Artigo Sobre A Filosofia Da História

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WILIAN JUNIOR BONETE (8071479)

Licenciatura em Filosofia

AS RELAÇÕES ENTRE FILOSOFIA E HISTÓRIA E AS SUAS


CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO DE JOVENS
ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Tutor: Prof. Alessandro Reina


Claretiano - Centro Universitário

GUARAPUAVA, PR.
2019
AS RELAÇÕES ENTRE FILOSOFIA E HISTÓRIA E AS SUAS
CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO DE JOVENS
ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo central analisar as relações entre os
campos da filosofia e história e apontar as contribuições para a formação do pensamento
de jovens estudantes que frequentam a educação básica. Inicialmente aborda-se as
relações entre filosofia e história, bem como a natureza histórica da filosofia. No último
momento aponta-se as contribuições dessas duas áreas para que o aluno se entenda como
um sujeito histórico e como um ser capaz de formar suas opiniões e pensamentos de
maneira crítica e reflexiva. Em suma, este artigo desenvolve-se uma numa confluência de
diferentes áreas salientando a importância da interdisciplinaridade na formação dos
alunos da educação básica.
Palavras-Chave: Filosofia; Historia; Pensamento reflexivo; Pensamento crítico.

INTRODUÇÃO

O presente artigo possui como tema geral as relações entre Filosofia e História. O
objetivo central é analisar as relações existentes entre essas duas áreas do conhecimento
abordar de que forma as reflexões e saberes produzidos nestas áreas podem contribuir
para a formação de um pensamento crítico e reflexivo em jovens estudantes que
frequentam a educação básica.
Circe Bittencourt (2002) afirma que um dos primeiros desafios para quem ensina
História parece ser a explicitação da razão de ser da disciplina, buscando atender os
anseios dos jovens que fazem perguntas ardilosas que aparentam ser inocentes, como por
exemplo: para que estudar história? Para que estudar o passado se é o presente que
realmente importa?
No campo da Filosofia as questões não são tão diferentes: por que estudar Filosofia?
Qual é a utilidade desta disciplina? Por que devo saber da vida dos filósofos e seus
pensamentos? Por que filosofia se matemática e demais ciências exatas e biológicas são
mais importantes?
No entanto, independente das dúvidas dos alunos e das respostas dos professores,
Filosofia e História continuam a existir nos currículos e as disciplinas reformulam-se nos
livros e currículos oficiais, portanto, deve ser bem ensinada e trabalhada pelos professores
em sala de aula.
A partir dessas considerações iniciais, dividimos o texto em três partes específicas
para um melhor entendimento: a) a relação entre filosofia e história ; b) o fundamento da
história da filosofia e a natureza histórica da filosofia; c) as potencialidades da filosofia e
da história para a formação do pensamento reflexivo de jovens estudantes da educação
básica.

