da aprendizagem da leitura”.
Esta considera que a dificuldade das tarefas utilizadas da consciência fonológica varia
também em função dos requisitos mnésicos exigidos pela tarefa e das caraterísticas
fonológicas das unidades a serem manipuladas, nomeadamente, a posição dos elementos/alvo
na palavra, a dimensão dessas unidades e as suas propriedades fonológicas.
Segundo Treiman (1989), citado por Silva (1996), nos monossílabos o fonema inicial é mais
percetível do que nos dissílabos porque corresponde ao ataque da sílaba.
De acordo com Capovilla et al. (2004), é necessário trabalhar com os maus leitores o
processamento fonológico e as habilidades de sequencialização e memória.
Relativamente à articulação estabelecida com os diferentes intervenientes educativos
consideramos que correspondeu a um processo enriquecedor, cuja continuidade irá permitir
melhorar ainda mais a intervenção educativa. Com os professores o trabalho colaborativo não
foi uniforme, ou seja, com alguns foi mais fácil estabelecer momentos de discussão sobre as
estratégias a seguir e de preparação de materiais. O facto de não estar previsto nos horários
dos docentes tempos para a concretização deste tipo de parceria, não facilitou estes encontros
de partilha, que dependeram da disponibilidade pessoal dos professores. As disciplinas em
que se conseguiu uma articulação mais efetiva foram as disciplinas de Estudo Acompanhado,
Ciências Naturais e Língua Portuguesa.
57
O contato com a fisioterapeuta foi facilitada pelo fato de as sessões de fisioterapia se
realizarem na escola. A articulação com esta técnica foi bastante enriquecedora, porque
recebíamos feedback em relação à evolução da doença e ao estado atual do aluno, e ainda
sobre as ações que poderíamos desenvolver para facilitar a sua inclusão, nomeadamente,
como contornar algumas barreiras em função das limitações funcionais do Juca e orientação
quanto à postura adotada e às atividades da vida diária. Foi por esta profissional que fomos
informadas de que o Juca, a curto prazo, irá necessitar de uma cadeira elétrica, com apoio de
cabeça, com verticalização e com outros apetrechos, que a família não tem capacidade
económica para adquirir e a segurança social dificilmente lhe atribuirá.
É difícil imaginar o que sente o Juca ao ver-se cada vez mais limitado perante os colegas de
turma, cada vez mais difícil de os acompanhar nas mais diversas atividades de lazer. Por outro
lado, há as necessidades técnicas a que a doença obriga e que dificilmente verá cumpridas.
No final do ano letivo verificaram-se graves alterações ao nível do equilíbrio, sobretudo em
pé. O Juca circula pela escola sempre perto das paredes e nunca pelo meio dos colegas, pois
qualquer toque fá-lo cair, e sempre com ambas as mãos atrás das costas, quer cruzadas, quer
para arrastar a mochila. Este gesto também é típico deste tipo de patologias, pois é um
movimento auxiliar para a extensão da anca, que praticamente já não tem. A marcha em
terreno irregular, como no recreio é extremamente difícil, sobretudo porque não tem onde se
apoiar, e o subir/descer escadas muito penoso. Tudo isto se foi agravando durante os 9 meses
do ano letivo.
Durante todo o ano letivo, o Juca colocava-se em pé, a partir da posição de decúbito dorsal ou
sentado no colchão na sessão de fisioterapia, trepando por ele acima (sinal de Gowers – típico
da patologia, mas em Junho, pela primeira vez, não conseguiu e foi preciso total ajuda para
conseguir levantá-lo.
Com este quadro a desenvolver-se, e sobretudo com a extensão da anca a diminuir tão
drasticamente, prevê-se um grande aumento do risco de quedas, e a perda da deambulação a
curto prazo. Quando estes doentes perdem a marcha, quase instantaneamente se instala uma
escoliose que se vai agravando gradualmente e também começam a surgir as alterações
respiratórias.
O aprofundar os conhecimentos sobre os sistemas de apoio a pessoas com DMD foi um
caminho importante para perceber melhor a doença, a sua evolução e as estruturas de apoio
58
existentes. A visita à Associação de Pessoas com Distrofia Muscular muniu-nos de
conhecimentos mais detalhados, não só sobre a doença e a sua evolução, mas também das
dinâmicas que esta associação estabelece com os seus associados. É de reconhecer o seu papel
de relevância na ajuda às famílias. Nesta visita tivemos o privilégio de conversar com uma
pessoa portadora de DMD, cuja história de vida nos abriu outras dimensões, que não apenas a
vertente escolar.