DESENVOLVIMENTO

A relação entre Filosofia e História

A relação entre filosofia e história existe a partir de uma necessidade mútua que
acaba por confluir em um ideal, ou busca, de formação. Ou seja, primeiramente, a
sistematização histórica da filosofia só é possível pela característica histórica da própria
filosofia. Nesse contexto, cabe dizer que a história alimenta as questões filosóficas e vice
versa. Portanto, a própria filosofia, enquanto reflexão constante sobre a realidade e tudo
que a envolve, já tem a posição de um trabalho sobre o pensamento, de uma formação de
um pensamento que nunca se conclui ou se esgota.
Do mesmo modo, a história contribui para o ideal de formação em um sentido
mais hegeliano, segundo o qual, por meio da dialética, o acúmulo de conhecimento levaria
o homem à síntese, então não haveria mais a necessidade histórica. Com isso, Hegel via
na relação entre filosofia e história uma possibilidade messiânica: a reflexão filosófica
levaria o indivíduo à evolução extrema e a história cumpriria seu papel demonstrando
quais caminhos anteriores tiveram melhor e menor desempenho. Assim, o indivíduo,
enfim, apreenderia com seus erros e chegaria ao seu ápice.
Entretanto, vale resgatar a relação tríplice desde os primórdios, no pensamento
antigo. Os gregos já pensavam a educação, a formação do cidadão da polis, por meio da
história e da filosofia. Em Paideia, Jaerger (1995) elucida os ideais de educação do
homem grego, vinculados à filosofia e à história, principalmente às narrativas míticas
que, por mais irreais que fossem, promoviam uma concepção de tradição em que os
valores culturais, morais e éticos eram passados de geração a geração.
A decadência da narrativa mítica se deu muito por conta do caráter
racionalista/filosófico que o pensamento pré-socrático trouxe para o contexto grego. No
entanto, tal decadência não distanciou o homem grego de um ideal de tradição e formação;
na verdade, intensificou a intersecção entre ambos os estudos. Platão (2000), em A
República, por exemplo, confia o governo da polis aos filósofos, pois estes seriam os
detentores do conhecimento do mundo das ideias e responsáveis por governar a cidade,
tendo como ideal a organização social de acordo com as capacidades de cada cidadão. Já
no diálogo Menon, Platão (2001) apresenta o modelo de formação educativa que deveria
ser aplicado na polis: o homem grego deve ser educador por um saber-virtude. Ou seja, a
Arete — a excelência virtuosa — só pode ser alcançada por meio do saber.
Nesse contexto, como ressalta Jaerger (1995), a problematização do que é virtude,
o que é virtude por excelência (Bem) e quais são as virtudes menores (prudência,
coragem, etc.) segue a tradição histórica desde os poetas antigos: Hesíodo, Homero,
Teógnis, Simônides e Píndaro. Entretanto, mesmo a filosofia estando na história, tendo
uma história e dependendo da história para se organizar, a filosofia não é empírica. Isso
significa que a filosofia pode partir de escolas de pensamento, de tradições filosóficas e
de fatos políticos (o que leva um Estado, ou mesmo um país, a guerrear com outro? Sendo
a morte moral e eticamente reprovável, por que o indivíduo é autorizado/legitimado a
matar em situação de guerra?), socioculturais, socioeconômicos e estéticos, mas sua
função se mantém aberta a refletir novos sistemas que abarquem tais problemáticas.
Nesse sentido, as questões filosóficas se constroem por meio da história, ou seja,
a construção do conhecimento humano, no sentido filosófico e histórico, depende da
intersecção dessas duas áreas do conhecimento: uma não existe sem a outra. Com isso,
pode-se dizer que a história em sua factualidade alimenta o lastro do conhecimento,
enquanto a filosofia alimenta o pensamento de uma época que, por sua vez, se torna
histórico.
A formação, nesse sentido, depende de ambas áreas do saber, na medida em que o
conhecimento formador é acumulado pela história e deve ser pensado, questionado ou
ainda endossado, por meio da reflexão crítica filosófica.
Outro conceito bastante caro à tradição filosófica, histórica e pedagógica, e que
abarca a correspondência entre esses três pilares, é o conceito de Bildung. Tal termo
designa o conceito alemão de formação. Contudo, ao longo da história, ele assume um
sentido mais amplo: torna-se um ideal de formação que tem por fundamento tanto o
racionalismo do filósofo francês René Descartes segundo o qual o sujeito é autônomo e
depende somente de sua razão, quanto uma concepção metafísica amparada no
desenvolvimento da alma, como no movimento classicista, que buscava por meio do
teatro e da literatura educar o homem moralmente.
Tal conceito assume um caráter ainda mais racionalista a partir da filosofia de
Immanuel Kant. Para Kant, especificamente em Resposta à pergunta: o que é o
esclarecimento? (1783), o homem pode se emancipar intelectualmente. Ou seja, os
indivíduos devem ser educados, ou formados, para fazerem uso de sua razão e serem,
desta forma, autônomos.
Mas é com Jean Jacques Rousseau que Bildung ganha um caráter fortemente
pedagógico: trata-se de criar uma teoria da formação com orientações pedagógicas e
regras que visam formar o indivíduo virtuoso por meio da história, da cultura e da
filosofia.
Nesse contexto, a formação, a filosofia e a história se retroalimentam, visto que a
construção de um destes pilares está vinculada à construção dos outros, interseccionados
em sua origem e continuidade.
Assim, recaímos em outra relação que a filosofia trava com a sua continuidade
histórica: a de recepção. Nessa direção o trabalho filosófico depende da recepção de um
pensamento também pela tradição, ou seja, pelo lugar de conhecimento acumulado pela
história. A originalidade do conhecimento, em seu devir, só pode se estabelecer a partir
da necessidade que é apontada pela História e filosofia construção do tempo atual
mediante as necessidades que foram respondidas anteriormente. Isso significa dizer que
mesmo o novo é resultado de um conhecimento que não depende apenas de quem o
produziu.

O fundamento e a natureza histórica da filosofia

Pode-se dizer que o fundamento da história da filosofia é o fato da filosofia ser


histórica (CHAUÍ, 2012). Isso significa dizer que a filosofia está sempre atrelada a uma
construção histórica dela mesma e sempre interferindo na construção do pensamento que
define um período da história. Portanto, não há filosofia sem história do pensamento:

“Assim, por exemplo, a Filosofia teve seu campo de atividade aumentado


quando, no século XVIII, surge a filosofia da arte ou estética; no século XIX,
a filosofia da história; no século XX, a filosofia das ciências ou epistemologia,
e a filosofia da linguagem” (CHAUÍ, 2012, p. 52).
Ou seja, como podemos, enquanto indivíduos e sociedade, saber quem somos?
Essa questão apresenta duas implicações que demonstram o caráter histórico da filosofia:
saber quem somos depende de olharmos para o passado, o que nos construiu até aqui,
tanto no âmbito individual quanto no universal; essa pergunta sempre se mantém aberta,
pois depende também de como se interpreta o passado e como se reconhece o presente.
Nesse sentido, a filosofia é constituída a partir de um processo que nunca cessa,
que é continuo, pois trata-se de uma eterna redefinição e reelaboração de quem somos
perante o passado e o presente (CHAUÍ, 2000). Desse modo, em relação às áreas do saber
que incluem também a filosofia, existem obras que se tornam canonizadas e que,
entretanto, são resultado constante e incessante do presente. Ou seja, pode-se afirmar que
tudo é clássico comparado à ordinaridade do cotidiano.
Entretanto, vale ressaltar que o processo historiográfico da filosofia, em especial
quando pensado por pensadores à frente de determinada época, busca quase sempre uma
contemporaneização de teorias anteriores (CHAUÍ, 2012). É como se o pensamento
presente tivesse a missão de tampar as rachaduras deixadas por teóricos passados.
Entretanto, outra questão suscitada por este modo de pensar e fazer filosofia é: seria
possível fazer filosofia sem levar em consideração a história da filosofia? Não, pois a
filosofia é construída a partir de conceitos; assim, por exemplo, como falar do conceito
de virtude sem levar em consideração a história ética da filosofia?
Ademais, provavelmente se chegaria a uma conclusão que já existe. Outro ponto
relevante é que, ao abordar uma problemática filosófica tendo como referência uma obra
clássica, não significa que se dirá repetidamente aquilo que já foi dito, mas, sim, que
aquela obra e aquele pensador se inserem no horizonte de problematização que está
proposto (CHAUÍ, 2012).
Dessa forma, não há como contornar uma contribuição da história da filosofia,
mas há como dialogar com ela e, a partir disso, dar um próximo passo. O fazer filosófico
por meio da história da filosofia trata-se, então, de uma relação de continuidade e ruptura
dentro de uma continuidade histórica (WEIL, 1970).
Ou seja, na época X existiam problemas Y que levaram os pensadores a refletir e
chegar a diversas teorias sobre o surgimento, o funcionamento e, por vezes, uma solução
para esses problemas. Um pensador à frente da época X avalia tais reflexões de acordo
com outros problemas de sua época Z e percebe que tais problemáticas contêm
similaridades, o que permite pensar a partir das teorias dos pensadores anteriores.
A teoria do pensador mais contemporâneo gera uma ruptura com o pensamento
anterior, no sentido de tê-lo superado em algumas questões; entretanto, gera uma
continuidade, pois partiu de contribuições de autores anteriores. E, por fim, todo este