Ao longo de um ano letivo de sessões de acompanhamento do Juca, sentimo-nos muitas vezes
impotentes perante a fragilidade e brevidade da vida desta criança. É triste pensar que o futuro
do Juca está ameaçado por uma série de incapacidade e dependências que vão limitar o seu
potencial humano e a sua vida. Mas sabemos que não podemos desistir dele, porque também
somos parte da sua força e do seu suporte. É imperativo continuar a investir. É uma realidade
que não podemos acrescentar mais anos à vida do Juca, mas podemos contribuir para
melhorar o seu bem-estar, o seu sentido de realização, de desenvolvimento e sucesso,
marcando a nossa presença no seu dia-a-dia, oferecendo-lhe o nosso afeto e a nossa ajuda na
aprendizagem da leitura e da escrita, que é um objetivo que ele abraçou na sua vida.
59
60
CONCLUSÃO
61
Em termos académicos, o trabalho foi concluído. Mas a nossa intervenção junto do aluno, não
terminou, continuaremos a fazer tudo para que a escola seja sentida pelo Juca, como até aqui,
um lugar de aprendizagem, de alegria e de afetos.
Consideramos que os objetivos traçados no início deste trabalho foram atingidos. O
investimento na aprendizagem da leitura e da escrita teve resultados positivos,
nomeadamente, o Juca já consegue ler e escrever pequenos textos com palavras formadas por
consoante/vogal, conseguindo extrair e reter a informação lida. O que nos faz acreditar que a
continuidade da intervenção levará à consolidação desta aprendizagem básica. Projetando
para o futuro, o domínio desta competência poderá ser bastante útil para o aluno, atendendo às
limitações que a doença irá impor no seu estilo de vida e de convívio social.
No que respeita à inclusão do aluno, consideramos que os objetivos foram atingidos com
sucesso. O aluno sente-se feliz na escola, o que facilmente se perceciona através das palavras
da mãe “O que eu vejo no Juca, é que vir para a escola é uma alegria, é uma festa. Para a
primária não queria ir.” A rede de apoio do grupo de colegas foi um fator que em muito
facilitou esta sua inclusão, presente não só no processo de aprendizagem como em todas as
esferas da vida do Juca. Também a valorização pelos professores das competências e saberes
do Juca e a sua participação e envolvimento em muitas atividades ajudou-o a sentir-se mais
capaz e mais “igual” aos seus pares.
A articulação com os diferentes intervenientes educativos não só se revelou de utilidade,
como desta experiência concluímos que o trabalho colaborativo entre professores das
disciplinas e da Educação Especial é um imperativo, que não pode suster-se na base da boa
vontade dos professores em disponibilizar o seu tempo pessoal. É de todo pertinente, que no
horário dos docentes de Educação Especial e das restantes disciplinas, sejam previstos tempos
para este trabalho de partilha, discussão e planificação.
A articulação com a fisioterapeuta foi bastante enriquecedora, porque recebíamos feedback
em relação à evolução da doença e ao estado atual do aluno, e ainda sobre as ações que
poderíamos desenvolver para facilitar a sua inclusão.
O aprofundar os conhecimentos sobre os sistemas de apoio a pessoas com DMD foi um
caminho importante para perceber as estruturas de apoio existentes. A visita à Associação de
Pessoas com Distrofia Muscular muniu-nos de conhecimentos mais detalhados, não só sobre a
doença e a sua evolução, mas também das dinâmicas que esta associação estabelece com os
62
seus associados. Nesta visita tivemos o privilégio de conversar com uma pessoa adulta
portadora de DMD, cuja história de vida nos abriu outras dimensões, que não apenas a
vertente escolar.
Um trabalho de investigação mostra a sua pertinência na medida em que os resultados têm
implicações para futuras investigações e aplicação nos contextos da prática.
O balanço em relação ao percurso desenvolvido é positivo, a temática em estudo é atual e
ainda se encontra em processo de construção, para o qual pensamos ter contribuído. Em
termos de investigação, o nosso trabalho poderá ter continuidade no estudo e
acompanhamento de alunos com NEE, principalmente numa perspetiva de investigação-ação,
porque os resultados que se vão encontrando permitem uma rápida articulação e intervenção
na prática e, simultaneamente, a construção de saberes teóricos promotores do
desenvolvimento científico.
63
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