gesto histórico-filosófico encontra-se inserido na história, pois interfere e estabelece
modos de pensar, influenciando, assim, o tecido social como um todo (WEIL, 1970).
Um exemplo contemporâneo é a obra da filósofa Hannah Arendt. Sua obra tem
como problematização, em grande parte, o Holocausto. Arendt (1975) buscou identificar
o que leva os indivíduos a banalizarem o mal e serem capazes de suspender os juízos
morais, éticos e humanitários e praticarem um genocídio.
Atualmente, sua obra volta a tomar ares de atualidade, pois casos como o Brexit,
que pede a saída da Inglaterra da União Europeia, com base em um radicalismo
conservador, retoma fantasmas do passado europeu ao se mostrar intolerante com
imigrantes, com discursos que se revelam homofóbicos e antifeministas.
Outro país onde alguns grupos têm resgatado essas raízes totalitárias é a Itália, com
a ascensão do partido de extrema direita Casa Pound, que defende sem nenhuma restrição
o legado do ditador Benito Mussolini. Desta forma, a filosofia se mantém aberta em
relação à história, do mesmo modo que a história alimenta e organiza a filosofia. Ambas
existem em uma relação mútua e necessária.
Nesse contexto, o filósofo Gilles Deleuze busca pensar a criação de conceitos a
partir desta relação. Para Deleuze, fazer filosofia é fazer a própria história da filosofia.
Isso significa que tanto a criação conceitual quanto os acontecimentos históricos
dependem do mesmo fator: o devir. Assim, segundo Deleuze, a criação conceitual
acontece frente ao deslocamento circunstancial, pelo devir, frente ao problema imposto à
reflexão, ao pensamento.
Assim, Deleuze propõe uma filosofia que seja pensada a partir da experimentação.
Assim, quando se trata do fazer filosófico, estamos sempre diante do novo; pensar é
experimentar. Não que as bases de nossa história da filosofia não contribuam, mas o que
Deleuze propunha era a filosofia como um arriscar-se à violência do pensamento.
Portanto, as influências contribuem para o pensamento do ponto de vista formativo,
mas não devem se tonar um modo de pensar a filosofia de forma enciclopédica. É a partir
dessa reflexão que Deleuze propõe a noção de uma menoridade e uma maioridade como
possibilidades mais abrangentes de reflexão e abertura à experimentação. A tentativa de
Deleuze era sair do lugar de fala comum, ou seja, do lugar privilegiado na história do
pensamento. Isso vale tanto para sistemas filosóficos quanto para os seus porta-vozes.
Não se trata de negar a maioridade da história do pensamento, até porque ela é a própria
condição para que haja uma menoridade. Ou seja, para falar sobre educação em filosofia
devo considerar os escritos de Rousseau, mas não devo me restringir à experiência de
pensamento mais padronizada que ele representa.
Com isso, Deleuze busca afirmar que só há uma menoridade enquanto regime de oposição
a uma padronização que tem maioria, que é chamada de maioridade. Sabemos, por
exemplo, que a história do pensamento ocidental é majoritariamente escrita por homens.
De Sócrates a Nietzsche, existiram pouquíssimas filósofas, sendo que a maior
parte da produção filosófica feminina é datada a partir do séc. XX, após a morte de
Nietzsche. Pela quase inexistência de registros, as experiências, o pensamento e a relação
filosófica feminina com a realidade são praticamente inexistentes do ponto de vista
histórico-filosófico. Isso tem mudado, desde a emancipação feminina originada com o
movimento sufragista, e em especial no séc. XX, mais mulheres têm contribuído e tido
destaque no cenário acadêmico mundial. Isto é o que Deleuze chamaria de uma filosofia
menor:

(...) a noção de minoria, com suas remissões musicais, literárias, linguísticas,


mas também jurídicas, políticas, é bastante complexa. Minoria e maioria
não se opõem apenas de uma maneira quantitativa. Maioria implica uma
constante, de expressão ou de conteúdo, como um metro padrão em relação
ao qual ela é avaliada. Suponhamos que a constante ou metro seja homem-
-branco-masculino-adulto-habitante das cidades-falante de uma língua padrão-
-europeu-heterossexual qualquer (o Ulisses de Joyce ou de Ezra Pound). É
evidente que “o homem” tem a maioria, mesmo se é menos numeroso que os
mosquitos, as crianças, as mulheres, os negros, os camponeses, os
homossexuais... etc. É porque ele aparece duas vezes, uma vez na constante,
uma vez na variável de onde se extrai a constante. A maioria supõe um estado
de poder e de dominação, e não o contrário. Supõe o metro padrão e não o
contrário (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 52).

Dessa forma, Deleuze demonstra uma menoridade que indica, do ponto


de vista histórico e histórico-filosófico, a uma outra experiência: a reivindicação dos que
permaneceram calados. Assim, a natureza da filosofia, desta maneira mais deslocada, se
daria no próprio fazer filosófico enquanto acontecimento experimental. Esse
deslocamento e suspensão da maioridade leva a outro importante conceito deleuziano que
se atrela à história da filosofia: a desterritorialização. Nesse contexto, a
desterritorialização se liga ao poder do discurso e aos limites traçados pela história, pela
filosofia, pela formação e pela língua.
Deleuze propõe que o pensamento se coloque sem-lugar e ao mesmo tempo em
todos os lugares; trata-se de se desvincular de qualquer ordenamento, o pensamento se
colocando como desobediente. Nesse sentido, seria uma forma de intersecção plena para
o pensamento, uma experimentação dependente apenas do devir, pois, desta forma, sem
a preservação de um cânone, o pensamento encontraria outros territórios, trocaria
experiências, territorializaria e seria territorializado.
Assim, Deleuze acreditava que a natureza da filosofia era, neste sentido, fazer
submergir pensamentos e experimentações novas a partir do propiciamento de relações
possíveis, ou seja, uma relação disjuntiva que implicaria no próprio fazer filosófico em
relação a uma outra possibilidade de filosofia e de história da filosofia. Deleuze chegou
certa vez a afirmar:

(...) comecei pela história da filosofia quando ela ainda se impunha. Não via
maneira de me esquivar disso. Não suportava Descartes, os dualismos e o
Cogito. Nem Hegel, as tríades e o trabalho do negativo. (DELEUZE;
PARNET, 2004, p. 22).

Com isso, Deleuze se esquiva de sistemas de compreensões binárias. Assim, seria


preciso compreender a história e a história da filosofia por uma outra via que não a que
sugere “este é A e este é B”, mas, sim, compreender as oposições entre A e B a partir das
relações intrínsecas que ligam A à B e que, sem esta relação, sem este entre-lugar que liga
os dois opostos, sem a diferença, A e B não existiriam. Trata-se, portanto, de pensar a
história da filosofia a partir da diferença que a constitui sem que isso exija um binarismo,
até porque qualquer binarismo implicaria em uma não relação

As potencialidades do ensino de Filosofia e História para a formação do pensamento


de jovens estudantes da educação básica

Tecidas as considerações acerca das relações entre a Filosofia e a História, neste


momento o foco será em uma análise sobre as potencialidades dessas duas áreas do
conhecimento para a formação do pensamento de estudantes que frequentam a educação
básica.
Uma primeira abordagem acerca da filosofia postulada por Marilena Chauí
(2012), diz o seguinte
(....) uma primeira resposta à pergunta “o que é filosofia” poderia ser: “a decisão
de não aceitar como naturais, óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as
situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais
aceita-los sem antes havê-los investigado e compreendido”. (CHAUÍ, 2012,
p.21).

Se consideramos essa afirmação em relação aos estudantes da educação básica,


Chauí (2012) nos sugere que a primeira atitude, perante os diversos acontecimentos da
vida diária é, no mínimo, a de levantar questionamentos. Jamais devemos aceitar, de
imediato, ideias ou visões sem antes exercermos uma reflexão crítica sobre elas. Neste
sentido, a autora aponta que a filosofia surge justamente quando os seres humanos
começam a exigir provas e justificações racionais que validem ou invalidem as crenças e
ideias cotidianas. Em outros, devemos ter uma atitude crítica perante nossas crenças.
A filosofia possui uma origem idiomática grega, composta por duas palavras:
Philo, que significa “aquele ou aquela que possuem sentimentos amigáveis”; e Sophia
que significa “sabedoria”. Logo, Filosofia significa “amizade pela sabedoria ou pelo
saber”. A invenção desta palavra é atribuída ao filosofo grego, da antiguidade, Pitágoras
de Samos. (CHAUÍ, 2012).
Irineu Strenger (1998) afirma que a filosofia grega abarca um período de seis
séculos antes e seis séculos depois de Jesus Cristo. Ela pode ser dividida em quatro
grandes períodos:

 1º) De Tales de Mileto até Sócrates (séc. VII ao séc. V a.C.): preocupações de
cunho cosmológicas;
 2º) Sócrates, Platão e Aristóteles (séc. V e IV a.C.), com preocupações
psicológicas;
 3º) Depois da morte de Aristóteles até o surgimento da escola Neoplatônica (fim
do séc. IV a.C. ao séc. III d.C.): com preocupações de cunho moral;
 4º) a escola Neoplatônica (do séc. I d.C. até o fim da filosofia grega, no séc. VI
d. C.), com preocupações místicas.

Essa exposição é válida porque ainda hoje o pensamento grego exerce influência
sobre o pensamento filosófico da atualidade e isso é importante esclarecer aos nossos
estudantes. Não é raro, por exemplo, intelectuais e filósofos retornarem a Sócrates ou
Aristóteles para refletirem sobre a ética na sociedade, sobre a felicidade a partir de
diferentes correntes, como o epicurismo ou o estoicismo. É aí que reside o grande
interesse pela história da filosofia e pelo que ela pode fornecer para a vida humana.
Ao longo dos séculos a filosofia foi se constituindo como um campo de reflexão
sistematizada convencionou-se a dividi-la nas seguintes etapas: filosofia da antiguidade,
filosofia medieval, filosofia moderna e filosofia contemporânea. Os diversos filósofos
criaram inúmeros conceitos e estabeleceram aquilo que podemos chamar de os pilares
básicos da filosofia ou grandes temas. Paul Kleinman (2014) os relaciona da seguinte
maneira:

 Metafísica;
 Lógica;
 Epistemologia;
 Estética;
 Política;
 Ética.

Cada uma dessas áreas pode contribuir para a ampliação do referencial cultural dos
estudantes e o modo como eles enxergam as diversas relações cotidianas entre os seres
humanos.
A Metafísica é a investigação filosófica a respeito do que é a realidade, o que existe
e qual é a essência daquilo que existe. Os filósofos gregos como Platão e Aristóteles
procuravam investigar a realidade em si, baseados não em dados obtidos da experiência
sensível, mas nos puros conceitos formulados pelo intelecto humano. Já o filósofo escocês
David Hume (séc. XVIII) afirma que os conceitos metafísicos não passam de nomes
gerais que damos as coisas pelo hábito mental de associar em ideias, sentimentos,
emoções, sensações, dentre outros. (CHAUÍ, 2012).
Para Kant, a metafísica deve ser uma forma de conhecimento de nossa própria
capacidade de conhecer, uma crítica da razão pura teórica. A metafísica contemporânea
é denominada de Ontologia e investiga os diferentes modos como os entes ou seres
existem; analisa a essência ou o sentido desses entes ou seres. Em suma, a ontologia
descreve as estruturas do mundo e dos modos de pensamento humano. (CHAUÍ, 2012).
A Lógica é uma área da filosofia que se estuda o desenvolvimento de raciocínios e
argumentos. De maneira geral, os investigadores dessa área preocupam-se em
compreender as relações que se estabelecem quando as pessoas raciocinam, entre o que
se sabe e o que é colocado em hipótese (ponto de partida) e as conclusões. Desse modo,
conforme apontam Laurence Bonjour e Ann Baker (2010) lançar outras alegações em
suporte de uma alegação que você está defendendo, é oferecer um argumento. Na
filosofia, este é o momento do estabelecimento de reflexões sobre argumentos e de dar
razões lógicas para estes argumentos.
A Epistemologia pode ser definida como o estudo do conhecimento e de como o
adquirimos. Por muito tempo filósofos e outros intelectuais tentam explicar como o
fenômeno do conhecimento acontece e qual a sua confiabilidade. Bonjour e Baker (2010)
afirmam que a epistemologia trata então das relações de pensar, conhecer e compreender
os aspectos cognitivos da realidade. De outro modo, podemos também pensar, a
epistemologia como a investigação sobre as possibilidades do conhecer, a origem do
conhecimento, a essência do objeto do conhecimento, os tipos de conhecimento e os
métodos de obtenção do conhecimento. (CASTANON, 2007).
A Estética, segundo Chauí (2012), refere-se ao estudo das obras de arte quanto
criações da sensibilidade (das experiências dos cinco sentidos e dos sentimentos causados
por elas), tendo sempre como finalidade o belo. Passou a designar uma área da filosofia
cujo objeto são as artes. De maneira mais específica:

Do lado do artista e da obra, a estética busca compreender como se dá a


realização da beleza; do lado do espectador e receptor, busca compreender
como se dá a reação à obra de arte sob a forma do juízo de gosto ou do bom
gosto. (....) Como seu nome indica, a estética se ocupa preferencialmente com
a expressão da sensibilidade e da fantasia do artista e com o sentimento
produzido pela obra sobre o espectador ou receptor. (CHAUÍ, 2012, p.8).

Daniel Herwitz (2010) observa que a riqueza da estética consiste nas múltiplas
posições culturais a partir das quais tomou forma a reflexão sobre a arte, sobre o belo,
sobre a sublimidade, sobre a natureza, sobre a intuição e sobre a experiência. Desse modo,
não há como compreender a estética como algo desvinculado da filosofia e também do
campo da arte.
Quanto a Política, podemos concebê-la como o estudo dos direitos, das relações
de poder e do papel dos cidadãos (KLEINMAN, 2014). A palavra política é grega:
politika vinda de pólis (cidade enquanto espaço cívico, comunidade organizada, formada
pelos cidadãos. O filósofo Aristóteles compreende a política como uma habilidade
humana de organizar e orientar as relações internas e externas dos grupos sociais
estabelecendo normas e ações que visam a superação das adversidades, em prol do bem
comum. Todavia, nas diferentes sociedades, a política desenvolve-se de maneira
diferente. Está associada ao poder do estado, poder ideológico, poder econômico, dentre
outros.
Por fim, outro campo fundamental da filosofia essencial na formação dos
estudantes da educação básica é a Ética. Por ética, a compreendemos como um conjunto
de princípios e normais que auxiliam os indivíduos a distinguirem o bem do mal, o certo
do errado, o justo do injusto, cujo objetivo final é estabelecer a boa convivência em
sociedade. É importante considerar que não há como pensar a ética sem outro termo
essencial: a moral. (CHAUÍ, 2012).
A moral também se refere a um conjunto de normas e princípios, porém, que
balizam o comportamento individual. A ética, enquanto um ramo da filosofia, é uma
ciência que estuda o comportamento moral dos seres humanos na sociedade e fornece
suportes a moral. (PASSOS, 2004).
Por fim, o conjunto das reflexões oferecidas pela filosofia contribuem para que
os alunos compreendam aspectos fundamentais da convivência humana, sobretudo o
conceito de ética. Além disso, a filosofia proporciona uma ampliação sobre a visão de
mundo dos alunos, isto é, para a formação do pensamento político, senso estético e a
metafísica.
No que tange a História, O ensino de História é complexo e ao professor cabe a
responsabilidade de desenvolver um aprendizado que possa contribuir para a formação
do pensamento crítico e reflexivo. O desafio do professor hoje diante de toda a
modernidade tem sido maior, pois necessita diversificar as fontes utilizadas durante as
aulas. (FONSECA, 2003).
Segundo Holien Bezerra (2005), objetivo primeiro do conhecimento histórico é
sem dúvida a compreensão dos sujeitos históricos, o desvendamento das relações que se
estabelecem entre os seres humanos em diferentes tempos e espaços. Procura-se apontar
os desdobramentos que se impuseram com o desenrolar das ações desses sujeitos.
Para Selva Guimarães Fonseca (2003), a História em todas as suas dimensões é
formativa. Neste contexto, destaca-se a importância do ensino, dos saberes, das
metodologias, das práticas e didáticas, pois através destas e somada ás experiências
humanas é que entendemos as ideias e ações dos homens e mulheres no tempo. Refletir
o ensino de História na atualidade é refletir sobre tudo nos processos formativos que se
desenvolvem nos diversos espaços.
No espaço em sala de aula segundo é que professores e alunos travam embates,
onde o professor torna os conhecimentos históricos explícitos e toma a possibilidade de
guia dos saberes e ao mesmo tempo aberto aos problemas e opiniões de seus alunos. É na
aula que o professor mediante o conhecimento que possui, pode oferecer aos alunos a
apropriação dos saberes históricos existentes através de atividades. A sala de aula não é
apenas um espaço de transmissão de informações, mas sim de relação dos interlocutores
que constroem sentidos. (SCHMIDT, 2002).
Ensinar não é apenas transferir conhecimentos, mas dar aos alunos a possibilidade
de construir tais conhecimentos. (FREIRE, 1996). O professor traz os conteúdos, porém
não é suficiente que sejam apenas estes ensinados mesmo que bem ensinados. Deve haver
a conexão com a realidade humana e social vivida. É necessário que os alunos se
reconheçam nas ideias e atitudes que o professor lhes mostrou.
De acordo com Jaime Pinsky, o professor não deve se ater apenas aos modos de
produção e opressão, embora fundamentais:

(...) mas deve mostrar que graças à cultura de nós homens, membros da
sociedade temos tido talento para nos vestir mais adequadamente que os ursos,
construir casas melhores que o João-de-barro, combater com mais eficiência o
tigre, embora cada um de nós seres humanos, tenha vindo ao mundo
desprovido de pêlos e espessos bicos diligentes ou garras poderosas. (PINSKY,
2005 p.20).

Os alunos devem se reconhecer como os verdadeiros agentes históricos da


sociedade constituída. A atuação do docente neste processo implica em sua percepção
crítica da realidade e na busca de caminhos e formas de organização e execução dos
trabalhos pedagógicos. Uma análise e seleção dos conteúdos a serem transmitidos devem
ser feitas e cabe ao professor o esforço de capacitação contínua, de modo a cumprir o seu
papel dentro da sala de aula. (CAPORALINI, 1991).
Por fim, quando um professor ensina História ou Filosofia, ele deve estar
consciente da responsabilidade social que possui perante os alunos e deve ainda se
preocupar em ajudá-los a compreender o mundo em que vivem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho procurou tecer uma análise sobre os campos da filosofia e história
e de que forma essas duas áreas podem contribuir para o desenvolvimento do pensamento
reflexivo e crítico dos estudantes da educação básica. Destacamos que cada área pode
estimular uma via diferente de pensamento, seja político, crítico, metafísico e ainda
contribuir para o entendimento de que a vida em sociedade perpassa uma construção
histórica.
O ensino de Filosofia e História deve possibilitar que aluno compreenda que ele é
um homem/mulher do seu tempo, e mesmo dentro das limitações que lhe são
determinadas, possui a liberdade de optar. Sua vida é feita de escolhas que ele com grau
maior ou menor de liberdade, pode fazer como sujeito da sua própria História. (PINSKY,
2005).

REFERÊNCIAS

ARENDT, H. As origens do totalitarismo: anti-semitismo, instrumento de poder.


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BEZERRA, Holien G. Ensino de Histórica: Conceitos e Conteúdos Básicos. In:
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